SOBRE UMA ESQUERDA BRASILEIRA PT-OPOSITORA EM 2017 E A TESE DO GOLPE DE BAIXA INTENSIDADE

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SOBRE UMA ESQUERDA BRASILEIRA PT-OPOSITORA EM 2017 E A TESE DO GOLPE DE BAIXA INTENSIDADE On the PT-Antagonist Brazilian Left Wing Movement in 2017 and the Thesis of the Low Intensity Coup “Presidente, o movimento indígena não vai fcar parado vendo o golpe passar, mas Presidente, o modelo de desenvolvimento está errado!” Trecho (reconstituído de memória) do discurso da liderança indígena Sônia Guajajara ao ex-presidente Lula, em manifestação/espetáculo pró-PT contra o impeachment, ocorrido na Lapa, Rio de Janeiro, no segundo semestre de 2016.

Raoni Valle Programa de Antropologia e Arqueologia Universidade Federal do Oeste do Pará Alter do Chão, Pará, 04/03/2017 Resumo: Neste artigo tento identifcar e analisar preliminarmente o fenômeno sócio-político da divisão dentro de uma esquerda brasileira de oposição as experiências de governo federal do PT (Partido dos Trabalhadores) a partir de um marco referencial, o entendimento heterogêneo sobre o golpe de estado de baixa intensidade envolvendo articulações entre os poderes legislativo e judiciário, caracterizado entre outras coisas pelo impeachment da presidente Dilma Roussef. Aponto que tal marco de referência é consistente o sufciente para gerar um ponto de fssura política dentro do conceito de esquerda de oposição ao PT, entre aqueles que defendem a tese do Golpe de Baixa Intensidade e aqueles que refutam a tese do Golpe de Baixa Intensidade. Tal fssura é apontada como problemática e potencialmente indicadora de difculdades ulteriores tendo em vista um processo de restruturação da Esquerda Brasileira perante os desafos do biênio 2017/2018. A ideia de Guerra de Baixa Intensidade é utilizada para iluminar o processo do golpe de 2016-2018 e algumas hipóteses são apresentadas sobre os perfs sócio-político das duas categorias de esquerda levantadas. Palavras-chaves: Esquerda Brasileira PT-Opositora; Golpe de Baixa Intensidade; Divisão Sócio-Política; Reconstituição da Esquerda Brasileira. Abstract: In this article I try to establish a preliminary identifcation and analysis of a socio-political phenomenon characterized by the division inside the Brazilian PT-Antagonist Left Wing Movement (BPTAL) taking as a frame of reference the heterogeneous understanding on the Low Intensity, parliamentary and judiciary-based Coup De'état of 2016-2018, marked by President Dilma Roussef's impeachment. This frame of reference is hypothesized as strong and consistent enough to generate a deep fssure in the BPTAL movement

between those who defend the thesis of the Low Intensity Coup and those who refute the thesis of the Low Intensity Coup. Such fssure is treated as problematic and potentially harmful considering the need for a Brazilian Left Wing reconstitution to face the great challenges imposed by the political conjuncture of 2017/2018. The concept of Low Intensity Warfare is applied to cast some light into the nature of the 2016-2018 Brazilian Coup De'état and some hypothesis on the socio-political profles of the two identifed categories are provided. Key Words: Brazilian PT-Antagonist Left Wing; Low Intensity Coup; Socio-Political Division; Brazilian Left Wing Reconstitution.

Introdução Ontem me deparei com uma constatação curiosa, ingênua até certo ponto. Na verdade, já venho observando isso há algum tempo em algumas pessoas. Mas ontem caiu a fcha. Não há um consenso entre as pessoas que se auto-identifcam como parte de uma Esquerda que fez/faz oposição ao PT com relação à ruptura política atual no Brasil, epitomizada pelo impeachment da Presidente Dilma Roussef. Para algumas destas pessoas não teria havido o golpe parlamentar e judiciário que muitos entendem estar em curso no Brasil (vou chamar de “Golpe de Baixa Intensidade” em alusão à doutrina contra-insurgente de Guerra de Baixa Intensidade desenvolvida pelos departamentos de Inteligência e Contra-Informação de Washington nos anos 50 do século XX e praticada em toda America Latina e alhures desde então, por entender serem processos mais do que análogos, homólogos). Desta maneira, me parece que existe um subgrupo dentro da Esquerda PT-Opositora que se identifca com a tese do “não foi golpe”. Para estes haveria, de fato, uma relativa continuidade de um mesmo projeto/processo político, em um certa dimensão mais profunda. Minha 'surpresa', e aí a minha ingenuidade, veio do entendimento de que dentro da Esquerda PT-Opositora (que já é uma subdivisão dentro da Esquerda Brasileira), a natureza política do processo atual vivido no Brasil é um “debate”, na melhor das hipóteses, que segue em aberto neste ano de 2017. A partir desta ideia de debate em aberto então, penso ser possível dividir a categoria política Esquerda PT-Opositora em, ao menos, dois subgrupos: (1) defensor da tese do golpe de baixa intensidade (acrônimo EPTO-DTG); (2) refutador da tese do golpe de baixa intensidade (acrônimo EPTO-RTG). A surpresa nem é tanto em relação à heterogeneidade nas leituras acerca da natureza político-epistemológica do processo de ruptura que, assim como na genética de populações, entendo ser saudável haver diversidade na crítica política. Mas a surpresa deriva do entendimento, a priori, sobre a extensão e a profundidade dessa heterogeneidade que se dá ao ponto de se construir uma narrativa na qual o Brasil vive hoje uma relativa continuidade e não uma ruptura em seus projetos/processos políticos, entre o anterior e o atual. Isto é, uma narrativa de Esquerda que eventualmente negaria a autenticidade de um golpe de baixa intensidade no Brasil em 2016/2017/2018. Um dos elementos dessa argumentação que consegui captar é que não haveria diferenças profundas, ou signifcativas entre os governos do PT e o que aí está, o interino, sobretudo no tocante às articulações entre os 3 poderes e às elites políticoeconômicas dentro e fora do Brasil. Se houver diferença ela é, pois, de caráter retórico ou cosmético. Ademais, esta leitura é colocada, da forma como a tenho percebido, enquanto uma análise política mais consistente, amadurecida, arrojada e em maior profundidade a respeito da conjuntura política atual em relação à tese do golpe de baixa intensidade. O que sugere, em conseqüência, que a leitura oposta estaria vinculada a

uma perspectiva talvez mais ingênua, superfcial e resultado de manipulação midióticopolítica de setores da “Esquerda Hegemônica”.

Perfs Sócio-Políticos Uma coisa curiosa que percebi nas pessoas que, em principio, tenho conseguido identifcar como alinhadas à corrente EPTO-RTG é que elas possuem algumas características mais ou menos compartilhadas. Tal observação pode, naturalmente, ser derivada de um enviesamento preconceituoso de minha parte. Neste sentido, peço desculpas a quem eventualmente entender haver algum tipo de racismo em minhas classifcações preliminares e espero que compreendam se tratar, em princípio, de delineamentos totalmente apriorísticos oriundos de curiosidade e intuição científcopolítica, que apesar de bem intencionada pode estar mal orientada, mas que de forma alguma se coloca como uma análise fnalista das causas e conseqüências de tais divisões. Eventuais inconsistências em minhas observações podem ser também derivadas de um erro amostral (amostra muito pequena quantitativamente), ou ainda erro de método de observação e de experimentação (lembro-me, pois da defnição atribuída a Einstein, que sustenta que executar os mesmos procedimentos e esperar resultados diferentes é loucura). Ainda assim, arrisco a seguinte descrição de perfl em caráter de 'working hypothesis' (as características não estão em seqüência hierárquica): 1 - São pessoas, em grande parte, com avançada formação escolar/acadêmica (mestrado no mínimo); 2 - São pessoas, em principio, intelectualizadas, esclarecidas e politizadas; 3 - São pessoas que poderiam ser identifcadas, em principio, como brancas, em grande parte; 4 - São pessoas, em principio, oriundas da região sudeste do Brasil, em grande parte; 5 - São pessoas, em grande parte, de classe media na origem familiar, ou no padrão atual de vida, ou nos dois. 6 – São pessoas, em grande parte, de marcada atuação político-ativista de esquerda que se assumiram enquanto tal pelo menos nos últimos 20 anos. 7 – Sao pessoas, em grande parte, com idades entre 20 e 50 anos, tendo vivido seu amadurecimento político no máximo na primeira metade dos anos 80 do século XX. Ou seja, são nos casos mais velhos, progenia política da Redemocratização e das Diretas Já. Portanto, não tendo vivido os anos de chumbo da ditadura militar (68-76) com plena maturidade intelectual e política. 8 – Sao oriundos, em grande parte, de famílias com inclinações esquerdistas que apoiaram politicamente, em dado momento, a trajetória histórica do PT. 9 – Se identifcam, em principio, com linhas de pensamento de Esquerda com viés mais anarquista. Em relação à corrente EPTO-DTG tenho mais difculdades em perceber um perfl homogêneo, talvez porque me identifque nesta categoria e a auto-análise é, em muitos casos, mais difícil do que a análise e caracterização do outro, talvez. Mas o fato é que não consigo ver um perfl específco para esse subgrupo. O que me leva a levantar a hipótese de que talvez, e somente talvez, esse grupo seja mais heterogêneo e numeroso quantitativamente. Assim, arrisco a seguinte caracterização tomando eu mesmo como referência parcial (seqüência igualmente não hierarquizada e também em caráter de 'working hypothesis'):

1 – Talvez seja constituído por pessoas com as mesmas características de EPTORTG e com outras características; 2 – Talvez tais pessoas não sejam tão politicamente ingênuas, superfciais e manipuláveis, como poderia se supor desde o ponto de vista de uma narrativa hegemônica da Esquerda, mas não necessariamente verdadeira, sobre a conjuntura política do Brasil 2016/2017/2018. 3 – Estão, em grande parte, na região Nordeste do Brasil, ou são provenientes desta região. Os dois perfs elencados constituem-se como simplifcações brutais de uma eventual realidade dentro do fenômeno EPTO. Tampouco, eles dão conta da complexidade ensejada na questão. Trata-se, de fato, de um recorte arbitrário e incipiente feito em função de uma percepção limitada da realidade política numa esfera local que está sendo generalizada em caráter hipotético. Espera-se tão somente, iniciar uma delimitação político-epistêmica possível para entendimento do fenômeno e estabelecer previsões verifcáveis sobre igualmente possíveis conseqüências futuras de uma tal divisão.

Conclusões Estou tentando formular e testar hipóteses sobre esse fenômeno sócio-político: a divisão em dois subgrupos dentro da categoria EPTO (os DTG e os RTG [de fato, esta constatação deve ser propriamente colocada como também uma 'working hypothesis']). Considero a importância de uma refexão desta ordem auto-evidente. Da forma como vejo, o que está em jogo é a real capacidade profunda de nos articularmos em torno de um paradigma efcaz, honesto, pluralista porém coeso, de Resistência de Esquerda diversifcada e inclusiva mas não contraditória internamente. Paradigma capaz de resistir, em principio, ao massivo ataque do biênio 2017/2018. Arrisco uma analogia escatológica: é possível que 2018 venha a ser para o Brasil o que 1933 foi para a Alemanha 'proto'-Nazista (não me refro a Bolsonaro). E aí sim, parafraseando meus amigos Xukurú do Ororubá quando dizem que “é golpe mas não é knockout”, em 2018 poderemos beijar a lona de vez. Volto a Einstein. A ideia da aplicação de procedimentos iguais gerar expectativa de resultados diferentes ser classifcada como loucura, pode ser entendida, como se ao partir de condições iniciais iguais, e dada a repetição do set experimental, os resultados fnais não serão diferentes. O inverso seria, pois, logicamente verdadeiro, partindo-se de condições iniciais diferentes não se pode esperar alcançar resultados iguais. Considero que a discrepância em torno do entendimento a respeito do Golpe de Baixa Intensidade, polarizando-se em duas teses ou narrativas, uma que defende a existência e a adequação do termo golpe para defnir o processo de ruptura política no Brasil de 20162018, e outra que se constitui enquanto refutação da tese anterior, caracterizam-se, de fato, como duas condições iniciais diferentes. Desta forma, o objetivo de se alcançar um mesmo resultado, a saber, a reconstituição de uma Esquerda Brasileira, pluralista e coesa, diversifcada e inclusiva porém não internamente contraditória, torna-se cada vez mais distante de ser alcançado, tendo-se em vista o biênio 2017/2018.

Referência sugerida Oliveira, Claudio (2017) Nunca Existiu um Governo do PT.

http://revistacult.uol.com.br/home/nunca-existiu-um-governo-do-pt/

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