Sociedade aberta e a construção do provimento jurisdicional no Novo CPC

July 22, 2017 | Autor: Z. Duarte de Oliv... | Categoria: Processo Civil, Amicus Curiae, Reforma Do Código De Processo Civil
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Sociedade aberta e a construção do provimento jurisdicional no Novo CPC Mérito inegável do projeto de Novo Código de Processo Civil (Novo CPC) é a preocupação com a dimensão da legitimidade dos provimentos jurisdicionais, mormente quando presente decisões passíveis de serem expandidas. Lugar comum a constatação de que o constitucionalismo moderno só concebe um estado com qualidades, virtudes estas que lhe dão a configuração de um Estado Constitucional: “Eis aqui as duas grandes qualidades do Estado constitucional: Estado de direito e Estado democrático.”1 Para além da domesticação do domínio político (estado de direito), doura-se a cariz democrática do Estado, pois daí extrai-se a legitimidade do ordenamento jurídico. O processo judicial, enquanto expressão da feição Estatal, não pode, nem deve, ficar infenso à tal dimensão, ser despojado, pura e simplesmente, da qualificação democrática. A par disso, diversos institutos processuais passaram a ser conformados à necessidade de ampliação democrática do debate, objetivando uma abertura procedimental que equalize o déficit de legitimidade democrática do processo, ou seja, caucionando sua atuação contra o risco democrático (GRIMM). Essas aberturas procedimentais conferem maior latitude ao horizonte decisório, privilegiando o caráter pluralista da novel hermenêutica, permitindo ao órgão julgador uma ampliada e mais qualificada perspectiva decisória. É uma nova dimensão da legitimação pelo procedimento (LUHMANN), a qual impõe que novos atores sejam considerados no processo de construção do provimento jurisdicional.   Bem percebeu HÄRBELE, em livro claramente emulado no título deste post, que numa sociedade pluralista, democrática ou, como quis o festejado autor, aberta dos intérpretes da Constituição, os processos que embalem temas de relevância social demandam uma ampliação democrática dos debatedores: “(...) no processo de interpretação constitucional estão potencialmente vinculados todos os órgãos estatais, todas as potências públicas, todos os cidadãos e grupos, não sendo possível estabelecer-se um elenco cerrado ou fixado com numersus clausus de intérpretes da Constituição”.2                                                                                                                 1  CANOTILHO,  José  Joaquim  Gomes.  Direito  constitucional:  e  teoria  da   constituição.  4.  ed.  Coimbra:  Almedina,  1997.  p.  93.   2  HÄRBELE,  Peter.  Hermenêutica  constitucional:  a  sociedade  aberta  dos   intérpretes  da  constituição;  contribuição  para  a  interpretação  pluralista  e   “procedimental”da  constituição.  Tradução  de  Gilmar  Ferreira  Mendes.  Porto   Alegre:  Fabris,  2002.    p.  13.    

Pois bem, o Novo CPC reverberou em diversos dos seus preceptivos a ampliação do debate, com maior vigor nas disposições relativas às decisões de caráter transcendentes, como é expressiva a recepção formal e o tratamento concedido aos amigos da corte. Transcreve-se da cabeça do artigo 138 do Novo CPC: “Art. 138. O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a manifestação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de quinze dias da sua intimação”. Verdade seja, o Novo CPC não reconhece confins instransponíveis ao instituto, abrindo passagem a participação do amicus curiae também em processos de índole subjetiva, res inter alios, quando, por exemplo, a controvérsia seja tingida de repercussão social. Dito às claras e às secas, o Novo CPC pretende construir, pela participação do amigo da corte e, consequentemente, a ampliação do debate, uma decisão mais informada 3 , assegurando ainda substancialidade ao contraditório4. Mas não é só.                                                                                                                 3  “L’apparato  di  informazioni,  dati  fattuali  ed  argomentazioni  giuridiche  che   l’amicus  fornisce,  infatti,  consente  alla  corte  di  esaminare  le  questioni   controverse  in  una  prospettiva  più  ampia  rispetto  a  quella  delineata  dalle  parti  e   le  permette  di  valutare  in  anticipo  quali  potrebbero  essere  gli  effetti  prodotti   dalla  decisione  nei  confronti  di  terzi.  Sotto  questo  profilo,  dunque,  l’amicus   curiae  svolge  l’importante  funzione  di  procurare  alla  corte  <  un’adeguata   conoscenza  della  realtà  (sociale,  econômica,  ecc.)  dalla  quale  nasce  e  nella  quale   vive  un  determinato  “caso”  >  in  modo  che  da  tale  conoscenza  derivi  una   decisione  più  <  informata  >  e  quindi  più  <  giusta  >”  (SILVESTRI,  Elisabetta.   L  ́amicus  curiae:  uno  strumento  per  la  tutela  degli  interessi  non  rappresentati.   Rivista  Trimestrale  di  Diritto  e  Procedura  Civile  n.  3.  Milano:  Giuffré,  set.  1997,  p.   693).  Tradução  livre:  “O  aparato  de  informações,  argumentos  factuais  e   jurídicos  que  o  amicus  fornece,  de  fato,  permite  que  o  tribunal  examine  as   questões  controversas  em  uma  perspectiva  mais  ampla  do  que  a  descrita   pelas  partes  e  permite  avaliar  com  antecedência  quais  seriam  os  efeitos   produzido  pela  decisão  em  relação  a  terceiros.  Nesse  sentido,  portanto,  o   amicus  curiae  tem  a  importante  função  de  proporcionar  ao  Tribunal  <  um   adequado  conhecimento  da  realidade  (social,  economic,  etc.)  de  onde   nasceu  e  em  que  ele  vive  um  determinado  "caso"  >  para  que  a  partir  deste   conhecimento  venha  uma  decisão  mais  <  informada  >  e,  portanto,  mais   :”.   4  BUENO,  Cassio  Scarpinella.  Amicus  curiae  no  processo  civil  brasileiro:  um   terceiro  enigmático.  2.  ed.  rev.,  atual.  e  ampl.  São  Paulo:  Saraiva,  2008.  p.  78/85.  

O Novo CPC, em diversos outros comandos (v.g. artigos 925, § 2o, 947, 980, 1032, § 4o e 1035, §§ 2o e 4o), manteve-se poroso à participação de terceiros na construção de provimentos decisórios potencialmente extensíveis subjetivamente. É assim na alteração de tese jurídica fixada em súmula ou em julgamento de casos repetitivos (artigo 925, § 2o), no incidente de arguição de inconstitucionalidade (artigo 947), no incidente de resolução de demandas repetitivas (artigo 980), no reconhecimento de repercussão geral no recurso extraordinário (artigo 1032, § 4o) e no regime dos recursos especiais e extraordinários repetitivos (artigo 1035, §§ 2o e 4o). De fato, é um avanço considerável o Novo CPC ter assegurado a amplificação do debate na formação do provimento jurisdicional, atribuindolhe um colorido democrático próprio de uma sociedade aberta e pluralista. Todavia, o Novo CPC poderia ter avançado ainda mais, disciplinando o tratamento, a forma de absorção e apropriação desses aportes, trazidos pelos novos participantes, no provimento jurisdicional. O risco é a instrumentalização da participação de terceiros, para considerar que a mera abertura procedimental a sua manifestação é suficiente a pintar de democrático o provimento resultante. Exige-se mais, a efetiva consideração do resultado dessa participação. É imperiosa leitura abrangente do inciso IV do artigo 486 do Novo CPC, para que a decisão alcance os argumentos deduzidos por esses participantes, ou seja, não será fundamentada a decisão que não enfrente os argumentos trazidos pelos convidados a participar do debate. Somente assim teremos a sociedade aberta de intérpretes participando da construção do provimento jurisdicional cujo tônus democrático se dá pela maior distensão argumentativa. Pegando carona na turnê iniciada pelo post de Marcelo Pacheco Machado nesta coluna 5 , podemos dizer que o Novo CPC prefere as bandas aos cantores solo.

                                                                                                                5  Disponível  em:  http://www.jota.info/cazuza-­‐novo-­‐cpc-­‐contradicoes-­‐ ideologias-­‐museus-­‐e-­‐musica-­‐classica  Acesso  em:  13-­‐jan-­‐2014.  

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