SOLA SCRIPTURA NO SÉCULO XXI

May 19, 2017 | Autor: George Carlos Felten | Categoria: Reformation Studies, Teologia, Biblia, Teologia biblica, Sola Scriptura
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SOLA SCRIPTURA NO SÉCULO XXI George Carlos Felten1

1. INTRODUÇÃO Estamos vivendo um ano muito especial e que, certamente, vai ficar na nossa memória. Contaremos aos nossos filhos, netos e (se Deus quiser) aos nossos bisnetos que “nos lembramos do ano em que comemoramos os 500 anos da Reforma Luterana”. Mas a minha pergunta inicial é o que isso impacta em nós? Quais as consequências de carregarmos uma teologia de viés luterano hoje? O que tem de mais? De fato, o centro do luteranismo nunca foi e nunca poderá ser a figura de Lutero, mas sim, do Deus triúno e de Sua Obra (normalmente resumida em Criação, Redenção e Santificação); Uma das primeiras coisas que me perguntavam quando eu dizia que estudava “Teologia” era “O que é isso?” Eu, prontamente, respondia “É o estudo de Deus”. E se separarmos a raiz da palavra, acharemos facilmente esta explicação (TEÓS = Deus; LOGOS = Palavra, estudo). Mas, a pergunta que fica é “Deus é um objeto sobre o qual podemos estudar?” Tem como estudar “Deus”? O que vocês dizem? Onde Deus está? Onde Deus se revela? Em última análise, é na Bíblia que Deus se revela a nós e, por isso, teologia não estuda Deus, mas sim o meio pelo qual Deus quis se revelar a nós = A sua Palavra. Bom, se Deus resolve se revelar pela sua Palavra, quer dizer que somente por meio dela é que obtemos a Verdade, correto? Sim, mas nem sempre foi tão óbvio assim. Aqui entramos em uma das contribuições fundamentais da Reforma.

2. SOLA SCRIPTURA Este é um termo (a princípio, não usado por Lutero) que busca condensar um dos pontos fundamentais da Reforma. Sabemos que, na época de Lutero, a principal regra do catolicismo era a infalibilidade papal, isto é, o papa, quando fala de modo oficial (ex cathedra), não pode errar. Isso implica uma importância fundamental do assim chamado 1

Bacharel em Teologia pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA); Estudante do Programa de PósGraduação em Teologia pela mesma instituição; Seminarista da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (Seminário Concórdia, São Leopoldo – RS); Estudante do Programa de Licenciatura em Letras (Português-Inglês) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); Autor do Blog e da Página no Facebook “Sapientia Nulla”.

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Sumo Pontífice. Se o papa não pode errar e queremos uma interpretação correta da Bíblia, concluímos que somente o papa pode interpretar corretamente a Bíblia. Em outras palavras, se o papa disse, está dito e ponto final. Lutero, aquele “alemão cabeçudo”, percebe os grandes problemas que acontecem no papado e desconfia dessa infalibilidade. Para Lutero, não é o papa que tem autoridade máxima, mas sim a Palavra de Deus que tem. É um dos princípios fundamentais na hora de interpretar a Bíblia, como veremos a seguir, o fato de que “a Bíblia interpreta-se a si mesma”. Neste contexto, justifica-se o uso da expressão “sola scriptura” em contraste com um “solus papa”. Lutero vê, portanto, a Bíblia como Palavra de Deus.

3. A BÍBLIA É OBSCURA? Parece que para Lutero, a Bíblia é clara onde ela quer ser clara, isto é, onde precisa ser. Também Walther diz “Se a Sagrada Escritura realmente fosse um livro tão obscuro que o significado de todas as passagens que formam a base dos artigos do Credo Cristão não pudessem ser determinadas com clareza, (...) digo eu, as Escrituras não poderiam ser Palavra de Deus.” (WALTHER, P. 69) Para deixar a Bíblia sempre mais clara e mais inteligível para as pessoas mais simples, Lutero recupera a paráfrase bíblica, ou seja, o contar em outras palavras aquilo que o texto está contando, explicar. Se vocês lerem algum comentário de Lutero, logo perceberão que seguidamente ele diz “É como se estivesse dizendo...”. Lutero, então, era fã de simplificar as coisas e mostrar ao povo o que a Bíblia traz. Mas, eu não sei se vocês já se deram conta disso, só que a Bíblia não caiu do céu pronta. A Bíblia que temos hoje, prontinha, bonitinha, nem sempre foi assim. E de onde vem esta Palavra de Deus? Como ela se apresenta a nós? E o que fazer com ela? É sobre isso que eu quero tratar hoje nesta fala.

4. DE ONDE VEM A BÍBLIA? A palavra “Bíblia” se origina na mesma palavra grega que originará a palavra biblioteca. É o plural de “livro”, isto é, “livros”. É um conjunto de livros agrupados numa mesma edição. Originalmente escrita em Hebraico e Aramaico (AT) e Grego (NT). A Bíblia era artigo muito raro e apenas de uns 200 anos para cá é que começamos a ter acesso a ela. Com a fundação das Sociedades Bíblicas ao redor do mundo, a 2

Bíblia, hoje, é o livro mais vendido e o mais lido mundo a fora. Acabamos não dando muito valor para isso hoje, pois conseguimos comprar uma bíblia por preços quase simbólicos. Mas isso não foi sempre assim. Aliás, outra coisa que nem sempre pensamos sobre é quanto à formação da Bíblia. Os evangélicos têm, quase que automática, a ideia de que a Bíblia tem 66 livros, 39 no AT e 27 no NT. Poucos, porém, se perguntam da onde vem isso. Quem disse isso? Há algum lugar, na Bíblia, em que esteja descrita uma lista com todos os 66 livros? São 66 livros para todas as Igrejas cristãs?

4.1 Formulação Do Cânone Desde sempre, houve discussão a respeito de quais livros deveriam ser tidos como sagrados, isto é, inspirados por Deus (veremos a diante). A Igreja Católica, por exemplo, reconhece 73 livros como canônicos (7 livros a mais no Antigo Testamento – o Novo Testamento permanece igual). A Igreja Ortodoxa possui mais livros ainda (53 livros no AT – O NT permanece igual). E aí, como isso se dá? Na verdade, alguns parâmetros eram usados para reconhecer (diferente de “escolher”) os livros inspirados por Deus. No novo testamento, por exemplo, um dos parâmetros dizia respeito ao autor do Escrito (era um apóstolo? Era alguém próximo de Jesus?) Outro parâmetro dizia respeito à mensagem que se trazia no escrito (ela condiz com o ensinamento dos apóstolos? Ela concorda com os ensinamentos de outros livros já aceitos como canônicos?); A primeira lista completa que temos acesso acontece em 367 d.C., porém, segundo o Dr. Vilson Scholz, pode-se dizer que, por volta do ano 200, as congregações já tinham suas próprias coleções, com praticamente os mesmos livros encontrados na lista de Eusébio, referida há pouco. No NT, nenhuma igreja cristã tem livros “a mais” ou “a menos”, embora nos primeiros séculos alguns livros tiveram dificuldades para se fixarem como inspirados (Hebreus, Tiago e Apocalipse, por exemplo). Hoje, todos concordam com os 27 presentes lá. No Antigo Testamento é um pouco diferente. Os judeus tinham listas de livros, uns mais lidos e outros menos lidos (como temos hoje, talvez). E, como podemos perceber, é justamente no AT que reside a divergência, o que tem muito a ver com o tipo de Bíblia que se usa como base hoje.

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4.1.1 BÍBLIA VULGATA – BÍBLIA SEPTUAGINTA – BÍBLIA HEBRAICA A Bíblia vulgata nada mais é do que a Bíblia em latim, tradução feita por Jerônimo por volta do século V. Ela traz 46 livros no Antigo Testamento e é a base das traduções católicas (por isso, os católicos têm 46 livros no AT) A Bíblia Septuaginta comporta apenas o Antigo Testamento e é uma tradução do Hebraico para o Grego. Ela leva este nome porque, segundo a tradição, 72 rabinos judeus trabalharam na tradução. Ela contém 53 livros listados no Antigo Testamento e é a tradução mais usada pela Igreja Ortodoxa (por isso, os ortodoxos têm 53 livros no AT) A Bíblia Hebraica que nós temos hoje como base para nossas traduções, foi agrupada durante os séculos e chegou a nós por meio do passar de geração em geração. O texto usado hoje nas traduções data do século XVII (1100 A.D.). Ela contém 39 livros no Antigo Testamento e é por isso que nós temos 39 livros no AT. Alguém, erroneamente, pode concluir, então, que a diferença entre as igrejas cristãs se dá devido aos livros que não são reconhecidos como inspirados por todas. Porém, assim diz o Dr. Vilson Scholz: Em meio a todas essas discussões, que envolvem católicos e protestantes, é preciso dizer que a diferença fundamental entre denominações cristas não reside na extensão do cânone, assim como também não se pode dizer que a grande diferença entre católicos e evangélicos é a inclusão ou omissão da Doxologia, no Pai-Nosso. As maiores divergências dizem respeito a textos cuja canonicidade nunca foi posta em duvida. (...) Dito de outra forma, mais importantes do que as divergências em torno da extensão do cânone são as diferenças de ordem hermenêutica, isto é, diferenças de interpretação de textos reconhecidamente canônicos (SCHOLZ, P. 25)

4.1.2 A BÍBLIA NÃO É UM LIVRO FECHADO Como já disse antes, em nenhum lugar na Bíblia há uma lista fechada de livros, e isto equivale a dizer que a bíblia não está fechada. Se hoje encontrássemos um livro datado da época dos apóstolos, com um ensinamento equivalente ao dos apóstolos, nada nos impediria de acrescentá-lo ao Canon. 4.1.3 LUTERO E OS LIVROS “NÃO-INSPIRADOS” Parece que Lutero também não via problemas com os livros vistos como não inspirados. Ele, inclusive, os traduziu para o alemão. O pensamento de Lutero era o de que os livros “apócrifos” eram bons para leitura, embora não poderiam ser fonte de

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norma de fé. Assim como qualquer leitura pode conter coisas boas e ruins, com o filtro correto, não é pecado algum ler os livros apócrifos. No que diz respeito aos 66 livros que aparecem na nossa bíblia, poucos foram os que duvidaram da sua autenticidade e da sua inspiração bíblica. Podemos confiar no testemunho bíblico destes livros. Eles foram inspirados por Deus. Mas o que é inspiração?

4.2 Inspiração Divina Esta é uma boa pergunta e é uma daquelas em que a Bíblia não fala muito. Eis aí um ponto importante – A BÍBLIA NÃO É UM LIVRO DE PERGUNTAS E RESPOSTAS. O termo “inspiração”, como usado em 2 Tm 3.16, pode significar algo como “guiar”, “conduzir”, “mover”. E como se deu isso? A Bíblia não traz explicações completas a não ser a contida em Jo 14.26. Temos que ampliar o conceito de inspiração. É todo um processo, que não parece ser algo como “ditado”, mas algo mais sutil, revelando uma face da Escritura muito bonita, mas apontada por muitos como uma crítica. O lado “humano” das Escrituras. 4.2.1 O LADO HUMANO E O DIVINO. Em diversos momentos, a Bíblia traz um paralelo entre Jesus como sendo a Palavra de Deus encarnada. E, como sabemos, Jesus era, ao mesmo tempo, Deus e Homem (João 1.1 e 1.14). Assim, também podemos dizer que a Bíblia tem um lado humano (porque foi escrita por homens) e um lado divino (inspirado por Deus) – 2 Pe 1.21; Portanto, a Bíblia pode conter falhas históricas, pode conter erros de grafia e coisas do tipo. Inclusive, os que combatem a Bíblia rapidamente encontram falhas desse tipo e tentam acabar com a autoridade da dela por isso. Porém, quando estamos falando de seu conteúdo e ensinamento, temos a confiança do Sola Scriptura, isto é, Deus se revela somente na Escritura e se revela ali da forma que nós precisamos. A Bíblia não traz tudo o que queremos que ela traga, mas ela traz exatamente aquilo que precisamos que ela traga, isto é, a revelação de Deus como Salvador em Jesus Cristo, o ensinamento central da Bíblia.

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4.3 Os Manuscritos Quanto aos manuscritos, selecionei algumas curiosidades e informações interessantes. AT – O Antigo Testamento, por se tratar de um testamento mais usado pelos judeus, sempre foi bem conservado. Copiadores (copistas) judeus dedicaram suas vidas a conservar estes livros e eram muito diligentes nos seu trabalho. A base do Antigo Testamento hebraico que temos hoje é um agrupamento datado de 1008 d.C. (o mais antigo até então). Parece ser bem distante dos tempos bíblicos, não é mesmo? 4.3.1 OS ROLOS DO MAR MORTO (QUMRAN) Entre os anos de 1947-1956, descobriram-se cavernas próximas ao Mar morto que continham rolos dentro de jarros de barro. Ao analisar estes rolos, os especialistas logo os dataram de cerca de 100 a.C. contendo rolos, completos ou incompletos, do Antigo Testamento (exceto do livro de Ester). Ao comparar o texto com aquele que serve de base para a bíblia hebraica de hoje (com diferença de 1100 anos), percebeu-se que eram praticamente e assustadoramente iguais. Esta foi considerada uma das mais (se não a mais) importante descoberta da arqueologia bíblica O Antigo Testamento tinha sido conservado praticamente literalmente ao dos tempos anteriores a Jesus. E nós, que já brincamos de telefone sem fio, sabemos o quão difícil é isso. Podemos dizer que é um milagre. Deus é o responsável por guardar e conservar a sua escritura, ou seja, o lugar onde ele se revela a nós. NT – Em 350 d. C. temos um primeiro conjunto de livros do NT. Porém, do contrário do Antigo Testamento (que majoritariamente se baseia em um manuscrito só), no Novo Testamento temos cerca de 5.400 manuscritos completos ou incompletos. Um paralelo aqui – a Ilíada de Homero possui cerca de 500 cópias com um intervalo gigantesco entre a época em que foi escrita e a aparição da primeira cópia. Também sobre Aristóteles (que viveu cerca de 450 anos antes de Cristo), as primeiras cópias que temos de seus livros são de 1100 anos depois de Cristo, praticamente 1500 anos depois de sua existência. O manuscrito mais antigo do Novo Testamento data de 130 depois de Cristo (um trecho do evangelho de João). É curioso que ninguém duvida que Aristóteles tenha mesmo escrito seus livros, porém, da Bíblia se duvida frente à mínima citação.

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Mas, e aí, tem muitas diferenças entre estes manuscritos? Segundo o Dr. Vilson Scholz, 98% das variantes textuais não interferem na tradução, ou seja, se consistem em alteração de ordem, palavras sinônimas, etc. E aí vocês perguntam, bem, e “aqueles 2%”? Os 2% interferem na tradução, mas não alteram o ensinamento, ou, o significado do texto. Querem ver um exemplo? Rm 8.2 “Porque a lei do Espírito da vida, em Cristo Jesus, te livrou da lei do pecado e da morte.” Em alguns manuscritos, ao invés do “te”, tem um “me”. Altera a tradução, mas o sentido do texto é o mesmo. CONCLUSÃO – Portanto, olhando para os manuscritos, podemos ver Deus agindo em sua preservação da palavra. Dá para confiar na Bíblia, também a partir da razão. É um livro autentico e deve ser levada em consideração. Mas a Bíblia não vem pra nós em Grego ou em Hebraico, mas sim em português. Então, que pontos podemos ressaltar a respeito da tradução?

4.4 Traduções Tem um ditado popular que diz “toda a tradução é uma traição” (Traduttore, Traditore). E com isso, quer se dizer algo óbvio – a tradução nunca vai ser tão boa quanto a versão na língua original. Por isso, se tivermos a oportunidade de ler um livro em sua língua original, poderemos perceber o quão mais complexo e lindo ele é. Um exemplo clássico quando estamos falando de Bíblia é o Salmo 119. O Salmo 119 tem 176 versículos e ele tem uma particularidade que só é perceptível no Hebraico. Se dividirmos os versículos em grupos de oito, e olharmos no hebraico, perceberemos que cada seção, em ordem, começa com uma letra do alfabeto. A primeira seção começa com a primeira letra do alfabeto hebraico, a segunda seção com a segunda do alfabeto, a terceira com a terceira e assim sucessivamente. Temos 22 letras no alfabeto hebraico, e numa conta rápida, 22 x 8 = 176. Outra coisa que se pode perder com a tradução é a rima, no caso de cânticos ou poesias. Também a métrica pode ser afetada. Porém, o mais importante é que a tradução poucas vezes conseguirá expressar plenamente o que uma palavra quer dizer. Vamos ao exemplo de Isaías 40.2 “Falai ao coração de Jerusalém, bradai-lhe que já é findo o tempo da sua milícia, que a sua iniquidade está perdoada e que já recebeu em dobro das mãos do SENHOR por todos os seus pecados.” Falar “ao coração” não tem tanto a ver com algo sentimental, como usamos hoje, mas tem a ver com o centro da vida. Não tem 7

a ver apenas com o uso emocional, mas tem a ver com “mente”, “vontade” ou mesmo “consciência”. Vejam, não podemos deixar de levar em conta que, embora tenhamos traduções muito boas, o texto bíblico não foi escrito em português. Mas, se vocês não tiverem a oportunidade de estudar grego e hebraico, podem deixar com os seus pastores, pois eles estudaram... De uma forma geral, o ponto quatro deste trabalho poderia ser resumido nas palavras de Sir Frederic Kenyon É confortador saber que o resultado geral de todas estas descobertas e de todo este estudo é o seguinte: temos maiores provas da autenticidade das Escrituras e somos reafirmados em nossa convicção de que temos em mãos – de forma substancialmente íntegra – a verdadeira Palavra de Deus (KENYON, Sir Frederic. The Story of the Bible, p. 113)

5. COMO INTERPRETÁ-LA HOJE? Dizem que o autor de um texto perde o controle de sua obra assim que a publica, já que praticamente tudo pode ser feito a partir de uma má leitura. Com a Bíblia, não é diferente. Por isso, a seguir traremos alguns princípios importantes para lermos corretamente a Bíblia. 5.1 Contexto Literário/Teológico É óbvio, mas o óbvio tem que ser dito – NÃO PODEMOS ESQUARTEJAR O TEXTO BÍBLICO. Um versículo está dentro de um capítulo, que, por sua vez está dentro de um momento específico de um livro. Este livro está em um testamento específico que, então, está dentro da Bíblia. Ver o que vem antes e o que vem depois é tão importante quanto a coisa que está escrita no versículo. Se não olharmos isso, podemos manipular a Bíblia de forma absurda. Querem ver? Vejam o exemplo de Salmo 14.1 que diz “Não há Deus”. Estaria a Bíblia afirmando que Deus não existe? Claro que não, na frase anterior a esta está escrito “Diz o insensato no seu coração: (já vimos o que esta palavra significa em hebraico) Não há Deus”. Aliás, falando de Antigo Testamento, aqui, vale um parêntese importante contado em forma de uma metáfora do Dr. Vilson Scholz em certa palestra. É a metáfora do 8

Helicóptero e do Túnel. As passagens do Antigo Testamento, não podem ser transportadas para os nossos tempos de helicóptero, mas devem passar pelo túnel do Novo Testamento, isto é, de Cristo. Sem Cristo, o Antigo Testamento se torna incompreensível, incompleto e vazio. Cristo é a chave, o fio vermelho, que nos faz entender o motivo de ser do Antigo Testamento. E isto é outro ponto recuperado na Reforma, o que posteriormente foi denominado “Solus Christus”, ou seja, só Cristo como o centro de toda a revelação Bíblica. Outro exemplo, agora no NT, é o que encontramos em Mateus 18.20 “Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou no meio deles”. Este texto é usado das mais diversas maneiras, mas na verdade, ele não tem nada a ver com cultos com pouca gente, com estudos bíblicos em casas ou coisas do tipo. O seu contexto aponta para outro lado. Imediatamente antes deste versículo, encontramos uma forma de lidar quando nosso irmão peca conosco. Depois de enfatizar o perdão, Jesus diz (v. 19) Em verdade também vos digo que, se dois dentre vós, sobre a terra, concordarem a respeito de qualquer coisa que, porventura, pedirem, ser-lhes-á concedida por meu Pai, que está nos céus. Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou no meio deles.

O contexto ali é o perdão, ou seja, quando os dois se perdoarem, Deus também os terá perdoado. Com estes exemplos, quero chamar a atenção para este fato – Não podemos usar um versículo sem conferir o seu contexto. 5.2 Contexto Histórico/Geográfico Juntamente com o contexto literário, precisamos saber quem escreve o que está escrito, para quem se escreve o que está escrito e com que finalidade se escreve aquilo. E, embora não tenhamos muitas informações em alguns casos, é preciso um esforço quando se quer entender de fato o que a Escritura fala. Um dos grandes exemplos é o encontrado no Livro de Apocalipse. Todos aqui já devem ter lido, e se lembram que, no início, Jesus escreve algumas cartas para algumas igrejas. Uma delas é a Igreja de Laodiceia, onde Jesus diz “Conheço as tuas obras, que nem és frio nem quente. Quem dera fosses frio ou quente! Assim, porque és morno e nem és quente nem frio, estou a ponto de vomitar-te da minha boca;”. Rapidamente dizemos que Jesus está se referindo a “fé quente” como uma fé forte e a “fé fria” o não

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crer, e que a “fé morna”, isto é, um meio termo, seria pior do que o “não crer”. Não é isso? Pior que não. Aqui, o conhecimento geográfico é importante – A cidade de Laodiceia era abastecida por aquedutos e a água, quando chegava por lá, estava já morna. Eu não sei se vocês já tomaram água morna, mas não é uma das melhores sensações do mundo. A água fria é gostosa, a água quente também faz maravilhas. A água morna não é boa para nem uma e nem outra função. Assim, Jesus não está falando que é melhor não crer do que estar em cima do muro, ele está falando que não existem “em cima do muro”, ou se crê (frio ou quente) ou não se crê (morno). Sem o contexto histórico e geográfico, é quase impossível entender as imagens usadas na Bíblia. CONCLUSÃO – Por isso, o contexto é fundamental para entender a Bíblia. Mas existem mais coisas além disso.

5.3 Tipos Textuais Como a gente viu, a bíblia não é um livro só, mas é um agrupamento de livros. E assim como não lemos uma poesia da mesma forma como lemos uma mensagem no whatsapp, assim também não podemos ler uma epístola com os mesmo pressupostos da leitura de um salmo. Diferentes tipos de texto pedem diferentes formas de olhar para eles. 5.3.1 NARRATIVA A maioria da Bíblia se constitui de contação de história, o que nos exige atenção redobrada a este tipo de texto. É próprio da narrativa não trazer mensagens por detrás dela, mas sim de ela mesma ser a mensagem. Ela não apresenta conceituação da verdade, mas ensina, por meio do seu exemplo, a verdade que quer passar. Cabe ao leitor captar a mensagem, o que nem sempre é fácil, já que a ambiguidade é frequente. A narrativa é vitral e não janela, isto é, ela tem um fim em si mesma. É dali que se tirará o ensinamento, e não de algo que possa estar por trás, etc. São coisas importantes de se perguntar quando deparamos com narrativas – Onde a história está se passando? O que há no cenário? Quem está dentro da cena? Como o narrador caracterizou os personagens? O que já se sabe sobre eles? O que foi dito antes disso? Atos 4.1-21

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Falavam eles ainda ao povo quando sobrevieram os sacerdotes, o capitão do templo e os saduceus, ressentidos por ensinarem eles o povo e anunciarem, em Jesus, a ressurreição dentre os mortos; e os prenderam, recolhendo-os ao cárcere até ao dia seguinte, pois já era tarde. Muitos, porém, dos que ouviram a palavra a aceitaram, subindo o número de homens a quase cinco mil. No dia seguinte, reuniram-se em Jerusalém as autoridades, os anciãos e os escribas com o sumo sacerdote Anás, Caifás, João, Alexandre e todos os que eram da linhagem do sumo sacerdote; e, pondo-os perante eles, os argüiram: Com que poder ou em nome de quem fizestes isto? Então, Pedro, cheio do Espírito Santo, lhes disse: Autoridades do povo e anciãos, visto que hoje somos interrogados a propósito do benefício feito a um homem enfermo e do modo por que foi curado, tomai conhecimento, vós todos e todo o povo de Israel, de que, em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, a quem vós crucificastes, e a quem Deus ressuscitou dentre os mortos, sim, em seu nome é que este está curado perante vós. Este Jesus é pedra rejeitada por vós, os construtores, a qual se tornou a pedra angular. E não há salvação em nenhum outro; porque abaixo do céu não existe nenhum outro nome, dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos. Ao verem a intrepidez de Pedro e João, sabendo que eram homens iletrados e incultos, admiraram-se; e reconheceram que haviam eles estado com Jesus. Vendo com eles o homem que fora curado, nada tinham que dizer em contrário. E, mandando-os sair do Sinédrio, consultavam entre si, dizendo: Que faremos com estes homens? Pois, na verdade, é manifesto a todos os habitantes de Jerusalém que um sinal notório foi feito por eles, e não o podemos negar; mas, para que não haja maior divulgação entre o povo, ameacemo-los para não mais falarem neste nome a quem quer que seja. Chamando-os, ordenaram-lhes que absolutamente não falassem, nem ensinassem em o nome de Jesus. Mas Pedro e João lhes responderam: Julgai se é justo diante de Deus ouvir-vos antes a vós outros do que a Deus; pois nós não podemos deixar de falar das coisas que vimos e ouvimos. Depois, ameaçando-os mais ainda, os soltaram, não tendo achado como os castigar, por causa do povo, porque todos glorificavam a Deus pelo que acontecera.” (Atos 4.1-21)



Onde a história está se passando? Dentro do templo em Jerusalém; foram presos; no Sinédrio (uma corte, tribunal);



O que há no cenário? No templo existia, provavelmente, um lugar especial de onde se anunciava a Palavra. Quando eles foram presos, uma cela com grades, guardas. No Sinédrio, um lugar de onde os judeus ficavam interagindo para concluíres os casos, uma sala de espera.



Quem está dentro da cena? O povo, João e Pedro, Os sacerdotes, o capitão do templo, os saduceus (um partido rival dos fariseus, normalmente mais conserva-

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dores e bem situado economicamente), autoridades do povo, anciãos (os mais velhos). 

Como o narrador caracterizou os personagens? O narrador caracteriza Pedro como “cheio do Espírito Santo”. João e Pedro também são vistos como intrépidos, embola iletrados e incultos.



O que já se sabe sobre eles? O que foi dito antes disso? A fama dos judeus, no NT não é muito boa. Aqui, no caso, eles tinham ficado com medo do povo levar os apóstolos de Jesus a sério, pois, antes disso, havia acontecido um milagre e o povo ficou maravilhado.



Então? Os pontos a serem abordados podem ser muitos e esta breve análise não é capaz de esgotá-los. Pontuo a certeza dos apóstolos naquilo que faziam. Estavam se colocando em perigo mexendo com gente importante, em prol de “ouvir a Deus”.

5.3.2 PARÁBOLAS "Parábolas são historias não-literais que se destinam a ensinar uma verdade ou lição" (VOELZ, 1997, p.303). Basicamente possuí quatro elementos (Narrativa; Significado figurado; Objetivo de mudança de mentalidade ou sentimento; Fala sobre o reino – vinda, graça, pertencimento, crise conseqüente); Para entender bem uma parábola e não esquartejá-la, deve-se tomar muita atenção ao contexto. A maioria das parábolas são explicadas no texto bíblico e, por isso, atenção na história na qual a parábola está inserida, é básico e óbvio. Diante disso, um exercício interessante é ver que conexão existe entre o enredo e os personagens da parábola (a narrativa menor) e o enredo e os personagens do Evangelho (a narrativa maior). Por exemplo, é sabido que a parábola do filho pródigo (Lc 15) termina em aberto, ou seja, não é dito que atitude o filho mais velho tomou. Já houve quem sugerisse, á luz do que acontece na narrativa maior, que o filho mais velho (o representante de escribas e fariseus) ficou tão irado que acabou por matar o pai (que, na parábola, representa Jesus)! (SCHOLZ, p. 92)

A parábola é um recurso para ensinar uma verdade indiretamente, sem entrar num campo polemico. Levando um ensinamento para o campo hipotético de uma parábola, tem-se menos resistência e, durante a contação da história, a idéia do contador se

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sobressai indiretamente. Jesus não quer afronta o tempo todo (este pode ser um ensinamento para nós, jovens e muitas vezes impulsivos e extremistas, também...) Analisando parábola – ponto de contato (quem é o que nas parábolas? Jesus a explicou? Cuidar para não forçar ensinamentos não ensinados no texto); A verdade central (o que a parábola nos ensina? Cuidar para não tratar apenas da verdade e não da parábola em si); A quem se dirige? Que impacto isto causou? Aproximavam-se de Jesus todos os publicanos e pecadores para o ouvir. E murmuravam os fariseus e os escribas, dizendo: Este recebe pecadores e come com eles. Então, lhes propôs Jesus esta parábola: Qual, dentre vós, é o homem que, possuindo cem ovelhas e perdendo uma delas, não deixa no deserto as noventa e nove e vai em busca da que se perdeu, até encontrá-la? Achando-a, põe-na sobre os ombros, cheio de júbilo. E, indo para casa, reúne os amigos e vizinhos, dizendo-lhes: Alegrai-vos comigo, porque já achei a minha ovelha perdida. Digo-vos que, assim, haverá maior júbilo no céu por um pecador que se arrepende do que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento. (Lucas 15.1-7)



Ponto de contato – Jesus se dirige aos fariseus e escribas como sendo o pastor (profissão desprezada pelos fariseus) negligente que deixou a ovelha se perder e que deve ir atrás e se alegrar ao encontrar a ovelha perdida e a trazer de volta ao aprisco (assim como o próprio Cristo está fazendo). A ovelha perdida são os pecadores. Os amigos e os vizinhos não parecem ter paralelos específicos (na vida real, a aldeia toda dependia das ovelhas). As 99 ovelhas parece ser o povo de Deus que não foram largadas sozinhas (já que pastorear 100 ovelhas não era tarefa de um só pastor), mas foram deixadas com outros pastores.



Qual é a verdade central? Há alegria quando uma ovelha volta ao aprisco e Jesus Cristo está indo atrás das ovelhas perdidas e os fariseus também deveriam ir.



A quem se dirige? Claramente aos fariseus e escribas.



Que impacto isto causou? Lucas 16.14 “Os fariseus, que eram avarentos, ouviam tudo isto e o ridiculizavam.” (Acusaram o golpe; mensagem enviada com sucesso).

5.3.3 POESIA A poesia prima pela linguagem concisa, o uso de imagens vividas, tudo isso colocado na forma adequada. Segundo Robert Alter, poesia e isto: "as melhores palavras na ordem exata" Normalmente não se consegue traduzir a forma, apenas o conteúdo. (SCHOLZ, p. 96)

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Deve-se levar em conta de que nem sempre eles podem ser tidos como literais. Muito uso de metáforas, metonímia, eufemismo, paralelismo,... Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras das suas mãos. Um dia discursa a outro dia, e uma noite revela conhecimento a outra noite. Não há linguagem, nem há palavras, e deles não se ouve nenhum som; (Salmo 19.1-3)

5.3.4 EPÍSTOLA Nada mais é do que cartas. Algumas são mais parecidas com sermões do que com cartas como conhecemos hoje. A carta tem partes mais ou menos fixas, 1) emissor, receptores e saudação; 2) ação de graças; 3) corpo da carta; 4) recomendações; 5) conclusão. O gênero epistolar, normalmente é o mais claro no sentido daquilo que visa ensinar. Há argumentação, teses, instrumentos retóricos, tudo para tentar explicar o melhor possível determinado assunto, ou para tratar determinado problema. 

O que é importante saber? Quem escreve? Para quem escreve? Que peculiaridades histórico-geográficas os receptores originais tinham? Quando escreve? Por que escreve? O que escreve? Como escreve (progressão de idéias)? Nem sempre todas as respostas serão possíveis, mas quanto mais buscarmos

entender o que rodeia o texto, melhor o texto poderá nos falar. 5.3.5 PROFECIA A profecia bíblica não pode ser resumida apenas em “prever o futuro”, mas sim sempre tinha a ver com o presente daquele que profetizava, isto é, com os contemporâneos dos profetas. Muitas vezes, os profetas tinham as mensagens de Deus que acusavam os pecados do povo, e reconhecer isso é fundamental para entender melhor o AT. Assim, a profecia bíblica sempre tem dois lados, um mais físico/contemporâneo e outro mais espiritual/futuro. Mas para entender bem uma profecia, é necessário estudar bem o período histórico do mundo no qual este gênero se localiza (de Amós, 760 a.C. até Malaquias, 460 a.C). Isso exige muito tempo e pesquisa. 14

Ao se interpretar os profetas, é preciso: 1) respeitar o texto, ou seja, não fazer com que a profecia diga o que ela não diz; 2) esclarecer tudo que o profeta disse ou escreveu para o povo do seu tempo; 3) aplicar a passagem, corretamente interpretada, aos nossos dias. E isso não e pouca coisa! (SCHOLZ, 112)

3.3.6 APOCALIPTICO O gênero apocalíptico se aproxima muito da profecia e basicamente é encontrado no livro de Apocalipse e no de Daniel. Apocalipse, literalmente, significa revelação e não “corre, galera, que é o fim do mundo”. É também um tipo literário com suas particularidades, carregado de simbolismos que, se entendidos fora do seu contexto, não fazem muito sentido, ou trazem sentidos que o texto mesmo não traz. No texto aparecem símbolos, imagens, visões e revelações. Este gênero apareceu nos momentos de grande perseguição contra os primeiros cristãos. Nos governos dos imperadores Romanos Nero e Domiciano. Eles ocultavam verdades para aqueles que não pertenciam às comunidades cristãs. (CASONATTO, Odalberto D., 2017)2

Usam-se muitos recursos históricos, o que é importante para o entendimento de suas imagens; seguidamente usam pseudônimos para dar mais ênfase ao povo; visões são coisas frequentes, e devem ser levadas em conta; profecias de momentos bons no futuro (lembrar que é usado em momentos de perseguição); Uso de números com significados não óbvios para nós no século XXI; Uso de hipérbole para dar ênfase naquilo que seria dito; Quando levamos isso em conta, percebemos que a Bíblia não é um livro único, mas um conjunto de vários livros com tipos literários distintos. Assim, é muito importante saber em que terreno se está pisando na hora de ler a Bíblia. Um auxílio exterior a Bíblia é fundamental.

5.4 Lei e Evangelho Você já notou como existem passagens na Bíblia que parecem contraditórias? Comparem essas duas passagens Romanos 3.28: “Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé, independentemente das obras da lei.” 2

http://www.abiblia.org/ver.php?id=7920 Acesso em 09/04/2017)

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Tiago 2.24: “Verificais que uma pessoa é justificada por obras e não por fé somente.” E aí, quem está certo: Paulo ou Tiago?! Ambos estão corretos! Todos os textos da Escritura Sagrada devem ser encarados sob duas doutrinas essenciais que são distintas entre si: Lei e Evangelho. 5.4.1 A LEI Quando a Escritura cobra ações, atitudes, pagamentos e coisas do gênero, ela está falando sob a caixa de som da lei. É importante saber que a lei, nesse sentido, não está só no Antigo Testamento (embora tenha mais Lei do que Evangelho do AT) e não significa, ou, se limita aos 10 mandamentos. A lei é divina (tanto quanto o Evangelho) e não é má. Quando, porém, ela nos mostra como devemos ser e o que devemos fazer, ela não nos dá a habilidade e nem a capacidade de cumprir aquilo que ela exige. É como se ela falasse: “você está no meio do deserto, sem nada por perto e deve voar até a cidade mais próxima para se salvar. Dê um jeito. Vale registrar que a incapacidade humana de cumprir a lei de Deus não é culpa da própria lei. O ser humano foi criado perfeito por Deus (Gn 1.31) e escolheu, por meio de nossos pais (Adão e Eva), desobedecer à ordem divina. Assim, hoje em dia, não temos mais essa escolha, pois já nascemos em pecado. (Sl 51.5) A impossibilidade de cumprirmos essa lei causa, segundo o mesmo Walther, três efeitos: a fúria contra Deus (por exigir algo impossível para nós – Mc 10.27); a visão real dos pecados que temos (Rm 3.20); e a contrição (pois ela nos mostra os terrores do inferno, da morte e da ira de Deus – Mt 25.41). A lei promete a salvação a todos os que a cumprem plenamente. O detalhe é que ninguém consegue! O resultado é trágico: a lei nos mostra o quão no Inferno estamos. Ainda diz Walther na página 51: Qualquer um que, ao ser admoestado e imediatamente disser: “Ora, bobagem! Isso não diz respeito a mim”, mostra que ainda não foi atingido nem abalado em seu coração”. Portanto, a lei é clara, direta e imparcial: “Maldito todo aquele que não permanece em todas as coisas escritas no livro da lei, para praticá-las.” (Gl 3.10)

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5.4.2 EVANGELHO Já o Evangelho, (que significa literalmente “boa notícia”), não exige nada do ser humano, além da fé (confiança) em Jesus Cristo e Sua obra. Ele dá tudo gratuitamente por meio do amor de Deus em Cristo (1 Co 13.4-7). Mas se exige a fé, isso não seria uma espécie de condição para o Evangelho? Franz Pieper responde na página 92 de seu livro “Teses sobre a doutrina da justificação”: Também na linguagem usamos expressões como: “quem come, fica satisfeito”, ou “quando você comer, você ficará satisfeito”. Com isso, não queremos dizer que, com a obra de comer, ficaremos satisfeitos, mas, pelo comer, por causa da comida que comemos, ficamos satisfeitos. Assim também a frase “Quem crê, será salvo” significa: no caminho da fé seremos salvos.

A fé deve ser encarada como meio e não como o conteúdo da salvação (que é Cristo). Pensar que a fé é um ato meritório é o mesmo que pensar que o mendigo que estende a mão para pegar uma doação fez por merecer por esse ato (o de estender a mão). Walther (novamente) dá o exemplo de um banquete: alguém que está faminto e é convidado a sentar-se a mesa para comer uma comida lindíssima e muito saborosa. O fato de ele ter que se sentar para comer, não constitui um ato de merecimento. Assim, também, a fé não é um ato do ser humano para a sua salvação, mas é dom de Deus. Evangelho, nesse sentido, também, não existe só no Novo Testamento (Embora majoritariamente esteja no NT) e nem se resume aos 4 evangelhos (isto é, Mateus, Marcos, Lucas e João), mas sim está presente desde o início até o fim da escritura e sempre está ligado ao amor de Deus revelado plenamente em Jesus Cristo. O Evangelho pega aqueles que foram quebrados pela lei e os reconstrói. O Evangelho dá a vida eterna de forma gratuita, sem que seja cobrado nenhum favor, pagamento, obra ou ato. Quando a Lei “mata” uma pessoa em seus pecados, o Evangelho “dá uma nova vida”, a partir da boa notícia de Jesus. Esses dois processos têm que acontecer: primeiramente a lei deve “matar” e, então, o Evangelho vem com a “nova vida” em Cristo Jesus. Não é uma questão de escolha: “eu gosto mais do Evangelho”, ou “eu gosto mais da Lei”. Não! Esses dois assuntos são doutrina de Deus e, embora não possam ser jamais misturados, dialogam de forma muito intensa! Nas palavras de Walther (p.38): “A Lei produz sede; leva o ouvinte ao inferno e o abate. O Evangelho, no entanto, refresca e vivifica, e o leva para o céu”.

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Enquanto estivermos tranquilos em nossos pecados, a Lei deve nos “matar”, para que tenhamos uma dimensão do nosso real estado, e sejamos alertados para o nosso destino: a condenação. Quando isso acontece, o Evangelho, com toda a doçura de um pai ou de uma mãe, vem e nos pega no colo, nos limpando as feridas e nos dando uma vida nova, em Jesus Cristo.

A correta distinção entre Lei e Evangelho é fundamental para que possamos entender o que estamos lendo na Bíblia. Sem essa distinção, facilmente caímos no pensamento de que somos nós que merecemos a salvação por sermos bonzinhos ou, no outro extremo, que Deus vai aceitar qualquer um no céu, pois Ele é bonzinho, quase bobo.

5.5 Aplicação Como última parte, trouxe o momento da aplicação, isto é, a parte do “então, agora nós...”. Como já vimos, não podemos simplesmente trazer os textos de helicóptero e jogá-los em nosso tempo. Temos que passar sempre pelo túnel de Cristo. Mas, podemos usar a Bíblia hoje? Eu já ouvi isso (e é quase certo que vocês também já) que a Bíblia é um livro ultrapassado e que hoje o mundo é bem diferente. Mas vejam o que estas três passagens dizem a respeito do mundo Bíblico. Então olhei de novo para toda a injustiça que existe neste mundo. Vi muitos sendo explorados e maltratados. Eles choravam, mas ninguém os ajudava. Ninguém os ajudava porque os seus perseguidores tinham o poder do seu lado. (Eclesiastes 4.1) Entretanto, durante a jornada o povo perdeu a paciência uma vez mais, e passou a murmurar contra Deus mediante suas reclamações a Moisés. E o povo se queixava exclamando: “Por que nos fizestes subir do Egito para morrermos neste deserto? Pois não há nem pão, nem água! Estamos enfastiados deste alimento miserável! (Números 21.45) Mas, antes que se deitassem, os homens daquela cidade cercaram a casa, os homens de Sodoma, tanto os moços como os velhos, sim, todo o povo de todos os lados; e chamaram por Ló e lhe disseram: Onde estão os homens que, à noitinha, entraram em tua casa? Traze-os fora a nós para que abusemos deles. (Genesis 19.4-5)

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Será que o mundo mudou tanto assim? Mudou tanto substancialmente? Temos que concordar com o escritor de Eclesiastes em dizer “O que foi é o que há de ser; e o que se fez, isso se tornará a fazer; nada há, pois, novo debaixo do sol.” Por isso, embora não possamos trazer de helicóptero, podemos e devemos usar a Bíblia hoje, porque o ser humano continua nascendo em pecado e influenciando toda a criação por causa disso. Mas como usar? Como aplicar isso a nós hoje? Infelizmente, não há um meio fixo de fazer isso. Mas um bom começo é olhar para tudo aquilo que já foi falado anteriormente e se localizar, tentando achar os paralelos entre o mundo bíblico e o atual. E como fazer isso? Listo aqui algumas coisas importantes; 

Bíblias de estudo – BÍBLIA DA REFORMA.



Devocionais – 5 Minutos com Jesus, Castelo Forte.



Livros extra-bíblia – Comentários Bíblicos, com cuidado e filtro (procure conhecer o autor)



O SEU PASTOR – Ele estudou muito para ser considerado apto. E se ele não souber, com certeza vai saber onde procurar.



Sites – vale o mesmo sobre os livros, filtro. Lutero não tinha os recursos que nós temos hoje. Quando se tem uma dúvida, só

não se soluciona por dois motivos: ou não a Bíblia não traz solução para tal dúvida, ou não se quis buscar.

6. CONCLUSÃO Falamos pouco de muita coisa no que tange a Bíblia, e, deu para perceber, o quão fascinante é o tema. Espero que possamos nos localizar cada vez mais neste livro que não só contém a Palavra de Deus, mas é a própria Palavra de Deus, revelada por meio de mãos humanas, mas vinda da parte do autor da criação. A única coisa que Deus não fez com sua Palavra, isto é, o ser humano, Ele salvou por meio da Palavra, Jesus Cristo. E hoje, conhecemos este amor por meio da Sua Palavra, a Bíblia. Deus nos acompanha. Seca-se a erva, e cai a flor, porém a palavra de nosso Deus subsiste eternamente. (Isaías 40.8) 19

7. OBRAS/LINKS CONSULTADAS/CITADAS https://www.youtube.com/watch?v=YFc-yaRWmqo – VILSON SCHOLZ – Palestra – A transmissão do texto bíblico. Seminário de Ciências Bíblicas da Sociedade Bíblica do Brasil, Local: Seminário Teológico Batista do Norte do Brasil - 5-2005 – Acesso em 08/04/2017. https://www.youtube.com/watch?v=Tl2qjVVUNgU – VILSON SCHOLZ – Palestra – A Bíblia, Sua Natureza, Função e Finalidade. Seminário de Ciências Bíblicas da Sociedade Bíblica do Brasil, Local: Seminário Teológico Batista do Norte do Brasil - 5-2005 – Acesso em 08/04/2017. https://www.youtube.com/watch?v=1i8m6q0_gww – RUDI ZIMMER – Palestra – A Formação do Cânon Bíblico. Seminário de Ciências Bíblicas da Sociedade Bíblica do Brasil, Local: Seminário Teológico Batista do Norte do Brasil - 5-2005 – Acesso em 08/04/2017. PIEPER, Franz A. O. Teses sobre a doutrina da justificação. Trad. e adapt.: Horst R. Kuchenbecker. Canoas: Ed. ULBRA; Porto Alegre: Ed. Concórdia, 2014. SCHOLZ, Vilson. Princípios de interpretação bíblica: introdução a hermenêutica bíblica com ênfase em gêneros literários. Canoas: Ed. ULBRA, 2006. VOELZ, James W. What does this mean? Principles of biblical interpretation in the postmodern world. Saint Louis: Concordia Publishing House, 1997. WALTHER, Carl F. W. A correta distinção entre Lei e Evangelho. Trad.: Marie L. Heimann. - Porto Alegre: Concórdia, 2005.

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