Somália_Origem de um conflito eternizado

July 14, 2017 | Autor: Marco Lopes | Categoria: Military
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Somália – Origem de um Conflito eternizado A Somália localizada no leste da África Setentrional tem-se constituído ao longo dos tempos, como palco privilegiado de diversos conflitos étnicos/tribais que limitam sobremaneira o normal desenvolvimento daquele país, que com uma posição estratégica valiosíssima poderia aspirar naturalmente a uma situação político-social mais estável, sustentando esse desenvolvimento nas inúmeras capacidades intrínsecas (naturais, sociais e posicionais), que decorrem da já longa história desta região, outrora colonizada, hoje ávida de paz e de harmonia social.

Fig 1 – Localização Geográfica da Somália A conjuntura histórica de violência que tem assombrado esta região, difícil de caracterizar, difícil de entender e acima de tudo solucionar por parte das mais diversas organizações internacionais e regionais que aí têm actuado ao longo da história, tem minado todos os esforços tendentes à resolução da problemática condição político-social Somali. 1. Antecedentes Históricos a. Antes da 2ª Guerra Mundial Para se falar da Somália, poder-se-á recuar até à data de 1884, altura em que sob proposta de Portugal se apresenta o famoso Mapa Cor-de-Rosa1 na Conferência de Berlim2. Esta conferência, que apresentou como objectivos preambulares clarificar fronteiras e determinar responsabilidades de gerência de territórios colonizados culminou com o Ultimato Britânico de 1890. Este ultimato, resultou das reais intenções

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Mapa que tinha como objectivo para Portugal ligar por terra os países costeiros de Moçambique e Angola. 2 Conferência em que participaram as potências coloniais Europeias (13) mais os EUA e a Turquia (na altura representava o império Otomano), e que teve como objectivo principal a determinação de regras para a divisão do território Africano pelas potências coloniais.

de Inglaterra para o continente Africano, ou seja, ligar o Norte ao Sul de África por linha férrea e assim garantir o controlo de todo o continente Africano. Como resultado (com interesse para o tema do artigo) desta conferência, aquilo que hoje é a Somália ficou então dividido num protectorado (Somalilândia) de administração Britânica e um colonato (Puntlândia e Sul da Somália) de administração Italiana. As divisões administrativas resultantes da conferência de Berlim erigida pelas potências coloniais não respeitaram as diferenças tribais, étnico-religiosas, centrando-se apenas nos interesses das metrópoles, o que naturalmente resultou em diversos conflitos perpetuados ao longo dos tempos. A Inglaterra com um protectorado executou uma política de extracção de recursos, ao passo que a Itália estabeleceu uma colónia que mais tarde viria a reflectir-se nas ondas fascistas originárias da metrópole.

Fig 2 – Divisão Administrativa da Somália colonial b. Pós 2ª Guerra Mundial Em 1955 teve lugar a conferência de Bandung (Indonésia), onde com a presença de 29 países se elaborou a “carta de Bandung” que com dez pontos reivindicava a autodeterminação dos povos e criticava o racismo e colonialismo. Em 1960, a Somália com mais 16 países Africanos libertam-se do poder colonial e obtêm a independência. A Somália pós-colonial desenvolvida à cópia do colonialismo britânico e italiano mostrou desde logo grandes fragilidades, tais como:

 Factores herdados do poder colonial;  Número insuficiente de quadros qualificados para ocupar lugares sociais;  e a própria situação neo-colonial imposta pelas metrópoles. O neo-colonialismo caracterizado pela relação de dependência e pela manutenção da exploração “camuflada”, dificultou a consolidação da auto-dependência tão importante para essa região. Por outro lado, e após tantos anos de colonização os líderes tribais, observaram na colonização um momento único para acederem a lugares de relevo na comunidade e assim obterem lucros pessoais significativos. É esta luta desenfreada pelo poder, que originou e origina as lutas pelo controlo territorial. Após 9 anos de uma democracia multipartidária exemplo na região Africana (19601969), os líderes militares constituindo o Supremme Revolutionary Council (SRC) e chefiados pelo General Mohamed Siad Barre, por intermédio de um Golpe de Estado assassinam o Presidente da Somália Abdi Rashid Shermake e instalam uma ditadura militar. Esta ditadura, com apoio popular tem liberdade para actuar e agir, que a democracia multipartidária não tinha conseguido até então, promovendo iniciativas conducentes ao desenvolvimento Somali como seja a selecção de uma ortografia para a língua Somali, programas de alfabetização de adultos e a instalação de populações afectadas pela seca. c. O regime Militar de Siad Barre (1969-1991) Após o golpe militar de 21 de Outubro de 1969, Siad Barre fortemente influenciado pelas políticas socialistas da altura, instala em 1970 uma forma de socialismo científico3 com base no Alcorão e Marx, com ascendências fortes de nacionalismo somali, ilegalizando identidades tribais e clãnicas existentes. Em 1974 é mesmo assinado um acordo de cooperação entre a Somália e URSS, Fig 3 – Siad Barre

tornando-se a Somália no maior aliado Soviético no Continente Africano.

A criação de uma polícia política que oprimia, perseguia e eliminava os dissidentes ao estado, criou crispações internas e aglutinou ainda mais o espírito clãnista enraizado na história da Somália. Concomitantemente o sonho de uma “Grande Somália4”, levou Siad

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É uma doutrina social que foi formulada pelos alemães Karl Marx e Friedrich Engels que prega a socialização de todas as riquezas, o fim da religião e da propriedade privada. 4 Composto pelos actuais territórios da Somália, Djibuti, Ogaden e a Provincia do Nordeste, estes 2 últimos administrados actualmente pela Etiópia e Quénia, respectivamente. Ambas as regiões, reclamadas pelo regime de Barre tinham sido habitadas por Somalis.

Barre a alimentar guerras que consumiam elevados recursos tão importantes para a área social que assolava de uma forma devastadora e rotineira as populações Somalis. No período da Guerra Fria, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), viu na Somália um prestimoso aliado no controlo de um canal marítimo que controlava grande parte das travessias marítimas transatlânticas. É então, que à custa do apoio soviético é construído um poderoso Exército Somali, considerado à data, um dos melhores Exércitos de toda a África. d. Guerra de Ogaden (77-79) A guerra de Ogaden, corolário da ideologia da criação de uma Grande Somália (ver Fig4), do regime de Siad Barre, representou para além de mais um “jogo” da guerra fria o princípio do fim da aceitação do regime, e o surgimento sustentado de alguns grupos insurgentes.

Fig 4 – Objectivo da Grande Somália O Ogaden sendo uma região sob administração Etíope era maioritariamente habitado por Somalis, existindo na altura um grupo separatista pró-somalia designado Western Somali Liberation Front (WSLF). Aproveitando a instabilidade vivida na Etiópia em resultado do derrube do regime de Haile Selassie I, Siad Barre reuniu esforços para perseguir o sonho da grande Somália. Em 13 de Julho de 1977, o Exército Nacional Somália (SNA) com o WSLF avançam para a região de Ogaden. No final de Julho cerca de 60% do Ogaden estava já conquistado. A URSS, historicamente apoiando os dois países tentou mediar o conflito, sem grandes resultados. Em Setembro, e a Etiópia já com o apoio da URSS, Cuba, Coreia do Norte

Yemen e Alemanha de Leste, e após a queda da cidade de Jijiga admite que apenas controla 10% da região do Ogaden. Em Novembro de 1978 e após uma tentativa frustrada por parte do SNA/WSLF de conquistar mais uma importante cidade Etíope, Harae, é repelido e obrigado a recuar. Em Fevereiro 1978, e após um ataque em massa por parte das forças Etíopes e Aliados, o SNA perde cerca de 3000 Soldados e Siad Barre ordena às suas tropas para recolher à Somália. A guerra de Ogaden enfraqueceu não só o SNA mas também a própria sociedade Somali, já por si bastante fragilizada. Em 1979, e como sinal de descontentamento das políticas do regime de Barre, um grupo de jovens oficiais do SNA criam o Somali Salvation Democratic Front (SSDF)5, combatendo o regime com base no Nordeste do País. Concomitantemente, outros grupos insurgentes ao regime se erigiram, que embora com propósitos diferentes, tinham um deles em comum, derrubar o regime de Siad Barre. Em 1981 é fundado o Movimento Nacional Somali (SNM), que viria a auto proclamar a independência para a região da Somalilândia, em 1991, com a queda do regime de Barre. e. Pós regime e fracasso do Estado da Somália Após a destituição do regime de Barre (refugiado na Nigéria), a Somália viveu numa autêntica anarquia, onde a inexistência de um governo de unidade nacional dificultou o estabelecimento de um estado de direito, incentivando guerrilhas internas que naturalmente agravaram as condições humanitárias da região. A luta interna e desenfreada pelo poder de diversas entidades origina crises humanitárias sem precedentes6, que apesar de todas as intervenções internacionais (Etiópia, Estados Unidos, Nações Unidas, União Africana e União Europeia) a situação da Somália mantém-se difícil de solucionar. Emergiu então a auto-determinação de estados, que mantendo uma identidade clãnica e um espaço de terra pretendiam constituir-se como regiões independentes.

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Actuou de 1981 a 1998 na região agora denominada de Puntland. No decorrer da década de 90 estima-se que 400 mil pessoas tenham se tornado deslocados, e que estes números só em 2007 tenham aumentado mais 450 mil. 6

Fig 5 – Regiões que auto-proclamam a independência 2. O Sistema Clãnico Os clãs7 têm e tiveram um papel de especial relevo na formação da Somália, pois intervêm socialmente a todos os níveis condicionando não só o processo de tomada de decisão político, mas também o económico-financeiro. A política de separação de clãs instrumentalizada durante o regime de Barre (“Dividir para reinar”), foi naturalmente um catalisador para a tentativa de acesso ao poder dos vários clãs instrumentalizada após a sua destituição. É aqui então, que devido à existência de 5 clãs principais na Somália (Darod, Dir, Issaq, Hawiye e Rahanweyin), com diferentes divisões culturais, existe terreno fértil para a luta pelo poder, e se inicia uma guerra pelo domínio territorial e político entre facções rivais minando um eventual renascimento de um governo democraticamente aceite. Os clãs caracterizados pela existência de uma lei interna, com um líder máximo (normalmente o mais velho do clã), e onde os seus membros se identificam primariamente com o clã, de que, com outra qualquer afiliação político-partidária. Normalmente não possuem uma estrutura fixa, e sub-clãs de um mesmo clã não significa necessariamente que sejam aliados. a. Darood Provavelmente o maior clã da Somália, contando com 20% a 35% da população e também o mais disperso em termos geográficos. Clã dividido em 6 sub-clãs: Harti, Dhulbahante, Marehan, Majertee, Ogadeni and Warsangali; 7

Para a antropologia social britânica o clã é um grupo de filiação corporativos que organiza a vida política à margem do Estado, um conjunto de direitos e de obrigações morais aos quais não é possível subtrairmo-nos (Fortes, 1969: 242)

Clã de origem do Gen Siad Barre e do primeiro presidente da Somália, Abdullahi Yusuf8. b. Dir Este clã maioritariamente instalado na região da Somalilândia representa 7% da população e está dividido em 3 sub-clãs: Gadabursi, Idagale and Issa; c. Issaq Encontrado fundamentalmente na zona oriental da Etiópia e Noroeste da Somalilândia, região que domina, representa 22% da população e está dividido em 4 sub-clãs: Eidegalla, Habr Awal, Habr Toljaala and Habr Yunis; d. Hawiye Este clã que representa actualmente 23% da população Somali e dominando maioritariamente a região de Mogadíscio. Encontra-se dividido em 6 sub-clãs: Abgal (o maior dos sub-clãs e que controla a zona Norte de Mogadíscio desde 1994), Ajuran Degodia, Habr Gadir (instalado na zona Sul de Mogadíscio), Hawadie e Murusade. Dois dos actuais líderes das principais organizações em confronto na Somália são de dois subclãs deste clã: o actual Presidente da Somália (Sheik Sharif Sheik Ahmed) pertence ao sub-clã Abgal e o líder do Al-Shabbab pertence ao sub-clã HabrGadir. Este clã, foi também um alvo do regime de Siad Barre tendo mais tarde criado um movimento político denominado United Somali Congress9 (USC); e. Rahanweyin Representa 17% da população e encontra-se estabelecido maioritariamente na zona Sul da Somália. Representa o clã de origem de um dos grupos pró-governamentais o Rahanweyin Resistance Army. Os principais clãs existentes procuram então através do apoio popular a ascensão ao poder, por intermédio de campanhas populares e ataques cirúrgicos a locais governamentais, o que naturalmente leva à criação de diversos grupos insurgentes organizados em duas vertentes fundamentais: a militar e a política. É então, que ainda antes do regime de Barre ser derrubado, se inicia uma organização insurgente assente na organização dos clãs que possuíam um objectivo claro e comum – o derrube de Siad Barre. Esta forma insurgente

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Antigo senhor da guerra e Presidente da Puntlândia (1998-2004) foi eleito em 2004 como Presidente da Somália. 9 Uma das principais organizações políticas e paramilitares da Somália. Formado em 1989 e impulsionado em 1991 após a libertação do General Mohamed Farrah Aidid (Formado pela Eritreia, serviu no governo de Siad Barre até se tornar chefe do serviço de informações. Em 1985 é mandado prender pelo próprio Siad Barre). Manteve até ao nascimento da União das Cortes Islâmicas um controlo dividido de Mogadiscio (Norte – USC/SNA (Somali National Alliance) comandado por Ali Mahdi e Sul – USC/SSA (Somali Salvation Alliance) comandado pelo General Aidid), após a nomeação de Ali Mahdi como Presidente da Somália.

combinando uma aproximação Identity-focused10 e military focused11, permitiu atingir um objectivo – o derrube do regime – mas não acautelou uma das dinâmicas importantes da insurgência, que é a liderança.

Fig 6 – Principais Clãs da Somália 3. Grupos Pró Governamentais a.

Transitional National Government (TNG) Formado em 2000 com 225 membros oriundos maioritariamente dos clãs Dir, Hawiye, Darood and Rahanweyn em resultado da conferência de Djibouti em 2000. Foi apoiado pela ONU e por alguns dos estados Árabes e teve como primeiro Presidente Abdiqasim Salam Hassan (clã Hawiye/Habr Gedir).

b.

Transitional Federal Government (TFG) Em Novembro de 2004 é criado o TFG tendo como líder o antigo Presidente da Puntlândia – Abdullahi Yusuf (clã Darood/Majeerteen), que apesar de ter o reconhecimento

internacional

do

seu

governo

perdeu

paulatinamente

reconhecimento interno, à excepção da sua região de origem, a Puntlândia. c.

Ahlu Sunna wa’l-jama’a Grupo fundado em 1991, numa resposta a um pedido de cooperação efectuado pelo General Aidid. Grupo que se auto-define como “força conservadora” é o chapéu político da defesa do Islão tradicional. Apesar de inicialmente ter apoiado a

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Abordagem insurgente que mobiliza o apoio baseado nas religiões, clãs, tribos ou grupos étnicos. Pode ser combinada com a abordagem militar (FM 3-24/MCWP 3-33.5 de 15Dec06, CapI – Insurgent Approaches) ). No caso da Somália, alguns dos grupos insurgentes tinham a ala militar e a ala política. 11 Abordagem insurgente que se apoia primordialmente na capacidade militar.

insurgência, resolve pegar nas armas após o grupo terrorista Al Shabaab ter destruído importantes símbolos de culto, bem como elementos religiosos com ligações ao grupo. Em 2009, declaram uma “jihad” contra os “Islamistas estrangeiros”, i.e., o grupo Al Shabaab. Ainda em 2009, este grupo incorpora o recém-formado e internacionalmente reconhecido TFG. d.

Rahanweyn Resistance Army (RRA) Grupo constituído à base de clãs e formado em resposta á ocupação de Mogadíscio por parte das forças do General Aidid, em 1995. Em 1996, as forças Etíopes iniciam a formação militar dos constituintes deste grupo.

4. Grupos Insurgentes12 A história da insurgência na Somália começa ainda durante o regime de Siad Barre, e desenvolve-se em virtude da política de opressão erigida pelo regime contra a maioria dos clãs existentes. Emergem então e a partir de 1981 diversos grupos insurgentes13, que condicionaram sobremaneira a afirmação da Somália com um estado-nação. a.

Somali National Movement (SNM) O SNM, grande responsável pela insurgência entre 1982-1988 foi criado em 1981 no seio do clã Isaaq, que predominava maioritariamente na região do Norte da Somália. Este grupo, um dos mais poderosos a actuar na Somália possuía uma ala política e uma ala militar, sendo que esta última era apoiada pela Etiópia onde existiam diversos santuários. Em Abr88, após um acordo diplomático entre a Somália e a Etiópia, o apoio desta última ao SNM diminui, tendo então que sobreviver sozinho. O SNM, sendo dos mais poderosos encorajou a criação de outros grupos insurgentes cedendo-lhes apoio político e militar (USC e SPM). Em Maio de 1991 e após a queda do regime de Barre, o SNM declarou unilateralmente a independência da Somália do Norte, designando-a de Somalilândia, no entanto não foi reconhecida internacionalmente por qualquer outro estado.

b.

Somali Patriotic Movement (SPM) Movimento criado em Março de 1989, baseado no clã Darood com o objectivo último de derrubar o regime de Siad Barre. Iniciado por um grupo de oficiais descontentes com as políticas do regime e apoiantes da ideia da criação de um estado a Sul do rio

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Uma organização insurgente normalmente consiste em 5 elementos fundamentais: Líderes do movimento (orientação estratégica do movimento), Combatentes (incluindo milícias), quadro político, auxiliares (apoio de serviços à insurgência) e Mass base (corpo da insurgência). FM 3-24 pág 1-11. 13 Por uma questão de síntese abordaremos apenas os mais importantes;

Juba, denominado Jubalândia14. Após a queda do regime, e o consequente anúncio da criação de um governo interino, acrescentando o facto do SPM não ter sido consultado para colaborar nesse governo, iniciou-se uma crise. Alguns elementos do SPM revoltados apoiaram Barre para tentar reaver o poder, tendo esta situação levado á divisão do movimento em SPM Ogadeni15 e SPM Harti. c.

Somali Salvation Democratic Front Movimento criado em 1978 com origem no clã Majerteen-Darood com o intuito de derrubar o regime de Barre. É hoje a organização política por detrás da autoproclamada independente região de Puntlândia. Em 1982 e conjuntamente com a Etiópia, participou numa ofensiva contra a Somália, contudo a afirmação Etíope de que a Somália era parte da Etiópia provocou nova fricção no grupo.

d.

Congresso Somali Unido (CSU) Uma das principais organizações políticas e paramilitares da Somália. Fundada em 1989 e baseado no clã Hawiye (centro e Sul da Somália). Em Jan 1991 após a nomeação de Ali Mahdi Mohamed (clã Abgaal) com Presidente da Somália o movimento divide-se em dois: USC/SNA16 e USC/SSA17.

e.

Somali National Alliance Fundado em 1992 em resultado de uma aliança entre o SNM e uma das facções do CSU e o SPM.

f.

União das Cortes Islâmicas (UCI) Movimento criado em 2000 com o objectivo de coordenar as operações das milícias contra os criminosos. Apesar da maioria dos Somalis não apregoar as crenças religiosas deste movimento (assente na Sharia e no Islamismo) eram uma garantia de segurança, pelo que eram apoiados. Em 2004, o Conselho Supremo das Cortes Islâmicas, mais tarde conhecido com UCI foi fundado como o “chapéu” político para aplicação da lei islâmica. Como Chairman deste grupo foi nomeado o actual Presidente da Somália, Sheikh Sharif Sheikh Ahmed. Apesar de apenas uma minoria das cortes que compunham o movimento serem radicais, a nomeação de um jovem Aadan Hashi Ayro como líder da milícia Ifkahalane,

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Seguindo o auto-proclamado estado independente da Puntlândia, em Julho de 1998 vários líderes regionais começaram a preparar a independência. Jubalândia foi auto-proclamada pelo Gen Morgan (Mohamed Said Hersi) em 03Set2008. 15 Grupo que em 1992 se viria a juntar ao General Aidid para formar o Somali National Alliance (SNA); 16 Sob controlo do filho do Gen Aidid (Hussein Mohamed Farrah Aidid) e formado e equipado pela Eritreia ficando com o controlo da região Norte de Mogadíscio; 17 Sob controlo do Presidente Ali Mahdi controlava a região Sul de Mogadíscio.

criou terreno fértil para a criação daquilo que se viria a tornar no grupo insurgente, hoje terroritsa, Al Shabaab. g.

Alliance for the Re-Liberation of Somalia Criado em 2007 em Asmara, na Eritreia para coordenar uma resistência política e militar contra a ocupação da Etiópia e apoiado pelos EUA. Em 2008, e mais uma vez no Djibouti teve lugar uma conferência apoiada internacionalmente, entre o TFG e o ARS. Esta conferência levou à divisão do grupo em 2 facções: ARS Djibouti e ARS Asmara. O primeiro liderado pelo actual Presidente da Somália e o segundo liderado por Shaykh Hassan Aweys que rejeitou os acordos que resultaram da conferência.

5. O Colapso Estatal e a intervenção internacional O USC numa coligação apoiada popularmente com o SNM e SPM executou um golpe de estado que depõe Siad Barre. É neste acontecimento histórico que se inicia uma escalada de violência de mais de 19 anos e se inicia a auto-proclamação da independência de diversos estados Somalis (em 1991 o SNM auto-proclama independente a região da Somalilândia e o SSDF a região central da Somália Puntlândia). Após a queda de Barre, o USC aponta Ali Mahdi Mohamed com Presidente o que cria uma fissão determinante para aquilo que viria a ser a história mais recente da Somália. Assim, e decorrente desta nomeação duas facções do USC se constituem e viriam a ser responsáveis pela “batalha campal” nas ruas de Mogadíscio – USC/SNA e USC/SSA. Neste ambiente de anarquia, outros grupos e organizações viram nesta guerra civil uma janela de oportunidade para chegar ao poder. Assim foi, e algumas organizações radicais Islamistas, que até então se encontravam dissimuladas, como a Al Itihad Al Islam (AIAI) entram na guerra civil conquistando uma das cidades portuárias com interesse estratégico, Kismayo. Contudo o USC sentindo-se ameaçado por esta conquista por parte do AIAI decide reconquistar Kismayo, o que consegue, perdendo no entanto um dos líderes militares da sua organização para o AIAI, Coronel Hassan Dahir Aweys. Aweys tornou-se líder do AIAI e desencadeou diversas tentativas de conquistar variadas regiões Somalis, como a Somalilândia e Puntlândia que se revelaram infrutíferas levando-o a refugiar-se na região a Sul do rio Juba. Em 1992, e após um acordo de cessar-fogo (mediado pelas NU em Fevereiro 1992) entre as facções beligerantes em Mogadíscio, foi estabelecida em Abril de 1992 uma missão das NU denominada UNOSOMI18, no sentido de “monitorizar os acordos de cessar-fogo em Mogadíscio e escoltar apoio humanitário para o centro da cidade”. Esta missão contudo 18

United Nations Operation in Somalia I (Abril 1992 a Março de 1993). Contou com a participação de 54 observadores militares, 893 homens apoiados por elementos civis internacionais;

veio-se a revelar infrutífera para parar não só a violência mas também fazer chegar o tão aguardado apoio humanitário às populações sedentas. Entre Outubro e Novembro do mesmo ano, os combates intensificaram-se e ramificaram-se mesmo contra as forças das NU. Aeroportos sob fogo, navios impedidos de atracar nos Portos, colunas internacionais atacadas foram o preâmbulo para a necessidade evidente de reforçar o mandato da força destacada na Somália. Então em finais de Novembro, o então Secretário-geral das NU – Butros Butros Gali envia uma carta ao Conselho de Segurança (CS), onde entre várias opções, uma seria a de executar uma demonstração de força na Capital da Somália na tentativa de demover os contínuos ataques às forças internacionais. No dia 03 de Dezembro 1992 o CS adopta por unanimidade a resolução 794 onde autoriza o uso “ de todos os meios necessários para estabelecer, tão cedo quanto possível, um ambiente seguro para as operações humanitárias em curso na Somália”. Actuando no âmbito do capitulo VII da carta das NU chegam no dia 09 de Dezembro os primeiros militares da UNITAF19. Posteriormente, o mandato da AMISOM foi alterado dando mais capacidades humanas e materiais e a AMISOM II assume a missão de estabilização do território Somali após a saída da UNITAF. Já em 16 de Setembro de 2010 as NU através da resolução 1910 de 2010 autoriza a manutenção da missão em território Somali até Janeiro de 2011. 6. O renascimento do Islamismo e da UCI Paralelamente à tentativa de desenvolvimento do AIAI, em 1994 diversas cortes islâmicas instalam-se em Mogadíscio, que em troca da segurança fornecida às populações exigiam o respeito pela Shária. No entanto, estas cortes apenas emergem activamente após a morte do Gen Aidid em 1996. Uma politica concertada de não ingerência clãnica, conjunturada com a capacidade de providenciar segurança às populações e uma aplicação conservadora da Shária permitem o desenvolvimento sustentado deste movimento que apoiado pela população, que se sentia mais segura, implementa uma união de tribunais que tinham de respeitar os desejos dos respectivos clãs e cuidadosamente não interferirem na vivência interna dos clãs. Apesar deste aparente conservadorismo, algumas cortes guiadas pela militância islamista instalam-se a SUL de Mogadíscio sob a liderança de Sheikh Hassan Dahir Aweys, ex líder da facção militar da AIAI.

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Força sob comando dos EUA, que contou com a participação dos seguintes países: Alemanha, Arábia Saudita, Austrália, Bélgica, Botswana, Canadá, Egipto, Emirados Árabes Unidos, França, Grécia, Índia, Itália, Koweit, Marrocos, Nigéria, Noruega, Nova Zelãndia, Paquistão, Reino Unido, Suécia, Tunísia, Turquia e Zimbabwe. A força operou no território entre Dezembro 1992 e Maio de 1993 e contou com a participação de cerca de 37000 militares.

Já em 2000, é então criada a UCI e têm lugar nesse mesmo ano uma iniciativa de paz patrocinada pelo governo do Djibouti que conta com a participação de cerca de 2000 elementos, de toda a sociedade (contrariamente às outras 4 conferências para a paz que a antecederam) como líderes civis, intelectuais, representantes de clãs e religiões, membros da área económica e diáspora. A conferência termina com a declaração de Arta e a formação do Transitional National Government (TNG), o primeiro governo Somali desde 1991. Decorre desta conferência a emergência de um movimento designado Somalia Reconciliation and Restoration Council (SRRC) sob a liderança de Hussein Farrah Aidid (filho do general Aidid), que constituído à base de senhores da guerra não apoiava os acordos estabelecidos. Continuou então a guerra civil, desta feita entre forças leais ao TNG e forças leais ao SRRC. A primeira vitória das forças de Hussein Aidid foi a conquista do porto de Mogadíscio e a expansão para Sul do rio Juba, apoiados pela Etiópia. Após os atentados de 11 de Setembro a Somália pela instável conjuntura, voltou a ter uma importância estratégica para os EUA, que viam esta região do corno de África, como um palco propicio para a dissimulação de grupos terroristas. O TNG começa a perder popularidade, assistindo no sentido inverso a UCI a crescer em popularidade. Em 2004 é criado o Conselho Superior das Cortes Islãmicas, que mais tarde seria conhecido com UCI, sob a liderança de Sheik Sharif Sheik Ahmed, que se tornarariam na organização militar e politica com mais poder na Somália. Em Setembro de 2003 e com o pendão do IGAD (Inter-Governmental Authority on Development) decorreu mais uma tentativa de reconciliação entre o TNG e SSRC, apoiado pelas NU, União Africana (UA) e Liga Árabe. Nasce então o TFG (Transitional Federal Government). Já em 2004 é eleito o Presidente do TFG – Abdullahi Yusuf, antigo Presidente da Somália e conhecido pelas práticas anti-islamistas. Yusuf, na primeira dissertação em público apela à projecção internacional de forças para a pacificação da Somália. Em 2006, os EUA como parte da sua estratégia de combate ao terrorismo transnacional, e tendo em vista a eliminação de “santuários” da Al Qaeda, “patrocina” uma organização baseada em senhores da guerra designada Alliance of Restoration of Peace and Counterterrorism (ARPCT). Iniciou-se uma fase de combates intensos entre a ARPCT e a UCI, que culminou na morte de milhares de pessoas e na vitória em Junho da UCI. A capacidade da UCI depressa se espalhou por toda a diáspora permitindo a exposição pública dos seus líderes. A Etiópia (maioria cristã) observando o desenvolvimento de um estado islâmico, foi em apoio ao TFG, desenvolvendo-se uma guerra TFG/Etiópia contra a UCI. Inicialmente negando essa incursão por território Somali, a UCI lança um ultimato à Etiópia para que

retire imediatamente as tropas da Somália. Seguem-se diversos confrontos que resultam na tomada das principais cidades por parte das forças leais ao TFG. Esta invasão devolve o poder ao TFG, mas emerge, especialmente no Sul da Somália, uma insurgência Islamista, que leva a que as NU através da resolução 1744 de Fevereiro de 2007, autorizem uma missão militar (peacekeeping) para a Somália para proteger o TFG. Em Agosto de 2007 é projectada uma força militar designada AMISOM que passam a ser vistos como invasores e a ser o principal alvo da insurgência islamista. 7. Insurgência contra o TFG Durante o ano de 2007 os combates entre o TFG e a insurgência Islâmica resultaram no deslocamento de mais de 700.000 pessoas de Mogadíscio. A insurgência abandona o último bastião na Somália (o Porto de Kismayo) e o Presidente Yusuf regressa pela primeira vez à Somália depois de 2004. Em Setembro de 2007, diversos grupos da oposição ao TFG formam a Alliance for the ReLiberation of Somalia (ARS) em Asmara, na Eritreia. Este grupo composto por diversos membros da UCI e de outras facções opostas ao TFG sob a liderança de Sheikh Sharif, que consegue entrar em diálogo com o então primeiro ministro do TFG – Nuur Hussein. Entretanto as forças da AMISOM, conjuntamente com as forças da Etiópia e das forças leais ao TFG continuavam os combates especialmente na Capital Mogadíscio. O diálogo entre ARS e TFG mediado pelas NU culmina num acordo de cessar-fogo em Junho de 2008 por 120 dias, que previa por outro lado a retirada das tropas Etíopes da Somália. Surge destes acordos a divisão do ARS em duas facções: Asmara (liderada pelo radical Hassan Dahir Aweys e que pretendia a retirada de todas as tropas internacionais da Somália) e Djibouti (conservador e liderado por Sheikh Sharif). O acordo importou consigo não só a criação do Parlamento Nacional Federal, mas também a radicalização da facção de Asmara e a destituição do Presidente Yusuf, que renuncia ao cargo em Dezembro 2008. Em Janeiro de 2009 e após a retirada completa das forças Etíopes o Parlamento Somali elege Sheikh Sharif como Presidente da Somália, e o grupo terrorista Al-Shabaab que assume a sua ligação à Al Qaeda arroga para si todos os locais que previamente estavam sob controlo Etíope. Inicia-se então uma escalada de violência assente na insurgência ao recém-formado TFG, e ao renascimento de diversos movimentos islamistas como o Hizbul Islam que assumem o controlo da região Sul da Somália. Al Shabaab, que até Julho de 2010 mantinha a sua área de operações circunscrita à região Somali, executa a primeira acção transnacional no país que com mais tropas contribui para a AMISOM, o Uganda.

8. Conclusões O colapso estatal da Somália configura naturalmente a conjugação de diversos factores externos e internos que interligados não permitiram a pacificação desta região. A guerra civil, originada pelas políticas de opressão praticadas pelo regime militar de Siad Barre, conjugada com a necessidade histórica deste último de constituir uma grande Somália, sem dispor dos recursos necessários para alimentar uma guerra multi-direccional (Etiópia, Ogaden e interna), bem como a própria queda da URSS em 1991 criaram os factores externos que contribuíram para o insucesso da Somália. Por outro lado, e internamente a existência de diversos clãs, sem uma hierarquia respeitada, que lutavam desenfreadamente pela posse de territórios estratégicos e a contenda permanente pelo poder dos denominados senhores da guerra criam um caótico estado social e uma crise humanitária sem precedentes. Por outro lado, e em reflexo da luta bidireccional Ocidente – Islão a Somália revelou-se terreno fértil para o desenvolvimento de actividades terroristas não só pela ineficácia numa primeira análise das próprias organizações internas, mas também da própria comunidade internacional que nunca assumiu uma política efectiva de solução do problema. O problema não é a guerra, mas sim as pessoas que com ela sofrem, e a Somália tem sido palco ao longo dos últimos 19 anos de uma guerra desenfreada pelo poder que mutila um povo do quinto artigo da carta dos direitos humanos – “Ninguém será torturado ou maltratado com crueldade”.

Bibliografia: Sítio das Nações Unidas. Sítio da Missão da AU, AMISOM. Diversos artigos nomeadamente: 

A fragilidade do Estado Somali e o aumento da instabilidade no País, Cândida Mares, Junho 2006;



Nova crise na Somália, Diego Paes, Novembro de 2007;



Counter-terrorism in Somalia: How external interference helped to produce militant Islamis, Markus Hoehne;



Colapso Estatal em África – O caso da Somália, António Balhanas;



África Contemporânea, os novos desafios da segurança, desenvolvimento e autonomia (1960-2005), André Luiz Reis da Silva;

McGREGOR, Andrew. Who´s who in the Somali Insurgency. A reference Guide. The JamestowFoundation. September 2009; COUNTRY OF ORIGIN INFORMATION REPORT SOMALIA, UK Border Agency, 19 de Maio de 2010;

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