Sociedade Civil Quem? Um estudo sobre a relação entre grupos de interesses e o Estado brasileiro

June 30, 2017 | Autor: Nayara Medeiros | Categoria: Democracy, Lobbying, Interest, Lobby, Groups
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Sociedade Civil quem? Um estudo sobre a relação entre grupos de interesse e o Estado brasileiro Nayara F. Macedo de Medeiros1 Resumo: A análise das relações entre sociedade civil e Estado é um dos elementos principais nas discussões sobre democracia no que tange aos conceitos de participação e representação. Grupos de interesse que atuam nas instituições estatais, porém, têm sido pouco abordados pela teoria política, principalmente no contexto do Brasil. O presente trabalho tem como objetivo discutir a atuação dos grupos de interesses na Câmara dos Deputados de forma a analisar quais são as contribuições teóricas que tal objeto de pesquisa pode fazer no âmbito das discussões sobre os padrões de interação entre sociedade civil e Estado no Brasil. Para isso, foi realizada uma pesquisa bibliográfica e documental acerca do lobby classista, principalmente no setor da Indústria. Palavras-chave: representação, lobby, parlamento. Abstract: The analysis of the relationship between civil society and state is one of the most relevant aspects on the discussions about the democracy in terms of the debate about the concepts of participation and representation. Interest groups that act within the state institutions are not usually approached by political theory, especially in the context of Brazil. This work has as its main goal discussing the activity of interest groups at the Brazilian Chamber of Deputies in an attempt to analyze what theoretical contributions this research object can bring about the interaction patterns between civil society and state in Brazil. In order to do so, we conducted a bibliographic and documentary research about the “classist lobby”, especially regarding the Industry. Keywords: representation, lobby, parliament. I.

Introdução Outrora visto como um elemento oligárquico, o conceito de representação assume

cada vez mais um papel central nas discussões sobre teoria democrática no século XX, principalmente na sua relação com a participação. Nesse sentido, uma das questões centrais nos debates sobre as possibilidades e os limites de uma representação democrática encontra-se no vínculo entre representante e representado (ver MANSBRIDGE, 2003; YOUNG, 2006). De forma semelhante, as discussões sobre a relação entre Estado e sociedade são um aspecto fundamental na análise desse vínculo, pois permite refletir

1 Mestre em Ciência Política, doutoranda na Universidade de Brasília. E-mail: [email protected] I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

acerca de como indivíduos possuem acesso ao sistema político e, consequentemente, aos agentes que dizem representa-los. Uma vez que democracia está relacionada a uma distribuição igualitária do poder político2, a influência que pode ser exercida por cidadãos/ãs ordinários/as é relevante para definir se um regime é efetivamente democrático ou não 3. Assim, uma democracia efetiva pressupõe a existência de oportunidades para que cidadãos e cidadãs “comuns” influenciem as decisões públicas em vez de restringi-las à atuação de elites (ver INGLEHART & WELZEL, 2008). Uma das formas de participar das discussões políticas e tentar influenciá-las é por meio de associações. Não por acaso, o conceito de sociedade civil ganha destaque nas discussões sobre democracia. Embora não seja um conceito consensual, apresentando diversas divisões internas (YOUNG, 2000; GURZA LAVALLE, 2012; CHAMBERS & KOPSTEIN, 2008), a categoria “sociedade civil” está relacionada de forma geral à vida associativa. Destarte, estudar como essas associações interagem com as instituições estatais pode trazer contribuições na compreensão do funcionamento da democracia e do papel da representação no regime democrático. Associações de cunho político estão relacionadas tanto ao conceito de participação quanto ao de representação, pois enquanto seus membros participam na política também podem agir como representantes de perspectivas ou interesses mais amplos. Nesse sentido, muitas associações políticas tentam influenciar as políticas públicas do Estado, como, por exemplo, as organizações de lobby ou associações de interesses especiais (YOUNG, 2000). O presente trabalho tem como objetivo analisar a atuação dos grupos de interesses na Câmara dos Deputados. Teoricamente, a expressão “grupos de interesses” distingue-se de grupos de pressão, pois esse segundo termo refere-se a grupos de interesse que 2 Democracia, desde sua origem, esteve relacionada ao governo do povo ou das massas. Na Antiguidade, quando surgiu o termo, era uma forma de governo que prezava pela igualdade política, expressada na escolha do sorteio como método de alocação de cargos públicos (ver, por exemplo, Manin, 1997). 3 Por efetivamente democrático, entende-se um regime em que há uma distribuição igualitária do poder político, demonstrada pelas oportunidades que cidadãos e cidadãs detêm em influenciar as questões públicas. Esse modelo opõe-se, portanto, às teorias minimalistas da democracia, as quais identificam o regime democrático apenas com uma série de condições institucionais e considera a questão da igualdade apenas no momento do consentimento do poder. I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

realmente exercem pressão política no sistema político. Já os lobbies constituem-se em “grupos de pressão que instrumentalizam recursos de poder em busca de influência” (SANTOS, 2007, p. 83). Para os fins desse trabalho, a expressão “grupos de interesses” será utilizada de forma genérica para tratar de lobbies que atuam na Câmara dos Deputados, tendo em vista o seu papel na defesa de interesses4. O foco do trabalho está nos grupos que atuam nos setores da Indústria, principalmente por meio da Confederação Nacional da Indústria (CNI), tendo em vista a importância dessa área para a economia e a constante atividade das Comissões sobre essa temática na Câmara. O objetivo é identificar quais são os principais grupos de interesses que atuam na Câmara e discutir o acesso às instituições políticas por parte da sociedade civil. Pretende-se, portanto, analisar quais são as organizações presentes nessa instituição política de modo a discutir os conceitos de participação e representação no âmbito das relações entre sociedade civil e Estado, visto que tais grupos podem atuar simultaneamente como veículos de participação e de contato com representantes. Embora geralmente esse tipo de grupo não seja considerado como parte da sociedade civil possivelmente devido à sua expressão econômica, aqui se argumenta que é possível encaixá-los nessa categoria devido a grande parte deles pertencer ou ser financiada por associações com objetivos políticos, as quais estão enquadradas no conceito de sociedade civil. Questiona-se, portanto, a própria contraposição presente em parte relevante da literatura acerca das categorias sociedade civil, Estado e economia. Assim, a discussão teórica apresentada nesse artigo divide-se em três eixos: em um primeiro momento, apresenta-se o debate sobre variações no conceito de sociedade civil e na sua relação com o Estado, mostrando como os grupos de interesse se inserem nesse debate; em um segundo, discute-se o papel dos grupos de interesses na democracia por meio da oposição teórica entre pluralismo e neomarxismo; por fim, propõe-se uma reflexão sobre a concepção de representação democrática. Assim, o artigo está dividido em quatro tópicos, além da introdução: a) Sociedade civil, Estado e Representação, em que se pretende discutir as distinções analíticas dos conceitos utilizados no estudo; b) Grupos de interesse e democracia, em que são analisadas 4 Mesmo considerando a diferença conceitual, pode-se argumentar que “grupos de interesses” são, na verdade, uma categoria mais ampla que inclui os lobbies. Assim, é possível utilizar essa expressão sem causar graves problemas terminológicos. I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

as perspectivas teóricas acerca da relação entre grupos de interesse e regime democrático; c) Os bastidores da Câmara dos Deputados, demonstrando o funcionamento da instituição e a atuação dos grupos de interesse da indústria; e d) Conclusões, em que são apresentadas as reflexões finais sobre a concepção de representação democrática. Um conjunto variado de técnicas foi empregado para se adquirir conhecimento sobre os grupos que atuam na Câmara dos Deputados. Grande parte das informações foi adquirida diretamente na Câmara dos Deputados por meio de pesquisa documental sobre registro de entidades de representação de classe. Parte relevante dos dados também pôde ser acessada diretamente nos websites e boletins informativos dessas organizações. A análise da pauta prioritária da CNI, por exemplo, é útil para construir hipóteses acerca de seu sucesso em influenciar instituições políticas, além de servir de comparação em relação aos interesses dos sindicatos5. Por fim, em fase posterior da pesquisa, recorrer-se-á à observação participativa, a qual tem início previsto para junho de 2015. Embora careça de fortes pretensões causais por se constituir em uma pesquisa não concluída6, o artigo pretende contribuir para as discussões teóricas sobre participação e representação, além de auxiliar na construção de novas hipóteses sobre a relação entre grupos de interesse e Estado no contexto brasileiro. II.

Sociedade civil, Estado e representação Um dos aspectos centrais nas discussões que permeiam os estudos sobre a

sociedade civil é justamente sua relação com o Estado e as implicações dessa interação para os conceitos de representação, participação e democracia. De fato, o que se 5 A pauta prioritária de 2014 da CNI é utilizada aqui como ponto de partida para analisar as diferenças nos posicionamentos do empresariado e dos trabalhadores relativos às matérias prioritárias da indústria. O posicionamento das entidades sindicais foi analisado a partir da agenda legislativa do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP). Há algumas proposições que não possuem posicionamento por parte dos sindicatos, pois se referem majoritariamente a temáticas de interesse da indústria e não a demandas trabalhistas. Assim, a escolha metodológica apresenta alguns limites em termos de inferência, mas pode auxiliar a promover uma análise inicial do problema estudado. 6 O trabalho apresentado nesse artigo faz parte de pesquisa em andamento para fins de tese de doutorado, no âmbito do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília. A intenção é analisar os lobbies da Indústria e da Agropecuária na atual legislatura da Câmara dos Deputados, abrangendo os conflitos entre os atores que fazem parte desses setores. I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

convencionou por “sociedade civil” na Ciência Política é uma categoria analítica utilizada muitas vezes em contraposição às instituições ligadas ao Estado e à economia (CHAMBERS & KOPSTEIN, 2008). Assim, afirma Young (2000, p. 157): No uso clássico moderno, “sociedade civil” se referia à totalidade da vida social fora das instituições do Estado. Sociedade civil denotava a vida social diversa e as atividades particulares, instituições e associações reguladas e unificadas pelo aparato coercitivo e legal do Estado 7.

A vida associativa se distinguia do Estado e da economia por compreender formas diferentes de ação coordenada (YOUNG, 2000). Na visão predominante na década de 90, a sociedade civil era vista como uma categoria que se contrapunha simultaneamente ao Estado e ao mercado. Inspirando-se na teoria de Habermas, essa perspectiva apontava para uma sociedade civil cujo estatuto normativo centrava-se em uma instância privilegiada capaz de racionalizar demandas e pressionar o Estado. Essa perspectiva, como outras que tiveram influência na América Latina, desembocou em uma visão da sociedade civil como inerentemente virtuosa, em contraposição ao Estado, o qual era visto como uma entidade naturalmente perversa (ver GURZA LAVALLE, 2012). Mesmo Young (2000), quando tenta fugir de uma perspectiva de fronteiras nítidas entre sociedade e Estado, retoma uma lógica dualista baseada na separação habermasiana entre mundo da vida e sistema. A autora argumenta que em vez de “esferas distintas”, há diferentes tipos de atividades, as quais podem estar inclusas em uma mesma instituição. No entanto, na perspectiva da autora, à sociedade civil ainda é atribuída uma lógica discursiva enquanto o Estado é enquadrado em uma forma sistêmica de coordenação de ação. Dessa forma, a sociedade civil era vista como inerentemente democrática e sua atuação era estudada em razão do seu potencial transformativo, principalmente em termos da ampliação da participação. Essa visão da sociedade como inerentemente “positiva” em contraposição a um Estado que seria o oposto tem sido amplamente questionada e revisada pela literatura mais recente, em que Estado e sociedade são apontados como atores não monolíticos (ver DAGNINO, 2004; CORNWALL & COELHO, 2007).

7 Tradução própria do original: “In classical modern usages ‘civil society’ referred to the entirety of social life outside state institutions. Civil society denoted the diverse and particular activities, institutions, and associations regulated and unified by the general legal and coercive apparatus of the state”. I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

Destarte, há um consenso acerca da heterogeneidade da sociedade civil, o que representa uma correção nas formulações de 1990 (GURZA LAVALLE, 2012). Assim, argumenta-se que a sociedade civil pode até conter elementos reacionários e antidemocráticos (CORNWALL & COELHO, 2007). De toda forma, o interesse contemporâneo pela sociedade civil como categoria analítica está centrado na vida associativa, que abrange diferentes tipos de associações tais como movimentos sociais e organizações não governamentais (CHAMBERS & KOPSTEIN, 2008). A sociedade civil é, portanto, geralmente identificada com “associações humanas não coercitivas”, ou seja, associações cuja adesão baseia-se no voluntarismo em vez de uma obrigação (ver YOUNG, 2000). Todavia, a ênfase no voluntarismo gera problemas quando usada meramente para contrapor sociedade ao Estado, uma vez que as fronteiras são mais fluidas. Ademais, cria-se uma visão da sociedade civil como unitária, quando existiriam diversas “sociedades civis”, nas palavras de Gurza Lavalle (2012). Destarte, mantém-se aqui a definição de vida associativa, mas com a ressalva de que há diferentes tipos de organização formados por atores diversos, os quais estão em constante processo de construção e interação mútuas com o Estado e a economia. Nesse sentido, os grupos de interesses são não apenas enquadrados na definição de sociedade civil, mas podem até auxiliar na compreensão de como as diferentes sociedades civis interagem com o Estado. Tais grupos são formados ou ao menos financiados por associações e atuam ativamente em instituições estatais, manifestando uma estrita relação tanto com membros da sociedade civil quanto com os do Estado. Dessa maneira, pode-se argumentar que grupos de interesse tendem a agir tanto como mecanismos de participação da sociedade civil como representantes de seus membros ou de interesses específicos de um setor mais amplo. Entretanto, cabe discutir como essa dupla interação com o Estado e a sociedade pode ser chamada de “democrática”. Tendo em vista que participação e representação aparecem tanto na sociedade civil como no Estado, debates em relação à democracia nesse caso permeiam a própria evolução dessas duas concepções. De forma semelhante, indagase como participação e representação estiveram ligadas ao que se entende por democracia. No que tange à participação, é importante ressaltar novamente que as próprias fronteiras entre Estado e sociedade passaram a ser vistas de outra forma pela teoria política I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

desde que as revisões das formulações da década de 90. Embora tenham papéis distintos, destaca-se uma necessidade de simbiose entre Estado e sociedade sem que haja a prevalência de um sobre o outro. Assim, fala-se em “fronteiras borradas” (“blurred”), por meio das quais a sociedade civil adentra no Estado (CORNWALL & COELHO, 2007). Enquanto a participação pode promover modificações significativas na estrutura do Estado, a atuação da sociedade em arenas participativas também tende a sofrer com os limites dessa estrutura. Assim, a principal preocupação é em que medida os mecanismos de participação reproduziriam a dinâmica de desigualdade da representação (ver CORNWALL & COELHO, 2007). Nesse sentido, a consideração dos grupos de interesse como forma de participação da sociedade civil parece estranha à literatura da participação. Provavelmente, a negação da literatura de participação e sociedade civil em relação aos grupos de interesses deve-se à suposição de que eles não são mecanismos de participação disponíveis a grupos marginalizados ou à relação intrínseca e imbricada desses grupos com a esfera econômica. Entretanto, a falta de discussões sobre o assunto não mitiga o fato de que grupos de interesses existem e influenciam instituições políticas causando uma responsividade desigual por parte do Estado em relação a grupos econômicos diversos da sociedade8. Essa é uma realidade que precisa ser encarada pela literatura sobre democracia, participação e representação, pois envolve a própria construção desses três conceitos e suas operacionalizações na prática cotidiana. Ademais, o lobby no Brasil pode ser exercido por entidades de classe, as quais, sem dúvida, podem ser enquadradas no conceito de sociedade civil. Dessa maneira, cidadãos e cidadãs podem se filiar a diversas associações que atuam como lobbies no Congresso ou em outras instituições políticas com o objetivo de influenciar determinadas propostas legislativas. De forma semelhante, membros de associações podem tentar exercer a atividade de lobby diretamente entrando em contato direto com os parlamentares. Ao tratar de repertórios de interação entre Estado e sociedade, Abers, Serafim e Tatagiba (2014) destacam a “política de proximidade” como um tipo de repertório. Tal 8 Possíveis alternativas para maior equiparação, por exemplo, seriam ampliar o acesso a esse tipo de grupo ou destituí-los completamente. Por outro lado, a divisão tradicional entre Estado, economia e sociedade civil é bastante questionável. A relação do lobby com a esfera econômica definitivamente merece ser analisada, pois há razões plausíveis para argumentar acerca de uma predominância de grupos econômicos fortes nas instituições políticas. I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

política de proximidade é descrita como uma forma de interação propiciada pelo contato direto entre atores da sociedade e do Estado. O lobby poderia ser enquadrado nessa categoria. Há, assim, diferentes meios de relacionamento entre Estado e sociedade civil. Argumenta-se aqui que o lobby se constitui em um deles, pois pode ser uma prática importante até mesmo na atuação de movimentos sociais (ver ABERS. SERAFIM & TATAGIBA, 2014). Assim, os grupos de interesses constituem-se em oportunidades que os indivíduos a eles filiados dispõem de influenciar as políticas públicas. Mesmo que a literatura de participação não discuta sobre grupos de interesses, poderia se argumentar que eles se constituem em potenciais mecanismos de participação da sociedade, pois através deles é possível entrar em contato direto com os representantes de forma a influenciar o direcionamento das políticas públicas. Todavia, essa potencialidade traz incerteza devido a problemas derivados de dois tipos de acesso: o acesso aos grupos em si e dos diferentes grupos às instituições políticas. Não são todos os membros da sociedade que tem condições de participar ou direcionar as ações de um grupo de interesses. Esse tipo de organização geralmente envolve uma série de custos que são bancados por seus membros. É plausível supor que a influência exercida por membros dentro desses grupos varie segundo as diferenças no seu financiamento. Ademais, a literatura sobre representação democrática está mais preocupada com a inserção de grupos marginalizados, os quais provavelmente não tem acesso aos grupos de interesses ou tem pouca voz. Também é razoável supor que nem sempre a estrutura desses grupos seja democrática, podendo conter hierarquias que incidam sobre as decisões tomadas no interior dos próprios grupos. Seria o caso de pesquisar quem financia o lobby no Brasil e como os grupos de interesse são estruturados internamente, se há diferença na influência exercida pelos seus membros no que tange ao direcionamento e execução de suas ações. Por outro lado, é inegável que grupos de interesses tradicionalmente tiveram acesso às instituições políticas. Entretanto, ao considerar a variedade desses grupos – que podem incluir também organizações não governamentais, sindicatos e associações formadas por movimentos sociais – é imprescindível indagar se todos eles têm igual acesso a essas instituições, principalmente no que tange ao contato com os parlamentares.

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Nesse contexto, seria pouco plausível argumentar que os representantes respondem de maneira igualmente responsiva às demandas de diferentes grupos de interesses. No âmbito da Indústria, por exemplo, poderíamos indagar: Os representantes são, na maioria das questões, mais responsivos à CNI ou aos sindicatos? Quais são as variáveis que incidem sobre essa diferença de responsividade? Como é a relação da CNI com o setor que a Confederação pretende representar? Dessa forma, geram-se inúmeros debates acerca da própria qualidade da representação exercida pelos membros dessas associações, pois algumas delas se distanciam do modelo eleitoral devido à falta de um momento de autorização por parte dos representados. Assim, trata-se de um tipo diferenciado de representação, em que os representantes são “autoautorizados”. Exige-se, portanto, critérios distintos de legitimidade em comparação com a representação eleitoral que dispõe de momento específico de autorização. Se por um lado a discussão sobre representação democrática constrói-se pelo debate sobre legitimidade, de outro ela está ancorada às discussões sobre a relação entre representação e participação. A própria relação entre participação e representação sofreu substanciais modificações ao longo do tempo. Se tradicionalmente essas duas categorias foram vistas como contrapostas (ver PATEMAN,1992), posteriormente elas passaram a ser entendidas como complementares (URBINATI, 2006; PLOTKE, 1997; WAMPLER, 2012). O argumento da complementariedade baseia-se no pressuposto de que o oposto à representação é a exclusão em vez de participação, a qual seria oposta à abstenção (PLOTKE, 1997). Grupos de interesses podem auxiliar na compreensão desses conceitos, pois atuam simultaneamente com mecanismos de participação e de representação. Para responder, porém, se a atuação desses grupos pode ser considerada democrática, é necessário recorrer à teoria democrática, principalmente em relação a perspectivas conflitantes sobre a relação entre grupos de interesse e democracia – o que será feito no próximo tópico. III.

Grupos de interesse e democracia: confronto entre perspectivas teóricas A relação entre grupos de interesse e democracia pode ser enxergada

fundamentalmente através de duas perspectivas opostas no que tange à teoria democrática: o pluralismo e o neomarxismo. Schlosberg (2006) argumenta que a maior preocupação do I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

pluralismo, em suas origens, era a questão da pluralidade e da diversidade em uma crítica substancial à estrutura do próprio Estado como unificador de demandas 9. Assim, o reconhecimento da diferença e da pluralidade teria levado às tentativas pluralistas de redesenhar instituições políticas de modo que a diferença na sociedade civil fosse reconhecida. Entretanto, essa primeira geração de pluralistas teria sido substituída por uma vertente mais próxima das instituições liberais, as quais passaram a ser vistas como universais (SCHLOSBERG, 2006). A preocupação central dessa nova geração de pluralistas passou a ser o conflito entre facções, as quais indicam conjuntos de indivíduos voltados para interesses particularistas. Presente de forma majoritária no liberalismo norteamericano, a preocupação com as facções data de muito antes do surgimento do pluralismo, permeando discussões presentes nas obras de Aristóteles, Platão e Rousseau. Entretanto, o pluralismo veio com uma solução célebre ao conflito, semelhante àquela apresentada pelos federalistas (ver MADISON, 1787): a fragmentação do poder. Segundo essa vertente pluralista, a disseminação dos recursos políticos entre os atores sociais permite que eles atuem como freios e contrapesos às ambições uns dos outros (MANCUSO, 2003). Assim, a existência de múltiplos grupos atuando na política impediria a concentração de poder por uma maioria. Consequentemente, a representação é um meio de lidar com o conflito, em que os interesses são desarmados e controlados. Uma obra paradigmática dessa perspectiva é o estudo de Robert Dahl (1962) sobre a política em New Haven. Em “Who governs? Democracy and Power in an American City”, a questão central analisada por Dahl é como os ideais democráticos e de igualdade persistiram nos Estados Unidos em um contexto de desigualdade de condições, as quais eram vistas como necessárias à democracia. Por meio da análise da história política de New Haven, o autor mostra que a cidade se transmutou de uma oligarquia a uma poliarquia devido à dispersão de recursos causada pelas mudanças advindas da indústria moderna. Em contraposição a Wright Mills (1962), a perspectiva de Dahl é que diferentes atores sociais detêm recursos diversos, mas essa posse gera um equilíbrio, pois os recursos estão dispersos e não concentrados em um único grupo. Os recursos políticos estariam, portanto, disseminados entre os atores sociais, o que implicaria na dispersão da influência e 9 Até mesmo essa primeira geração de pluralista enfrenta certas críticas, cujo um dos motivos seria a falta de atenção do pluralismo à relação entre identidade e diferença (ver Connolly, 1994). I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

consequentemente na atuação desses atores como freios e contrapesos às ambições uns dos outros (MANCUSO, 2003). A subvertente norte-americana do pluralismo sofreu diversas críticas, pois teria falhado em explicar a realidade da diferença (SCHLOSBERG, 2006)10. Um de seus grandes problemas está no sistema de poder equilibrado que negligencia a diferença entre grupos mais favorecidos e grupos desfavorecidos. Um dos focos do neomarxismo, por outro lado, reside justamente no diferencial de acesso ao Estado por parte desses dois grupos. Um ponto fundamental no neomarxismo é a permeabilidade do Estado às classes capitalistas (ver POULANTZAS, 2000 [1978]). Em outras palavras, essa permeabilidade indica que o Estado é mais aberto a determinados grupos em detrimento de outros em razão de posições socioeconômicas que esses grupos ocupam. Destarte, haveria um viés nas decisões públicas voltado aos grupos com maiores recursos econômicos que contesta o pressuposto de neutralidade do aparato estatal. Embora tratando especificamente de ocupação de cargos na burocracia (POULANTZAS, 2000 [1978]) ou da dependência estrutural do Estado em relação aos investidores (OFFE, 1984 [1972]), os conceitos de permeabilidade e seletividade tais como concebidos pelo neomarxismo podem oferecer uma luz às questões levantadas pelo acesso diferenciado de grupos de interesse às instituições políticas, trazendo implicações importantes no que tange à relação entre sociedade civil e Estado. Estendendo o conceito de permeabilidade, é possível questionar quais são os grupos que possuem mais acesso ao Estado e quais variáveis incidem nessa abertura. Seguindo os pressupostos neomarxistas, classes e frações de classes dominantes teriam mais acesso ao Estado por meio de grupos de interesses, pois possuem mais condições em termos de recursos para mantê-los. Como esclarece Santos (2007, p. 283): Segundo Offe e Wiesental, as diferenças de posição de um grupo na estrutura de classes não somente conduzem a diferenças no poder que as organizações podem adquirir, mas também a diferenças nas práticas associativas e lógicas da ação coletiva, através das quais as organizações do capital e do trabalho tentam melhorar sua posição respectiva uma em relação a outra (Offe e Wiesental, 1984:68). Assim, assinalam, desde logo, que enquanto o capital tem três diferentes formas de ação coletiva (a própria firma, a cooperação informal, e a associação dos empregados ou de empresas), os trabalhadores têm somente uma (o sindicato).

10 Schlosberg (2006) destaca que o foco na multiplicidade tem voltado em discursos nominados por vezes de diferença ou de multiculturalismo, ressaltando as preocupações iniciais do pluralismo. I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

Assim, aqui reside a maior diferença entre pluralistas e neomarxistas: enquanto o pluralismo norte-americano enxerga a atuação de grupos de interesses como equilibrada em resultado da dispersão de recursos, o neomarxismo salienta a diferença de acesso entre grupos privilegiados e desfavorecidos. Esse acesso diferenciado se pautaria na posse de certos recursos e na posição na estrutura de classes. Resta saber, porém, qual das duas alternativas teóricas consegue explicar as características do contexto brasileiro. IV.

Os bastidores da Câmara dos Deputados no Brasil Embora o lobby não seja uma atividade regulada pela legislação do Brasil, a falta

de um marco legal não implica sua total inexistência. A interlocução com órgãos do Legislativo e Executivo pode ocorrer de diversas formas, seja diretamente ou por meio de intermediários. Uma dessas formas consiste nas associações de representação de classe, as quais podem agir por meio da articulação direta com os parlamentares e das atividades de supervisão e acompanhamento de matérias legislativas em tramitação no Congresso Nacional. Isso não significa que essas entidades representativas de classe sejam a forma predominante pela qual os grupos de interesses atuam. Na classificação de Oliveira (2004), existem quatro tipos de lobby: a. Lobby público, feito por órgãos do Poder Público, em que se destacam as assessorias parlamentares dos Ministérios, Agências Reguladoras e Autarquias; b. Lobby privado, exercido por empresas e consultórios especializados nessa área; c. Lobby institucional, feito pelas próprias empresas por meio de seus representantes de relações governamentais; e d. Lobby classista, feito por entidades de classe (Oliveira, 2004; Santos, 2007). Aqui será analisado o lobby classista, principalmente na atuação da CNI e do DIAP, assim como abordado também por Oliveira (2004) e Santos (2007). Ao todo, existem 99

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entidades de representação de classe formalmente credenciadas na Câmara dos Deputados11. O conjunto dessas instituições engloba diversos setores com interesses distintos. O Gráfico 1 mostra quais são esses setores, conforme informações coletadas mediante próprios veículos institucionais das entidades. Aqui, é importante ressaltar que embora se tenha dividido em categorias segundo o setor predominante de cada uma das entidades, algumas instituições poderiam ser encaixadas em mais de uma categoria. Por exemplo, muitas entidades que visam representar carreiras no serviço público também poderiam ter sido enquadradas no campo do “Direito” visto que essas profissões são exclusivamente ocupadas por pessoas com diploma em Direito. Porém, para simplificar a análise, optou-se por enquadrar cada entidade em apenas um setor, conforme objetivos principais estabelecidos pelas respectivas instituições. Também vale esclarecer que, no gráfico, “setor público” distingue-se de “serviço público” porque a primeira expressão é usada para caracterizar entidades que representam os órgãos do setor, enquanto a outra designa entidades que representam as carreiras em si. Gráfico 1 – setores representados pelas entidades12

11 Informação adquirida diretamente da instituição por meio de documento com nome e endereço de todas as 99 entidades. 12 Embora haja sindicatos em vários setores do gráfico, a categoria “trabalho” foi aqui utilizada para designar entidades sindicais mais amplas que não se referem a setores específicos (a associação sindical dos aposentados, por exemplo). I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

Setores representados

Agropecuária; 4% Educação; 4% Outros ; 10% Saúde; 4% Indústria; 26% Trabalho (amplo); 3% Direito; 5% Forças Armadas; 1% Polícia Federal; 4% Serviços/Comércio; 14% Terceiro Setor; 7% Setor Público; 6% Serviço Público; 11%

Fonte: Elaboração da autora, mediante lista de entidades credenciadas na Câmara e websites das próprias entidades. Nota-se que, apesar da diversificação de setores representados, a Indústria é o setor que mais possui entidades representativas de classe credenciadas na Câmara dos Deputados (27% do total). Dentro das entidades que fazem parte da Indústria, é significante a diferença no número de instituições que representam empresariado e as que representam os trabalhadores, como mostra o gráfico 2. Possivelmente, isso ocorre devido à maior facilidade de organização política por parte das empresas em detrimento da classe trabalhista. Nesse contexto, os recursos econômicos seriam uma variável muito importante, visto que as atividades dos grupos de interesses geram despesas com contratação de pessoal, infraestrutura, entre outros gastos utilizados nas tarefas desempenhadas por esses grupos. Gráfico 2 – Entidades e interesses representados13

13 No caso dos interesses representados, as categorias principais foram “empresariado”, “trabalhadores” e “exercício profissional”. “Exercício profissional” difere-se de trabalhadores pois correspondem a profissões e cargos específicos, diferente da categoria mais ampla referente à classe trabalhista. I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

Número de entidades (setor: Indústria) 20 15 10 5 0

Número de entidades (setor: Indústria)

Fonte: Elaboração da autora, mediante lista de entidades credenciadas na Câmara e websites das próprias entidades. Grande parte das entidades da indústria refere-se a algum subsetor, como a indústria do aço ou do alumínio. A maior entidade que congrega a indústria como setor amplo é a Confederação Nacional da Indústria (CNI). No que tange especificamente à CNI, a Tabela 1 mostra a pauta prioritária, que detém 13 proposições legislativas de grande relevância para o setor. A Tabela traz a proposição e sua temática, além do posicionamento da CNI, representando o empresariado, e o DIAP, representando os trabalhadores. As propostas destacadas são as que já passaram por algum tipo de resultado, seja aprovação ou rejeição em uma das casas, ou transformação em norma jurídica. Tabela 1 – Pauta Prioritária da CNI (2014)14 PROPOSTA

PEC 231/1995

AUTORIA

ASSUNTO

POSIÇÃO CNI

Dep. Inácio Redução da carga Arruda Divergente horária de trabalho PCdoB/CE

POSIÇÃO DIAP

Convergente

TRAMITAÇÃO Comissão Especial (aprovado parecer favorável) Plenário

RESULTADO ESTÁGIO ATUAL Pronta para a Pauta do Plenário

/

14 Na tabela, “n.a” refere-se a “não se aplica”, quando não foi encontrada a informação ou o DIAP não apresentava posicionamento, tendo em visto que o assunto não era de importância para as centrais sindicais. As siglas são relativas às Comissões da Câmara: Comissão de Finanças e Tributação (CFT), Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP), Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC), Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio (CDEIC). I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

Dep. José Carlos PLP 51/2007 Machado -DEM/SE Dep. Sandro PL 4330/2004 Mabel PMDB/GO MSC 59/2008

PL 37/2011

PL 2126/2011

MPV 627/2013

Poder Executivo Dep. Weliton Prado PT/MG

Extinção do adicional de 10% Convergente do FGTS

n.a.

Terceirização

Divergente

Convergente

Vedação à dispensa Divergente imotivada

Convergente

Novo Código de Convergente n.a. - Mineração com ressalvas

Poder Executivo

Marco Civil Internet

da Convergente n.a. com ressalvas

Poder Executivo

Normas de tributação de lucros e dividendos Convergente de controladas e n.a. com ressalvas coligadas estrangeiras no exterior

Senador Francisco Crédito financeiro PL 6530/2009 Convergente Dornelles – do IPI PP/RJ

n.a.

Dep. Jorge Prorrogação do PL 6647/2013 Côrte Real Convergente Reintegra até 2016 – PTB/PE

n.a.

Limitação à substituição Dep. Pedro tributária de MPEs Convergente PLP 237/2012 Eugênio – n.a. e inclusão de com ressalvas PT/PE novas categorias no SIMPLES Dep. Bruno Desconsideração PL 3401/2008 Araújo – da personalidade Convergente PSDB/PE jurídica Uniformização de Senador normas sobre Vital do PLS 222/2013 processo Convergente Rêgo – administrativo PMDB/PB fiscal

n.a.

n.a.

CFT (Parecer anterior pela aprovação) / CTASP / CCJC

Aguardando Parecer do Relator na Comissão de Finanças e Tributação Aprovado na Câmara. CCJC / CDEIC / Aguardando CTASP Apreciação pelo Senado Federal CREDN / Aguardando Parecer CTASP / CCJC do Relator na CCJC Comissão Especial Plenário

/

Pronta para Pauta na Comissão Especial

Comissão Especial Plenário

/

Transformado na Lei Ordinária 12965/2014

Comissão Mista / Transformada na Lei Plenário Ordinária 12973/2014

CFT (Aprovado parecer favorável) / CCJC (Parecer anterior era favorável) CDEIC (Aprovado parecer favorável) / CFT (Parecer pela inadequação orçamentária) / CCJC

Aguardando Parecer do Relator na CCJC

Pronta para Pauta na CFT

Declarado prejudicado em face da aprovação da Subemenda Comissão Substitutiva Global Especial / apresentada pelo Plenário Relator da Comissão Especial ao Projeto de Lei Complementar nº 221/2012 Aprovado na Câmara. Aguardando CDEIC / CCJC Apreciação pelo Senado Federal CCJ

Aprovado no Senado. Aguardando Apreciação pela Câmara dos Deputados

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Dep. Luciano PL 3729/2004 Zica PT/SP

Normas para licenciamento – ambiental

o

Convergente n.a. com ressalvas

CPADR (Aprovado parecer Aguardando Parecer favorável) / do Relator na CMADS CMADS / CFT / CCJC

Fonte: elaboração da autora, mediante dados fornecidos pela CNI, DIAP e Câmara dos Deputados. Embora não se possa extrair inferências causais conclusivas pelos dados apresentados na Tabela 1, é possível construir alguns hipóteses sobre algumas tendências. Primeiramente, é notável que parte das propostas compartilha o mesmo rito de tramitação: Comissão Especial e Plenário. Nesse sentido, a Comissão Especial pode se constituir em uma alternativa estratégica para acelerar a tramitação dos projetos, os quais geralmente demoram nas casas legislativas. A Comissão Especial pode tornar a tramitação mais ágil, pois esse tipo de Comissão é instalado em situações em que mais de três comissões devem se pronunciar quanto ao mérito da matéria (RICD, art. 34, II). Tendo em vista que elas podem ser constituídas por iniciativa do Presidente da Câmara ou de líder partidário ou ainda de Presidente de Comissão interessada (RICD, art. 34, II), é plausível supor que os grupos ajam no sentido de pressionar tais atores para instalar Comissão Especial e, consequentemente, acelerar o trâmite dos projetos de interesse. Em segundo lugar, nota-se que todas as proposições relativas à legislação trabalhista dentro das prioridades da CNI apresentam uma divergência de interesses entre as entidades que dizem representar o empresariado e os trabalhadores. Isso não significa que tais entidades estejam sempre em conflito, mas a diferença nos posicionamentos é uma evidência de que, em se tratando especificamente de legislação trabalhista, o empresariado e os trabalhadores se situam em um jogo de soma zero em relação a seus respectivos interesses. Nesse sentido, vale ressaltar que a CNI também congrega sindicatos, o que poderia fragilizar a dicotomia entre empresariado e classe trabalhadora. Todavia, o número de empresas que fazem parte da CNI é substancialmente superior ao número de sindicatos: 350.000 empresas contra 1.250 entidades sindicais15. Isso explicaria a preponderância dos 15 Informação adquirida pela página eletrônica da própria CNI. I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

interesses do empresariado na estrutura interna da CNI em detrimento das demandas dos trabalhadores que fazem parte desses sindicatos. Por fim, cabe discutir o sucesso do empresariado em alcançar seus interesses. Apesar de a maior parte das proposições prioritárias de 2014 estar em processo de tramitação nas Casas Legislativas, as que obtiveram algum tipo de resultado mostra um balanço favorável às empresas. O PL 4330/2004, que versa sobre a terceirização, foi aprovado na Câmara dos Deputados mesmo com a campanha maciça contra o projeto por parte das entidades sindicais. O PL 2126/2011, que trata do marco civil da Internet, foi transformado em norma jurídica trazendo uma vitória e uma derrota para a Indústria: ao passo que a neutralidade da rede foi mantida, a obrigatoriedade dos datacenters, à qual a CNI se opunha explicitamente, foi retirada da redação final durante as negociações. De forma semelhante, o PL 3401/2008 e o PLS 222/2013 foram aprovados em suas respectivas casas legislativas. Analisando apenas essas informações, não é possível afirmar que as “vitórias” do empresariado foram decorrência exclusivamente da atuação da CNI no Congresso. Para analisar essa relação de causalidade , seria necessário estudar diretamente como os lobistas agem no Legislativo e se essa ação possui um real impacto sobre o rumo que as proposições legislativas tomam. Para isso, é imprescindível recorrer a um desenho qualitativo de pesquisa, por meio da observação participativa e da realização de entrevistas, como ocorre com parte da literatura brasileira sobre lobby (BEZERRA, 1999; OLIVEIRA, 2004). Grande parte da literatura historicamente aponta, contudo, que existe sim uma porosidade maior do Estado em relação a grupos economicamente privilegiados. Historicamente, o empresariado obteve mais canais de interlocução com o Estado em detrimento da classe trabalhadora (ver DINIZ, 1992; BRESSER-PEREIRA, 2007). Isso seria consequência dos próprios padrões de clientelismo e corporativismo que marcaram os repertórios de interação entre Estado e sociedade no Brasil. Em relação especificamente ao lobby, o marxismo é menos utilizado como marco teórico, o qual se restringe às discussões sobre corporativismo, elitismo e principalmente pluralismo. Afirma-se que o Brasil apresenta uma situação de “pluralismo limitado” (ver SANTOS, 2007), pois suas instituições não funcionam de forma plena em termos democráticos. Entretanto, a discussão teórica e a pouca informação aqui obtida mostram I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

que, na realidade, o pluralismo é uma perspectiva limitada, pois se concentra em regras formais e na fragmentação do poder por meio da dissipação de recursos (e não de sua eliminação). Tais recursos, porém, não podem ser analisados fora de sua interação mútua: diferentemente do que Dahl (1962) previa, renda, riqueza e popularidade não tendem a se dissipar e se anular, mas a incidir uma sobre a outra. Assim, renda e riqueza contribuem para um aumento na popularidade e vice-versa. De forma semelhante, riqueza incide sobre classe social, a qual tem impacto na aquisição de recursos políticos. Nesse sentido, tanto o pluralismo quanto o marxismo podem explicar algumas características do Brasil. No caso do pluralismo, pode-se afirmar que o poder se encontra, de certa forma, fragmentado. Não há um único grupo que controla todas as ações do governo, tampouco o empresariado pode ser visto como um grupo totalmente homogêneo embora possua interesses comuns. Entretanto, o número de grupos e indivíduos que possuem maior acesso ao governo ainda é diminuto em comparação às classes e aos setores que estão excluídos das decisões políticas. Assim, o marxismo ainda se apresenta como uma alternativa teórica viável, visto que a divisão entre classes sociais continua sendo um instrumento analítico relevante, mesmo em uma realidade mais complexa. V.

Considerações finais sobre representação democrática Terminologicamente, democracia significa “governo do povo”. No entanto, essa

definição suscita uma série de questões porque não existe uma unidade homogênea intitulada de “povo”, o qual é composto por diferentes indivíduos com interesses e perspectivas sociais diversas. Assim, há um desafio na impossibilidade da realização da generalidade social (ver ROSANVALLON, 2011), tendo em vista a inexistência de um só povo. De forma semelhante, não existe uma única sociedade civil, mas várias sociedades que apresentam, em grande parte dos casos, visões conflitantes. Essa perspectiva quebra com a divisão clássica entre sociedade civil e Estado, a qual pressupunha uma separação mais nítida entre os dois. O estudo de grupos de interesses pode auxiliar no aprofundamento da análise dos padrões dessa interação entre sociedade e Estado. Surgem, porém, várias questões.

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Primeiramente, é imprescindível indagar “grupos de interesse fazem parte da sociedade civil”? A resposta aqui encontrada é que sim, não há razão teórica para excluilos devido à sua posição na esfera econômica, pois as fronteiras não são nítidas quanto a literatura de outrora previa. Mesmo mecanismos e organizações tradicionalmente vistos como fontes de participação da sociedade civil – como movimentos sociais e o Orçamento Participativo (OP) – apresentam interação constante e mútua com agentes estatais (WAMPLER, 2012; SILVA, 2011). Ademais, grupos de interesses são formados ou financiados por associações de cunho político, as quais são geralmente enquadradas na categoria de sociedade civil. É claro que há diferentes tipos de associações e sociedades civis, mas negar os grupos de interesses nessa categoria é adotar a posição maniqueísta de que a sociedade civil é uma virtuosa esfera autônoma e independente da economia e do Estado. Indivíduos e grupos fazem parte de diferentes organizações sociais, as quais podem se situar no âmbito das esferas econômica e estatal. Da mesma forma que uma pessoa pode pertencer simultaneamente a instituições do Estado e da sociedade, certas associações podem atuar mutuamente na sociedade e na economia. De forma semelhante, muitas demandas pelas quais associações lutam surgem da esfera econômica. A separação é, portanto, ilusória, visto que mesmo movimentos sociais dependem de recursos econômicos. Em segundo lugar, podemos questionar “qual a relação entre grupos de interesse e representação democrática?” Assume-se aqui uma perspectiva de que há diferentes sociedades civis. Grupos de interesses não são necessariamente benéficos ou maléficos à democracia, a relação depende das desigualdades existentes no contexto e das condições institucionais. Grupos de interesses podem gerar representação democrática na medida em que aumentam o contato entre representados e representantes e ampliam a responsividade. Entretanto, podem também comprometer a democracia quando o acesso aos grupos é diferenciado gerando um potencial de influência dependente do poder econômico. Nesse sentido, o marxismo ainda parece ser uma alternativa teórica relevante, principalmente tendo em vista contextos marcados por fortes desigualdades de renda, como no caso do brasil. Nota-se que a definição de “representação democrática”, se recorremos às origens terminológicas do termo democracia e ao objetivo da representação, não está dissociada da ideia de responsividade igualitária. Assim, a representação é democrática quando vários I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

grupos, inclusive minoritários, tem acesso às instituições políticas e certo controle sobre os seus representantes. No contexto do Brasil, a hipótese central é de que há um diferencial de responsividade devido à influência exercida pelo empresariado em detrimento a outros segmentos. A principal variável independente em relação à influência seria a disponibilidade de recursos econômicos, tanto por uma questão de dependência estrutural do Estado capitalista (OFFE, 1984 [1972]) quanto por um aspecto operacional, já que os canais de acesso ao Estado pressupõem a capacidade de arcar com algumas despesas. Destarte, o grande problema é que geralmente a literatura está centrada exclusivamente nos resultados: se representantes aprovam ou não determinados conteúdos. Entretanto, é nos processos que encontramos mais respostas concernentes às questões feitas. É preciso, portanto, analisar os próprios bastidores da política para ter uma visão mais aprofundada sobre como a sociedade interage com o Estado, inclusive sobre que outros fatores além do econômico influenciam as decisões políticas. A pesquisa aqui apresentada caminha nessa direção. Referências Bibliográficas: ABERS, Rebecca; SERAFIM, Lizandra; TATAGIBA, Luciana. Repertórios de interação estado-sociedade em um estado heterogêneo: a experiência na era Lula. DADOS, V. 57, N. 2, pp. 325-357, 2014. BEZERRA, Marcos Otávio. Em nome das bases: política, favor e dependência pessoal. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1999. BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Burocracia pública e classes dirigentes no Brasil. Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 28, pp. 9-30, 2007. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Regimento Interno. 15ª Edição, Brasília, 2015. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/regimentointerno-da-camara-dos-deputados (última visualização: maio de 2015). CHAMBERS, Simone; KOPSTEIN, Jeffrey. “Civil Society and the State”. In: DRYZEK, J; HONIG, B.; PHILLIPS, A. (Eds.). The Oxford Handbook of Political Theory. New York: Oxford University, 2008, p. 363-380. CONNOLLY, William E. Reworking the pluralist imagination. The Newsletter of PEGS, Vol. 4, No. 2, pp. 12-15, 1994. CORNWALL, Andrea; COELHO, Vera Schattan. “The politics of participation in new democratic arenas”. In: ______. (Orgs.). Spaces for change? London: Zed Books, 2007. DAGNINO, Evelina. Construção democrática, neoliberalismo e participação: os dilemas da confluência perversa. Política & Sociedade, n. 5, p. 137-161, 2004. I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

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