Sociedade em Rede e Ciberativismo: Uma análise sobre a influência das redes sociais nas manifestações políticas e na construção de opinião pública
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Sociedade em Rede e Ciberativismo: Uma análise sobre a influência das redes sociais nas manifestações políticas e na construção de opinião pública1 Thiago Nakano Alves Universidade de São Paulo Introdução O presente artigo propõe uma reflexão acerca da influência das redes sociais e da internet com um todo nos movimentos políticos, em especial as manifestações e ciberativismo. A idéia é discutir sobre os conceitos de espaço público e privando, dentro do ciberespaço, e analisar a potencialidade desse cenário nos ativismo online entendendo os limites, promessas, e características desse ciberespaço e as relações de poder e técnica que se fazem presente nesse cenário complexo e em constante transformação. Ciberespaço: público ou privado? Um olhar para o Brasil.
A internet e o ciberespaço trouxeram novas discussões acerca do conceito de espaço público e privado. Na minha visão, o espaço público se caracteriza pelo acesso a todos os cidadãos, independente de qualquer variável demográfica como idade, sexo, orientação sexual, raça e que permite os mesmos a expressarem suas opiniões, sem censura, em um modelo onde a estrutura de poder é descentralizada e pulverizada. A partir dessa visão, é dificil chegar a uma definição se a internet e o ciberespaço seria uma esfera pública ou privada. Na minha visão, o ciberespaço tem características controversas de público e privado, sendo as mais latentes, as características privadas . Na verdade, ao analisa esse conceito, me recordei dos episódios dos Rolezinhos: em meados de dezembro de 2013 e início de janeiro de 2014, os chamados "rolezinhos" ganharam grande repercussão na mídia. Em resumo, os rolezinhos eram (são?) encontros de jovens, majoritariamente da periferia de São Paulo, em lugares tecnicamente públicos para se divertirem/se encontrarem. Esses eventos foram orquestrados via redes sociais, em especial o Facebook. A grande questãos dos rolezinhos é que traziam a tona uma dicussão de
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Trabalho para avaliação do curso "Sociedade em Rede", parte da grade de conteúdo do curso de pósgraduação DIGICORP/ECAUSP, ministrado pelo professor e pesquisador Mauro Wilton de Sousa .
público e privado, especialmente quando vários shoppings, como JK Iguatemi, conseguiram liminares para impedir esse tipo de encontro que, segundo Maurício Pessoa, professor de direito da PUCSP, eram possíveis já que a justiça considera os centros comerciais como espaços privados. A seleção desse público para acesso aos shoppings, então, seria uma representação do preconceito e estaria estigmatizando o jovem pobre. Os mesmo rolezinhos também incomodavam a grande parte de pessoas que frequentavam parques como Ibirapuera e Vila Lobos. Usando esse fenômeno dos rolezinhos como referência, a internet cada vez mais se caracteriza como esfera privada ao entendermos os principais indicadores de acesso a internet no Brasil. Segundo estudo divulgado do Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação (CETIC), divulgado no site O Globo, em 2013, 85.9 milhões de pessoas já possuíam acesso a internet no Brasil, representando cerca de 51% da população. Esse aumento foi estimulado pela alta penetração de smartphones acessiveis principalmente para a classe social C. Entretanto, ao analisar a penetração de internet por classe social, os números dizem muito: Nas classes sociais A e B a penetração de internet é 98% e 80% respectivamente. Na classe C, esse nímero cai para 39% e nas classes D e E a penetracão de internet é de apenas 8%. A desproporção, segundo o estudo, também é espacial: nas áreas urbanas 48% dos lares ( 25,9 milhões de lares) tem acesso a internet enquanto nas áreas rurais esse número chega a apenas 15% ( 1,3 milhões de lares) . Ao analisar as regiões de maior penetração, obviamente temos a sudeste com mais de 50% dos lares conectados enquanto na região norte apenas 26% e nordeste aproximadamente 30%. Apenas com esses números já podemos perceber que, mesmo com o avanço da tecnologia e acesso, a internet é ainda exclui grande parte da população exatos 49% das pessoas do Brasil. Como um espaço que não abrande quase metade do potencial total pode ser considerado público? Como podemos pressupor que essas pessoas excluidas digitalmente teriam o mesmo acesso a informação que as pessoas conectadas sendo elas ainda adeptas dos meios de comunicação tradicionais como TV e mídia impressa. Em resumo, o que quero dizer, é que nem todos tem acesso as mesmas informações considerando o tempo (hoje) e espaço (geográfico: Brasil, Virtual = internet).
Um passo além, quando analisamos os 51% da população que possui acesso a internet, Plataformas como Google possuem penetração de 98% nos usuários, Facebook chega a 76%, segundo dados do Meio e Mensagem. Google e Facebook são empresas privadas, com interesses comerciais e que possuem contratos (que nenhum de nós lê) que deixam explicito que todo conteúdo gerado nas plataformas de ambos são de propriedade das respectivas empresas. Indo ainda mais além, me recordo da polêmica dos documentos vazados por Edward Snowden, onde são comprovadas ações de espionagem por parte do governo americano que reforçaram as discussões sobre a questão da privacidade online nesse, até então espaço público. Nesse sentido, baseado no conceito de esfera pública do filósofo alemão Jürgen Habermas, onde opinião pública é formada a partir da população, sendo feita a interface com o governo através da esfera pública, onde se faz necessária a liberdade de expressão, de reunião e de associação, além do acesso a esses direitos que devem ser garantidos a todos os cidadãos, reafirmo a ideia de que a internet tem cada vez menos características de espaço público, sendo assim, as dimenções de ciberativismo e potencial de revolução ganham novos contornos quando analisamos os reais papeis da internet e das redes sociais nesse cenário: o de informar e organizar. Mídias Sociais, Internet e Ativismo online
Em seu livro "Social Media: A critical Introduction", Christian Fuchs dedica um módulo inteiro para discussão do ciberativismo, comparando perspectivas de outros estudiosos como Clay Shirky e analisando grandes acontecimentos políticos que tiveram a Internet/redes sociais como parte importante como a Arab Spring . Compartilho da visão de Fuchs ao entender que o Twitter não é uma esfera pública (Fuchs, 2013, pag 207), conforme apresentado no tópico anterior, e que as redes sociais, e a internet como um todo, não causam revoluções ou protestos, conforme o autor: Social media do not cause revolutions or protests. They are embedded into contradictions and the power structures of contemporary society. This also means that in society, in which these media are prevalent, they are not completely unimportant in situations of uproar and revolution. Social media have contradictory characteristics in contradictory societies: they do not necessarily and automatically support/amplify or dampen/limit rebellions, but rather pose contradictory potentials that stand in contradiction with influences by the state, ideology, capitalism and other media (Fuchs, 2013, página 207)
Analisando o cenário brasileiro e as atuais manifestões de ciberactivismo, podemos enxergar muitas dessas contradições citadas por Fuchs. Enquanto escrevo o presente artigo, por exemplo, estão acontecendo protestos em São Paulo, Rio de Janeiro e BrasíliaDF a favor do impeachment da atual presidente Dilma Rousseff, porém me pergunto quanto desses manifestantes entendem o real significado do impeachment. Manifestações como essa reforçam que as mídias sociais podem ter um papel fundamental na organização desses atos, na disseminação de parte das informações, mas não são de fato capazes de mover a revolução. Vejo, então, o facebook como ferramenta/tecnologia que facilita esses movimentos, mas não que os fundamenta. Segundo Fuchs (2013), os ativistas online não demonstram ameaça latente aos governos. Essa pode ser uma opinião radical porém dar " going " em um evento ou assinar uma petição online não garantem o sucesso de um protesto. Nesse sentido, o ciberativismo se mostra como "opção mais segura" em termos de exposição e risco afinal, é muito mais seguro dar "retweet" na sua conta do Twitter do que, por exemplo ir para as ruas e eventualmente enfrentar a força da polícia. Por outro lado, essas ferramentas podem amplificar a presença física desses manifestantes no ambiente "offline". A ação de hackes, como Wikileaks, podem representar mais perigo latente aos governos, usando como exemplo novamente Edward Snowden ou até mesmo os recentes ciberataques que derrubaram milhares de contas vinculada ao estado islamico, após os recentes atentados em Paris. Ao analisar o poder efetivo da rede, entendo que existe um potencial imenso de disseminação das informações, do conhecimento, embora limitado, conforme próximo tópico. Poder e técnica: Afinal, quem tem o poder da informação no ciberespaço?
Se as redes sociais não causam revoluções ou protestos, elas possuem um papel muito importante na disseminação das informações no ambiente online e no proprio engajamento dos usuários. Quando mais informados os cidadãos, maior poder para entender e enfrentar o governo e não apenas o governo, mas todos os aspectos sociológicos que vem adoecendo nossa sociedade (como discussões acerca do aborto, sexualidade e generos, criminalização da maconha, etc). Dando um passo atrás, quando olhamos para os anos 90, diversos estudiosos tinham a ideia de que a internet iria trazer um processo de desintermediação do processo comunicacional, que nós
poderíamos ler uma notícia da "fonte" ao invés da mesma pelo olhos de um jornalista (como um comunicado oficial do governo, por exemplo) e que isso nos traria maior clareza acerca de qualquer assunto. André Lemos e Pierre Levy tratam uma questão mais técnica (visual) de como a informação de daria dentro do ciberespaço, em seu livro "O futuro da Internet: em diareção a uma Ciberdemocracia Planetária": Na perspectiva histórica, a eclosão do ciberespaço persegue um movimento plurissecular de aumento da visibilidade e da transparência. No domínio científico, as técnicas de visualização ganham uma importância crescente: esquemas, mapas, fotos, filmes, simulações interativas pertencem cada vez mais ao quotidiano da atividade do pesquisador. As imagens traduzem e simplificam a percepção dos dados e são cada vez mais modeladas e performativas em computadores. A manipulação de modelos visuais de fenômenos complexos (uma interação entre moléculas, por exemplo) toma o lugar das teorias abstrata. (Lemos e Levy, 2010, página 61)
Porém, esse processo se mostrou cada vez mais utópico a partir do momento em que esses intermediadores apenas mudaram, se tornando cada vez mais invisíveis assunto abordado pelo autor Eli Pariser no livro "O Filtro Invisível o Que a Internet Está Escondendo de Você". Os novos intermediadores são algorítimos que determinam quais conteúdos são mais relevantes para cada indivíduo a partir inúmeras variáveis que irão nos colocar em clusters. Esses clusters nos fazem ver apenas conteúdos que nos interesa. A exemplo, temos o facebook que usa o EdgeRank, um robo que, a partir de milhares de criterios, define qual post de qual amigo veremos na nossa timeline . O Google, que entende variaveis como localizacão, browser , dia e hora, se você está logado ou não para nos mostrar resultados de busca diferentes para o mesmo termo. Ao fazer um simples experimento, notei de forma latente a influência do algoritmo na informação que eu consumo: quando busquei por "Geraldo Alckmin" no Google Search, logado na minha conta Google, via computador do trabalho, o Google não me mostrou resultado algum sobre as ocupações nas escolas um dos principais assuntos políticos da atualidade em São Paulo. Quando busquei pelo mesmo termo "Geraldo Alckmin" no Google Search, não logado (presupondo que aqui o Google tem menos informações sobre mim) me foram apresentados, em destaque nos primeiros resultados, matérias jornalisticas a respeito das ocupações das escolas.
Imagem 1 PrintScreen do resultado de busca do Google. Fonte: https://www.google.com.br/search?q=Geraldo+Alckmin&oq=Geraldo+Alckmin&aqs=chrome..69i57j0l5. 265j0j7&sourceid=chrome&es_sm=119&ie=UTF8
A grande questão é que esse filtros invisíveis (algoritmos) nos põe em bolhas, nos ocultam milhares de informações e conteúdos que nos poderiam ser úteis para formação de opinião, para construção do pensamento crítico acerca de temas pouco falados e que talvez não conhecemos e se o algoritmo vai nos dar conteúdos que gostamos, dentro da nossa zona de conforto, aqueles que temos maior probabilidade de interagir, estaremos cada vez mais dentro dessa bolha. Considerando a ideia de técnica que Martin Heidegger, onde ela se dá pelo processo de desolcutação, estariam as principais empresas tecnologicas na direção extremamente oposta? Então, se essas empresas influenciam muito na informação que consumimos, talvez o poder da
informação na rede esteja nas mãos desses players que não possuem lados políticos e que por sua natureza possuem objetivos mercadológicos muito claros. Essa nova (ou não tão nova assim) forma de consumir conteúdo muda a forma que vemos o mundo, as nossas opiniões e as lutas que iremos ou não lutar e como. Conclusão Quando se trata dos assuntos acerca dos fenômenos causados pela internet, pode parecer um pouco arrogate chegar a conclusões uma vez que estamos falando de um ambiente extremamente mutável e em transformação, entretanto, o entendimento do papel das redes sociais e o nosso papel na rede é fundamental para pensarmos em como os próximos capitulos da história irão se desenrolar e como e qual será nossa atuação nese processo. Considerando outro tempo e espaço, onde a internet chegará a 100% dos lares no Brasil. O que mudará? Teremos todos acesso as informacões mais cruciais para construírmos nossas opiniões sobre os mais variados temas? Ou estaremos cada vez mais dentro das bolhas da internet, organizadas por robôs das grandes empresas do Vale do Silício? A grande questão é que todos os cidadãos (incluindo eu) precisam desenvolver cada vez mais o senso crítico, buscar cada vez mais informações independente do meio e entender, mais uma vez o nosso papel na história da democracia além do like no Facebook. Informação é poder, comunicação é poder. Referências bibliográficas
FUCHS, Christian. Social Media. A Critical Introduction. London: SAGE, 2013. LEMOS, Andre e LÉVY, Pierre. O Futuro da Internet: Em direção a uma Ciberdemocracia planetária. São Paulo: Paulus, 2010. PRADO, José Erivaldo. “A QUESTÃO DA TÉCNICA EM MARTIN HEIDEGGER". PRADO, José Erivaldo , 2011. Disponível em: http://www.uvanet.br/rhet/artigos_setembro_2011/questao_tecnica_heidegger.pdf G1. “Conheça a história dos 'rolezinhos' em São Paulo”. G1 , 13/12/2015. Disponível em: http://g1.globo.com/saopaulo/noticia/2014/01/conhecahistoriadosrolezinhosemsaopaulo.html
O Globo. “Número de internautas no Brasil alcança percentual inédito, mas acesso ainda é concentrado”. O Globo , 13/12/2015. Disponível em: http://oglobo.globo.com/sociedade/tecnologia/numerodeinternautasnobrasilalcancapercentualinedito masacessoaindaconcentrado13027120 Meio e Mensagem. “Brasil é o País mais ativo no Faceboook”. Meio e Mensagem , 13/12/2015. Disponível em: http://www.meioemensagem.com.br/home/midia/noticias/2012/05/17/BrasileoPaismaisativonoFace book.html UOL. “Jürgen Habermas a teoria sociológica: O surgimento da esfera pública”. UOL , 13/12/2015. Disponível em: http://educacao.uol.com.br/disciplinas/sociologia/jurgenhabermasateoriasociologicaosurgimentoda esferapublica.htm
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