Sombra e Trauma na cidade - Coque Vive Notícias

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO DEPTO. DE COMUNICAÇÃO SOCIAL / JORNALISMO

Maria Carolina Morais

SOMBRA E TRAUMA NA CIDADE - UM OLHAR SOBRE O LIVRO “COQUE VIVE: NOTÍCIAS”

RECIFE 2009

MARIA CAROLINA FERNANDES MORAIS

SOMBRA E TRAUMA NA CIDADE - UM OLHAR SOBRE O LIVRO “COQUE VIVE: NOTÍCIAS”

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Coordenação do Curso de Bacharelado em Comunicação Social / Habilitação em Jornalismo, da Universidade Federal de Pernambuco, como parte dos requisitos para obtenção do grau de Bacharel em Jornalismo. Orientadora: Profa. Dra. Wilma Peregrino de Morais

RECIFE 2009

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MARIA CAROLINA FERNANDES MORAIS

SOMBRA E TRAUMA NA CIDADE - UM OLHAR SOBRE O LIVRO “COQUE VIVE: NOTÍCIAS”

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Coordenação do Curso de Bacharelado em Comunicação Social / Habilitação em Jornalismo, da Universidade Federal de Pernambuco, como parte dos requisitos para obtenção do grau de Bacharel em Jornalismo.

Data de aprovação: ____/ _____ / ____ Nota: ________________________________

BANCA EXAMINADORA:

_______________________________________ Profa. Dra. Wilma Peregrino de Morais (orientadora) Departamento de Comunicação Social/ Jornalismo – UFPE ________________________________________ Profa. Dra. Yvana Carla Fechine de Brito Departamento de Comunicação Social/ Jornalismo – UFPE ________________________________________ Prof. Dr. Alexandre Simão Freitas Departamento de Administração Escolar e Planejamento Educacional - UFPE

RECIFE 2009

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Dedico este trabalho a João e Wilma, pela orientação e pelo carinho.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a: Patrícia Bandeira de Melo João Vale Wilma Morais Marcelo Pelizzoli Yvana Fechine Alexandre Freitas Edith Fernandes Nunes Luiz Augusto Morais Maria Izabel Morais Maria Fernanda Morais Mariza Fernandes Nunes Letizia Fernandes Nunes Lívia Grecca Rafael Filipe Taciana Cabral Cláudia Abreu Courtney Campbell Pedro Neves Otávio Wolmer Anderson Lucena Emanuel Belmiro Hermes Azevedo Rafael Montenegro Phillippe Passos Luís Henrique Leal Jarmeson de Lima Paulo Rebêlo Taciana Mendonça Valéria Araújo Clarissa Falbo Rafael Castro Lia Beltrão Cecília Lemos Coelho Carlos Trevi Sarah Walker Amber Santos

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RESUMO No Brasil, o tema da violência está diariamente presente nas pautas dos grandes meios de comunicação de massa, causando certamente algum tipo de impacto na sociedade e na forma como os indivíduos vêem a problemática da criminalidade no país. Através de um objeto de estudo, o livro “Coque Vive: Notícias”, publicação que reúne mais de mil notícias veiculadas pelo jornal impresso Diário de Pernambuco sobre a comunidade popular do Coque (Recife - Pernambuco) nos últimos trinta anos; o presente trabalho se propõe a analisar a forma como esse meio de comunicação de massa, predominantemente dirigido às classes média e alta, fez referências a essa comunidade de periferia e quais são as possíveis conseqüências sociais que podem ser causadas pelas referências relacionadas à criminalidade. Verificou-se que a forma como o fator violência foi abordado pelo jornal em relação ao Coque pode impedir uma relação mais humana entre essa comunidade e o resto da cidade e colaborar para a sedimentação da exclusão e da desvalorização de seus moradores enquanto cidadãos. Conclui-se que o modelo de comunicação atual precisa ser sensibilizado acerca de suas responsabilidades enquanto emissores de mensagens que alcançam os sistemas cognitivos e afetivos de seu público. Além disso, este trabalho também aponta para a necessidade de que o modelo de educação brasileiro comece a introduzir nas escolas metodologias que reconheçam a importância da mídia na vida dos estudantes, levandoos a refletir criticamente acerca dos valores que vêem refletidos nos meios de comunicação. Palavras-chave: meios de comunicação de massa, pânico, sombra, valores-notícia, trauma cultural.

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ABSTRACT In Brazil, violence is a theme that is always present in the mass media, certainly causing some sort of impact on the way the individuals see the rough spot of the criminality in the country. Through a study object, the book “Coque Vive: Notícias”, which gathers more than one thousand news published by the newspaper Diário de Pernambuco about the Coque popular community (Recife – Pernambuco) in the last thirty years; the current study intends to analyze the way this particular media, that is predominantly used by the upper middle class, refers to this community and what are the possible social consequences that can occur due to the abundance of references relating Coque to criminality. It was verified that the way violence was related to the Coque community by the newspaper hinders a more human relationship between this social group and the rest of the city, contributing as well for the sedimentation of a excluding society that undervalues the dwellers of underprivileged places as citizens. It was concluded that the current communication model needs to be sensitized on its responsibilities as broadcasters of messages that reach the cognitive and sensory systems of its audience. Furthermore, this work also points to the need that the education model in Brazil becomes more sensitive to the importance of the media in the lives of the students, introducing methodologies in the schools that will lead them to think critically on the values that have been reflected by the mass media. Keywords: media, panic, shadow, news-values, cultural trauma.

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SUMÁRIO

01. Introdução.............................................................................................................9 02. Metodologia .........................................................................................................12 03. Sociedade, mídia e violência................................................................................13 04. Comunidade do Coque e o Diário de Pernambuco..........................................24 4.1 O Coque.........................................................................................................24 4.2 O DP...............................................................................................................26 05. Valores-notícia de uma periferia.......................................................................27 5.1 Notícias do Coque: Classificações e análises..............................................35 06. Criminalidade na mídia: Representações Sociais e Agendamento..................49 07. Violência é apenas criminalidade? ...................................................................57 08. Pânico e Sombras ...............................................................................................61 09. Trauma Cultural..................................................................................................68 10. Conclusão .............................................................................................................76 11. Anexos...................................................................................................................83 11.1 Sessão Esportes..........................................................................................83 11.2 Sessão Luta pela terra...............................................................................86 11.3 Sessão Notícias positivas ...........................................................................90 11.4 Sessão Opinião ...........................................................................................94 11.5 Sessão Pobreza como estigma....................................................................97 11.6 Sessão Violência........................................................................................101 11.7 Sessão Galeguinho do Coque: a história e a memória do Coque.........105 11.8 Notícias para análise do capítulo 06........................................................109 11.9 Material para análise dos capítulos “Violência é apenas criminalidade?” e “Pânico e Sombras”.................................................................................................113 12. Referências Bibliográficas....................................................................................125

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1. Introdução Criado em 2006, o Coque Vive é um projeto apoiado pelos ministérios da Educação e Cultura através da Pró-reitoria de Extensão da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) que busca trabalhar junto à comunidade do Coque o fortalecimento de sua identidade social, cultural e política em detrimento ao forte estigma de violência que recai sobre a mesma através da mídia. O projeto atua principalmente com os jovens do bairro oferecendo cursos de formação crítica e oficinas de capacitação visando a criar uma maior lucidez acerca das mídias e dos preconceitos arraigados às suas notícias. Seu objetivo principal é formar e estimular, crítica e tecnicamente, estratégias de comunicação alternativas que sejam produzidas pelos próprios jovens da comunidade através de jornais comunitários, fanzines, fotos, blogs, entre outros. Além disso, o projeto tem outras articulações dentro do Coque que também buscam fortalecer a identidade da comunidade para além de seu estigma de marginalidade, violência e pobreza. A partir desse trabalho conjunto, foram erguidas a Biblioteca Popular do Coque e a Estação Digital de Difusão de Conteúdo, uma plataforma de tecnologia para produção de textos, fotos, vídeos, blogs e podcasts dentro da comunidade. 1 Assim, ao mesmo tempo que possui uma formação apoiada na discussão/reoperação das práticas e produtos midiáticos, o Coque Vive também tem atuado como uma estratégia de comunicação para o bairro, baseando-se na produção de conteúdos e realizando ações que buscam dar uma visibilidade mais positiva e humana ao Coque1. Um dos últimos passos dados pelo projeto foi a realização da pesquisa intitulada “Coque Vive: uma investigação sobre o repertório Sócio-histórico de uma comunidade da periferia do Recife (PE/Brasil)”. Feita em 2008 através de um edital de concessão de bolsas da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO), essa pesquisa teve como metas (...) investigar e sistematizar memórias, imagens e auto-imagens sobre o Coque, e como objetivos específicos a) conhecer a história do Coque a partir das memórias de seus moradores; b) investigar as imagens sociais veiculadas sobre o bairro pelos meios de comunicação; c) conhecer, através de textos verbais e não-verbais, imagens que jovens do Coque têm sobre a comunidade. (SILVA et al., 2008: 4) 1

(O Projeto – Comunicação, Educação e Cultura. Disponível em: http://www.coquevive.org/base.php?p=coquevive&s=oprojeto.

Acesso em 18 de Maio de 2009)

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O projeto surgiu a partir da inquietação do Coque Vive com a situação da juventude da comunidade. Imersa nesse contexto em que o crime organizado se alia à degradação social, a comunidade perde a memória de suas construções positivas, “esquece” sua mobilização anterior pela permanência na área e o próprio trabalho desenvolvido por atores sociais locais em outros momentos históricos nos quais o Coque foi referência de resistência e não de violência urbana. (SILVA et al., 2008: 4)

A pesquisa foi dividida entre os eixos Memória, Imagens e Auto-Imagens; trabalhos distintos que resultaram em três produções: o livro de auto-imagens do Coque intitulado “Exercícios do Olhar”, o vídeo documental “A Linha, a Maré e a Terra: Memórias do Coque” e o livro de clipagens “Coque Vive: Notícias”. Para a produção desta monografia, selecionamos o livro “Coque Vive: Notícias” como objeto de estudo principal de nossa pesquisa. O livro é o resultado da clipagem de cerca de 1.400 notícias veiculadas no jornal impresso Diário de Pernambuco sobre a comunidade do Coque entre os anos de 1970 e 2007. Segundo os autores do projeto, outras mídias (rádio e TV) foram descartadas por implicarem em dificuldades na obtenção de arquivos de vídeo e áudio junto às emissoras, o que poderia inviabilizar uma produção de cronologia mais completa. Por oferecerem mais facilidade e autonomia aos pesquisadores, pois estão disponíveis em arquivos públicos e parcialmente em formato digital, as mídias impressas foram então as escolhidas para serem submetidas à analise. Devido à maior disponibilidade de arquivo digital online, o periódico Diário de Pernambuco foi escolhido para a pesquisa em detrimento a outros dois jornais impressos de grande circulação (Jornal do Commercio e Folha de Pernambuco), que, à época da pesquisa, não ofereciam um arquivo digital tão extenso quanto o do DP. (SILVA et al., 2008: 3:4). Finalizadas as clipagens, foram recolhidas pouco mais de 1400 notícias relacionadas ao Coque entre os anos de 1970 e 2007. Deste total, 146 delas foram elencadas por temas e transformadas no livro intitulado Coque Vive: Notícias. Trata-se de um apanhado dos temas mais recorrentes associados à comunidade, como a luta pela terra, a violência, suas relações com poder público, tráfico de drogas... Após a finalização de todos os projetos, o artigo Coque Vive: uma investigação sobre o repertório sócio-histórico de uma comunidade da periferia do Recife (PE) foi

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produzido para explicar como se deu o processo organização e a realização dos três eixos de atividades planejadas inicialmente. Neste material, explicou-se como foi feita a seleção e a organização das notícias presentes no livro de clipagens, fazendo também uma breve análise sobre o que elas representam. Advindo desse apanhado do Coque Vive: Notícias, 55 notícias foram selecionadas e impressas em uma cartilha destinada à educação para as mídias. A justificativa para a produção desta cartilha é a de analisar e discutir com a juventude participante do projeto Coque Vive as memórias, imagens e auto-imagens relacionadas ao Coque e aos seus moradores. Esta monografia surge com o intuito de dar uma contribuição ao material coletado e destinado ao livro e à cartilha. Acreditando que é através de uma educação humanizadora e crítica que uma sociedade pode ser mais lúcida e cooperativa, o presente estudo irá oferecer a este projeto de educação pontos de discussão acerca das notícias relacionadas à comunidade do Coque. Serão focados principalmente quesitos relacionados à violência, trazendo à luz contextualizações históricas acerca da relação entre a mídia e a criminalidade no Brasil e levantando hipóteses sobre as possíveis conseqüências do modelo de produção de notícias observado não apenas no Diário de Pernambuco, mas também na maioria dos meios de comunicação de massa brasileiros. Esta monografia também busca alertar para fatores que excedem a própria questão da mídia em si, tocando em pontos como o posicionamento ideológico atual da tecnoburocratização das relações humanas, que enfraquecem a coesão social e fragmentam o poder da coletividade. Buscamos levar a problemática da comunicação à problemática do afastamento da “humanidade” no modus operandi das sociedades contemporâneas, levando o debate para além do que é bom ou ruim na mídia. É um convite aos que desejam analisar a violência nas comunidades marginalizadas das grandes cidades a repensar o papel da mídia e da sociedade como um todo dentro do contexto em que vivemos hoje.

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2. Metodologia Temos consciência de que o tema violência e mídia poderia ser analisado sob vários pontos de vista, que por ventura poderiam chocar-se. Para manter a coerência do trabalho, os autores explorados durante esta monografia foram aqueles que mais correspondiam ao discurso que se almejava construir e que juntos poderiam colaborar de forma mais coesa e completa à construção deste estudo. A problemática da comunidade do Coque, como veremos adiante, se inicia a partir de um contexto mais amplo, envolvendo questões arraigadas à própria história do Brasil. Atendendo a uma necessidade primordial de explicar melhor o fenômeno da criminalidade de forma abrangente, assim como suas relações com a mídia, recorremos ao sociólogo Muniz Sodré, autor que contempla de forma bastante completa os problemas históricos e estruturais que estão ligados à questão da criminalidade, perpassando também a atuação dos meios de comunicação de massa nesse contexto. O objetivo em expor as análises feitas pelo estudioso é de trazer aos leitores uma breve contextualização histórica e política sobre a mídia e a violência para que se possa entender melhor a situação do Coque dentro dessa conjuntura. A partir deste mapeamento mais amplo, chegaremos à comunidade do Coque e ao Diário de Pernambuco. Após contextualizar o leitor acerca da comunidade e do jornal, serão introduzidas as noções de valores-notícia e de enquadramento/qualidade textual, feitos respectivamente por Nelson Traquina e Anabela Paiva/Sílvia Ramos. As notícias selecionadas para o livro (e que também estão parcialmente presentes na cartilha de educação para as mídias) do projeto Coque Vive foram analisadas e categorizadas primeiramente de acordo com seus valores-notícia e, posteriormente, pelo tipo de enquadramento e a qualidade textual apresentados. Entretanto, é importante ressaltar que, das 146 notícias selecionadas entre os anos de 1970 a 2007 para o Coque Vive: Notícias, 11 não foram utilizadas por se tratarem de cartas, elementos que não poderiam ser considerados sob a ótica das teorias do jornalismo por conta de sua linguagem e por envolverem outras questões às quais estudos sobre valores-notícia não chegam a atender. Após essa etapa, o estudo tentará conectar as conclusões tiradas acerca desta análise inicial com os conceitos de representações sociais, agenda-setting, sombra e trauma cultural. Trata-se de uma tentativa de contextualizar as notícias coletadas e

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analisadas a hipóteses já levantadas por estudiosos acerca das conseqüências da abordagem feita pela media de massa sobre a violência. Por fim, a conclusão deste trabalho tentará unir todas as teorias e hipóteses em um único ponto convergente, que toca principalmente na questão da comunicação como um problema humano.

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3. Sociedade, Mídia e Violência Este estudo parte da premissa de que não se deve esquecer que os meios de comunicação de massa não existem como entes que operam acima da sociedade – tratam-se de veículos de informação que estão inseridos em um contexto ideológico que alimenta a sua forma de atuação, assim como a própria sociedade está. Em seu livro “Mídia, violência e sociedade”, Muniz Sodré levanta alguns questionamentos contundentes acerca das causas da violência criminal no Brasil e a forma como ela se relaciona com a mídia hoje. Segundo o autor, o aumento da violência não só na América Latina, mas também no resto do mundo, e o primado avassalador dos meios de comunicação sobre as formas de acesso de jovens e adultos às regras de relacionamento intersubjetivo no espaço social, coloca continuamente a mídia – senão, o tipo de organização social afim à mídia- no centro das interrogações sobre o fenômeno da violência (SODRÉ, 2006:9).

O estudioso questiona a tese mais disseminada socialmente de que as más condições de vida, como o desemprego, o subemprego, a escassez habitacional e a deficiência alimentar (SODRÉ, 2006:15) atuam como molas de causa e efeito da criminalidade. Suponha-se então que sejam descartadas a crise econômica, o desemprego e a pobreza como fatores determinantes para de violência, sublinhando que num período de dura recessão, entre 1980 e 1982, a criminalidade violenta efetivamente diminuiu no Rio de Janeiro. Poderíamos também levar em consideração a evidência de que capitais mais pobres (Maceió, Teresina, João Pessoa, por exemplo) não se caracterizam por grande violência urbana (2006: 15)

Citando a hipótese criada pelo sociólogo Edmundo Campos Coelho, Sodré também apresenta a possibilidade de que o maior problema do crime é relacionado à falha atuação da Justiça. Tratam-se então de duas violências distintas: a violência que nasce a partir da ineficiência do Estado e a violência que parte da natureza humana e deve ser controlada pela Justiça. Sem ignorar ambas hipóteses, Sodré se propõe a investigar

o “estado de violência” como traço estrutural do modo de organização social implantado nos países terceiro-mundistas. Isto não implica sustentar a tese de que a violência ou agressividade individual se expliquem como mera reação defensiva em face de circunstâncias hostis ou de um Estado

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indiferentes, mas se trata de apontar para as circunstâncias particulares (no caso, brasileiras) em que eclode esse lado da energia pulsional do sujeito (indivíduo ou grupo) designado como violência (2006:17)

O autor utiliza teorias freudianas para explicar as raízes da agressividade, trazendo-a à luz como uma forma reativa a frustrações de desejos libidinais – Muniz Sodré cita pesquisadores norte-americanos que, trinta anos após as teorias freudianas, também chegaram à mesma conclusão de que “a intensidade de uma resposta negativa é proporcional à intensidade da frustração” (2006: 24). Além disso, o autor também levanta a hipótese de que a agressão seria uma pulsão destrutiva de sobrevida sobre o Outro (2006:24). Para Freud, a agressão seria uma forma de punir aquele que impede ou dificulta que um indivíduo ou grupo sacie seus desejos narcísicos. Há também o “socionarcisismo”, no qual um indivíduo merece ser punido apenas por ser diferente do grupo (como o caso das “galeras” e das guerras étnicas e religiosas). Entretanto, Sodré pontua que esses traços mais primitivos da sociedade não se comparam a “comportamentos racionalistas e metódicos, tanto no quadro de personalidades psicopatológicas quanto de instituições ou mesmo nações investidas da onipotência do self grandioso” (2006:26). Assim, as maiores bestialidades humanas, não foram fruto de pulsões violentas, mas de atitudes bem pensadas e calculadas. Segundo Zigmunt Bauman, em seu livro “Medo Líquido”,

A lição mais horripilante de Auschwitz, do Gulag, de Hiroshima, é que, ao contrário da visão que normalmente se sustenta, embora sempre de maneira tendenciosa, nem só os monstros cometem crimes monstruosos; e se apenas monstros o fizessem, os crimes mais monstruosos não teriam acontecido. Nem teriam sido tramados, por falta de equipamento adequado, e certamente falhariam em sua execução por falta de “recursos humanos” adequados (BAUMAN, 2005:89)

Muniz Sodré também levanta o fato de que o estabelecimento da Justiça nas sociedades reprimiu atitudes vingativas; além disso, a moral moderna instituiu maior respeito à pessoa e a piedade aos mais fracos. O autor ressalta que, obviamente, “não se trata de uma contenção limitada ou relativa: não é que se ponha fim à violência, mas que se cuide para que ela se torne institucionalmente determinada. Assim é o Estado que outorga o monopólio da violência, afirmando exercê-la de modo legítimo” (SODRÉ:2006:27). O estudioso chama atenção para uma questão interessante:

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o conceito de violência (...) implica conotar negativamente apenas as ações que contrariem a legitimidade, burguesa ou não, do grupo dirigente. Tanto que é uma prática lingüística geral, por parte das instituições dirigentes, trocar a palavras “violência” por “força”, quando se designam atos de coerção socialmente legitimados (2006:19)

Sodré explica que, mesmo que haja um “monopólio jurídico” sobre a violência e a disseminação de ideologias de disciplina e autocontrole, “os atos agressivos tendem a se concentrar e a se potencializar nas esferas do social à margem do absoluto controle estatal” (2006:28). Segundo o autor, a correta visão do fenômeno da violência perpassa o modelo econômico atual, que prioriza o utilitarismo, a rapidez “tecnoburocrática” das relações e das trocas comerciais. A industrialização, a informatização do mundo, a ideologia do progresso e da modernização foram disseminadas e aplaudidas não apenas pelos países desenvolvidos – os países subdesenvolvidos também compartilharam deste pensamento. Assim, a tecnologia avança em direção a uma maior concentração de renda em detrimento da justiça social, e há uma nova divisão internacional do trabalho, que transfere a multinacionais o poder de gerir o pólo industrial de países de terceiro mundo (2006:44). Ou seja: mão-de-obra barata para sustentar a concentração e o consumo exacerbado das comunidades ricas. (...) a nova matriz técnico-institucional do sistema produtivo redefinido vai gerando ocupações novas para setores específicos das classes médias e propiciando concentração de renda. (...) O novo modelo cria, entretanto, o que pode ser visualizado como um “estamento” técnoburocrático, distribuído por ministérios, bancos de controle, empresas estatais, sempre escudado naquela tendência fundamental de todo pensamento burocrático que Karl Mannheim definiu como a de “transformar todos os problemas de política em problemas de administração (2006:45:46).

Além disso, não se pode esquecer que o Brasil foi por mais de duas décadas um país extremamente reprimido pela ditadura militar, que impôs uma lógica de violência à resolução das tensões políticas e sociais internas. Muniz Sodré cita os lemas positivistas dos slogans brasileiros “Segurança e Desenvolvimento” e “Ordem e Progresso”, para exemplificar essa filosofia utilitarista e repressora. Segundo o autor,

o rígido controle do Estado pelos militares durante duas décadas no Brasil tornou apenas mais visíveis o autoritarismo e a violência burocrática, já presentes no modelo de modernização do país. Por isso, o fim da crispação autoritária, isto é, o retorno da classe militar aos quartéis, não trouxe de volta automaticamente, a democracia tradicional. Trouxe, sim, as aparências

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de um liberalismo desordenado, que não conseguem esconder a desregulagem da sociedade civil. Por trás dela, mantém-se o Estado autoritário, uma vez que permanece incólume a tecnoburocracia que efetivamente o controla, assim como se fortaleceram os monopólios privados (2006:54)

O autor ressalta que, mesmo com “modernizações” no modelo tecnicoburocrático mundial, que levou as estatais brasileiras a serem privatizadas e a inclusão ainda maior da administração estrangeira, o Estado continua agindo “não como agente da sociedade civil, mas, pelo contrário, fazendo dela objeto da ação de seu poder, em meio a escândalos financeiros e a uma corrupção larvar” (2006:55). O grande problema do tráfico de drogas observado hoje mundialmente começou a se instaurar a partir da “derrocada da exportação dos produtos tradicionais e pelo enfraquecimento das economias locais” (2006:57) nas periferias globais que entraram na lógica tecnocrática. Assim, não se trata de um problema ligado meramente à falta de repressão da polícia, mas à própria dinâmica do capital financeiro mundial (2006:57). Segundo Sodré, o narcotráfico movimenta no mundo cerca de 120 bilhões de dólares anualmente – tal é a sua opulência econômica que, nos Estados Unidos, o mercado do tráfico de drogas pode-se comparar aos mercados de eletrônica, automóveis e de produção de aço (2006:58). Sendo assim, o tráfico rende importantes divisas aos Estados latino-americanos; países como Colômbia, Bolívia e Peru têm economias extremamente dependentes do tráfico. O autor explica que “regiões agrícolas (na Colômbia, no Peru, na Bolívia, mas também no México) antes afetadas pela crise recessiva da economia, foram transformadas pelo narcotráfico em prósperos enclaves, com forte concentração de renda, mas também em centenas de milhares de camponeses envolvidos no circuito de produção e tráfico” (2006:59). Assim, muitos países, sob pressão do primeiro mundo, se vêm compelidos a reprimir o tráfico ao mesmo tempo em que se alimentam dele. Enfraquecido em sua capacidade de manter a lei e a ordem no país, o Estado passa a “negociar” com o narcotráfico. (2006:61) Para o autor, trata-se de uma grande ironia que o país que mais luta pela repressão do tráfico, os EUA, “(...) irradiador da militarização, da tecnoburocracia e dos padrões de vida midiáticos” (2006:62), é exatamente o mesmo que mais consome drogas no mundo. A ironia é que essa particular doença do tecido social de um país de Primeiro Mundo – na verdade, a doença de toda uma cultura marcada pela violência de sua própria abundância desigual e pelo esvaziamento das

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mediações éticas – tem uma correspondência visceral com as zonas apodrecidas da economia do terceiro mundo (2006:62:63)

Além disso, as classes média e alta balizam esse consumo internamente, criando uma cumplicidade entre vítima (consumidor) e delinqüente (traficante). Segundo o autor, tal cumplicidade é também uma violência em si, já que a convivência entre a miséria e a riqueza se dá na conformidade das discrepâncias gritantes. O abandono estatal das populações que migraram de sistemas rurais para centros urbanos (pois este nunca absorveu economicamente a população pouco instruída e que tinha habilidades ligadas à agricultura, prática que, aos poucos, foi sendo engolida pela tecnoburocracia dos gigantescos agronegócios), fez com que tráfico de drogas se tornasse um verdadeiro “Estado paralelo” dentro das comunidades populares – possuindo regras e comércio próprios. Nessa exasperante contigüidade da miséria (fome, epidemias de controle relativo, anafalbetismo) com fluxos concentrados de dinheiro no interior da própria comunidade marginalizada e em face da realidade material e simbólica da cidade moderna, emerge a violência anômica (agressões, assaltos, homicídios) como uma “contralinguagem”, isto é, uma “linguagem” que não se instaura a partir das regras das instituições civis hegemônicas na sociedade global, mas a partir de sua ausência ou de seu desnaturamento abusivo. (...) A violência desordenada é sintoma do desbordamento do Estado e da sociedade civil – do esgarçamento do tecido social, em suma. Na maioria das vezes, a força destrutiva não é fenômeno de pura irracionalidade, mas uma espécie de ultima ratio por parte de quem está irremediavelmente situado na outra margem do sistema (2006:67)

O autor menciona a pobreza como mola propulsora das atividades ilegais. Entretanto, sinaliza como a maior de todas as violências a violência da própria ordem social que transparece na militarização tecnologizada da produção, no superpoliciamento das populações (...), no desequilíbrio estrutural tanto da esfera ético-política como na do consumo, exacerbado nível dos signos sociais e dos meios de comunicação. Favorecese, assim, toda uma fantásmica de violência junto aos grupos marginalizados ou periféricos, aos quais a ordem tecnoburocrática é decididamente indiferente (2006:103)

Retomando seu questionamento sobre as causas da violência como um problema judicial ou problema social, o autor lembra que a violência também existe em países desenvolvidos, onde o sistema judiciário é mais eficiente. Assim, soluções ligadas ao enrijecimento da lei e da ordem não trarão as mudanças estruturais que o país necessita,

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tratando-se apenas de abordagem simplista e utilitarista que apenas reflete a própria ideologia já bem instaurada e disseminada socialmente. A mídia, que dependeu estritamente do Estado em financiamentos publicitários e recursos para infra-estrutura, afinou o seu discurso com o estatal, legitimando a modernização do país “sem reforma agrária e sem resgate da extrema miséria em que vivem as massas rurais e urbanas, à margem do crescimento do Produto Interno Bruto e dos benefícios eventualmente trazidos pelos projetos econômicos que capitalizam as escassas poupanças nacionais” (2006:56). Dessa forma, podemos afirmar que o problema das mídias está no posicionamento de suas ideologias e de suas estacas de sustentação: a mídia é uma forte estaca de sustentação do o status quo, ela não o é em si. Caminhamos para uma sociedade do “telerreal”, permeada pela comunicação em todos os seus ângulos; modernizada, informatizada e antenada com as novidades tecnológicas lançadas pelo primeiro mundo, mas, “de modo desarmônico e excludente, estruturalmente violento (...). O grande problema é, assim, a reprodução acelerada da pobreza pela chamada dinâmica cultural do mercado e a ocultação disso pela mídia” (grifo nosso - 2006:56) Entretanto, o autor ressalta que se deve ter cautela ao fazer a ligação direta entre a atuação da mídia e o aumento da violência. São comuns opiniões como: quando os meios de comunicação mostram a metrópole (Rio de Janeiro, por exemplo) ao resto do país como lugar onde se trabalha pouco e se ganha muito, uma espécie de paraíso da classe média e do consumo, poderiam estar alimentando a violência latente. Ou então: incitar as populações de baixa renda ao consumo desenfreado seria concorrer para o aumento das frustrações e da violência. Há muito de acerto nessas visões, mas elas terminam incorrendo na hipótese de alienação da vida social, que, nos termos de um certo moralismo cultural, estaria pervertida pela influência da publicidade analisada na mídia. (...) entretanto, dá-se uma equivalência generalizada das coisas, inclusive entre sujeito e objeto, que apaga as identidades muito fortes (...), promovendo a indiferenciação dos parceiros no jogo social (2006:33)

Apesar de se tratar de uma realidade midiática que condiz com a “cultura dominante” do primeiro mundo, o autor ressalta de que não se trata de uma forma de dominação ideológica em nome da burguesia. Tais ideologias certamente possuem um forte impacto sobre a sociedade como um todo, mas é preciso ter cuidado para não transformar em análises muito simplistas, problemáticas que estão por trás e em volta da comunicação.

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A superficialidade decorre do fato de que a mutação cultural profunda – a passagem de um modelo para outro – não é função da quantidade de informação ou da novidade inscrita dos conteúdos veiculados pelos meios de comunicação de massa, e sim das alterações no modo de organização do espaço social nas relações que os sujeitos mantêm com o real. Tais alterações podem ser violentas. (...) Assim, a relação entre os meios de comunicação e a violência social está na forma como o sistema avançado de comunicação se articula com as condições reais de vida da população (2006:37:38)

Segundo o autor, a mídia é mais um mensageiro do status quo, que reforça o desejo político e social das elites em detrimento de raciocínios que levariam o público a questionar o próprio sistema em si. Importa relativizar o alcance do poder do modelo de midiatização sobre o de encadeamento (ou da mídia sobre as massas presumidamente “alienadas”), mas se impõe também a evidência de que os meios de comunicação, controlados pelo estamento dominante, que hoje assume foros de tecnoburocracia, ocupam um lugar estratégico dentro de uma ordem social que põe em primeiro plano a gestão hiper-racionalista da existência. (2006:74)

A defesa desse modelo de gestão é obviamente feita de forma velada – nenhum meio de comunicação massa fala em nome de alguma empresa privada -, ele se coloca em uma posição de “janela da realidade”, como se representasse uma ligação direta entre o público e o real. O autor menciona a idéia de “fluxo” de mensagens, que se trata de

integrações, normalizações ou táticas de obtenção de coerência para o social a partir da mídia (...) Por meio do estilo dramático ou espetacular que, ‘distrai’ o público, o sistema imagístico regula as identificações sociais (...) e simular padrões consensuais de conduta (2006:76)

Segundo Sodré, isso não significa que o receptor é um ser passivo; muito pelo contrário, o receptor participa e, muitas vezes, coaduna com essa lógica. Entretanto, é importante perceber que a mídia incorpora para si a noção de espaço público, que deveria pertencer prioritariamente à sociedade como um espaço onde os sujeitos debatem questões concernentes à coletividade. Tal atuação midiática reverte totalmente esta noção de inserção social e debate. “(...) a forma social tecnoburocrática, que administra por imagens e números, provoca efeitos de dissuasão da presença do real dos sujeitos nas cenas decisivas dos socius. Ser imagisticamente notório (...) e não exatamente “homem público” (...) torna-se aspiração da consciência comum” (2006:77). Podemos dizer que o discurso da mídia legitima o discurso econômico – o progresso é

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valorizado em detrimento de seus custos sociais, que são extremamente altos. Dessa forma,

(...) o estamento tecnicoburocrático – que, através do Estado, pretende realizar sempre “pelo alto” as transformações sociais ou a transformação da vida brasileira – o sistema midiático é peça importante no jogo do poder. Voltado para os aspectos operacionais da produtividade tanto no campo como na cidade, ou então para a expansão do consumo suntuário, esse sistema implica uma ordem própria – estatística, imagística, retórica – que se simula como “realidade nacional”. Essa ordem é indiferente à urbanização caótica (resultante do modelo aplicado ao setor agrícola), ao desemprego e à falta de participação política real das massas – raízes do estado de violência social. A questão não está, portanto, no “poder de influência” ou de “alienação” dessa ordem telerreal, mas em sua abstração vampiresca, sua distância política, com relação ao território nacional (2006:80)

O processo que se observa hoje de interação entre a mídia e a sociedade, que se dá de forma cada vez mais desenvolvida e onipresente, é de que o lugar ocupado pelos meios de comunicação de massa é realmente de projetor de sonhos e pulsões humanas. Sejam essas pulsões estéticas, sexuais, agressivas... a mídia recorre aos sentidos para chegar às massas e conseguir sua audiência. Entretanto, ao fazer do homem um objeto utilitarista do sistema social e ao “amortizar” seus desejos e instintos mais profundos através de enquadramentos publicitários e noticiosos, a mídia alimenta uma sociedade permeada por sentimentos de frustração. Desde o início do século vinte, com os primeiros passos da comunicação de massa, os seres começaram a automatizar suas necessidades através do fluxo mediático e mercadológico, aceitando de bom grado as ofertas noticiosas e comerciais da mídia para saciar desejos e pulsões inconscientes. Assim, o vislumbre de acontecimentos violentos nos meios de comunicação de massa faz com que “pulsões sadomasoquistas e agressivas encontrem a sua descarga e o seu controle reequilibrador (...) na contemplação da violência como uma contrapartida para o medo comunitário” (2006:99)’. Os modelos traumáticos de abordagem midiática sobre a violência, “tornam-se caros tanto ao Estado – que assim legitima a existência de seus aparelhos repressivos – quanto à mídia, cuja forma de abordagem do real tem sido dramática e catastrófica. As ideologias políticas dão lugar pouco a pouco a ideologias de segurança pública (...) a violência é um recurso de economia discursiva: o soco ou o tiro do herói no vilão poupa o espectador de longas pregações morais contra o mal. É uma elipse semiótica com grande poder de sedução” (2006:98). Muniz Sodré defende que a abordagem midiática

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propõe apenas uma melhora nas políticas públicas de segurança com uma verdadeira caça às bruxas. Uma nação tecnocrática, artificializada e desvinculada de laços comunitários é a mesma que reproduz indivíduos cada vez mais regidos pelo emocionalismo simples do entretenimento midiático e autocentrados na multiplicidade passiva dos desejos constitutivos do mercado e consumo. É um quadro de sociopatia difusa, em que impulsos de autopreservação (contrários à agregação de valor humano que define a ética) do si mesmo individual e seu ciclo narcísico de desejos levam à vontade de destruição pura e simples dos obstáculos ou dos supostos inimigos (2006:106)

É apenas através do auto-conhecimento e de uma visão mais crítica sobre a mídia que o indivíduo e, por conseguinte, a coletividade, será mais lúcida e terá maior poder sobre si mesmo e sobre o que deseja para a sociedade. Uma educação que proporcione um melhor conhecimento sobre as mídias e sobre os próprios desejos e instintos humanos poderá trazer grandes benefícios à sociedade em geral, pois lhe dará a verdadeira autonomia e o verdadeiro poder de escolha. Afinal, é muito falaciosa a idéia dissipada pela media de que ter “liberdade” é poder fazer escolhas dentro do que o mercado oferece e fazer escolhas pensando unicamente em saciar desejos individuais e narcísicos. A partir do momento em que o sujeito tem conhecimento de onde está inserido e tem conhecimento sobre si mesmo, é muito mais fácil que ele não seja enganado ou manipulado através de seus sentidos e de condicionamentos sociais. Isso não quer dizer que o inconsciente deixará de existir, que as ilusões deixarão de existir, mas saber de sua existência e de suas necessidades já é certamente uma forma de empoderamento sobre si mesmo. Saber também dos diversos caminhos sobre os quais a vida pode se apresentar politicamente, socialmente e culturalmente abre janelas para que os seres humanos possam melhor conhecer-se e ter mais capacidade de cuidar de si mesmo e dos seus semelhantes. Os capítulos que se seguirão são propostas de análise que podem ser úteis no trabalho de Educação para as Mídias, para que educadores e alunos possam conhecer melhor as conseqüências que a abordagem mediática sobre a “violência” podem trazer à sociedade. Tendo já em mente as informações mais abrangentes fornecidas neste primeiro capítulo, o trabalho irá pouco a pouco se concentrando em questões mais pontuais, mais específicas sobre a relação entre o crime e a media. Entretanto, mesmo

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que haja uma concentração mais forte sobre temas mais específicos o contexto geral do modelo social, econômico e político no qual estamos inseridos jamais será ignorado.

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4. A Comunidade do Coque e o Diário de Pernambuco 4.1– O Coque Situada na Ilha Joana Bezerra, local privilegiado por ser próximo ao centro, à zona sul e à zona norte da cidade do Recife, a comunidade do Coque é comumente conhecida como uma “área de risco”; um local de alta periculosidade. Cerca de 40.000 pessoas (FREITAS apud SENA, 2008:558) moram na comunidade e, de acordo com dados do Atlas do Desenvolvimento Humano no Recife de 2000, 33,3% delas possuem renda per capita de até R$ 37,75. O Coque é a favela de menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da cidade e destoa dos bairros que a circundam. A Ilha Paissandu, vizinha da Ilha de Joana Bezerra, possui 99,6% de crianças entre 5 e 9 anos alfabetizadas. Já a ilha do Coque possui apenas 29,5%, constituindo o menor índice de alfabetização da cidade. Outro vizinho do Coque, o Bairro de Boa Viagem, concentra em sua orla, até o Pina, um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) maior que o da Noruega. Já o mesmo índice no bairro dos “cocudos” concentra novamente o pior número do Recife, aproximando-se dos índices de países devastados pelo HIV-Aids como o Gabão na África subsaariana (VALE NETO, 2007: 28).

Além da pobreza, a maior referência que se tem da comunidade é a da violência; o Coque é conhecido como um refúgio para bandidos, um lugar aterrorizado por traficantes. De acordo com relatório preparado para a Facultad Latinoamericana de Ciências Sociales (FLACSO) pelo projeto Coque Vive,

a escalada da violência na juventude está conectada, muitas vezes, a associação de parte dos jovens da comunidade a grupos dispostos a se fazerem ‘visíveis’ para o resto da sociedade, seja a partir do consumo de bens simbólicos, seja a partir da criação de grupos (gangues) por meio dos quais se dá o ‘aprendizado’ do tráfico e do roubo como atividades que trazem maior retorno financeiro e uma ilusória mudança de condição social. (SILVA et al, 2008:2)

Desde seu surgimento, entre os anos 40 e 50, o Coque foi adquirindo uma sombra grossa e dura de referências negativas que deteriora o caráter humano da comunidade e transforma os seus moradores em meros reprodutores desses adjetivos. (...) ‘visibilidade’ e a ‘invisibilidade’ tornam-se, assim, questões-chave para compreender a dinâmica dos atuais problemas sociais do Coque. Podemos considerar que não foram apenas a natureza dos problemas sociais (o apelo crescente de problemas como a violência, por exemplo) que fizeram com que algumas questões se tornassem visíveis e outras invisíveis. A mídia e os

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seus processos de linguagem e poder realizaram um papel determinante na manipulação, reiteração e consolidação do que é possível ou não ser visto sobre a comunidade do Coque. A pretexto de retratar a violência do bairro, historicamente os meios de comunicação acabaram estigmatizando-o, associando-o, com certa 'naturalidade', a práticas sociais desvalorizadas. (SILVA et al, 2008: 2)

O Coque certamente existe para além desta sombra social, mas grande parte da sociedade não reconhece isso. Na verdade, o bairro do Coque, e tantas outras comunidades desse país, se vê a partir da sociedade como um local exclusivamente de baixa renda, permeado pela violência e precariedade. Entretanto, esta consciência tem de vir arraigada também à noção de que o Coque não é apenas isso; a comunidade é (re)produtora de outros valores e bens sociais, como música, cultura, educação e, principalmente, relações sociais significativamente humanas. Segundo o sociólogo Alexandre Freitas, a grande maioria dos 40.000 habitantes da comunidade não está envolvida com o crime. O pesquisador afirma que os “criminosos”, em sua maioria jovens que não passam dos trinta anos, não somam mais que 1% da juventude da comunidade. (Freitas apud DINIZ & SANTOS, 2006:5) Não se pode esquecer também que a violência, uma ferida aberta no Coque, está diretamente ligada a violências muito mais fortes - violências institucionais que privam a comunidade de saúde, educação, lazer e segurança e que, decerto, são as maiores criminosas do sistema estabelecido hoje. Além disso, as identidades dos moradores do Coque certamente não falam apenas de violência, sofrimento e miséria – os residentes da comunidade não são personagens midiáticos do crime e, sim, seres humanos. Mas não é fácil entrar em contato com este outro lado da comunidade – além da “bolha do medo” que foi criada à sua volta, uma vez que a mídia é a maior mediadora entre o Coque e o resto do Recife, não veicula notícias que possam facilitar o acesso ao lado simplesmente humano deste numeroso grupo de pessoas que, como todas as outras, vivem seus conflitos internos e externos com o mundo e jamais deveriam ser reduzidas à violência e à miséria.

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4.2- O DP

Com 182 anos, o Diário de Pernambuco é o jornal mais antigo da América Latina e hoje possui uma circulação mensal de cerca de 54.423 jornais aos domingos e 32.146 jornais durante a semana (dados do relatório de desempenho do DP, referentes a junho de 2002). Predominantemente voltado para as classes A e B, o Diário de Pernambuco é, segundo o jornalista Ivanildo Sampaio (diretor de redação do Jornal do Commercio – concorrente direto do DP), um jornal mais conservador, mais resistente a mudanças (SILVA, 2002:57). Segundo a pesquisadora Isa da Silva, que realizou o estudo intitulado “Imprensa e Poder: (im)parcialidade e ética na mídia impressa na eleições de 1998 em Pernambuco”, “se, de um lado, o jornal ajuda o seu leitor a tomar determinados posicionamentos políticos, por outro é o público-leitor que incentiva o tipo de matéria que os jornais publicam” (2002: 57). No DP, não são encontradas fotos de cadáveres, pessoas sangrando e sensacionalismo exacerbado; o jornal prima pelo bom-senso, pela polidez. Trata-se de um periódico para a elite que está nas colunas sociais, nas notícias de economia e política, e não nas páginas de polícia. Quando, eventualmente, ocupa espaço nas páginas de polícia, isso ocorre de forma muito discreta, pois a elite sabe de seus direitos, é esclarecida e, em alguns casos, possui relações (comerciais ou sociais) com os donos e reguladores dos meios de comunicação. Entretanto, todos os jornais – não importa para que classe sejam voltados – têm um ponto em comum: predominantemente aparecem nas comunidades populares para cobrir casos de violência, miséria e ações assistenciais do poder público. Utilizando ou não imagens chocantes, os media em geral simplificam os fatos ligados a essas comunidades e os tratam como acontecimentos simples e fechados em si próprios, desconectados de contextos sociais, econômicos e culturais muito mais complexos.

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5 - Valores-notícia e o Coque É fácil perceber em um jornal que ele se repete. Não precisamente nos fatos ou em seus números, mas em suas pautas. Analisando diariamente um jornal, pode-se perceber que este segue uma linha oculta que valoriza alguns tipos de situações em detrimento a outras. Obviamente, os periódicos destoam entre si, têm características próprias, enquadramentos próprios, mas geralmente seguem os mesmos critérios sobre o que é e o que não é notícia. Em meados do século XVII, o teórico Albert Shäffle (18311903) já analisava a imprensa de forma bastante similar às análises atuais. Segundo a estudiosa Beatriz Marrocco, que publicou o texto “Zona de Sombra sobre o Jornalismo”: Schäffle afirmava que a imprensa diária participava do organismo social como um sistema conectado de células, um sistema que dava vazão às correntes intelectuais e vivia um constante malabarismo. Por um lado, a imprensa pactuava com o governo, os políticos e os partidos políticos; coletava e transmitia as idéias das elites. Por outro lado, em sua relação com o público, se apresentava como um órgão da opinião pública (criado em Hardt, 1979:68-69). Como “fabricante” (maker) da opinião pública, a imprensa era, segundo Shäffle, o primeiro poder do estado, a chave para o sucesso da ação social e do exercício do poder, que cumpriria com duas grandes funções: transmitir informações e proporcionar visibilidade ao poder”. (Marrocco, 2005:60).

Como se pode perceber, a concepção sobre o que é um jornal praticamente não mudou nesses mais de duzentos anos que nos separam entre os tempos de Shäffle e os nossos. Assim, desde seus primórdios, a imprensa não reflete puramente a realidade ela pinça alguns poucos fatos que considera mais relevantes dentro de uma infinidade de acontecimentos, enquadrando-os dentro de um determinado discurso. Segundo Vera Veiga França, em seu texto “Construção Jornalística e Dizer Social”: A aparição do acontecimento no jornal constitui assim, uma segunda aparição, uma construção de segunda ordem. O discurso jornalístico é um metadiscurso – um discurso que se constitui a partir de outros. Ele não constitui uma simples repetição; ao contrário, a sua construção cria uma nova realidade. (FRANÇA in MOULLIAUD & PORTO, 1997: 488).

A maneira como a notícia é então construída passa por preceitos ideológicos que estabelecem certos acontecimentos como relevantes socialmente e economicamente. Beatriz Marrocco também cita o teórico americano William Sunmer (1840-1910), que, ainda duzentos anos atrás, já defendia a noção do “homem-comum” - estereótipo do

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público-alvo da imprensa. Segundo ele, trata-se do indivíduo que se alimenta do senso comum e não transcende as concepções do status quo na qual se insere. Para Sumner,

(...) a opinião pública era um assunto mais de emoção que de razão e a emoção era algo desenvolvido em conexão com interesses mais ou menos localizados pela imprensa. Sunmer não acreditava na imprensa como uma esfera eficiente de discussão de problemas cruciais para a sociedade; ele dizia que os jornais não tinham condição de participar do debate social porque ‘eram forçados a captar leitores como moscas, não se aprofundavam em nada e não costumavam voltar atrás nos erros que cometiam’. (...) o jornal se debatia entre sua responsabilidade social em uma democracia e seu poder econômico. (Marrocco, 2005:62)

Dentro de suas delineações econômicas e ideológicas, o jornal foi construindo uma lista de valores-notícia que, seja de forma oculta ou aberta nas redações, filtra o que é noticiável e o que não é. Sendo assim, visões negativas ou positivas na mídia acerca de determinados personagens ou situações dependem muito da reconstrução que suas notícias fazem do real. O teórico Nelson Traquina pontua que “podemos definir o conceito de noticiabilidade como o conjunto de critérios e operações que fornecem a aptidão de merecer um tratamento jornalístico, isto é, possuir um valor como notícia”. (Traquina, 2005: 63) Reforçando a idéia de que a mídia minimamente mudou em seu posicionamento, Traquina também defende que os “valores-notícia” básicos têm variado pouco. “Segundo Stephens (1988:34), as ‘qualidades duradoras’ das notícias são o extraordinário, o insólito (“o homem que morde o cão”), o atual, a figura proeminente, o ilegal, as guerras, a calamidade e a morte” (2005: 63). Indo para um passado ainda mais distante que o dos estudiosos Shäffler e Sunmer, o autor volta até o século XV, quando menciona modelos de periódicos que ainda nem haviam chegado a ser denominados jornais. Tratam-se das “folhas volantes”, que, curiosamente, traziam em suas páginas assuntos como: assassinatos, acontecimentos envolvendo celebridades da época, além de notícias sobre fatos considerados inesperados ou maravilhosos. “(...) milagres, abominações, catástrofes, acontecimentos bizarros (...), guerras, trocas comerciais.” (2005: 64). Como se pode perceber, as pautas de 400 anos atrás são praticamente idênticas às que temos hoje. Assim, o que é notícia já parece ser até um senso comum adquirido através de muitos e muitos séculos. As únicas mudanças observáveis estão na noção de que seu alcance expandiu-se, ramificou-se e multiplicou-se – porém dentro das mesmas raízes de outrora.

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Se concentrarmo-nos no fato jornalístico, no relato jornalístico sobre o acontecimento, veremos que ele não é propriamente informativo. Assim, o que caracteriza o fato jornalístico é a existência de um fato principal (que se mantém constante) e ao qual se acrescentam outros pequenos fatos, depoimentos, desenvolvimento. Ele é construído por um processo de repetição e de renovação (e onde a repetição se sobressai claramente) (FRANÇA in MOULLIARD & PORTO, 1997: 494).

Segundo Traquina, outro estudioso da comunicação, Mauro Wolf, conseguiu especificar ainda mais a raiz dos valores-notícia ao delimitar dois critérios essenciais para selecionar e (re)construir um fato. Wolf criou as noções de valores-notícia de seleção e de construção. Valores de seleção são aqueles que levam o jornalista (ou editor) a escolher alguns acontecimentos em detrimento a outros, enquanto os valores de construção são aqueles que ressaltam determinados aspectos e acontecimentos da notícia por serem considerados mais importantes ou, simplesmente, mais chamativos. Serão expostos a seguir os valores-notícia de seleção e de construção que serão utilizados para analisar as 135 notícias selecionadas para este estudo.

Valores-notícia de seleção:

- Morte – “onde há morte, há jornalistas. A morte é um valor notícia fundamental para esta comunidade interpretativa e uma razão que explica o negativismo do mundo jornalístico que é apresentado diariamente nas páginas do jornal ou nos écrans da televisão” (TRAQUINA, 2005:79) - Notoriedade – “Quanto mais o acontecimento disser respeito a pessoas da elite, mais provavelmente será transformado em notícia” (GALTUNG apud TRAQUINA, 2005:80) - Impacto Social (este valor-notícia foi denominado por Traquina como de “relevância”; entretanto, preferimos modificá-lo para o nome Impacto Social, para que este não seja confundido com o valor notícia de construção que virá mais adiante e que também terá o nome Relevância) – “(...) preocupação de informar o público dos acontecimentos que são importantes porque têm um impacto sobre a vida das pessoas” (TRAQUINA, 2005: 80) - Novidade – (...) uma das maiores dificuldades para o jornalista é a justificativa para voltar ao assunto sem novos elementos: geralmente tem que haver algo de novo para voltar a falar do assunto. Devido à importância deste valornotícia, o mundo jornalístico interessa-se muito pela primeira vez (TRAQUINA, 2005: 81)

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- Tempo – Uma notícia pode ser escolhida através de um gancho, que é definido através do fator tempo. Por exemplo: há 100 anos morreu machado de Assis ou há exatos oito anos ocorreu o ataque de 11 de setembro nos EUA. Além disso, o fator tempo também pode ser utilizado para dar à notícia o valor de atualidade, de extremo paralelismo com o agora. - Notabilidade - “uma greve operária pode ser facilmente agarrada como notícia porque é tangível, enquanto as condições de trabalho dos trabalhadores, por exemplo, a monotonia do trabalho, a raiva do contra-mestre, dificilmente serão notícia, porque são pouco tangíveis”( TRAQUINA, 2005: 82). Dessa forma, o acontecimento mais externo, aquele que é mais tangível, mais visível, geralmente fica sempre em evidência. O autor alerta para o fato de que esse tipo de notícia está mais voltada para a cobertura de acontecimentos, não de problemáticas, e ressalta que a própria dinâmica dos jornais não permite uma maior problematização dos acontecimentos, pois não há tempo nas redações para apurar e analisar os fatos da forma adequada (2005:82). Ainda dentro dos valores de notabilidade, podemos encontrar: - Inversão – Tudo aquilo que vai contra a normalidade ou é insólito tem muito mais probabilidade de ser considerado notícia. O clichê “o homem que morde o cão, e não o cão que morde o homem” é vastamente utilizado por diversos autores para exemplificar esse valor-notícia de seleção. - Falha - “Defeito, insuficiência normal e regular. Os acidentes pertencem a esse registro” (2005:84). Adicionamos também a este critério do autor a noção de que falhas institucionais também são notícia. - Excesso/ Escassez - Tudo aquilo que ultrapassa de forma exorbitante o que é considerado normal, padrão ou habitual também é um valor-notícia. - Inesperado - “(...) aquilo que irrompe ou surpreende a comunidade jornalística. Ou seja, “um mega-acontecimento, um acontecimento com enorme noticiabilidade que subverte a rotina e provoca caos na sala de redação”. O autor cita como exemplo os ataques de 11 de setembro ao World Trade Center. (2005:84).

- Conflito ou controvérsia: “isto é, violência física ou simbólica, como uma disputa verbal entre líderes políticos. (...) A presença da violência física fornece mais noticiabilidade e ilustra de novo como os critérios de noticiabilidade exemplificam a quebra do normal” (2005: 84)

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- Proximidade: Quanto maior o número de envolvidos ou quão mais grotesco ou chocante o acontecimento, maior será o alcance da notícia para além do lugar onde ocorreu. - Infração: Qualquer tipo de transgressão ás leis pode ser considerado noticiável. Traquina ressalta que “o que confere especial atenção às ‘estórias’ de crimes é a mesma estrutura de valores-notícia que se a outras áreas noticiosas: um crime mais violento, com um maior número de vítimas, equivale a maior noticiabilidade para esse crime. Qualquer crime pode ficar com mais valor notícia se a violência lhe estiver associada” (2005:85)

Outros

valores-notícia

de

seleção,

como

disponibilidade,

equilíbrio,

visualidade, concorrências e dia-noticioso, não serão utilizados nesta pesquisa, pois requerem uma análise do jornal como um todo, assim como o de sua concorrência – tais fatores não puderam ser levados em consideração durante esta pesquisa por limitações de tempo.

Valores-notícia de construção. Valores-notícia de construção são os fatores escolhidos pelo jornalista para serem ressaltados ao reconstituir o fato em uma narrativa.

Simplificação: Quanto mais simples e menos ambígua for a notícia, mais fácil é sua compreensão. Assim, fatores que possam confundir ou dificultar a compreensão do fato são geralmente descartados. Amplificação: Quanto maior o número de pessoas envolvidas, maior a probabilidade de um acontecimento ser levado em consideração pelo leitor. Relevância: O jornalista tem de mostrar ao leitor de que forma o fato infringe em sua vida. “(...) quanto mais ‘sentido’ a notícia dá ao acontecimento, mais hipóteses a notícia tem de ser notada”. (2005 :91) Personalização: Quanto mais o acontecimento for direcionado a uma pessoa, quanto mais expuser sua vida, maior é a probabilidade desta notícia ser notada e lida. Dramatização: Quanto mais dramática, difícil, conflituosa for uma situação, maior é a probabilidade de que a notícia seja lida. Consonância:

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(...) quanto mais a notícia insere o acontecimento numa “narrativa” já estabelecida, mais possibilidades a notícia tem de ser notada. Isso quer dizer que a notícia deve ser interpretada num contexto conhecido, pois corresponde às expectativas do receptor. Implica a inserção da novidade num contexto já conhecido, com a mobilização de ‘estórias’ que os leitores já conhecem. Assim, as “novas” são “velhas”. (2006:91)

Além dos valores-notícia, também serão utilizadas nesta análise critérios que ponderam o enquadramento das notícias e a abordagem feita pelo DP aos temas presentes nelas. Tais critérios foram inspirados no relatório preliminar de pesquisa intitulado “Mídia e Violência – Como os jornais retratam a violência e a segurança pública no Brasil”, elaborado pelas pesquisadoras Sílvia Ramos e Anabela Paiva, do Centro de Estudos de Segurança e Cidade (Cesec). As avaliações desenvolvidas pelas pesquisadoras foram criadas para examinar a qualidade das notícias veiculadas sobre violência no eixo sudeste e sul do país. Alguns desses critérios foram adaptados para serem utilizados nesta pesquisa.

Os critérios foram:

1.

Foco central: principal assunto discutido pelo texto analisado (ato violento, forças de segurança, sistema penitenciário, judiciário etc);

2.

Enquadramento: diz respeito ao ângulo pelo qual o assunto foi tratado. Uma reportagem sobre o sistema penitenciário pode ser feita a partir do ponto de vista do poder público, das ONGs, da legislação, dos organismos internacionais etc;

3.

Qualidade do texto/contextualização: para avaliar a profundidade e abrangência dos textos, indagou-se se as matérias traziam causas, conseqüências e soluções, discussões de gênero, raça/etnia, legislação, estatísticas e outras. (Adaptado de PAIVA & RAMOS, 2005: 8)

31

Os critérios de número 2 e 3, relacionados ao enquadramento e à qualidade do texto/contextualização serão analisados da seguinte forma:

Critério 2: Enquadramento       !"$#&%' ()* *&"* +,*"*  -*"$#.+,-/ 0#1"*2 #.#.34#1576*8:9;-+=@?BAC3-+'+,()()-:S6C8:9;-+=@?rqQs,Y=Sut]lC-/+v"*/+=-34  wD#}ST CS” j‰Sg/X[$XS6‰8:9-/+=?J€"*#1-*$X-=E()CST#}5>-#1() CSfST#1S…-Œ+•k4-"*!1#=-:“13-/S

(Adaptado de PAIVA & RAMOS, 2005: 15)

Também foram adicionados aos enquadramentos noticiosos as figuras dos Moradores do Coque, Jornalista, Órgão de Pesquisa e a Polícia. É necessário prontamente ressaltar que só foram classificadas com enquadramentos da polícia notícias nas quais há depoimentos e citações que claramente coordenam e guiam a reconstituição dos fatos. Em algumas notícias, poderíamos supor que a polícia havia sido a principal fonte dos jornalistas, mas por ser enquadrada de forma individualizada, ou seja, desprovida de quaisquer depoimentos ou contextualização, estas foram classificadas como “individualizadas” apenas.

Critério 3: Qualidade do texto/contextualização • •

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