Somente o dinheiro compensa o dano moral?

June 13, 2017 | Autor: Vitor Guglinski | Categoria: Direito Civil, Direito Do Consumidor, Responsabilidade Civil
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Somente o dinheiro compensa o dano moral?

Este breve ensaio foi inspirado a partir da intenção revelada por uma ex-colega de trabalho que, há alguns anos, em uma ação de reparação de danos movida contra uma conhecida sociedade empresária do ramo do transporte de passageiros, decidiu dar um destino nobre à indenização pretendida.
Por medida de necessidade à intelecção do leitor, antes de analisar os fundamentos jurídicos do caso, passarei a discorrer sucintamente sobre o fato que a motivou a processar dita empresa, cujo nome, por razões éticas, não revelarei.
A sociedade empresária em comento é responsável, entre outros destinos, pelo transporte de passageiros da cidade de Juiz de Fora ao Rio de Janeiro, sendo que em seu quadro de horários disponibiliza, intercaladamente, veículos de classe convencional e executiva, de forma que o usuário do serviço opte, conforme sua conveniência, por um serviço ou outro. Os primeiros são ônibus simples, sem ar condicionado, e com janelas corrediças, que abrem e fecham normalmente, permitindo a livre circulação do ar no interior do veículo. Já os ônibus da classe executiva contam com ar condicionado, sendo que suas janelas são do tipo inteiriças, isto é, completamente lacradas, não havendo a possibilidade de o passageiro abri-las.
O fato é que minha colega sofre de graves problemas respiratórios, o que a leva, quando necessita viajar de ônibus, a optar por percorrer o respectivo trajeto em veículos convencionais, pois o ar refrigerado e confinado lhe causa extremo mal, como me revelou.
Necessitando viajar ao Rio de Janeiro, no dia da ocorrência do fato que a motivou a ajuizar a ação, comprou, como de costume, a passagem correspondente ao ônibus convencional. Mas, para sua surpresa, a empresa disponibilizou, para aquele horário, um veículo com as características de ônibus executivo, conforme descrito linhas acima.
Quando foi indagado pela consumidora em questão, o motorista do ônibus disse que aquela viagem seria feita naquele veículo, e ponto final, em franco desrespeito ao contrato de transporte firmado no momento da compra da passagem, bem como às disposições do Código de Defesa do Consumidor.

Em síntese, minha colega, segundo narra nos autos do processo, sentiu-se moralmente lesada, ante o desrespeito por parte da empresa, a qual simplesmente fez pouco caso de seu grave problema de saúde, o que a levou a requerer em juízo a respectiva compensação, pois foi obrigada a viajar naquele veículo, em razão de compromisso inadiável.
Cabe aqui um breve parêntese: mesmo tendo a consumidora contratado um serviço convencional, não poderia ser obrigada a usufruir de serviço melhor, a teor do que enuncia o art. 313 do Código Civil, in verbis:

Art. 313. O credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, anda que mais valiosa.
Eis um caso típico em que a prestação mais valiosa não interessa ao credor. Daí se vê o quão relativo é o valor das coisas!
Prosseguindo, até aí, nada de extraordinário, não fosse a revelação feita por minha estimada colega, no sentido de requerer ao juiz da causa que o dinheiro que lhe fosse destinado a título de compensação pelos danos morais decorrentes da conduta ilícita da empresa fosse destinado à compra de inaladores eletrônicos de oxigênio, a serem distribuídos a um hospital de Juiz de Fora, de forma a sensibilizar a empresa em relação aos problemas respiratórios de outras pessoas, e não mais fazer pouco caso de situações como a que ela vivenciou.
Cumpre salientar que minha colega não é pessoa abastada. À época, lutava com muita coragem e dificuldade para cursar Direito em uma instituição particular de ensino, cuja mensalidade não era barata, sendo que o dinheiro da indenização, no caso, lhe cairia muito bem, diante de tanta dificuldade. Contudo, demonstrando rara nobreza e sensibilidade em relação a terceiros, optou por dar tal destino à indenização, avaliando que essa atitude altruísta lhe repararia efetivamente a ofensa moral experimentada.
Tais fatos, então, me levaram à reflexão expressa no título deste texto: será que somente o dinheiro compensa os danos morais sofridos por alguém?
Penso que a indagação seja de extrema pertinência, pois o dia a dia forense mostra, invariavelmente, que qualquer aborrecimento corriqueiro tem se transformado em motivo para o ajuizamento de ações reparatórias; a maioria despida de fundamentos fáticos e jurídicos. Hodiernamente não é difícil perceber que sobre os valores que realmente dignificam o homem tem prevalecido a intenção de pseudo inclusão social através do "ter" em detrimento do "ser", a ostentação, a ganância, a possibilidade de ganhar um "trocado fácil" sob as barbas da Justiça, enfim, a completa inversão e até mesmo ausência de valores.
Ao refletir sobre o caso, comecei a abstrair-me dos fatos ocorridos com minha colega, e iniciei o exame da hipótese à luz de nosso ordenamento jurídico, do qual consegui extrair alguns fundamentos capazes de justificar a condenação de determinada pessoa, física ou jurídica, a beneficiar terceiros por danos causados à parte que eventualmente lhe demandar em juízo.
Vejamos:
Ajuizada uma ação de reparação de danos morais, suponhamos que a parte autora, ao invés de desejar ser beneficiada com uma compensação financeira, peça a condenação da parte ré/ofensora a beneficiar terceiros, de forma que a condenação cumpra seu papel repressivo e pedagógico, ao argumento de que somente proporcionando o bem de quem necessita, julgar-se-á efetivamente compensada pelo dano experimentado.
Garantida a ampla defesa e o contraditório, e estando o processo regularmente instruído, finalmente o julgador conclui que assiste razão à parte autora, ou seja, restando validamente provados a conduta, o nexo causal e o dano alegado, tudo em conformidade com os fatos articulados na petição inicial. Qual o caminho a ser tomado pelo juiz?
Não encontrei dificuldades em concluir que ao juiz somente restaria julgar procedente o pedido, pois o ilícito restou comprovado, sendo que, a teor de nossa legislação, tanto em nível constitucional quanto infraconstitucional, existe a previsão expressa de reparação dos danos morais eventualmente causados a alguém, o que torna o pedido juridicamente possível, ante a expressa previsão legal de reparabilidade do dano.
A questão seguinte é: como reparar o dano de natureza extrapatrimonial, já que o que é imaterial é irreparável?
Em nosso sistema, a maneira que se convencionou, conforme amplamente informa a doutrina, e como de fato ocorre costumeiramente, foi a de pagar ao ofendido uma quantia em dinheiro, uma vez que, como dito, o que é imaterial é irreparável.
Entretanto, pode o ofendido concluir perfeitamente que receber uma compensação pecuniária em proveito próprio não lhe atenderá plenamente, em se tratando de "reparar" sua honra!
Para melhor visualização, imaginemos o caso de uma pessoa portadora de necessidades especiais (um cadeirante, por exemplo) que seja atropelado enquanto atravessa uma rua, e que esse atropelamento tenha sido causado pelo condutor de um veículo pertencente a uma riquíssima sociedade empresária, que tenha dinheiro de sobra pra pagar eventual compensação à vítima, desejando acabar com o respectivo processo judicial o mais rápido possível. Imaginemos que desse atropelamento tenha resultado alguma sequela ao cadeirante, fazendo com que se presuma o dano moral (in re ipsa) mas, sendo a vítima uma pessoa rica, possui condições de se tratar. Nesse contexto, o ofendido, então, decide requerer ao juiz da causa que ao invés de condenar o ofensor a lhe pagar certa quantia em benefício próprio, condene-o a distribuir o equivalente em dinheiro que lhe seria atribuído em cadeiras de rodas a alguma instituição filantrópica dedicada ao tratamento de pessoas como ele – portadoras de necessidades especiais -, de forma que o causador do dano se sensibilize em relação ao especial respeito que os cadeirantes merecem, ante sua hipervulnerabilidade. O que haveria de errado nesse pedido? Ora, absolutamente nada!

Em minha sincera opinião, certamente tal pedido se encontra revestido do mais puro altruísmo! Na hipótese, é perfeitamente possível imaginar que o cadeirante em questão, já que não necessita de dinheiro, acabaria por se sentir altamente honrado ao ter a certeza de que seu pedido beneficiaria terceiros. Isso, a meu ver, compensa muito mais do que simplesmente embolsar dinheiro.
Honra compensa honra!
Pois bem. Em relação à eventual sentença proferida, quem estaria apto a executá-la? Perceba-se que a relação de direito material e jurídico-processual se deu entre a parte autora e seu ofensor, porém, o juiz condenaria este último a prestação que beneficiaria um terceiro, que sequer sabia da existência da lide.
Embora prefira deixar a resposta de tal indagação aos processualistas, arrisco-me a concluir, ab initio, que tanto a autora (que é parte no processo) quanto o beneficiado pela sentença podem promover sua execução, pois, a partir do momento em que o juiz estatui uma obrigação para o réu, nos exatos termos do pedido autoral, cria-se para a autora e para o beneficiado um título executivo judicial, com obrigação líquida e certa, portanto exequível.

O tema, certamente, não se esgota aqui. Minha intenção, com este singelo ensaio, foi tão somente despertar os leitores para uma ótica diferenciada sobre o instituto da responsabilidade civil em casos envolvendo danos morais, bem como o alcance das normas processuais, de modo a incentivar o debate sobre o tema.

Penso que as atitudes nobres e altruístas devam sempre ser apoiadas e incentivadas pelo Judiciário, em atendimento aos fins sociais da lei e ao bem comum, conforme etiquetado no art. 5º da LINDB.
Por fim, merece ser registrado meu profundo apreço por minha ex-colega de trabalho, cuja conduta nada menos fez do que intensificar a luz que irradia todos os dias, e levar aos leitores mais esta reflexão que me senti no dever de publicar.


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