Sondagens Arqueológicas no Largo do \"Castelo\" da Bemposta

May 27, 2017 | Autor: F. Robles Henriques | Categoria: Medieval Archaeology, Portuguese Reconquista, Periodo Medieval Cristão, Bemposta
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Sociedade dos Amigos do Museu de Francisco Tavares Proença Júnior

II

II Congresso Internacional de Arqueologia Da Região de Castelo Branco 2016

Coordenação da edição: Raquel Vilaça

Sondagens Arqueológicas no Largo do “Castelo” de Bemposta Archaeological surface surveys in the geographical area of the “Castle” in Bemposta Cézer R. Santos ([email protected]) Arqueólogo e investigador da UNIARQ, Universidade de Lisboa Fernando R. Henriques ([email protected]) Arqueólogo e investigador independente

Resumo: Em Julho de 2014 procedeu-se ao Levantamento Arqueológico da Freguesia da Bemposta. Consequentemente, após conhecimento da intenção da União de Juntas das Freguesias de Pedrogão de S. Pedro e Bemposta em valorizar o espaço envolvente ao “Castelo de Bemposta”, nomeadamente o calcetamento da área de terra batida que circunda o monumento, foi estabelecido um projecto de execução de sondagens arqueológicas com o objectivo de determinar a existência de antigos vestígios de ocupação no local. Segundo a tradição, esta fortaleza medieval terá sido erguida durante a reconquista neo-goda e serviu como defesa nas lutas entre portugueses e castelhanos. Este artigo pretende divulgar os dados obtidos na campanha de intervenção concretizada em Dezembro de 2014, resultante dos trabalhos realizados em três sondagens abertas em torno da estrutura militar, que viriam a revelar claros indícios de assentamento populacional, nomeadamente estruturas e artefactos, de época medieval, particularmente durante o período da ocupação árabe do território. Palavras-chave: Medieval Islâmico; Medieval Cristão; Reconquista; Bemposta; Sondagens. Abstract: In July 2014 we preceded whit an Archaeological Survey at Bemposta territory. Consequently, after knowing the intention of the Union of Parishes of Pedrogão de São Pedro e Bemposta to valorize “Bemposta Castle” by pave the monument surrounding area, a project was established implementing archaeological excavation in order to determine the existence of ancient remains in place.

According to tradition, this medieval fortress have been erected during the Christian reconquest and served as a defence in the war between Portuguese and Castilians. This article aims to disclose the data obtained in the intervention completed in December 2014, resulting from investigation carried out in three trenches open around the military structure, which revealed clear signs of population settlement, including structures and artefacts from medieval times, particularly during the period of Arab occupation of the territory. Keywords: Medieval Islamic; Medieval Christian; Christian Reconquest; Bemposta; Erchaeological Excavation. Enquadramento do Projecto Em Julho de 2014 procedeu-se ao Levantamento Arqueológico da Freguesia da Bemposta. No âmbito do trabalho de campo identiicaram-se 32 novos sítios arqueológicos (Henriques e Santos). O trabalho de campo realizado consistiu, basicamente, na identiicação do património arqueológico ao longo do território, tendo-se efectuado o reconhecimento de 4 ocorrências identiicadas no âmbito da pesquisa documental. Consequência da divulgação dos resultados, acredita-se que foram preenchidas plenamente as expectativas criadas em torno do Projecto apresentado, revertendo a divulgação em acréscimo de interesse por parte da população. Tendo a Associação Cultural de Bemposta, tomado conhecimento de que a Junta de Freguesia tencionava proceder à reabilitação do espaço envolvente ao

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Castelo, nomeadamente o seu calcetamento, solicitounos, de forma pró-activa, a execução de sondagens arqueológicas de diagnóstico. “Segundo a tradição, este castelo medieval foi erguido na reconquista neo-goda e serviu como defesa nas lutas entre portugueses e castelhanos (…) Com o terramoto de 1755 a muralha sofreu alguns danos, enfraquecendo a sua estrutura e robustez. Hoje em dia apenas encontramos a Torre de Menagem (…)” (Correia, 2004). O que restará da fortaleza apresenta planta quadrangular, com cerca de 9 metros de lado. Vários silhares que a compõem exibem marcas de fórceps, desatacando-se, igualmente, outros elementos arquitectónicos reaproveitados. Torre de relógio recente assenta na estrutura mais antiga. No interior, vestígios de diferentes níveis e engaste de pavimento tabuado. Atendendo à dispersão de diversos vestígios arquitectónicos característicos da época romana (fustes de coluna, capitéis, mós, lajes de xisto que podem provir de sepultura, outros - evidentes sinais de reaproveitamento), a génese da Aldeia da Bemposta poderá recuar à antiguidade, nomeadamente Romana e Alta Idade Média. Neste contexto, a implantação do castelo situar-se-ia em ponto nevrálgico e central da eventual ocupação antiga, acreditando-se no aproveitamento de elementos arquitectónicos de cronologia romana na ediicação da estrutura defensiva. O objetivo de melhoramento da área urbana que envolve o “Castelo de Bemposta” conduziu à proposta de realização de sondagens arqueológicas de diagnóstico destinadas a obter informação que permitisse avaliar o contexto arqueológico da torre e da sua envolvente. A existência de estruturas de função e cronologia indeterminada, à data, que aloravam à superfície foram um forte argumento para uma intervenção arqueológica de diagnóstico no local. Enquadramento Geográico e Histórico-Cultural O território da Bemposta detém uma área aproximada de 10 km² (Fig. 1) e assume forte vocação agrícola e lorestal. Em termos regionais, geologicamente, a região é dominada, essencialmente, por uma formação marginal metassedimentar Pré-Câmbrica/ Câmbrica, geralmente designada por Complexo Xis-

to-Grauváquico (rochas xistentas, em alternâncias de xistos predominantemente argilosos ou argilo-gresosos com grauvaques), e por formações graníticas, em particular pelo Plutonito de Penamacor/Monsanto. Esta divisão sedimentar encontra-se separada isicamente, de forma inequívoca, pela estrada municipal 564 que garante comunicação entre as povoações de Pedrogão, Bemposta e Medelim. Desta forma, constitui um paradigma interessante, nomeadamente quando analisada a estratégia de povoamento e a diferença notória entre a densidade ocupacional veriicada entre os terrenos de xisto, com escasso assentamento, a Sul, onde as cotas variam entre os 350 e os 413 metros (Cabeço da Forca), e os graníticos, a Norte, atingindo um máximo de 452 metros, com fronteira bem demarcada pela presença do caminho alcatroado.

Fig. 1 – Localização da Área da antiga Freguesia sobre Carta Militar de Portugal (extractos das cartas 257 e 258 e http://pt.wikipedia.org/wiki/Penamacor#).

A povoação implanta-se ao longo de uma zona de desenvolvimento morfológico de tendência regular, recortada, a Oeste e Sul, pelas Ribeiras das Taliscas e Medelim, respectivamente. 354

A tradição remonta a fundação da Aldeia de Bemposta a Época Islâmica. Uma breve pesquisa efectuada na Base de Dados Endovélico (Direcção Geral do Património Cultural) revela apenas três ocorrências patrimoniais de cariz arqueológico. Consequentemente, constata-se a ausência de elementos que fundamentem a teoria de origem muçulmana. Apesar da insuiciência de dados apurados, vaticinou-se que a povoação não icaria imune à dinâmica decorrente do aproveitamento territorial exercido na paisagem envolvente. Ainda que escassos, os indícios denunciavam um povoamento continuado, eventualmente a partir de Idade do Ferro. No topo de cabeço dominante denominado Forca, o General João Almeida, em 1945 terá identiicado as ruínas de uma antiga torre. Este autor presumiu que terá sido construída sobre os vestígios de um castro pré-romano. A Bemposta assenta num local cujo topónimo primitivo seria Silva, atribuído pelas características da vegetação silvestre existente, segundo fontes que descrevem os momentos de povoamento ocorridos nos séculos XII e XIII. A 30 de Novembro de 1165, D. Afonso Henriques doa a Mestre Gualdim Pais e à Ordem do Templo a terra de Idanha-a-Velha e Monsanto, limitada pelos rios Tejo, Elga e Zêzere, com a condição de esta milícia servir o monarca e o seu ilho. D. Sancho I, tentando recuperar alguns dos territórios cedidos, concede domínio aos templários sobre extensa área que aumentava ao longo da margem direita do rio Tejo, na direcção de Ocidente, desde Idanha-a-Velha. O povoamento da região não se terá revelado fácil. O local não era atractivo. Aliava a longa distância dos centros de poder com a pobreza das terras. Acima de tudo, era lugar de fronteira, pouco povoado e frequentemente devastado por investidas de grupos armados. Após entrega da Carta de Foral a Penamacor, em 1189, ter-se-ão instalado os primeiros habitantes e algumas famílias nobres. Surgem as primeiras referências a D. Pôncio, Governador da Transerra (actual Covilhã) e da Beira (Guarda). Cognominado de rapinador de bens alheios, a sua personalidade é descrita

como pouco escrupulosa no que diz respeito a assuntos da Coroa e dos concelhos. Adquire o local da Silva e confere-lhe os fundamentos de uma futura vila, contemplando-a com o nome de Bemposta. Situada entre os termos de Monsanto e Penamacor, a vila da Bemposta foi doada por Pôncio Afonso e sua mulher, D. Maior Martins, a 10 de Fevereiro de 1230, juntamente com outros bens, ao Mestre Templário D. Estêvão de Belmonte e à Ordem, para remissão de seus pecados. A aldeia terá passado para a posse do nobre por doação do Concelho da Guarda, em data desconhecida. Descendendo, provavelmente, da linhagem de Baião, esteve presente na delimitação do termo da Herdade da Cardosa, em 1214, tendo participado no povoamento da Cova da Beira. Era, também, senhor da Aldeia Nova (transferida, em condições idênticas, para posse Templária) e possuía um casal no Teixoso. Detinha ainda propriedades no termo de Sortelha. Alguns destes indivíduos aristocráticos viabilizavam o engrandecimento fundiário de ordens monásticas e militares, através de doações, muitas vezes testamentárias. Em 1258 foi mencionada nas Inquirições de D. Afonso III. O monarca promulga diversas leis que procuram pôr cobro a muitos abusos praticados pelos senhorios. Neste documento, a povoação vem descrita como “apropriação por D. Pôncio Afonso, de quem foi honra e onde passou a haver juízes em razão da jurisdição senhorial, mas subordinados aos da vila de Penamacor, da qual era um simples termo” (Correia, 2004). “É sabido que esta Ordem tinha grande poder e inluência, bem como riqueza e autonomia, respondendo directamente à Santa Sé em assuntos religiosos. As boas relações que sempre teve junto da coroa portuguesa davam-lhe a autoridade para decretar certas medidas. É por esta razão que, no caso da Bemposta e como seus senhorios, não permitem a subordinação da mesma a Penamacor e asseguram-se dos seus direitos. A vila passa então a ter juízes em razão de jurisdição senhorial: juízes ordinários, juízes de crimes e órfão, câmara, vereadores, procuradores e outros funcionários. Desta autonomia ainda subsistem tes-

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temunhos em Bemposta, representados pela Domus Municipalis que funcionou quer como Câmara, quer como cadeia, na qual ainda hoje se pode ver uma janela com as grades de ferro” (Correia, 2004). Posteriormente, este lugar seria objecto de disputa entre a Ordem do Templo e a Ordem de Santiago. Mas, por acordo celebrado em Coimbra, a 29 de Setembro de 1253, foi julgado pertencer, com todos seus direitos e jurisdições, aos freires templários. Anos mais tarde estaria de novo no centro de uma disputa, entre o concelho e a Ordem do Templo. A sentença pronunciou-se, uma vez mais, em favor dos cavaleiros religiosos. No ano de 1357, é doada à Ordem de Cristo. Como reconhecimento de importância e autonomia da então vila, D. Manuel concede-lhe, em 1510, foral, no mesmo dia em que é outorgada a terceira carta a Penamacor. No dia 6 de Novembro de 1836 é extinta, por decisão de D. Maria II, como sede de Concelho. A sua importância decai progressivamente. A 16 de Fevereiro de 1848 integra o território de jurisdição de Penamacor, situação que se mantém nos dias de hoje. As construções eminentemente militares (castelos, fortalezas e atalaias) são, ainda hoje, um testemunho da airmação no território da raia. Erguidas com recurso a silhares de granito, pontilham a paisagem, acentuando o carácter de isolamento. No centro da aldeia da Bemposta permaneceu, altaneira, uma estrutura de contorno quadrangular, semelhante a uma torre de menagem. Esta construção pode ser considerada como inovação bélica importada da Terra Santa. Elevada em relação a eventuais muralhas exteriores, permitia comandar e delinear estratégias defensivas com maior eiciência. A área envolvente é muito diversiicada na sua orograia, hidrograia e riqueza dos solos - factores que originam variedade de condições naturais e apetências agrícolas, a que não correspondia, obrigatoriamente, variação de dieta alimentar. Na generalidade do território terá sido adoptada uma dieta de raiz cultural romana, assente no pão, vinho e azeite. A escassa ocupação humana dispersava-se em comunidades isoladas, disseminadas por extensões de terreno insubmisso, no qual persistiam animais selva-

gens, empenhados na predação de campos semeados e rebanhos. A esta realidade associava-se uma rica e variada lora que favorecia as actividades relacionadas com a pastorícia, cuja mobilidade permitia, em caso de necessidade, a fuga para o interior dos recintos muralhados ou o refúgio, em caso de ameaça, nas matas e bosques. Privilegiava, também, a actividade da caça, de forma mais tradicional ou furtiva. As paisagens eram, portanto, diferentes das actuais. Nos dias de hoje a Bemposta caracteriza-se pela vocação predominantemente agrícola, com terrenos ocupados alternando entre baldios e campos cultivados, hortas, pomares, olivais, eucaliptais, pinhais, entre outros. As Sondagens Arqueológicas A torre da Bemposta implanta-se num pequeno largo circunscrito pelo casario da aldeia, formando um espaço sub-rectangular (Fig. 2). Não é de excluir a hipótese da coniguração do largo e por sua vez do local de implantação das casas que o circunscrevem remeter para uma memória urbanística da presença de um espaço cercado, um possível amuralhamento em torno da torre e transformando o largo actual numa espécie de fóssil dessa preexistência. Realizaram-se três sondagens manuais na envolvente da estrutura de secção quadrangular (uma com 3 x 2,2 m, centrada na área onde aloravam estruturas à superfície; outras duas com 2 x 2 m encostadas à parede sul e à parede norte da torre, de modo a compreender as fundações destas). Sondagem 1 A Sondagem 1 implantou-se numa área a sul da torre, em ponto onde se localizava o principal acesso ao largo. Aqui era possível observar, à superfície, um conjunto de pedras graníticas que formavam alinhamentos de estruturas soterradas. Estas evoluem para sul/sudoeste, este e norte da sondagem. Optou-se por incidir a intervenção em local central ao desenvolvimento dos muros parcialmente soterrados, onde se veriicava maior risco de destruição devido à exposição das pedras, passagem de viaturas e convergência de duas estruturas perpendiculares. 356

Fig. 2 – Largo do Castelo, áreas de implantação das sondagens.

Depois de removida a camada superior identiicam-se duas unidades estratigráicas [2] e [3] com características muito similares, diferenciando-se apenas pela cor: castanho avermelhado [2]; (7.5YR 4/6) e castanho claro amarelado [3]; (10YR 5/4). Ambas são compostas por sedimentos argilosos muito compactos e homogéneos. Apresentavam algumas inclusões constituídas por blocos de média dimensão de granito e xisto, bem como diversas lascas de xisto. Estas unidades foram interpretadas como sendo resultantes de derrube ou desagregação de adobes ou taipa de uma parede que assentava sobre as estruturas cujos alinhamentos foram identiicados à superfície (Fig. 3). Esta forte e compacta camada de adobes permitiu também selar o contexto arqueológico que lhe estaria subjacente.

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Fig. 3 – Derrubes de adobes.

Após remoção do nível de derrube deiniram-se os contornos das estruturas [7] e [8]. Detectou-se ainda um piso em terra batida [4], uma pequena lareira estruturada [6] e uma pequena estrutura negativa [5] de função indeterminada. Este pavimento em terra batida continha grande percentagem de carvões misturados, sendo estes mais concentrados junto à lareira. No interface entre o pavimento e o derrube recolheu-se um Dinheiro de D. Afonso II (Moeda 1) (Fig. 10). Foram igualmente recolhidos os carvões deste nível de utilização para a realização de datação em radio carbono (Fig. 11). A lareira é composta por uma base circular em argila, na qual encontram embutidos, formando um anel, seixos de granito, xisto e fragmentos de material de construção (telha). A estrutura negativa [5] implanta-se junto ao canto onde ligam as estruturas [7] e [8]. Aberta no pavimento, é estruturada ao nível deste com elementos líticos e cerâmicos. Após remoção do piso veriicou-se que se encontrava aberto no aloramento de xisto. Tratar-se-ia, provavelmente, de um buraco de poste do andaime usado na construção do edifício (Fig. 4).

Fig. 4 – Contexto de utilização do espaço: pavimento e lareira.

Quer o pavimento, quer as estruturas assentam diretamente sobre o aloramento de xisto. Nas partes mais elevadas o substrato geológico foi regu-

larizado de modo a manter a cota do piso em terra batida. As estruturas [7] e [8] são fundações que suportariam as paredes de adobe/taipa. O muro [7] tem cerca de 70 cm de largura e é constituído por uma argamassa misturada com pedras, sendo estas colocadas em espinha. Esta organização materializa as faces da estrutura. O muro [8] é bastante mais estreito, com 40 cm de largura. Extrapola-se a sua utilização como parede interior do edifício. Sugere a existência de uma porta, encontrando-se abruptamente interrompido. Assinalou-se a continuidade em alinhamento que se desenvolve no sentido norte, através de uma área não intervencionada. Sondagem 2 A Sondagem 2 implantou-se junto à parede sul da torre. Esta sondagem teve como objectivo compreender como se desenvolvia o muro [8] da Sond. 1, entender como se organizavam algumas das pedras que se observavam à superfície e perceber como se implantava a torre no solo e a sua relação com as estruturas que acabavam de ser identiicadas. Depois de removida a camada superior, identiicou-se uma unidade estratigráica [2/3/9] castanha clara amarelada (10YR 5/4), formada por sedimentos argilosos muito compactos e homogéneos. Tal como na Sond. 1, foi interpretada como sendo resultante do derrube ou desagregação de adobes ou taipa. Este colapso encontra-se cortado por uma vala [1A] recente aberta junto à parede da torre que corta todo o contexto arqueológico até à rocha. Neste fosso surgem misturados materiais antigos e detritos recentes. Levantado o derrube foi possível compreender a relação entre os muros encontrados nas Sond. 1 e 2, deinindo-se um compartimento com paredes internas e externas. No espaço norte da sondagem, entre as estruturas e a parede da torre, identiicou-se uma sequência de pavimentos e derrubes, reveladores de diferentes fases de utilização do espaço. A sul veriica-se a continuidade do pavimento escavado sond. 1, igualmente com muitos carvões (Fig. 5). 358

Fig. 6 – Substrato geológico e vala de fundação da torre.

Fig. 5 – Contexto de utilização do espaço: pavimento interno e eventualmente externo.

Para além da vala de fundação da torre [20] talhada na rocha de base são visíveis outras estruturas negativas no aloramento geológico, nomeadamente uma de contorno sub-rectangular supericial e outra, mais profunda, de formato ovalizado, que podem corresponder a infraestruturas para a construção do edifício em adobe (Fig. 6). Parece ter existido um corte dos contextos, a norte da sondagem, pela cova de fundação da torre, prevendo-se a construção desta em época posterior, como veremos a partir do confronto dos dados arqueológicos, históricos e documentais. Contudo, também não podemos deixar de pôr a hipótese da fossa recente [1A], ou pelo menos parte dela, corresponder também à vala aberta para a construção da torre. Estratigraicamente, não foi possível aferir essa possibilidade, sentindo-se a necessidade de alargar a área de escavação (Fig. 7).

Fig. 7 – Peril estratigráico onde são visíveis as sucessivas camadas de pavimentos e derrubes, vala de fundação da torre e fossa [1A].

Sondagem 3 A Sondagem 3 teve como principal objectivo conhecer a realidade estratigráica junto à parede norte da torre, visto que a potência estratigráica se aigurava bastante maior.

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As camadas supericiais revelaram a presença de sedimentos rubefactos, indicador de se terem realizado em época contemporânea fortes fogueiras no local. Segundo conseguimos apurar, existe ainda a memória de isso ter acontecido. Após a decapagem das camadas superiores, identiicaram-se duas unidades estratigráicas que, provavelmente, corresponderão ao mesmo contexto: um enorme nível de derrube com pedras. A U. E. [15], sedimento arenoso (saibro?) pouco compacto, homogéneo e de cor amarelado (10YR 5/6), permitiu a recolha de um fragmento de um Dinheiro de D. Sancho II (Moeda 2) (Fig. 10). A U. E. [16] é essencialmente constituída por grandes blocos de granito e alguma pedra de média dimensão a preencher os espaços (Fig. 8).

Fig. 8 – Nível de derrube composto por grandes blocos de pedra.

Infelizmente, por questões de agenda e logística, não possível prolongar a escavação. Assim, estes vestígios de derrube foram mantidos in loco devido à complexidade exigida para o seu levantamento no tempo disponível para a realização da intervenção arqueológica. Equaciona-se o planeamento de uma fu-

tura campanha de trabalhos que terá como prioridade a continuação dos trabalhos nesta zona. Materiais Arqueológicos O material arqueológico resultante das três sondagens revelou-se bastante escasso (294 fragmentos de cerâmica e 2 moedas) e fragmentado. Para além do inventário e marcação dos fragmentos de cerâmica, fezse o desenho dos exemplares melhor conservados, com decoração, que permitissem reconstituição da forma e que fossem representativos do conjunto (13 peças, Fig. 9). Foi sobre esta amostra que se focou maior atenção para estruturação de estudo preliminar. As moedas foram estudadas pelo Arqt.º e numismata João Paulo Santos, a quem se agradece, uma vez que assegurou a limpeza supericial e leitura dos numismas. Cerâmicas As pastas são maioritariamente de origem local e variam entre as cores castanho claro (10YR 6/3) e o alaranjado (5YR 5/6). São peças conformadas a torno, com excepção das telhas, e possuem normalmente pasta dura com textura mediana a grosseira. As cozeduras variam entre as redutoras e as de ambiente heterogéneo. Identiicaram-se macroscopicamente pelo menos três tipos de elementos não plásticos: quartzos angulosos, grosseiros e com uma frequência mediana; feldspatos angulosos medianos e de frequência reduzida; moscovites brancas e douradas grosseiras e com frequência mediana. O acabamento inal das peças é, frequentemente, um simples alisamento. A morfologia das peças parece remeter, na sua grande maioria, para formas fechadas (potes, panelas, bilhas e jarros), com algumas formas abertas que podem ser enquadradas no universo das tigelas. As formas, as técnicas e motivos decorativos de grande parte das peças têm paralelo em materiais enquadráveis entre os séculos XII e XIII encontrados em Idanha-a-Velha (Theichner, 1997; Duarte, 2000). Os motivos decorativos são compostos essencialmente por linhas paralelas incisas nos colos e por cordões plásticos verticais digitados. Apenas um fragmento (Fig. 9, n.º 6) se destaca do resto do conjunto: um pequeno fragmento de bordo de tigela 360

com vidrado melado, parecendo tratar-se de um ataifor islâmico. A pasta cerâmica desta peça difere das pastas locais: dura, muito compacta, de textura ina e cozedura oxidante. Apresenta cor rosada (2.5YR 6/8) no cerne, assim como acabamento vidrado em ambas as faces,

de cor melado (aprox. 10YR 5/8). Macroscopicamente identiicaram-se dois elementos não plásticos: quartzos angulosos e subarredondados de média dimensão e frequência reduzida; moscovites de pequena dimensão e frequência igualmente reduzida.

Fig. 9 – Amostra das formas mais representativas recolhidas. 361

Os principais fragmentos de cerâmicas de construção encontrados são telhas de meia-cana. Alguns destes apresentam marcas digitadas, sobretudo junto dos bordos formando uma ligeira canelura. Moedas Ambas as moedas foram recolhidas em contexto de derrube. A Moeda 1 encontrava-se sob o derrube [4] da sondagem 1, enquanto a Moeda 2 estava coninada no desmoronamento [15] patente na Sondagem 3. Estas assinalam o momento de restruturação do espaço através da, eventual, demolição das estruturas pré-existentes durante a Dinastia de Borgonha (Fig. 10).

Notas: Embora a legenda passível de decifração parcial aponte para D. Afonso II, não se pode no entanto excluir o reinado de D. Sancho II, onde aparecem legendas em que a letra “V” de SANCIVS se apresenta muito curva e semelhante a um “O”. As tipologias possíveis no Catálogo Ferraro Vaz 1987 são FV A 2.10, FV A 2.11 e FV A 2.12. A presença da cruz de braços alongados coloca a moeda nos reinados de D. Afonso II ou D. Sancho II. A legenda PO (RT VG AL) do reverso exclui já o reinado de D. Dinis. Apenas os Dinheiros de D. AFONSO II E D. Sancho II apresentam cruzes de braços compridos e a legenda PO RT VG AL no reverso. Os Dinheiros de D. Sancho I e D. Afonso III não apresentam cruzes de braços compridos. Moeda 2 (M.2) – Sond.3 U.E. [15] Região de emissão: Reino de Portugal. Datação: Reinado de D. Sancho II (1223-1248). Denominação: Dinheiro. Material: Bolhão (liga pobre de Cobre e Prata). Anverso: 1 circunferência, lisa. Imagem parcial de Escudete. Legenda: (SA)NCI R(EX) Reverso: 1 circunferência, lisa. Cruz de braços compridos. Legenda: PO (RT VG A)L

Fig. 10 – Moedas recolhidas na sondagem 1 e 3. Moeda 1 (M.1) – Sond.1 U.E. [4] Região de emissão: Reino de Portugal. Datação: Reinado de D. Afonso II (1211-1223). Denominação: Dinheiro. Material: Bolhão (liga pobre de Cobre e Prata). Anverso: 1 circunferência, lisa. Imagem parcial de Escudete. Legenda: (R)EX AFOS(…) Reverso: 1 circunferência, lisa. Cruz de braços compridos. Um ponto e uma estrela em dois dos quadrantes deinidos pela cruz. Legenda: PO (RT VG AL)

Notas: Não é possível identiicar inequivocamente a tipologia. As maiores possibilidades no Livro mencionado na bibliograia são: S 2.38, S 2.42, S 2.44, S 2.49 e S 2.52. Apesar de não ser possível identiicar a tipologia com mais precisão, não há dúvida que se trata de um Dinheiro de D. Sancho II, o que se comprova pela legenda parcialmente visível do anverso (SA)NCI R(EX), pela cruz de braços compridos e legenda PO RT VG AL do reverso. Os Dinheiros de D. Sancho I não apresentam cruzes de braços compridos. Amostra de Carvões (C14) Recolheu-se na Sond.1 U. E. [4] uma amostra signiicativa de matéria vegetal carbonizada re362

sultante da utilização da lareira [6]. Estes carvões foram submetidos ao Laboratório de Datação por Radiocarbono do Instituto Tecnológico e Nuclear para análise. Os resultados calibrados obtidos (ver gráico de calibração da Fig. 11) remetem para um intervalo tempo entre inais do século X e a primeira metade do século XII (986-1155 d.C.), em pleno período de domínio árabe e anterior à fundação da nacionalidade. Resultados: Síntese interpretativa Ainda de forma muito preliminar é possível avançar com algumas hipóteses interpretativas para os contextos escavados. Julgamos que a realidade arqueológica intervencionada pode remeter para o período em que este território esteve sob domínio árabe. Existem diversos factores que conduzem a esta conclusão:

A técnica de construção, fundações e paredes, não se enquadra com os métodos habitualmente conhecidos na região, em épocas mais antigas ou recentes, que se distingue pela construção em pedra (granito e xisto). Neste caso surgem fundações com blocos de pedra colocados em espinha e “argamassados” com argila, sustentando paredes em taipa ou adobe, técnica de forte tradição árabe; A possibilidade de se atribuir a período mais antigo, nomeadamente o Romano, deve ter-se em consideração a total ausência de tegulae. Surge exclusivamente telha de meia-cana grossa e com algumas marcas digitadas, também uma característica de tradição árabe; Carência de cerâmicas manuais ou romanas (aparentemente). Apenas formas enquadráveis nos séculos XII/XIII e um fragmento de tigela (ataifor?) com vidrado melado;

Fig. 11 – Síntese cronológica interpretativa dos factos históricos: Gráico da calibração C14 da amostra de carvões da sondagem 1. 363

As moedas recolhidas remetem para a primeira dinastia do Reino de Portugal; A datação clariica inquestionavelmente qualquer dúvida, abrangendo um intervalo de tempo anterior à reconquista do território (986-1155 d.C.), sendo que mais de 50% de probabilidade centra-se no Século XI. Estamos certamente perante um palimpsesto originado durante meados do século XIII, consubstanciado pela construção da torre templária que viria a reformular completamente a área de estudo. O espaço sofreu, provavelmente, algum tipo de destruturação após reconquista do território e terá sido sujeito a um desmantelamento programado, sobretudo, a partir do momento em que a aldeia da Bemposta1 passa a ser propriedade de D. Pôncio Afonso de Baião, durante o primeiro quartel do século XIII, intensiicado com a sua doação à Ordem do Templo, em 1230 (Fig. 11).

Assim, deste modo, temos preservado os últimos momentos de utilização das estruturas, de época islâmica, através dos carvões da lareira que terão sido selados com a demolição das paredes em adobe no primeiro quartel do século XIII, registado pela presença de uma moeda de D. Afonso II, preservada no interface entre o derrube e o pavimento. A razão que nos permite interpretar esta remodelação como evento programado e não um simples e paulatino abandono, é o facto de quase não existirem objectos de uso quotidiano in situ, assim como a inexistência de derrube de telhado. Isto denuncia uma limpeza prévia ao desmantelamento e consequente libertação da área para construção. O novo contexto urbano, de caracter miliciano, torna incompatível a presença de estruturas eventualmente domésticas junto à torre. Simbolicamente, rompe com o passado e com o poder anteriormente instalado (Fig. 12).

Fig. 12 – Planta geral das estruturas com proposta de evolução das estruturas tendo como base os alinhamentos visíveis no terreno. 1 À data conhecida como Lugar da Silva.

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