SONTAG, Susan. Sobre fotografia. trad. Rubens Figueiredo. São Paulo: Cia das Letras, 2004. p. 13-35. (RESENHA)

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Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ Faculdade de Letras Disciplina: Teoria Literária IV (LEL210) Professor(a): Ricardo Pinto de Souza Estudante: Jônatas Ferreira de Lima Souza (DRE: 115044769)

RESENHA CRÍTICA

SONTAG, Susan. Sobre fotografia. trad. Rubens Figueiredo. São Paulo: Cia das Letras, 2004. p. 13-35. Desde suas primeiras palavras, Sontag afirma que, a humanidade moderna, como um todo, vive em uma “caverna de Platão”.1 Parece que, para ela, ainda vivemos acreditando em imagens projetadas na parede de uma caverna. Não nos punimos por isso. Achamos isso bom, afinal, segundo ela, fomos educados assim e nos regozijamos com isso. Vivemos, então, como ela menciona, num mundo que lida com fotografias desde meados do século XIX. Diferente dos acorrentados de Platão, na verdade, e a autora deixa isso claro, nossa aconchegante caverna é o mundo. Nem precisa dizer que, neste mundo, existem muitas coisas que chamam a atenção da nossa vista. Nossa relação com o espaço sempre foi arbitrária, e nossos olhos sempre viam o que era permitido a eles – digamos, um limite intelectual da visão, no qual esse ver, pode ter sentido de entender; também ver/entender segundo o arcabouço da linguagem aprendida. Com a popularização das representações artísticas, a vista pôde identificar algo novo no ambiente para observar, admirar e avaliar tais cenários selecionados e coisas que vão para além da simples vista, do simples olhar algo por olhar, pois são representações interpretadas por outro, são frutos da visão de outro, e então se vê/entende pelo olhar de outro. As fotografias são um tipo de avanço desse elemento artístico que, como afirma Sontag, buscam armazenar uma grande quantidade de imagens do mundo a volta. Seria, por tanto, uma grande explosão de pequenos recortes desse espaço em torno da humanidade. O mundo moderno é claramente maior do que aquele mundo – de conhecimento – predominantemente provinciano da antiguidade – aqui também um ver como entender; assim como maior, poder significar mais conhecido, de conhecimento mais acessível. As representações artísticas locais foram internacionalizadas e as pessoas, na melhor das hipóteses, agora podem ver (e tentar entender) o espaço do outro, sem sair do lugar. Como diz

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SONTAG, p. 13.

a autora, ter essas fotos é como se colecionássemos recortes do mundo. Dessa forma, segundo ela, também são os filmes e os programas de televisão. Do quadro à foto, esta se torna portátil – um pedaço do mundo nos bolsos. Dentro dessa questão, pensamos se é possível ver, de fato, um lugar, por meio de uma foto ou se é possível entender o contexto de um espaço apenas olhando uma, ou algumas. A foto congela um instante no tempo, em princípio, sem certa criatividade artística, ou mesmo, sem a boa intenção do pintor, na possibilidade de afirmar ter produzido uma arte fiel ao modelo – se este for o caso. Seriamos inocentes em acreditar que uma foto não teria problemas de registro desde os seus primórdios. Manchas, ou um dedo que aparece, uma foto trêmula, etc. Sontag acredita que, antes de qualquer coisa, a foto é uma miniatura do mundo. Qualquer um pode tirar uma foto. No entanto, uma foto pode ser editada. Elementos de uma foto podem ser retirados ou acrescentados, segundo o interesse daquele que se apropria dela. Nos primórdios, a foto era um elemento que comprovava um fato, ajudava com investigações policiais, atividades arqueológicas, como afirma a autora, mas sabemos ou deveríamos ter ciência de que as fotos, com pouco tempo de uso, já na primeira metade do século XX, eram utilizadas por ideologias políticas totalitaristas que investiam alto no ramo da propaganda manipulada. Logo, temos a necessidade, moderna, de suspeitar das fotos. Apesar de a autora mencionar sobre esse elemento positivo da fotografia, ela também afirma que “as fotos são uma interpretação do mundo tanto quanto as pinturas e os desenhos.”2 Diferente das pinturas ou desenhos – objetos artísticos cujo transporte é problemático – as fotografias e as vendas em massa de máquinas fotográficas, já mostravam as grandes pretensões desse mercado: possibilitar que as pessoas registrem, compartilhem e acessem facilmente suas experiências – pretensões ditas democráticas. Para argumentar acerca disso, a autora faz um brevíssimo histórico da experiência ocidental com câmeras, desde 1840: das grandes e pesadas, até às de bolso. Nesse quesito, Sontag passa a narrar sobre os prováveis usos da câmera fotográfica, sendo esse um elemento sempre destacado por ela. As pessoas estão sempre cobrando, umas das outras, por fotos, por comprovações visuais. O que será visto na fotografia, ganhará gradativamente mais importância do que o objeto fotografado, pois será aquilo que ficará guardado nos álbuns. Como a autora afirma, ninguém viaja sem uma câmera fotográfica, além do crescente costume de não se passar mais tanto tempo contemplando o objeto de foco, com a pura vista – sem a câmera. As pessoas, no geral, querem imortalizar um momento no tempo. Dentre os comuns, a autora extrai e comenta

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SONTAG, p. 17.

sobre a vida e decisões genéricas de um fotógrafo profissional que, diante de suas temáticas, opta por não aparecer e/ou interver no cenário a ser fotografado. Para embasar muitos de seus argumentos, a autora fala de suas experiências, de experiências de outras pessoas, ora generalizando vivências, ora exemplificando com nomes reais e nomes da ficção por meio de filmes. Por exemplo, está entre os seus argumentos, a substituição de armas por câmeras fotográficas em um safári africano, sendo isso uma grande contribuição – podemos dizer, positiva – para afogar o mundo em imagens. Também, segundo a autora, as fotos “não podem criar uma posição moral, mas podem reforçá-la – e podem ajudar a desenvolver uma posição moral ainda embrionária.”3 Nesse caso as fotos são certamente utilizadas para instigar uma postura política daqueles que a observam. O efeito desejado, ao observar uma imagem, pode sair contrário ao esperado – sendo isso uma variante, segundo a orientação política/religiosa do observador. Para isso, a autora exemplifica, falando sobre fotos de guerras (como a do Vietnã e Coreia), das quais se esperava, do observador, uma reação favorável ao fim dos conflitos, mas, isso nem sempre acontecia. As fotos soam mais impactantes, por selecionarem um momento no tempo – julgado pelo fotógrafo como o mais marcante dentre as outras possibilidades –, do que movimentos na televisão: assim acredita a autora. Isso nem sempre, claro, pode ser considerado, pois, com o avanço da tecnologia televisiva, existem momentos da transmissão jornalística, supostamente real, por exemplo, sobre um conflito armado, em que há a possibilidade de closes ou slow motion para enfatizar os argumentos apresentados na reportagem. Podemos entender esse efeito, como um efeito emprestado das intenções fotográficas, já que um close nos olhos lacrimejados de uma vítima de racismo, estupro, assalto, guerra, etc. tem o intuito de focar – descartando para o telespectador as outras partes julgadas sem valor, no momento, do corpo da vítima –, no elemento que mais representa sua angústia, indignação ou emoção, isto é, os olhos cheios de lágrimas, cuja a câmera espera ansiosamente pela queda da primeira gota. Apesar disso, por mais impactante que seja o close televisivo nos olhos da vítima, esse evento será passageiro e a reportagem seguirá com novas informações sobre outros assuntos desconectados. Por sua vez, para a autora, as pessoas podem criar relações afetivas de uma vida inteira com uma fotografia. Uma foto pode remeter a uma memória negativa ou positiva. Uma matéria emotiva em um jornal terá tempo limitado na memória e no imaginário das

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SONTAG, p. 28.

pessoas comuns – não especializadas no tema –, sendo que os únicos afetados de fato, são as vítimas mostradas na reportagem. Algo que é insistentemente repetido, tende a ir perdendo seu impacto esperado em uma comunidade de olhos e ouvidos quase atentos. A autora também prevê isso, quanto a insistência na repetição de fotos sobre algo, mencionado que “o choque das atrocidades fotografadas se desgasta com a exposição repetida, assim como a surpresa e o desnorteamento sentidos na primeira vezem que se vê um filme pornográfico se desgastam depois que a pessoa vê mais alguns.”4 Isso é evidente socialmente. Mas, obviamente, não se trata de um treino, cuja insistente repetição é necessária para o aperfeiçoamento. Curiosamente, como fala a autora, fotos são mais recorrentemente utilizadas junto a informações destinadas ao conhecimento da massa, pressupondo sua dificuldade em leitura densa, estas, recorrentes em publicações para leitores mais experientes que supõem necessitar de menos ou de nenhuma imagem, para se compreender o conteúdo. Mas podemos lembrar que, para uma rápida apresentação de um assunto, seja ele originalmente denso ou não, a presença das imagens ilustrativas é sempre bem-vinda, seja em uma palestra, seja em um evento de cunho acadêmico, etc. A palavra em questão, uma foto “ilustrativa”, marca exatamente seu valor, pois ela pretende esclarecer ou confundir, e mesmo ocultar uma informação – que parte da intenção do seu possuidor/usuário. Em decorrência disso, autora menciona em seu texto que “fotos, que em si mesmas nada podem explicar, são convites inesgotáveis à dedução, à especulação e à fantasia.”5 A questão é compreender se, com toda essa defesa acerca da nossa sociedade ser uma sociedade educada com imagens e por conseguinte, sermos como habitantes de uma caverna de Platão, é possível nos identificarmos com essa situação? Será que foi com essa questão das imagens, dessa reprodução imagética de um suposto “real”, que lidou Platão? O filósofo platônico escaparia a tentação do mundo moderno das imagens, já que, para nós, segundo a autora, elas também são convites ao pensamento? O que será que ele diria, ou melhor, como escaparia dessas supostas correntes que nos aprisionam em nossa aconchegante e “democrática” caverna? A autora não lidou com essas problemáticas nesse texto – ela apenas puxou a questão no princípio e seguiu argumentando sobre como somos, neste mundo atual, ligados às fotografias e às imagens em geral. Fica-nos apenas as suposições. É válido, entretanto, saímos desse mundo das fotografias? De qual tipo de caverna, por tanto, deveríamos nos predispor a sair: a de Platão ou de Sontag? E por qual motivo deveríamos? 4 5

SONTAG, p. 31. SONTAG, p. 33.

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