\"Soldados de Santa Catarina nos registos paroquiais: século XIX\", in «Luz da Serra», Santa Catarina da Serra, Ano XLIII, n.° 511 (no original, 531), abril de 2017, p. 14.

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ABRIL

-- histórias da História --

14

2017

Soldados de Santa Catarina nos registos paroquiais: século XIX

O designado recenseamento militar remonta, em Portugal, ao período medievo, embora sem a organização que viria a ter a partir de oitocentos, quando, mediante a consulta dos registos paroquiais, os clérigos elaboravam rigorosas listas de indivíduos nascidos em determinado ano e que perfaziam, aquando da elaboração das mesmas, solicitadas pelas autoridades competentes, a idade legal para cumprimento do serviço militar, que era obrigatório. Depois de convocados e selecionados, tinham de passar a fase da recruta, primeiro, e a da especialidade, posteriormente. O recenseamento efetuouse, ao longo do século XX, nos Paços do Concelho, em Leiria [1]. De ter em consideração que, no período da I.ª República, a Comissão Militar de Recenseamento, apesar de já funcionar o Registo Civil em Leiria e nos postos dispersos pelas áreas mais afastadas da sede concelhia, continuava a basear-se, para os casos mais antigos, nos referidos registos paroquiais, pelo que os párocos eram, ainda, obrigados a elaborar, anualmente, a lista de mancebos correspondentes a determinado ano [2]. Na falta de registos paroquiais, o eclesiástico tinha de efetuar o trabalho, isto é, a constituição do rol, com o auxílio do presidente da Junta de Freguesia, por um lado, e do regedor, por outro, elaborando uma relação de todos «aqueles mancebos nascidos e residentes na freguesia que suponham ter chegado à edade

legal». Já na época, editais informavam os jovens da obrigatoriedade de comparecerem junto da Comissão [3].

Se retornarmos aos registos paroquiais do século XIX, é possível verificar, através de uma análise minuciosa, que na segunda metade do período supra diversos indivíduos da então freguesia de Santa Catarina da Serra tinham o estatuto de soldado, sendo homens que, por estarem destacados em determinado ponto do país de antanho, tinham um conhecimento mais amplo sobre o território, por oposição à maioria da população, que permanecia arreigada ao microcosmo onde nascera. Assim, no Casal da Fartaria [4], José Roque, falecido em 1880, filho de José Roque, trabalhador, de Fartaria, e de Maria Teresa, de Gondemaria, era soldado. Alguns anos mais tarde, na localidade de Cova Alta, Joaquim de Oliveira, descendente de José de Oliveira e de Joaquina Maria, casado com Maria de Jesus, a 23 de setembro de 1882, com 31 anos, ela de 23, herdeira de Manuel José Dias Novo e de Maria Cristina, da mesma localidade, era soldado de reserva, reservista. Da mesma aldeia, José Ferreira, herdeiro de Joaquim Ferreira, de Casal Vermelho, da então paróquia de Caranguejeira, e de Maria Joaquina, de Cova Alta, casado a 14 de fevereiro de 1881, com 27 anos, com Cristina de Jesus, de 20, descendente de José Dias Novo e de Cristina Maria, era soldado do Regimento de

Caçadores 6, sendo este um dos primeiros assentos paroquiais a mencionar a unidade de aquartelamento e a especialidade, pois o dito José Ferreira era atirador de precisão [5]. Manuel Pereira, descendente de José Pereira, de cognome Coxo, e de Joaquina dos Reis, de Fontainhas, então freguesia de Ourém, hoje de Atouguia, casado, a 28 de fevereiro de 1881, aos 26 anos, com Maria do Rosário, de Donairia, filha de Bento Alves e de Faustina Maria, tinha sido militar no Regimento de Artilharia 1 [6]. Do povoado de Quinta da Sardinha, Joaquim Bento da Cunha, filho de Joaquim Bento da Cunha e de Ana dos Reis, de Atouguia, taberneiro, à época paróquia de Ourém, casado, a 18 de agosto de 1880, com 27 anos, com Maria Benta, de Ulmeiro, de 22 anos, herdeira de Anastácio Rodrigues e de Ana Benta, era soldado de reserva do Batalhão de Infantaria 1, sediado em Lisboa. Por último, José Francisco, de Sobral, descendente de José Francisco, da mesma aldeia, e de Maria dos Santos, de Pinheiria, casado, a 14 de novembro de 1880, com 28 anos, com Maria da Conceição, de 22 anos, herdeira de Manuel Pereira Neto e de Joaquina Maria, também de Sobral, era soldado de reserva do Batalhão de Caçadores 1, estacionado em Portalegre.

Apesar de tudo o que foi dito anteriormente, é fundamental ter em consideração que os registos paroquiais são limitados relativamente ao assunto

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em análise, uma vez que aqueles apenas se referem a uma reduzida amostra da população, isto é, a uma minoria. Por outro lado, não existem ainda informações devidamente esclarecedoras sobre a presença desses corpos militares em contextos de guerra, designadamente na segunda metade de oitocentos, embora se saiba que parte deles atuou nas colónias portuguesas em África, definidas no âmbito da conferência de Berlim, em 1884. Este encontro de potências europeias determinou o que, no continente africano, deveria ficar para cada país. Neste âmbito, a ocupação, efetiva, dos territórios fez-se mediante o envio de tropas, por um lado, e a deslocação de indivíduos da metrópole para as zonas em questão, colonos, por outro. A ocupação das colónias pelos respetivos estados colonizadores significava, na maioria dos casos, conflito armado com populações autóctones, como, aliás, se verificou no caso português, que para ocupar, de facto, o território de Moçambique, teve de fazer intervenções militares em diversos pontos. Tal situação ficou a deverse à existência do designado império de Gaza, que foi governado por Reinaldo Frederico Gungunhana, entre o ano de 1884 e o de 1895. Este opôs-se, ferozmente, à ocupação portuguesa. O conflito colonial terminou, precisamente, em 1895, quando as tropas, que incluíam o mencionado Regimento de Caçadores 6, capturaram o dito régulo. Manuel

Pedro Marto, da vizinha paróquia de Fátima, morador em Aljustrel, consorciado com Olímpia de Jesus, pai de Francisco e Jacinta, esteve presente em território moçambicano, pois cumpriu serviço militar entre 1893 e 1896, primeiro no Regimento de Caçadores 6 e depois no Regimento de Caçadores 3, ou seja, quando o régulo foi aprisionado e transportado, como prisioneiro, para Lisboa, antes de ter sido enviado para os Açores. A vitória portuguesa permitiu a consolidação da posição colonial naquela área do território africano, tendo os militares destacados em Moçambique recebido uma medalha da rainha D. Amélia [7]. Notas textuais:

[1] Correspondência recebida (1927), AJFSCS-C, documento avulso. [2] Existia uma ficha para preencher com os dados relativos aos mancebos, caso da filiação e morada. [3] Correspondência recebida (1913), AJFSCS-C,

Vasco Jorge Rosa da Silva Paleógrafo e Epigrafista Leiria - Ourém documento avulso. [4] Constituído, em oitocentos, a partir do lugar da Fartaria, então paróquia de Olival, atualmente União das Freguesias de Gondemaria e Olival. [5] Este regimento, com origem no Porto e com grande importância durante as denominadas invasões francesas (1807-11), era conhecido no espaço serrano. [6] Criado em 1792, estava instalado no forte de São Julião da Barra. [7] SILVA, Vasco Jorge Rosa da, "Manuel Pedro Marto: soldado em África (1895-96)", in Notícias de Fátima, n.º 561, 25 de janeiro de 2013, sexta-feira, p. 6.

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