Sobre um ética neorrealista em O Delfim, de José Cardoso Pires que começa no início do Século XX com Húmus, de Raul Brandão

May 31, 2017 | Autor: Pablo Rodrigues | Categoria: Literatura Portuguesa, José Cardoso Pires, Raul Brandão
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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro, 25 de Maio de 2015.
Aluno: Pablo Baptista Rodrigues – DRE: 11120197 – Turma: LED
Disciplina: Narrativa Portuguesa II
Professora: Viviane Vasconcelos

Como é possível uma permanência de uma ética neorrealista em O Delfim, de José Cardoso Pires? Antes reflita como os problemas da escrita da história podem acontecer na escrita ficcional. Pensem no percurso que começa no início do Século XX com Húmus, de Raul Brandão.

Podemos situar a produção literária de Raul Brandão por meio de um afastamento progressivo do "excessivo esoterismo esteticista" dos escritores da geração de 90. Porém, mesmo se afastando de sua geração, ele dialoga com o grupo de intelectuais pequeno-burgueses de Portugal, não "superando" o pessimismo de sua época. A geração de intelectuais de 90 não se configura especificamente, como um projeto de intervenção social de base humanista, no intuito de transformar a sociedade portuguesa pelo esclarecimento das mentes, mas apresenta-se como forma de instituir comportamentos e práticas estéticas que neguem os ideais burgueses.
A negação provida pela geração de Raul Brandão é a atitude anti-intelectualista, contrária ao egocentrismo e ao idealismo. Na geração anterior, geração de 70, a conquista das renovações na linguagem poética foi atingido, porém essa geração se apresentava por vezes elitistas. Logo, Raul Brandão e seus contemporâneos não se veem mais representados pela Geração de Coimbra, e promovem uma modificação na literatura portuguesa.
No plano econômico, Portugal manifesta seu capitalismo de forma rudimentar, tendo uma fraca força produtiva. A população ativa está concentrada no setor agrícola e no peso que o artesanato representava para a economia nacional. Os primeiros passos de uma industrialização ocorreriam no período entre 1881 e 1917, com um aumento de 1350 fábricas, para 5491, com o operariado concentrado em Lisboa, Porto e Setúbal.
Já no plano político e social, o sentimento de decadência nacional é acentuado com o Ultimatum Inglês (1890), a partilha da África, a crise econômica de 1891, o descrédito do constitucionalismo monárquico e a abortada revolução republicana de 31 de Janeiro de 1891. Soma-se a isso, a revolução burguesa de 1910, que não modifica a situação portuguesa, frustrando os ideais da pequena-burguesia de Portugal.
O cenário português portanto, é de contradição. Tem-se o desenvolvimento do capitalismo, e o aniquilamento dos pequenos produtores rurais. O passado mitológico, do campo, passa a ser então, alternativa ao desenvolvimento das transformações negativas resultantes da ampliação do sistema capitalista em Portugal.
Nesse contexto, temos Raul Brandão. O autor é a representação do trabalhado intelectual do pequeno proprietário de terra. Em Húmus, observamos um escritor que se coloca para ser transformado, assim como deseja que a sociedade se transforme. Por vezes, a saída é por meio de um niilismo pessimista, ou uma mística, que liberta os explorados. Nem oprimidos, nem opressor.
O que temos em Húmus é o profundo sentimento de crise. O tempo está parado, petrificado. Logo em suas primeiras páginas o leitor se depara com o objeto alvo do narrador desse romance, "A vila". O livro começa, e intensifica, a elaboração do tema da morte: "Ouço sempre o mesmo ruído de morte que devagar rói e persiste…". (BRANDÃO, 1978, p. 41). E por petrificação, podemos entender que a vida humana não está apenas está paralisada, indo contra ao imperialismo do tempo, mas está imóvel nas suas desumanidades:

As velhas como o tempo adquirem a mesma expressão, com o tempo chegaram a temer um desenlace. Debruçadas sobre a mesa as figuras não bolem. Não bolem outras figuras que se envolvem no escuro, e o que me interessa não são as palavras do padre – Jogo; – nem o que a Adélia diz baixinho à Eleutéria, para que a velha temerosa ouça: – A nossa Teodora está cada vez mais moça!... – o que me interessa são as figuras invisíveis: é a dor dessas figuras imóveis, e sobre elas figura maior, curva e attena, que há séculos espera o desenlace. (BRANDÃO, 1978, p. 45)

Tanto a negação, como a criação do "Sonho" é a tentativa de saída que o narrador nos apresenta. De um lado o universo fechado apresentado pela petrificação, "As velhas com o tempo adquirem a mesma expressão", ou seja, chega-se ao ponto de nada mais ocorrer. E em um outro momento, temos Gabiru com a expressão do sonho, "Sim a vida tem minutos belos, quando a gente a esquece. E acima de tudo o sonho. O sonho vale a vida".
Devemos ressaltar, o papel da Vila na narrativa, "A vila é um simulacro. Melhor: a vida é um simulacro". (BRANDÃO, 1978, p. 49). Dentre as acepções de simulacro, que passam desde a representação de uma divindade, um falso aspecto de dada representação, nos chama atenção a que inclui o significado de suposto reaparecimento de pessoa morta. Pois, nas passagens encontramos a morte dissecada como forma de apaziguamento de uma realidade incompreensível, "Um dia – uma semana – um século – e só o pêndulo invisível vai e vem com a mesma regularidade implacável – p'ra a morte! p'ra a morte! p'ra a morte!". (BRANDÃO, 1978, p. 43).
A Vila não é apenas imitação, a representação da morte. A Vila é a vida. Diferença ocasionada não apenas pelas trocas dos fonemas consonantais, /l/ e /d/. A Vila é um espaço da morte, paralisia, suspensão de gestos. Será o sonho o elemento a quebrar e gerar a oposição dentro desse ambiente.
Dessa forma temos a anulação das personagens e a própria anulação da História. Paralisados no tempo, rompe-se com o paradigma do novo/velho. Fixando a narrativa o que temos é problematização eterna dos dilemas, estamos diante de um retomada infinita dos mesmos conflitos. A repetição passa a ser forma de intensificação: "Está manhã de chuva é um minuto no rodar infinito dos séculos, e os seres que passam meras sombras. Tudo isto me pesa e pesa-me também não viver". (BRANDÃO, 1978, p. 53).
Anula-se também as questões de gênero literários, não ocorrendo a simples classificação aos moldes tradicionais, e por consequência a colocação do questionamento do lugar da linguagem. O que temos é a indefinição da narrativa por meio de um eu que se desdobra, lembremos do personagem Gabiru, e oferece ao leitor uma obra que busca significar um mundo de negatividade eternizada.
Desse modo a relação social apresentada por Raul Brandão é "estática". Não há justificação da desigualdade social, mas nos é apresentado um quadrado de desesperança. Os pobres em Húmus se alimentam de dor, e a partir disso alimentam os outros:

Não compreendo este ser [Joana]. Viro-o, reviro-o. É um nada com duas ou três ideias no caco. Cheira mal, cheira a aziumado. Passou a vida a aturar os doentes e a vida repele-a. Apaga-se e a vida acaba por fazer Joana de unhas roídas, peles no pescoço e olhos turvos, uma figura disforme. Irrita-me e prende-me. Sei como a Joana se encortiça dum lado e se faz sensibilidade do outro. Posso dizer quase dia a dia como as mãos se lhe deformam, como os olhos se lhe aguam, explicar como a mulher da esfrega se parece com o pano da esfrega. Não sei explicar o resto. Como este molho de ossos e alguns farrapos no corpo, há um fiozinho de oiro a reluzir, um fio que teima em aparecer à tona e em se misturar à água de lavar a louça. Anos, velhice, desgraça – e teima. Teima até o caixão. ( (BRANDÃO, 1978, p. 101)

Joana então, é a personagem representativa desse mundo criado por Raul Brandão. Ela é o alvo de observação do narrador, "Viro-o, reviro-o", sem chegar a uma conclusão dessa realidade. A personagem é um ser que suporta o outro, mas ao mesmo tempo que a vida a repele. A vida de Joana se vai pelas mãos, lembremos da abertura da obra "morte que devagar rói e persiste", e aqui "Joana de unhas roídas". Não havendo portanto, revolta, consciência de classe, transformação da situação coletiva.
O diálogo que podemos realizar aqui, com obras posteriores, é que Húmus de Raul Brandão, será o solo fértil para uma produção a posteriori, visando a transformação social tão desejada e necessária no cenário de crise do século XX. Se pensarmos em um plano social, uma espécie de ponto que tangencia as obras aqui selecionadas, podemos perceber a preparação, o ápice, e os resquícios de uma ética neorrealista em solo português, presentes todas as ressalvas em Húmus (1917), evidentemente em Gaibéus (1939), e problematizável em O Delfim (1968).
Observamos inicialmente, que em Húmus tivemos um eu que observa a Vila e sua realidade social petrificada, mas que não há a ideia de coletividade, nem ao mesmo a transformação da realidade, a não ser pelo sonho. Nessa passagem da produção literária da segunda década do século XX, para a terceira do mesmo século, as questões sociais entram em pauta na literatura. Tem-se então, uma expressão ideológica de estética neorrealista, com um caráter peculiar em solo português.
Dentre as reflexões levantada por Mario Sacramento, em Há um estética neo-realista?, observamos duas que nos é interessante. O questionamento levantado por Sacramento é se há um "movimento neorrealista", o que com algumas teses ele pretende afirmar que não, mas sim uma "literatura neo-realista". Nesse caso nos chama a atenção uma literatura realista que é compreendida como única forma de "expressão viável de aspectos da vida social que, noutras circunstâncias, teriam cabido ao jornalismo, à política e ao livro". Nas palavras de Alves Redol temos: "Este romance não pretende ficar na literatura como obra de arte. Quer ser, antes de tudo, um documentário humano fixado no Ribatejo. Depois disso, será o que os outros entenderem". (REDOL, 1989, p. 9).
A arte passa a estar vinculada então, a uma ideologia mais evidente. A produção artística passa a estar contra a postura conservadora de uma classe que deseja se perpetuar no poder. Vale ressaltar que não podemos reduzir a Literatura, Gaibéus por exemplo, a um romance apenas crítico a ideologia de seu tempo. E enquanto existir um cenário de injustiça, em qualquer tempo de nossa história, a obra de Redol, se fará atual. O que o autor já nos permitir realizar: "Depois disso, será o que os outros entenderem". Estando nós agora, nesse tempo "Depois".

Gaibéus seria um compromisso deliberado da reportagem com o romance, em favor dos homens olvidados e também da literatura aviltada. Não consegui voar tão alto nem tão longe. Mas, perante a ameaça que depois tão tragicamente todos provaram na consciência, ou na própria carne, Gaibéus quis ser, e foi, um dos gritos extactos de um drama colectivo e privado. (REDOL, 1989, p. 24)

Esse romance que inaugura o neorrealismo português se coloca através de um "espírito de oposição". Nasce contra o mundo da técnica e da alienação do homem frente ao trabalho desempenhado: "Gaibéus nasceu quando muitos morriam por nós". Com isso temos a circunstâncias históricas em Portugal "necessitando" de uma expressão a altura de sua situação social e político-econômica, mas uma relação de Portugal como representante do mundo. Não só em questões da ordem social e histórica, evidentemente, mas também a abertura ao aprendizado de um novo tipo de escritor e a criação de uma nova consciência de homem.
Em um dos trechos do primeiro capítulo da obra temos as condições dos personagens:

Caminhavam aos grupos, aturdidos. De fatos assolapados por remendos, de barretes e chapéus puxados para os olhos, ficava-lhes mais sombrio o parecer dos rostos tisnados pelas soalheiras da vindima.
Enrolavam-se alguns em gabões desbotados, trazendo ao ombro sacos e foices, paus e caldeiras.
E as mulheres, embrulhadas em xailes desfiados ou saias casteleta pelos ombros, marchavam silenciosas, de pés descalços. (REDOL, 1989, p. 34)

No amanhecer do sol os trabalhadores do rancho eram acordados. Iam para um campo "praguejado", onde "Todos os anos esperanças novas e a reposta matava-as". A dignidade humana é coloca aqui quase a zero, não sendo extinguida devido a possibilidade do canto, que traz a memória, e portanto, a lembrança, que em tal situação é confortante: "…Era o vinho que eu mais adorava…/Era o vinho, meu Deus, era o vinho…". Uma espécie de pedido que esconde o possível desejo de fuga pelo embriagar-se.
É de se esperar que a relação homem e máquina está colocada nessa narrativa como elementos quase únicos, isto é, o homem é a máquina, o homem é o gado. É a denúncia, a reportagem como diria Redol, frente ao trabalhado desumanizador do homem: "Homens e mulheres, enrolados nas mantas listradas, dormem pelo chão, em ressonares profundos, sobre esteiras ou em palha, como o gado que está na mota a remoer". (REDOL, 1989, p. 41). Ainda no mesmo trecho, percebe-se que os trabalhadores perdem até a noção de gênero, pois não ali divisões: "Estão ali, sem divisões de sexo, vencidos pelo torpor que o trabalho lhes deixa nos corpos". (REDOL, 1989, p. 41).
Sobre a nova criação de consciência que o neorrealismo traz, como nos diz Mário Sacramento, Gaibéus, demostra como homens se modificam na relação homem-objeto, mas também na relação homem-homem, pois todos "Olham-se estranhos, sem palavras, movendo-se em gestos lentos". (REDOL, 1989, p. 41). E o que se vê não são as condições degradantes apenas, mas também as físicas, pois "Nas camisas dos homens desenham-se as omoplatas, agitadas como êmbolos cansados pelo mover das foices e pelo amontoar das espigas". (REDOL, 1989, p. 52)
A animalização do homem é presente no decorrer da narrativa "O outro envolve o olhar humilde de animal pacífico". Tudo isso para ressaltar a falta não de vida, mas de consciência. A criação portanto da consciência passa muito mais pela denúncia da possibilidade de sua perda e ausência, revelandos pelo romance, "Eram grande [os olhos] que nem faróis, mas não tinham luz lá dentro", "Volve o olhar e já não pede tréguas".
Os personagens por vezes descaracterizados de Gaibéus, remete ao coletivo formado pela anulação da individualidade. É a forma que o escritor encontra de fazer de sua literatura um relato sobre desumanização das condições de trabalho, "Gaibéus lhes chamam".
Dessa literatura observamos seu caráter profundamente social, o que possibilitou um enquadramento dessa produção em uma estética neorrealista. Como questionamento proposto, e após a breve observação de Gaibéus, questiona-se por fim, como O Delfim, de José Cardoso Pires, apresenta uma ética neorrealista. Seja no diálogo, por meio da manutenção, pelo afastamento desse plano ético.
Maria Lucia Lepecki afirma que os textos de Cardoso Pires se organizam "essencialmente em torno do problema do trabalho, eixo que não só delimita espaços opostos de classes opostas, mas ainda propõe diferentes formas de luta como o único convívio possível entre personagens localizados de um ou de outro lado da linha divisória". Tal afirmação nos permite associar de imediato Gaibéus e O Delfim. Uma primeira leitura poderia de fato, dizer que há, uma estética plenamente neorrealista em O Delfim. As questões sociais podem ser vistas na opressão dos Palma Bravo ao povo da Gafeira. E também da tomada coletiva da Lagoo.
Entretanto, não temos na obra de Cardoso Pires, apenas um convite a uma revolução social, ou ainda a descoberta do culpado de um crime. Percebemos que o autor coloca em questionamento o próprio fazer da História, não apenas questionando-a, mas também pelo ato da escrita, "escrevendo" o papel do narrador e escritor. Nos primeiros parágrafos temos:

Cá estou. Precisamente no mesmo quarto onde, faz hoje um ano, me instalei na minha primeira visita à aldeia e onde, com divertimento e curiosidade, fui anotando as minhas conversas com Tomás Manuel da Palma Brava, o Engenheiro.
Repare-se que tenho a mão direita pousada num livro antigo – Monografia do Termo da Gafeira – ou seja, que tenho a mão sobre a palavra veneranda de certo abade que, entre mil setecentos e noventa, mil oitocentos e um, decifrou o passado deste território. (PIRES, 1978, p. 9)

As primeiras informações fornecidas por esse narrador personagem é o seu lugar geográfico. Mais uma vez ele se encontra na Gafeira, no mesmo quarto, depois de um ano de sua primeira visita. Como uma espécie de "escrita de si mesmo", esse narrador é profissionalmente escritor, que não está somente realizando as atividades de caça, mas também se colocou a escrever, e a procurar as causas de um crime envolvendo Tomás Manuel Palma Brava, sua esposa Maria Mercês, e seu empregado Domingos.
O questionamento da escrita da História se dá, pela utilização do livro que dá base a documentação da narrativa. A Monografia do Abade é tida como fonte confiável e isenta sobre a Gafeira. Porém, isso não basta para compreender todo desenrolar dessa região. O escritor-narrador usa também a sua memória, "Cá estou. Precisamente no mesmo quarto onde, faz hoje um ano, me instalei na minha primeira visita", e seu olhar "Visto da janela onde me encontro". E também os dizeres dos habitantes daquele lugar "[Disse o Velho] O Domingos foi morto pela patroa", [Disse o Batedor]: De qualquer maneira fugiu João Palma Brava. E quem foge é porque não quer se apanhado. Essa que é.". (PIRES, 1978, p. 32)
O escritor que exerce atividades de caça recusa então, o lugar de narrador omnisciente criando um pacto de leitura com o leitor, por meio da escuta das "inúmeras vozes" que perpassam a narrativa. Temos por parte do leitor um pacto com o fingimento. Todos, narrador e leitor tem o mesmo grau de conhecimento. A pluralidade de informação permite então, que o foco se desloque do crime para o como, isso para a busca de apreender a totalidade do real. Eis uma diferente evidente do narrador de Gaibéus, que fornece apenas o seu relato sobre os fatos, por meio de um único olhar.
Em uma posição não apenas de mero escritor, mas de um escritor didático, uma "pedagogia da desconfiança", José Cardoso Pires na construção de O Delfim faz com que o leitor esteja "infiltrado no camarim de um ilusionista". É também, a criação de um leitor crítico, atento, capaz de desconfiar de qualquer afirmação dada por qualquer personagem. O leitor chega portanto, em um estágio limite da consciência entre o real e o ficcional. Observa-se então, uma narrativa com sucessões de planos que se relacionam, isto é, a seleção, a classificação de versões da história da morte de Maria Mercê e Domingos.
Unir três romances de tal importância e tentar buscar aqui um "fio condutor" para nossa análise é uma atividade laboriosa, trabalho que se coloca incompleto, desde o seu início. O que podemos perceber é que apesar do romance de Raul Brandão não ter um viés marcadamente político, temos a apresentação de um coletivo petrificado, ou ainda, que é capaz de modificar a vida, mas não o medo da morte. É uma narrativa em que o narrador olha para si, e volta-se para fora por meio de outro eu, Gabiru. Não há algo que una esse coletivo, nem mesmo pelo padecimento generalizado.
Diferente do primeiro romance, o texto de Alves Redol é profundamente marcado por uma ideologia, uma crítica aos trabalhos desumanizadores do rancho. A arte está claramente a serviço da denúncia. A obra inclusive, não tem a intenção de ser artística, mas sim de ser um documento. Podemos aproximar então essa obra, devido a esse narrador "documentarista", a uma estética neorrealista. Não temos aqui um movimento literário, um estilo linguístico próprio, mas sim o conteúdo socialmente marcado.
Por fim, observa-se em O Delfim o plano social. A opressão dos Palmas Bravo na aldeia da Gafeira. Porém não é possível pensar em uma narrativa neorrealista aos moldes de Gaibéus. Se há um convite a revolução em O Delfim, ele se dá pela escrita autoreferencial de José Cardo Pires. Há uma manutenção do compromisso social, a Lago é por fim tomada, mas esse compromisso ocorre mais pela escrita do que somente pelo conteúdo. José Cardoso Pires então, não trabalha apenas com o conteúdo, mas tenta pelo equilíbrio da forma e do conteúdo a mais realizar sua revolução.



REFERÊNCIAS
BRANDÃO, R. Húmus. Lisboa: Seara Nova, 1978.
LEPECKI, M. L. Ideologia e imaginário: ensaio sobre José Cardoso Pires. Lisboa: Moraes Editores, 1977.
MATTER, M. D. S. B. A tradição neo-realista. In: MATTER, M. D. S. B. A excursão neo-realista: o lugar do literário na tradição da utopia. Rio de Janeiro: UFRJ/Faculdade de Letras, 2010. p. 16-27.
MONTAURY, A. O Delfim, narrativa de entrelinhas. Cátedra Padre Antonio Vieria (PUC-RJ), Rio de Janeiro. Disponivel em: . Acesso em: 26 Maio 2015.
PIRES, J. C. O Delfim. 7. ed. Lisboa: Moraes Editores, 1978.
REDOL, A. Gaibéus. 22. ed. Alfragide: Caminho, 1989.
SACRAMENTO, M. Há uma estética neo-realista? Lisboa: Vega, 1985.
SAMUEL, R. Arte e Sociedade. In: SAMUEL, R. Manual de Teoria Literária. Petrópolis: Vozes, 1984. p. 7-16.



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