Sociedade Contemporânea – A Sociedade da Não Interrupção

May 23, 2017 | Autor: E. Dos Santos Rocha | Categoria: Capitalism, Peter Sloterdijk, Filosofía
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SARTRE, Jean-Paul. Entre Quatro Paredes. 3º Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p. 34.
SARTRE. Jean Paul. A Náusea. Trad. Rita Braga. 1. Ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.
Ver mais em: Ghiraldelli, P. "Problemas na Tese Sobre a Subjetividade em Byung-Chul Han". . Acesso em 01 Mar. 2017.
Husserl quer captar a estrutura do ponto de vista natural do mundo – na sua fenomenologia. Quer então a "redução fenomenológica" ou a suspensão das crenças, que em grego é epoché (seccionar um momento, uma época, e segurá-la suspensa). Trata-se de colocar entre parênteses toda a experiência e descrevê-la tendo suspendido pressuposições e assunções a respeito dessa experiência. Seria como uma espécie de procedimento para buscar a coisa em si. Ela quer o que aparece. E faz de tudo para limpar os pré-aparecimentos. Seria como descascar uma cebola, retirando a impregnação seja ela cultural, semântica ou qualquer outra forma. Por exemplo: uma árvore. Você já vê aquela coisa – a árvore com a linguagem. Ela já está "contaminada" de cultura porque a palavra árvore já traz diversas ramificações fora da coisa e de seu primeiro aparecimento. Temos também a árvore como a ciência nos apresenta – botânica (caule, folha, raízes e etc) ou ainda algo no âmbito da Ecologia. São essas cascas que se prendem que devem ser limpas do objeto. Para buscar o "puro fenômeno" mesmo que você não consiga. Se tenta então, pegar a árvore como uma quase árvore – seu aparecer como árvore.
SLOTERDIJK, Peter. Morte Aparente no Pensamento. Lisboa: Relógio D'Água, 2014. Peter Sloterdijk não adotaria uma passividade ou contemplação, mas uma espécie de ócio e uma capacidade de reflexão sem necessárias decisões de ação. Sobre isso, ele acompanha o pensamento como "suspensão do juízo" da fenomenologia de Husserl.


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Sociedade Contemporânea – A Sociedade da Não Interrupção


Nossa sociedade contemporânea é a leveza, a desoneração e do movimento anti-gravitacional que nos leva para o alto. Nela, eis que surge uma figura que tratei em outros textos: a dos mestres e treinadores – o Coach e Personal Trainer. Os gurus que dão o comando do que fazer, do que ler, do que pesquisar, do que comer, do que treinar. Para Sloterdijk a cultura é um sistema de adestramento e nele vai junto o homem. Nos é útil também quando nos vemos assim, na "sociedade do espetáculo" de Debord enquanto um mundo cujo conteúdo é a prática, o exercício, a conduta do ascetismo despido de qualquer fundo religioso, começamos a aceitar a filosofia de Peter Sloterdijk e de que ele tenha razão ao dizer que onde buscamos o homem só encontraremos acrobatas. Só os que treinam, ou seja, todos nós, é que são humanos. O homem é aquele que pratica sua prática para fazer melhor o que já vem fazendo. Não se trata de notar certo caráter performativo da vida humana, mas de notar a performance como todo e qualquer conteúdo que nos preenche como humanos (físico, material, mental e espiritual) com criações de sistemas imunológicos – imunitários. Até o nosso improviso é praticado. Pelas práticas elétricas cerebrais do "pensamento", um exercício. O espetáculo já é o exercício e vice-versa.
"Nobody has time for an entire generation anymore", diz Sloterdijk em uma entrevista. Viveremos sem interrupção. Uma sociedade da não interrupção – ininterrupta. Então, a gente não precisa mesmo do sono? Por que dormir se a gente não tem sono? Perfeito. Espera... Espera: por que é um castigo? Por que isto é necessariamente um castigo? Já sei: é a vida sem interrupção. Estaremos todos conectados como já estamos mesmo antes de nascermos. O inferno ainda serão os outros? Acredito que não. Vivemos na sociedade desonerada ou da leveza. Não queremos nada com o inferno. As classes médias do mundo todo não estão a fim de nenhum sacrifício. Inauguramos desde o século XVIII a era antigravitacional: começamos com balões e agora não queremos nenhum peso a mais em nossas vidas. As espumas estão voando cada vez mais alto e leve. Por isso, que as obras de Sloterdijk são: Esferas - Bolhas, Globos e Espumas. Toda desoneração é bem-vinda e as onerações que são sobrepostas às desonerações, e que podem até piorar a coisa toda, precisam vir sob o invólucro de um novo patamar de peso, uma novidade. Só o novo tem espaço. Dentro do objetivo de nenhum sacrifício, inclui-se aí o fim do inferno Sartreano. Aí temos Sartre com a náusea na qual Ghiraldelli Junior comenta (2015a, p. 2):

É possível focalizar a xícara de chá diante de mim e retirar dela sua condição de recipiente que pode conter chá e que está disponível para a minha mão, vendo-a então única e exclusivamente como detentora de um número de estruturas possíveis. Por exemplo, não posso mirá-la e ver ao mesmo tempo seu fundo e sua borda, ou suas costas e frente, sendo que fico restrito a uma de suas apresentações segundo um dado momento. Assim, de alguma forma a consciência retém do objeto algo que tem caráter substancial. Tudo isso se esvai na "crise de consciência" sartreana. A descrição clássica dessa crise está no romance A náusea, de Sartre. O herói está sentado no parque diante de uma árvore. Vê sua enorme raiz e se apercebe que ali está um torrão de existência, uma ameaçadora protuberância de existência, que pode ser negra, pastosa, nodosa, derretida, monstruosa, viscosa, cru, obscena. A "crise de consciência" é o quebrar de qualquer epoché, pois mostra o ser da árvore visto como o que irrompe no seu excesso, na sua máxima contingência. Há ali uma superfluidade. Tudo que a raiz mostra são aspectos de sua fachada, seus atributos, e a raiz não se deixar captar por sua essência. Ela apenas existe. Está ali. Na sua existência a raiz quebra com a "redução fenomenológica", uma vez que é vista sob diversos ângulos e nomes e impressões sem se deixar definir por nenhuma em separado ou pelo conjunto delas e, então, provoca a "crise de consciência". A consciência que é sempre referencial tenta agarrar algo e se vê atarantada. A contingencialidade provoca a náusea. Trata-se do medo de que cada um de nós não tenha de fato nenhuma razão para existir. O ser da árvore se mostra. E o ser do Ser se mostra como sem razão ou justificativa. A palavra existência, então, aparece como não evocando nenhuma categoria abstrata que a possa explicar, como seria o caso na epoché, e desse modo a existência se abre para o nada.

A sociedade contemporânea com a alta tecnologia propicia uma não interrupção e conectividade constante sendo potencializado pela artificialização e tecnologia e nisso, vai junto à eliminação do outro. Ghiraldelli Junior diz (2017a, p. 1):

Dentro do objetivo de nenhum sacrifício, inclui-se aí o fim do inferno sartreano. Portanto, a supressão do outro. O outro é de fato um incômodo na nossa modernidade. Tudo é facilitado num sentido "jovial". Pais e até avós ficam parecidos com filhos e netos, professores não podem mais corrigir alunos, ninguém tem o outro, e sim advogados! As relações com o outro são feitas a partir das regras de acordos entre advogados, uma vez que a lei se tornou o elemento mediador de nossa vida não só pública, mas privada. Não temos mais o "conselho do outro" e menos ainda a "crítica do outro" uma vez que suprimimos o outro. Desse modo, tiramos do horizonte o lema iluminista de Kant, o sapere aude! Ligado ao "pensar pela própria razão" para "sair da minoridade", que implicava, claro, ter no canto a razão do outro, e no lugar disso nos embrenhamos na atividade de adoção de algum tipo de consultoria ou assessoria. Não temos mais o aprendizado pela interação com o outro em nossa formação e, assim, montados em uma subjetividade empobrecida, temos que contratar quem pensa e sente por nós – quem faz o papel de montar um aparente diálogo em que nós parecemos estar falando e conversando. Alguém que fale palavras que nos faça ter a sensação de que podemos, talvez, estar vivos

Portanto, há a supressão do outro. Não existe mais uma porta trancada. Não há mais objeções ou um simples não. Estamos na busca do outro como os cientistas no espaço buscando a vida fora da terra. O outro é de fato um incômodo na nossa modernidade. Porque ele é formado quase que uma relação dialética com o si mesmo e o eu. Algo como um alter ego que me nega mas serve justamente para o eu poder existir. Para o eu ter uma circunscrição e delineamento. Essa ausência do outro é potencializada pela tecnologia, pois, o outro é na verdade é o eu mesmo. Viralizando assim, o eu narcísico. Seria necessário um "parar no tempo" ou a famosa epoché de Husserl.
Ghiraldelli Junior comenta (2015b, pp. 17-18):

Dizendo que a epoché de Husserl foi a criação moderna da prática filosófica par excellence, Peter Sloterdijk viu na Academia o precursor dessa postura que sempre quis criar um local de cultura, mas distante da prática de outros locais também envolvidos com a cultura mais elaborada e com a discussão sobre saberes, como fóruns, museus, arenas, parlamentos e editoriais Epoché, ou o "pegar uma era" ou o "colocar entre parênteses" uma ocorrência, ou "circunscrever um período" de modo a elevá-lo para fora de julgamento e conclusões; esse foi um modo de fazer teoria pela teoria sem preocupações com conclusões ou finalidades senão o próprio objetivo de se continuar investigando continuamente.

A não interrupção necessita de uma forma seja qual ela for na fôrma de performance. Tudo depende de um profundo trabalho que, como Sloterdijk diz, é a substituição da vida contemplativa (cartesiana do sujeito-objeto) pela vida ativa, de Hannah Arendt, mas tudo isso submetido à verdadeira vida, a vida performativa. Até mesmo a diversão própria na sociedade do entretenimento leva momentos de lazer ao trabalho e se expressa segundo a aquisição de performance: vender mais produtos, participação nos lucros ou resultados e dos jogos de computador e celulares que nos levam ao mundo do divertimento nos seus mais diversos níveis de dificuldade.
Segundo Ghiraldelli Junior (2017b, p. 1):

Nietzsche faz a crítica dos "homens ativos". "Os homens ativos rolam tal como pedra, conforme a estupidez da mecânica", é o que ele diz em Humano demasiado humano, no aforismo 283. Em seguida, no 284, ele complementa: "o ocioso é sempre um homem melhor do que o ativo. – Mas não pensem que, ao falar de ócio e lazer, estou me referindo a vocês, preguiçosos". Impõe-se aí, então, a distinção entre o ativo, o ocioso e o preguiçoso. Nietzsche despreza o primeiro e último. Eleva o do meio, o ocioso. O ócio que permite o autêntico lúdico, e não o desporto, e o ócio que é próprio dos que não trabalham, ou seja, homens livres, estão na Grécia antiga como modelos que seduzem Nietzsche e, por que não dizer, toda a boa filosofia? Os dois aforismos não são enigmáticos. Nietzsche deixa claro, já no início do 283: "Aos homens ativos falta habitualmente a atividade superior, quero dizer, a individual. Eles são ativos como funcionários, comerciantes, eruditos, isto é, como representantes de uma espécie, mas não como seres individuais e únicos; neste aspecto são indolentes". Ou seja, ativos são indolentes, são os preguiçosos, além claro de serem ativos. Escapa disso o homem que dispõe o seu tempo e o organiza por si mesmo. Este sim pode se dar ao luxo de não ser escravo. O funcionário, o que funciona, o que está em função – este é o preguiçoso, do banqueiro ao erudito! Muitos de nós somos ativistas, ou seja, queremos funcionar! Que triste.

Cabe mencionar agora o filósofo germano-coreano Byng Chul Han. Algumas de suas principais obras como A Sociedade de Transparência, A Sociedade do Cansaço, O Aroma do Tempo e A Agonia de Eros trabalham como uma espécie de "diagnóstico" da contemporaneidade. Onde não estamos perante uma aceleração do tempo, mas sim de uma atomização e dispersão temporal. É isso que faz com que qualquer instante pareça igual a outro e não exista nem um ritmo, nem um rumo, que confira significado às nossas vidas. Ou seja, estaríamos vivendo uma época de cansaço por excesso de desempenho, e seríamos vítimas não mais da negatividade, mas da alta positividade ininterrupta. Um ritmo de 220 volts. Esse excesso de positividade culminaria numa exortação contínua e ininterrupta de "potência" do sujeito. Funcionando diante de estímulos tanto múltiplos quanto intermináveis. Com essa erradicação do campo de qualquer negatividade – suspensão (epoché), o estágio neuronal culminaria em um excesso de afirmativas, possibilidades, continuidade e permissões causando um sofrimento psíquico e uma auto exploração de si mesmo recaindo na hiperatividade performática criando uma sociedade do cansaço. Algo como o que Lasch escreveu na obra O mínimo eu. O esgotamento não tem a ver unicamente com a positivização de uma sociedade "neoliberal" voltada para o desempenho, mas também para uma mesmidade que se faz sem alteridade, mas efetivamente como o igual, pois, o outro não existe mais.
Byung fala também que as máquinas e os computadores são burros, justamente porque não sabem e não conseguem parar. Eles não conseguem interromper uma ação e continuam nela incessantemente. Paradoxalmente, de certa forma, elas foram feitas para ter um fim – uma interrupção: a chamada obsolescência programada. Nossa sociedade é a da instantaneidade onde a própria embalagem tem prazo de validade e o seu conteúdo já vem pronto. O mercado de indústrias não há como negar, mas elas já há algum tempo vem trabalhando com a produção voltada para a "obsolescência programada". A indústria é programada e padronizada, então ela se esquece de criar o padrão da "despadronização", para poder nos enganar melhor sem que percebamos. Nossas geladeiras, televisões e celulares estão deixando de funcionar em um tempo muito determinado - programado. Elas começam a dar problema em tantos dias depois da compra. Uma estratégia de mercado para não se falar mais em "durabilidade", afinal, na sociedade contemporânea somente o novo sobrevive e tem projeção no mercado. Uma cartada para substituição de produtos por outros de maneira programada.
A ideia da durabilidade não aparece mais nas propagandas, pois há uma descartabilidade que não se pode cultivar, embora não se possa, escancaradamente, contar ao consumidor (ainda não) que o que ele está comprando não vai quebrar ou parar de funcionar por desgaste, mas por programação de morte. O mercado e sua lógica de consumo de massas tudo domina, e sobrevive na imposição da obsolescência programada, rápida e contínua, instituindo o culto e cultivo do novo. Desaparece o tempo enquanto aquilo que faz termos experiência. A temporalização atual é a do instantâneo. Exemplo dessa instantaneidade foi o discurso de Trump. O pensamento mágico contido na semântica de Trump, em plena posse, se torna plausível, em especial para o tipo que é o seu eleitor. Ele insistiu em dizer "aqui e agora". Repete à exaustão esse jargão. Ao contrário de Obama, que dizia "nós podemos", como um convite a uma jornada coletiva ao futuro, envolvendo tempo, Trump diz o "right now, right here". O povo, disse ele, foi esquecido, isso se acabou "aqui e agora". O que é falado acontece. Acontece na hora. Assim é o mundo atual. Aqui e agora não indicam mais uma metáfora. Trata-se de aqui e agora mesmo.
Segundo Ghiraldelli (2017c, pp. 1-2):

Zygmunt Bauman diz: "tempos líquidos, nada é feito para durar". Bauman não sabe o que é algo chamado capitalismo. Tudo é feito para durar com data exata para acabar. Chamamos isso de obsolescência programada. Não significa pouca duração, significa duração calculada. Nessa modernidade que vivemos, também a vida humana foi repensada em períodos de obsolescência. Principalmente após o movimento social e cultural ter inventado fases psicológicas e de desenvolvimento. No século XVIII inventamos a infância (Rousseau à frente), no início do século XX inventamos a juventude (com Baden-Powell à frente). A invenção da infância nos deu nova indústria, a de roupas e arquitetura próprias para a existência de crianças, nos deu também uma ciência nova, a puericultura, e junto disso um mundo rico em comércio de doutrinas pedagógicas. A criação da juventude nos deu uma visão de como fazer política de modo diferente. Baden Powell criou o escotismo, e a partir daí os "movimentos de juventude" passaram a ser comuns. Antes da II Guerra Mundial surgiram com força a "juventude fascista", a "juventude nazista", a "juventude comunista". Quando nos anos 50 os americanos também entraram nessa, geraram a "juventude rebelde" (James Dean à frente). Nos anos 60 o conceito de juventude se ampliou, mas se pensarmos nas facetas autoritárias do que saiu de Maio de 68, podemos imaginar o quanto a "juventude comunista" e a "juventude fascista" haviam vingado na consciência coletiva. Os lobinhos de Baden Powell tinham vindo para ficar [...] Infância e juventude aqui são, claro, noções, divisas, até conceitos. São palavras. A guerra semântica que as criou também é uma guerra de petróleo, do motor, uma guerra da luz, que veio junto com a guerra semântica e com a guerra-guerra, mesmo! As "palavras e as coisas", uma relação diante da qual toda filosofia tenta encontrar um elo, tem seu elo efetivo nessa busca do homem de ser homem, de fazer vingar, mais e mais, os processos avançados pelos quais a espécie incorporou e a ainda incorpora a juvenilidade individual. Somos os únicos seres que nascem sempre de aborto, e somos os únicos que morrem aprendendo. Ou seja, no limite, somos maldosamente programados vir ao mundo inacabados e para nunca acabar. Somos os únicos seres feitos com obsolescência programada que busca ser programada para o infinito. Somos os idólatras da juvenilização e, portanto, presas fáceis da semântica que nos deu a "juventude". Essa é nossa desgraça, pois há algo de auto-engano demoníaco em ser jovem.

A ininterrupção leva essa positivização de tudo que está na base da hiperatividade. Nesse segundo caso, o que se diz é que o modo de vida "neoliberal", que vinga agora, não é aquele descrito pelo marxismo clássico ao analisar o capitalismo, em que há o explorador e o explorado, o patrão e o empregado, mas aquele em que impera a liberdade, isto é, todos são livres, pois, acreditam que todos são patrões de si mesmos, são profissionais autônomos de si, e de fato, em certo sentido, o são. Assim se realiza o fim da exploração do homem pelo outro homem e inicia-se a auto-exploração do indivíduo. Basta clicar em seu Facebook ou Instagram para ver diversos Coachs, Personal Trainers, gurus, palestrantes, professores, educadores, Youtubers. Aqueles que dão os ditames do seu negócio pessoal, no seu trabalho e na sua empresa. Eles dizem o que você deve comer e como, como montar seu escritório, padrões de ética de conduta, o que falar em determinada situação, palestras de Coach de "Como iniciar na carreira", etc. Na verdade, o que há é uma auto exploração de si mesmo. Você explora a si gastando dinheiro com outros para que esses outros lhe digam como deve ser o seu próprio negócio. Uma espécie segundo Byung de "capitalismo neoliberal", diante de uma sociedade de ininterrupção ou contemporânea. Um capitalismo reverso. Certamente sabemos todos o quanto somos chamados para trabalhar por meio da Internet e outros mecanismos fora de hora de trabalho. E quantas imagens aparece sobre ganhar dinheiro fácil. Algo comum em sites onde se vê "Ganhe dinheiro com a baixa do dólar nos EUA por causa de Trump", "Ganhe dinheiro com sites adultos", "se inscreva e saiba como montar seu negócio", "Compre o kit é passe no concurso", "se prepare para a carreira", entre outros. Somos chamados por quem? Ora, por nós mesmos.
Não é uma situação confortável. É o completo fim do ócio – da suspensão. Daí o "estilo de vida corrido" ou a "vida corrida de hoje" segundo os psicólogos e psicanalistas O modo da não-interrupção é, segundo Byung, o que leva o homem à repetição de si mesmo, à repetição do si-mesmo. O tempo real repetindo o si mesmo. Mas esse si-mesmo não é uma construção a partir do outro, pois atualmente o outro desapareceu, aliás, como toda negatividade e toda alteridade. Todos sabemos, afinal, como temos sido gerados em forma de narcisos. Não se trata aí, então, de estarmos falando de um verdadeiro si mesmo, um self, que pode curtir um cansaço cansativo mas revigorante após a sua tarefa realizada, mas um si-mesmo que sendo o igual, se torna um motivo de enjoou para o eu, daí a náusea. O si-mesmo do homem sob o "neoliberalismo" é, na verdade, para Byung, uma transbordação do mais do mesmo.
A interconexão digital favorece esse processo. A internet não se manifesta hoje como um espaço de ação comum e comunicativa. Mas de reprodução de imagens, textos e sites. Desintegra-se em espaços positivos do eu, em que se faz publicidade sobretudo de si mesmo. Hoje a internet não é outra coisa que uma caixa de ressonância do eu isolado. Nenhum anúncio é escutado. Olhe o Facebook por exemplo, não se mencionam problemas que podemos abordar e comentar em comum. O que se emite é sobretudo uma informação que não requer discussão (qualquer coisa clico no excluir) e que só serve para que o remetente se promova. O outro sumiu. Talvez até veja sua mensagem - o post mas não tem tempo ou apenas dá um like. Na comunidade do "eu gosto" alguém se encontra a si mesmo e encontra quem são como ele. Daí tampouco resulta possível algum discurso ou dialética. Você nem mais entrou ou está online, agora você navega pela internet e se deixa levar pelas ondas virtuais quer algo mais leve que isso? O espaço político é um espaço em que eu me encontro com outros, falo com outros e os escuto. Existia a objeção, o não, o erro, a afronta, o debate. A vontade política de configurar um espaço público, uma comunidade da escuta, o conjunto político dos ouvintes, está murchando radicalmente. Hoje não vemos isso, temos uma heterotopia comprimida.
Grande parte da classe média consome isso para se sentir parte de alguma coisa. Ter um Coach particular é obrigatório para se sentir parte do mundo empresarial. Acordar com o seu Personal Trainer postando foto é essencial para se sentir na classe média alta. Acompanhar seu guru intelectual ou estar na crista da onda igual seus conhecidos e amigos que fazem o mesmo. Isso realmente é ser a classe média. Ter sua nutri, ter seu Personal Trainer, sua Personal Diet. Quer mudar sua alimentação e não sabe por onde começar? Marque uma consulta. Vamos juntos descobrir o melhor para sua saúde. Aproveite! Ou algo como: "Se organize para sua gravidez – organização de casa e mesa", ou ainda um bate papo sobre como a organização pode mudar sua vida, aprenda inglês em casa com aulas por Skype, cursos à distância e sim, são de graduação ou pós-graduação, inscreva-se no canal x para tal pessoa lhe dar as dicas, assinar a newsletter para que você ganhe todo dia ou toda semana seu treino que um superatleta faz e você tenta repetir se espelhando no corpo a ser atingido, faça o seu próprio site, Ou mesmo iniciar um vídeo ao vivo - assista antes que ele termine. Além dos inúmeros livros contendo imperativos em sua capa (!!!! ou ????) Conheça-te a ti mesmo!!, Ética e vergonha na cara!! Ou algo parecido com felicidade ou amor no meio. Mas antes o próprio outro servia de limite e circunscrição agora tudo está voltado para o eu em eliminação do outro.
Quando Sloterdijk fala em "sociedade da leveza", "desonerada", da abundância (Galbraith) ou do entretenimento poderíamos aproveitar e dizer que é também da não interrupção. Lembro que na obra de Sartre Entre Quatro Paredes, um dos personagens fala que eles estão no inferno e que eles estariam condenados à vida sem interrupção porque isso seria um castigo e um sacrifício. Daí: "o inferno são os outros". O personagem aos poucos foi percebendo que não tinha pálpebras nem conseguia mais piscar, pois, estaria fadado a vida sem interrupção. Piscar e fechar os olhos isso criaria uma interrupção no permanente onde o mundo desaparece mesmo que por pouco tempo. Seria um alívio na tortura do inferno, um momento de leveza. Mas hoje isso não seria o contrário?
Rousseau tinha defendido a ideia anti-cartesiana do "não penso, logo existo" no Lago Biel. No século XIX se tinham as casas de ópio onde ficar sem pensar e poder exatamente por isso, viver era a fuga da ininterrupção. Não se poderia usar um "pisco, logo existo"? Como o próprio Byung disse: estamos na época dos "infartos de positividade" causadas por estresse, o que resulta na proliferação de coisas como a Síndrome de Hiperatividade, o Transtorno de personalidade limítrofe e a Síndrome de Burnout. São esses males que "determinam a paisagem patológica do começo do século XXI. Estaríamos vivendo uma época de cansaço por excesso de desempenho, e seríamos vítimas não mais da negatividade, mas da alta positividade. Algo advindo de uma não interrupção.
Tomando Sloterdijk: estamos tão leves e desonerados que o piscar seria um peso ou uma forma de voltarmos ao chão. O ininterrupto – a não interrupção. Isso tudo seria potencializado por uma forte influência da tecnologia e dos mais diversos meios de comunicação que intensificam tudo, onde a conectividade passa a ser total, ininterrupta, muros com membranas ativas. Temos uma era antigravitacional onde começamos com balões e agora não queremos nenhum peso a mais em nossas vidas. As espumas estão voando cada vez mais altas e leves. Temos e precisamos do estresse, para nos sentirmos em uma sociedade séria, real, pesada e no chão. Precisamos recriar uma situação ontológica de peso. Buscamos algum tipo de oneração numa sociedade desonerada.
Nesse caminho estamos indo para uma situação "maquinal" de ininterrupção. Byung quer descrever algo como que tudo deve se aproximar do olho por ele mesmo não adentrando tanto em uma filosofia contemplativa - cartesiana, mas, do deixar-se levar pela corrente e a certa distância vermos as coisas novamente no seu devido tempo. Ele fala algo essencial sobre as máquinas, na carência delas de possuírem capacidade de interrupção que, por fim, dá todo o teor de nossa vida. Muitas entram em colapso, esquentam tanto que desligam, outras acabam queimando mesmo. Estamos em pleno funcionamento, dos funcionários e dos que funcionam. Mas algo nos distancia das máquinas. O que falta às máquinas é o que nós temos de exclusivo e humano. Diferente delas, temos uma natividade. Byung chega no seu limite aqui. Não ultrapassa esse abismo. Acredito que a existência da prática da interrupção – o interromper está na atividade, louvada por Sloterdijk, que é a epoché de Husserl como falei acima. Sloterdijk trabalha bastante sua Filosofia e esferologia com a antropologia, para ele somos uma falha enquanto animais e somos por natureza desnaturados, por isso "o homem é um animal que tem mãe".
Agora, por trás dessa tese bastante chocante, encontramos uma perspectiva um tanto dramática sobre história natural. Entre insetos, répteis, peixes e pássaros – isto é, entre a grande variedade de espécies – o ovo fertilizado, o portador da in-formação genética, é posto em um ambiente exterior que vagamente possui as propriedades de um útero ou ninho externos. Agora, algo muito incrível acontece na linha evolucionária que leva até os mamíferos: o corpo das fêmeas da espécie é definido como um nicho ecológico para a sua descendência. Isso leva a uma dramática virada interna na evolução. O que nós vemos é um uso dual das fêmeas de uma espécie: de agora em diante, elas não são somente sistemas de ovos postos (em um senso metabiológico, feminilidade significa a fase bem-sucedida de um sistema de ovulação), mas elas põem os ovos dentro de si próprias e tornam seu próprio corpo disponível como um nicho eco-lógico para sua descendência.
Desse modo, elas se tornam mães animais integradas. O resultado é um tipo de evento que não existia antes no mundo: nascimento. A mulher funciona como um apartamento, colocando um ovo em si mesma dando origem a algo inédito na natureza nós por meio de antropotécnicas desenvolvendo um designer de interiores (Dasein ist Designer).
Essa é a sua característica principal. Sua natividade - natalidade é algo especial que o faz proprietário dessa inusitada capacidade de interromper ações; ativismos que logo desaguam na hiperatividade ininterrupta com resultados bem trágicos. O homem sabe fazer a epoché, porque nasceu de um útero que é uma casa do ensino fazendo do homem o ser que nunca para de aprender e que não nasceu pronto, mas sim, prematuro. Somos os únicos seres que nascem sempre de aborto, e somos os únicos que morrem aprendendo. Ou seja, nossa obsolescência é outra: somos programados para vir ao mundo inacabados e para nunca acabar. Somos os únicos seres feitos com obsolescência programada que busca ser programada para o infinito na direção dos Deuses e saindo do ethos. Uma máquina de produzir homens é o útero. O homem é um animal que tem mãe. As pessoas não levam a sério isso e, portanto, fazem uma filosofia e uma antropologia que desconhece o próprio homem. Hannah Arendt, mesmo na condição humana, já tinha complementado o olhar heideggeriano na direção da morte e da finitude pela percepção da "natalidade" do homem.
São Luís, 09/03/2017.



























REFERÊNCIAS


GHIRALDELLI JUNIOR, Paulo. Consulto, Logo Sou. Tempos Contemporâneos em Ritmo de Desventura. Disponível em: . Acesso 13 Fev. 2017a.

_____. Os Que Sabem Interromper – Sloterdijk Versus Byung Chul-Han. Disponível em: . Acesso: 04 Mar. 2017b.

_____. A Juventude: Obra da Eletricidade, do Petróleo e do Demônio. Disponível em: . Acesso 05 Mar. 2017c.

_____. Sartre e a Existência – Um Verbete. Disponível em: . 2015a.

JUNIOR, Paulo Ghiraldelli. Sócrates Pensador e Educador: A Filosofia do Conhece-te a Ti Mesmo. São Paulo: Cortez, 2015b.

SARTRE, Jean-Paul. A Náusea. Trad. Rita Braga. 1. Ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.

_____. Entre Quatro Paredes. 3º Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.

SLOTERDIJK, Peter. Morte Aparente no Pensamento. Lisboa: Relógio D'Água, 2014.







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