Sociedade de hiperconsumo, dignidade e superendividamento: uma abordagem hermenêutica

June 7, 2017 | Autor: Mateus Fornasier | Categoria: Direito Do Consumidor, Hermenêutica Do Direito
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ano 13 - n. 18 | julho/dezembro - 2015 Belo Horizonte | p. 1-320 | ISSN 1678-1864 R. do Instituto de Hermenêutica Jur. – RIHJ

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REVISTA DO INSTITUTO DE HERMENÊUTICA JURÍDICA – RIHJ

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Luís Cláudio Rodrigues Ferreira Presidente e Editor Av. Afonso Pena, 2770 – 16º andar – Funcionários – CEP 30130-007 Belo Horizonte/MG – Brasil – Tel.: 0800 704 3737 www.editoraforum.com.br / E-mail: [email protected] Impressa no Brasil / Printed in Brazil / Distribuída em todo o Território Nacional Os conceitos e opiniões expressas nos trabalhos assinados são de responsabilidade exclusiva de seus autores.

R454 Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica : RIHJ. – ano 9, n. 9/10, (jan./dez. 2011)- . – Belo Horizonte: Fórum, 2012Semestral ISSN 1678-1864 Publicada do v. 1, n. 1 jan./dez. 2003 ao v. 8, n. 8, jan./dez. 2010 pelo Instituto de Hermenêutica Jurídica. 1. Hermenêutica (Direito). I. Instituto de Hermenêutica Jurídica. II. Fórum CDD: 340.5 CDU: 340.132(05)

Supervisão editorial: Leonardo Eustáquio Siqueira Araújo Capa: Igor Jamur Projeto gráfico: Walter Santos

Sumário

Editorial ................................................................................................................................ 9 DOUTRINA Artigos TEORIA E FILOSOFIA DO DIREITO O sentido do direito enquanto direito e o compromisso de uma sua jurisdição Priscila Zilli Serraglio, Neuro José Zambam ........................................................................... 15 1 2 3 4 5

Introdução ............................................................................................................... 15 Direito, política e Judiciário – uma intermitente história de união e separação dialéticas ................................................................................................ 18 O contemporâneo paradoxo jurisdicional – a crise de sentido, o sentido da crise e a alternativa do jurisprudencialismo ................................................................ 23 A refundação do direito enquanto direito – a (necessária) revolução do paradigma ético ....................................................................................................... 27 Considerações finais ................................................................................................ 31 Referências ............................................................................................................. 34

Sociedade de hiperconsumo, dignidade e superendividamento: uma abordagem hermenêutica Mateus de Oliveira Fornasier ................................................................................................. 37 1 2 3 4 5

Introdução ............................................................................................................... 37 Compreensão filosófico-hermenêutica acerca da técnica ............................................. 40 Consumismo, dignidade e identidade pessoal: do consumo conspícuo à sociedade de hiperconsumo ..................................................................................................... 44 Superpanoptismo e sinoptismo: modos de tecnicização da dignidade em prol do consumismo ............................................................................................................ 48 Considerações finais ................................................................................................ 53 Referências ............................................................................................................. 55

Notas sobre a crítica criminológica e o garantismo aplicado à decisão penal Adrian Barbosa e Silva, Alexandre Morais da Rosa ................................................................. 59 1 2 3 4

Poder dos juristas, juiz penal e contenção do poder punitivo........................................ 60 Decisão penal garantista: hipóteses gerais ................................................................ 61 Decisão penal e oxigenação criminológica: inquietações iniciais .................................. 65 À guisa de conclusão (?)........................................................................................... 71 Referências ............................................................................................................. 72

JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL E HERMENÊUTICA JURÍDICA De uma “hermenêutica dos desejos” a uma “constituição ilimitada”: notas inaugurais José Luis Bolzan de Morais, Guilherme Valle Brum ................................................................. 77

1 2 3 4 5

Premissas indicativas............................................................................................... 77 Direitos e deveres na democracia.............................................................................. 79 Estado Democrático de Direito: entre jurisdição e política............................................ 83 A (falta de) reflexividade da jurisdição constitucional no Brasil e a construção de uma “ jurisprudência ou hermenêutica dos desejos” ............................................................ 89 Considerações finais ................................................................................................ 95 Referências ............................................................................................................. 97

A legitimidade da atuação do Tribunal Superior Eleitoral no exercício das funções consultiva e normativa Cintia Garabini Lages, Renata Mantovani de Lima ................................................................ 101 1 2 3 4 5 6

Introdução ............................................................................................................. 101 Função jurisdicional e função consultiva: estabelecendo distinções............................ 102 Entre a interpretação e a legislação: o caso da verticalização partidária ..................... 105 A importância do processo como procedimento que se realiza em contraditório como atividade legitimadora da produção normativa ................................................. 107 As funções consultiva e normativa atribuídas aos órgãos jurisdicionais eleitorais e o princípio da separação de poderes .................................................................... 111 Considerações finais .............................................................................................. 114 Referências ........................................................................................................... 115

Iniciativa popular como técnica da democracia participativa e os novos horizontes da hermenêutica constitucional Aurélia Carla Queiroga da Silva............................................................................................ 119 1 2 3 3.1 3.2 4 5

Introdução ............................................................................................................. 119 A iniciativa popular no ordenamento jurídico brasileiro............................................... 120 A iniciativa popular sob a ótica da nova hermenêutica ............................................... 123 A tópica constitucional e a concretização estruturante do direito ................................ 128 Um paralelo entre a iniciativa popular e a teoria da sociedade aberta de Peter Häberle ........................................................................................................ 133 A iniciativa popular na promoção da democracia participativa no Brasil....................... 137 Conclusão ............................................................................................................. 141 Referências ........................................................................................................... 142

Sociedade aberta dos intérpretes da Constituição e a participação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil no controle concentrado de constitucionalidade Lilian Balmant Emerique, Halison Bruno de Lima Lara ........................................................... 145 1 2 3 4 5 6 6.1 6.2 6.3

Introdução ............................................................................................................. 146 Breve panorama sobre os legitimados ativos para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade.............................................................................................. 148 Teoria da sociedade aberta de intérpretes da Constituição de Peter Häberle como marco teórico do estudo ......................................................................................... 150 O histórico compromisso do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil com a democratização do país ................................................................................ 153 Atuação do CFOAB no controle de constitucionalidade: estudo do conjunto das ADIs propostas ...................................................................................................... 154 O CFOAB e as ADIs sobre matéria de direitos fundamentais ...................................... 159 ADI nº 162 ............................................................................................................ 161 ADI nº 1719 .......................................................................................................... 162 ADI nº 2.116 ......................................................................................................... 163

6.4 6.5 6.6 6.7 7 8

ADI nº 2.231 ......................................................................................................... 163 ADI nº 2.998 ......................................................................................................... 164 ADI nº 3.003 ......................................................................................................... 165 ADI nº 5.170 ......................................................................................................... 165 Considerações finais sobre as ADIs propostas pelo CFOAB sobre matérias de direitos fundamentais ............................................................................................ 166 Considerações finais .............................................................................................. 167 Referências .......................................................................................................... 168

DEMOCRACIA E EFETIVIDADE DE DIREITOS FUNDAMENTAIS As novas manifestações sociais e a proteção das liberdades de expressão e reunião no Brasil: o legado do STF no julgamento do “caso da Marcha da Maconha” Ana Paula Oliveira Ávila, William Matheus Marins Vitt .......................................................... 173 1 2 3 4 4.1 4.2 5 6

Introdução ............................................................................................................. 173 As manifestações sociais e seus elementos identitários .......................................... 175 Caracterização da Marcha da Maconha como movimento social ................................ 178 Direitos identificados no caso ................................................................................. 179 A liberdade de expressão e o direito de reunião ....................................................... 180 Restrições autorizadas pela Constituição ................................................................ 186 A concretização desses direitos pelo STF ao apreciar a Marcha da Maconha............................................................................................... 188 Considerações finais .............................................................................................. 192 Referências ........................................................................................................... 194

As soluções judiciais para a crise do sistema prisional no estado do Rio Grande do Sul: um exemplo privilegiado do ativismo à brasileira André Karam Trindade......................................................................................................... 197 1 2 2.1 2.2 2.3 3 3.1 3.2 4 4.1 4.2

Introdução ............................................................................................................. 197 A crise do sistema prisional no estado do Rio Grande do Sul: três governos e uma década de promessas não cumpridas ............................................................. 198 O Governo Rigotto (2003-2006) e seu legado: o pior presídio da América Latina ......... 199 O Governo Yeda (2007-2010) e a institucionalização do Estado de exceção ............... 203 O Governo Tarso (2011-2013) e a denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos .................................................................................................. 208 A questão penitenciária e o papel do Poder Judiciário ............................................... 212 O “problema das soluções judiciais” adotadas pelos juízes gaúchos .......................... 212 A resposta constitucionalmente adequada: a intervenção federal no estado do Rio Grande do Sul .................................................................................................. 218 O que é isto – o ativismo à brasileira? ..................................................................... 221 As origens do ativismo judicial ................................................................................ 222 O ativismo à brasileira ............................................................................................ 224 Referências ........................................................................................................... 230

AUTORES CONVIDADOS A vueltas con el constitucionalismo cosmopolita. Crisis del estado, pluralismo jurídico y constitución Alfonso de Julios-Campuzano............................................................................................... 237 1

El Estado en un contexto de pluralismo jurídico ........................................................ 237

1.1 1.2 1.3 2 3 4

El mercado y las nuevas instancias de regulación ..................................................... 239 El derecho desterritorializado del mercado global ..................................................... 240 La inflación normativa y la crisis de la seguridad jurídica ........................................... 242 Debilitamiento del Estado y crisis de la Constitución ................................................. 244 Patriotismo constitucional, pluralismo e integración .................................................. 250 Constitucionalismo, identidades y democracia cosmopolita ....................................... 254 Referencias ........................................................................................................... 262

Interpretazioni della dottrina tedesca in materia di ponderazione dei diritti fondamentali Alberto Vespaziani .............................................................................................................. 265 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16

Genealogia della ponderazione nella cultura costituzionale tedesca............................ 266 Il bilanciamento come transizione dal paradigma liberale al paradigma sociale del diritto in Erhard Denninger ...................................................................................... 270 La critica liberale alla giurisprudenza dei valori in Ernst-Wolfgang Böckenförde ............ 273 I nuovi paradigmi dell’interpretazione costituzionale in Horst Ehmke e Konrad Hesse ... 275 Il bilanciamento nel liberalismo analitico-continentale di Robert Alexy ......................... 280 Ponderazione di valori e diritto per principi ............................................................... 282 Bilanciamento e criteri di proporzionalità .................................................................. 284 Bilanciamento analitico o bilanciamento ermeneutico? .............................................. 286 La indeterminatezza del diritto e la razionalità della giurisdizione in Habermas ............ 288 La critica procedurale alla giurisprudenza per valori ................................................... 290 Proceduralismo versus realismo? ............................................................................ 293 La giurisdizione costituzionale tra politica e giurisprudenza: la gemeinwohljudikatur nella ricostruzione di Peter Häberle.......................................................................... 295 Il doppio volto dei diritti fondamentali e la funzione istituzionale del bilanciamento ...... 298 Il doppio volto dei principi costituzionali e la funzione sociale del bilanciamento .......... 300 Bilanciamento, paradigmi del diritto e poteri delle corti costituzionali .......................... 305 Verso una interpretazione neoretorica del bilanciamento ........................................... 307 Riferimenti............................................................................................................. 314

INSTRUÇÕES PARA OS AUTORES ..................................................................................319

Sociedade de hiperconsumo, dignidade e superendividamento: uma abordagem hermenêutica Mateus de Oliveira Fornasier Doutor em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Professor do Mestrado em Direitos Humanos da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí) e da Graduação em Direito da Faculdade de Desenvolvimento do Rio Grande do Sul (Fadergs). Advogado. Lattes: . E-mail: .

Resumo: Que fenômenos sociais ligados ao superendividamento devem ser considerados ao se decidir demandas que limitem o pagamento de dívidas de consumidores hipossuficientes, para além da literalidade dos textos legais e contratos? Esses fenômenos podem ser desvelados a partir de uma postura hermenêutica para a compreensão do superendividamento face ao consumismo – mormente ao se identificar paradigmas técnicos de incentivo ao consumo que dominam a sociedade de hiperconsumo, na qual a capacidade de consumir está intimamente ligada à dignidade. Assim, quanto mais efetivadas, maiores serão os dispêndios individuais para a manutenção de padrões de consumo – o que pode levar ao superendividamento – e isto, conjuntamente com os textos legais, deve ser considerado pelo jurista ao analisar o fenômeno, já que a dignidade é fundamento constitucional do Estado de Direito brasileiro e o consumismo é tônica da atual sociedade. Objetiva-se, de modo geral, associar de modo transdisciplinar a noção filosófico-hermenêutica de técnica aos paradigmas de dominação típicos da modernidade. Objetivos específicos: i) analisar o que a essência da técnica passa a representar a partir da modernidade; ii) investigar a sociedade de hiperconsumo e a manipulação da noção de dignidade; iii) associar os paradigmas técnicos de manipulação da dignidade ao consumismo. Palavras-chave: Técnica. Superendividamento. Dignidade. Sumário: 1 Introdução – 2 Compreensão filosófico-hermenêutica acerca da técnica – 3 Consumismo, dignidade e identidade pessoal: do consumo conspícuo à sociedade de hiperconsumo – 4 Superpanoptismo e sinoptismo: modos de tecnicização da dignidade em prol do consumismo – 5 Considerações finais – Referências

1 Introdução O superendividamento não pode ser visto como um simples momento de inadimplência obrigacional e, sim, como a impossibilidade de uma pessoa suprir as suas necessidades básicas, como alimentação, vestuário e moradia, que são materializadas através do crédito ao consumo. Esse prisma revela existirem na relação obrigacional de crédito importantes aspectos da vida que, se desprezados, podem ameaçar a própria dignidade da pessoa – na acepção mais humana possível. R. do Instituto de Hermenêutica Jur. – RIHJ | Belo Horizonte, ano 13, n. 18, p. 37-57, jul./dez. 2015

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O superendividamento indica o endividamento superior ao normal daquele possível de ser suportado pelo orçamento mensal dos consumidores. Sua mais atual e correta definição perante a dogmática jurídica brasileira seria “a impossibilidade global do devedor-pessoa física, consumidor, leigo e de boa-fé, de pagar todas suas dívidas atuais e futuras de consumo” (MARQUES, 2006, p. 256). Diante dessa definição, percebe-se que o tema não pode ser juridicamente encarado como mera inadimplência obrigacional eventual, mas sim na hipótese em que o devedor de boa-fé, de forma irreversível, tenha se quedado impossibilitado adimplir seus débitos oriundos do consumo, ainda que estes se tornem futuramente exigíveis. Dessa maneira, a superação de situações de superendividamento se liga à eficácia dos direitos fundamentais no âmbito privado, ao direito de acesso ao crédito de que o consumidor é titular (GIANCOLI, 2008). Percebe-se também que o superendividado é sempre um consumidor, em acepção mais restrita do que aquela fornecida pelo Código de Defesa do Consumidor, pois apenas admite-se a tutela à pessoa física, excluindo, portanto, a pessoa jurídica. Trata-se de pessoa física que, de boa-fé, contrata concessão de crédito, destinado à aquisição de produtos ou serviços para atender a uma necessidade pessoal, e nunca profissional. Cláudia Lima Marques (2002, p. 590), ao tecer considerações acerca da oferta em massa de produtos e serviços diante da hipossuficiência do consumidor – o que pode ser identificado quase como uma constante nas comunicações sociais e nos quotidianos atuais, refere: Não há como negar que o consumo massificado de hoje, pós-industrial, está ligado faticamente a uma série de perigos para o consumidor, vale lembrar os fenômenos atuais de superendividamento, de práticas comerciais abusivas, de abusos contratuais, da existência de monopólios naturais dos serviços públicos concedidos ou privatizados, de falhas na concorrência, no mercado, na informação e na liberdade material do contratante mais fraco na elaboração e conclusão dos contratos.

O que deve, portanto, nesse estado de coisas, o jurista brasileiro considerar, no tocante ao superendividamento, ao decidir sobre demandas que limitem o pagamento de dívidas de consumidores hipossuficientes face instituições financeiras? Deve seu julgamento ser feito simplesmente com base na literalidade dos textos legais e contratos, ou há outros elementos essenciais a serem considerados no processo – os quais poderiam ser desvendados a partir de uma postura hermenêutica para a compreensão do fenômeno? As técnicas de incentivo e manutenção do consumo, aqui analisadas sob os paradigmas do panoptismo e do sinoptismo, são máximas da sociedade de hiperconsumo, na qual a capacidade e a maneira de consumir estão intimamente ligadas, como

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sendo manifestações da dignidade (social e pessoal). Nesse estado de coisas, quanto mais exacerbadas tais técnicas, maior serão os dispêndios individuais para a manutenção de padrões de consumo, mesmo quando as capacidades materiais não o possibilitem – o que vem a causar o superendividamento – e isto, conjuntamente com os textos legais, deve ser considerado pelo jurista ao analisar o fenômeno, já que a dignidade é fundamento constitucional do Estado de Direito brasileiro e o consumismo é tônica da atual sociedade. Sendo invocada subliminarmente uma “pseudodignidade”, acaba-se por velar a dignidade humana de maneira circular e viciosa – situação que deve ser considerada em decisões judiciais conscientes dessa situação, eis que conformes tanto ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, consolidado no art. 1º, inc. III, da Constituição Brasileira de 1988, como fundamento da República Federativa do Brasil. Assim sendo, uma decisão judicial correta à luz da Constituição de 1988 deve considerar o fenômeno da exacerbação do consumir ao analisar a situação do superendividamento. Torna-se imprescindível, para a realização do presente trabalho, o enfrentamento desses problemas que já afetam a realidade mundial, além daqueles que a afetarão, em decorrência do desenvolvimento tecnológico desenfreado e visando apenas o aumento do poderio econômico de uns poucos em detrimento do sofrimento de tantos outros. Assim, a superação de tal estado de coisas exige o abandono das tradicionais acepções éticas e jurídicas, a fim de que tais ramos do conhecimento sejam cônscios da realidade para a qual operam, sendo instrumentos eficientes contra tais problemáticas. Portanto, uma investigação transdisciplinar, pressupondo o direito e a filosofia, é aqui promovida. Será aplicado o método fenomenológico-hermenêutico, pelo qual o sujeito se encontra implicado no seu acontecimento, e não cindido dele em um esquema no qual o problema é mero objeto de estudo analisado por um sujeito que não sofre com as questões da atualidade. A sociedade de hiperconsumo, na qual o consumidor é levado a acreditar que o consumir é diretamente identificado com sua “essência pessoal”, se serve de paradigmas técnicos, verdadeiras arquiteturas de poder para a exacerbação do consumismo. Contudo, a fim de que se entenda a afirmação recém-formulada, faz-se mister entender, inicialmente, o que a essência da técnica passa a representar a partir da modernidade. Para isso, a filosofia de Heidegger, no tocante à exacerbação da técnica a partir da modernidade, é essencial, sendo, por isso, a temática do primeiro momento do primeiro capítulo do presente trabalho. Num segundo momento, passarse-á à análise da configuração da sociedade de hiperconsumo e da manipulação da dignidade, a qual tem por pressuposto teórico o consumo conspícuo. Será tratada também a evolução das teorias sobre sociedade e consumismo. Então, em R. do Instituto de Hermenêutica Jur. – RIHJ | Belo Horizonte, ano 13, n. 18, p. 37-57, jul./dez. 2015

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confluência, serão analisados o panoptismo e o sinoptismo – paradigmas técnicos de manipulação da dignidade.

2 Compreensão filosófico-hermenêutica acerca da técnica Uma racionalidade objetificadora limita o jurista (especialmente o brasileiro), que crê ser o conhecimento do direito promovido pela adoção de metodologias que o tomam como algo a priori, pretensiosas de revelar a ele seu sentido –tornando-se, assim, o sujeito assujeitador do objeto direito, colocando-se num espaço distinto deste, construindo no espaço que os separa verdadeiras pontes metodológicas (teorias, concepções cientificamente pré-elaboradas) que têm na linguagem apenas um terceiro elemento, verdadeiro “veículo de conceitos que carregam os sentidos das coisas” (STRECK, 2003, p. 223). Para o pensamento heideggeriano, a hermenêutica é um modo de ser no mundo promotor da manifestação do ser do ente, retirar o manto que o objetifica, desocultando-se, assim, o encoberto. E compreender o ser não é um modo de conhecêlo, de alcançar sua verdade pela utilização de um método. A verdade surge como desvelamento do ser que permite a revelação do ente. A condição de possibilidade da verdade é a liberdade, que deixa que cada ente seja o que é revelando-se exatamente em deixar ser (LUCAS, 2006). O sentido do direito não resulta, portanto, de uma imposição sobre normas jurídicas, ou de uma apropriação autoritária pelo jurista, mas uma experiência hermenêutica eivada de historicidade. Questão fundamental no Direito será, assim, conseguir compreender que fundamentar não é um problema de metodologia ou de procedimento argumentativo, mas, sim, um modo de ser, pela simples razão que hermenêutica é filosofia e não normalização de procedimentos metodológicos que sustentariam o raciocínio do jurista. (STRECK, 2003, p. 244)

Não é possível o estabelecimento de sentidos, pelo homem, fora da história, não sendo ele o dono dos sentidos: apenas no horizonte de sua vinculação com o mundo (tradição, cultura, história) ele é capaz de compreender algo. É a partir das possibilidades pré-constituídas em uma tradição que os homens compreendem, sendo seus preconceitos muito mais do que juízos particulares, pois estes representam a realidade histórica do seu ser, da sua pertença a uma tradição, historicidade, significando assim uma maneira de se compreender para além da consciência de si próprio (GADAMER, 2002). Compreender, assim, o que sejam endividamento, dignidade, consumismo e contrato se trata de uma atividade que vai para muito além do conhecimento subjetivo daquele que decide sobre contratos em relações de consumo: trata-se de uma busca, pelo sujeito, da compreensão do lugar que ocupa na história, bem como que lugar a

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história ocupa na construção do seu próprio ser. Encontra-se, na atualidade, portanto, diante de uma etapa histórico-contextual que modifica o que se entende por consumo e contrato. Para além disso: está-se em um contexto em que a técnica sofre modificações na compreensão daquilo que venha a significar. Ora, em um cenário hipercomplexo de comunicações e relações humanas, pode-se ainda considerar o próprio sujeito conforme se encontrava na aurora da modernidade, dotado de consciência e vontade que o torna capaz de compreender todos os momentos dos seus atos? Não há uma necessidade de desvelamento de tudo ao seu redor (desde a técnica até a linguagem)? A essência da técnica, seu “ser”, não é algo técnico em si (HEIDEGGER, 2007). Ao caracterizar-se sua essência como uma “instalação” composta de instrumentos, matérias-primas, necessidades e fins para os quais tal instalação é empregada, terse-ia uma concepção instrumental da técnica – a qual, de forma alguma, pode ser tida como incorreta, eis que se adaptaria tanto aos mais primitivos meios de se aplicar algo como meio para um fim (tais como cata-ventos) até os mais avançados (estações de radar, aviões a jato). Assim, o filósofo intentou superar essa concepção instrumental e antropológica, pois o homem, ao querer dominar a técnica, encara a ameaça de fuga da técnica do seu domínio. Buscou demonstrá-la como sendo mais do que mero meio para fins, desvelando assim a verdade acerca dela, eis que mesmo uma afirmação correta sobre algo não demonstra, necessariamente, a verdade sobre sua essência. O desocultamento da essência da técnica moderna e seu reconhecimento como a vocação do Ocidente pertence à segunda fase do pensamento do filósofo alemão (CRITELLI, 2002). A técnica em Heidegger não é um aparelhamento: ao lado da ciência, da alocação da arte na estética, da transformação do fazer humano em cultura e da retirada do caráter divino da existência, a técnica expressa um modo de ser, a tendência fundamental da ocidentalidade (HEIDEGGER, 1979). O ensaio de Heidegger não busca definir o que é a técnica, mas, sim, o que ela não é, descartando, de plano, qualquer concepção causal-instrumental acerca dela (HEIDEGGER, 2007); dessa maneira, começa por estudar a tal concepção a partir da teoria da causalidade quádrupla da filosofia clássica: a) a causa materialis (a matériaprima); b) a causa formalis (a forma que é dada ao material do qual algo é feito); c) a causa finalis (a finalidade para a qual algo feito de determinado material e de determinada forma é produzido); d) a causa efficiens (o que – ou quem – produz algo de certo material, de certa forma, para algum fim). Quando remetida à causalidade quádrupla, desoculta-se o que a técnica é quando representada como meio. Estudar a causalidade quádrupla é demonstrar que a definição de causa a partir de tal esquema é um velamento da verdade acerca da técnica (HEIDEGGER, 2007). Portanto, deve-se questionar o que é causalidade. Há muito, todavia, os ocidentais R. do Instituto de Hermenêutica Jur. – RIHJ | Belo Horizonte, ano 13, n. 18, p. 37-57, jul./dez. 2015

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teriam desenvolvido o costume de denominar “causa” apenas aquilo que opera efeito, que é eficaz e eficiente, ou seja, a sua causa efficiens, sendo, no mais das vezes, olvidada a finalidade (HEIDEGGER, 2007). Porém, as quatro causas apresentadas seriam, para os gregos, intimamente ligadas, comprometidas entre si, eis que a finalidade depende da matéria e da forma, bem como aquele (ou aquilo) que forma algo também está totalmente comprometido com as demais causas. Quando esses quatro modos de comprometimento estão ligados, fazem com que algo apareça, eis que ocasionam algo. Mas esse ocasionar, esse levar à frente o que ainda não é presença é uma produção – sendo que tal produção é tanto aquilo que é produzido por si mesmo na natureza, seja aquilo que é produzido por um artesão. Como leva ao descobrimento o que está oculto, esse produzir é também um desvelamento (em latim, veritas). É no desvelamento que o produzir reúne em si os quatro modos de ocasionar (causalidade), e isso é o fundamento da técnica. A técnica pertence, em sua origem grega, ao produzir, à poiesis (ποιησις), seja na simples produção manual, seja nas belas artes. Assim, não é meramente um meio, pois, no seu âmago, é a própria verdade. A recém-citada terminologia grega, τεχνη, é a origem da palavra técnica, e teria, desde os primórdios da língua grega, significação similar a επιστήμη, que designa o velamento, a compreensão acerca de algo (HEIDEGGER, 1995). Assim, para que se analise o significado de τεχνη de acordo com o pensamento grego clássico, deve-se evitar projetar sobre o sentido de então noções oriundas de representações posteriores ou atuais: o fundamento do conhecer, na experiência grega, se acha no | fato de abrir, de manifestar o que é presente (HEIDEGGER, 1995). O que até agora se apresentou refere-se à técnica no sentido original grego, sendo àquele universo pertencente. Já a técnica moderna possui peculiaridades que a tornam bastante diversa. Mas apesar de também ser um desvelar, não pode ser compreendida no mesmo sentido da ποιησις, eis que não tem na sua essência o produzir, a causalidade entendida em seus quatro aspectos. O que a caracteriza é um desafiar à natureza, desta exigindo que forneça energia, passível de extração e armazenamento. A τεχνη encontrada nas artes e artefatos mais antigos – agricultura simples, moinhos de vento – era um desvelamento totalmente familiarizado com as forças da natureza: o moinho de vento funcionava de forma harmônica e paralela com a força natural do vento; era também um cuidado, eis que a simples semeadura fazia com que o camponês deixasse a semente à mercê das ações naturais do solo, a ele cabendo apenas cuidar para que a planta se desenvolvesse adequadamente (HEIDEGGER, 2007). Já nas modernas técnicas (i.e., extração de minérios do solo) a natureza se apresenta como fonte de recursos, de energia armazenada, sendo pela

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demanda por recursos desafiada. Ou seja: o desvelamento desafiante que caracteriza a técnica moderna faz com que o seu produto se torne algo subsistente, sempre à disposição da demanda humana. Desabrigar, no domínio da técnica moderna, é desafiar a natureza: a energia que nesta está oculta passa a ser explorada, transformada, armazenada, distribuída e novamente ser comutada – operações que são modos de um desabrigar complexo, dirigido pelos seus próprios meios engendrados, assegurados pela sua conquista praticamente onipresente. Ou seja: mediante as noções de direção e segurança, a técnica moderna se caracteriza pelo desafio (HEIDEGGER, 2007). No que concerne à problemática da técnica, o que chamou a atenção do pensamento de Heidegger não teria sido o seu aspecto enquanto modo de ser da verdade (um produzir), mas sim o “[...] extremo grau de exacerbação que a técnica desenvolveu progressivamente. Neste momento a técnica se alteia em extremo perigo para o mundo em que possa residir a essência do homem” (STEIN, 2002, p. 161). A realidade do mundo, para a técnica, é uma provocação, sendo o homem também provocado pela técnica, chamado a agredir o seu entorno pela transformação. Mas nesse processo o homem também se torna um modo de armazenar possibilidades técnicas, quedando-se o indivíduo técnico também integrante da reserva e do estoque: “a mão de obra, o material humano, são elementos de manufatura, de transformação, tanto como a matéria que se apresenta nas coisas” (STEIN, 2002, p. 161). A técnica não se restringe, todavia, apenas à interferência humana nos processos da natureza: se espalha por todo o agir do homem, inclusive por seus saberes, produções e comportamentos, tornando-se o modo técnico o único modo pelo qual o ocidental entende ser possível existir (HEIDEGGER, 1972). É uma ótica que subordina a ela mesma tudo o que faz parte do mundo, o qual perde sua qualidade primordial e passa a ser reserva para a produção à mercê do homem. A disponibilidade do ente como forma de presença, perante a qual o homem se faz disponível para requerer da natureza a satisfação de suas necessidades (por via da transformação técnica), é definida por Heidegger como “armação”, num sentido completamente incomum pelo próprio autor: toda estrutura tem uma “armação” pela qual ela permanece, precisamente enquanto essa armação vai além de todos os elementos da estrutura. A armação reúne os elementos e sustenta-os sem se confundir com qualquer um deles (SILVA, 2007). “Armação” refere-se ao modo próprio de desocultar correspondente à essência da técnica moderna, referindo-se também a algo que nada tem de técnico. Ou seja: se a técnica for examinada em todos os seus elementos, e se eventualmente fosse possível conhecer todos eles, ainda assim sua essência não está desvelada. Conhecer a técnica como trabalho, instrumento ou meio equivale a visualizar as determinações antropológicas que nela estão contidas, mas que não revelam sua essência. Desviando-se dessa representação humanista, Heidegger pretende atingir

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o modo como na “armação” acontece o “descobrimento” pelo qual o homem é provocado a desabrigar o ente de um modo peculiar – que corresponde à consideração da natureza como um reservatório de energias que ele pode utilizar. A “armação” seria, assim, a própria disponibilidade, ou a reunião dos elementos disponíveis, pela qual os entes se apresentam para o homem através da representação calculadora científica. Não seria possível se pensar que a própria natureza do homem se torna suporte, mera reserva de recursos, para o processo de desafio da técnica, sendo também adaptado a processos técnicos – do mesmo modo que, conforme o exemplo do filósofo alemão (HEIDEGGER, 2007), em que o Reno, outrora poeticamente descrito, passa a ser parte da técnica envolvida na usina hidrelétrica, sendo encarada como mero constituinte de tal estrutura? Analise-se a partir de agora tal posição adotada. Se for encarado como integrante da natureza e, ao mesmo passo, visualizável tecnicamente como depósito de recursos, também se pode vislumbrar na técnica não apenas a armação que desafia o extra-humano, mas também o próprio humano. Esse modo de existir técnico, portanto, passa a adaptar não apenas o entorno ao aparato técnico, mas o próprio homem a essa estrutura. Poder-se-ia especular, assim, uma manipulação do modo pelo qual o homem vê a si próprio (inclusive sua dignidade) mediante técnicas, a fim de que este seja levado a um modo de existir embasado no consumo (a fim de que os processos econômicos sejam reproduzidos). O consumismo emerge como fenômeno decorrente da utilização de vários paradigmas – panoptismo (e sua evolução digital, o superpanoptismo) e sinoptismo – que inserem o homem, que deveria se entender como dotado moral e juridicamente de dignidade, em um mero objeto de técnicas que desafiam sua natureza de modo a configurá-la como mera reserva de recursos para consumir aquilo que é produzido. A própria dignidade do homem é utilizada de forma distorcida por aqueles a quem interessa reproduzir reiterada e continuamente o ciclo vicioso do consumismo, a fim de que sirva de principal substrato para tal propósito.

3 Consumismo, dignidade e identidade pessoal: do consumo conspícuo à sociedade de hiperconsumo O consumismo, nas sociedades ocidentais capitalistas, invade até mesmo a própria noção de dignidade – seja ela tida como noção social, seja autorreferencialindividual. O que se consome passa a ser símbolo não apenas do lugar que o indivíduo ocupa de fato no meio social em que vive, mas também está diretamente imbricado no próprio imaginário e na maneira que constrói sua própria identidade: se é o que se compra, o que se veste, o que se dirige, e isso não apenas no produto como algo genérico, mas também (e principalmente, na atualidade), a marca daquilo que se adquire e expõe.

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A fim de se analisar teorias sobre o consumismo, tome-se, primeiramente, o que leciona Thorstein Veblen. Em sua obra A teoria da classe ociosa (1899), o autor introduziu nas ciências sociais os conceitos de ócio conspícuo e consumo conspícuo (VEBLEN, 1980). O primeiro seria o ócio praticável por uma categoria de indivíduos capaz de se abster do trabalho útil, produtivo, de artífice, que teria na riqueza e no lazer o objetivo primeiro da ostentação. Já o segundo se referiria à aquisição, ao uso de bens e serviços relativos a essa classe, indo para além do simples ato de suprir necessidades. Tem-se no consumo conspícuo, dessa forma, a maneira de se demonstrar que se pertence à classe ociosa, a qual, por se dar ao luxo de usufruir de tal ócio, exibe um símbolo do poder. Partindo do pressuposto da existência do ócio e do consumo conspícuos, o autor divide as sociedades basicamente em dois tipos de classes: trabalhadoras, ligadas à monótona e indigna atividade industriosa produtiva; e ociosas, ligadas à ideia da proeza (a qual, por seu turno, se vincula à ideia da atividade predatória) – que é o uso da energia para se mobilizar forças que vão para além das próprias, individuais, a fim de realizar algum feito. A proeza, característica das atividades dignas, só é possível nas atividades políticas, bélicas, religiosas ou esportivas – tradicionalmente ligadas à nobreza. O ócio conspícuo se torna, portanto, o tempo gasto em atividades não produtivas, voltadas para as tarefas que evidenciam sua posição honrosa justamente por não estarem diretamente vinculadas à produção, simbolizando o exercício do poder (político, ideológico, bélico). A acumulação de bens decorreria, para a classe ociosa, num primeiro momento civilizatório, menos da necessidade material do que da busca de uma posição honrosa, digna, na sociedade (a honra da guerra e da conquista) (MONASTERIO, 2004). Contudo, a evolução social, a acumulação e a propriedade advindas da vivência também passam a indicar simbolicamente o sucesso. Assim, a emulação pecuniária se torna o principal meio comparativo interindividual. Sendo o consumo conspícuo ligado ao que não é essencial à subsistência, para demonstrar a outrem a dignidade (aqui sinônima à conspicuidade) e agradar, no mesmo sentido, à própria consciência, o supérfluo se torna artigo de primeira necessidade (VEBLEN, 1980). Quando se analisa a maioria dos bens adquiridos pelas comunidades modernas, nota-se que a maioria é de supérfluos, caracterizandose apenas como honorários, adequados a um padrão pecuniário variável de acordo com a renda do indivíduo. Torna-se costume gastar boas somas em tais bens – dessa forma, é tão difícil retroceder de um “alto” padrão de vida quanto rebaixar um padrão já relativamente baixo, ainda que, no primeiro caso, a dificuldade seja moral, enquanto no último, signifique um “rebaixamento” material do conforto. Já os avanços nos gastos são relativamente fáceis, processando-se quase naturalmente: de fato, reações imediatas ao estímulo de consumo são notadas como normais. Tal estímulo R. do Instituto de Hermenêutica Jur. – RIHJ | Belo Horizonte, ano 13, n. 18, p. 37-57, jul./dez. 2015

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é baseado na competição – desejo último de sobrepujar os indivíduos considerados da mesma classe social. Há pesquisas que se valem do referencial de Veblen a fim de se verificar o comportamento de consumo das sociedades modernas – especialmente no que tange ao consumo conspícuo de bens supérfluos. Tome-se o exemplo de negros e hispânicos residentes nos Estados Unidos: conhecidamente discriminados pela sociedade estadunidense, os indivíduos integrantes de tais populações, a fim de demonstrarem maior status nas interações sociais, dedicam maiores parcelas de suas rendas em itens de consumo diretamente visíveis e associáveis às suas individualidades, chegando ao ponto de arcarem com menos gastos do que indivíduos declarados brancos ao consumo de produtos e serviços relativos à saúde, ao lar e a outros bens e serviços que não se associariam diretamente à identidade do indivíduo consumidor (CHARLES; HURST; ROUSSANOV, 2015). Há estudos que descrevem o chamado “efeito Veblen” nos mercados: itens considerados luxuosos são descritos como tendo de apresentar maiores preços, pois aqueles que se consideram “adeptos de uma marca” fazem questão de pagar um preço maior do que a sua real utilidade, quantidade de matéria-prima e todos os custos e margens de lucro relativas ao bem. Isso porque a operação de compra teria o propósito de satisfação do desejo pela suposta exibição de riqueza – a qual envolveria, justamente, o pagamento de um preço mais elevados por produtos com equivalentes mais acessíveis (BAGWELL; BERNHEIM, 1996). Aliás, se hipoteticamente as empresas que fornecem produtos e serviços contendo a marca da conspicuidade diminuíssem seus preços, suas vendas aumentariam durante determinado período de tempo; porém, tais vendas cairiam drasticamente após tal período. Além da questão da emulação a impulsionar as ações conspícuas, encontrase a questão da visibilidade da prática no meio social ao influenciar o padrão de consumo. Indivíduos baseiam suas ações relativas ao consumo (aquisições, gastos etc.) naquilo que aprendem observando outros (HEFFETZ, 2010). Dessa maneira, quanto mais observável em outrem é um comportamento de consumo (o qual, por sua vez, demonstra a dignidade do ente observado), maior será a probabilidade de que esse padrão seja mimetizado. Assim sendo, o consumo, conforme a visão iniciada por Veblen, simboliza a dignidade no meio social, sendo que tais considerações devem ser levadas em conta ao se analisar o que gera o superendividamento dos indivíduos em sociedades de vários tipos. Consumir tornaria o indivíduo mais respeitável, mais digno, no âmbito das relações sociais, não se podendo menosprezar tal fator ao se teorizar acerca do que leva a consumir. As sociedades ocidentais estão rodeadas e direcionadas para os objetos que nelas são produzidos (BAUDRILLARD, 1970). Tais objetos se tornam símbolos manipulados pelo merchandising, de modo a provocar o desejo nos seres humanos:

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pela sua aquisição, pela (na maioria das vezes falsa) aura de imprescindibilidade e necessidade, pela aparência de abundância que provocam ao serem exibidos. São oferecidos em profusão, organizadamente, de modo a seduzir, transformando a realidade num simulacro que encanta mediante uma significância artificial de poder dada aos objetos, encobrindo seu real significado para o consumidor no ato de adquirir. O consumo apreendeu toda a vivência dos indivíduos, tornando-se a própria cultura (BAUDRILLARD, 1970): produtos e serviços atraem; os modos de pagamento se tornam cada vez mais adaptáveis às condições econômicas dos seduzidos; o consumo se adapta cada vez mais a todos os cotidianos; a produção a ele se adapta – tal e qual Deleuze (2007) verificou. Essa sociedade de consumo evoluiu a um novo patamar, tornando-se sociedade de hiperconsumo (LIPOVETSKY, 1983). Gilles Lipovetsky realizou seu estudo ao dividir analiticamente a história do consumismo na segunda metade do século XX em três fases: na primeira, ocorre a substituição do capitalismo de produção pelo capitalismo de consumo; já a segunda se caracteriza pela alteração da vida e dos costumes da sociedade pela associação do consumo ao status; por fim, na terceira, passa a haver uma relação emocional do indivíduo com o consumo – surgindo, assim, a era do hiperconsumo, cujas sociedades resultam das transformações ocorridas em tal período, consequentes do estímulo à demanda, das práticas de mercado e das indefinidas multiplicações de necessidades. O capitalismo, na última etapa descrita, introduz o desejo consumista, fazendo com que o ímpeto pelo consumo seja crescente (LIPOVETSKY, 1983). O novo consumidor solicita não apenas o bem-estar material no ato de consumir, mas também busca nesse ato o conforto psíquico, a harmonia interior e o desabrochar subjetivo. Assim, haveria a avidez por uma felicidade paradoxal, pois enquanto de um lado há miséria, conflitos e desigualdades sociais, do outro há a busca pelo bem-estar e pelas novas experiências características da sociedade contemporânea (LIPOVETSKY, 2006). O consumo ligado ao status, tão bem indicado por Veblen, teria emergido principalmente após a Segunda Guerra Mundial, mas começaria a ser substituído, a partir do fim da década de 1970, pelo consumo emocional (LIPOVETSKY, 1983). Na medida em que as sociedades enriquecem, novas vontades de consumir emergem, alargando-se as esferas de satisfações desejadas – sem se dar, porém, a eliminação do apetite consumista. Com o passar dos tempos, o “efeito Veblen” seria cada vez menos verificável, passando a ser secundário o consumo para a demonstração do status social – tornando-se o conforto e a facilidade que os bens adquiridos representam as reais motivações do consumidor. Duas lógicas heterogêneas se combinam nessa aquisição hedonista: a corrida pela consideração e a corrida pelos prazeres. A primeira,

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relacionada ao status, é suavizada pela segunda, verdadeira ode à euforia, ao lúdico, à frivolidade. O segundo ciclo da história do consumismo, portanto, é de hibridização entre competição por status e consumo individual-hedonista. A diminuição da obsessão pelo status que o consumo representa faz com que a motivação da compra dependa cada vez mais da dimensão imaginária das marcas. A publicidade realiza campanhas de difusão de valores e visões enfáticas no tocante ao espetacular, ao emotivo, à sedução que a marca representa. Evolui o ato de consumir: do exibicionismo dignificante para a atração que o mercado, através das técnicas publicitárias, realiza sobre o consumidor, apelando para a sua individualidade (autoconsciência). Esse apelo se daria mediante paradigmas técnicos bastante próximos – contudo, diferentes. A partir da projeção técnica de uma sociedade disciplinar, em que os comportamentos humanos são manipulados mediante uma arquitetura de limitação da visibilidade por parte dos vigiados (panoptismo); passando-se a um estágio em que a informatização transfere as necessidades do poder político também para o econômico não mais apenas na arquitetura física, mas também no software de bancos de dados (superpanoptismo); combinado a um modo de visibilidade em que as massas observam e mimetizam os comportamentos de alguns poucos, paradigmas de vida digna e bem sucedida (sinoptismo): da dignidade social à dignidade da autoimagem, a técnica desafia e provoca o homem e sua dignidade em prol do consumir.

4 Superpanoptismo e sinoptismo: modos de tecnicização da dignidade em prol do consumismo Sob os auspícios do utilitarismo, que versava acerca da distribuição da dor e do prazer, Bentham (2000) propõe o panóptico, sistema inicialmente destinado à inspeção de pessoas de qualquer tipo, que com a manipulação da dor e do prazer disciplinaria os comportamentos dos inspecionados nele inseridos. O projeto desse sistema se daria na construção de um edifício circular, com celas individuais para os apenados (observados) na sua circunferência (MILLER, 2000). Em seu núcleo, separada por uma zona vazia, haveria uma torre. Cada cela, em direção ao seu exterior, teria uma janela, através da qual ar e luz penetrariam, mas impedindo a visão exterior. Das escotilhas da torre central seria possível ver as celas – mas, em contraposição, seria impossível ver, do interior das celas, o conteúdo da torre central. Essa arquitetura, criada para casas de detenção, foi usada como solução economicamente viável para problemas concernentes ao enclausuramento, a ser seguido por instituições educacionais, assistenciais e de trabalho. Constituir-se-ia, assim, num perfeito esboço de uma sociedade racional, uma utopia dos homens do seu tempo, angustiados com as quantidades e escassezes, tementes do desperdício da anarquia que poderiam acometer os fluxos da produção da primeira Revolução

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Industrial (PERROT, 2000). Nessa arquitetura, tudo é “só artifício, nada de natural, nada de contingente, nada que tenha o existir como única razão de ser, nada de indiferente. Tudo ali é exatamente medido, sem excedente, nem falta” (MILLER, 2000, p. 80). Michel Foucault (2007) realizou um estudo profundo acerca da arquitetura panóptica em sua obra Vigiar e punir. Tal modelo teria, como fator decisivo, a combinação da visibilidade constante dos vigiados pelos vigias, concomitante à total invisibilidade dos últimos pelos primeiros. O dispositivo panóptico dissocia o ver e o ser visto, automatizando e desindividualizando o poder, que deixa de ser representado pelo soberano e passa a ser exercitado pela organização dos aparelhamentos. Assim, não importa quem o detenha, qualquer observador pode controlá-lo. Então, dois fenômenos ocorrem: 1) surge uma sujeição real do vigiado a partir de uma relação fictícia; 2) tornam-se desnecessárias as demonstrações de força para o controle e disciplina do vigiado – sendo a organização do artifício a garantia da ordem. O poder se inviabiliza, agindo sobre os indivíduos aos quais é aplicado, facilitando a intervenção real do poder apenas quando necessário, representando economia, eficácia preventiva, funcionamento contínuo e automatização. É um sistema no qual o poder é a garantia da realização de uma função.1 Com a gênese e a aplicação do princípio do panoptismo (observador-detentor do poder invisível/observado com a constante impressão de estar sendo vigiado – o que modifica seu comportamento), haveria mais do que uma manifestação do talento arquitetural, mas, sim, um “acontecimento na história do espírito humano” (FOUCAULT, 2007, p. 172). A solução de um problema técnico fez emergir a sociedade disciplinar moderna, em que o detentor do poder detém a visão instantânea da multidão, e com isso disciplina os comportamentos conforme necessário (FOUCAULT, 2007). A mudança posterior de paradigma de sociedade – da sociedade disciplinar (expressa na adoção do modelo panóptico) para a sociedade de controle – teria relação direta com as mudanças do capitalismo: enquanto na sociedade disciplinar se buscava o ajustamento das condutas a fim de se aumentar a produção, o capitalismo da era da sociedade de controle concentra-se no consumo, para o mercado. O capitalismo de então se torna algo não mais voltado para o produzir, mas para o aspecto do produto a ser consumido (DELEUZE, 2007). Apesar da transição das sociedades disciplinares para as de controle, tem-se que o panoptismo não teve o seu ocaso: na verdade, combinou-se às tecnologias de informação e comunicação para permitir a quem ocupa a posição de observador

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Foucault (2007, p. 224) emprega a palavra “trabalho”, porém sempre se deve entendê-la numa função tripla: “[...] a função tripla do trabalho está sempre presente: função produtiva, função simbólica e função de adestramento, ou função disciplinar”.

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visualizar os submetidos sem ser por estes observados. Observa-se essa adaptação na obra de Mark Poster (1991), o qual buscou salientar o modo pelo qual os bancos de dados constituem o novo discurso dominante. Partindo-se da afirmação de que o banco de dados é uma forma de linguagem, percebe-se que terá efeitos sociais a ela apropriados. Os processos pelos quais um ser humano é configurado como um sujeito e recebe significância cultural se dão através da linguagem. O tipo de nascimento que a sociedade impõe aos indivíduos e a natureza da força pela qual esta opera passam a ser efetivados na nova linguagem dos bancos de dados. Nesta, o sujeito é cotidianamente reconstituído pela interpelação: a forma pela qual se é interpelado entifica algum aspecto de sua personalidade. As pessoas apresentam vários aspectos, várias formas de ser: por exemplo, o mesmo indivíduo que é determinado tipo de aluno na escola, é determinado tipo de filho em casa, de amigo no cotidiano e de consumidor para o mercado. A interpelação via linguagem servirá para se invocar a dimensão com a qual se deseja interagir. Definindo o panóptico como o discurso pelo qual se classifica o indivíduo como criminoso, e pelo qual esse indivíduo é interpelado em função dessa posição, Poster (1991) propõe que, com o advento do banco de dados informatizado, um novo discurso opera no campo social – batizado de superpanóptico. Os bancos de dados são formas de discurso, pois constituem o sujeito através dos símbolos de sua linguagem escrita e conferem poder a quem os opera e possui, pois portam informações acerca dos sujeitos que subjugam ao inseri-los em seu interior. Eles são formas de simbolização e estendem o princípio básico da escrita como uma diferenciação, ou seja, têm sua maior realização no tornar diferentes e divididas as informações neles inseridas, amplificando o poder do seu controlador (POSTER, 1991). As transações econômicas entram automaticamente nos bancos de dados com a concordância do cliente (e.g., na compra mediante cartão de crédito), mas este ato se torna um registro público ao efetuar a transação. A vigilância de sua escolha pessoal se torna discurso, e o observado fornece a informação necessária para o observador. Assim, quedam-se desnecessários os complexos aparatos do panóptico, pois a vigilância se efetiva quando o ato do indivíduo é comunicado pela rede ao banco de dados, tendo sido inserido pelo vendedor apenas um mínimo de dados. Uma operação gigante e suave é efetivada, e a vigilância é disfarçada na participação voluntária do consumidor. Os indivíduos são plugados nos circuitos do controle do superpanóptico, escarnecendo-se de qualquer teoria que venha a descrever sua ação como racionalmente autônoma. O sujeito individual é interpelado nos bancos de dados sem qualquer respeito à autonomia racional, sendo o sujeito descentralizado de sua unidade. Através do banco de dados, é multiplicado e descentrado, capaz de sofrer ações

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de computadores em muitas localizações sociais, sem a menor consciência disso (POSTER, 1991). A constante atualização dos bancos de dados produzidos por um consumidor no decurso do tempo cria um grande relato de seus hábitos de consumo, instantaneamente acessível e de referências cruzadas com outras informações (e.g., local de domicílio, idade, escolaridade, opção sexual). Efetivamente, tais listas eletrônicas se tornam identidades sociais adicionais do indivíduo, dependendo do banco de dados como agente social – e tais identidades são utilizadas por agentes de mercado que buscam promover seus produtos e serviços na publicidade. Sem refutar o panóptico, Thomas Mathiesen revisa sua importância para a sociedade de controle, e o complementa com um modelo oposto e complementar – o sinóptico (numa tradução livre de grego para o português, syn = “junto de”, “simultâneo”; opticon = “visual”) (MATHIESEN, 1998, p. 79). Isso porque paralelamente ao panoptismo teriam se desenvolvido sobremaneira os meios de comunicação de massa (da imprensa à internet) – sendo que, nestes últimos, muitos observam poucos (ao contrário do panóptico). Assim, há como se dizer que não apenas o panoptismo, mas também o sinoptismo causou evoluções essenciais ao espírito humano na modernidade. Nessa situação, muitos se focalizam simultaneamente em “[...] algo comum que se encontra condensado” (MATHIESEN, 1998, p. 82). As estruturas de ambos os paradigmas desempenham funções de controle nas sociedades modernas – e não apenas as estruturas panópticas. Panoptismo e o sinoptismo têm se desenvolvido numa interação íntima – tendo sido as mesmas instituições tanto panópticas quanto sinópticas (Igreja, prisão, hospital, escola etc.) (MATHIESEN, 1998). O que se encontra é a combinação das duas formas: micropoder e poder “do ator”, como denominado por Mathiesen, sendo que as personalidades televisivas ainda estão em grande evidência – pois filtram e modelam a informação que transmitem, acrescentando (ou evitando) temas em sua agenda, de acordo com um contexto maior de interesses que imperam nos bastidores da mídia (MATHIESEN, 1998). Também é notável o fato de que, ao realizar o processo de manipulação da informação, não apenas a mídia escolhe suas fontes, mas também as fontes escolhem sua mídia. A informação tornou-se parte integrante das atividades econômicas e políticas, e os profissionais da informação tornaram-se extremamente importantes para essas atividades – fato confirmado pelo grande número de profissionais da mídia contratados por grandes empresas dos mais variados ramos, para suas assessorias. Assim, estes devem ser capazes de filtrarem favoravelmente a informação que será publicada. Aqueles que são denominados por Bauman (1999) “habitantes locais”, que são as pessoas desprovidas de recursos de mobilidade no mundo global – ou seja,

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as muitas pessoas que não têm alternativas senão permanecerem em seus locais de origem, sem a opção de irem a outra localidade que possa melhor satisfazê-los, são cada vez mais influenciados pela observação dos poucos globais – habitantes do “olimpo” global, dotados de condições para desfrutarem dos prazeres que sua condição de pleno movimento por todo o globo pode oferecer. Observa-se, portanto, que o bem consumido adquire o sentido de, além de objeto usado, a imagem ostentada – ostentação definidora da personalidade do homem contemporâneo, afirmada através do consumo. Por ser heterônoma a criação de tal necessidade e, ainda mais, por ser necessária a continuidade dessa ordem, para que as instituições criadoras se reproduzam, é estimulada a insaciabilidade do indivíduo. Jean Baudrillard (1970) definiu que os objetos apresentados para consumo formam uma linguagem social que estrutura as relações entre o homem e o mundo, a comunidade, os objetos e consigo próprio. Gilles Lipovetsky (1983) descreve que nas sociedades ocidentais contemporâneas aos poucos se vai acabando com as relações de produção, em prol das relações de sedução. A sociedade de consumo revela até a evidência a amplitude da estratégia da sedução – que não se reduz ao espetáculo da acumulação; traduz-se na ultrassimplificação das opções possibilitadas pela abundância. Aos indivíduos se está oferecendo um número cada vez maior de escolhas e combinações de consumo. E tal oferta aumenta de acordo com o avanço tecnológico e a adaptação do mercado a este. A sedução como uma extração de um significado de um discurso e a detração de sua verdade, operando superficialmente um discurso manifesto, agindo sobre uma proibição latente (consciente ou inconsciente) a fim de anulá-la e substituí-la por um truque de aparência (a qual, por sua vez, não é algo necessariamente frívolo), que clama pela paixão por diversão, por distração, do ente que se pretende seduzir (BAUDRILLARD, 1970) – sendo que a própria sedução, a simulação que provoca paixão se torna mais importante do que uma extração de significado. As informações superficiais (consistentes na disposição de símbolos, que pode ser aleatória ou ritualística) contêm tanto valor quanto significado, mas não o possuem; na verdade, o obliteram, operando de maneira oposta a uma interpretação. A sedução midiática configura e remodela o mundo de acordo com um processo sistemático de personalização que multiplica e diversifica a oferta, conferindo aparentemente maior poder decisório (no tocante à mera escolha de consumo) ao indivíduo (LIPOVETSKY, 1983). O poder dessa sedução está, para além do bombardeamento incessante das mensagens de estímulo à compra nos meios de comunicação atual, na sensação que o consumidor tem em definir sua existência a partir da própria escolha, dentro de uma gama de produtos (que vão do mais simples ao mais exótico, do mais barato ao mais caro). A sedução, assim, associa o enorme leque de opções consumistas a um teor de independência do indivíduo.

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SOCIEDADE DE HIPERCONSUMO, DIGNIDADE E SUPERENDIVIDAMENTO: UMA ABORDAGEM HERMENÊUTICA

Tendo-se em vista as possibilidades decisórias introduzidas no direito privado após sua constitucionalização (ou publicização), o que se observa na consideração de padrões de boa-fé objetiva e função social dos contratos – princípios assentados nos arts. 1º, III e 170, da Constituição Federal; nos arts. 421 e 422 do Código Civil brasileiro; no art. 51, IV do Código de Defesa do Consumidor (dentre outros) – é a cristalização do dirigismo contratual (TEPEDINO, 2001). Aliás, uma teoria dialogal entre as fontes (JAYME, 1996) aplicáveis a casos de superendividamento nortearia a decisão conforme uma interpretação sistemática (MIRAGEM, 2012), e não pontual e linear (que, muito provavelmente, exigiria uma lei ou artigo legal específico no tocante ao superendividamento para ser interpretado de modo literal e exegético). Destarte, o decisor se colocaria não como o sujeito assujeitador, que interpreta a norma de modo que ali inseriria seu entendimento asséptico e autista daquilo que sejam as normas: far-se-ia, isto sim, sujeito inserido no mundo (ser-aí) que, conhecedor dos fenômenos do hiperconsumo (de acordo com o qual, entre outras características, técnicas de fazer consumir obliteram a consciência do indivíduo) e de méconaissance da dignidade (em que esta é distorcida em prol de uma visão em que ser digno é sinônimo, apenas, de adquirir bens e serviços conforme o mercado o convence), decidiria causas de superendividamento em prol do consumidor.

5 Considerações finais O consumismo vale-se do autorreferencial individual como forma de incentivar o consumo – sendo que técnicas baseadas em modelos panópticos e sinópticos operam sub-repticiamente para tornar mais eficaz o modo de fazer consumir. Esse tecnicismo é movido pelo inculcar, no âmago individual (inclusive, apelando para seu inconsciente), no desejo de ser digno. Ser digno é indispensável para o homem, seja socialmente, seja internamente – contudo, os desejos por mercadorias incutidos no consumidor confundem o ser digno com o adquirir algo que parece dignificar, de forma sedutora. Essas necessidades supérfluas são dispensáveis, se analisadas a fundo (ao contrário das necessidades fisiológicas de alimentação, saciar da sede, medicamentos, conforto térmico, lazer, educação, informação, entre outras). Mas na contemporaneidade a aquisição do supérfluo ganha proporções assustadoras: enquanto a necessidade morre com a aquisição do objeto, a satisfação de um desejo significa apenas o início de outro. Na atual sociedade capitalista e massificada, na qual muito é produzido para que o consumo se intensifique, a busca pela satisfação de desejos é quase imperceptível, conduzindo a uma escalada ininterrupta, na qual o consumir ocorre pelo mero prazer imediato, por simulacro de status, vaidades, ansiedade, necessidade de recompensa e falsa aura de emotividade e identidade. R. do Instituto de Hermenêutica Jur. – RIHJ | Belo Horizonte, ano 13, n. 18, p. 37-57, jul./dez. 2015

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Esse frenesi de vida para consumir o que apenas superficial e falsamente dignifica cobra do indivíduo um preço alto, e o consumidor acaba por dispender além de sua capacidade financeira. Com dívidas crescentes e nome inscrito nos cadastros de maus pagadores (veja-se aqui uma manifestação do paradigma superpanóptico), o consumidor acaba por se tornar cada vez menos capaz de sair da condição de inadimplência. Assim, é instalado um ciclo vicioso no qual a negativação do nome decorrente de dívidas impede a concessão de mais crédito para saldar seus antigos débitos. Resulta desse imbróglio a figura do consumidor total e incuravelmente endividado, sem poder de compra e portador de dívidas e angústias enormes. É assim que se consolida o fenômeno do superendividamento, no qual pessoas despendem muito mais do que suas receitas permitem, na busca incessante de satisfazer desejos heteronomamente definidos, com a ilusão de que, com isso, conseguirão suprir seus vazios existenciais, ascender socialmente ou ser reconhecidos por outrem. O consumismo gerado pelo mercado através da(s) mídia(s) vende a ideia da necessidade por consumir para se atingir a felicidade e o status: automóveis cujas marcas são vendidas como o símbolo do sucesso, de bebidas alcoólicas que se associam à juventude e à potência sexual, vestuário associado à sensualidade e ao estilo de vida, entre outros inúmeros exemplos. É preciso consumir para, pelo menos, se sentir incluído, identificado. Crescentemente se ocasiona a perversa confusão entre necessidade e desejo, de forma que, se não satisfeito tal desejo, o indivíduo é capaz de ter um sentimento similar (ou até mesmo análogo) a uma insuportável insatisfação. O consumir transformou-se em código cultural, sendo que a aquisição do supérfluo propicia a ilusão da pertença ao simbólico universo representado pelo mercado. Tem-se a falsa noção de se adquirir a mesma felicidade (encenada) dos garotos e garotas-propaganda ao se adquirir o que (falsamente) lhes faz sorrir ao comprar o produto por eles anunciado. Esses artifícios técnicos induzem o consumidor a adquirir tudo o que simbolicamente lhe confira uma falsa noção de dignidade, mesmo que isso signifique sua ruína financeira. Em breve o consumidor que o faz será, portanto, mais um superendividado. Mas essa nova categoria de consumidor praticamente não conta, no Brasil, com qualquer apoio para se recuperar:2 as instituições privadas lhes recusam crédito após consultas a cadastros de proteção ao crédito, enquanto o Estado, a despeito de legitimar a possibilidade de falência e recuperação de empresas falidas, ao simples cidadão não oferece qualquer subsídio, educação para o consumo consciente do crédito ou regulação eficaz da publicidade.

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Atualmente têm se tornado públicas e notórias tentativas realizadas em núcleos de prática jurídica de universidades, em associações de consumidores, e até mesmo nas Defensorias Públicas de vários estados brasileiros, programas de apoio aos superendividados, em que se busca negociação extrajudicial de suas dívidas perante os credores.

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Devastadores são os efeitos do superendividamento: além do poderoso óbice na vida econômica que o acúmulo de dívidas e a falta de crédito impõem, é atribuído ao superendividado o emblema da desonra. O mencionado estigma se arraiga de tal forma no consumidor em tal situação vexatória que gera graves abalos não apenas nas finanças, mas, sobretudo, na autoestima e na dignidade do cidadão.

Hyperconsumption society, dignity and over-indebtednes: a hermeneutical approach Abstract: What social phenomena linked to over-indebtedness should be considered when deciding demands that limit the payment of debts of hypossuficient consumers, beyond the literalness of legal texts and contracts? These phenomena can be unveiled by the adoption of a hermeneutical comprehension of over-indebtedness faced to consumerism – mainly when identifying technical paradigms of encouraging consumption that domain hyperconsumption society, in which the ability to consume is inwardly linked to dignity. Thus, the more effective, the greater will be the individual expenditures for maintaining consumption patterns – which can lead to over-indebtedness – and this, together with legal texts, should be considered by the jurist when analyzing the phenomenon, since dignity is one of the constitutional foundations of the Brazilian State under the Rule of Law, and consumerism is the tonic of today’s society. Generally, we aim to associate, in a transdisciplinary way, the notions of technique (in conformity to its the understanding by hermeneutic philosophy) to typical domination paradigms of modernity. Specific objectives: i) to analyze what the essence of technique becomes to represent since Modernity; ii) to investigate the hyperconsumption society and the manipulation of the concept of dignity; iii) to associate, in confluence to the notion of hyperconsumption society, technical paradigms of manipulation of consumer notion of dignity. Keywords: Technique. Over-indebtedness. Dignity.

Sociedad de hiperconsumo, dignidad y sobreendeudamiento: una abordaje hermenéutica Resumen: Que fenómenos sociales vinculados al sobreendeudamiento se deben considerar al decidir demandas para limitar el pago de las deudas de los consumidores hiposuficientes, más allá de la literalidad de los contratos legales y textos? Estos fenómenos pueden ser revelados a partir de un enfoque hermenéutico a la comprensión del sobreendeudamiento hacia el consumismo – sobre todo mediante la identificación de paradigmas técnicos para impulsar el consumo que dominan el hiperconsumismo de la sociedad, donde la capacidad de consumir está estrechamente vinculada a la dignidad. Así, cuanto mayor es su efectividad, mayores son los gastos individuales para el mantenimiento de los patrones de consumo – lo que puede conducir a un exceso de endeudamiento – y esto, junto con los textos legales, debe ser considerado por el jurista para analizar el fenómeno, ya que la dignidad es fundamento constitucional del Estado de la legislación brasileña y el consumismo es tónica de la sociedad actual. Nuestro objetivo general es asociar de modo transdisciplinario la noción filosófica y hermenéutica de técnica a los paradigmas de dominación típicos de la Modernidad. Objetivos específicos: i) Analizar o que la esencia de la técnica pasa a representar con la Modernidad; ii) investigar la sociedad de hiperconsumo y la manipulación de la noción de dignidad; iii) asociar los paradigmas técnicos que manejan la dignidad con el consumismo. Palabras-clave: Técnica. Sobreendeudamiento. Dignidad.

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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT): FORNASIER, Mateus de Oliveira. Sociedade de hiperconsumo, dignidade e superendividamento: uma abordagem hermenêutica. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica – RIHJ, Belo Horizonte, ano 13, n. 18, p. 37-57, jul./dez. 2015.

Recebido em: 24.03.2015 Aprovado em: 03.06.2015

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