Sou Educador Educação Infantil: capítulo 8 - Freinet e a pedagogia do bom-senso

June 2, 2017 | Autor: Maria Viana | Categoria: Educação, Pedagogia Libertaria, Celestin Freinet
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Freinet e a pedagogia do bom-senso

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or meio da observação, experimentação e comparação, discutindo com seus pares e construindo suas teorias a partir da realidade, Célestin Freinet ajudou a erigir um movimento conhecido internacionalmente: a Federação Internacional dos Movimentos da Escola Moderna (FIMEM), sediada em Bruxelas. Muitas das contribuições desse educador infatigável, como a organização de cantos de trabalho na sala de aula, o jornal escolar e o jornal mural são utilizadas por professores de diferentes escolas, independentemente da linha pedagógica seguida pelas instituições de ensino onde atuam. O que pouca gente sabe é que essas e tantas outras práticas adotadas por Freinet foram concebidas em um momento em que não só a França, mas o mundo inteiro, estava em ebulição devido aos adventos das duas grandes guerras mundiais. Nesse sentido, sua atuação foi e ainda é revolucionária, não só por estar embasada em uma filosofia pacifista, mas também por lutar pela igualdade social e pelo incentivo à ação cooperativa, centrada na ideia de que o trabalho valoriza o homem. O conjunto de práticas e reflexões proposto por ele e seus companheiros de percurso ajudou não apenas a rever a postura que se tinha quanto ao ensino e à rigidez da escola tradicional no início do século XX, como abriu um vasto campo de possibilidades para a construção de uma pedagogia experimental, na qual a vida não estava separada da escola e professores e alunos compartilhavam conhecimentos e saberes. Apresentaremos um pouco da trajetória de vida e das ideias desse grande educador francês, que merece ser lido e compreendido, pois suas contribuições são preciosas, sobretudo neste momento, em que tantas crianças são cerceadas daquilo que, segundo Freinet, deveria ser seu direito primordial o “tateamento do mundo”.

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Célestin Freinet: da infância no campo ao campo de batalha

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élestin Baptistin Freinet nasceu no dia 15 de outubro de 1896, no vilarejo de Gars, localizado nos Alpes Marítimos da França. Filho de agricultores, viveu nessa aldeia até completar 13 anos. As memórias da infância, desfrutada ao ar livre, e do trabalho que realizava como pastor das cabras do pequeno rebanho da família, foram marcas indeléveis e estão presentes em muitos de seus textos, pois, em certa medida, permeiam e fundamentam sua prática pedagógica ao longo de toda uma vida dedicada à educação. Aos 13 anos concluiu os estudos primários e foi admitido em um colégio em Grasse. Três anos depois, ingressava na Escola de Formação de Professores de Nice, onde estudou durante dois anos. Com o advento da Primeira Guerra Mundial, em 1914, o jovem Freinet foi convocado para o serviço militar. Em um dos combates, foi asfixiado pela emissão de gases tóxicos, o que comprometeu seriamente sua saúde para o resto da vida.

Foto de Freinet quando criança em Gars, sentado no centro.

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Intersaberes A Primeira Guerra Mundial A Primeira Guerra Mundial (1914-1917) foi um conflito entre grandes nações pelo controle de territórios. Entre as suas características mais contundentes, destaca-se o expansionismo. As nações europeias, divididas em dois blocos, formaram, de um lado, a Tríplice Aliança (Alemanha, Áustria e Itália) e, de outro, a Tríplice Entente (França, Inglaterra e Rússia). Com o desenrolar da guerra, muitas nações acabaram envolvidas e foram afetadas por suas consequências dramáticas. Para os países envolvidos, além de um número de mortos em torno de 8 milhões e de 20 milhões de feridos, a guerra provocou uma redução significativa na capacidade produtiva desses países. Contudo, outros se beneficiaram com o conflito, como os Estados Unidos, pois esse período marcou sua expansão econômica e sua influência em âmbito mundial. No caso brasileiro, a Primeira Guerra provocou um impulso na indústria, que teve um crescimento significativo ao longo desses anos. Durante a guerra, foram suspensas as importações que sustentavam o mercado interno, o que paralelamente desencadeou o incremento da produção nacional. As exportações de alimentos também tiveram crescimento considerável neste período. (MARTINEZ, 2000, p. 36)

As primeiras experiências como professor Em 1920, Célestin Freinet é nomeado professor adjunto de uma classe rural em Bar-sur-Loup, uma aldeia próxima de Grasse, região conhecida pela produção de excelentes perfumes.

Freinet com seus alunos em Bar-sur-Loup.

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Nessa aldeia, além de dar aulas, dedica-se às culturas de florais aromáticos. Lembrando-se das próprias experiências desagradáveis como ex-aluno de uma escola tradicional, a despeito de não ter nenhuma experiência pedagógica, constrói seus próprios princípios, fundamentados em uma educação prática, próxima à realidade das crianças, na qual as individualidades eram respeitadas.

Intersaberes Pedagogia do Trabalho O trabalho é o grande princípio, o motor e a filosofia de sua pedagogia (Pedagogia Popular), que parte da atividade para chegar às outras aquisições. Para ele, influenciado pela filosofia marxista, a escola pretendida e pensada é a Escola do Trabalho, perfeitamente integrada no processo geral da vida: a criança torna-se sujeito e o professor, aquele que orienta, estimula e facilita a aprendizagem. O trabalho permite aos homens se estruturar e educar ao mesmo tempo em que transforma a natureza. A atividade, pressuposto fundamental da Pedagogia do Trabalho, é como algo natural, resultante de uma ação intelectual ou física. Através do trabalho, o homem desenvolve total e afetivamente suas potencialidades, se não lhe retirassem o encanto de construir. O trabalho livre e criador é a forma de o ser humano ascender, dominar o meio, exercer seu poder. [...] Freinet quer que a criança seja preparada para seu papel de homem e de trabalhador ativo. Através do trabalho-jogo, poderoso elemento do comportamento humano. Há como que um comando interior que aciona o estreitamento de relações entre os membros da sociedade, desenvolvendo, assim, o melhor que existe em cada um, pois ele (o trabalho-jogo) é tudo. Inteligência, razão, caridade, fraternidade, bondade, justiça, generosidade são características que estão presentes somente no homem, que “pode conservar o sentido do trabalho-jogo”, a verdadeira fraternidade, dizia Freinet. (ELIAS, 1997, pp. 46-47)

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Do caderno de notas ao livro da vida

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s exigências dos programas de educação, o rigor dos horários, o comportamento disperso das crianças diante do conteúdo distanciado da realidade, que exigiam imobilidade física e mental, somado ao próprio esgotamento de Freinet, devido à sua saúde frágil, levaram-no a concorrer à vaga de inspetor primário. Para prestar o concurso, lê com afinco as obras de Comenius, Montaigne, Rabelais, Rousseau, Pestalozzi, Spencer e William James, procurando relacionar as teorias desses diferentes pensadores com o tipo de educação no qual acreditava. É aprovado com sucesso no exame para professores de Letras da Escola Primária Superior de Brignoles. Mas, ao visitar a instituição e conversar com o diretor, conclui que ali não era seu lugar e desiste de assumir o cargo. Assim, volta para Bar-sur-Loup.

Registros A escrita permanente de suas experiências pedagógicas, registradas diariamente em cadernos, sempre foi o ponto de partida para suas reflexões e fundamentações teóricas. Neles, anotava o que ouvia das crianças, seus gestos, a maneira como se comportavam e como construíam suas próprias hipóteses para compreender o conteúdo maçante exigido pelos programas de ensino.

Freinet construiu com seus alunos diversas práticas pedagógicas que tinham como objetivo aproximar a escola da vida.

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Com a palavra... Quando Freinet voltava dos passeios com as crianças, escrevia um resumo do que tinha acontecido durante aqueles momentos vivos. As crianças liam, comentavam, acrescentavam observações e depois copiavam o texto nos seus cadernos, ilustrando-os com desenhos ou da forma que quisessem. A atmosfera da aula ia se transformando; a leitura e a escrita eram feitas com entusiasmo, o assunto interessava e apaixonava as crianças. Ao relerem seus textos, já nos cadernos, havia uma grande emoção. Era uma forma de prolongar e regravar aqueles instantes de vida que tinham passado juntas, sob o signo alegria, da liberdade e da amizade. Rosa Maria W. Sampaio

Durante essas observações, ia ficando cada vez mais claro para o educador que o interesse das crianças não estava no conteúdo registrado nos livros de leitura, mas na vida que pulsava nos campos, nos rios, no céu azulado da aldeia. Foi movido por esse desejo de entender o que realmente interessava aos alunos, somado à sua necessidade de respirar ar puro para melhor cuidar da saúde, que ele idealizou a aula-passeio. Diariamente, o educador organizava aulas que eram dadas ao ar livre. Nessas saídas, os alunos passeavam pelo campo, onde recolhiam folhas e pedras, observavam os animais; de volta à sala de aula todo esse material era catalogado e usado nas práticas pedagógicas. Percorrer os becos da vila para conhecer e admirar o trabalho dos profissionais da região, como marceneiros, sapateiros e ferreiros, também era comum. Ao voltar para a sala de aula as crianças trocavam suas descobertas, conversavam sobre o que observaram, compartilhavam os pequenos “achados” que traziam nos bolsos.

Célestin Freinet com seus alunos em uma de suas aulas-passeio.

Do próprio hábito do educador de anotar suas reflexões e observações em cadernos e de ser o escriba das crianças, quando retornavam das aulas-passeio, surgiu a ideia de criar o chamado “livro da vida”. Ali eram registrados os momentos vividos pelo grupo. Todos podiam fazer anotações nesse livro, inclusive Freinet. Mas não eram só as palavras escritas que ocupavam essas páginas, ali eram incluídos desenhos, folhas impressas, convites recebidos, fotos etc. Esta prática pedagógica ainda é recorrente em todas as classes em que a pedagogia Freinet é adotada.

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Intersaberes Por que realizar estudo do meio? O estudo do meio é uma prática pedagógica que se caracteriza pela interdisciplinaridade. Em relatos de escolas anarquistas de São Paulo do início do século XX, já se nota a preocupação dos educadores da linha pedagógica de Ferrer de pôr o aluno em contato com o meio social ou em situação de observação direta dos fenômenos naturais, para lhe proporcionar um estudo mais interativo e envolvente. O educador francês Célestin Freinet foi um dos ardentes defensores do “estudo da realidade próxima do aluno”, sendo esta prática uma das bases de seu método. Entre os seguidores dos métodos ativos da Escola Nova, a adesão aos estudos do meio foi uma constante. As escolas experimentais brasileiras da década de 60 especializaram-se nos estudos do meio, que passaram a integrar os currículos escolares de maneira efetiva. Com elas sedimentou-se uma metodologia de estudo para alunos das séries finais do ensino fundamental e, posteriormente, surgiram empresas pedagógicas especialmente criadas para esse fim. A realização de estudo do meio faz parte, portanto, de uma “tradição escolar”, embora seus objetivos nem sempre sejam os mesmos para os educadores. Organizar saídas dos alunos da escola é, normalmente, algo bem aceito e visto sempre de maneira positiva, quer pela motivação que provoca nos alunos, quer pelas oportunidades pedagógicas que pode oferecer. Muitas vezes, entretanto, o estudo do meio torna-se sinônimo de excursão, de passeio, sem representar, efetivamente um “estudo de campo”, um momento específico de aprendizagem mais dinâmica e significativa. Para as disciplinas de História, Geografia e Artes, o “meio social e físico” corresponde a um laboratório de ensino. A sociedade, em suas relações temporais e espaciais, normalmente apresentada por textos escritos ou pela iconografia, situa-se em outra dimensão e profundidade ao ser observada diretamente, pois neste caso surge a oportunidade de dialogar com pessoas, identificar construções privadas e públicas, atentar para fatos cotidianos que geralmente passam despercebidos e transformá-los em objeto de estudo, de análise, de descoberta. A possibilidade de concretizar estudos interdisciplinares por intermédio de estudo do meio é indiscutível. Embora História e Geografia sejam consideradas as disciplinas privilegiadas para a realização de atividades como essa, todas as demais podem-se integrar no estudo de um quarteirão, bairro, fazenda ou indústria. (BITTENCOURT, 2009, pp. 273-274)

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Escrita livre

Ensinar a ler e escrever na pedagogia de Célestin Freinet Em suas observações a respeito do desenvolvimento infantil, Célestin Freinet percebeu que durante os três primeiros anos de vida a criança, seja por meio da imitação, seja através da seleção e reunião de palavras significativas para ela, consegue construir sua própria linguagem. Por intermédio da experiência concreta que a criança tem a partir do convívio com outras pessoas, interagindo com os objetos, deslocando-se no espaço e operando mentalmente com as experiências temporais, a linguagem vai paulatinamente sendo conquistada.

Freinet com seus alunos.

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Nesse processo, os gestos, usados como maneira de expressar seus desejos, vão sendo substituídos pela palavra falada. A memória tem muita importância nessa fase, pois é por meio dela que a criança guarda as lembranças das palavras ligadas às experiências significativas, porque a memória é afetiva.

Intersaberes Primeira lei: a vida é Tudo se passa como se o indivíduo – e aliás todo ser vivo – fosse dotado de um potencial do qual ainda não podemos definir nem a origem, nem a natureza, nem a meta, a qual tende não só a conservar-se a recarregar-se, mas também a aumentar, a adquirir um máximo de potência, a desabrochar-se e a transmitir-se a outros seres que serão seu prolongamento e sua construção. E tudo isso não ao acaso, mas segundo as linhas de uma especificidade inserida no próprio funcionamento de nosso organismo e na necessidade de equilíbrio sem o qual a vida não poderia se realizar. Toda coerção e todo obstáculo que dificultam e impedem essa realização dinâmica do destino íntimo do ser são sentidos como uma ruptura perigosa de equilíbrio necessário. A queda do potencial de vida suscita um sentimento de inferioridade e de impotência que é para nós uma dor profunda, assim como o golpe que acerta nosso corpo pode diminuir nossa potência fisiológica, desequilibrar nosso organismo e causar-nos um sofrimento que é apenas a tradução sensível do golpe sofrido. É, ao contrário, do recarregamento normal desse potencial de vida que o homem tira seu sentimento de potência, que lhe é tão essencial como a própria respiração, do qual cada falha provoca uma opressão e cuja satisfação é como uma exaltação desse instinto de vida, sem o qual, apesar das mais surpreendentes descobertas da ciência e da filosofia, nada seria. Toda a nossa pedagogia, visará, justamente, a conservar e a aumentar esse potencial de vida que os métodos tradicionais reduzem, chegando por vezes a eliminá-lo, e cuja persistência e exaltação são como o próprio barômetro de um método sadio. (FREINET, 1998, pp.12-13)

A linguagem escrita é inteiramente outra coisa, pois ela permite à criança penetrar em mundos diferentes. Por meio da escrita, o indivíduo enriquece a sua própria experiência cultural e a de outrem. Trata-se de uma viagem e, como toda viagem, tem necessidade de pontos de partida bem sólidos para a preparação de ritmos, de motivações, de paradas, de trocas significativas com os com-

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panheiros de viagem. Essa caminhada impõe, de início, avançar do lugar onde a criança já se sente segura, neste caso da palavra falada, que tem grande carga afetiva, para daí se chegar à uma linguagem mais fria, mais indireta, uma linguagem que perdeu o calor do “todo”, que é a palavra escrita.

A escrita e a leitura podem ser vistas como ampliação de horizontes, mas também como processo inibitório.

Para muitas crianças e adultos existe somente a experiência da prisão. Por isso, em muitos casos, acredita-se que não vale a pena fazer a viagem, porque o esforço para superar as passagens mais difíceis é muito grande e é inútil empreendê-lo. Por isso, para Freinet, a aprendizagem da linguagem escrita deve ser um percurso que permite a chegada a lugares desconhecidos, a emoções e pensamentos de outras mulheres e de outros homens que vivem nesse momento e que já viveram em outros tempos, daí a importância dada à literatura. Nesse processo, o papel do professor é o de ajudar a construir as hipóteses sobre a aprendizagem da escrita, mas sem fraturas com a comunicação oral e sua grande riqueza de possibilidades. Diferente dos métodos para aprender a ler, que separam o momento da aprendizagem da técnica, do momento da comunicação e do pensamento, o método natural de Freinet prevê o encorajamento das crianças a realizarem trocas verbais, mesmo na forma escrita.

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Nessa visão pedagógica, aprender a leitura e a escrita não é um problema de uma técnica ou de um método, é um problema de relações humanas. É uma questão antropológica, que tem como premissa básica o acesso à cultura letrada. É importante ressaltar que o trabalho em equipe também tem grande importância durante o processo de ler e escrever na Pedagogia Freinet, portanto, a palavra de ordem é cooperação. O grupo tem sempre a possibilidade de comparar diferentes hipóteses, proposições, caminhos e as diferenças individuais são fundamentais para se tomar consciência do próprio percurso.

Intersaberes Prensa mecânica em uso, xilogravura de Jost Amman, 1568.

Para Freinet, não há idade definida para introduzir a escrita numa sala de aula. Desde a escola maternal devemos valorizar os textos infantis. Nessa fase, o professor é o escriba, mas precisa ser fiel ao pensamento da criança que copia o texto da lousa, do coleguinha ou produz a própria escrita. É um verdadeiro trabalho de composição e criação. A partir de então, começará o trabalho de ajustamento da forma escrita ao pensamento e à expressão de seu autor. Munida da técnica da escrita, cada criança de uma classe Freinet trabalha consoante ao seu próprio ritmo, ora em conjunto com toda a classe, ora individualmente ou em pequenos grupos. Conduzida e amparada pelo grupo, sabendo-se ouvida, a criança participa do processo de seleção dos textos que serão melhorados (escolhidos por votação entre as produções livres dos alunos) sintática e gramaticalmente. A atenção é dispensada a todos os textos afixados, juntas as crianças participam das descobertas, experiências e achados. (ELIAS, 1997, p. 87)

A imprensa na escola

Catálogo tipográfico da Caslon, de William Caslon, 1732.

Outra contribuição de Freinet, que provocou grandes mudanças nos rumos da educação à sua época, foi a introdução da imprensa na sala de aula. Isso aconteceu no final de 1924. Como todas as outras contribuições desse educador, essa também foi implementada de dentro para fora. Ou seja, foi a partir da observação das dificuldades que as crianças tinham não só de ler os textos dos compêndios, mas também de produzir seus próprios textos, somada ao desejo de compartilhar as belas composições que as crianças produziam na volta das aulas-passeio, que Freinet resolveu levar para a sala de aula tipos móveis, para serem usados pelas crianças para compor seus próprios textos. Conseguiu com um tipógrafo da região uma pequena prensa e uma coleção de tipos e desenvolveu maneiras de facilitar o uso desse equipamento pela turma.

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O entusiasmo dos alunos mais uma vez comprovou que Freinet estava no caminho certo. Durante a composição dos textos criados, o educador aproveitava para ajudá-los a corrigir suas próprias produções, que, depois de impressas, eram compartilhadas, não só com os colegas de classe, mas também como os pais e outras pessoas da comunidade.

Por meio da imprensa escolar, os alunos elaboravam jornais cuja leitura era compartilhada por amigos e familiares.

Vantagens do uso da imprensa da sala de aula • Agilidade manual e coordenação harmoniosa dos gestos. • Na execução do trabalho, educação da atenção, cada letra tem seu valor, pois é preciso que o texto impresso seja o mais perfeito possível. • Exercício progressivo da memória visual. • Aprendizagem natural, sem esforço, da leitura e da escrita das palavras. • Sentido permanente da construção de frases corretas. • Aprendizagem da ortografia pela globalização e análise de palavras e frases ao mesmo tempo. • Sentido de responsabilidade pessoal e coletiva. • Novo clima de uma comunidade fraternal e dinâmica.

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Correspondência escolar Ao conhecer as ideias de Freinet, por meio dos artigos que lia nas revistas, um amigo do educador, que lecionava no Norte da França, escreveu para explicitar o desejo de usar as experiências do colega em suas classes. Assim, tem início a troca de correspondência não só entre os professores, mas também entre os alunos das duas escolas. Nos envelopes iam não só o jornal da classe, mas bilhetes, desenhos, fotografias, receitas regionais, sementes das frutas locais, conchas encontradas nos passeios à beira-mar, entre outras coisas.

Com a palavra... Nesse clima foi crescendo o laço emotivo essencial para que a criança se sentisse verdadeiramente presente e atuante em seu mundo, pois, ao escrever, ela sabia que seu texto chegaria a alguém que logo o leria e, com a mesma emoção, mandaria a resposta. O aprendizado da linguagem escrita era feito de forma apaixonante e extremamente rica. A vida falava mais alto. Rosa Maria W. Sampaio

Intersaberes O texto livre Outro aspecto importante da Pedagogia Freinet é o texto livre, construído em diferentes situações (impressora, livro da vida, murais coletivos). O texto abaixo, de autoria do professor Alberto Tornaghi, discorre sobre essa prática pedagógica. Todo o trabalho do estudante começa sempre nos textos livres, base da Pedagogia Freinet. Estes são textos efetivamente livres, na forma e no tema. São expressão do desejo e da curiosidade da criança ao mesmo tempo em que explicitam os temas que elas elegem como importantes. A produção do texto livre parte da vontade do estudante e se dá no instante em que esta vontade se manifesta e não em alguma aula ou momento previamente escolhido para isso. Segundo os defensores do método natural “só assim ele trará as vantagens que reconhecem essenciais: espontaneidade, vida, criação, ligação íntima e permanente com o meio e a expressão profunda da criança e do jovem” (SAMPAIO, 1989). O texto livre parte de um trabalho individual, produzido por um estudante no aconchego de sua solidão, partindo de sua vontade soberana. Em seguida, a classe escolhe, entre os vários textos produzidos, um que será “aperfeiçoado coletivamente, quer no que diz respeito à verdade do conteúdo, quer na sua forma sintática, gramatical e ortográfica. A obra que depois é dada aos pequenos tipógrafos é o resultado do nosso método natural de trabalho, que respeita o pensamento infantil, mas contribui com seu auxílio técnico, enquanto espera que a criança esteja em condições de caminhar pelo seu pé e de nos trazer textos e poemas que só teriam a perder com a nossa intervenção.” (FREINET, 1974, p. 21) Mas o texto livre não nasce por um passe de mágica: é preciso inspirar na criança o desejo de se exprimir. E isto se dá por intermédio do jornal e das cartas aos correspondentes. Quando a criança percebe que o que tem para contar é importante para a sua comunidade, se engaja no trabalho e produz com afinco e prazer. Fonte: Educação Pública RJ. Disponível em: . Acesso em: 15 ago. 2015.

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A internacionalização de saberes

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Na Pedagogia Freinet, a educação é vista como um instrumento que possibilita a inserção do estudante em seu meio ambiente e possibilita que ele seja um transformador crítico desse meio.

m 1922, Freinet é convidado para ir a Altona, perto de Hamburgo. Durante essa viagem, visita escolas alemãs. Certamente, conhecer escolas onde não havia regras, nem castigo, onde a autoridade do professor não existia, contribuiu para ampliar suas reflexões, muito embora não trouxesse muita ajuda para resolver os problemas enfrentados por ele como professor de uma escola rural. Ainda mais transformadora foi a participação no Congresso da Liga Internacional para a Educação Nova, realizado em Montreux, na Suíça. Nesse evento, encontra-se com Ferrière, Claparède, Bovet e Cousinet. Ao ouvir os educadores defendendo o papel ativo da criança no processo educativo – pois acreditavam que a criança é um ser social – compreende que está no caminho certo. Fascina-se pela ideia de que o trabalho realizado em pequenos grupos é mais significativo do que a estrutura formal da escola, em que o professor é o único detentor do conhecimento. Volta para a sua aldeia modificado e, estimulado sobretudo pela leitura da obra L’École Active, de Adolphe Ferrière, um dos idealizadores da Escola Nova, começa a tangenciar alguns problemas pedagógicos, filosóficos, sociais e políticos.

Biografia Adolphe Ferrière nasceu em Genebra, no dia 30 de agosto de 1879, e faleceu na mesma cidade, em 1960. Seu nome está intimamente ligado ao movimento da Escola Nova. Ficou completamente surdo com 20 anos. Em 1910, casou-se com a professora de ciências naturais Isabelle Bugio (1885-1969), que seria sua assistente e colaboradora por toda vida. Em parceria com Pierre Bovet e Édouard Claparède, fundou o Bureau Internacional d’Éducation Nouvelle. Participou de vários eventos em prol do movimento da Escola Nova, que tinha como principal objetivo a renovação da aprendizagem, em oposição à escola que adotava métodos tradicionais de ensino.

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Para ele, a educação deveria ser uma forma de contribuir para o desenvolvimento infantil e suas potencialidades, numa educação para a liberdade. Portanto, a educação deveria ser pautada no respeito aos interesses e às necessidades das crianças. Adolphe Ferrière.

Em 1927, é realizado em Tours um congresso em que se reuniram cerca de 40 representantes de escolas que haviam aderido ao Movimento Internacional de Material Impresso na Escola. Leia a seguir, a biografia de um dos mais importantes pensadores e colaboradores para que fosse possível a criação da Escola Nova.

Biografia John Dewey (1859-1952) nasceu em uma pequena cidade de Vermont, nos Estados Unidos. Filósofo, psicólogo e pedagogo liberal, exerceu grande influência sobre toda a pedagogia contemporânea. Ele foi defensor da Escola Ativa, que propunha aprendizagem através da atividade pessoal do aluno. Sua filosofia da educação foi determinante para que a Escola Nova se propagasse por John Dewey. quase todo o mundo. Dewey praticou uma crítica contundente à obediência e à submissão até então cultivadas nas escolas. Ele as considerava verdadeiros obstáculos à educação. Através dos princípios de iniciativa, originalidade e cooperação, pretendia liberar as potencialidades do indivíduo rumo a uma ordem social que, em vez de ser mudada, deveria ser progressivamente aperfeiçoada. Assim, traduzia para o campo da educação o liberalismo político e econômico dos Estados Unidos. Embora vários aspectos da teoria de Dewey sejam similares à Pedagogia do Trabalho, seu discurso apresenta-se bastante genérico, não questionando as raízes das desigualdades sociais. Dewey priorizava os aspectos psicológicos da educação em prejuízo da análise da organização capitalista da sociedade como fator essencial para a determinação da estrutura educacional.

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Publicações e contibuições teóricas

Capa da primeira edição da revista La Gerbe.

Durante dois anos (1923-1925), Freinet colabora com a revista Clarté, do partido Comunista, dirigida por Henri Barbusse. Nesses artigos, defende a obrigatoriedade da escolaridade de todas as crianças e condena a estrutura das escolas que privilegiam a acumulação de conhecimento em detrimento de uma educação voltada para o equilíbrio pessoal e a harmonia social. Nesses escritos começa também a defender suas ideias sobre a Escola do Trabalho e a criação de uma escola cooperativa. Por meio desses escritos, a pequena escola de Bar-sur-Loup começou a tornar-se bastante conhecida e Freinet passa a ser convidado para compartilhar suas experiências com outros educadores de diferentes lugares da Europa. No ano seguinte, é realizado um congresso em Paris, onde são discutidos temas como Educação Cooperativa e a importância do jornal escolar. Nasce aí o CEL (Cooperativa do Ensino Leigo), com o objetivo de apoiar publicações que divulgavam essas novas práticas pedagógicas. Algumas dessas publicações, como a Le Gerbe (“ramalhete”, em francês), foi criada com a participação das crianças. Outra publicação de destaque, também financiada pela CEL, foi a revista L’Éducateur Prolétarien, que recebe o título de L’Éducateur a partir de 1939. Esse periódico circula atualmente sob o título Le Nouvel Éducateur. Em 1935, Freinet é convidado para participar do Congresso Internacional do Ensino, em Meudon. Nessa ocasião, teve a oportunidade de convocar cerca de 1.500 adeptos de sua metodologia de trabalho, que apoiavam a CEL, para criar um estatuto com as principais ideias do grupo.

Capa da revista L’Educateur.

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Com a palavra... Quando a criança canta, dança, desenha, pinta, grava, narra, oralmente ou por escrito, é essa exteriorização que se realiza e que explica as virtudes profundas, insuficientemente apreciadas, das técnicas de expressão artística cujos iniciadores fomos nós: a redação livre, e não só a que se contenta em descrever ou em narrar, mas é a confissão íntima de perturbações, de crenças, de temores, de sofrimentos ou de alegria; o poema-conto, que é como que uma explosão funcional, como que o uivo do cão ou o grito lúgubre da raposa na noite; o desenho, projeção fiel no papel de um mundo interior desnorteado ou desequilibrado; a gravura, que é domínio e dominação, com facilidades de expressão afetiva, de matéria inerte; o movimento, a dança, o trabalho em geral, que também são, por um rodeio sensível, tomada de consciência de uma insondável virtualidade de potência. Célestin Freinet

As contribuições da artista Elise Elise Lagier Bruno começou a trabalhar em Bar-sur-Loup, em 1926. Suas memórias desses primeiros contatos com a Pedagogia Freinet estão registradas no livro Nascimento de uma pedagogia popular. Também é assinado por ela o livro O itinerário de Célestin, no qual apresenta os fundamentos da proposta pedagógica de Freinet.

O desenho livre continua a ter muita importância nas escolas que adotam a Pedagogia Freinet na atualidade, conforme pode ser visto neste desenho de um aluno d’École Maternelle Gensolen la Farlède, feito em 10/09/12. O desenho vem acompanhado da seguinte legenda: Florian vient de déménager. Il a une nouvelle maison. Il est très content, et il l'a dessinée. (Florian acabou de se mudar. Ele tem uma nova casa. Ele está muito contente, por isso, a desenhou.) Pesquise mais: http://www.icem-pedagogie-freinet.org/blogs-des-classes. Acesso em: 15 ago. 2015.

Artista plástica de grande sensibilidade, não demorou muito para que Elise se tornasse não só esposa de Célestin Freinet, como sua colaboradora durante toda a vida. O desenho livre já tinha muita importância nas aulas do educador francês, mas certamente essa atividade ganhou ainda mais espaço com a chegada de Elise. As crianças eram estimuladas a desenhar e pintar e as histórias dos desenhos eram registradas pelas próprias crianças, ou por Freinet, que assumia assim a posição de escriba. Outras expressões artísticas, como o teatro e a apreciação musical, também tinham espaço garantido na sala de aula.

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Freinet e sua luta por uma “Pedagogia do Bom-senso”

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m 1926, Freinet solicita sua transferência para Saint-Paul de Vence. As condições precárias das instalações da escola, longe de ser um obstáculo para a o trabalho, foi visto pelo casal Freinet como mais um desafio a ser superado. Como também o era a resistência inicial, vinda por parte tanto dos alunos como da comunidade local. Todavia, não demorou muito para que a impressão do jornal e a correspondência escolar despertassem o interesse dos alunos. Foi da necessidade de angariar fundos para comprar papel, selo, envelope e tinta para impressão que surgiu a demanda de se criar a cooperativa escolar. Nessas reuniões, as crianças eram organizadas em equipes para discutir a melhor maneira de encaminhar as decisões do grupo. Na atualidade, a cooperação entre os alunos ainda é fundamental, tanto entre crianças de uma mesma turma como entre alunos de diferentes classes.

A Pedagogia do Bom-senso está alicerçada nos seguintes princípios: senso de responsabilidade, senso cooperativo, sociabilidade, julgamento pessoal, autonomia, livre expressão, criatividade, comunicação, afetividade, reflexão individual e coletiva.

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Outro aspecto importante da metodologia, foi a criação de fichários. Essa prática também surgiu da realidade em sala de aula. Como as crianças tinham muita dificuldade de compreender o conteúdo dos livros, Elise e Freinet confeccionavam, com a ajuda das crianças, fichários, onde documentavam as descobertas da classe. Os livros eram usados como fonte de pesquisa para fundamentar, eventualmente algumas dessas informações. Portanto, a biblioteca, montada em um dos cantos da sala de aula, era visitada com frequência pelos alunos.

Modelo de ficha usada nas escolas Freinet. Fonte Freinet: Evolução histórica e atualidades, p. 200.

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Experiências que se podem fazer

Conselhos práticos aos professores e precauções devidas

Possibilidades de integração com outras áreas

Modelo de ficha usada nas escolas Freinet. Fonte Freinet: Evolução histórica e atualidades, p. 201.

Exemplares da Biblioteca do Trabalho

Célestin Freinet na cooperativa de Saint Paul.

Essa prática pedagógica deu origem às brochuras que compõe a Biblioteca de Trabalho, usada nas escolas que seguem a Pedagogia Freinet ainda na atualidade. Nessas brochuras são tratados os temas mais diversos, de acordo com o interesse de cada grupo de alunos em determinada situação. O tema escolhido e desenvolvido por um grupo é posteriormente enviado para alunos de outras classes com a mesma faixa-etária, para que avaliem, critiquem e deem novas sugestões. Ao receber esse material de volta, os autores acolhem as sugestões e fazem as alterações necessárias. Na fase final, os professores fazem as adequações necessárias antes de o material ser impresso.

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As turmas com as quais Elise e Freinet lecionavam eram seriadas, ou seja, havia crianças de todas as idades e com níveis diferentes de dificuldades em Saint Paul. Isso exigia a criação de planos de trabalho semanais, mas os alunos participavam de todo processo, estabelecendo metas e maneiras de executar cada etapa do aprendizado. Também era muito importante a troca de saberes entre os que sabiam mais e os que sabiam menos a respeito de determinado assunto, o que se ajustava perfeitamente ao espírito cooperativo da proposta pedagógica.

Intersaberes As contribuições da Pedagogia Freinet para a globalização No caminho da educação natural, tudo é vida e alegria; nada de esforços inúteis ou tarefas escolares áridas. Basta o desejo de conhecer e a disposição para realizar, de forma concreta, numa estrutura aberta, num clima de liberdade, de afetividade e corresponsabilidade. Freinet defende que a liberdade produz a felicidade; um indivíduo é livre e feliz quando, em contato com os outros, ensina e aprende. Não é de admirar, portanto, que considere a cooperação como aspecto fundamental para educação e elevação do homem, que realmente aprende e incorpora técnicas, multiplicando e diversificando experiências, motivado pelos interesses e necessidades próprias. Conhecedor das personalidades dos seus alunos, tentava captar o momento em que uma criança demonstrasse interesse em aprender para, imediatamente, imaginar ou inventar novas técnicas pedagógicas. Segundo Élise (1979), eram técnicas para as quais utilizava o material impresso, complementado pelas trocas interescolares, pelos jornais e publicações das produções infantis. Juntos e colocados à disposição de todos, sem nenhuma obrigação ou cobrança, levam as crianças a “formarem verdadeiras colmeias de trabalho livre, esquecidas do tempo e das exigências dos programas”. O conjunto das práticas que fundamentam a proposta da Escola Moderna e apontam para a globalização são conhecidas como Técnicas ou Pedagogia Freinet. São elas: • a correspondência e os intercâmbios interescolares; • o jornal escolar (mural, falado e de circulação); • os fichários escolares cooperativos; • o desenho e a expressão artística (modelagem, cerâmica, gravura etc.); • a biblioteca de consulta; • o texto livre através da impressora, do limógrafo e do livro da vida; • a literatura infantil; • a cooperativa escolar; • o estudo do meio local (aulas-passeio/ pesquisas); • fichário escolar autocorretivo (matemática, geometria, gramática); • a música, o teatro livre e o cinema; • o plano de trabalho semanal e diário e • o contato da escola com os pais. (Profa. Dra. Marisa Del Cioppo Elias - PUC/SP). Fonte: Portcom. Disponível em: . Acesso em: 15 ago. 2015.

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A perseguição política

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m 1933, a escola de Freinet e Elise é submetida a uma rigorosa avaliação pedagógica. Todos os textos impressos pelas crianças são examinados, buscavam-se provas para incriminar a escola como “subversiva” como pretexto para fechá-la. Em junho daquele fatídico ano, o educador foi banido do ensino público, a despeito do apoio recebido de colegas de diferentes lugares do mundo. Dois anos depois, em 1935, abre uma escola em Vence, Alpes Marítimos, a primeira escola operária particular. Ali Freinet aprofunda suas concepções sobre a educação do trabalho.

Freinet com seus alunos na escola de Vence.

Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, em 1939, o Partido Comunista Francês é proibido de exercer suas atividades, Freinet é considerado subversivo e terrorista, muitos dos amigos do educador foram alistados para lutar na linha de combate e perderam a vida. Outros companheiros de trabalho foram presos sob a acusação de terroristas.

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O CEL foi considerado um órgão subversivo, e Freinet foi levado para a prisão, sob a absurda alegação de que sua escola era um quartel-general, onde armas estavam escondidas. Preso em um campo de concentração, localizado em Saint-Maximin, sua saúde já debilitada desde os horrores sofridos durante a Primeira Guerra, fica ainda mais comprometida. Todavia, mesmo na prisão, dá continuidade à sua ação educativa. Alfabetiza um companheiro de cela, organiza grupos de estudos, cria um jornal, do qual os colegas participavam com a produção de textos livres ou desenhos ilustrativos para as matérias. Ensinava alguns colegas a escrever cartas e era escriba de outros. Criava também peças teatrais, que eram encenadas pelos prisioneiros. Dois de seus livros -A Educação do Trabalho e Ensaio da Psicologia Sensível Aplicada à Educação -foram escritos nos anos de exílio em Vallouise.

A retomada

Cartaz do filme Comme un chemin d'enfants, exibido no Encontro Internacional dos Educadores Freinet, em Turim, Itália, em 1982.

Quando sai da prisão, em 1945, é preciso reconstruir a escola que fora saqueada e cuidar das crianças afetadas pela guerra. Dois fatos importantes acontecem em 1949, a estreia do filme L’ école buissonnière (A escola campestre) e o lançamento do livro O nascimento de uma pedagogia popular, de Elise Freinet. Em 1957, Freinet participa ativamente da criação da Federação Internacional de Movimentos da Escola Moderna (FIMEM). Finalmente, em 1964, a Escola Freinet é reconhecida como uma escola experimental e seus professores passam a receber apoio do Ministério da Educação. Sua reputação atrai muitos estagiários e visitantes do mundo inteiro. Depois da morte do infatigável educador, em 1966, Elise Freinet dá continuidade ao trabalho para assegurar a gestão da escola até seu falecimento, em 1981. A filha do casal, Madeleine Bens-Freinet, assume o comando até 1991, quando a escola é finalmente assumida pelo poder público estadual. Atualmente, há escolas que adotam a Pedagogia Freinet em vários lugares do mundo, embasadas nos princípios da liberdade de expressão. Técnicas modernas, como computador e acesso à internet, permitem um intercâmbio ainda maior de saberes em prol de uma educação inspirada na paz, na solidariedade e no respeito pelo processo de construção de saberes pelo próprio educando.

Message de Younès du mardi Blog perso de École Silfiac le 12/05/15 - 18:40 Moi, j’ai bien aimé faire la randonnée. J’ai bien aimé voir le lac. J’ai bien aimé manger le petit déjeuner. J’ai bien aimé aller dans le car à côté de Watson. J’ai bien aimé dormir. Bonne soirée !

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Na atualidade, meios de comunicação como o blog são usados pelos alunos para compartilhar suas experiências. Na mensagem acima, publicada por aluno da École Silfiac, pode-se ler a seguinte mensagem: Eu adorei fazer este passeio. Amei ver o lago. Amei o café da manhã. Amei ir de carro até Watson. Amei dormir. Boa noite! Fonte: Icem. Disponível em: . Acesso em: 15 ago. 2015.

Em 1968, os seguidores de Célestin Freinet redigiram a Declaração da Escola Moderna, na qual explicitaram os objetivos do sistema pedagógico criado por ele (ELIAS, pp. 42-43): 1. A educação é o completo desenvolvimento e construção e não acúmulo de conhecimentos, adestramento e condicionamento. 2. Nós nos opomos a qualquer doutrinação. 3. Recusamos a ilusão de educação que se baste a si mesma, à margem das grandes correntes sociais e políticas que a condicionam. 4. A escola de amanhã será a Escola do Trabalho. 5. A escola estará centrada na criança que, com nossa ajuda, construirá sua própria personalidade. 6. A investigação experimental da base é, cooperativamente, a condição primeira de nosso esforço de modernização escolar. 7. Os educadores da Federação são os únicos responsáveis pela orientação e exploração de seus esforços cooperativos. 8. Nossos movimentos da Escola Moderna estão preocupados em manter relações de simpatia e colaboração com todas as organizações que atuam no mesmo sentido. 9. Nossas relações com as administrações são de colaboração com os colegas e de liberdade de ação no interior do movimento. 10. A Pedagogia Freinet é, por essência, internacional.

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