Spin doctoring in Portugal. A study of professional sources of information operating in the Portuguese Parliament. O spin doctoring em Portugal: Estudo sobre as fontes profissionais de informação que operam na Assembleia da República

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Uminho|2013

O spin doctoring em Portugal: Estudo Fernando Vasco Moreira Ribeiro sobre as fontes profissionais de informação que operam na Assembleia da República

Universidade do Minho Instituto de Ciências Sociais

Fernando Vasco Moreira Ribeiro

O spin doctoring em Portugal: Estudo sobre as fontes profissionais de informação que operam na Assembleia da República

novembro de 2013

Universidade do Minho Instituto de Ciências Sociais

Fernando Vasco Moreira Ribeiro

O spin doctoring em Portugal: Estudo sobre as fontes profissionais de informação que operam na Assembleia da República

Tese de Doutoramento em Ciência da Comunicação Especialidade de Estudos de Jornalismo

Trabalho realizado sob a orientação do Professor Doutor Joaquim Manuel Martins Fidalgo

novembro de 2013

 

i  

Agradecimentos

Agradeço, em primeiro lugar, ao meu orientador - o Professor Doutor Joaquim Fidalgo. Foi há uns anos que recebi a sua primeira aula e, desde então, nunca mais parou de ser a minha fonte de inspiração académica. O seu conhecimento, rigor, exigência, disponibilidade e amizade foram decisivos para a conclusão deste trabalho. Agradeço à Professora Doutora Helena Lima por me ter trazido para a academia. Douta colega que sempre concentrou sabedoria na amizade e no instinto de proteção. Sem o seu apoio nunca teria acabado esta investigação. Agradeço ao Dr. Custódio Oliveira, meu mestre de comunicação política, os ensinamentos apaixonados e incessantemente atualizados que sempre soube partilhar. Sem ele esta viagem nunca se teria iniciado. Agradeço a disponibilidade e bondade de todos os entrevistados deste trabalho. Cada entrevista foi um momento especial. Um êxtase de aprendizagem e deleite que só me dá vontade de partir (rapidamente) para um próximo projeto de investigação. Agradeço à Drª Isabel Ventura, da Biblioteca do Curso de Ciências da Comunicação da FLUP, e ao Dr. Augusto Ribeiro, da Biblioteca Virtual da Universidade do Porto, as toneladas de livros e artigos que me disponibilizaram, sempre com total abnegação e profissionalismo. É um orgulho ter colegas assim! Agradeço também a um conjunto de pessoas que, por motivos variados, possibilitaram que cumprisse este caminho de investigação: Sara Rodrigues, Alexandre Vale de Carvalho, António Igreja, Rodrigo Viana de Freitas, Yunassy Tonela, Ana Paula Pereira, Mariano Quinze, Luís Canhemba, Alexandra Dias, Rui Guimarães, Helena Gomes Fernandes, António Borges, Natália Rodrigues de Carvalho, João Pedro Matos Fernandes, Andrea Cunha Freitas, Alexandre Guerra, entre muitos outros. Agradeço aos meus amigos Ricardo Gomes, Pedro Rocha, Tiago Borges, Afonso Abreu, André Barros, Eduardo Pamplona, Bruno Ribeiro Tavares, Francisco Assis, Manuel Pizarro, Raul Santos e Nuno Almeida por me terem ajudado (cada um à sua maneira) nesta caminhada de quatro anos. Agora já não tenho desculpa para faltar à nossa amizade. Agradeço aos meus pais, à Inês e à Maria (mulher e filha) - que são o centro da minha vida e um foco de amor e felicidade, pela força e compreensão nos quase dois anos de ausência. Obrigado a todos. Contei sempre convosco!

 

iii  

iv    

Resumo O spin doctoring em Portugal: Estudo sobre as fontes profissionais de informação que operam na Assembleia da República O objectivo central desta investigação é tentar compreender 1) o que é o spin doctoring; 2) se é praticado em Portugal (designadamente na Assembleia da República); e 3) se é igual, uma variação, ou uma atividade completamente diferente da assessoria de imprensa. Outro dos objectivos que este trabalho pretende alcançar passa por tentar elencar uma matriz identitária dos spin doctors que permita compreender quais são os seus grandes objectivos, pré-requisitos, principais momentos e técnicas usadas no desenrolar das suas funções. Destaque-se, também, que a assessoria de imprensa política tem sido uma das atividades profissionais do autor, assim como um objecto de estudo de anteriores trabalhos de investigação na área das ciências da comunicação. O presente trabalho revela, numa primeira fase, o peso das fontes profissionais de informação ao serviço de interesses das organizações e faz uma incursão pela história da assessoria de imprensa política mundial e nacional, desde os primeiros alvores da civilização até, praticamente, aos nossos dias. Uma investida com particular enfoque nas técnicas de manipulação dos media por parte dos mais marcantes presidentes norte-americanos, mas também uma descrição das homólogas práticas na nossa ainda jovem Democracia. Numa fase central desta tese, vamos analisar e comparar os conceitos de manipulação, persuasão e jornalismo com a assessoria de imprensa. Vamos também compará-la enquanto mecanismo de promoção ao serviço das empresas e, em contraponto, das organizações políticas e governamentais. Aqui faremos um levantamento pormenorizado das práticas de spin doctoring durante o governo de Tony Blair, no Reino Unido, relatadas por académicos, jornalistas, políticos e líderes de opinião britânicos. A última parte deste trabalho refere-se ao estudo de campo que desenvolvemos com base em 30 entrevistas de elite realizadas a elementos que “habitam” o centro da atividade política nacional e o núcleo da maior concentração e produtividade de  

v  

jornalismo político em Portugal - a Assembleia da República. Realizamos, assim, entrevistas aos ‘públicos’ do trinómio políticos, assessores de imprensa e jornalistas, nomeadamente 1) aos assessores de imprensa que desenvolvem a sua atividade para os diferentes grupos parlamentares; 2) aos jornalistas ‘residentes’ no Parlamento e que lidam diariamente com estes profissionais; e 3) aos políticos que recorrem e contratam os seus serviços. Ressalve-se entre os entrevistados encontram-se dois ex-primeiros-ministros de Portugal: Pedro Santana Lopes e José Sócrates. Para complementar estas entrevistas, analisámos o conteúdo de 572 peças jornalísticas de imprensa (papel e on-line) resultante de uma exaustiva, mas informatizada, recolha de todas as notícias publicadas na imprensa portuguesa, entre 2003 e 2012, que referiam, direta ou indiretamente, as palavras “spin”, “spin doctors” e “spin doctoring”. Como resultado principal de todo este levantamento metodológico, obtivemos não só uma tese sobre o aparecimento do spin doctoring a nível nacional e internacional, mas também uma aproximada definição e uma descrição da sua forma de atuação, ou, como aqui vem batizada: ‘a matriz identitária dos spin doctors’. Outro apontamento digno de destaque é a forma como os jornalistas parlamentares, os assessores e consultores de comunicação e os políticos veem esta atividade, em articulação com o jornalismo e a comunicação política portuguesa.

vi    

Abstract Spin doctoring in Portugal. A study of professional sources of information operating in the Portuguese Parliament The central goal of this research is to attempt to understand 1) what spin doctoring is; 2) whether this is being carried out in Portugal (namely in the Portuguese Parliament); and 3) whether this is the same, a variation, or an altogether different activity from the press consultancy office. Another of the goals that this thesis seeks to achieve includes an attempt to list an identity matrix of spin doctors to enable us to understand their main objectives, prerequisites, chief moments and techniques used in the performance of their duties. Also highlighted is the fact that the political press consultancy office has been one of the author’s occupations, as well as a subject of study in previous research papers in the field of communication sciences. This thesis starts off by revealing the weight of professional sources of information serving the interests of organizations, while making inroads through the history of domestic and international political press consultancy, from the dawn of civilization to practically our time. A proposal with a particular focus on media manipulation techniques by the most significant U.S. presidents, but also a description of analogous practices in our still young democracy. At a central stage of this thesis, we will examine and compare the concepts of manipulation, persuasion and journalism with the press consultancy office. We will also compare it as a promotion mechanism serving companies and, in contrast, political and government organizations. Here, we will conduct a detailed survey of the practices of spin doctoring during Tony Blair's term as prime-minister, in the United Kingdom, as reported by British academics, journalists, politicians and opinion makers. The last part of this dissertation pertains to the field study undertaken on the basis of 30 top-level interviews conducted with personalities “residing” in the domestic political center of activity and the core of the greatest concentration and productivity of political journalism in Portugal – the Portuguese Parliament.

 

vii  

Thus, we conduct interviews with stakeholders of the trio of politicians, press officers and journalists, namely 1) with press officers conducting their work for different parliamentary groups; 2) with ‘resident’ journalists in Parliament and who deal with these professionals on a daily basis; and 3) with politicians who turn to and hire their services. It is worth noting that the interviewees include two former prime-ministers of Portugal: Pedro Santana Lopes and José Sócrates. To supplement these interviews, we examined the contents of 572 press reports (hard copy and online) resulting from a thorough and more computerized collection of all the news published in the Portuguese press, from 2003 to 2012, which directly or indirectly referred to the words “spin”, “spin doctors” and “spin doctoring.” As a main result of this entire methodological survey, we obtained not only a thesis on the emergence of spin doctoring both nationwide and worldwide, but also an approximate definition and a description of its form of action, or, as is dubbed here: ‘the identity matrix of spin doctors.’ Another noteworthy point is the way parliamentary journalists, press officers and communications consultants as well as politicians view this activity, in combination with Portuguese journalism and political communications.

viii    

Índice   Introdução  

7  

Capítulo  I  

 

As  fontes  de  informação  e  sua  sofisticação  no  processo  de  produção  noticiosa   Introdução  

17   19  

1.  Teorias  da  comunicação  de  massa  e  seus  efeitos  

20  

2.  A  notícia  como  construção  social  da  realidade  

26  

3.  As  fontes  de  informação  no  processo  de  produção  de  notícias  

29  

3.1  Rotina  

29  

3.2  Acesso  privilegiado  das  fontes  de  poder  

33  

3.3  As  notícias  como  produto  do  capitalismo  

35  

3.4  As  fontes  profissionais  ao  serviço  dos  grupos  de  pressão  

38  

3.5  Interação  entre  jornalistas  e  fontes  de  informação  

40  

3.6  Pragmatismo  das  fontes  profissionais  de  informação  

43  

3.7  A  crescente  dependência  do  jornalismo  face  às  fontes  de  informação  

47  

3.8  Negociação  permanente  

49  

3.9  Modos  de  saber  usar  a  fonte  

54  

3.10  Relação  adversativa  e  de  troca  

56  

3.11  Casamento  de  conveniência  

59  

3.12  Utilização  e  citação  de  fontes  em  função  da  credibilidade  

63  

4.  O  post-­‐journalism  e  a  crise  nos  media   4.1  Alternative  media   5.  Síntese  conclusiva  

Capitulo  II   História  da  assessoria  de  imprensa  no  contexto  da  comunicação  política   Introdução   1.  Origens  das  relações  públicas  

68   73   74  

  79   81   84  

1.1  O  “press  agentry”  e  o  “yellow  journalism”  

85  

1.2  Amos  Kendall:  ‘ghostwriter’  e  estratega  de  Andrew  Jackson  

87  

2.  ‘Publicity’:  semente  da  assessoria  de  imprensa  

89  

2.1  Ivy  Lee:  ‘Doctor  of  Publicity’  

90  

2.2  A  I  Guerra  Mundial  e  a  consolidação  das  relações  públicas  

95  

2.3  Walter  Lippmann:  jornalista,  comunicador...propagandista  

96  

1

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal 2.4  Edward  Bernays:  mascarar  e  suavizar  a  propaganda  

98  

2.5  Arthur  Page,  John  Hill  e  Paul  Garrett:  Sistematização  das  relações  púbicas  

102  

2.6  Basis  Clark:  A  verosimilitude  da  informação  

104  

2.7  Críticas  à  ‘Ballyhoo  Art’  

105  

3.  Franklin  Roosevelt  e  II  Guerra  Mundial  

110  

3.1  As  acusações  ao  jornalismo  e  à  assessoria  de  imprensa  

114  

3.2  Europa:  Censura,  propaganda  e  nacionalismos  

116  

3.3  António  Ferro:  jornalista  e  propagandista  de  Salazar  

118  

4.  O  pós-­‐guerra  e  o  incremento  da  assessoria  de  imprensa  política  

121  

4.1  Eisenhower:  O  nascimento  do  ‘spin’  político  

124  

4.2  John  Kennedy  e  Lyndon  Johnson:  Abertura  e  proximidade  com  a  imprensa  

128  

4.3  Anos  60:  Nixon  e  o  ‘boom’  da  comunicação  política  

130  

4.4  Francis  Williams,  Joe  Haines  e  a  máquina  de  informação                    governamental  como  motor  da  opinião  pública  inglesa  

135  

4.5  Ford  e  Carter:  Abertura  e  diálogo  com  a  imprensa  

137  

4.6  A  Primavera  Marcelista  e  o  crescimento  da  comunicação  pública  

139  

4.7  O  25  de  Abril  e  a  5.ª  Divisão  do  MFA  

141  

4.8  As  presidências  de  Eanes,  Soares  e  Sampaio  e  a  cristalização  da                    assessoria  de  imprensa  política  em  Portugal   5.  Reagan  e  Thatcher:  Arranque  do  ‘spin  control’  

155  

5.1  Michael  Deaver  e  David  Gergen:  Controlo  sincronizado  da  Casa  Branca  

156  

5.2  Bernard  Ingham:  As  fugas  de  informação  como  processo  de  controlo  jornalístico  

158  

5.3  Popularização  do  ‘spin  doctoring’  

162  

5.4  New  Labour:  Blair,  Mandelson  e  Campbell  

163  

5.5  George  Bush:  Negative  spin  

168  

5.6  Clinton:  Spin  cycle  

170  

5.7  George  W.  Bush:  Spin  war  

172  

5.8  Obama:  Spin  2.0  

174  

6.  Portugal  na  viragem  para  o  XXI  

177  

7.  Síntese  Conclusiva  

183  

Capitulo  III   A  assessoria  de  imprensa  na  indução  de  notícias   Introdução  

2

152  

  189   191  

1.  Relações  públicas  ou  jornalismo?  

194  

2.  A  assessoria  de  imprensa  e  a  propaganda  

195  

3.    A  assessoria  de  imprensa  e  a  persuasão  

202  

4.  O  relacionamento  dos  assessores  com  os  jornalistas  

204  

5.  Informação  subsidiada  

213  

5.1  O  press  release  como  principal  técnica  de  ‘informação  subsidiada’  

215  

6.  Os  eventos  

228  

7.  Síntese  Conclusiva  

230  

Capítulo  IV   O  spin  doctoring  e  a  sua  matriz  de  comportamento   Introdução  

  233   235  

1.  Popularização  do  spin  doctoring  

236  

2.  Primeiros  estudos  académicos  sobre  o  novo  epíteto  

238  

3.  Há  efeitos  nefastos  do  spin  doctoring?  

242  

4.  Terão  sido  os  media  os  promotores  da  instabilidade  sociopolítica?  

245  

5.  Ataque  e  defesa  aos  spin  doctors  

252  

6.  Assessoria  de  imprensa  versus  spin  doctoring  

258  

7.  O  spin  doctoring  como  expoente  máximo  da              profissionalização  da  comunicação  política  

263  

8.  O  spin  doctoring    e  o  packaging  politics  

266  

9.  Matriz  de  comportamento  do  spin  doctor    

268  

9.1  Os  grandes  objetivos  

268  

9.1.1  Definição  e  condução  da  agenda  mediática  

268  

9.1.2  Construção  de  uma  personalidade  política  

269  

9.1.3  Vitória  em  eleições  

269  

9.1.4  Manutenção  do  poder/Campanha  permanente  

270  

9.2  Pré-­‐condições  

271  

9.2.1  Conhecimento  profundo  dos  temas  que  aborda  e  das  áreas  que  representa  

271  

9.2.2  Conhecimento  profundo  das  redações  

271  

9.2.3  Proximidade  com  o  político  que  representa  

272  

9.2.4  Grandes  orçamentos  

273  

9.2.5  Monitorização  e  reação/  Capacidade  de  controlar  

273  

9.2.6  Preferência  pela  “sombra”  

274  

9.2.7  Capacidade  de  lobbying  

274  

9.3  Principais  tarefas  do  processo  de  “spinning”  

275  

9.3.1  Encontrar  a  mensagem  

275  

9.3.2  Elaboração  de  discursos  [speechwriter]  

276  

9.3.3  Gestão  da  imagem  [image  management]  

277  

9.3.4  “Fugas-­‐plantadas”  

278  

3

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal 9.3.5  Instrumentalização  política  da  máquina  governamental  

280  

9.3.6  Debates  televisivos  

280  

9.3.7  Congressos  

281  

9.3.8  Personalização  do  ator-­‐político  

282  

9.3.9  Gestão  de  escândalos  

283  

9.4  Principais  técnicas  e  instrumentos   9.4.1  Marketing  

285  

9.4.2  Redes  sociais  e  buzz  media  

285  

9.4.3  Usar  os  graus  de  confidencialidade  a  seu  favor  

286  

9.4.4  Campanha  negativa  

287  

9.4.5  Manipulação  da  verdade  

288  

9.4.6  “Paraverdade”  e  over-­‐promising  

289  

9.4.7  Selecionar  prioridades  nas  respostas  aos  pedidos  de  informação  

289  

9.4.8  Criar  um  “grupo  próximo”  de  jornalistas  

289  

9.4.9  Encontros  informais  [background  meetings]  

290  

9.4.10  Manobras  de  diversão  [firebreaking]  

291  

9.4.11  Esvaziamento  da  estória  

291  

9.4.12  Testar  a  opinião  pública  [kite-­‐flying]  

291  

9.4.13  Aumentar  ou  diminuir  as  expectativas  

292  

9.4.14  Informação  a  conta-­‐gotas  [milking  a  story]  

292  

9.4.15  “Esconder  os  corpos”  [twrowing  out  the  bodies]  

292  

9.4.16  Bullying  e  intimidação  

293  

10.  A  difícil  definição  de  spin  doctoring  

294  

11.  Síntese  Conclusiva  

295  

Capítulo  V   O  spin  doctoring  em  Portugal   Introdução  

  299   301  

1.  Apresentação  e  justificação  do  objeto  de  estudo  

304  

2.  Metodologia  

305  

2.1  As  entrevistas  de  elite  e  os  artigos  de  imprensa  

305  

2.1.1  A    entrevista  

305  

2.1.2  Definição  da  amostra  

307  

2.1.3  Caracterização  dos  entrevistados  

308  

2.1.4  Guião-­‐base  das  entrevistas  

315  

2.1.5  Notas  sobre  o  trabalho  de  campo  

315  

2.2  A  recolha  de  artigos  de  imprensa   3.  Apresentação  e  discussão  de  resultados   3.1  Como  é  encarada  a  assessoria  de  imprensa  em  termos  globais?  

4

285  

317   318   319  

3.1.1  A  perspetiva  dos  jornalistas  políticos  

319  

3.1.2  A  perspetiva  dos  assessores  de  imprensa  

321  

3.1.2.1  A  autodenominação  profissional  como  ponto  de  clivagem  

323  

3.1.2.2  O  recrutamento  

325  

3.1.2.3  Assessoria  de  imprensa  política  versus  assessoria  de  imprensa  empresarial  

327  

3.1.2.4  O  sucesso  do  assessor  de  imprensa  depende  do                                  relacionamento  pessoal  com  os  jornalistas?   3.1.3  A  perspetiva  dos  protagonistas  políticos  

3.2  Como  é  definido  e  encarado  o  spin  doctoring?  

329   332  

333  

3.2.1  A  perspetiva  dos  assessores  de  imprensa  e  consultores  de  comunicação  

333  

3.2.2  A  perspetiva  dos  protagonistas  políticos  

338  

3.2.3  A  perspetiva  dos  jornalistas  políticos  

342  

3.2.4  Semelhanças  e  diferenças  entre  assessoria  de  imprensa  e  spin  doctoring  

344  

3.2.5  O  spin  doctoring  na  comunicação  política  portuguesa  

347  

3.2.6  Como  atuam  os  spin  doctors  portugueses  

355  

3.3  Especificidades  da  assessoria  de  imprensa  aos  grupos  parlamentares   3.3.2  Há  spin  doctoring  na  Assembleia  da  República?  

4.  Síntese  conclusiva  

375   378  

383  

Conclusões  Finais  

385  

Apêndices  

395  

Apêndice  1:  Guião  para  as  entrevistas  semidirectiva  aos  assessores  de  imprensa  

397  

Apêndice  2:  Guião  para  as  entrevistas  semidirectivas  aos  jornalistas/editores  

400  

Apêndice  3:  Guião  para  as  entrevistas  semidirectivas  a  políticos/comentadores  

402  

Apêndice  4:  Entrevista  a  António  Colaço  

404  

Apêndice  5:  Entrevista  a  António  Cunha  Vaz  

410  

Apêndice  6:  Entrevista  a  Fernando  Lima  

419  

Apêndice  7:  Entrevista  a  Luís  Bernardo  

433  

Apêndice  8:  Entrevista  a  Luís  Paixão  Martins  

437  

Apêndice  9:  Entrevista  a  João  Gabriel  

445  

Apêndice  10:  Entrevista  a  Paula  Barata  

454  

Apêndice  11:  Entrevista  a  Pedro  Sales  

458  

Apêndice  12:  Entrevista  a  Pedro  Salgueiro  

470  

Apêndice  13:  Entrevista  a  Zeca  Mendonça  

474  

Bibliografia  

479  

Anexo  1  

521  

5

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

 

6

Introdução  

7

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

8

If the public knew the truth about the way certain sections of media operate, they would be absolutely horrified. (Alastair Campbell cit. in Davies, 2008: 257)

O mito de Fausto simboliza a ambição desmedida da condição humana. Reza esta história lendária alemã, mais tarde elevada a mito literário do ocidente pela obra homónima de Goethe, que um homem vendeu a alma ao Diabo em troca de sabedoria. Ontem como hoje, saber é poder. Logo, o pacto fáustico nasce da ânsia pelo poder que o conhecimento confere, mesmo que tal implique a perda da inocência e a transgressão moral. O desatino de Fausto acabaria por ser punido pelos deuses, que assim denunciaram a impossibilidade do saber absoluto e omnisciente. Essa prerrogativa estava reservada exclusivamente aos deuses, tendo o homem que se contentar com um saber parcial. E se o homem ultrapassasse certos limites na busca de conhecimento, como Fausto, dos céus viria um castigo implacável. Quando analisamos o spin doctoring enquanto forma de intervenção política no processo noticioso, somos muitas vezes confrontados com uma espécie de 9

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

revisitação

do

mito

de

Fausto.

A

informação,

aqui

entendida

como

conhecimento, é de facto um mecanismo de poder e o seu uso assume contornos fáusticos na dinâmica noticiosa motivada pelo fenómeno político. Spin doctors, jornalistas e políticos encarnam diversas vezes a mítica personagem de Fausto, não se coibindo de fazer pactos demoníacos para obter ou veicular a informação que lhes providencia o poder e a glória. Nesta equação há, como no mito, um contrapeso: os deuses, a quem é atribuída a faculdade de vigiar e eventualmente punir os excessos, são, neste caso, os cidadãos enquanto consumidores de informação e membros dessa amálgama difusa mas influente que é a opinião pública. A jusante, existem também, como todos sabemos, mecanismos legais para controlar a veracidade informativa. Mas, em primeira instância, cabe aos cidadãos o controlo democrático do comportamento dos políticos e da autenticidade da informação veiculada pelos media. Sabemos que não é fácil ao cidadão comum compreender o processo de produção noticiosa e suportar a qualidade da mesma. Mas convém não ser demasiado paternalista nesta questão: na verdade, o mau jornalismo acarreta quase sempre a descredibilização pública (com consequências na influência social) e a diminuição das audiências (com consequências económicas) dos media. Ou tal como disse Abraham Lincoln: “You can fool all the people some of the time, and some of the people all the time, but you cannot fool all the people all the time”. Não se deve, pois, ser demasiado cândido nem cínico na análise do spin doctoring e da sua influência no noticiário político. As coisas são como são, e são-no desde os alvores da democracia moderna. Uma visão menos maniqueísta permite-nos concluir que o spin doctoring não só não é um fenómeno novo, como está longe de constituir um elemento exótico no sistema democrático ocidental. Pelo contrário, o spin doctoring é, atrevemo-lo a dizer, inerente à praxis política em democracia. E não implica, necessariamente, uma perda de qualidade da informação produzida e difundida pelos media. Na verdade, as fontes institucionais são imprescindíveis ao exercício de informar numa sociedade democrática. A atividade dos jornalistas depende, 10

em larga medida, da informação desejavelmente qualificada e credível obtida junto de pessoas ligadas aos acontecimentos noticiáveis, nomeadamente spin doctors. Ou seja, a produção noticiosa, sobretudo de natureza política, implica inúmeras vezes um relacionamento interativo dos jornalistas com fontes que procuram

obter

vantagens

no

espaço

mediático

para

determinadas

organizações ou indivíduos. Neste sentido, a atualidade, substância e qualidade da informação política é tanto maior quanto mais profícuo for o relacionamento dos jornalistas com as suas fontes - entre elas, claro, os spin doctors. Mesmo que genuinamente animada por uma vontade de servir a causa pública, a política é sempre um exercício de conquista e manutenção do poder. E nesse exercício entra o spin doctoring, que, grosso modo, mais não é do que um conjunto de ações ou técnicas tendentes a moldar a informação dos media a determinados interesses políticos. Por seu turno, compete ao jornalista, enquanto motor de uma máquina informativa, revelar a “verdade dos factos” – se nos é permitido o chavão. Acontece que o processo noticioso, sobretudo envolvendo matérias políticas mais delicadas, assume uma grande complexidade. O jornalista é obrigado a adotar sofisticadas estratégias para a obtenção de informação exclusiva de natureza política, as quais implicam, muitas vezes, difíceis negociações com as fontes oficiais e oficiosas, onde se incluem os spin doctors. Para agudizar a situação, ao dever de informar que impende sobre o jornalista, soma-se a pressão de noticiar factos e acontecimentos “em primeira mão”. Pressão essa que é hoje inevitável e que, por vezes, conduz a pactos fáusticos com as fontes e torna os jornalistas mais vulneráveis à manipulação da informação. Acresce que assistimos hoje a uma tendência do jornalismo para ser mais analítico, o que abre espaço a interpretações que vão muito para além da factualidade. O esforço interpretativo dos factos políticos pelo jornalista – comportamento que é absolutamente legítimo e pertinente – torna as notícias mais permeáveis ao spin doctoring, atividade que, no seu afã promocional (e manipulatório), recorre mais a opiniões, sugestões e especulações do que a factos. Digamos que esta nova cultura do jornalismo político, muito focada no 11

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

tacticismo e nas manobras de bastidores, é terreno fértil para o enviesamento da informação pelos spin doctors. Como há pouco sublinhámos, o spin doctoring está longe de ser um fenómeno novo. Porém, a sua visibilidade pública é atualmente bem maior e o seu modus operandi muito mais sofisticado, assertivo e intenso – o que se justifica pela própria dinâmica informativa contemporânea, também ela mais avassaladora e complexa do que outrora. Por outro lado, alguns spin doctors ganharam nomes e rostos identificáveis pela opinião pública. É o caso de Alastair Campbell, o famosíssimo press secretary do primeiro-ministro britânico Tony Blair, que personificou o estereótipo do spin doctor: essa figura circunspecta, de telemóvel em riste, na qual adivinhamos pensamentos maquiavélicos e uma sobranceria intimidatória. Durante quase uma década, Alastair Campbell foi acusado da prática de spin doctoring e o termo vulgarizou-se um pouco por todo o mundo, servindo para descrever uma conduta manipuladora da assessoria de imprensa política e as suas tentativas de restringir o trabalho jornalístico. Em Portugal, embora mais recentemente, o spin doctoring entrou no vocabulário político e jornalístico com o mesmo significado negativo. Não se pode dizer que seja já um conceito conhecido pela generalidade da população, mas no espaço público não faltam referências a spin doctors e à sua ação enquanto profissionais de comunicação da área política. Alguns casos envolvendo políticos e spin doctors ganharam, até, visibilidade pública em Portugal. Em 2005, o assessor de imprensa David Damião foi acusado de pressionar vários editores e diretores de órgãos de comunicação social para tentar travar a publicação de notícias sobre o processo de licenciatura de José Sócrates, primeiro-ministro para quem então trabalhava. Polémica foi também a publicação, em 2006, do livro Sob o Signo da Verdade, no qual o seu autor, o ex-ministro da Cultura e candidato à presidência da Câmara Municipal de Lisboa Manuel Maria Carilho, acusa o consultor de comunicação António Cunha Vaz de “comprar opinião” nos media. Não menos controverso foi o caso das “escutas de Belém”, despoletado, em 2009, pelo

12

assessor de imprensa do Presidente da República, Fernando Lima, que terá feito chegar a um jornalista do Público um dossier sobre putativas ações de espionagem do Governo a Cavaco Silva. Ou ainda, as recentíssimas (novembro de 2013) revelações públicas de um consultor de comunicação, Fernando Moreira

de

Sá,

quanto

a

atividades

de

manipulação

de

informação

desenvolvidas por um conjunto de colaboradores de blogues, politicamente organizados, para favorecimento das candidaturas de Pedro Passos Coelho, quer nas eleições internas do PSD, quer nas últimas eleições legislativas. Pela controvérsia que geraram, estes e outros casos são reveladores de uma consciência aguda não só dos perigos de manipulação da opinião pública através dos media, mas também da existência profissionalizada de spin doctors e da sofisticação com que atuam no palco político-mediático. O presente estudo vem, justamente, confirmar esta ideia e, sobretudo, procurar enquadrar de forma mais sistematizada o spin doctoring em Portugal. Quisemos

fundamentalmente

analisar

a

forma

como

se

processa

o

relacionamento entre jornalistas e assessores da área política, de modo a identificar comportamentos-padrão, a descrever estratégias de ação, a compreender as motivações dos dois lados e, claro, a detetar os riscos de manipulação informativa que estão em jogo. Percebemos imediatamente que, apesar de o conceito ser ainda relativamente obscuro para a generalidade dos portugueses, a atividade de spin doctoring tem sido amplamente desenvolvida no nosso país, em particular nas duas últimas décadas de democracia. De tal forma que já é possível caracterizar o relacionamento dos assessores de imprensa com os jornalistas no contexto político-mediático nacional, chegando-se à conclusão de que a relação entre ambas as profissões oscila entre o conflito (latente ou efetivo) e a cumplicidade. Neste

pressuposto,

a

atividade

jornalística

enfrenta

riscos

acrescidos

decorrentes da crescente sofisticação das fontes institucionais, quando não do seu recurso a métodos muito duvidosos. É que, conforme constatámos, os spin doctors portugueses não se limitam a fornecer informação aos media, a dar 13

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

aconselhamento político e a monitorizar a ação dos jornalistas. Por vezes, recorrem a expedientes bem menos ortodoxos, como a para-verdade, o bullying, a intimidação e pressão sobre os jornalistas, as ‘fugas-plantadas’ ou cachas, os graus de confidencialidade e as campanhas negras. No fundo, o spin doctoring português assume, para o bem e para o mal, os contornos da comunicação política praticada nas restantes democracias liberais. Para chegarmos a estas e outras conclusões, complementámos o corpus teórico deste estudo com os resultados de um conjunto de entrevistas sobre a atividade de spin doctoring, nas quais participaram políticos, jornalistas e assessores de imprensa portugueses. Este método de “história oral” pareceunos o mais adequado para, por um lado, conhecer de viva voz a realidade portuguesa em matéria de spin, com tudo o que isso significa em termos de autenticidade, pertinência e vivacidade; e, por outro, para contornar a ausência de bibliografia relevante sobre as relações entre políticos, assessores e jornalistas no contexto nacional. Obviamente

que

não

ignoramos

as

limitações

da

“história

oral”,

designadamente o risco de efabulação por parte dos entrevistados. Mas pensamos que, ao complementar os resultados das entrevistas com a consulta bibliográfica de autores internacionais de referência e ao comparar a realidade portuguesa

com

a

evolução

da

comunicação

política

nas

principais

democracias ocidentais, criámos um corpus teórico coerente e integrado. Não deixámos, aliás, de enquadrar as declarações dos nossos entrevistados na História recente do país, em particular no caudal de acontecimentos políticos das duas últimas décadas.

Para isso, recorremos a um exaustivo

levantamento de todas as notícias publicadas na imprensa portuguesa que referissem, direta ou indiretamente, o spin doctoring. Dito isto, importa compreender a estrutura deste estudo sobre o spin doctoring em Portugal. No Capítulo I, a nossa preocupação foi, sobretudo, explicar o papel das fontes de informação no processo de produção noticiosa, tendo em conta a dinâmica da comunicação de massas e as teorias do newsmaking. Com esse intuito, procedemos à revisão da literatura de referência sobre as relações 14

entre jornalistas e fontes de informação profissionais, focando-nos, como se compreende, na figura do assessor de imprensa. No Capítulo II descrevemos diacronicamente a evolução histórica da assessoria de imprensa no contexto da comunicação política, reservando uma atenção especial para o trinómio assessores, jornalistas e políticos. Recuámos, para tanto, às origens da propaganda política, dedicando especial atenção à atuação das assessorias de imprensa ao serviço dos diferentes presidentes norte-americanos. Com esta análise, lográmos descrever a evolução histórica do spin doctoring e as alterações que esta atividade conheceu a par do jornalismo, das relações públicas e da propaganda. Quisemos também saber como evoluiu historicamente a comunicação política em Portugal no século XX, desde o Estado Novo até às primeiras presidências da república do pós-25 de Abril, sem esquecer o turbilhão revolucionário de 1974-75. Por fim, analisámos o percurso profissional de dois dos mais referenciados (e também idolatrados ou odiados) spin doctors: Peter Mandelson e Alastair Campbell, diretor de comunicação e assessor de imprensa de Tony Blair, respetivamente. O Capítulo III é dedicado ao lado mais oficial da assessoria de imprensa, deixando de fora, porém, os spin doctors. A nossa intenção foi dar a conhecer o conjunto de ações e técnicas desenvolvidas pelos diretores, consultores ou simples técnicos de comunicação que operam em agências especializadas, como freelancers ou em gabinetes dentro de empresas ou instituições (públicas e privadas). Deste modo, procurámos perceber em que é que a assessoria de imprensa se destrinça da propaganda, da persuasão e do jornalismo, assim como entender os contornos da relação que os assessores estabelecem com os jornalistas. Analisámos igualmente as circunstâncias que envolvem a produção noticiosa sob influência da assessoria de imprensa, bem como os seus efeitos sobre o ato de informar e sobre a natureza da informação que consumimos. No Capítulo IV procurámos diferenciar os assessores de imprensa tout court dos spin doctors, sublinhando os seus pontos de contacto, de afastamento e até de colaboração. O propósito aqui foi definir, de forma rigorosa e 15

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

pormenorizada, a atividade de spin doctoring, identificando os seus principais objetivos, estratégias e técnicas. Assim se explica que neste capítulo avultem os exemplos práticos, bem como episódios reveladores envolvendo conhecidos spin doctors internacionais. Por fim, o Capítulo V revela e analisa os resultados do conjunto de entrevistas a políticos, assessores e jornalistas já aqui referidos. Procurámos com este “trabalho de campo” compreender o fenómeno do spin doctoring em Portugal nas suas várias facetas e em toda a sua amplitude, embora consagrando um olhar mais agudo à atividade de comunicação política realizado pelos assessores dos grupos parlamentares da Assembleia da República. Quisemos também recolher e cruzar conceitos, ideias, experiências e críticas sobre o comportamento profissional (e até deontológico) de assessores de imprensa ao serviço de um determinado governo ou grupo político. Com esta breve descrição dos capítulos e a reflexão que a precedeu, pensamos ter explicado o objeto e os principais propósitos do presente estudo académico. Esperamos também que seja claro o espírito que presidiu à investigação aqui plasmada. A este respeito, importa ressalvar que não foi nossa intenção apresentar discussões morais, nem vasculhar na sarjeta deontológica de políticos, assessores e jornalistas. Quisemos, isso sim, mostrar como esta relação triangular afecta a qualidade da informação veiculada pelos media e, consequentemente, o próprio funcionamento da democracia. Uma comunicação social livre é indispensável ao regime democrático, pelo que este estudo pode constituir um contributo para a compreensão dos mecanismos de produção do noticiário político em Portugal e, neste sentido, para uma maior perspicácia da opinião pública na interpretação das notícias. A influência dos spin doctors nos media é de facto inexorável, circunstância que justifica um conhecimento mais aprofundado, não só dos mecanismos de ação da comunicação política, mas também dos efeitos positivos e negativos sobre a informação que a sofisticação das fontes acarreta.

16

Capítulo  I   As  fontes  de  informação  e  sua   sofisticação  no  processo  de     produção  noticiosa  

17

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

18

The essential evil of propaganda is failure to disclose the sources of information. (Lee, 1925: 23)

[When] attack [ed] for controversial presentation of facts, newspapermen invoke their objectivity almost the way a Mediterranean peasant might wear a clove of garlic around his neck to ward off evil spirits (Tuchman, G., 1972: 660).

Introdução

Com este capítulo inicial queremos saber, tendo como base a literatura existente sobre este tema, como é que os assessores de imprensa atuam e que influência exercem sobre os jornalistas. Tentaremos, assim, numa primeira abordagem, perceber o peso da informação pública e o papel que uma fonte de informação pode ter no processo produtivo de notícias e até que ponto pode guiar e condicionar o trabalho jornalístico. E, numa fase posterior, elencar alguns modelos gerais de indução noticiosa praticados por assessores de imprensa, relações públicas, consultores de comunicação, porta-vozes e outras fontes que trabalham profissionalmente a informação. Neste presente capítulo vamos também tentar explanar conceitos de relacionamento com os jornalistas. É que o “casamento de conveniência” entre 19

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

jornalistas e fontes, como lhe chamou Bob Franklin (2004 [1994]), tem vários cambiantes e depende de múltiplos fatores, sendo certo que desta relação matrimonial nem sempre harmoniosa resulta, em larga medida, o conteúdo das notícias editadas diariamente.

1. Teorias da comunicação de massa e seus efeitos No final do século XIX, o francês Gustave Le Bon (2001 [1896]) afirmou, no seu livro The Public and the Crown, que “uma multidão pensa em imagens” (Le Bon, 2001 [1896]: 23) e “um orador, em comunicação íntima com o público, pode evocar imagens para o seduzir” (Ibid.: 39). Ou seja: “As imagens evocadas na mente [da multidão] por uma personagem, um evento, um acidente são quase tão reais quanto a realidade” (Ibid.: 40). Esta teorização seria desenvolvida, uns anos depois, por Gabriel Tarde (1910), que propôs a distinção entre “multidão” e “público”. Na obra L'Opinion et la Foule, Tarde considera que a multidão é um poder muito associado aos meios de comunicação, como as linhas de caminho de ferro. Já público representa um conjunto de indivíduos dispersos e separados fisicamente, mas com uma coesão mental sobre um determinado tema. O autor deu como exemplos o público feminino e as suas novelas impressas, as revistas de moda, os poemas em voga. Aliás, foi o trabalho desenvolvido por Tarde que veio provocar a explosão de novos títulos de jornais e revistas nos EUA e a correspondente segmentação de audiências (Ewen, 1996: 68). Seguindo estes princípios, Walter Lippman (1982 [1922]), em Public Opinion, demonstrou que o poder não estava na limitação coerciva do cidadão, mas sim na livre obediência a uma conformada opinião pública. Desta forma, à incapacidade de um cidadão comum alcançar uma objetividade racional sobre os acontecimentos do meio onde está inserido Lippmann chamou de “manufatura do consenso”. Um eufemismo para definir propaganda. A manufatura de consensos não é uma arte nova. É muito antiga mas deveria ter morrido com o surgimento da democracia. Mas não morreu. Tem, de facto, melhorado substancialmente a técnica, porque agora atua

20

na junção da análise psicológica com os modernos meios de comunicação. Uma revolução que está ocorrer e que é infinitamente mais importante do que qualquer mudança de poder económico. Agora, na vida desta geração, o controle dos assuntos e a persuasão tornaram-se na arte autoconsciente de o Governo regular o povo (Lippmann, 1982 [1922]: 248).

Harnold Lasswell (1927a) estudou a propaganda produzida pelo Governo dos EUA e chegou ao conceito de agulha hipodérmica ou de balas mágicas – metáforas para os efeitos que os mass media supostamente produziam diretamente nas pessoas, levando-as a reagir de forma semelhante perante os estímulos dos meios de comunicação. Em 1938, o famoso programa de rádio de Orson Welles, a Guerra dos Mundos, acabou por demonstrar, acidentalmente, que as pessoas não reagiam homogeneamente às mensagens difundidas pelos órgãos de comunicação de massa. Hadley Cantril et al. (1940) estudaram indivíduos que tinham estado expostos ao programa de rádio e perceberam que o poder dos meios em provocar comportamentos (neste caso o pânico) estava condicionado pelas características psicológicas e personalidade das pessoas: Provavelmente, mais do que qualquer outra coisa, as fracas condições económicas que muitos americanos têm sentido nas última década, o desemprego

consequente,

as

prolongadas

discrepâncias

entre

os

rendimentos das famílias, a incapacidade dos jovens e dos velhos planearem o futuro, geraram um sentimento generalizado de insegurança (...). Não é a rádio, o cinema, a imprensa ou "propaganda" que, em si, criam guerras e pânico. É a discrepância entre toda a superestrutura de práticas económicas, sociais e políticas, de crenças e de outras necessidades básicas que criam guerras, pânico ou movimentos de massa de qualquer tipo (Cantril et al., 1940: 209).

Em 1944, Paul Lazarsfeld, Bernard Berelson e Hazel Gaudet (1965), na obra The People's Choice, vieram caucionar esta teoria. Ao analisarem o impacto da

21

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

campanha presidencial norte-americana de 19401, descobriram que os media contribuíam somente para a cristalização da opinião e não para a sua alteração. Os media tinham, pois, efeitos limitados. Em contraponto, demonstraram que “a grande influência era obtida no contacto cara-a-cara” com o eleitorado (Lazarsfeld, 1944: 325). Com a análise das eleições presidenciais norte-americanas de 19682, Maxwell McCombs

(1972)

apercebe-se

de

que

as

elites,

nomeadamente

os

protagonistas políticos, conseguem beneficiar da influência que os media exercem. Isto porque, segundo o autor, há uma relação direta entre a agenda dos media e a agenda do público (McCombs & Shaw, 1972). Outros estudos surgiram demonstrando que “as pessoas interpretam a informação de maneira diferente (...) e de acordo com as suas próprias prioridades” (Hyman & Sheatsley, 1947: 418), pelo que nem um debate eleitoral como o de 1968, entre o candidato republicano Richard Nixon e o democrata Hubert Humphrey, conseguiu alterar a intenção de voto (Tuchman, S. & Coffin, 1971). O paradigma dos efeitos limitados evoluiu, assim, para um modelo onde o impacto da comunicação social ocorria a dois tempos: o twostep flow of communication. Segundo este modelo, a influência era exercida dentro de um círculo restrito de cidadãos – opinion makers – ou entidades (grupos religiosos, profissionais, etc.) que tinham acesso aos media (Katz & Lazarsfeld, 1955; Katz, 1957). No entanto, autores como Lang e Lang (1953, 1966) e Gitlin (1978) foram acérrimos críticos da teoria dominante, porque subestimava o poder dos media. A televisão, por exemplo, apresenta-se como um canal de verdade (Lang & Lang, 1966: 467) ou uma sombra de verdade (Lang & Lang, 1953: 3) dos significados e dos eventos, ao mesmo tempo que o telespectador perde a sua dimensão pessoal com uma estória contada por imagens e entra inconscientemente na multidão (Ibid.: 12). Os media têm, pois, o poder de

1

Disputa entre o presidente Franklin D. Roosevelt (democrata) e Wendell Willkie (republicano). Ganhou o presidente, que concorreu a um terceiro mandato. Nunca mais na história dos EUA um presidente exerceu três mandatos, pois foi imposta constitucionalmente a limitação a dois mandatos. 2 Richard Nixon ganhou a eleição contra o candidato democrata, Hubert Humphrey.

22

construir realidades políticas e sociais (Gitlin, 1978). Também Colin Seymour-Ure (1968), para quem o efeito pode ser sinónimo de influência, introduziu o conceito de impacto de longo prazo [long term impact] (Seymour-Ure, 1968). O politólogo, que estudou a imprensa, os políticos e a opinião pública de Westminster, defende que as notícias podem não só mudar a opinião das pessoas como podem também levá-las a praticar atos concretos (ir votar, por exemplo). Mas ressalva que uma só notícia não tem força: é preciso uma continuada exposição à corrente noticiosa (Ibid.: 276-277). Seguindo a mesma linha de raciocínio, James Curran (1996) demonstrou, mais tarde, que os media têm um forte impacto nas percepções das pessoas mas um efeito mais lento na alteração de comportamentos (Ibid.: 28). A teoria dos efeitos limitados ainda perdura, contudo, nas acaloradas discussões sobre a atualidade do modelo. De um lado estão aqueles que ainda veem pertinência no paradigma (Norris et al., 1999: 183), argumentando que as notícias já vão, no caso da política, ao encontro das predisposições do eleitorado, em virtude da extrema segmentação dos públicos (Bennett, L. W. & Iyengar, 2008). Neste pressuposto, a sofisticação da mensagem mediática é tão grande que “não só consegue influenciar o que as pessoas pensam mas também como pensam” (Chaffee & Metzger, 2001: 375). Do outro lado estão aqueles que defendem que o individualismo crítico perante toda

a

informação

que

recebemos

permite,

entre

múltiplos

fatores,

desvalorizar a influência dos líderes de opinião (Holbert et al., 2010). Tanto mais que “os indivíduos usam filtros cognitivos que eliminam ou modificam as informações que desejam receber, levando-os a interpretações particulares das notícias dos media” (Botan, 2010: 17). Num dos mais recentes trabalhos sobre este tema, McCombs (2011) defende que o efeito dos media nas pessoas, e consequentemente na formação da opinião pública, “pode ser profundo, mas vários fatores entram em jogo quando se procura considerar a dimensão exata e o alcance dessa influência”

23

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

(Ibid.: 1008). Entre esses fatores, destaca a mudança no ambiente comunicacional3, a influência e pressão no processo de produção noticiosa e ainda a credibilidade da organização noticiosa, do jornalista e do seu produto. Um outro estudo demonstrou igualmente que as pessoas comuns, quando são entrevistadas nas reportagens de televisão, provocam nos telespectadores um impacto mais significativo do que as personalidades públicas e os peritos, em particular nas notícias de política (Lefevere et al., 2012: 115). No início da década de 70 do século XX, a socióloga alemã Elisabeth NoellNeumann desenvolveu um modelo que representou uma rotura com o postulado dos efeitos limitados: a teoria da espiral do silêncio. NoellNeumann (1993 [1973]) argumentou que as pessoas, por temerem o isolamento, procuram a integração social através da repetição das opiniões dominantes nos órgãos de comunicação social. Por sua vez, estes órgãos reproduzem só as mensagens da maioria e tendem a radicar e a isolar as opiniões minoritárias e marginais (Noelle-Neumann, 1993 [1973]). De alguma forma, Nicklas Luhmann (1979) também foi ao encontro deste princípio quando defendeu a teoria da tematização para explicar que os media estabelecem os grandes temas sociais e políticos de uma sociedade. Mais: a escolha destes temas decorre sempre da respetiva valorização pelo poder e pelas elites (Luhmann, 1979). Há uma corrente de investigadores que preferiu incidir as suas análises no uso que as pessoas fazem da comunicação social, e não nos efeitos que os media têm sobre as pessoas. Assim, o indivíduo, e em especial os seus hábitos, usos e necessidades de consumo mediático, passou a estar no centro da investigação. Trata-se da teoria dos usos e gratificações. Herta Hertz (1944), por exemplo, tentou perceber por que razão as mulheres eram consumidoras atentas das radionovelas e concluiu que procuravam libertação emocional, compensação para os seus próprios problemas e conselhos, explicações e preparação para os assuntos do quotidiano. Denis McQuail (2000) argumenta

3

A quebra de leitores e audiências e o forte crescimento dos suportes on-line, das redes sociais e do “entretenimento informativo” (McCombs et al., 2011: 11).

24

que a escolha dos meios é motivada por necessidades psicossociológicas e parcialmente orientado para a obtenção de gratificações. Neste sentido, os media determinam direções e “permitem-nos distinguir entre realidade e ficção, ler nas entrelinhas ou ver além de objetivos e de técnicas persuasivas de publicidade e de outros tipos de propaganda” (McQuail, 2000: 377). Ainda na linha desta última teoria, Blumler (1979) defende que os motivos pessoais que levam ao uso dos meios de comunicação social podem gerar influência por parte dos media, nomeadamente na aquisição de conhecimento, na construção de uma realidade social em consonância com os conteúdos mediáticos e, paradoxalmente, no reforço da identidade pessoal (Blumler, 1979). Tendo por base estudos sobre a sociologia do conhecimento, Peter Berger e Thomas Luckman (1999) avançaram com uma perspetiva na qual a realidade é tida como resultado de uma construção social ao longo da história do homem, realizada a partir de práticas individuais e coletivas. Neste contexto, aos media compete fornecer informação para o entendimento coletivo, assim como definir os papéis, funções e comportamentos de todos os seus agentes sociais. A teoria da construção social da realidade servirá, então, para demonstrar que um acontecimento noticiável resulta das práticas e da interação dos jornalistas com outros intervenientes da sociedade (Tuchman, G., 1978). Ball-Rokeach e DeFleur (1979) concebem os meios de comunicação social como parte de uma conceção sistémica da sociedade, na qual existe uma interdependência dos planos social, político, cultural e económico. Os media assumem-se, assim, como lubrificante do sistema e o seu consumo decorre da dependência que as pessoas têm de compreensão delas próprias e do meio onde estão inseridas, da orientação para votar, comprar e interagir com o meio e do convívio com os outros membros da sociedade (DeFleur & BallRokeach, 1982 [1979]). Há, portanto, uma ausência de autonomia decorrente do consumo dos media, circunstância que consubstancia a teoria da dependência. 25

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

Muitas outras teorias e correntes foram desenvolvidas ao longo do século XX, nas quais se descrevem diferentes perspetivas da função dos media e dos efeitos que estes provocam nas pessoas, enquanto indivíduos ou como parte de uma estrutura socialmente organizada. Segundo Elihu Katz (1987), todas estas teorias de comunicação podem ser grosseiramente arrumadas em 1) o que as pessoas pensam (modelos que defendem um efeito limitados dos media); 2) o que não devem pensar (os que descrevem efeitos diretos e/ou poderosos); e 3) como devem pensar (teorias que sugerem raciocínios e apontam ‘caminhos’) (Katz, 1987).

2. A notícia como construção social da realidade Para melhor interpretação dos efeitos dos media, importa também perceber, com mais detalhe, o que é uma notícia e o que ela representa no imaginário coletivo. Para Gaye Tuchman (1978), “as notícias não refletem a sociedade. Elas ajudam a constituir um fenómeno social partilhado, dado que, no processo de descrição de um acontecimento, as notícias o definem e lhe dão forma” (Ibid.: 184). Mais: a notícia “não só define e redefine [um acontecimento]: constitui e reconstitui os seus significados sociais” (Ibid.: 196). Surge, assim, o conceito de enquadramento noticioso, que explica toda esta atividade de fenómenos sociais entrelaçados no tempo e no espaço (Berger, P. & Luckman, 1999 [1966] ). Quando analisou os noticiários de televisão da NBC, Edward Epstein (1973) percebeu, por seu turno, que as notícias não são um espelho da realidade. Pelo contrário, as notícias procedem a uma reconstrução da realidade. “Quando se edita uma imagem acrescentando som, narração e efeitos especiais, o processo de construção da realidade fica completo”, salienta a propósito (Ibid.: 178). Também ao estudar cadeias de televisão norteamericanas, David Altheide (1976) demonstrou que mesmo as notícias que nos levem a pensar4 que são um “espelho da realidade” não constituem nada

4

“Altheide dá como exemplo desta premissa a conhecida frase do pivot da CBS Walter Cronkite: “That’s the way it is”. (Altheide, 1976: 17)

26

mais do que a apresentação de “factos de alguém” (Altheide, 1976: 17). Um pouco mais tarde, Todd Gitlin (1980) desenvolve este princípio e revela que as notícias podem ser produzidas dentro de vários ângulos e com resultados completamente díspares. Ainda neste contexto, Michael Schudson (1988) identifica três categorias que explicam o teor e os contornos das notícias. A primeira categoria é a da “ação pessoal”, a partir da qual se justificam as notícias como um produto das intenções e idiossincrasias dos jornalistas. A segunda é a da “ação social”, que entende as notícias como um produto das organizações [sociais] e dos seus constrangimentos. A última categoria é a da “ação cultural”, que atribui à cultura e aos seus limites cognitivos um papel preponderante. Ou seja, “independentemente

das

intenções

individuais

e

das

necessidades

organizacionais, uma dada sociedade num determinado momento só pode produzir uma classe limitada de notícias de entre o campo de notícias hipoteticamente possíveis” (Ibid.: 20). O autor considera que as explicações das notícias pela “ação pessoal” e pela “ação social” estão “incompletas”, embora não necessariamente erradas. Já a “ação cultural” deve merecer, na opinião de Schudson, uma atenção mais cuidada no processo de compreensão das notícias. Reconhece, todavia, que “uma explicação pela ação cultural não é por si só suficiente. As tradições culturais e as convenções literárias são determinantes no que entra numa notícia e de que maneira, mas carecem elas próprias de explicação” (Ibid.: 26). ... a criação das notícias é sempre uma interação entre repórter, diretor, editor, constrangimentos da organização da redação, necessidade de manter os laços com as fontes, desejos da audiência e poderosas convenções

culturais

e

literárias,

dentro

das

quais

os

jornalistas

frequentemente operam sem as pensar (Ibid.: 26).

Para Mark Fishman (1980), a redação de uma peça jornalística resulta de um processo cognitivo complexo, onde, num primeiro plano, são identificados e definidos os pontos de reconhecimento e interesse social do evento. Depois de avaliar as fontes e os recursos disponíveis, o jornalista realiza uma 27

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

triangulação dos factos com validação através dessas mesmas fontes. Por último, o jornalista filtra e enquadra nos critérios editoriais os factos e dados recolhidos junto das fontes (Fishman, 1980: 131-132). Tal como Lippmann (1922), Tuchman (1978) e Fishman (1980); os investigadores Ericson et al. (1989) demonstram que as notícias não são a realidade, mas antes o resultado de uma construção social e cultural com base no que é extraído das fontes: A fonte primária da realidade para as notícias não é aquilo que é exibido ou que acontece no mundo real. A realidade das notícias está imbuída na natureza e no tipo de relações sociais e culturais que se desenvolvem entre os jornalistas e as suas fontes. E, na política das notícias, esta circunstância emerge em cada facto noticioso específico (Ericson et al., 1989: 377).

A fonte surge, portanto, como ponto de partida de qualquer processo de comunicação. Mais: a qualidade e a fidelidade da mensagem dependem sempre da forma como a fonte a codifica (Berlo, 1960: 42). Se projetarmos este princípio para o processo de construção de notícias, podemos afirmar que “a qualidade da peça do jornalista depende da qualidade da fonte” e “sem acesso a uma fonte de informação o jornalista não consegue trabalhar” (Mencher, 1991 [1977]: 279, 282). Todavia, a preponderância das fontes de informação no processo noticioso não é um dado adquirido nem a sua explicação é linear. O relacionamento entre fontes de informação e jornalistas está envolto num espesso nevoeiro, em que nem sempre se percebe quem mais tolda a mensagem (notícia). Por isso, vários estudos têm sido desenvolvidos para tentar compreender qual a relação que efetivamente existe, assim como qual a relação que melhor serve o jornalismo. Inicialmente, as teorias sobre a definição da agenda noticiosa – ou seja, sobre a seleção dos acontecimentos que merecem destaque noticioso – eram desenvolvidas apenas na perspetiva dos media e do poder das redações (Breed, 1955), sendo a figura do gatekeeper o fator mais representativo desta 28

corrente de pensamento (White, D. M., 1993 [1950]). Na verdade, o termo gatekeeping foi usado pela primeira vez pelo sociólogo Kurt Lewin (1947), para explicar como o processo de seleção dos alimentos tinha implicações sociais. David Manning White usou o termo para descrever o processo de seleção da informação pelas redações, tendo em vista a sua transformação em notícias. Este modelo de seleção noticiosa foi depurado mais tarde, com a introdução de uma lista de características que determinam se a informação que chega às redações é ou não transformável em notícia. A estas características foi dada a designação de “valores-notícia” ou “critérios de noticiabilidade”. Mais tarde, começou a estudar-se o acesso de determinados grupos sociais e políticos aos órgãos de comunicação social. E foi então que se percebeu que havia, efetivamente, uma “hierarquia de credibilidade” (Becker, 1967). Hierarquia essa que privilegia o acesso aos media das fontes de informação que representam os mais poderosos, impondo assim rotinas produtivas que excluem grupos da sociedade mais pequenos ou sem poder (Bachrach & Baratz, 1962; Goldenberg, 1975).

3. As fontes de informação no processo de produção de notícias 3.1 Rotina

Leon V. Sigal (1973) realizou um estudo comparativo de vinte anos (19491969) entre o noticiário político (dos correspondentes de Washington) dos jornais The New York Times e The Washington Post, tendo demonstrado que 58,2% das notícias provinha de rotinas produtivas dos jornalistas e das redações. Esta rotina nascia da necessidade diária de encontrar uma notícia sob a pressão da hora de fecho e através da leitura dos jornais concorrentes, da “ronda” (beat) pelas forças policiais e hospitais, dos documentos enviados pelas assessorias de imprensa, das conferências de imprensa e de outros eventos oficiais (Sigal, 1973: 101).

29

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

As restantes notícias resultavam de “encontros informais” e “fugas” (leaks) (15,7%) e da capacidade de iniciativa da redação (25,8%). Mas mesmo as “fugas”

eram

orquestradas

pelos

assessores

de

imprensa

(officials)

governamentais. Segundo Sigal, para além dos press releases, das conferências de imprensa e dos briefings, os jornalistas recorriam a um “quarto canal: as fugas” (Ibid.: 144). Estas “fugas” divergem dos briefings em quatro aspetos: as informações são avançadas individualmente, e nunca em grupo; surgem à margem da rotina diária e “frequentemente em encontros sociais, como pequenos-almoços e jantares”; chegam sempre com o “disfarce da identidade das fontes de informação”; e são difundidas “obscurecendo os factos de forma a se tornarem úteis à estratégia da fonte” (Ibidem). “Os assessores de imprensa seniores consideram esta técnica essencial. Usam-na também quando há ameaças de insubordinação no interior da própria Administração”, revelando os dissidentes e promovendo a sua perda de credibilidade (Ibidem). Para Sigal, as fontes assumem, portanto, um papel preponderante na indução da cobertura noticiosa e no seu conteúdo, apesar de o volume de informação depender sempre da mediação dos órgãos de comunicação social e das respetivas rotinas e convenções jornalísticas (Ibid.: 189). Concluiu também que 90% das notícias têm origem em fontes oficiais: “Há mais notícias emanadas de fontes oficiais do que de qualquer outra fonte. A maior parte destas notícias passa rotineiramente pelos canais formais da informação pública do Governo para os repórteres que cobrem a área de Washington” (Ibid.: 131). Da mesma forma que os próprios jornais em estudo, o The New York Times e o Washington Post, constituem o “sistema nervoso central” do poder e das elites (Ibid.: 185). Percebe ainda que o nível de confiança dos repórteres é tanto menor quanto maior for a iniciativa jornalística e quantas mais fontes tiver que contactar. Por isso mesmo, os jornalistas preferem as fontes oficiais e conhecidas ao cidadão comum. Aliás, os vulgares cidadãos têm que desenvolver atos extraordinários para conseguirem aparecer nas notícias (Ibid.: 129-130). Aquilo que mais tarde passou a ser denominado de inside the beltway syndrome (Bennett, L. W., 30

2012), aludindo ao facto de os jornalistas só escolherem fontes do perímetro de Washington. Os jornalistas reúnem-se em torno dos canais [de rotina], sendo que a maior parte deles recolhe informação idêntica à dos seus colegas. A incerteza adora ter companhia. A semelhança das suas notícias fornecelhes a confortável sensação de que compreendem o que se passa no seu mundo. Para aqueles que não sabem e não podem saber quais são as ‘verdadeiras’ notícias, as rotinas de recolha noticiosa produzem ‘notícias certificadas’ – informação que parece válida, na medida em que é do conhecimento geral entre os jornalistas e as suas fontes. Mas ao dependerem dos canais de rotina, os jornalistas deixam às fontes a tarefa de selecionar as notícias (Ibid.: 130).

Também para tentar desmontar o processo de produção noticiosa e compreender as relações de poder, os sociólogos Harvey Molotch e Marylin Lester (1974) chegaram ao conceito de “promotores das notícias” (news promotors). Este conceito prevê a existência de um grupo que, operando em obediência a interesses próprios, procura transformar determinados factos em acontecimentos para serem alvo de cobertura jornalística. Acontecimentos que podem ser de utilidade pública ou de “promoção direta, grosseira e óbvia como o trabalho das relações públicas”, mas também resultarem de técnicas “subtis”, como a criação de “prémios de jornalismo, entrevistas regularizadas, fugas de informação e conferências de imprensa” (Molotch & Lester, 1993: 35 e 40). Numa segunda fase, os profissionais da comunicação social (news assemblers), dependendo destes acontecimentos para o desenvolvimento da sua atividade, transformam-nos em notícias. Por último, os consumidores de notícias (news consumers), “saciados com o trabalho publicado ou radiodifundido nos meios de comunicação social” (Ibid.: 42), arvoram a ocorrência a acontecimento público. Tal como Sigal, os dois autores referidos identificaram a rotina como o grande grupo de acontecimentos onde os “promotores das notícias” mais poderosos conseguem alterar as práticas jornalísticas a seu favor. (Ibid.: 39-40). 31

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

Identificaram

também

outros

acontecimentos,

como

os

acidentes,

os

escândalos e a serendipidade5 [serendipity]. A investigadora norte-americana Gaye Tuchman (1978), em Making News, analisou e descreveu o trabalho rotineiro dos jornalistas através da observação das redações de uma televisão e de um jornal dos EUA, bem como da sala de imprensa (press room) da New York City Hall (equivalente a câmara municipal). Complementou ainda este seu trabalho com entrevistas a editores e a destacados jornalistas. Refira-se que estes estudos de campo ocorreram sensivelmente no mesmo período que os realizados por Gans (1978), entre setembro de 1966 e janeiro de 1969, e que ainda iremos abordar. Desta forma abrangente, Tuchman (1978) acompanhou a dinâmica produtiva das redações e tipificou o comportamento de jornalistas, editores e fontes de informação. Por fim, demonstrou que o jornalista desenvolve a sua atividade quase em parceria com os outros colegas de redação, aos quais coloca questões, solicita opiniões e apresenta propostas (Tuchman, G., 1978: 75). A fonte, por sua vez, atua geralmente sozinha mas é o ponto de origem de qualquer informação: O jornalista deve questionar os factos dirigindo-se diretamente à fonte. Neste contexto, a palavra ‘fonte’ (…) é sugestiva, conotando-se com o próprio ponto de origem da informação – a localização social particular que merece esta caracterização como fonte (Ibid.: 84).

Só conhecendo um número considerável de fontes é que os jornalistas conseguem responder à velha questão dos editores: “Então que notícias temos hoje?”. Só tendo uma boa carteira de contactos é que os jornalistas maximizam as suas competências, ao ponto de apresentarem uma peça diferente todos os dias. Deste modo, estão a “aumentar o estatuto profissional” de que gozam (Ibid.: 68). Ou melhor, quanto mais alto for o prestigio da fonte, ou a posição que ocupa na sociedade, mais alto é o estatuto

5

Serendipidade [serendipity] é a característica de um acontecimento não planeado ou involuntário, apesar de promovido pelo próprio executor. Segundo Nelson Traquina (1993), “significa a faculdade para fazer uma descoberta por acaso, involuntariamente” (Ibid.: 49).

32

do jornalista. Isto acontece porque “as notícias, as fontes e os jornalistas estão hierarquicamente comprometidos. A relação jornalista estrela/ fonte estrela foi perfeitamente percecionada” (Ibid.: 69). Para os jornalistas destacados no City Hall de Nova Iorque, conhecer fontes ainda se tornava mais premente porque só assim era possível o normal acolhimento e a devida adaptação ao meio onde estavam inseridos. Tuchman chegou mesmo a identificar comportamentos exibicionistas nos jornalistas, que assim se destacavam entre a restante tribo. Por vezes, tratavam os políticos pelas alcunhas ou revelavam encontros sociais com determinadas fontes (Ibid.: 68-72). Mais tarde, Ralf Negrine (1989) tentou desdramatizar este processo de rotina. Argumentou então que, como há “um número infinito de eventos que acontecem em cada minuto de cada dia, (…) as organizações noticiosas não conseguiam funcionar corretamente sem o método da rotina no tratamento destes abundantes eventos e informações” (Negrine, 1989: 120). Num outro trabalho Negrine (1996: 51) refere, ainda, que “as fugas interrompem a rotina”. Contudo, no mesmo estudo que realizou à cobertura noticiosa televisiva em período de campanha eleitoral - Politics and the Mass Media in Britain, Negrine (1989) acabou por demonstrar também que a televisão pública, neste caso a BBC, tendia a favorecer os partidos no poder, pois os editores tinham uma relação muito estreita com o establishment6 (Ibid.: 166-169). 3.2 Acesso privilegiado das fontes de poder

Um conjunto de outros investigadores liderados por Stuart Hall et al. (1993) realizou um estudo sobre notícias de crime nos media, tendo constatado que os meios de comunicação social tendem a perpetuar as estruturas de poder da ordem institucional da sociedade. Orientados pelos princípios do bloco hegemónico de Antonio Gramsci, estes investigadores desenvolvem igualmente

6

Chega ao ponto de demonstrar que a agência de informação do Estado, a MI5, vetava a contratação de determinados jornalistas para a BBC (Bennett, L. W. & Iyengar, 2008: 725).

33

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uma teoria conspirativa sobre a função social dos media noticiosos na luta entre classes dominantes e classes oprimidas: Os meios de comunicação social intervêm, de facto, como ‘última instância’ na reprodução das definições dos poderosos, sem serem, dito simplesmente, pagos por eles. Devemos aqui insistir em realçar a distinção crucial entre os definidores primários e secundários de eventos sociais (Ibid.: 253).

Neste grupo de definidores primários (primary definers) estão os porta-vozes oficiais do poder (membros do parlamento, ministros e patrões), que determinam a produção noticiosa. Assim é porque os “media não criam autonomamente noticiosos

as

notícias;

específicos

melhor,

fornecidos

por

estão

dependentes

de

fontes

institucionais

assuntos

regulares

e

credíveis” (Ibid.: 228). Reforçando a noção de “hierarquia da credibilidade” (Becker, 1967), em que os mais poderosos ou com um status social mais elevado beneficiam de acesso privilegiado aos news media, Hall et al. (1993) demonstraram também que os “definidores primários”, face aos outros cidadãos, obtêm mais expeditamente informação especializada e de temas relevantes (Hall, 1993 [1973]: 229). Esta relação hierarquizada permite a reprodução da sociedade de acordo com os interesses das fontes poderosas, com a agravante de toda esta construção noticiosa ser desconhecida da população em geral (Ibid.: 234). Desta forma, os autores defendem que os media não se limitam a criar as notícias da classe dirigente, mas antes, ao estarem inseridos numa relação estruturada com o poder, passam a ser subordinados das fontes poderosas. Fontes essas nas quais se distinguem: 1) os representantes das principais instituições sociais; 2) o poder institucional (fontes autorizadas); 3) o estatuto representativo (deputados, ministros, outros funcionários de Estado e grupos de interesse organizados, como os sindicatos ou o patronato); e 4) os especialistas (Ibid.: 235). Mais tarde, e numa abordagem mais radical, vários autores reunidos em torno do 34

Glasgow University Media Group

(GUMG)

estudaram

os

meios

de

comunicação social a partir dos grupos de pressão, nomeadamente sindicatos e organizações ambientalistas. Defenderam que a imprensa britânica tem uma predisposição para atacar os sindicatos e o trabalho desenvolvido pelos assessores de imprensa destas entidades, que só conseguem ter um impacto mediático marginal (GUMG, 1993, 1995 [1980]). Apesar de os jornalistas defenderem que a integridade profissional se baseia no respeito pelos hard facts (factos com relevância pública), os muitos e aprofundados estudos deste grupo demonstraram que a definição de factos, no interior das redações, era imprecisa e “dependia da confiabilidade comprovada” da fonte que os fornecia. “Nestas fontes podiam ser incluídos os reconhecidos experts governamentais e os assessores de imprensa” (GUMG, 1995 [1980]: 55). Além disso, perceberam que nos assuntos empresariais havia uma tendência para produzir notícias só com recurso a uma fonte oficial (gestor, técnico, etc.). E, em matérias envolvendo trabalhadores, as notícias eram elaboradas com recurso a “discórdias fotogénicas” (Ibid.: 56), acontecimentos que permitissem o enquadramento das notícias com recurso a imagens apelativas. 3.3 As notícias como produto do capitalismo

Com uma visão ainda mais negativa da evolução do jornalismo, James Curran (1996) tem vindo a realizar estudos diversos que comprovam um aumento do poder que é exercido do “topo para a base” na organização (Curran, 1990, 1996, 2005; Curran & Morley, 2006). Este poder está assente nos princípios neoliberais do capitalismo, que “idealiza os jornalistas como ventríloquos da voz dos próprios leitores”, para potenciar as vendas e o lucro das empresas de comunicação social (Curran, 1990: 116; 2005: 131-133). Acresce que, para sustentar esse poder, são exercidas várias restrições à atividade jornalística, designadamente as que decorrem das limitações à entrada no mercado dos media, da concentração das empresas jornalísticas em grandes grupos económicos, da orientação consensual do jornalismo para o centro político, da adequação do jornalismo aos padrões de consumo mais 35

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

elevados, da centralização das notícias em torno dos indivíduos com maior projeção social, da desigualdade dos recursos dos grupos sociais que pretendem aceder aos meios de comunicação social (Ibid. 118-125), da censura e autocensura para não beliscar os interesses das entidades que investem em publicidade nos órgãos de informação (Curran, 2000: 28), das rotinas e critérios de noticiabilidade que tendem a excluir os ‘desconhecidos’ do espaço mediático (Ibid.: 30), do acesso privilegiado das elites ao Estado (Curran, 1990, 2000) e ainda do controlo legislativo do próprio Estado (Curran, 1996: 28; 2005: 127). Este status quo só pode ser contrariado, segundo a perspetiva de Curran (1990), com o fortalecimento da independência e autonomia dos jornalistas, com o poder do consumidor, com a capacidade que alguns grupos sociais têm de criar os seus próprios órgãos noticiosos e ainda com práticas culturais alternativas de transmissão de uma herança cultural e de saberes alternativos sem recurso aos principais órgãos de informação. Para Cook (1998), estes constrangimentos à atividade jornalística remontam ao início do século XIX, durante a emergência dos primeiros jornais diários nos EUA. Nessa altura, o Estado controlava as empresas de impressão e atribuía licenças de atividade aos repórteres (Cook, 1998: 31-32). Seduzidos por este cenário de conspiração organizada das elites dominantes, Edward Herman e Noam Chomsky (1988) agarram nos princípios da manufatura do consenso de Lippmann (1982 [1922]) e desenvolvem uma teoria radical, assente na ideia que os interesses económicos controlam todo o processo produtivo de notícias. A este paradigma chamam modelo de propaganda. As características principais deste modelo são a concentração da propriedade dos media em grandes grupos económicos, que visam somente o lucro; a publicidade como única fonte de obtenção do lucro; a dependência dos meios de comunicação de informações fornecidas pelo governo, empresas e outras “fontes primárias” e agentes de poder; a crítica e perseguição como forma de

36

disciplinar os órgãos de informação; e o discurso anticomunista como modelo de consenso social (Herman & Chomsky, 1988: 7). Os meios de comunicação social são desenhados numa relação simbiótica com as poderosas fontes de informação, por necessidade económica e reciprocidade de interesse (Ibid.: 9).

Segundo os autores, como precisam diariamente de “um fluxo estável e confiável de matéria-prima da notícia” para encherem as páginas dos jornais e os alinhamentos televisivos, os media são obrigados a recorrer às fontes profissionais e organizadas que povoam os governos centrais, locais e todas os departamentos do Estado (Herman & Chomsky, 1988: 19). Os assessores de imprensa fornecem aos jornalistas informação dos locais onde decorrem reuniões, adiantam discursos, relatórios e conferências de imprensa a horas bem convenientes, escrevem press releases prontos a copiar, promovem e organizam momentos noticiáveis e procuram a foto de oportunidade. As grandes entidades que fornecem esta subvenção tornam-se fontes de notícias de rotina e têm acesso privilegiado aos ‘gatekeepers’. Fontes nãorotineiras têm que lutar para ter esse acesso e, mesmo assim, podem ser ignoradas pela decisão arbitrária dos ‘gatekeepers’ (Herman & Chomsky, 1988: 48- 47).

Chomsky (2002 [1991]) protagoniza uma cruzada contra a indústria das relações públicas e, em particular, contra as consultorias e assessorias de comunicação. Considera que promovem um “autoimposto totalitarismo”, tornando os consumidores dos media num “rebanho aterrorizado” comandado por uma “elite supostamente educada” e acrescenta, a propósito, que quase não há investigação jornalística porque representa enormes custos e uma baixa produção noticiosa (Ibid.: 28). Manuel Castells (2009) corrobora esta visão e vai mais longe ao defender que os Estados fazem parte de uma “rede global de poder [global network power]” (Castells, 2009: 427), na qual se articulam sinergicamente entre si como forma de perpetuar o sistema político e económico vigente.

37

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

Esta corrente de pensamento classificada por muitos autores de “radical”, e que é protagonizada principalmente por Curran (Curran, 1990, 1996, 2005; Curran & Morley, 2006) e Chomsky (1997; 2002 [1991]), conheceu entretanto novos trabalhos, que, apesar de não se inscreverem no âmbito da sociologia das fontes de informação, relatam autênticas teorias conspiratórias sobre a indústria das relações públicas e da publicidade. Embora estas teorias sejam analisadas com algum detalhe no capítulo IV, destacamos desde já os seus principais autores: David Miller (2008), Bob Burton (2007) William Dinan (2007), Bob Franklin (2004 [1994]), George Pitcher (2003) e Ignacio Ramonet (2000). 3.4 As fontes profissionais ao serviço dos grupos de pressão

Paul Manning (2001: 227) também reconhece que “a capacidade de ter controlo sobre o fluxo de informação que sustenta a produção noticiosa é largamente dependente dos meios e dos recursos simbólicos”. Por isso, “a elite política e económica dominante goza de significativas vantagens sobre os grupos mais marginais” (Ibidem). Mas, paradoxalmente, apesar de gozarem de uma “facilidade considerável em determinar as agendas e em controlar o fornecimento de informação”(Ibidem), os membros das elites política e económica não deixam de ser “regularmente confrontados com o surgimento de novas histórias noticiosas (...) prejudiciais aos seus interesses” (Ibidem). Manning admite, assim, que esta minoria não tem sempre controlo sobre as ideias e as imagens veiculadas pelos media. Tanto mais que os grupos marginais (sindicatos, ambientalistas e ONG’s) conseguem aceder ao espectro mediático através dos mesmos artifícios da elite político-económico. Ou seja, através da assessoria de imprensa, das relações públicas, dos consultores de comunicação e dos spin doctors. Esta teoria já havia sido demonstrada por Paul Manning (1998) em trabalho anterior, não obstante o mesmo autor ter considerado que a relação entre assessores de imprensa ao serviço de sindicatos e jornalistas oscilava entre a tensão e a simbiose. Também percebeu que assessores e jornalistas

38

trabalhavam “não com base em processos técnicos, mas sim suportados em práticas sociais” (Manning, 1998: 161 e 162). Aliás, Aira Foix (2011: 19), investigador catalão que tem estudado a ação dos spin doctors em Espanha, chega a uma conclusão semelhante: considera que entre assessores e jornalistas há “uma relação desequilibrada” mas “com influência mútua”. A permeabilidade dos media à comunicação dos sindicatos evidenciada por Manning (1998, 2001) representa, por conseguinte, uma inversão do que foi defendido nos estudos da Glasgow University Media Group (GUMG, 1995 [1980]), durante a década de 80. Nesses estudos era referido que os sindicatos não conseguiam ter o mesmo tratamento jornalístico das elites. Já em 1975, Edie Goldenberg havia estudado o acesso aos media de quatro associações de apoio social de fracos recursos, sediadas em Boston, EUA. Na altura, o autor demonstrou que o acesso aos jornais só se verificava quando estas entidades apresentavam ocorrências que fugiam às normas sociais vigentes, quando envolviam um grande número de pessoas ou quando forneciam um exclusivo (Goldenberg, 1975: 143). Mas esta limitação devia-se não à fraca reputação, dimensão ou influência económica das associações, mas antes à sua ignorância sobre o funcionamento das redações. Estas organizações aparentemente desconheciam que os “jornalistas trabalham para entidades com objetivos, estruturas, recursos e procedimentos próprios” (Ibid.: 57). Por sua vez, as associações que tinham mais recursos e que recorriam ao trabalho

de

especialistas

de

comunicação

(assessores

de

imprensa,

consultores, relações públicas, etc.) conseguiam ter maior acesso aos media. O que se explica pelo facto de produzirem mais iniciativas e, consequentemente, mais informação noticiável. Além disso, “o acesso à cobertura noticiosa não ocorre usualmente sem uma interação pessoal entre a fonte e o repórter” (Ibid.: 134) – algo que, à partida, é assegurado pelos técnicos de relações públicas.

39

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal 3.5 Interação entre jornalistas e fontes de informação

Apesar de ter partido com o propósito de perceber a cadeia de decisão dos jornalistas no processo noticioso, Jeremy Tunstall (1970) acabou por analisar o papel que as fontes de informação têm na construção das notícias, com uma análise às relações entre profissionais da comunicação social e membros do Parlamento britânico. Esta relação era pautada, por um lado, pelo jornalista, que, dentro das suas normas profissionais, preservava o anonimato das fontes e a importância da confiança mútua para conseguir mais informação; e por outro, pelas fontes políticas, que numa ação de interesse próprio avançam com informações na presunção de que “os jornalistas são potencialmente úteis e perigosos mas que a promoção dada pela imprensa é um recurso político significativo” (Tunstall, 1970: 44). Geralmente esta relação entre fontes e jornalistas representa “uma forte dependência de interesses que ocorre normalmente num encontro presencial, mas que representa um processo mais amplo de interesses organizacionais” (Ibidem). Por isso, Tunstall (1970) viu a interação fonte-jornalistas, no Parlamento britânico, somente como uma “troca de informações para promoção” (Ibid.: 43). Mais tarde, veio a reforçar esta mesma ideia noutra obra, Journalism at Work (1974), na qual tentou perceber a relação dos jornalistas especializados não só com as fontes de informação como também com a organização noticiosa e com os seus colegas de trabalho. Concluiu, então, que os “correspondentes de política na Grã-Bretanha exibem um número de características únicas: (...) são todos controlados pelas fontes das notícias” (Tunstall, 1974: 87). Percebeu também que as fontes da área política – de entre as quais se destacavam, como dominantes das notícias, o primeiro-ministro e todo o seu gabinete – atuavam de forma “cautelosa” e “promocional” (Idib.: 164). No mesmo trabalho, através de um inquérito que realizou a 208 jornalistas de Londres, Tunstall verificou que dois terços consideravam as fontes “úteis” e “cordiais” (Ibid.: 168), enquanto mais de 50% admitiam contactar a assessoria de imprensa política para desenvolver um trabalho jornalístico (Ibid.: 179). 40

Mas o mais surpreendente, e até mesmo paradoxal, é que 46% consideravam que as fontes políticas “ajudam mais os jornalistas”, 51% que se ajudam de forma “igual” e 3% que “os jornalistas ajudam mais a fonte” (Ibid.: 185). Dados obtidos por resposta a um inquérito e que demonstram, não uma alienação dos jornalistas, mas uma necessidade de reafirmar valores de isenção e objetividade, assim como uma tentativa de “manterem em segredo” as fragilidades da sua atividade (Ibid.: 87). Ainda numa perspetiva mais focada na interação, Herbert Gans (1979) desenvolveu um estudo sobre o comportamento dos jornalistas nas redações das cadeias de televisão norte-americanas CBS e NBC e das revistas Time e Newsweek, entre 1967 e 1975, e demonstrou que a fonte, mesmo sendo um fator crucial, só tem capacidade de influência na qualidade da informação produzida pelos media. Gans (1979: 80) constatou que as “fontes conhecidas”, como os membros ou representantes de grupos de interesse organizados da sociedade (que não apresentam as mesmas características ou igual relevância), têm a sua ação limitada porque não podem “fornecer informações até serem contactadas por um elemento de uma organização noticiosa” (Ibidem) e que, mais grave ainda, só são escolhidas se forem “consideradas apropriadas para a audiência” (Ibid.: 81). Aliás, a famosa analogia que compara a relação entre jornalistas e fontes de informação a uma dança nasce com esta obra, e é a melhor forma de perceber como Gans interpretava esta interação (Ibid.: 116). Com efeito, as fontes, os jornalistas e as audiências coexistem num sistema, apesar de este sistema se assemelhar mais a um foco de guerra do que a um organismo funcional interrelacionado (Ibid.: 81) 7.

7

Gans identifica fontes de vários tipos: institucionais e oficiosas; estáveis e provisórias; ativas e passivas; conhecidos e desconhecidos. Estas fontes coexistem, dentro de um organismo funcional, com jornalistas especializados (beat reporters) ou generalistas (general reporters).

41

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

O mesmo autor demonstrou também que há fatores que determinam a supremacia das fontes, levando os jornalistas a preferirem aquelas que garantam: 1) incentivos, 2) poder, 3) capacidade de fornecer informações credíveis à publicação e 4) proximidade geográfica e social (Ibid.: 117). No fundo identifica as fontes de informação em função dos seus atributos de fidelidade (Berlo, 2003) e do seu estatuto de poder (Molotch & Lester, 1993). Gans (1979) percebeu que os jornalistas preferem fontes ativas, “ansiosas, agradáveis e recalcitrantes” (Ibid.: 117), pois constituem um fator de incentivo à sua utilização. Trata-se aqui de uma referência direta às fontes profissionais de

informação,

que

classificou

de

“distribuidores

de

poder”

[power

distributors]. Disse ainda, a propósito, que a “política nacional já não pode viver sem assessoria de imprensa” (Ibid.:118). No entanto, o poder da fonte advém em boa medida da hierarquia da credibilidade já aqui referida. A capacidade de fornecer informações pertinentes e de criar eventos noticiáveis é ‘crucial’ para as fontes profissionais, por contraponto àquelas fontes que não sabem o que é uma notícia ou que são responsáveis pelos “muitos press releases (...) que acabam no balde do lixo sem serem lidos” (Ibid.: 122). Da mesma forma que as fontes mais próximas potenciam a sua aceitação dentro de toda esta estrutura informativa, que é espelho da sociedade. Por outro lado, nesta dialética, os jornalistas valorizam determinados atributos na utilização das fontes: os antecedentes [past suitability], a produtividade [productivity],

a

confiança

[reliability],

a

veracidade

[trustworthiness],

a

autoridade [authoritativeness] e a coerência [articulateness] (Ibid.: 129-131). Assim se explica que as fontes conhecidas (presidentes, candidatos presidenciais, membros do governo e do parlamento, outros altos funcionários do Estado, etc.) produzam quatro vezes mais notícias do que as fontes desconhecidas, para além de serem protagonistas de cerca de metade das notícias. Cook (1989: 30) corrobora esta ideia mas ressalva que os dois intervenientes, políticos e jornalistas, “dormem juntos” (Ibid.: 102), 42

numa relação de

equilíbrio de poder onde nenhuma parte pode perceber que é conscientemente dominada. O mesmo autor considera ainda que o newsmaking não é um processo linear e unidirecional, mas sim interativo e interdependente entre fontes e jornalistas. As fontes oficiais e os jornalistas “controlam recursos importantes e interessantes” (Cook, 1998: 12) da produção noticiosa, ou seja, os políticos ditam as regras sobre os aspetos importantes da dinâmica informativa e “os jornalistas decidem o que é interessante noticiar”(Ibid.: 13). Gans (1979: 143-145) verificou, porém, um comportamento díspar entre jornalistas especializados e jornalistas generalistas. Os primeiros, autores de investigações jornalísticas que se podem prolongar no tempo, criam relações mais próximas, duradouras e pessoais com as fontes. Fornecem relatos detalhados e confidenciais dos acontecimentos, mas estabelecem uma relação de obrigações recíprocas onde tanto fornecem ‘furos’ como exigem ‘fretes’. Os jornalistas generalistas (não especializados), incumbidos de noticiar os mais variados acontecimentos ao longo do dia, fazem-no com a qualidade que o tempo

permite.

Recorrem

às

fontes

autorizadas

para

conseguirem

credibilidade e a exigida capacidade da notícia ser identificada pelo público, assim

como,

num

ato

de

insegurança

e

para

garantirem

alguma

homogeneidade da cobertura noticiosa, partilham e cruzam informalmente as informações com os outros repórteres, promovendo uma confraternização para reduzir a ambiguidade ou as incertezas da peça jornalística. 3.6 Pragmatismo das fontes profissionais de informação

Importa sublinhar que há um conjunto de autores que não têm uma visão “conspirativa” ou “maniqueísta” das fontes, enquanto fator central na produção noticiosa. Veem a circulação da informação como um processo de troca e negociação inerente à legítima defesa dos interesses específicos de cada um dos intervenientes. David Altheide (1976), por exemplo, começou por dividir o processo noticioso entre newsworkers e newsmakers. Os primeiros (jornalistas) são responsáveis por identificarem as oportunidades de notícia, selecionarem

as

que

interessam,

realizarem

a

cobertura

noticiosa

e

apresentarem a estória. Os segundos (políticos e assessores de imprensa, 43

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

sobretudo) “desenvolvem estratégias de promoção para procurarem ter acesso à cobertura noticiosa” (Ibid.:113-114), Na problemática definição do que é notícia, as fontes têm duas opções: ou “são passivas e ficam à espera que, um dia, as câmaras iluminem as suas ações/problemas” (Ibid.: 115).; ou são ativas e “desenvolvem estratégias para terem cobertura noticiosa” (Ibidem). Mas, para além de ativas e interesseiras, as fontes profissionais de informação devem apresentar material noticiável e confiável. Para que os seus planos deem certo, [as fontes] têm de conhecer os jornalistas mais indicados e quais os que estarão mais interessados no seu tipo de história. E nunca devem ‘pedir ajuda’ ao jornalista, porque isso comprometeria a integridade do processo noticioso e resultaria numa simples negação de cobertura (Ibid.: 116 e 117).

Os assessores de imprensa com estas características “embrulham” as suas estórias com uma “formatada linguagem jornalística” (Ibid.: 119) e uma aguda noção de oportunidade noticiosa, que os leva a simular ‘fugas’ onde só os jornalistas mais atentos percebem que “eles só pretendem promoção” (Ibidem). Altheide (1976: 174) defende, a propósito, que se pode compreender o processo noticioso através, primeiro, da forma como os jornalistas veem a “objetividade” e, segundo, pela forma como as notícias descontextualizam os acontecimentos. Ora “os jornalistas veem a objetividade de uma forma prática” (Ibidem). Por isso, o trabalho de rotina da seleção noticiosa comporta elementos que desviam os jornalistas dessa mesma objetividade, como os valores e preferências

pessoais,

os

diferentes

níveis

de

profissionalização,

as

características (com ou sem espetacularidade) das imagens recolhidas pelas câmaras de televisão e a própria pressão do tempo (Ibid.: 175-177). Tradicionalmente, os jornalistas desenvolvem as suas potenciais notícias perguntando quem, o quê, onde, quando e porquê” (Ibid.: 179). Por isso, Altheide defende que estas questões pesam no processo de produção de notícias. Porquê passa por uma intenção de mostrar como as notícias 44

descontextualizam e recontextualizam os acontecimentos noticiados. Quem foca-se, logicamente, em quem dá a notícia e aqui ganham as fontes oficiais por serem reconhecidas na redação e, consequentemente, pelas audiências. O quê reporta novamente a quem promove o acontecimento e baseia-se nos “factos” e na “verdade” dos mesmos. Onde e quando têm por base a proximidade espacial8 e temporal dos factos (Ibid.: 180-195). Foi, de resto, com o objetivo de tentar perceber como agiam as fontes profissionais de informação, assim como os seus meios operacionais, recursos, níveis organizativos, atividades e estratégias, que Stephen Hess (1984), em The Government/Press Connection – Press Officers and their Offices, descreveu o modus operandi dos gabinetes de comunicação de cinco agências federais norte-americanas. Tal como os anteriores investigadores, apesar de numa perspetiva diferente, este autor identifica a rotina como principal motor de produção de notícias. Hess (1984) elogia ainda o profissionalismo e o rigor dos assessores de imprensa que “trabalhavam afincadamente e apresentavam um produto útil (...). Por vezes, as declarações à imprensa eram mais precisas do que os relatos apressados escritos por repórteres generalistas” (Ibid.: 108). Destaca também o trabalho sistemático, ordenado e de alto interesse público destes gabinetes. Mas adverte que “ordenado pode, em alguns casos, ser um eufemismo para controlado” (Ibid.: 115, ênfase nosso). Tal como Gans (1978), Hess (1984) defende que na relação jornalistas-fontes há uma reação recíproca mais do que uma ação voluntarista de uma das partes. Ou seja, quem despoleta e gere as notícias diverge de caso para caso. Pareceu-me que tanto os repórteres como os assessores de imprensa tendem a descrever-se como reatores, e não como iniciadores de algo. A visão sobre este aspeto depende geralmente do ponto em que entraram no ciclo: os responsáveis de imprensa do Departamento de Estado que

8

Altheide refere que “muitas instituições procuram promover-se enviando informações já conhecidas” e, por isso, “muitos press releases podiam ser vistos como publicidade”. No entanto, apresentam a informação como novidade ou de forma intemporal para as redações “as qualificarem como notícias” (Altheide, 1976: 192-193).

45

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal preparam os relatórios para os briefings do meio-dia com base naquilo que acabaram de ler no Times e no Post dessa manhã viam o governo como um elemento reativo; os repórteres presentes nos briefings solicitando os guias departamentais para as crises do dia encaravam a imprensa como maioritariamente reativa. Penso que ambos se ressentem bastante daquilo que acreditam ser a influência do outro sobre si (Hess, 1984: 109).

E continua: As organizações, incluindo as agências governamentais, sentir-se-iam bastante tentadas a gerir as notícias, caso tivessem o monopólio sobre as fontes de informação. As organizações querem sempre justificar as suas ações. Acreditam também que as suas ações estão corretas, o que, no caso das agências governamentais, significa que está assegurado o melhor interesse da população. O que mantém a gestão das notícias em cheque – mais do que a falta de capacidades e recursos de manipulação – é o pluralismo (Ibid.: 111).

Os assessores de imprensa mais competentes conseguem prolongar os efeitos mediáticos de uma notícia positiva, ao mesmo tempo que se revelam capazes de atenuar os factos negativos. Conhecem muito bem as estruturas organizativas dos media, assim como os seus agentes, as suas preferências e o timing certo para realizar os acontecimentos (Ibidem). Jerry Palmer (2000) realizou um aprofundado estudo para perceber as razões pelas quais as fontes oficiais se aproximam dos jornalistas ou permitem (ou não permitem) ser abordados. Com estes propósitos, o autor analisou um escândalo sexual e uma ação da Greenpeace contra a BP. Percebeu, então, que as fontes usam vários motivos e técnicas para integrarem o espaço mediático de forma positiva. Como “motivos”, as fontes políticas exibem o direito democrático ao conhecimento público das políticas, a alteração do perfil da organização, as tentativas para criar uma imagem pública com notoriedade, a entrada nos assuntos que dominam a ordem do dia e a tentativa de limitar um eventual dano ou incidente (Ibid.: 47-52).

46

Como “técnicas”, o autor destaca a criação de uma relação credível e confiável com os jornalistas; a necessidade de validação da informação pelo jornalista para passar a mensagem; o apelo à sua consciência jornalística; a definição do timing para libertar a informação e do local onde esta se liberta de forma a servir os interesses jornalísticos; e a adaptação das informações aos valoresnotícia. Por último, Palmer refere naturalmente o uso de técnicas de assessoria de imprensa: redação de conteúdos apropriados (press releases e video news releases) e a correta escolha dos media e dos jornalistas para os difundir; organização de conferências de imprensa e estabelecimento de outros contactos com os media; conhecimento das rotinas jornalísticas e, em especial, dos deadlines; promoção criteriosa de fugas de informação (Ibid.: 5256). 3.7 A crescente dependência do jornalismo face às fontes de informação

Aos conteúdos fornecidos pelas fontes às organizações noticiosas Oscar Gandy (1982) deu o nome de informação subsidiada9. Este sociólogo demonstrou, na obra Beyond Agenda Setting: Information Subsidies and Public Policy, que as fontes de informação estão interessadas em fornecer dados que reduzam o trabalho dos jornalistas. Desta forma, aumentam o controlo sobre as notícias, diminuem as reportagens de investigação e controlam os temas abordados na opinião pública (Gandy, 1982: 15). No fundo, são “tentativas de exercer influência sobre as ações dos outros através do controlo do conteúdo e do acesso à informação” (Ibid.: 61). Neste âmbito, Gandy identifica a publicidade, as relações públicas, a consultoria de comunicação e a informação governamental, parlamentar ou política em geral como as principais formas de produção de informação subsidiada. Sublinhe-se que esta informação pode ser “direta”, quando as ações e suportes são

9

Informação subsidiada [information subsidies] é, para Óscar Gandy (1982), um texto que chega a uma redação já formatado em estilo jornalístico e, que por isso mesmo, é automaticamente aproveitado para publicação. Surge, desta forma, este conceito muito colado ao ‘patrocínio financeiro’ ou ‘subsidiação’ pois estes mesmo textos representam ausência de trabalho e investimento por parte das organizações noticiosas. Falamos dos press releases, comunicados e notas de imprensa.

47

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

identificados,

e

“indireta”,

quando

os

conteúdos

são

remetidos

sem

identificação de origem ou fonte (Ibid.: 61-90). O estudo deste sociólogo e professor na University of Pennsylvania alerta, à guisa de conclusão, para o progressivo aumento da dependência dos media em relação às fontes de informação. Em particular das fontes de informação profissionais, uma vez que conseguem divulgar conteúdos noticiáveis legíveis, credíveis, confiáveis, com atualidade, no timing certo e dentro dos deadlines. Ao analisar o comportamento dos jornalistas na ronda diária exigida pela cobertura das forças de segurança, tribunais e governos locais, Mark Fishman (1980) já antes constatara a disponibilidade natural das “fontes promotoras”10 para fornecerem informações aos media. Este processo, que o autor apelida de “subsídio invisível de notícias” [invisible bureacratic subsidy of news], permite aos jornalistas produzirem peças em pouco tempo e com pouco trabalho (Ibid.: 150-152). E são estas mesmas fontes que, na opinião de Roshco (1984), constituem a principal causa do enviesamento da pretensa objetividade jornalística. Isto acontece porque as fontes profissionais apenas fornecem “as perspetivas que desejam promover” (Ibid.: 19) ou, como Fishman (1980: 152) já havia alertado, “os assessores de imprensa escrevem press releases com estórias já formatadas”. Ao produto jornalístico resultante exclusivamente das informações difundidas pelas relações públicas, o investigador e jornalista do britânico Guardian, Nick Davies (2008), chamou ‘churnalism’. O ‘churnalism’ acontece quando os jornalistas deixam de executar as funções mais básicas da profissão. Quando são incapazes de dizer aos seus leitores a verdade do que está acontecer; quando não saem à rua para encontrar estórias mas, pelo contrário, tornam-se processadores passivos

10

Ainda sobre as “fontes promotoras”, Fishman demonstrou que os promotores (Molotch & Lester, 1993) têm mais facilidade de influenciar a produção noticiosa a seu favor. Destaca a ação dos políticos e dos promotores profissionais (assessores de imprensa), que “providenciam antecipadamente aos jornalistas discursos, fazem marcações de conferências de imprensa a horas convenientes e em função do deadline”.

48

de material informativo que vem produzido à medida pelas relações públicas, seja real ou artificial, importante ou trivial, verdadeiro ou falso (Davies, 2008: 59).

Dada a sua pertinência para este estudo, o peculiar conceito de Nick Davies será aprofundado no Capítulo III. 3.8 Negociação permanente

Sabendo

que

os

jornalistas

preferem

fontes

conhecidas,

regulares

e

autorizadas, Richard Ericson, Patricia Baranek e Janet Chan realizaram dois importantes estudos (Ericson et al., 1987, 1989) no campo da comunicação, da sociologia e da criminologia, para tentarem compreender como funcionam as redações dos media e qual o desvio que as fontes provocam na cobertura noticiosa. Ericson et al. (1987), em Visualizing Deviance, verificaram que, mesmo perante uma enorme gama de fontes disponíveis (documentos oficiais, textos académicos, análises e estatísticas de toda a ordem), os jornalistas limitam a sua performance ao preferirem usar os press releases e a citação de fontes, fazendo com que as organizações noticiosas fiquem subjugadas aos interesses das fontes organizadas (Ericson et al., 1987: 345). Salientaram também a prevalência das fontes de elite, as quais conseguem “definir o desvio” (Ibid.: 361) dos conteúdos noticiosos por terem mais meios para “fazer e provocar atos nas notícias, enquanto os outros cidadãos estão mais limitados” (Ibidem). No entanto, os autores ressalvam que tudo isto acontece porque os jornalistas são confrontados com um “ruído sistémico” (Ibid.: 347) que limita e constrange a sua produção noticiosa. Neste ruído sistémico cabem a experiência do repórter, as influências externas (económica, legal, regulação, audiência, etc.), as influências da própria empresa de comunicação social (recursos financeiros, meios técnicos, etc.) e a pressão da redação (cultura de redação, valores jornalísticos, etc.). Basicamente, estes constrangimentos estão relacionados com o tempo e o espaço (Ibidem), e não tanto com o fornecimento de informação subsidiada (Gandy, 1982). 49

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

Num

estudo

posterior,

Negotiating Control

(1989:

8),

Ericson

et al.

preocuparam-se em perceber como as fontes trabalham para “proteger a sua organização da intrusão de jornalistas, enquanto ao mesmo tempo conseguem publicidade favorável, que é vista como um importante modo de manter o controlo sobre o ambiente organizacional”. A partir destas premissas, os autores construíram uma grelha de análise composta por uma zona de vanguarda [front regions] e uma outra de retaguarda [back regions], com diferentes graus de reserva [enclosures] e de abertura [disclosures] na gestão da informação para os media (Ibid.: 287-302). Com esta metodologia, os investigadores procederam igualmente à tipificação das fontes de acordo com a forma como lidam com os jornalistas ao serviço das suas organizações: secreta [secrety], confidencial [confidence], censura [censorship] e publicitária [publicity] (Ibid.: 9). Interessa referir que, para os autores, as zonas de retaguarda representam os espaços onde o trabalho organizacional transpira e onde as decisões são tomadas, pelo que são áreas restritas e só frequentadas por agentes ao serviço da organização (Ibid.: 10). Há também entidades, maioritariamente empresas, centros de investigação e exército, que se tornam secretas por ser esta a única forma de protegerem a produção dos seus bens e serviços. Nestes casos, as fontes de informação definem estratégias defensivas e reativas capazes de prevenir falhas ou minimizar danos quando acontece uma crise, sempre numa constante dialética entre o que pode ser revelado e o que deve manter-se sob reserva. As relações públicas, sobretudo no setor privado, são tipicamente entendidas como uma empresa pró-ativa, misturando as boas notícias e a publicidade para produzir imagens favoráveis que vendam ideologias e produtos. Contudo, as relações públicas colocam uma ênfase substancial, e talvez ainda maior, nas estratégias defensivas, para prevenir as fugas e controlar os danos causados quando ocorre uma fuga ou uma crise” (Ibid.: 286 e 287).

50

Em contraponto, a fonte confidencial caracteriza-se pela abertura da zona de retaguarda, que ocorre quando há vantagens em manter uma determinada audiência controladamente informada. O policiamento da informação contém, muitas vezes, a consideração do momento mais vantajoso para divulgar certas informações a determinadas audiências. Tal como realçámos anteriormente, uma componente crucial do poder organizativo é a capacidade de controlar os papéis e as audiências para as performances de cada um (Ibid.: 288).

No estabelecimento da confidencialidade, desenvolvem-se entre fontes e jornalistas dispositivos interpessoais complexos e legais, de forma a manter, de facto, o sigilo: A troca de confidências é muito mais frequente entre administradores de empresas e elementos do Governo do que entre os mesmos e jornalistas. As condições tácitas de baixa visibilidade, sob as quais os assessores do Estado procuram o entendimento dos administradores de empresas privadas, fornecem uma troca contínua de confidências que raramente está disponível a jornalistas na esfera pública. Para além disso, o trabalho empresarial privado levado a cabo sob a rubrica de segredo de Estado envolve mecanismos interpessoais e legais complexos destinados ao controlo destas confidências (Ibid.: 288).

A fonte censora gere o acesso à zona de vanguarda de acordo com os seus interesses organizativos. Por isso simula abertura e disponibilidade para informar, por exemplo através de um porta-voz, de modo a criar na opinião pública uma ideia de transparência. “As organizações do setor privado permitem aos repórteres um nível de acesso a certos pontos selecionados, para dar uma aparência de abertura mesmo quando as coisas correm mal. Se for argutamente gerido, este acesso pode trazer boas notícias” (Ibid.: 290). Este trabalho de censura é maioritariamente desenvolvido por relações públicas, assessores de imprensa, porta-vozes e outros consultores de comunicação. A sua ação passa pela edição. Logo, a censura de material provém da sua própria organização e os jornalistas, por sua vez, fazem a edição e a

51

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal censura do material das fontes conforme lhes pareça adequado. O próprio ato da publicidade é simultaneamente um ato de censura (Ibid.: 291).

Por último, a fonte publicitária inclui as organizações que possuem equipas de relações públicas e que desenvolvem uma atividade pró-ativa na divulgação dos serviços e produtos de uma empresa. Na sociedade do conhecimento contemporânea, a unidade de relações públicas ocupa um espaço legítimo dentro da indústria, nomeadamente da indústria dos meios de comunicação social. Com o seu posto estabelecido, a máquina empresarial da publicidade é naturalmente intrusiva e persuasiva na esfera pública. Conforme evidenciámos na nossa análise do segredo, confidência e censura, toda a publicidade é até certo ponto limitada. Uma corporação privada com uma unidade de relações públicas substancial pode, periodicamente, fazer circular as boas notícias através da ‘publicidade gratuita’ na esfera pública e relegar as más notícias através do ‘controlo de danos’ na esfera privada” (Ibid.: 297).

Ericson et al. (1989) defendem ainda a importância da negociação entre fontes e jornalistas durante o processo de produção noticiosa. Para os autores, “as notícias são um processo de transação entre os jornalistas e as suas fontes” (Ibid.: 377). Os autores não concordam com aqueles que dizem que os órgãos de comunicação social dependem em excesso das fontes de informação, transformando os jornalistas em meros “canos condutores” e “segundos definidores” (Ibid.: 378). Neste sentido, Ericson et al. advogam que, “do ponto de vista das fontes, os meios de comunicação social são extremamente poderosos, possuindo elementos chave que muitas vezes lhes dão vantagem” (Ibid.: 378). Ressalvam, no entanto, que há fontes mais poderosas do que outras na criação de rotinas informativas e na definição dos contornos do debate público. O controlo do processo noticioso varia de caso para caso, dependendo do contexto, do tipo de fontes envolvidas, do tipo de órgão de comunicação social implicado e do assunto em causa, levando em consideração que o jornalista tem sempre a última palavra.

52

Os autores descreveram também o comportamento das fontes em cenários de crise e compreenderam que estas são mais “cooperantes com os media porque procuram ganhar a confiança dos jornalistas” (Ibid.: 381), o que implica a articulação com certos interesses e valores. Por sua vez, a fonte sente que pode confiar no jornalista ou no meio de comunicação quando tem a certeza de que os factos que revelar serão, qualquer que seja a natureza dos mesmos, tratados com razoabilidade nas notícias e até abordados segundo uma perspetiva favorável aos valores e interesses da organização (Ibid.: 382). Por outro lado, quando há uma intenção censória, são identificadas várias técnicas que as fontes profissionais usam para promover uma mensagem, como ”fornecer informações parciais pelo uso de citações citáveis”(Ibid.: 383); utilizar a redundância para limitar a discussão pública sobre um determinado assunto; editar press releases com os factos principais e citações apresentadas como factuais; ou produzir vídeos para jornalistas de televisão e gravações para os de rádio. Estas premissas já foram, de resto, referenciadas no anterior trabalho destes autores (Ericson et al., 1987). As fontes atuam, assim, com base numa estratégia dual: ora investem nas relações informais baseadas na confiança, ora nas relações formais assentes na censura. Donde, o grande objetivo das relações públicas é dar a ideia de que se esforça por colocar a descoberto factos, quando realmente está, ao publicitá-los, a encobrir informação. Ou seja, quanto mais transparente é uma organização, maior é o controlo que exerce sobre a sua própria informação (Ericson et al., 1989: 383 e 384). Refira-se ainda como a falta de conhecimentos especializados sobre as matérias de cobertura (Gans, 1979), a falta de tempo e os condicionamentos organizacionais e culturais dos próprios media potenciam o recurso pelos jornalistas à ajuda dos colegas de profissão para construírem as notícias (Ericson et al., 1989: 393). Já as fontes são mais pragmáticas na sua abordagem às organizações noticiosas. Conhecendo a rotina que caracteriza o trabalho jornalístico, preocupam-se mais se as notícias têm poder de influência e utilidade do que 53

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

se revelam isenção, pertinência e equilíbrio. Aliás, as fontes chegam mesmo a condicionar os jornalistas que não se mostrem “simpáticos” e “colaborantes” (Ibidem). 3.9 Modos de saber usar a fonte

Philip Schlesinger (1990), para além de considerar os estudos anteriormente referidos demasiado mediacentrics, discorda da ideia dos “definidores primários” (Hall, 1993 [1973]). O autor parte da premissa de que na esfera pública as fontes não representam um bloco único, mas antes um conjunto de interesses diferentes, concorrentes e antagónicos. Devíamos começar por analisar as táticas e as estratégias desenvolvidas pelas fontes para terem a atenção dos media perguntando sobre as suas perceções de atores, sobre os outros concorrentes no campo onde tentam exercer influência, sobre os recursos financeiros à sua disposição e sobre os contextos organizacionais em que operam. E se perguntarmos também quais são os seus objetivos e os seus conceitos de eficácia, rapidamente descobrimos o quão ignorantes somos sobre essas questões – para além, é claro, da inquestionavelmente importante contribuição que damos para os estudos realizados neste campo (Schlesinger, 1990: 62).

O autor escocês critica, assim, Hall et al. (1993 [1973]) pela visão marxista da fonte, porque: 1) definem “definidores primários” como se se tratasse de um “todo unificado”; 2) acusam as fontes de usar o off-the-record para construir a história como se essa prerrogativa não pertencesse (e fosse dada) ao jornalista; 3) assumem que as fontes têm interesses e “vozes” comuns e consensuais; e 4) o “acesso estruturado” deve ser visto como uma ocorrência temporal, localizada nas políticas de privatizações de Thatcher (Ibid.: 66-67). Também não concorda com a distinção das fontes entre “oficiais” e “não oficiais” defendida por Sigal (1973). Isto porque, para Schlesinger, há grupos de pressão “não oficiais” que beneficiam do sistema político. Além disso, o autor critica a limitação do campo de estudo de algumas obras, que se baseiam, por exemplo, só nos correspondentes de Washington (Sigal, 1973) ou no Parlamento britânico (Tunstall, 1970). 54

Por isso, para Schlesinger (1990, 2007 [1994]), que tal como outros autores (Paletz & Entman, 1981; Ericson et al., 1987, 1989; Molotch & Lester, 1993; Hall, 1993 [1973]) estudou as áreas do crime e da Justiça, o jornalismo deve ver a fonte dentro de um “cálculo instrumental utilitarista”. Isto significa que é necessário ter em conta que a fonte fornece, como comportamento standard, informação à medida dos interesses dos media (Schlesinger, 1990: 80). Perante isto, o jornalista deve ter como “bitola ideal de análise das fontes” pelo menos as seguintes condições: 1) verificar se a mensagem está “bem definida e num enquadramento otimizado em termos de valores-notícia”, bem como se apresenta “boa localização e uma distribuição (...) bem direcionada às audiências”; 2) cultivar, se possível, “boas pré-condições comunicativas de sucesso, como, por exemplo, ter um relacionamento simpático”; 3), “em oposição, deve prever, neutralizar, antecipar ou desacreditar” tentativas de manipulação da fonte (Schlesinger, 1990: 79). Estas premissas têm, de alguma forma, por base a “fidelidade da comunicação” (Berlo, 1960), os “valores-notícia” (Galtung & Ruge, 1965)

e “pertinência na utilização das

fontes” (Gans, 1979). Para Schlesinger (1990), a função estratégica das fontes comporta os seguintes aspetos: a “institucionalização”, porque servem os interesses do Estado, de grupos de pressão e outros atores sociais; o “financiamento”, porque fornecem informação útil e “subsidiada” às organizações noticiosas (tal como Gandy (1982) prevê); e, por último, o “capital social” que legitima todo o sistema mediático, assumindo-se como “sangue do jornalismo” (Mencher, 1991 [1977]). A

abordagem

da

sociologia

do

jornalismo

pela

perspetiva

da

fonte

desenvolvida neste trabalho, mesmo não se tratando de uma ruptura, deu origem a novos estudos, os quais se vieram a revelar mais acutilantes e críticos para as fontes organizadas do que as teorias de Schlesinger, donde se destacam GUMG (1993); (GUMG, 1995 [1980]) e Manning (1998). Acutilância que, ainda assim, o autor demonstrou mais recentemente num artigo intitulado A Crisis in British Journalism? (2006), no qual denuncia o poder que as 55

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

fontes profissionais de informação ao serviço da política, os spin doctors (tema central da presente investigação), têm na definição da agenda política e mediática. No entanto, será importante notar que Schlesinger (1972) já anteriormente, na análise etnográfica realizada à BBC (estudo de caso da sua tese de doutoramento), percebeu que as notícias resultavam da conjugação do “controlo hierárquico da redação”, do “profissionalismo” dos jornalistas (Ibid.: 370) e da “consciência do tempo” (Ibid.: 376). Aliás, o tempo é um fator que origina uma “mercadoria curiosa (...), altamente deteriorável” (Schlesinger, 1972: 356) do ponto de vista temporal e onde o “imediatismo” é a ideia chave de todo o processo (Ibid.: 339). Demonstrou, assim, que o tempo é um autêntico fetiche para os jornalistas (Ibid.: 349). 3.10 Relação adversativa e de troca

Jay Blumler e Michael Gurevitch (1995) estudaram a cobertura jornalística pela BBC de cinco campanhas eleitorais britânicas (1966, 1979, 1983, 1987 e 1992), assim como o quotidiano da redação desta entidade pública noticiosa e o comportamento dos seus profissionais no parlamento britânico. Isto significa que no centro da investigação esteve a relação entre jornalistas e políticos. Trata-se de uma relação “que normalmente absorve muita energia” (Ibid.: 25) aos jornalistas, por ser problemática – dada a diversidade dos níveis de escolha –, por ser central – a produção noticiosa não se centra na organização noticiosa, mas sim nos contactos com as fontes que são tema da maioria das estórias publicadas – e por ser de difícil análise – nem os jornalistas gostam de ser vistos “como crianças que são levadas a passear no prado” (Ibid.: 26), nem os políticos se consideram acima destes profissionais. O interesse individual destes dois agentes, jornalistas e políticos, parece assim fundamentar o relacionamento entre ambos. Os jornalistas precisam de informação nova ou de validar um facto ambíguo, enquanto os políticos procuram “tornar-se conhecidos, criar uma imagem forte junto dos eleitores,

56

conseguir apoio para as suas políticas, testar medidas na opinião pública, mediar a notoriedade do adversário para o poder atacar e prejudicar” (Ibidem). Mas “isto não quer dizer que eles [jornalistas e políticos] se fundam para formar um ‘todo unificado’, onde as suas próprias identidades são perdidas. Pelo contrário, cada lado mantém, em certa medida, a sua finalidade separada, a sua distância a partir do outro e, ocasionalmente, a mesma posição em relação ao outro (Ibid.: 26). Por isso, Blumler e Gurevitch defendem que o relacionamento entre jornalistas e fontes está fundamentado em dois paradigmas: o adversativo [adversary model] e o de troca [exchange model] (Ibid.: 27 e 29). O paradigma adversativo é ditado pela postura desconfiada do jornalista, quando suspeita que a verdadeira estória está escondida, bem como pelo receio que a fonte tem do poder do jornalista e da sua narrativa. Este modelo deve envolver algum grau de interação, porque “perpetuar a guerra, hostilidade e obstrução” (Ibid.: 29) impede que cada um efetue o seu processo comunicativo. O paradigma de troca decorre do interesse mútuo no processo de partilha de informação. Do lado do jornalista, por exemplo, passa pela aceitação de fugas e consequente respeito dos embargos, pelo anonimato das fontes e pela confidencialidade do off-the-record. Para as fontes, por sua vez, trata-se do respeito pela imparcialidade e pela objetividade jornalísticas (Ibid.: 30). Por este motivo, outros autores já haviam defendido que as notícias de televisão são um produto coproduzido. Esta investigação, antes de ser publicada em livro (o qual será novamente analisado no capítulo II), deu origem a vários artigos onde se revelam diferentes comportamentos no complexo relacionamento entre políticos e jornalistas. Percebeu-se, por exemplo, que estes dois atores estabeleciam uma relação simbiótica, porque juntos conseguiam atingir mais facilmente as suas ambições, interesses e necessidades individuais. Servem-se, portanto, das “necessidades divergentes e contrastantes de cada grupo, mas unindo-se por causa da acumulação dos seus propósitos fundamentais” (Blumler & 57

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

Gurevitch, 1981: 473). Trata-se, assim, de um conflito entre a lealdade aos princípios profissionais e a necessidade de alimentar o relacionamento com as fontes (Blumler & Gurevitch, 1986: 90). Nesta relação simbiótica, os conflitos quando surgem têm origem em dois grandes fatores: primeiro, quando há uma colisão entre os objetivos de cada um

e,

segundo,

quando



uma

quebra

grosseira

das

convenções

estabelecidas. Ou seja, o primeiro caso ocorre quando os políticos querem divulgar uma ação política com alto teor propagandístico e ausente de ‘valores-notícia’ e o jornalista se restringe, unicamente, à sua função informativa. O segundo caso ocorre quando um jornalista não cumpre, por exemplo, um embargo ou os graus de confidencialidade acordados. Também se verifica, por outro lado, quando o político fornece uma fuga aos jornalistas da concorrência ou nega sistematicamente entrevistas (Blumler & Gurevitch, 1981: 472). Blumler e Gurevitch (2005) atualizaram, mais recentemente, a avaliação deste relacionamento. Tiveram essa necessidade porque a informação se tornou mais fluída com o aumento das redes tecnológicas (satélite, fibra ótica, etc.), os políticos passaram a sustentar “a ação em efetivas estratégias de comunicação”, a comunicação social estendeu os suportes ao ‘infotainment’ e as fontes tornaram-se mais interativas e proficientes (Blumler & Gurevitch, 2005: 105, 106). Deste modo, o sistema mediático ficou mais poroso (escândalos, críticas, etc.), disseminado (mais canais de TV, rádio, internet, etc.) e menos integrado nas lógicas de poder (houve um notório aumento de fontes populares, entrevistas a cidadãos comuns e construção de notícias a partir de um caso individual). Todavia, a razão desta abertura aos cidadãos está relacionada com interesses comerciais e populistas potenciados pela pressão das audiências e do mercado da publicidade (Blumler & Gurevitch, 2005: 112-114, 118). A prevalência da elite dominante na agenda mediática é ainda uma evidência, mas tem agora uma maior concorrência dos grupos de pressão que se tornaram, também eles e tal como Manning (2001) havia demonstrado, 58

profissionais nas estratégias de acessos aos media (Blumler & Gurevitch, 2005: 108-109). Para além desta sofisticação das fontes, destacam-se as seguintes tendências: 1) o desenvolvimento do jornalismo político profissional, de mais difícil acesso por inverter a tendência do sensacionalismo; 2) a fragmentação e qualificação da audiência, devido ao aumento de oferta no espectro mediático; e 3) uma profunda alteração comportamental de todo o meio envolvente, nomeadamente com a subida do nível de instrução da população (Ibid.: 108-111). Blumler e Gurevitch constaram, igualmente, que as fontes profissionais de informação aumentaram ainda mais a sua participação. As campanhas políticas são hoje desenvolvidas segundo uma lógica de projeção da imagem do candidato, a qual é construída em função do eleitorado (numa completa associação à lógica produto/mercado). As notícias resultam, de acordo com estes autores, da proatividade da assessoria de imprensa. Isto porque as mensagens políticas são criadas, medidas, testadas e validadas por sofisticados processos de análise de marketing (Ibid.: 106). Em Portugal, Vasco Ribeiro (2009) demonstrou, a partir da análise do noticiário político de quatro jornais diários portugueses, entre 1990 e 2005, que mais de 60% das notícias resultam de uma ação de indução por parte de assessores de imprensa, relações públicas, consultores de comunicação e porta-vozes do Governo ou dos partidos com representação na Assembleia da República (Ibid.: 111). 3.11 Casamento de conveniência

Tal como Cook (1989), que empregou a metáfora ‘dormem juntos’ para descrever o relacionamento entre políticos e jornalistas, também Bob Franklin (2004 [1994]) usa a expressão ‘casamento de conveniência’ para caracterizar esta relação “volátil e atormentada com separações temporárias” (Ibid. 14). Mas vai mais longe ao afirmar que a relação entre os governos e os jornalistas se tornou indevidamente conspiratória e assimétrica, porque os media não são

59

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

mais do que “condutores” das informações enviadas pelas assessorias de imprensa governamentais (Ibid.: 5 e 6). Se a esta ideia de conspiração somarmos o facto de os políticos usarem sempre os meios de comunicação social para difundirem as suas ideias junto da opinião pública e o consequente investimento em meios técnicos e humanos de gestão informativa, temos como resultado a “superficialização” do discurso político. Ou seja, a única preocupação é com a embalagem [packaging politics], e não com a substância (Franklin, 2004 [1994]). Segundo Bob Franklin (2004), o incremento do packaging politics teve preocupantes implicações para a democracia: houve uma diminuição dos contactos pessoais dos políticos com a população e registou-se um aumento da abstenção a partir da década de 70 (curiosamente, quando a televisão viu as suas audiências começarem a crescer exponencialmente), acompanhado de uma crescente sensação de ceticismo face à política por parte dos cidadãos (Ibid.: 14) A conclusões semelhantes chegou Paolo Mancini (1993), ao demonstrar que os políticos usam os jornalistas para promoverem as informações que mais lhes convêm. Por sua vez, ressalva o autor, os jornalistas fazem uso impróprio, mas igualmente estratégico, das declarações dos políticos, mesmo se dadas informalmente e com reserva (Mancini, 1993: 38). Daqui resulta uma relação entre jornalista e fonte que oscila, regularmente, entre a suspeita e a confiança (Ibid.: 46, ênfase nosso). Mancini (1993) revela que, no contacto com a fonte, os jornalistas desenvolvem uma “definição da situação”, que lhes permite agir com suspeita ou com confiança. Isto significa que os jornalistas avaliam: 1) a hierarquia da fonte envolvida; 2) o que esta fez e disse num determinado contexto espacial e temporal; 3) os motivos e os objetivos na base do interesse da divulgação; e 4) as consequências da divulgação (Ibid.: 44). Neste contexto, o relacionamento entre governo e media é determinado por um clima de hostilidade ao jornalismo de investigação, pelo controlo dos órgãos de comunicação social públicos, pela censura através de mecanismos legais e funcionais, pelo 60

controlo do licenciamento e pelos impostos aplicados sobre os media (Ibid.: 28-35). O investigador português Rogério Santos (1997) defende que os propósitos das fontes e dos jornalistas nem sempre coincidem, provocando um “esforço sempre permanente de diálogo, luta, relação simbiótica ou negócio” (Ibid.: 194). A fonte procura relevar os acontecimentos favoráveis e escamotear tudo o resto que seja prejudicial aos seus interesses. Pelo contrário, o jornalista perscruta os desvios às normas comportamentais, desvalorizando, por isso, os factos que a fonte considera de sucesso. Nesta relação é natural a existência de pressões, principalmente sobre quem confere existência pública aos acontecimentos. Neste quadro, e para beneficiar das dinâmicas muito próprias do sistema mediático, as fontes têm de ser reconhecidas junto das organizações noticiosas. Ora, isso implica um contacto regular com os jornalistas e o desenvolvimento de relações fundadas na credibilidade. Existem, portanto, rotinas produtivas e organizativas por parte das fontes de informação, as quais, perante determinados acontecimentos a divulgar, definem a estratégia de comunicação mais curial e profícua. Porém, a credibilidade da fonte depende, segundo Santos (1997), da instituição que representa. Por seu turno, os jornalistas desenvolvem a sua atividade noticiosa de acordo com os propósitos e a cultura do meio de comunicação social que os enquadra. Para Santos (1997: 193), “o jornalista, após a seleção de acontecimentos, produz a notícia segundo normas e protocolos relativamente definidos, e que resultam no conjunto de reuniões formais e informais, a que chamei de cultura de redação”. Logo, a autonomia do jornalista depende do grau de liberdade que a organização noticiosa lhe concede e do prestígio profissional de que goza entre os seus pares. O investigador português Ricardo Jorge Pinto (1997) concluiu, ao estudar quatro diários – Diário de Notícias, Le Monde, The New York Times e The Times – entre 1970 e 1995, que há uma relação mista de conflito e cumplicidade entre jornalistas da área política e os políticos que lhes servem de fontes. Não 61

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

é, pois, de estranhar que neste caldo de cultura se verifique, segundo o autor, uma diminuição do recurso a fontes identificadas, sendo estas preteridas pelas anónimas. De resto, o novo modelo de jornalismo caracterizado por Pinto (1997) privilegia a interpretação e análise em relação à descrição factual, estribada em longas citações diretas dos políticos (Ibid.: 228). A investigação de Pinto (1997) tem em conta a influência do marketing político nos procedimentos jornalísticos, levando-o a considerar que os esquemas de jogo da reportagem política estão a tornar-se mais complexos. Um corpo de jornalistas altamente especializado está a redefinir os padrões de criação de factos políticos. As fontes anónimas estão a tornarse cada vez mais presentes no noticiário português e por isso têm vindo a impor-se como fontes credíveis, subvertendo os antigos padrões dos procedimentos jornalísticos. O jornalismo político é agora produto da assimilação do sistema dos meios de comunicação social pelos sistemas políticos, e vice-versa, sendo que ambos os agentes tiveram que se adaptar a uma estrutura de informação mais flexível. Os repórteres são agora parte num sistema sem fundo concreto. Os cenários de debate dos talk shows e de programas com intervenções via telefone têm-se vindo a tornar uma agora privilegiada da política, onde as audiências tomam parte numa discussão simulada. Os jornalistas perderam, assim, o monopólio do jogo (Ibid.: 235).

O autor constatou ainda que as fontes se diversificaram e o contacto com os jornalistas está mais facilitado, e vice-versa. Isto porque, por um lado, a proximidade entre o meio jornalístico e o circuito político encoraja o relacionamento mais frequente com as fontes e, por outro, os políticos têm hoje consultores de comunicação e imagem (muitos deles antigos jornalistas, que mantém ligações pessoais com ex-colegas no ativo), com o intuito, precisamente, de obterem uma exposição mediática consentânea com os seus interesses (Ibid.: 232). Acresce que, para legitimar o seu trabalho eminentemente analítico (e menos factual), segundo o novo paradigma de produção noticiosa, o jornalista tem de se socorrer de um vasto leque de fontes. Exige-se o cruzamento exaustivo de 62

informação entre várias fontes, de forma a justificar as análises realizadas pelos jornalistas. Daí que as fontes anónimas tenham preponderância, defende Ricardo Jorge Pinto (Ibid.: 233). Recorde-se, porém, que o primeiro investigador português a levantar a pertinência

do

estudo

das

fontes

de

informação

para

uma

melhor

compreensão do processo produtivo de notícias foi Manuel Pinto (1999), através da comunicação: Fontes jornalísticas: contributos para o mapeamento do campo. 3.12 Utilização e citação de fontes em função da credibilidade

A existência de fontes não específicas, que surgem nas notícias citadas sem qualquer indicação de identidade ou filiação organizacional, sempre foi uma prática e um privilégio do jornalismo (Marcus, 1983). Assumindo uma particular posição profissional, os jornalistas justificam a sua utilização pela necessidade de proteger a fonte através do anonimato, invocando o interesse público da informação recolhida (Carlson, 2011) . A este respeito, Melvin Mencher (1991 [1977]) distingue quatro níveis de identificação das fontes ou de atribuição da informação, de acordo com os compromissos assumidos pelo jornalista: on-the-record (atribuição direta, para publicação), off-the-record (confidência total), on-background/not for attribution (atribuição com reserva) e deep background (atribuição com reserva total). No on the record, a fonte é identificada e tudo o que ela afirmar pode servir de matéria jornalística. Trata-se, aliás, de uma regra canónica do jornalismo, devendo ser observada sempre que a fonte não pede confidencialidade. Por antítese, quando é solicitado o off-the-record, o jornalista, depois de expressamente o aceitar, não deve identificar a fonte nem divulgar a informação por ela fornecida. No entanto, os dados obtidos off-the-record revelam-se, amiudadas vezes, bastante importantes para o trabalho do jornalista, que pode tentar confirmar ou desmentir junto de outra fonte a informação que lhe foi originalmente transmitida. E caso confirme por outra

63

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

fonte a veracidade da informação off-the-record, o jornalista tem toda a legitimidade para a noticiar (Ibid.:35). Tratando-se de uma situação de on background/not for attribution, a fonte não é totalmente identificada, embora sejam fornecidos alguns dados sobre a sua condição ou sobre o ambiente onde atua. Verifica-se, então, o uso de designações como: ‘fonte próxima de…’, ‘um membro do Governo’, ‘um dos participantes na reunião’, entre outras. Por último, a fonte deep background não pode ser identificada nem serem dados indícios sobre a sua condição ou ambiente onde atua. Contudo, as informações fornecidas por este tipo de fonte podem ser divulgadas, usandose, para tanto, designações como ‘fonte bem colocada’, ‘fonte bem informada’ ou ‘fonte autorizada’, por exemplo. O jornalista pode ainda recorrer a asserções

como

‘sabe-se’,

‘segundo

nos

informaram’,

‘é

do

nosso

conhecimento’, entre outras, ou simplesmente citar sem identificar qualquer fonte, direta ou indiretamente (Mencher, 1991 [1977]: 35). Designações tão comuns, sobretudo na imprensa, como ‘fonte bem informada’ ou ‘fonte próxima’ acobertam, normalmente, pessoas com capacidade de decisão política ou grande relevância socioeconómica, assessores de imprensa (em particular os que estão ligados a instâncias de poder) e os relações públicas (ou técnicos de comunicação e imagem). O on background, nas mãos das fontes, pode moldar a construção de uma notícia, sem que o leitor perceba que a fonte daquela informação é a principal parte

interessada.

E

o

deep

backgound

afigura-se

como

uma

arma

poderosíssima, podendo, nas mãos erradas, causar muitas vítimas. E sempre sob o escudo de proteção que o jornalista oferece (Ericson et al., 1989). Na verdade, outros autores denunciaram, há muito, o risco de os graus de confidencialidade jornalística poderem ser usados em função dos interesses das fontes políticas (Seymour-Ure, 1968; Tunstall, 1970; Cook, 1998) e profissionais (Hess, 1984). Seymour-Ure (1968), por exemplo, escreveu que as fontes usadas pelos jornalistas britânicos para suportar as suas estórias políticas pertencem a grupos not-for-attribution, como ‘funcionários no 64

Whitehall’, ‘fonte do círculo do Partido Trabalhista’, ‘fonte da direção do Partido Conservador’, ‘fonte do Cabinet’, ‘fonte bem informada’ ou até a expressão ‘soubemos que...’. Mas esta prática advém do facto do próprio sistema político inglês ter imposto quando e como os jornais deviam reportar o seu trabalho (Seymour-Ure, 1968: 175-176): A norma profissional no interior do jornalismo de proteger o anonimato pode ser invocada por políticos e outras fontes de notícias. (...) Políticos ambiciosos cultivam muitas vezes contactos com os jornalistas em parte para obterem cobertura favorável [favourable publicity], mas também para promoverem intrigas e informações políticas atuais (Tunstall, 1970: 26).

A importância e a eficácia desta ferramenta jornalística na assessoria de imprensa política podem ser demonstradas por um fax enviado pelo Departamento de Estado, em 1982, a todos os gabinetes de imprensa da máquina governamental dos EUA. Neste fax são clarificadas “as regras de conversação com jornalistas” (Hess, 1984: 118), tendo mesmo sido lançada a pertinente questão: “Quando falam ao telefone com um repórter, qual o grau de confidencialidade que deve ser usado?” (Ibidem). Mas, para Carlson (2011: 38), autor que há muito investiga os graus de confidencialidade, “os jornalistas não estão cegos sobre as motivações das fontes”. Pragmaticamente, usam de forma rotineira essas motivações para realizar suas tarefas de modo eficiente e confiável. Epistemologicamente, representa “uma estratégia para apresentar contas ao mundo, enquanto permanece dentro dos limites autoimpostos do paradigma da objetividade”. A credibilidade deve, então, ser a moeda usada na negociação entre fontes e jornalistas, pois é a melhor forma destes últimos tentarem observar os factos com independência e objetividade. Sendo que o valor destes factos é “atribuído pelas fontes dentro da sua autoridade normativa de testemunha dos eventos

(...),

através

de

formas

institucionalizadas

de

autoridade

e

conhecimento” (Ericson et al., 1989: 85). O jornalismo aparenta, assim, ser um mecanismo de produção de informação factual, imparcial, independente e justo, graças, precisamente, à peculiar forma de conseguir que as fontes 65

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

pareçam ser, nas suas citações, objetivas e desinteressadas (Ibid.: 86). Por isso, na literatura académica os diferentes graus de confidencialidade usados nas citações são uma forma de análise e estudo à credibilidade das fontes de informação (Tuchman, G., 1972; Culbertson, 1978; Powers & Fico, 1994; Blumler & Gurevitch, 2005; Yoon, 2005; Brady, 2009). A produção de notícias apresenta-se como um processo cognitivo para, através de fontes oficiais, autorizar factos. Esta autorização oficial fornecenos um mundo ordenado em contraste com o caos do rumor, da difamação, das insinuações e das ações judiciais (Ericson, 1998: 86).

De facto, a credibilidade é um dos principais fatores de influência no uso das fontes (Gans, 1979; Blumler & Gurevitch, 1995). Os jornalistas veem algumas fontes como mais credíveis do que outras, usando essa diferenciação na seleção de notícias (Sigal, 1973; Fishman, 1980). Deve acrescentar-se que, para o jornalista, a aferição da credibilidade de uma fonte tem em conta a importância (pela frequência de referenciação) e dominância (tendência a ser citada em vez de descrita) que esta assume na cobertura noticiosa (Stempel & Culbertson, 1984). Por tudo isto, uma fonte credível tem mais espaço e mais influência nos media (Reich, 2009), chegando mesmo

a “desfrutar de

representações mais positivas dentro do conteúdo das notícias” (Yoon, 2005: 292). A partir dos resultados obtidos num amplo estudo realizado aos media israelitas, Reich (2011) demonstrou que os jornalistas empregam quatro estratégias de relacionamento com as fontes para minimizarem eventuais erros na elaboração das notícias: o typecasting11 a priori, o ceticismo prático [pratical skepticism], o destaque [prominent presentation] e o distanciamento por atribuição [distancing by attribution.] (Reich, 2011: 44-46). O typecasting a priori verifica-se quando os jornalistas se fazem rodear, antecipadamente, de um “anel apertado de fontes” (Reich, 2008: 31) classificadas por eles como influentes e altamente credíveis. Daqui resulta

11

O typecasting é “o processo em que um ator se identifica fortemente com uma personagem ou com um conjunto de papéis” (in Wikipedia).

66

uma “dependência intensiva” e “conspiratória” (Ibidem) do jornalista, enquanto a fonte, caso seja produtiva, vê garantido um acesso superior à notícia. A segunda estratégia, o “ceticismo prático” (Ibid.: 32) , é nada mais do que a regra da validação, ou seja, a reconfirmação pelo jornalista da informação recebida, através de outras fontes12. Outra forma de os editores e jornalistas privilegiarem as fontes mais credíveis é o destaque que lhes atribuem no espaço noticioso. Por último, no caso das fontes consideradas menos credíveis, há um distanciamento e uma precaução maiores na atribuição da origem da notícia, enquanto nas mais próximas e confiáveis são permitidos graus de confidencialidade que reservam a identidade (Ibid.:31-32). Também Kimball (2011) considera que, apesar de os jornalistas não gostarem de usar fontes sem atribuição, a sua utilização deve ser envolvida em quatro etapas que diminuem o seu potencial risco: 1) avaliar o peso da informação recebida; 2) avaliar os interesses da fonte e a sua credibilidade; 3) negociar com a fonte um menor grau de confidencialidade; 4) falar com o superior sobre a negociação (Ibid.: 39). Em cada uma das quatro etapas do processo, os jornalistas estão cientes dos potenciais efeitos sobre si mesmos das suas escolhas, pois há um contrato de concessão de confidencialidade e credibilidade da profissão como um todo (Kimball, 2011: 46).

A consciência de que esta avaliação é importante na negociação com as fontes é sinónimo de sentido ético e de respeito pela audiência, assim como evita a instrumentalização por parte das fontes, problemas com a organização noticiosa ou, até mesmo, com a justiça (Ibid.: 47).

12

Na mesma linha se inserem Diekerhof e Bakker (2011), investigadores da Universidade de Cardiff, ao demonstrarem que a validação ocorre quando “os jornalistas sentem que as fontes têm um certo interesse no assunto ou é rápido e fácil verificar a informação (factual) fornecida pela fonte” (Ibid.: 6). Contudo, são muitos os casos em que os jornalistas não verificam as suas informações. Essa não validação decorre: a) do tipo de informações (opiniões, própria investigação, factos históricos, etc.); b) do estatuto da fonte (os jornalistas não confirmam declarações de políticos em cargos como ministros, autarcas, etc.); da experiência do jornalista (“se conhecem as fontes há muitos anos, estão convencidos da sua credibilidade (...) e os mais experientes usam sua intuição”); d) das exigências especiais do trabalho jornalístico (falta de tempo, espaço, etc.) (Diekerhof & Bakker, 2011).

67

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

4. O post-journalism e a crise nos media Aparentemente, o diálogo entre fonte e jornalista foi estimulado pelos avanços tecnológicos. O telemóvel permitiu aceder, sem a habitual barragem de secretárias e assessores, aos poderosos, abrindo caminho a um mais estreito diálogo entre fonte e jornalista. Além disso, a vulgarização do uso do computador e das bases de dados facilitou a consulta de documentação publicamente relevante (Pinto, R. J., 1997: 232). Se há uns anos era difícil ter acesso a dados de organismos públicos e independentes

que

recolhiam,

analisavam

e

estudavam

os

vários

comportamentos de uma sociedade, na década de 90 nasceu uma imensidão de bases de dados, repositórios, newsgroups e outras fontes de informação documental na internet. Logo, à distância de um clique13. O advento das novas tecnologias de informação e comunicação e os seus efeitos sobre a produção noticiosa serviram, aliás, de mote para uma investigação de Sundar e Nass (2001). Nesta matéria, os autores avançaram para uma tipificação de fontes nas notícias on-line, chegando a três grandes categorias: fontes visíveis, fontes tecnológicas e fontes recetoras (Ibid.: 58). Por fontes visíveis, Sundar e Nass (2001) consideram todas aquelas que são manifestas para o destinatário da mensagem ou conteúdo. Os experts das redações constituem, para os autores, os principais exemplos de fontes visíveis. Já as fontes tecnológicas abarcam os media ou os canais que são identificados pelos destinatários como produtores dos conteúdos. Este tipo de fontes é considerado autónomo, embora, na verdade, não o seja. A fonte é atribuída ao dispositivo tecnológico, como a televisão ou o terminal de computador, apesar deste ser um mero condutor dos conteúdos e não o seu autor (2001: 58).

13

Downie e Schudson (2009) assim o demonstram em The Reconstruction of American Journalism, ao darem como exemplo a criação de um banco de dados, da autoria da Sunlight Foundation de Washington, “para download de dois anos de arquivamentos federais de 300 agentes estrangeiros ao serviço do lobbying do Congresso; ou o ProPublica que criou um site com as formas de divulgação financeira de mais de 300 funcionários da administração de Obama, bem como uma conta corrente de desembolsos federais de estímulo económico, acompanhados de um mapa interativo dos dados; ou ainda o Everyblock, um browser que vasculha bases de dados locais em cidades como Chicago e Nova York para dar suas informações aos usuários sobre o crime, obras municipais, licenças de construção, de restauração ou vida noturna” (Downie & Schudson, 2009: 68-69).

68

Nos novos media (internet, e-mail, telemóvel, CD-ROM e toda a panóplia de dispositivos que servem a comunicação mediada por computador), a seleção dos conteúdos (por exemplo, através de downloads na web) é realizada pelo receptor, ao contrário do que acontece nos media tradicionais, como os jornais e a televisão. Neste sentido, o receptor torna-se ele próprio uma fonte. Segundo Sundar e Nass, há dois tipos de fontes receptoras: o indivíduo como fonte e a audiência como fonte (2001: 59). No primeiro caso, a recepção da informação ocorre a um nível individual. Cada pessoa é responsável pelos conteúdos que seleciona e consome, atuando assim como um gatekeeper. Tratando-se da audiência como fonte, a recepção da informação processa-se, obviamente, a um nível coletivo. Enquanto nos media tradicionais, a audiência apenas influencia os conteúdos, nos novos media ela não só influencia como seleciona conteúdos. É o que se verifica, por exemplo, nos chamados newsgroups da Internet, em que as audiências não só selecionam o material informativo como tomam decisões sobre políticas publicitárias, acesso a crianças ou níveis de obscenidade, por exemplo (2001: 59). Mas este modelo já é obsoleto e reporta-se a uma fase em que os media on-line estavam na infância.14 A democratização do acesso à internet e a consequente proliferação das redes sociais, na primeira década deste século, vieram alterar ainda mais a circulação da informação no espaço público e até mesmo a forma como os cidadãos começaram a relacionar-se com o conteúdo noticioso. O cidadão começou a envolver-se no jornalismo, não só através de blogs, mas principalmente em grupos de notícias, fóruns, salas de conversação, sistemas de publicação de colaboração e redes peer-to-peer e aplicações como mensagens instantâneas (Bowman & Willis, 2003).

Nasceu assim o jornalismo participativo15 [participatory journalism] (Singer et al., 2011), no qual qualquer cidadão sem formação jornalística tem a

14

O primeiro jornal a dispor também de uma edição on-line foi o Washington Post, em 1992, sob a direção de Robert Kaiser (Anderson et al., 2012). Em Portugal foi o Jornal de Notícias, em 1995, logo seguido pelo jornal Público. 15 Também chamado de cidadania (Bruns, 2008) , interativo (McNair, 2013) , de rua (Witschge, 2009) ou público (Baase, 2007).

69

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

possibilidade de integrar, de forma ativa, o processo noticioso, recolhendo dados, selecionando informações e disseminando notícias. Com o jornalismo participativo, emergiu uma miríade de novas fontes no espaço público. Consequentemente, o sistema mediático tornou-se mais fluido mas os jornalistas continuaram a ser mediadores e facilitadores de informação. Aliás, para Angela Phillips (2011), a proliferação do jornalismo participativo pode ser uma forma de o jornalismo clássico se reafirmar. Na opinião da investigadora, este pseudojornalismo amador não passa de canibalismo noticioso [news cannibalism], sobretudo porque não cita fontes. Pelo contrário, parasita e manipula desenfreadamente as fontes de informação. Por conseguinte, a autora considera que o jornalismo tem aqui uma oportunidade para reforçar o rigor e a honestidade na seleção das fontes (Phillips, A., 2011). Por seu turno, a web 2.0 e o User-Generated Content (UGC)16 permitiram às organizações noticiosas estabelecer elevados níveis de interatividade com as audiências e, deste modo, potenciar uma participação dos cidadãos na atividade jornalística bem mais intensa e enriquecedora. Logo, o processo de seleção de fontes também se tornou, aparentemente, mais transparente e igualitário (Deuze, 2003). Todavia, a indústria da comunicação social voltou a mergulhar numa crise. Só que desta feita não é de conteúdos e de missão (Blumler & Gurevitch, 1995), mas sim uma crise estrutural que põe em risco a própria sobrevivência dos media clássicos (McNair, 2013). Por todo o mundo se ouve falar numa galopante descida das tiragens dos jornais e revistas em formato papel, o que resulta de uma diminuição de leitores e se traduz numa menor captação de publicidade. Simultaneamente, assiste-se a uma frenética passagem dos conteúdos para o on-line e, em especial, para os smartphones. Como consequência, um pouco por todo o mundo, mas em especial nos EUA e na Europa, as redações foram forçadas a emagrecer e muitos jornalistas perderam os seus postos de trabalho (Chris & Broersma, 2012: 1).

16

Conteúdo Gerado pelo Consumidor – O termo surgiu em 2005 com proliferação da internet e quando a interatividade se tornou rápida e dinâmica.

70

A história do jornalismo em 2012 ainda é muitas vezes contada como a história do colapso do velho mundo, o fim do período em que "a notícia" era o que uma coleção enumerável de atores institucionalmente estáveis optava por publicar (Anderson et al., 2012: S/P).

E nem as promessas de maior democratização da informação se vieram a verificar. O UGC, por exemplo, não se traduziu numa maior diversidade das fontes. É que as organizações noticiosas só aproveitam “oportunisticamente as fotos e os vídeos recolhidos pelos telemóveis” e o conteúdo continua a ser journocentric (Williams, A. et al., 2011: 161, 163). Outros estudos confirmaram também que a interatividade só é rentabilizada por públicos jovens e a, muitas vezes apregoada, importância destas ferramentas para a democracia não foi mais do que uma “bolha inflamada” (Bergstrom, 2011: 179). O sucesso das redes sociais, principalmente do Facebook e do Twitter, também vulgarizou o acesso à informação e potenciou o jornalismo líquido [liquid journalismo] (Krotz, 2007), provocando um forte abalo no paradigma do jornalismo enquanto instituição mediadora. Importa esclarecer que por líquido se entende um jornalismo em que os fluxos noticiosos circulam sem fronteiras ou regras estáveis, fugindo assim aos filtros jornalísticos das redações tradicionais e aos seus mecanismos de intermediação com a sociedade. Isto leva-nos ao post-journalism, epítome da era digital da comunicação social e da passagem da hierarquização da informação para a anarquia, do distanciamento para a participação, da seleção para a combinação, da centralidade para a dispersão, do desígnio para a possibilidade (Dewdney & Ride, 2006: 300). O Facebook, aliás, aparenta ser a concretização plena do velho princípio de Marshall McLuhan: os media como extensão do homem. Ou seja, os media não só fornecem informação como acompanham o estado de espírito do indivíduo (Bogost, 2010). Vale, pois, a pena rever a premonição do pensador canadiano: Hoje, depois de mais de um século de tecnologia elétrica, nós estendemos o nosso próprio sistema nervoso central como um abraço global, abolindo tempo e espaço (...). Rapidamente, aproximamo-nos

71

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal da fase final das extensões do homem – a simulação tecnológica da consciência, quando o processo de criação do saber for coletivo e corporativamente estendido a toda a sociedade humana, assim como já teremos alargado os nossos sentidos e nossos nervos pelos diversos meios de comunicação. Agora, se a extensão da consciência, tanto tempo procurado pelos publicitários para produtos específicos, será "uma coisa boa" é uma pergunta que requer uma resposta com tempo. (McLuhan, 1964: 12)

Também as fontes profissionais de informação foram afetadas por esta conjuntura. Anteriormente, tinham a hegemonia do processo de promover, divulgar ou propagandear produtos, eventos e ideias. Por isso, os relações públicas, os consultores de comunicação e os spin doctors eram contratados e pagos à medida da sua reputação, profissionalismo ou influência. Agora, com Facebook, por exemplo, qualquer empresário, investidor, artista ou escritor pode divulgar as suas ações e eventos através do perfil que ele próprio constrói com as ferramentas das redes sociais. E se o jornalista foi durante décadas uma figura endeusada e muitas vezes inalcançável, com as redes sociais qualquer pessoa pode facilmente tornar-se sua amiga e conhecer o seu trabalho, as suas preferências e os seus estados de espírito. Além disso, é muito mais simples interagir com um jornalista, na medida em que se pode fazê-lo através de uma mensagem, de uma conversa no chat ou até com um ‘gosto’. A expansão desta rede global (Castells, 2009) trouxe também outros sinais positivos, designadamente no que respeita a uma maior equidade no tratamento noticioso e na seleção das fontes. Um grupo de investigadores do Centro de Estudos de Jornalismo da Universidade de Gent, na Bélgica, demonstrou que, apesar de os jornalistas continuarem a preferir fontes das elites, há uma tendência crescente entre estes profissionais para construírem as suas notícias a partir de informação proveniente de cidadãos comuns (De Keyser et al., 2011: 148). Embora os resultados deste tipo de pesquisa reflitam percepções e não a prática profissional real, pode-se supor que uma mudança na prática só

72

pode ser verdadeira se for precedida por uma mudança de coração. Como tal, os resultados da nossa pesquisa pode anunciar mais alterações fundamentais nas redações do futuro (Ibid.: 148). 4.1 Alternative m edia

Os alternative media (Atton, 2005) são uma corrente jornalística que ganhou protagonismo nos últimos anos e que procura opor-se aos efeitos da supremacia das fontes oficiais, à pressão do mercado publicitário e à concentração dos órgãos de informação. A intenção é dar mais atenção ao cidadão comum do que às elites dominantes, tentando assim promover uma inversão nos definidores primários (Hall, 1993 [1973]). Este modelo caracteriza-se, pois, por uma tentativa de mudar a cadeia tradicional de produção noticiosa. E até na forma de distribuição defende a circulação gratuita da informação jornalística através de reuniões em associações, de blogs e sites, de títulos direcionados, entre outros meios já identificados como free spaces (Melucci, 1988). Há atualmente nos EUA um projeto dentro do jornalismo clássico que, ainda assim, se aproxima dos propósitos dos alternative media: a ProPublica. Trata-se de uma organização noticiosa sem fins lucrativos, com sede na baixa de Nova Iorque, que foi criada em 2008 com a doação de 30 milhões de dólares da família proprietária da Golden West Financial Corporation. Tem cerca de 30 jornalistas de renome no jornalismo norte-americano e o seu diretor é Paul Steiger, antigo editor do Wall Street Journal. A ProPublica tem como missão desenvolver trabalhos de jornalismo de investigação, centrados em temas tão melindrosos como os gastos do Governo, a crise económica, a energia ou os cuidados de saúde. Uma vez produzidas, as peças são oferecidas a órgãos de informação bastante reputados como o Washington Post, o New York Times, o Los Angeles Times, o Chicago Tribune, o Huffington Post, a ABC, a CBS, a NBC, a CNN, a WNYC rádio, entre outros. Por vezes, as peças jornalísticas chegam a ser produzidas em colaboração com jornalistas destes órgãos de informação, enquanto outros

73

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

trabalhos são disponibilizados gratuitamente em sites e newsletters da ProPublicaem (Downie & Schudson, 2009: 41). Ao separar a produção noticiosa da estrutura de distribuição (geralmente sobrecarregada de custos), este modelo de reportagem independente (Downie & Schudson, 2009) permite uma maior liberdade de ação e de escolha das fontes. Assim aconteceu nas eleições presidenciais norte-americanas de 2008, com a criação de uma base de dados com milhares de fontes espalhadas por todo o país e categorizadas em função das áreas que dominavam (Downie & Schudson, 2009). Outra característica que aproxima a ProPublica dos alternative media é a gratuitidade dos seus espaços de edição, apesar de, como vimos, muitos conteúdos serem distribuídos pelos media tradicionais.

5. Síntese conclusiva A primeira ideia a reter dos estudos, constatações e conceitos plasmados neste capítulo é a de que os media têm “efeitos limitados”. Isto significa que, ao contrário do que por vezes é voz corrente, os meios de comunicação social nem

sempre

“vendem

presidentes

como

sabonetes”,

para

utilizar

a

provocadora frase do jornalista Emídio Rangel, na altura (2006) diretor-geral da SIC. Estudos justamente de eleições presidenciais mostram que o efeito de influência dos media sobre os eleitores está muito longe de ser infalível e, em muitos casos, é bem menor do que o de outros fatores que decidem os votos, como os líderes de opinião ou o contacto cara-a-cara dos candidatos com a população. Outro aspeto importante a ponderar na interpretação dos efeitos dos media é a natureza das notícias. Também neste ponto se desmistifica um chavão bastante popular: ao contrário do que muitos pensam, as notícias não são um espelho da realidade. As notícias resultam, isso sim, de uma construção social e cultural com base no que é extraído das fontes. Como Ericson et al (1989) demonstraram, o que ressuma da notícia é não apenas aquilo que acontece no

74

mundo real, mas também o tipo de relações profissionais, sociais e culturais que se estabelecem entre os jornalistas e as suas fontes. Esta constatação entronca na ideia, hoje aparentemente consensual, de que a fonte é, na maioria dos casos, o ponto de partida do processo de produção noticiosa.

Neste

pressuposto,

o

trabalho

do

jornalista

sofre

fortes

constrangimentos, ou é pura e simplesmente inviável, sem o acesso a fontes de informação. Por outro lado, a qualidade da notícia depende muito da qualidade da fonte (ou fontes) que esteve na sua origem. Daí que exista uma “hierarquia de credibilidade” entre as fontes, que o jornalista respeita na expectativa de garantir uma informação mais rigorosa e qualificada. Acontece, porém, que essa hierarquia leva os jornalistas a tendencialmente privilegiarem as fontes de informação próximas ou que representam o poder em detrimento das fontes ligadas a grupos ou indivíduos com menor influência social. Sigal (1973), por exemplo, constatou no seu estudo que 90% das notícias tinham origem em fontes oficiais ou, como lhe chamaram Stuart Hall et al. (1993), nos “definidores primários”. Numa formulação mais rebuscada, os sociólogos Harvey Molotch e Marylin Lester (1974) avançaram com o conceito de “promotores das notícias” para definirem as fontes que, animadas por uma agenda própria, procuram transformar factos, ideias ou projetos em acontecimentos suscetíveis de serem noticiados. A “hierarquia de credibilidade” é, sem dúvida, uma tendência muito forte no jornalismo contemporâneo. Mas daqui não se pode inferir que a hegemonia das fontes de informação profissionais é inexorável, nem que o relacionamento entre estas fontes de maior sofisticação e os jornalistas obedece a um padrão de comportamento rígido, imutável, monolítico. Na verdade, toda esta dinâmica em torno da produção noticiosa é bem mais complexa e diversificada. Se, por um lado, as elites têm maior capacidade para condicionarem e até definirem a agenda mediática em função dos seus interesses, por outro, é também inegável que essas mesmas elites são as mais fustigadas por notícias que prejudicam a sua imagem pública. É preciso não esquecer que, apesar de tudo, ainda prevalece no jornalismo uma lógica de 75

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

contrapoder, que impede as minorias poderosas de controlar em absoluto os conteúdos veiculados pelos media, como notou Manning (2001). Ainda assim, a capacidade das fontes profissionais de fornecer dados pertinentes e de criar eventos noticiáveis atingiu um elevado grau de sofisticação, com tudo o que isso significa em termos de exponenciação da eficácia da chamada “informação subsidiada”. De facto, assessores de imprensa estão cada vez mais refinados na arte de formatar estórias segundo as regras e linguagens jornalísticas, oferecendo uma espécie de alimento précozinhado aos jornalistas. Estes últimos veem o seu trabalho ser assim extremamente simplificado e, por vezes, sucumbem ao facilitismo durante o processo de produção noticiosa – embora, em alguns casos, por fatores a que são alheios, como a pressão para cumprir deadlines. Neste contexto, fontes e jornalistas criam entre si uma “relação simbiótica”, que decorre da percepção de que juntos conseguem mais facilmente concretizar os seus objetivos. Tal não significa, porém, que esses objetivos sejam coincidentes e sempre conciliáveis. Para a fonte profissional, o importante é promover a mediatização de acontecimentos favoráveis às suas organizações (ou indivíduos) e evitar a publicitação de tudo o que for penalizador das mesmas. Por seu turno, o jornalista procura noticiar factos que se desviam da norma (o homem que mordeu o cão, para dar um exemplo clássico) e, consequentemente, desvaloriza o goodwill dos acontecimentos com que a fonte o tenta seduzir. Assim sendo, a tal “relação simbiótica” reveste-se muitas vezes de alguma tensão ou mesmo de conflitualidade. Perante tudo isto, não é possível identificar modelos rígidos de relacionamento entre as fontes profissionais e os jornalistas, sendo certo também que mesmo as tendências aqui descritas têm uma boa dose de imponderabilidade. No fundo, a chave para uma relação profícua entre fonte e jornalista está na idoneidade de ambos. De uma fonte espera-se credibilidade, rigor factual e conhecimento superlativo – atributos que são compatíveis com a defesa dos legítimos interesses das organizações ou indivíduos que representam. Dos jornalistas espera-se respeito pelas regras deontológicas da profissão, uma 76

aguda noção do que é o interesse público e a obediência às regras de produção das notícias – atributos que são compatíveis com o processo negocial que, as mais das vezes, a relação com as fontes obriga. Tentar perceber como as organizações e estas fontes profissionais de informação têm atuado ao longo da história, é o que vamos desenvolver no próximo capítulo.

77

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

78

Capitulo  II   História  da  assessoria  de  imprensa  no   contexto  da  comunicação  política    

79

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

80

 

No

phenomenon

of

our

modern

daily

press

is

more

astonishing than the space accorded to free publicity. More than half the “reading matter” in metropolitan newspapers, I think I may say with assurance, is of interested origin. It arises from, and on occasion is created by, agencies which have a special stake in its presentation. Yet It is presented as though it were an impartial and colorless statement of fact, on which the reader may with security base an opinion. Sometimes it is mere trivia, and does no more harm than to intrude

worthless

material

into

our

field

of

thought.

Sometimes it is important and legitimate news, which takes the form of publicity hand-out because the press is too indolent or too niggardly to gather such news for itself. Sometimes it is propaganda of the sinister sort. (Bent, 1927: 121)

Introdução

Ainda que de uma forma extremamente incipiente, as relações públicas estão presentes no quotidiano do homem desde tempos imemoriais. Elas remontam às civilizações antigas, o que diz bem da sua importância e imanência na vida em sociedade. Serviam, então, para auxiliar o homem em atividades tão rudimentares quanto essenciais à sua sobrevivência, como a agricultura. A História faz menção, por exemplo, de um “boletim agrícola” que ensinava os agricultores da Mesopotâmia (século II a.C.) a irrigar os campos de cultivo. Mas, à medida que a vida em sociedade foi evoluindo, as relações públicas ganharam motivações e desideratos bem mais sofisticados. Passaram, por 81

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

exemplo, a ser utilizadas nos meandros da governação política, funcionando como uma técnica ao serviço de jogos de poder, conspirações e conflitos bélicos. As relações públicas emergiram, por isso, nimbadas de uma certa aura maquiavélica que permanece até à atualidade. Aura essa que, ressalve-se, nem sempre é caucionada pela realidade dos factos, como veremos mais à frente. A partir do século XIX, as relações públicas ganharam maior consistência e complexidade enquanto meio de persuasão ao serviço de indivíduos ou entidades com relevância social. Surge por essa altura, no mundo anglosaxónico, a atividade de press agentry, a qual prenuncia uma abordagem mais pensada e sistematizada das relações públicas. A figura do press agentry adquire crescente protagonismo no espaço público, em particular no combate político. A justificá-lo está, não apenas a evolução do jornalismo e concomitante politização do mesmo, mas uma maior consciência da influência que as relações públicas têm sobre os cidadãos, designadamente em questões relativas à dinâmica política. Influenciar a opinião pública tornou-se, portanto, o principal desígnio das relações públicas, variando as estratégias e técnicas para o conseguir de forma eficaz. Daí que dos press agentry de outrora aos spin doctors de hoje haja uma base motivacional comum, alicerçada, por seu turno, numa lógica comunicacional eminentemente política. A diferença está, naturalmente, na forma como as relações públicas foram exercidas ao longo do tempo: casuística

e

intuitivamente

nos

primórdios;

estudada,

metódica

e

profissionalizada na atualidade. Neste contexto, o presente capítulo foi orientado pela intenção de descrever diacronicamente a evolução histórica das relações públicas, sem embargo de alguns saltos cronológicos quando tal, para nós, se justificou. Consideramos que esta metodologia facilita a compreensão dos diferentes cambiantes assumidos pelas relações públicas no decurso da História, em particular a partir do século XIX. O encadear cronológico de acontecimentos, figuras, autores e teorias permite, a nosso ver, perceber melhor, não só como as 82

relações públicas foram maximizando os seus efeitos sociais ao longo do tempo, mas também como o estudo desses mesmos efeitos ganhou acuidade científica. Por fim, importa também sublinhar que este capítulo tem o mundo anglosaxónico como território de eleição. Dificilmente a opção poderia ser outra. Na verdade, as relações públicas modernas nasceram nos países de língua inglesa, em particular EUA e Inglaterra, e foi aí que se mantiveram no estadoda-arte, quer no que respeita à sua prática profissional, quer no que concerne ao estudo dos seus efeitos sociais. Ainda assim, e por razões compreensíveis, procurámos aflorar a realidade portuguesa no que diz respeito ao uso das relações públicas para fins políticos, evocando, para o efeito, a atividade propagandística de António Ferro durante o salazarismo, de Marcelo Caetano na “Primavera” política e da “5.ª Divisão” no período revolucionário liderado pelo MFA. Por último importa fazer uma ressalva sobre a vasta obra bibliográfica selecionada para desenvolver o presente capítulo pois, logo à partida percebese, que a história das relações públicas é constituída por um conjunto de apontamentos diversificadamente antagónico. Ou seja: se de um lado existe uma “versão curta e simplificada (…) de histórias e novelas fascinantes, sobreenfatizadas e cheias de personagens coloridas” (Cutlip & Center, 1971: 46); do outro deparamo-nos com uma perspectiva de “subversão e subjugação da democracia (…) e tentativas de manipular a opinião pública, os media, os fazedores de política e todo o resto que interessa ficar à sua maneira.” (Miller, D. & Dinan, 2008: 2). A completa divergência dos pontos de vista é bem visível até pela narração e discrição dos factos mais marcantes da história desta atividade, como teremos oportunidade de o demonstrar neste capítulo. Uma divergência que tem como protagonistas historiadores e teóricos das relações públicas, como Scott Cutlip, Jacquie L’Etang, Stuart Ewen, Larry Tye, e do outro lado historiadores e sociólogos do jornalismo, tais como Walter

83

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

Lippmann, Daniel Boorstin, William Dinan, David Miller, Timothy Coombs, Sherry Holladay e Paul Manning.

1. Origens das relações públicas Muitos são os autores que atribuem a origem das relações públicas a um “boletim agrícola” que ensinava os agricultores da Mesopotâmia, no século II a.C., a irrigar as suas terras. Mas há também os que defendem que na génese das relações públicas estão informações recolhidas pelos espiões dos reis na Índia ancestral, ou ainda as “Cartas Circulares” distribuídas, em 202 a.C., na China, durante a Dinastia de Han (Cutlip & Center, 1971; Kopplin & Ferraretto, 2001: 18). Outros historiadores apontam Homero, Xenofonte e Sócrates como precursores das relações públicas (Cutlip et al., 2000: 102). Há ainda os que ponderam sobre um secretário de Henry V, rei de Inglaterra, no século XIV, de seu nome Thomas Langley, que esteve por detrás “das guerras e conspirações contra a França (...) e das artes de gestão política” (Sharman, 1999: 34). Quando o foco recai sobre a idade moderna, o mundo anglo-saxónico é, quase unanimemente, identificado como o ponto de emergência das relações públicas, sobretudo no período de exploração da América: A história [das relações públicas] inicia-se no século XVII com os esforços dos promotores de terras e colonos para atrair mais população da Europa – principalmente da Inglaterra – para esta terra primitiva situada na costa atlântica (Cutlip, 2009: ix). A era moderna das relações públicas remonta ao início dos anos 1900, quando os líderes de negócios da América perceberam que a persuasão, em vez de coerção, era o melhor método para obter entendimento entre o Governo e o povo (Tye, 1998, p. 245).

As relações públicas corporativas começaram na América e de lá se espalharam… (L'Etang, 2008: 328).

Todavia, seguindo a lógica dos tempos de exploração, as nações que avançaram para a expansão ultramarina em períodos precoces podem 84

considerar-se, de igual forma, precursoras na atividade das relações públicas, com vários séculos de avanço. Não sendo intuito do presente trabalho pormenorizar a História dos Descobrimentos, destacamos, tão-só, a ação dos jesuítas e da sua Companhia das Índias ou, ainda, o excerto de 1509, atinente ao reinado de D. Manuel: “Que sejam bem trautados os mercadores y pessoas que trautam em nossas Caazas”, “bem ouvidos, respondidos, y despachados (…) y de modo que sempre possam hir contentes do seu y bem livrados, y com rezam e justissa” (Cit. in Borges, 2002: 2)

O “Guardião da Consciência do Reino”, no século XVI, também é apresentado por alguns autores como pioneiro das relações públicas inglesas. Tratava-se de um funcionário que era usado como comunicador entre o povo e o monarca e tinha como principal missão conhecer o que o povo dizia e pensava sobre a sua governação (Cutlip & Center, 1971; Edwards, 2006). Na idade moderna, e no que respeita a ações de relacionamento com a imprensa, talvez possa atribuir-se à Columbia University17, em Nova Iorque, a autoria do primeiro press release 18 da história. Segundo refere Scott Cutlip (1971), as notícias dos jornais de Nova Iorque que deram conta da cerimónia de apresentação dos primeiros licenciados da Columbia University, a 21 de Junho de 1758, eram todas iguais. A totalidade dos jornais usaram comprovadamente o texto que constava no convite distribuído pela Columbia University (Cutlip & Center, 1971: 49; Lattimore et al., 2012: 27). 1.1 O “press agentry” e o “yellow journalism ”

Foi com Phineas Taylor Barnum que nasceu a atividade de press agentry. Editor de um pequeno jornal de província, Barnum mudou-se, em 1834, para Nova Iorque a fim de criar um novo negócio que, na altura, era apelidado de impresario. Barnum percebeu, então, que a venda de jornais multiplicava quando escrevia textos inventados, elogiosos ou pejorativos acerca de temas

17 18

Então chamada de King’s College. Apelidados na altura de handouts porque eram entregues em mão por estafetas.

85

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

sensacionalistas como, por exemplo, a estória da suposta mulher mais velha dos EUA, que tinha sido babysitter de George Washington (Boorstin, 1961: 207; Cutlip, 2009: 172). Barnum foi igualmente responsável pela promoção da tournée de um famoso soprano sueco. Por meio do seu jornal, envolveu o evento numa tal expectativa que, à chegada do artista, esperava-o uma multidão histérica. O editor exercia ainda

atividade

como

empresário

circense.

Barnum,

cuja

companhia

homónima ainda hoje existe nos EUA, sabia bem como usar o formato jornalístico na promoção dos espetáculos da companhia de circo: “Um showman com um instinto canino para perceber o que as massas queriam, mas também a capacidade de ditar o que pensavam desejar” (Cutlip & Center, 1971: 58). Foi durante as décadas que marcaram o inicio do século XIX que se assistiu também ao estabelecimento do jornalismo como hoje o perspetivamos. Os jornais, antes dessa época, eram vistos como objeto de promoção, opinião e entretenimento (Barnhurst & Nerone, 2009: 19). De permeio à conjuntura descrita, nascia, em 1833, o primeiro jornal concebido para massas, o New York Sun. Custava apenas dois cêntimos (um peny) e veio, por isso, a ser apelidado de peny press19. A tiragem, que no inicio de atividade correspondia a 18 mil exemplares, aumentou de modo exponencial quando, em 1946, a prensa rotativa veio permitir a impressão de 20 mil cópias por hora. Emergia, então, uma era do jornalismo em que a intromissão em assuntos privados e familiares era considerada um modelo: o yellow journalism. Os conteúdos jornalísticos produzidos nessa altura foram descritos pelo politólogo americano Larry Sabato (2000) como uma “cruzada editorial” cuja peleja consistia em primeiras páginas “compostas por imagens cómicas e coloridas para atraírem o interesse dos muitos imigrantes” que chegavam ao novo continente (Sabato, 1993: 20).

19

Termo usado também para os jornais que foram criados de seguida, como o New York Herald (1835), New York Tribune (1841) e New York Times (1851). Em 1949 nasce a Associated Press, em Nova York, e em 1851 surge a Reuter, em Londres. (Fidalgo, 2008: 90)

86

1.2 Amos Kendall: ‘ghostwriter’ e estratega de Andrew Jackson

Os press agents encontravam-se similarmente associados à política e à incontornável ânsia da conquista de poder. As primeiras campanhas politicas a recorrer a um press agent, já com funções próximas das que hoje são exercidas por um assessor de imprensa, aconteceram no ano de 1830, durante a candidatura de Andrew Jackson, às presidenciais norte-americanas. Destacouse, então, Amos Kendall enquanto conselheiro, ghostwriter, lobista e press agent do candidato que viria a tornar-se, mais tarde, presidente dos EUA (Kurt Andersen cit. in Gower, 2007: ix). Conta-se, entre as emblemáticas medidas do presidente Jackson, a criação de um segundo banco dos EUA. Porém, ao tomar conhecimento dos intentos presidenciais, Nicholas Biddle, então presidente do Banco dos Estados Unidos, investiu em métodos semelhantes aos de Kendall, capazes de influenciar a opinião pública e impedir a emergência de uma instituição bancária concorrente. Contratou Mathew Clair Clarke com o desígnio de, através de “empréstimos a editores e com a colocação de publicidade, conseguirem influenciar e silenciar os jornais” (Cutlip et al., 2000: 105). Os métodos de Kendall e Clarke para conquistar a opinião pública guiavam-se por posturas e estratégias diferentes. O primeiro preferia mover-se “atrás do palco”, mantendo o anonimato e ocupando um lugar discreto: camuflou-se de auditor do Tesouro do Governo dos EUA e, mais tarde, de postmaster dos correios norte-americanos. Kendall podia ser visto frequentemente a trabalhar até tarde, no seu insuspeito gabinete no antigo edifício do Tesouro, a preparar mensagens, escrever panfletos, elaborar estratégias políticas ou, muito cedo, a conversar com o presidente Jackson (Cutlip & Center, 1971: 56).

O segundo, Clarke, adotava uma postura mais agressiva que passava por inundar o país com press releases, reportagens pagas e panfletos sobre o banco. Da disputa entre ambos sabe-se que, apesar de avultados gastos que ascenderam a milhares de dólares na impressão de material, Clarke não conseguiu levar de vencida a circunspecta estratégia de Kendall. 87

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

A carreira de Amos Kendall, que terminaria com a sua morte a 12 de Novembro de 1869, permaneceu sempre ligada à administração de Jackson, nomeadamente nas questões de comunicação de crise, pois possuía “uma rara habilidade para interpretar e verbalizar as políticas do presidente” (Cutlip, 2009: 87). Outro momento em que se registou uma série de acontecimentos marcantes para a história das relações públicas foi o início da construção dos caminhosde-ferro nos EUA, por volta de 1850. Entre os nomes lançados nessa época, encontramos Charles Russel Lowell que iniciou o trabalho de promoção (feiras, exposições, etc.) do novo meio de transporte. O American West surgiu também com a intervenção criativa de Edward Judson, um jornalista que se tornou press agent: “Sob um pseudónimo, e na mesma época de Barnum, criou uma revista chamada Western Literary Journal onde escrevia novelas criadas à volta do mito do Wild West” (Kurt Andersen cit in Gower, 2007: xi). Contemporânea do American West foi também a época em que textos eram distribuídos com o objetivo de serem publicados, à semelhança do que fazia o congressista norte-americano Benjamin Butler, em 1880, com as suas “selfprepared opinions” (Cook, 1989: 20). Nesse mesmo ano seria publicada a primeira fotografia, no jornal New York Daily Graphic. (Boorstin, 1961: 125). Importa, todavia, acrescentar à curta resenha desta etapa das relações públicas, que a atividade de promoção que os press agents levaram a cabo durante este período, embora recorresse à imprensa como meio, estava mais próxima das técnicas publicitárias do que da assessoria de imprensa (Cutlip, 2009: 171).

88

2. ‘Publicity’: semente da assessoria de imprensa Em meados de 1900 nascia a primeira empresa de publicity20 em Boston: The Publicity Bureau. Criada por George Michaelis, Herbert Small e Thomas Marvin, a agência teve como primeiro cliente a Harvard University, à qual se seguiram a American Telephone e a Telegraph Company. Pelo pagamento de duzentos dólares mensais os clientes tinham direito a um mês de trabalho profissional desenvolvido por um artista. Esta soma inclui tudo, exceto o pagamento de trabalho mecânico, como a impressão, o corte e o porte necessário para enviar os artigos para os diversos jornais (Cutlip & Center, 1971: 114).

A empresa fechou portas em 1911, mas antes disso tornou-se a promotora da empresa de caminhos-de-ferro e abriu escritórios em diversas cidades dos EUA. A empresa The Publicity Bureau, à semelhança de todas as que surgiram até à I Guerra Mundial, foi impulsionada, quer a expensas do crescimento económico, nomeadamente pelo recrudescimento de “bancos, seguradoras e caminhos de ferros” (Clews, 1906: 143), quer pela necessidade de proteção contra as notícias do “muckraking journalism” e as sequelas deste modelo de jornalismo popular (Amaral, 2002). O muckraker journalist poderia denominar-se “investigador de escândalos” e as suas notícias tinham grande difusão, alimentando centenas de milhares de exemplares de revistas e jornais populares. Era uma mistura explosiva de publicidade, boicotes, vinganças e patriotismo, para mencionar apenas alguns dos seus ingredientes. Porém, é a este tipo de jornalismo que se atribui o estado embrionário do jornalismo de investigação21:

20

Ainda hoje este termo é usado nos EUA e no Reino Unido para descrever um assessor de imprensa, embora seja mais frequentemente associado a profissionais que trabalham na área de promoção de artistas ou produtos. Tal como se pode comprovar na obra de David Yale (2001), The Publicity Handbook, publicity é “o fornecimento de informação factual e noticiável para os media que não controlamos, como as rádios, televisão, revistas, jornais impressos e on-line e outros websites. O seu objetivo é ganhar cobertura noticiosa com a informação que enviamos e que os jornalistas pensam ser do interesse para a sua audiência” (Yale & Carothers, 2001). 21 A sua origem está ligada a Joseph Pulitzer e à fundação do primeiro curso de jornalismo da história, em 1902, na Columbia University.

89

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal Nas revistas de grande tiragem, com uma escrita em tons sensacionalistas e moralistas, conseguia transportar a imaginação do leitor para os núcleos da alta política, das corporações e os becos e favelas urbanas. Assim como contos

macabros

da

‘escravidão

branca’

adicionavam

um

toque

pornográfico à prática crescente e sensacionalista do muckrake journalism (Ewen, 1996: 58).

Em 1902 nasceu a segunda empresa de assessoria de imprensa em Washington, a Smith & Walmer. Todavia, nesta empresa, um dos proprietários, William Smith, era simultaneamente jornalista correspondente no New York Sun22 e na Cincinnati Enquirer. Até 1912, a empresa combinou o trabalho de jornalismo, em que vendia peças jornalísticas sobre a atividade de Washington, com o de “fonte de informação oficial do Congresso”. William Smith interrompeu a sua atividade em 1916 para concluir o curso de Direito, tendo acabado por seguir uma carreira como advogado e lobista de várias empresas de Washington (Cutlip, 1994: 28 e 29). 2.1 Ivy Lee: ‘Doctor of Publicity’

Partindo

dos

apontamentos

históricos

nos

parágrafos

anteriores

e

contrariamente ao que consta em obras de alguns autores (Cook, 2005; Kennedy, 2008), a famosa empresa de Ivy Lee não foi a primeira a ser criada. A Parker & Lee só seria fundada em 1904. Cinco anos antes de fundar a sua empresa, Ivy Lee era um jornalista do New York World, jovem e mal pago, (apesar da sua graduação na Princeton University) que foi convidado para trabalhar na campanha de Seth Low, para mayor de Nova Iorque, logo seguida de uma candidatura presidencial (derrotada) contra Theodore Roosevelt. Nesta última conheceu o assessor de imprensa do Partido Democrático, George Parker, que viria a ser seu sócio durante dois anos. Pouco antes da dissolução da empresa, em 1914, Ivy Lee distribuiu a conhecida “Declaração de Princípios” por meio da qual conseguiu definir o

22

Fundado em 1833, foi o primeiro jornal a ser concebido para o “homem comum” (Tuchman, G., 1978: 17).

90

campo da atividade que era, até então, conhecida como press agentry. Nessa declaração distribuída a todos os editores, podia ler-se: Este não é um departamento de imprensa secreto. Todo o nosso trabalho é feito a céu aberto. Pretendemos fazer divulgação de notícias. Isto não é um agenciamento de anúncios. Se acharem que o nosso assunto ficaria melhor na secção de anúncios, não o usem. Maiores detalhes, sobre qualquer assunto tratado, serão fornecidos prontamente. Qualquer editor interessado será assistido com todo o prazer, na verificação direta de qualquer declaração de facto. Em resumo, nosso plano é, com absoluta franqueza, em nome dos interesses das empresas e instituições públicas, fornecer à imprensa e ao público dos Estados Unidos alerta e informações precisas sobre assuntos de grande valor e interesse público (Cit. in Duarte, 2004).

Ivy Lee tornou-se, assim, o primeiro publicity agent da Pennsylvania Railroad, denominação que viria a usar sempre que falava da sua atividade, renunciando à designação de press agentry: Publicity não é um jogo, é uma ciência. A diferença é tão grande quanto a discrepância entre um press agent e um doctor of publicity. A função de um press agentry é comunicar coisas. A dificuldade de um doctor of publicity está na capacidade de induzir o paciente a comportar-se de uma forma que potencie a aprovação de uma boa notícia (Ivy Lee cit. in Ewen, 1996: 84).

A Ivy Lee é igualmente atribuída a autoria do press release como hoje o conhecemos, distribuído em grande escala, quando convenceu a Pennsylvania Railroad a emitir um texto sobre um acidente de comboio ocorrido em Atlantic City, nos EUA, a 28 de Outubro de 1906, que havia provocado 50 mortes. Mediante uma explicação concisa do acontecimento, limitou a desinformação e não deixou espaço a especulações que se revelariam penosas para a empresa de caminhos-de-ferro norte-americana. “O The New York Times ficou tão impressionado com o ‘release’, que acabou por publicar exatamente como Lee o havia escrito” (Kennedy, 2008).

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Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

Em 1914, Lee tornou-se o personal advisor de John Rockefeller Jr., o maior industrial da época. Rockefeller estava debaixo do fogo das lutas sindicais, nas empresas de petróleo e exploração mineira. O trabalho de Lee com Rockefeller durou até pouco antes da sua morte, em 1934. Mas o mais importante a reter sobre Ivy Lee, autointitulado doctor of publicity, é que conseguiu lançar as bases para a prática contemporânea das relações públicas. Contribuiu com a criação de muitas das técnicas e princípios que ainda hoje seguem as relações públicas. Foi um dos primeiros a perceber que a promoção fictícia sem obra real não funcionava e que o desempenho determina a reputação que um cliente adquire. Lee impulsionou o crescimento dos departamentos de comunicação, dando formação e criando gerações de consultores de comunicação. Em 31 anos de relações públicas, Lee evoluiu o seu modo de atuação de «pura promoção» para «um cérebro de confiança para o negócio» ” (Cutlip & Center, 1971: 117).

Procurando uma definição para o doctor of publicity, Miller e Dinan (2008), na obra A Century of Spin: How Public Relations Became the Cutting Edge of Corporate Power, descrevem que Ivy Lee via os “factos como flexíveis e mentalmente maleáveis” (Miller, D. & Dinan, 2008: 14) e não olhava a meios para defender os interesses dos seus clientes. Tal opinião evidencia-se pela forma como Lee descrevia a relatividade dos factos: Não são só os factos que atingem a mente popular, mas a maneira como são apresentados e publicados. Além disso, o que é um facto? O esforço para estabelecer um facto absoluto é simplesmente uma tentativa de lhes dar a minha interpretação dos factos (Ivy Lee in Miller, D. & Dinan, 2008: 14 ).

Os mesmos autores exemplificam com a versão promovida por Rockefeller acerca do massacre de Ludlow, no estado do Colorado, entre 1913 e 1914, onde 19 mineiros e suas famílias (incluindo 12 crianças) foram mortos na sequência de longos períodos de greve. O press release de Lee alegou que o massacre foi realizado pelos bem pagos agitadores enviados pelo sindicato e que a lendária sindicalista,

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Mother Jones, era «uma prostituta e proprietária de uma casa de prostituição». Ambas as histórias eram inteiramente falsas, sendo a primeira precisamente o oposto da verdade, os assassinatos foram realizados por forças chamadas pela companhia de Rockefeller (Ibid.: 14).

Lee foi, de igual modo, responsável pela deslocação de Rockefeller ao campo dos mineiros, com cobertura jornalística. A consequente publicação de fotografias e notícias em jornais e revistas foi o meio de contornar a imagem do industrial com uma aura de “alguém que se preocupava com a qualidade de vida dos mineiros” (Straubhaar et al., 2006: 285). A preparação da visita ao campo foi alvo de cuidados equivalentes à atual deslocação de um chefe de Estado. Meses antes do evento, Lee deslocou-se a Ludlow, fazendo acompanhar-se

de

uma

equipa

de

press

agents,

onde

coordenou

meticulosamente a visita, chegando ao ponto de falar e ensaiar pessoalmente as pessoas que iriam receber Rockefeller (Hallahan, 2002: 274-276). Ao mesmo tempo, aconselhou o mais importante industrial da época a publicitar as suas

contribuições para instituições de caridade. Foi neste

âmbito que se deu o desenvolvimento e projeção da Cruz Vermelha durante a I Guerra Mundial. “Conseguiu recolher 400 milhões de dólares de donativos e recrutar milhares de voluntários, catapultando a Cruz Vermelha como uma organização de referência” (Hallahan, 2002: 285). Conseguir promoção através de ações de caridade tornou-se uma moda, já que a “publicity estimulava o interesse e o sentimento público em favor do objeto que trabalhava” (Vance, 1906: 88). Como resultado, um invulgar número de indústrias, associações e igrejas passaram a ter press agents (Walker, S., 1927). A sua influência tornou-se tão notória que surgiram vozes em defesa de uma rápida regulamentação jurídica e criminal, capaz de “travar a sua excessiva atuação” (Dawson, 1912: 104). Outro dos sucessos de Lee ficou a dever-se à sua argúcia em reconhecer as vantagens de colocar presumíveis associações de consumidores a “falar” em nome do interesse comum, razão esta pela qual instrumentalizou a fundação do American Petroleum Institute (1919) reproduzindo nela o sucesso do 93

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American Iron and Steel Institute (1908). Isto conduziu a que associações comerciais e industriais, que aparentemente não exerciam qualquer influência, viessem a transformar-se em peças-chave de pressão politica e jurídica em todo o mundo. Para Miller e Dinan (2008), tais associações “funcionam para coordenar posições políticas, manter a disciplina das empresas associadas e para representá-las nos corredores do poder político, no tribunal e na opinião pública” (Miller, D. & Dinan, 2008: 19). A função de Lee veio mais tarde, no ano de 1933, a ser exercida ao serviço de Hitler através de uma camuflada e rentável consultoria à maior empresa alemã, a I. G. Farben. Lee mantinha encontros regulares com Goebbels, ajudando-o na propaganda nazi (Ibid.: 14). Acresce que Ivy Lee intermediou também a tentativa do III Reich de manter os EUA fora do conflito europeu, pelo apoio às investidas de von Ribbentrop, o ministro dos Negócios Estrangeiros alemão que mais tarde viria a ser considerado criminoso em Nuremberga. Lee forneceu ainda informações nazis a vários jornalistas norte-americanos que visitaram Berlim por esta altura (Ibid.: 14). Na sequência das suas ações, Ivy Lee foi chamado ao Un-American Activities Committe para prestar declarações, vendo a sua reputação manchada perante a opinião pública. Apesar da sua morte, em Novembro de 1934, o seu nome foi arrolado no tribunal de guerra de Nuremberga (p: 15). ...no período inicial os gigantes das relações públicas como Lee explicaram aos barões do crime a necessidade de se trabalhar com os jornais. Mas os ativistas também foram trabalhando com os media, numa primitiva forma de assessoria de imprensa, e isso ajudou-os a ganhar no tribunal da opinião pública (Coombs & Holladay, 2007: 53).

Os press agents gozavam de baixíssima reputação, pois presumivelmente eram “profissionais da mentira”, “vigaristas” ou, na melhor das hipóteses, alguém que congeminava histórias rebuscadas e fantasiosas com o intuito de motivar notícias - o que, no inglês antigo, é designado pela expressão spinning of yarn (Pollock, 1907: 88). Pollock escreveu, a este respeito que “o press agent sabia

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que o seu negócio é a disseminação da falsidade e ele é produto dela” (Pollock, 1907: 87). 2.2 A I Guerra Mundial e a consolidação das relações públicas

A necessidade de uma opinião pública favorável à participação na I Guerra levou Woodrow Wilson 23, presidente dos EUA, a criar o Committee on Public Information, também conhecido como “Creel Committe” por causa do seu presidente, George Creel. Este, um antigo muckraker journalist que se tornou entretanto político, recrutou um grupo de brilhantes e talentosos jornalistas, professores,

intelectuais,

press

agents,

editores,

artistas

e

outros

manipuladores que representavam os maiores grupos de opinion makers norteamericanos, com o propósito de difundirem as mensagens propagandísticas (Schudson, 2001: 162). Estavam por detrás das notícias, material publicitário, posters, cartoons políticos,

filmes

Orientavam

e

de

outro

académicos

por

material

exploratório

todo

país,

o

de

através

propaganda. de

panfletos

comportamentais sobre a guerra. Montavam feiras, exibições e outras exposições governamentais. Distribuíram 200 mil slides com imagens e fotografias

estereotipadas

por

escolas,

igrejas

e

outros

centros

comunitários (Ewen, 1996: 116).

Foi neste organismo governamental que nasceu o famoso cartaz com o Tio Sam que exibe a frase: “I WANT YOU for U.S. Army” (Straubhaar et al., 2006: 285). O Committee on Public Information arquitetou uma eficaz rede de voluntários, com pontos de contacto espalhados por três mil localidades, que, ao receber um telegrama de quatro minutos24, enviado por Washington, saíam a contar o seu conteúdo pelas escolas, igrejas, clubes e outros locais públicos (Cull et al., 2003: 99).

23

Presidente dos EUA, entre 4 de março de 1913 a 4 de março de 1921, que “inaugurou as conferências de imprensa com todo o corpo de correspondentes de Washington e que foi o pai do “porta-voz oficial da Casa Branca” (Silias, 1927: 78) 24 Por isso mesmo eram conhecidos como Four Minutes Man.

95

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Para além de Ivy Lee, Carl Byoir, Walter Lippmann e Edward Bernays, encontrava-se entre os intelectuais do Committe on Public Informacion, Harold Lasswell, cientista político e teórico da comunicação que, mais tarde, na sua obra Propaganda, de 1927, viria a afirmar que “a propaganda é um dos mais poderosos instrumentos do mundo moderno” (Lattimore et al., 2012: 32). Carl Byoir - que dirigiu, a par com Creel, e com apenas 28 anos, este organismo de controlo de informação - tornou-se, mais tarde, consultor e lobista. Antes que Edward Bernays o lograsse, Byoir promoveu cigarros entre a população feminina. Todavia, a sua atividade principal era o lobbying, atuando na parte negra dos negócios e criando, tal como Lee, falsos grupos e associações de pressão, como a National Consumer’s Tax Council ou a Emergency

Consumers

Tax

Council,

para

influenciar

consumidores

e

legisladores. É um dos fundadores da BBD&O e manteve a sua atividade até aos anos cinquenta. Também trabalhou para o German Tourist Information Office, chegando mesmo abrir um escritório em Berlim, no ano de 1933. Foi, aliás, um conhecido simpatizante das causas nazis (Miller, D. & Dinan, 2008: 20), ajudou a República da China na guerra contra o Japão e apoiou o ditador Gerardo Machado, de Cuba (Seldes, 1938: 312). 2.3 Walter Lippmann: jornalista, comunicador...propagandista

O poder da opinião pública no controlo da ação humana foi sempre reconhecido e utilizado ao longo dos séculos por todos os governantes. Os relatos iniciais que integram a história das relações públicas são, disso, um bom exemplo. Reforçam esta aceção a expressão romana – vox populi, vox Dei [“a voz do povo é a voz de Deus”] – ou, como confirmou Maquiavel, em Discursos: “Não é sem razão que se diz que a voz do povo é a voz de Deus”. Seria, todavia, Walter Lippmann quem, em 1922, na obra Public Opinion, viria a demonstrar que, nas sociedades, o poder não estava na limitação coerciva do cidadão, mas sim na livre obediência a uma conformada opinião pública. Desta forma, Lippmann identificou a incapacidade de um cidadão comum alcançar uma objetividade racional sobre os acontecimentos ocorridos no meio

96

em que está inserido como a “manufatura do consenso” (Lippmann, 1982 [1922]): Uma revolução que está ocorrer e que é infinitamente mais importante do que qualquer mudança de poder económico. Agora, na vida desta geração, o controlo dos assuntos e a persuasão tornaram-se na arte auto-consciente do Governo regular o povo. Nenhum de nós começou a entender as suas consequências, mas há profecias ousadas a dizer que o conhecimento daqueles que sabem ‘manufacturar consensos’ irá alterar todo o cálculo político e modificar as premissas políticas. O impacto da propaganda, não necessariamente o significado sinistro da palavra por si só, varia assim toda a lógica do nosso pensamento (Lippmann, 1982 [1922]: 248).

Este modelo de engenharia cognitiva foi um contributo inestimável para as relações públicas, pois permitiu compreender e sistematizar a sua aplicação prática, nomeadamente no uso da imprensa como manipulação da opinião pública. Lippmann destacou de igual modo o importante papel da imagem e, em particular, o cinema de Hollywood para a fabricação da opinião pública, alicerçando as suas teorias numa ideia base, segundo a qual “as audiências podem ser treinadas pelas imagens” (Lippmann, 1982 [1922]: 163). Evidenciou assim que a massificação da informação, por meio de palavras ou imagens, entra na mente das pessoas, reproduzindo um “pseudo-ambiente” que, sendo credível é, porém, falacioso na maior parte das vezes, e consegue moldar o seu pensamento e comportamento. (Ewen, 1996: 148). Numa manifestação de preocupação para com os progressos do marxismo durante a revolução bolchevique, em decurso na Rússia, ou desculpando-se pela sua participação no temido “Creel Committee” (Miller, D. & Dinan, 2008), Lippmann chegou mesmo a defender que “o público devia ser colocado no seu lugar para que cada um de nós pudesse viver sem o rugido de um rebanho desnorteado” (Lippman cit. in Miller, D. & Dinan, 2008: 31).

97

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal 2.4 Edward Bernays: mascarar e suavizar a propaganda

Outro elemento que também se destacou no “Creel Committe” foi Edward Bernays, cuja carreira veio revolucionar por completo a atividade de relações públicas. Nasceu em Viena a 22 de Novembro de 1891, mas foi levado pelos seus pais para Nova Iorque quando ainda era criança. Casou com Doris Fleischman25, que viria a ser sua sócia na Counsel in Public Relations. É-lhe atribuída a criação do termo public relations mas, na verdade, em 1916, Ivy Lee já o tinha usado para fazer uma alargada descrição das suas funções no Electric Railway Journal (Penning, 2008: 349). Foi, contudo, Edward Bernays quem divulgou as funções das relações públicas no seu livro Crystallizing Public Opinion (1923), o qual resultou da influência direta de algumas obras de psicologia social, já aqui referenciadas no capítulo anterior, de Gustave Le Bon, Gabriel Tarde e, principalmente, de Walter Lippman26. Mais tarde, a sua ação, bem como as suas publicações, como é o caso de Propaganda (1928), receberam a influência das teorias da psicanálise de Sigmund Freud, seu tio. Bernays soube agarrar nestes pressupostos e manipulou, de forma consciente e inteligente, o povo para fins comerciais e políticos. Também soube aplicar as teorias de seu tio Freud, que afirmava que o homem é controlado por impulsos irracionais. Bernays foi pioneiro quando aplicou os princípios freudianos às técnicas de persuasão, permitindo que as relações públicas se tivessem tornado numa engenharia de consensos. Foi, no entanto, num artigo publicado, mais tarde, na revista da American Academy of Political and Social Science, The Enginnering of Consent (1947), que Bernays sistematizou o pensamento estratégico das relações públicas, o qual contempla quatro princípios-base: 1) avaliar os recursos disponíveis; 2) obter o máximo conhecimento possível sobre o objeto de promoção; 3) determinar os

25

Doris Fleischman era uma acérrima feminista e nunca usou o nome de família do marido, algo que era visto como socialmente inaceitável. Recebeu o primeiro passaporte independente do marido da história dos EUA e esteve envolvida nas mais marcantes ações de Edward Bernays, como é o caso da “Tocha da Liberdade”. 26 Durante uma entrevista a Stuart Ewen (1996), Bernays acusou Walter Lippmann de ser demasiado académico. Todavia, as obras do chamado “pai das relações públicas” são uma evidente resposta mas também uma continuidade de Lippmann. Quando este autor lança Public Opinion, em 1922, Bernays publicou Crystallizing Public Opinion, um ano mais tarde. E cinco anos mais tarde, quando Lippmann publica Phanton Public, Bernays apresenta no ano seguinte Propaganda.

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objetivos e, principalmente, especificar os que vão ser realizados, onde e por quem; e 4) analisar bem o público, enquanto individuo e enquanto grupo (Bernays, 1947: 116). A este propósito, Bernays defendeu que, numa estratégia de relações públicas, devem usar-se vários meios de comunicação ao mesmo tempo, pois isso potencia a dinâmica de proliferação da mensagem. A “autoridade de terceiros” – outra técnica que Bernays gostava de usar nos processos de comunicação – e em particular a autoridade médica, resultava das muitas análises que desenvolvia, sempre consciente da definição de público de Gabriel Tarde. Por exemplo, com o propósito de promover as vendas de bacon, realizou um inquérito a cinco mil médicos que se fazia acompanhar de folhetos publicitários sobre a importância dos pequenosalmoços pesados. Ou, no caso da promoção da indústria do tabaco, projetou supostos benefícios de fumar: “1) É um prazer; 2) Bom laxante a seguir ao pequeno-almoço; 3) Combate a obesidade reduzindo o apetite; 4) Ajuda nutricionalmente, pois estimula o estômago; 5) Ajuda à contemplação; 6) Combate a solidão; 7) É um manual na boa atividade oral; 8) Promove a sociabilização” (Tye, 1998: 48). Esta prática metodológica decorria do facto de Bernays ter iniciado, aos 22 anos (1913), a sua carreira como jornalista em revistas médicas, nomeadamente na Medical Review of Reviews e na Dietetic and Hygienic Gazette. Bernays teve dezenas de clientes importantes, mas foi na indústria do tabaco que mais se destacou e onde produziu um dos seus feitos mais conhecidos: colocar as mulheres a fumar. Na altura, a indústria do tabaco queria derrubar o tabu que inibia as mulheres de fumarem em público. Assim, Bernays, mais uma vez tendo Freud como base, explorou o facto de o cigarro ser um símbolo fálico e estabeleceu um paralelo com o desejo de poder, independência e liberdade das mulheres. O cigarro seria um desafio ao poder masculino, como Bernays bem cedo compreendeu. Na produção da fotografia publicitária que viria a ser usada, “as instruções foram claras: não podiam ser atrizes e muito menos com postura de modelos. Mas antes dez jovens mulheres a desfilar 99

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

normalmente na Fifth Avenue em Nova Iorque, no Verão de 1929, enquanto fumavam orgulhosamente a sua «tocha da liberdade»” (Miller, D. & Dinan, 2008). Bernays esteve também ligado à política desde muito cedo. Em 1917 foi contratado pelo então presidente Woodrow Wilson para obter o apoio popular à participação dos EUA na I Guerra Mundial, tendo conseguido instalar um ódio ao germânico no país, em apenas seis meses. Desde então, para além de Woodrow Wilson (1913-1921), foi consultor ininterrupto da Casa Branca durante a presidência de Calvin Coolidge (1923-1929), Herbert Hoover (19291933), Franklin D. Roosevelt (1933-1945), Harry S. Truman (1945-1953) e Dwight D. Eisenhower (1953-1961). Curiosamente, e recordando o tema central deste estudo, a assessoria de imprensa não tinha particular destaque nos processos de formação de opinião de Bernays. Um pouco como ainda hoje acontece nas relações públicas, a assessoria de imprensa era mais uma ferramenta disponível. Mas em Propaganda (1928), no capítulo dedicado aos Mecanismos de Propaganda, encontramos uma lúcida e atual reflexão sobre o funcionamento redatorial, nomeadamente no processo de seleção de notícias. O jornal, é claro, permanece sempre como um meio primário para a transmissão de opiniões e ideias ou, em outras palavras, para propaganda. Não foi há muitos anos que os editores de jornais se ressentiram sobre o que apelidaram de «o uso das colunas para propósitos de propaganda». Alguns editores até se matam se imaginarem que a publicação de uma boa história pode beneficiar alguém. Este ponto de vista é agora largamente abandonado. Nas redações de hoje os editores consideram que o verdadeiro critério que determina a publicação (ou não) de uma matéria que lhes cai na mesa é o seu valor notícia. (…). O jornal esforça-se para que as notícias que publica sejam precisas e (desde que escolha entre volume de material informativo disponível) com interesse e importância para os seus grandes grupos de leitores (Bernays, 1928: 151).

Na mesma obra, Bernays desenvolve também uma pioneira reflexão sobre o papel das fontes profissionais de informação no processo de indução de 100

notícias, a partir da realização de um determinado evento, com particular enfoque para a segmentação do público e a especificidade do meio. Se o consultor de relações públicas tiver o rasgo de conseguir uma boa ideia e a tornar pública através de um evento, irá receber a atenção merecida do público. E não pode ser questionado sobre a «contaminação da notícia pela fonte». Ele criou o evento do dia e vai competir na redação com os outros eventos. (…) Se os acontecimentos importantes da vida atual

passam

pelas

conversas

transatlânticas

comercializadas

por

empresas de telefonia, pelas invenções que darão lucros a quem as comercializa ou pelo carro fabricado por Henry Ford que marcará a época… então tudo pode ser notícia. Mas, na verdade, todo este fluxo de propaganda que chega às redações do país pode, simplesmente, se for o critério do editor, acabar no cesto de lixo. As fontes das notícias que são oferecidas aos editores deviam ser mencionadas sem exceção e os factos deviam ser apresentados de forma fidedigna. As revistas da atualidade, do ponto de vista propagandístico, são diferentes dos jornais. Contrariamente aos jornais, não assumem a obrigatoriedade de noticiarem os acontecimentos do dia. Selecionam as notícias em conformidade com uma política contínua. Não são como o jornal: um órgão da opinião pública. Mas tendem bastante a tornar-se um órgão propagandista, divulgando uma ideia particular – seja ela sobre a boa gestão do lar, o vestuário ou a beleza na decoração da casa – ou desmentindo a opinião pública (Bernays, 1928: 153).

Completa a sua reflexão com a apologia do evento como meio para despoletar a cobertura noticiosa: O engenheiro do consenso deve criar notícias. E notícia não é uma coisa inanimada. É um ato evidente que faz as notícias, e são elas que formam as ações e as atitudes das pessoas. Um bom critério para saber se algo é ou não notícia passa por avaliar se o evento sai do padrão de rotina. O desenvolvimento de eventos em circunstâncias que não são de rotina é uma das funções básicas da engenharia do consenso. Eventos bem planeados podem ser projetados ao longo dos sistemas de comunicação para uma audiência infinitamente maior do que assistência presente (Bernays, 1947: 119).

101

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

Muito mais tarde, em 1990, e já com 89 anos de idade, Bernays sintetiza o seu pensamento sobre a noticiabilidade de um acontecimento durante uma entrevista: Notícia é qualquer ato que consiga sair da rotina (…). Um bom relações públicas aconselha o seu cliente a realizar um ato evidente (…), interrompendo a continuidade da vida de tal forma que provoque uma resposta (Eduard Bernays in Ewen, 1996).

Paradoxalmente,

ao

exortar

o

valor

da

notícia

como

uma

entidade

independente e livre, Bernays elogia a sua utilidade enquanto meio propagandístico e inteiramente enquadrado no conceito de Lippmann, a “manufatura do consenso”. Resta dizer que Bernays foi considerado, pela revista Life, como um dos mais influentes homens do século XX. Morreu em 1995 na sua casa, em Cambridge (Massachusetts), aos 104 anos, e deixou uma marca na comunicação que ainda perdura. “Um homem que percebeu muito bem como as relações públicas influenciaram a minha profissão de jornalista, da mesma forma que influenciou a nossa cultura” (Tye, 1998: xi) e “deixou uma profunda marca na configuração do nosso mundo” (Ewen, 1996: 3). Na biografia de Bernays, The Father of Spin, o jornalista Larry Tye (1998) refere que: ...ele foi o homem, mais do que qualquer outro, que pôs as mulheres a fumar, o bacon and eggs nos pequenos-almoços, os livros nas prateleiras e o presidente Calvin Coolidge de novo na Casa Branca. Mesmo que grande parte dos americanos nunca tenham ouvido falar de Edward Bernays (Tye, 1998: viii). 2.5 Arthur Page, John Hill e Paul Garrett: Sistematização das relações púbicas

Outro nome que se destacou nos anos 20 do século XX foi Arthur Page. Depois de ter sido redator e editor da World’s Work Magazine, tornou-se vice-presidente da AT&T, a American Telephone and Telegraph Co., em 1927. Aí criou um novo conceito para as relações públicas: a comunicação corporativa. Page não

102

aceitava que a sua participação na AT&T fosse limitada à publicity, pois “queria ter uma voz na gestão e performance da empresa que pudesse determinar a sua reputação pública” (Cutlip et al., 2000: 127). Tal como Bernays, achava que as relações públicas transcendiam em muito a assessoria de imprensa e o jornalismo. Mas Arthur Page foi mais longe ao defender que esta atividade era também muito mais do que propaganda, na medida em que a reputação é construída, faseada e tranquilamente, através dos valores reais da empresa ou da instituição (Baskin et al., 2010: 34). Em 1947, Page tornou-se consultor de vários grupos empresariais norteamericanos e universidades, nomeadamente o Bell System Group e a Columbia University, e desenvolveu conceitos e práticas para as relações públicas em que a ética, pela primeira vez, marcou presença. Princípios estes que passavam por: 1) Dizer a verdade; 2) Provar com a ação e o desempenho; 3) Ouvir o cliente; 4) Antecipar as relações públicas; 5) Conduzir as relações públicas como se a empresa dependesse disso; 6) Manter a calma, a paciência e o bom humor (Cutlip et al., 2000: 127-128). Page concentrava a sua estratégia na pesquisa e no diagnóstico da opinião pública. Queria dados e análises, e não palpites e suposições. Só assim conseguia determinar quais os meios e as técnicas mais eficazes para a obtenção de uma boa reputação (Baskin et al., 2010). Ainda durante a década de 20, destacaram-se nomes como John Hill e Paul Garrett. O primeiro foi fundador da ainda existente Hill & Knowlton 27 e destacou-se por preconizar o máximo relacionamento e proximidade com os clientes, de forma a obter elementos de feedback. Por outro lado, distinguiu-se pela defesa da honestidade nas relações públicas, mesmo que fosse necessário recusar clientes (Cutlip & Center, 1971: 90). Paul Garrett foi responsável pela comunicação da General Motors e da Xerox Corporation e desenvolveu, com Page, métodos para avaliar o retorno do investimento em ações de assessoria de imprensa: o chamado clipping (Watson, 2012).

27

Tendo como sócio Don Knowlton.

103

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal 2.6 Basis Clark: A verosimilitude da informação

Em Inglaterra foi Basis Clark quem, depois de ter sido jornalista no Daily Mail entre 1914 e 1918, criou, em 1920, a suposta primeira agência de comunicação: a Editorial Service. Mais direcionada para a assessoria de imprensa, a agência de Clark reuniu um staff de 60 colaboradores e promoveu, entre mais de 400 clientes, a indústria da cerveja e os produtos alimentares da Heinz. Foi responsável pela assessoria de imprensa do Partido Conservador e escreveu os discursos do rei George V (Moloney, 2000c: 77). A ação de Clark esteve sempre relacionada com a defesa dos interesses dos seus clientes e com o ataque aos respetivos concorrentes, sendo a chave do seu sucesso o uso da técnica designada como verosimilitude. A historiadora Brian Murphy (Cit. in Miller, D. & Dinan, 2008: 16) encontrou registos de um colaborador em que este descreve como aplicavam a referida técnica: A questão da rotina de notícias dá-nos um controle sobre a imprensa (...). Os jornalistas têm que levar a nossa versão dos factos (...) e eles acreditam em tudo que lhes dizemos. O serviço deve ter um ar verdadeiro e deve parecer completo e cândido, senão perdemos o nosso crédito ... (Ibid.: 16)

Ainda no Reino Unido, Sydney Walton, responsável pela propaganda do governo de Lloyd George (1916-1922), e na Irlanda, Hugh Pollard, press agent da Police Authority, demonstraram estar muito atrasados em relação aos seus colegas do outro lado do Atlântico. As suas técnicas de propaganda, sustentadas pelo omnipresente Ministry of Information, concentravam-se na autoridade, no medo e na promiscuidade com o poder, já que, durante as primeiras décadas, o número de jornalistas e proprietários de jornais no Parlamento e na Câmara dos Comuns oscilou entre 28 e 41 indivíduos (Cockerell et al., 1984: 19; Negrine, 1989: 44). A frase que Lloyd George usava para descrever a sua relação com a imprensa é um bom exemplo de tudo isto: “What you can’t square, you squash. What you can’t squash, you square!” (Cockerell et al., 1984: 67).

104

2.7 Críticas à ‘Ballyhoo Art’

Antes da I Guerra Mundial (1914-18) os censos de Nova Iorque apontavam para a existência de 1.200 profissionais a trabalhar como press agents ou publicists e, em Janeiro de 1925, registavam cerca de cinco mil destes profissionais na cidade (Brown, R. C. E., 1921: 615). Ou seja, “em comparação com os repórteres da cidade [Nova Iorque] dava cinco para um” (Walker, S., 1927: 89). O rendimento anual dos press agents ou “semi-jornalistas” (Bent, 1927: 118) rondava os 13 mil dólares mas podia chegar aos 30 mil dólares; enquanto “o top salary de um repórter ou redator não passava de três mil por ano” (Ibidem). Aliás, foi na década de 20 que nasceram nos EUA as primeiras associações profissionais de assessoria de imprensa28 e de publicidade29, além de terem sido publicadas as primeiras obras científicas e profissionais de relações públicas. Foi também nesta altura que se destacou a primeira mulher na atividade: Alice Beeman. Este crescimento da assessoria de imprensa, das relações públicas e da publicidade foi impulsionado pelo gigantesco boom que os mass media conheceram à época: as salas de cinema atingiram os 100 mil espetadores, existiam mais de 10 milhões de aparelhos de rádio espalhados pelo país, nasceu a primeira estação de rádio comercial e surgiram revistas tão populares como a Reader’s Digest (1922), a Time (1923) e a New Yorker (1925) (Penning, 2008: 347-348). Mas a assessoria de imprensa foi notoriamente ganhando terreno ao jornalismo e o seu peso começou a ser sentido na produção noticiosa (Boorstin, 1961). A propósito desta época Schudson (2001: 163) refere que “nunca nada tinha sido tão ameaçador [para o jornalismo] como o trabalho dos relações públicas” e que “a Pulitzer School of Journalism at Columbia foi ‘produzindo’ mais graduados para a indústria das relações públicas do que para o negócio dos jornais” (Ibid.: 162).

28

Apesar de estar mais vocacionado para a comunicação de saúde, em 1922 nasce a National Publicity Coucil for Welfare Services. 29 A American Association of Advertising Agencies, hoje chamada de “4As”, foi formada em 1917 e tinha 1.400 agências como membros. Em 1929 nasceu a Advertising Federation of America (AFA).

105

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

O jornalista do New York Times e professor na University of Missouri, Silas Bent, também alerta, num artigo intitulado Journalism and Morality (1926), para as facilidades do jornalismo face às investidas das relações públicas: Em antecipação, as agências de comunicação [publicity bureau] que, para tamborilar as aparências,

se autodenominam "conselheiros de relações

públicas", enviavam para os jornais e as agências de notícias informações bem ditada por um estenógrafo (Bent, 1926: S/P). (...) Ele [o jornalismo] aceita com letargia publicar as declarações fornecidas por advogados, propagandistas bem intencionados ou publicity agents (Ibidem) (...) Um outro caso foi de uma notícia sobre uma descarga industrial que resultou em várias mortes por envenenamento. Os rumores sobre esse acontecimento chegaram a Nova York e enviámos um jornalista para investigar e escrever um artigo. Mas ele voltou com as mãos vazias, convencido de que não havia nenhuma história a ser impressa, porque ele ficou-se pelas informações dadas pelo publicity department da empresa (Ibidem).

Mas foi com o livro Ballyhoo: The voice of the journalism (1927), que Silas Bent demonstrou que pelo menos 147 (57%) das 255 notícias publicadas pelo seu jornal, no dia 29 de Dezembro de 1926, tinham sido motivadas pela assessoria de imprensa, assim como 75 (46%) das 162 notícias publicadas no New York Sun no dia 14 de Janeiro do mesmo ano30 (Bent, 1927: 123). Excluindo as classificações duvidosas, a percentagem dos materiais da assessoria de imprensa [publicity stuff] ficavam perto de 60%, mas atenção porque foram deixadas de fora da contagem todas as notícias de desporto e sociedade... (Ibidem)

De igual modo, Stanlay Walker (1927) dá-nos conta que, numa breve análise (de um só dia) que realizou à cobertura noticiosa local dos jornais nova-

30

Schudson (2001) também confirmou que, nessa época, cerca de 60% das notícias do New York Times eram “inspiradas” nas notas dos press agents (Schudson, 2001: 165).

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iorquinos, encontrou 42 notícias (76%), num total de 64, que provinham de press releases reescritos e que tinham sido passados por press agents. Mas este mesmo artigo, intitulado Men of Vision, – assim designado por puro sarcasmo à atividade do “press agent ou, noutros termos pequenos e melífluos, como publicity director, consultor em publicity, consultor de relações públicas, secretário executivo ou correspondente de imprensa” – apresenta casos concretos de notícias “plantadas” por estes profissionais ao serviço das comunidades judaicas de Nova Iorque. Aliás, demonstra como a atividade de diferentes e rivais associações, grupos e empresas desta comunidade desenvolveu a assessoria de imprensa (Walker, S., 1927: 89). Este artigo, onde o autor acusa a assessoria de ser “uma tribo com peste e os jornalistas uns incompetentes” (Ibid.: 93) revela, todavia, o caso de um press agent profissional e bem-intencionado: Fora da confusão dos vigaristas, mangas de alpaca, falsificadores, mentirosos e reluzentes charlatães, cuja vida depende da capacidade de conseguir espaço gratuito nos jornais, há um homem que merece viver tanto tempo quanto puder. É James Grady e assegura a assessoria de imprensa [publicity] da Columbia University, do New York Botanical Garden e uma longa lista de amigos engenheiros e cientistas. O seu material é honesto, publicável e consegue mais espaço nos jornais que todos os outros press agents juntos (Walker, S., 1927).

Um artigo semelhante, que tinha também sido publicado uns anos antes na revista The North American Review, intitulado The Menace to Journalism, da autoria de Roscoe Brown (1921), professor da Pulitzer School of Journalism da Universidade Columbia, dá-nos dados muito mais interessantes pois não só faz um relato detalhado sobre a forma de atuação dos profissionais de relações públicas, como também refere a relação que tinham com os seus clientes e jornalistas: O press agent, comandado pelo seu alto salário, concentra todo o seu sucesso na circulação de propaganda disfarçada de notícia que consegue obter diretamente dos jornais. Consequentemente, induz os redatores a abandonar os ideais do jornalismo e a entregar as suas canetas, não ao

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Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal serviço da sociedade, mas ao serviço dos patrões das agências de assessoria de imprensa [publicity offices]. Fazem uma extensiva e sistemática preparação de notícias pré-digeridas, em vez de se sujeitarem às condições do news gathering. Montam guarda às fontes de informação e afastam qualquer tentativa de inquérito, deixando ao jornal a possibilidade de ser alimentado por eles ou ficarem vazios (Brown, R. C. E., 1921: 611).

Segundo este professor de jornalismo, esta passividade do jornalismo resultou de uma década de Creel Committe. Durante a guerra, os jornais estiveram num “serviço patriótico à propaganda”, que permitia às informações oficiais uma imediata publicação. Quando a guerra acabou, os press agents “encontraram uma imprensa inacreditavelmente inocente e habituada à hospitalidade” e, por isso, “movimentos organizados de todo o tipo, como religiosos, políticos, filantrópicos ou egoístas, aproveitaram como nunca as potencialidades dos press agents” (Brown, R. C. E., 1921: 611). Brown

também

criticou

a

dependência

da

imprensa

americana

das

informações em “segunda mão ou artificialmente simuladas”, apresentadas como uma “natural expressão da opinião pública”. Para este autor, tais informações permitiram que “os press agents ganhassem controlo sobre todo o campo das notícias” (Ibid.: 612). Os clientes destes assessores de imprensa também começaram a perceber que era útil prestar declarações à imprensa, desde que controlassem a mensagem e não falassem demais. Desta forma, “fechavam a porta às investigações jornalísticas” (Ibid.: 613). Por isso, davam testemunhos propagandísticos com conteúdos pré-programados, que eram aproveitados e publicados mesmo que se tratasse de “uma mera declaração boçal e tendenciosa” (Ibidem). Os jornalistas atuavam superficialmente nos assuntos políticos e empresariais, e até notícias com grande interesse jornalístico só eram publicadas depois de serem “vendidas” pelo assessor de imprensa (Ibidem). Nesta linha, há ainda uma outra obra (apesar de ligeiramente mais tardia) do investigador e crítico de jornalismo, George Seldes (1938). Denominada Lords 108

of the Press, nela Seldes critica a falta de ética dos correspondentes estrangeiros em serviço em Washington. Ao longo de todo o livro denuncia as avultadas somas de dinheiro que recebem para escreverem ‘fretes’, e acusaos, por exemplo, de “obterem declarações [através de hand-outs] que mais tarde aparecem como entrevistas” (Ibid.: 287) e de os colunistas serem “servos [serventes]” (Ibid.: 281), os jornalistas se transformarem em “journalistic prostitutes” (Ibid.: 370), entre muitas outras acusações que ainda ‘fazem escola’. Uma importante e comprometedora obra de crítica ao poder dos media que só encontrará equivalência, mais tarde, em Packard (1957) e Boorstin (1961). Nestas obras e artigos, escritas em tom de denúncia, é frequente a conotação da assessoria de imprensa como uma “lado-negro [darkside]” (Boyd, 1924), “diabólica” e “perigosa” (McKernon, 1928). Ou até como art of ballyhoo (Bent, 1927; Lippmann, 1928; Kelly, E. A., 1935), sendo que ballyhoo significa, em inglês antigo, “o ato de elogiar e divulgar de forma extravagante e ruidosa” (Oxford Advanced Dictionary, 1992: 78). E Walter Lippmann (1928) referia-se assim ao ballyhooing: “Os eventos da moderna arte de ballyhoo que têm sido praticados (...), são casos que marcam uma nova fase de um ancestral conflito entre liberdade e autoritarismo” (Ibid.: 6). Mas importa destacar que em 1927 circulavam cerca de 40 milhões de exemplares de jornais diários, nos EUA, e a competição pelo aumento da circulação e da publicidade por parte dos título levou a uma forte alteração das prioridades editoriais. O desporto passou a ser o tema mais importante e com mais destaque; e o crime, apesar de se ter verificado um decréscimo da criminalidade nos anos 20 do século XX, continuava a ser um tema prioritário (Leinwand, 2001: 249). E o sensacionalismo também ganhou força e as figuras públicas eram o seu principal alvo. O jornalismo de celebridades da década de 20, como outras formas de comunicação de interesse humano, apareceu em praticamente todos os jornais e revistas de grande circulação norte-americanos - mesmo nas

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Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal publicações conservadoras que professavam indignação pela propagação de valores de entretenimento para o jornalismo. A principal diferença entre as publicações residia unicamente na quantidade e na distribuição do produto (Ponce de Leon, 2002: 65).

3. Franklin Roosevelt e II Guerra Mundial No período que se seguiu, a assessoria de imprensa31 (publicity) ficou marcada pela governação do presidente norte-americano Franklin Roosevelt, num contexto eminentemente determinado por duas grandes conjunturas políticoeconómicas: o New Deal32 e a II Guerra Mundial. As extraordinárias capacidades de comunicação e o otimismo de Roosevelt, visto como alguém que tinha um instinto natural para as relações públicas, facilitaram o crescimento desta atividade que soube aplicar os protocolos da assessoria de imprensa para “fortalecer a opinião pública a favor de um programa que ia muito para além dos princípios laissez-faire do capitalismo” (Ewen, 1996: 247). Segundo Winfield (1990) a valorização da comunicação resulta do facto de o presidente ter sido jornalista ao serviço do Harvard Crimson. E o apoio do povo norte-americano fez-se sentir logo na primeira semana de trabalho do presidente, tal como se pode comprovar pelo artigo da socióloga Leila Sussmann (1956): Franklin Roosevelt recebeu do público, na primeira semana de trabalho na Casa Branca, 450 mil cartas. Isto dá uma média de 50 mil por dia, ou seja: dez vezes mais do que Hoover recebeu em toda a sua administração (Sussmann, 1956).

31

A partir deste momento abandonamos o termo publicity, usado por todos os autores anglo-saxónicos, e adotamos a terminologia portuguesa: assessoria de imprensa. Todavia, esta tradução reveste-se de alguns problemas porque publicity também é usado como forma de referir “promoção”. Tentaremos ser precisos da sua distinção. 32 O New Deal (1933-37) foi um programa de recuperação económica implementado durante o mandato de Franklin Roosevelt, que se caracterizou por um forte investimento em obras públicas, pelo controlo da produção agrícola e respetivos preços (o que implicou a destruição de milhares de toneladas de algodão, milho e trigo), pela diminuição do horário laboral com vista à criação de mais postos de trabalho e pelo aumento do apoio social às famílias (criação do subsídio de desemprego e de aposentação). Recorde-se que os EUA ainda sentiam, à época, os efeitos da Grande Depressão (1929), com largas franjas da população permanecendo no limiar da pobreza.

110

Assim, as características populistas e exibicionistas de Roosevelt (Hess, 1996: 15), aliadas a uma imprensa favorável, facilitaram a sua candidatura ao terceiro mandato de presidente 33 . Recorde-se que Lazarsfeld (1944) havia demonstrado, com a ‘teoria dos efeitos limitados’, que as eleições de 1940, mesmo que a discussão política tenha sido mais exposta na rádio do que na imprensa” (Ibid.: 324) beneficiaram o candidato que realizou mais “contactos pessoais com o eleitorado” (Ibid.: 326). Com Roosevelt foi criado oficialmente o posto na Casa Branca de press secretary porque até aí, apesar de terem existido sempre, eram denominados de “oficials”. Quem ocupou este cargo foi o então director de comunicação da Paramount Company - Steve Early. Mas o presidente também tinha um chefe de gabinete que mais se assemelhava a um assessor de imprensa - Louis Howe - pois estava incumbido de medir os artigos que eram publicados (Watson, 2012: 3), de apresentar um clipping diário (Winfield, 1990: 17) e de estudar os comportamentos da imprensa, nomeadamente da oposição (Ewen, 1996: 250).

Tanto Early como Howe tinham uma grande proximidade com o

presidente (Nelson, 1998: 75). Para além destes dois elementos, esta administração contratou para a comunicação, só em dois anos, 146 funcionários a tempo inteiro e 14 em tempo-parcial, levando o Senado a abrir um processo de investigação (Ibid.: 75). Mas era o próprio presidente quem se ocupava, pessoalmente, dos contactos com a imprensa, ao ponto de ser ele a escolher quem seriam os jornalistas convidados para os eventos de Estado (cerimónias oficiais, festas, jantares, etc.). “Os repórteres interagiam com o presidente como nunca e as suas reportagens – que eram predominantemente favoráveis – serviam como embaixadoras desta funcional inovação política” (Ibid.: 250).

33

A limitação de dois mandatos presidenciais consecutivos ainda não constava da Constituição norte-americana, mas Roosevelt rompeu com a tradição, que vinha de George Washington, de os chefes de Estado norte-americanos cumprirem somente dois mandatos.

111

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

Apesar de controlado, este comportamento veio romper com as anteriores práticas dos presidentes Calvin Coolidge, que só comunicava com os jornalistas através de porta-vozes (Ewen, 1996: 248), e Herbert Hoover, que só respondia aos jornalistas que lhe enviavam as perguntas antecipadamente (Nelson, 1998: 51). Encontrava-se duas vezes por semana com a imprensa numa reunião de trabalho mas conseguia livrar-se da responsabilidade das mensagens porque estipulou o off-the-record. Na verdade, conseguiu estipular que falava sempre em off-the-record, mesmo em conferências de imprensa, e quando queriam citá-lo teria que haver o seu consentimento. A regra do off-the-record deu ao presidente um método de tal modo eficaz para conter informações que chegava ao ponto de repetir pausadamente as frases que queria ver reproduzidas na imprensa (Winfield, 1990: 35). Também os graus de confidencialidade eram usados nas “fugas” de informação cirúrgicas com o objetivo de marcar a ordem do dia a favor do presidente (Boorstin, 1961: 2932). Este relacionamento sui generis também se estendeu ao medium preferido do presidente: a rádio. Roosevelt era amigo de infância de Henry Bellows, dono da CBS, e era cunhado de George Holmes, correspondente chefe da NBC, em Washington. Para além de controlar os licenciamentos, a publicidade estatal e o espaço do “serviço público”, Roosevelt criou a primeira conversa em direto e em simultâneo com os ouvintes da CBS, NBC e MBS – a que chamava “conversa com os meus amigos” (Ewen, 1996: 255). Mas também foi o primeiro político a ser transmitido numa reportagem de televisão (Negrine, 2008). Sob a direcção de Steve Early, todas semanas distribuíam pela imprensa notas de imprensa, notícias pré-formatadas, notas e informações do executivo, discursos e editoriais para encorajar a publicação directa. Mas esta atividade da assessoria de imprensa não era só a nível nacional. Havia uma preocupação extrema com a imprensa regional e local. Mas Roosevelt também foi pioneiro no envio de informação sonora gravada, reproduzindo “conversas” em 112

fonógrafos [phonograph record] para serem distribuídas pelas rádios regionais, associações profissionais e sindicatos (Winfield, 1990: 17). Numa altura em que a imprensa começou a ser tomada pela imagem 34 , Roosevelt também demonstrava sentido de oportunidade política para com a imagem, ao ponto de pedir aos jornalistas que nunca o fotografassem a sair do carro, pois exibia a paralisia que o forçava a deslocar-se numa cadeira de rodas. Deste modo, Roosevelt utilizou eximiamente a proximidade com os media para promover todas as ações do New Deal. Aliás, o empenho na criação de laços pessoais com os jornalistas, com vista à obtenção de cobertura favorável – e, do ponto de vista jornalístico, pela primazia no acesso às fontes – ainda hoje é uma das práticas da assessoria de imprensa moderna. ..a administração de Roosevelt criou novas divisões de assessoria de imprensa [publicity divisions], ampliou outras mais antigas, contratou mais jornalistas do que aqueles que trabalhavam para os jornais, agenciou empresas de publicidade para promover os seus programas e criou e impôs

procedimentos

para

a

divulgação

de

notícias

oficiais.

(...)

propaganda tornou-se não só numa ferramenta para a promoção, mas principalmente numa forma de governar (Kelly, S., 1956: 15)

O relacionamento de Roosevelt com os media era alvo de muitas críticas, principalmente nos editoriais de Nova Iorque, onde se acusavam “os jornalistas de Washington de, ao contrário do que é habitual, não escreverem os seus próprios artigos” (Seldes, 1938). “Escrevem normalmente o que lhes dizem para escrever. E as pessoas que obrigam jornalistas a prestarem-se a este inestimável serviço são os assessores de imprensa do Governo” (Kelly, E. A., 1935: 307). Franklin Roosevelt proporcionou as linhas de orientação contemporâneas para o sucesso da relação entre a presidência norte-americana e os jornalistas e

34

A fotografia começou a ser parte integrante do jornalismo nesta época. Nos anos 30 os tabloides norte-americanos começaram a ser preenchidos com 40% de fotografias e 25% de ilustrações. Foi também neste período que se assistiu ao crescimento de revistas como Life e Look, onde a fotografia era base da informação (Winfield, 1990: 16).

113

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

conseguiu, de facto, gerir o processo de produção noticiosa durante os doze anos que esteve no poder. Conseguiu também demonstrar que comunicar bem e ter o controlo da informação – “numa correta combinação de personalidade. talento mediático e acções governativas” (Winfield, 1990: 2, 239) - pode ser uma tremenda arma política. A entrada dos EUA na II Grande Guerra, após o bombardeamento japonês a Pearl Harbor, em Dezembro de 1941, dois anos depois do início do conflito na Europa, define uma nova etapa na evolução da comunicação política. Mais uma vez foi constituído, por decisão do Congresso, um departamento de informação: o Office of War Information, que perseguia os mesmos objetivos do Creel Committe. Ou seja, criar uma máquina de propaganda para controlar a sociedade norte-americana e promover a participação do país na guerra (Cutlip et al., 2000: 129). Sob a direção de Elmer Davis, este departamento concentrou-se no desenvolvimento do exército, na propaganda escolar, na promoção dos EUA no estrangeiro e no controlo da comunicação social, nomeadamente da rádio como medium de grande profusão. Em todo este período, as relações públicas concentraram-se no recurso à publicidade como principal mecanismo de propaganda da máquina de guerra (Fitzpatrick, 1946; Ewen, 1996: 343-346). Mas a imprensa norte-americana entrou neste jogo. Muitos jornalistas (como famosos

repórteres,

diretores,

locutores

de

rádio,

cronistas,

etc..)

participavam como operacionais propagandistas nas salas de redação e no produto publicado, desde o New York Times até à CBS Radio (Parry-Gilles, 1996: 149-151). E a censura e autocensura nos media foi institucionalizada. (Nelson, 1998: 84-86).

3.1 As acusações ao jornalismo e à assessoria de imprensa

Eugene Kelly (1935), num artigo com um título sugestivo – Distorting the News –, sublinha que os assessores atuavam, ora como “editores de informação” e

114

“técnicos de estatísticas”, fornecendo dados que potenciavam artigos, ora como “censores” que controlavam toda a informação do Estado. O mesmo autor denuncia ainda o “efervescente aumento de fornecimentos [subsidies]” de informação, através do “envio de handouts datilografados à máquina ou mimeografados

35

, que eram cuidadosamente preparados,

confirmados, examinados e reescritos um milhão de vezes”. Depois, os assessores de imprensa “derramavam a lama pelas redações” através do contacto pessoal, mandando um messenger boy ou negociando por telefone (Kelly, E. A., 1935: 307-308). Há outros artigos que referem que a administração central em Washington libertava cerca de 1.700 press releases por ano (Walker, C. R., 1939: 26). As queixas, pressões e intimidações aos jornalistas eram outro método frequente para “castrar a imprensa” (Kelly, E.A., 1935: 308). Ao colocarem “o jornalista no centro das atenções, este tornava-se tão cauteloso e desmotivado que acabava por não exercer a sua função com normalidade” (Ibid.: 317). Este artigo denuncia também o apoio dos correspondentes de Washington ao New Deal e às políticas de Franklin Roosevelt, circunstância que transformou as conferências de imprensa, que representavam a primeira fonte de notícias da Casa Branca, em “calorosos e amistosos” convívios de confraternização (Ibid.: 313). Por outro lado, os resultados da ação dos “bem pagos” e “bem preparados” funcionários da Administração Federal podiam ser comprovados pela “impressionante semelhança da maior parte das notícias de Washington” (Ibid.: 317). E Kelly (1935) também confirmava o abuso dos graus de confidencialidade para controlar a informação: A segunda fonte de notícias de Washington é a famosa máxima: ‘That´s offthe-record’. O que estes funcionários governamentais querem realmente dizer com esta declaração é que se trata de uma informação que só pode

35

Documentos produzidos pela antecessora da fotocopiadora - o mimeógrafo. Tratava-se de uma pequena máquina manual, que funcionava com um cilindro poroso cheio de tinta. Ao girar uma manivela que, por sua vez, fazia rodar o cilindro, este ganhava velocidade e impelia a tinta através da matriz, imprimindo diretamente no papel.

115

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal ser usada de forma esotérica pelo grupo de jornalistas que a ouviu. Com este material em off-the-record, eles pretendem, na verdade, criar um efeito de exclusividade nos recém-chegados, que trabalham sob a ilusão de que foram escolhidos a partir do resto da humanidade como repositórios de uma informação altamente confidencial; e, para os jornalistas mais experientes, trata-se de material informativo que não é confidencial, não é secreto e não tem proeminente importância. (...) Embora o artigo, depois de publicado, não revele que provém de uma fonte oficial (Kelly, E. A., 1935: 314).

Os assessores de imprensa tinham, como se pode perceber, uma imagem muito negativa nas redações: “somente um em cada dez era estimado pelos editores” (Trenholm, 1938: 675). Eram, inclusivamente, epitetados de plutogoges 36 (Seldes, 1938: 303-315) e vistos como inimigos públicos da democracia. Importa ressalvar, contudo, que se tratava de uma época de lapdog journalism37, ou seja, um período em que facilmente os jornalistas eram subornados, controlados e a compra de espaço publicitário refletia-se na publicação dos comunicados (Seldes, 1938: 391). 3.2 Europa: Censura, propaganda e nacionalismos

No Reino Unido, o Ministry of Information usava os jornais, a BBC 38 , a publicidade, leituras públicas, exibições e conferências como meios para promover a propaganda antinazi (Moloney, 2000c: 75-78). O Estado controlava, através de mais de 500 censores, a informação que era publicada e difundida na rádio (Tulloch, 1993: 366) e as poucas ações de relações públicas

relacionavam-se

com

a

“necessidade

de

as

autoridades

governamentais comunicarem mais com os cidadãos, por quem eram responsáveis” (L'Etang, 1998: 418).

36

Em inglês antigo, plutogoge é um porta-voz ou uma pessoa que protege a imagem pública dos mais poderosos. Segundo Larry Sabato o lapdog journalism era uma prática regular nos EUA, entre 1941 e 1966, sendo associada à administração de Franklin Roosevelt. 38 BBC tinha começado a transmitir televisão em 1936, mas teve que parar durante a guerra. Retomou transmissão em 1946. (Rosenbaum, 1997: 80) 37

116

Era uma propaganda semi-oficial e muito longe dos princípios da assessoria de imprensa. Foster, H. S. (1939) num artigo intitulado The Official Propaganda of Great Britain, revela que até os jornalistas britânicos “queixavam-se das suas dificuldades em obterem informação do Whitehall para publicação, enquanto os

correspondentes

americanos

eram

inundados

por

um

dilúvio

de

comunicados” (Foster, H. S., 1939: 263). Mas a aposta na propaganda política já vem de trás. Durante as eleições legislativas de 1910, o partido Conservador distribuiu 50 milhões de folhetos e, os seus concorrentes diretos, o partido Liberal, cerca de 41 milhões (Wring, 2001: 37). E, no período pós I Guerra Mundial, os contactos com a imprensa eram mantidos pelo próprio primeiro ministro, Lloyd George39, que gostava de manter pessoalmente os contactos com os jornalistas e proprietários de jornais mais relevantes e que descrevia assim a sua relação com a imprensa: “The press? What you can’t square, you squash. What you can’t squash, you square” (Lloyd George cit. in Cockerell et al., 1984: 67) Mas a partir dos inícios dos anos 30, tendo como primeiro-ministro o ‘trabalhista’ James Ramsay MacDonald40, o posto de chief press relations officer do primeiro-ministro foi criado e ocupado por George Steward, embora tivesse “funções negativas – manter os jornalistas o mais afastados possível dos ocupados ministros” (Seymour-Ure, 1968: 233). Durante a II Guerra mundial, Francis Williams (1944) refere, na sua obra Press, Parliament and People que o Ministério da Informação [Ministry of Information] ocupou-se a lançar várias campanhas de persuasão, tais como: ‘Save for Victory, ‘Telephone Less for Victory’, ‘Mend and Make Do For Victory’; a produzir milhões de livros com histórias heroicas sobre a guerra; a realizar filmes e documentários sobre a história britânica; e a lançar exibições e campanhas de rua (Ibid.: 78-79).

39 40

Primeiro-ministro do Reino Unido entre 1916 e 1922. Primeiro-ministro do Reino Unido em 1924 e novamente entre 1929 e 1935.

117

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

Quanto à Alemanha, ultrapassando o objeto de estudo da presente tese, importa destacar aquele que veio a ser um dos propagandistas mais tragicamente conhecidos da História: Joseph Goebbels (1897-1945). Foi jornalista, escritor, dramaturgo, ministro e mentor, não só da propaganda nazi, como do próprio Adolf Hitler, logrando convertê-lo num autêntico messias para os alemães (Cull et al., 2003). Em A Minha Luta (1976 [1925]), o Führer verbaliza um dos princípios seguidos: “A propaganda, para ser eficaz, tem de se limitar a uns poucos elementos essenciais e deve ser expressada, tanto

quanto

possível,

em

fórmulas

estereotipadas,

repetidas

persistentemente” (Hitler, 1976 [1925]: 54). E foi a monstruosidade nazi que destruiu o próprio conceito de propaganda, que não tinha a carga negativa que hoje conhecemos. Recorde-se que o termo é usado pela primeira vez pela igreja católica, no século XVII, com a “Congregação para Propagandear a Fé” (Fawkes, 2006: 268). Na verdade, trata-se de uma palavra em latim que significou a “vulgarização de ideias, evangelização, propagação de princípios” (S/A, 1885: 1011); todavia, a percepção e o conceito moderno remete-nos para a ideia de “mentira”, “engano”, “lavagem de cérebro” (Cull et al., 2003: 317), ou para “falsas e exageradas” informações (S/A, 2005: 1210). Cutlip (1994) não é desta opinião. Para este autor, toda a ação histórica dos propagandistas de todo o mundo, principalmente desde a I Guerra Mundial, contribuiu para a má conotação do termo (Cutlip, 1994: 106-107) que é definido como uma “manifestação deliberada de opinião ou ação, por parte de um indivíduo ou de um grupo, com o objetivo de influenciar as opiniões ou ações de outras pessoas” (Packard, 1957: 39). 3.3 António Ferro: jornalista e propagandista de Salazar

Assim aconteceu em Portugal. Salazar também criou, em 1933, o cargo de secretário da Propaganda Nacional para o então jornalista do Diário de Notícias, António Ferro. As entrevistas que fizera a Salazar tinham-no promovido junto do ditador, que lhe deu duas orientações muito precisas para a nova missão: nunca

118

esquecer que “politicamente só existe o que o público sabe que existe” e evitar “efeitos teatrais” ou “exaltados nacionalismos” (Raimundo, 2002: 36).

António Ferro era um admirador confesso das ideias fascistas e, até, do estilo de Mussolini. Mas a ditadura de Salazar caracterizava-se “por ser uma autoridade sobre o povo, para o povo, mas nunca com o povo”, o que explicava um desinteresse total pela mobilização das massas e muito mais pela criação de opinião pública (Marchi, 2007: 446). Refira-se, a propósito, que o Secretariado da Propaganda Nacional era composto por uma secção interna e outra externa. À primeira, competia 1) regular a relação da imprensa com os poderes do Estado; 2) promover edições que dessem a conhecer a nação; 3) organizar um serviço de informação interno junto dos outros serviços públicos; 4) servir como elemento de informação central dos ministérios; 5) organizar festas e manifestações de propaganda; 6) combater ideias perturbadoras provenientes do estrangeiro; 7) estimular a produção artística colaborante; 8) gerir a utilização da rádio, cinema e teatro como meios indispensáveis na propaganda. À segunda, a secção ‘externa’, competia: 1) colaborar com todos os organismos de propaganda no estrangeiro; 2) superintender todos os serviços de imprensa que atuassem fora do país; 3) promover conferências no estrangeiro; 4) promover o intercâmbio com jornalistas e escritores de “grande nomeada”; 5) elucidar a opinião pública sobre “ação civilizadora” nas colónias; 6) promover manifestações de arte nos grandes centros urbanos (Ramos do Ó, 1999: 45). Neste contexto político, a repressão existia como fundamento alienável do Estado e na execução da máxima de Salazar: “Não pode haver liberdade contra a verdade; não pode haver liberdade contra o interesse comum”. Assim, a repressão era entendida como uma “arma legítima” na defesa da “ética do regime” o que, na prática, se traduzia na proibição do “exercício da liberdade de imprensa, de reunião e de associação” (Ramos do Ó, 1999: 35). Por isso, as atividades do Secretariado da Propaganda Nacional passaram muito pela promoção da cultura e do turismo nacionais – impulsionada pelo 119

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

desassossego que Ferro sentia por “viver num país de analfabetos e tabernas” – mas também pela promoção do corporativismo (com a Mocidade Portuguesa e a Legião Portuguesa), pelo controlo da imprensa e da Emissora Nacional, da qual viria a ser diretor (Raimundo, 2002). Existia, no entanto, uma classe de “informadores” espalhados pelos hospitais, bombeiros, aeroporto, ministérios, hotéis, entre outros sectores públicos e privados, que asseguravam que as notícias chegassem com máxima celeridade aos

jornais.

Recebiam

uma

avença

pelas

informações

regulares

que

avançavam aos jornais e alguns deles ascendiam ao lugar de jornalista. Os informadores propriamente ditos exerciam na altura, ainda que de uma forma mais artesanal, funções de algum modo equiparáveis às que mais tarde viriam a ser desempenhadas pelos assessores e adidos de imprensa, com uma diferença: não recebiam por esse trabalho salário da instituição sobre a qual davam informações mas sim, em regime de avença, do jornal para quem encaminhavam esses informações (Correia, F. & Baptista, 2007: 238).

A abordagem de temas políticos era “quase virgem” (Ibid.: 322) pois o tema era dominado pelas informações do Presidente do Conselho. Mas a presença dos jornalistas foi sempre assegurada nos protocolos das cerimónias públicas de cariz político e propagandístico, pois eram um eficaz mecanismo de legitimar a acção governativa (Ibid.: 331). Apesar da inexistência de assessores de imprensa junto dos deputados ou ministros, a comunicação destes com os jornalistas variava em função do prestígio e interesse reconhecido ao jornal que aqueles representavam

(Ibid.). O jornalismo assumia-se, assim, como uma atividade com quatro elementos: o público, o jornalista, a empresa de comunicação social e o Estado. Nos poucos manuais de ensino, o jornalismo era apresentado como uma atividade vocacionada para a informação e orientação. Um “jornalismo de ideias que procura interpretar, explicar, criticar e orientar” (Oliveira, B., 1963: 60). 120

O SPN também pagava a numerosos jornalistas que pertenciam às redações de vários jornais portugueses e estrangeiros e que escreviam artigos de acordo com as instruções recebidas (Pena, 2007: 77-79). Como se pode perceber, o conceito de relações públicas e de assessoria de imprensa durante todo o período do Estado Novo não existiu, a não ser como eufemismo de censura, manipulação e propaganda.

4. O pós-guerra e o incremento da assessoria de imprensa política No período pós-Segunda Guerra Mundial, a vida social e os media, numa relação recíproca e complexa, foram sendo tomados por um conjunto de “padrões hegemónicos de comportamentos” que influenciaram e marcaram a maneira de comunicar e fazer política (Blumler & Kavanagh, 1999: 210). Entre eles a modernização, que se caracterizou pelo aumento da fragmentação e segmentação de diferentes interesses e identidades, onde se destacou a proliferação de variados lifestyles suportados por uma exploração mediática de divergências

intelectuais,

sexuais,

políticas

(principalmente

através

de

talkshows). Estas aspirações pessoais projetaram o individualismo e, em contraponto, reduziram o peso das normas, da autoridade, da família, da religião, dos partidos políticos e de outras instituições tradicionais. E mesmo perante constrangimentos sociais, políticos, educacionais e outros, a liberdade individual permitia que as pessoas se distinguissem umas das outras através da escolha (Sartre, 1997). Na política o cidadão começou a ser visto como mero consumidor que procura gratificações imediatas e que nem sempre é arrastado pelas massas. Um síndroma que Robert Putnam descreveu como bowling alone (Putnam, 2000). De igual modo, em função de um conjunto de variados acontecimentos históricos, a religião perde a sua influência sobre as esferas da vida social e política e assiste-se à do Estado (Rachels, 2009). A liberdade religiosa provocou uma exponencial proliferação de novas seitas religiosas e com elas novos, e mais radicais, temas preencheram o espaço público. Para responder 121

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

a estas aspirações o discurso político tornou-se ainda mais populista e moldável (Mariano, 2007). A valorização de indivíduo potenciou, também, o egocentrismo e a estetização da sociedade. Começa-se a sentir uma maior preocupação com a elegância, a imagem, a apresentação e o mimetismo pelos padrões estéticos definidos pela moda, o cinema e a música. O político não fica indiferente a esta corrente (Cloonan & Street, 1997). A valorização da opinião individual, assim como o aumento dos meios pelos quais era veiculada, levou a uma racionalização social. Por isso, as muitas conferências, think thanks, debates, revistas e livros especializados, programas de televisão e rádio dedicados e um batalhão de comentadores tornaram o discurso e o processo de decisão político mais racional. Criou-se uma necessidade imperativa de recorrer a suportes de persuasão (relações públicas, marketing, etc...), previsão e avaliação (sondagens, inquéritos, barómetros, etc..) para suportar toda a ação política. A mediatização tornou-se o núcleo da esfera pública e transformou o processo de comunicação num acto essencial para grande parte das instituições (Thompson, 1990). E, no ideal da esfera pública de Habermas (1994), os cidadãos têm igual acesso à comunicação que, através da capacidade de construção de consensos, limita a agenda política e a decisão dos governos. Mas claro que este ideal nunca se alcançou e provavelmente nunca se alcançará. O mundo mudou (...) a Grã-Bretanha e outras sociedades capitalistas avançadas estão cada vez mais caracterizadas pela diferenciação, diversidade e fragmentação em contraste com os tempos idos de padronização e homogeneidade... (Hall & M., 1989: 11)

Viviam-se novos tempos (Hall & M., 1989) ou o choque do futuro (Toffler, 1970) com um galopante aumento da qualidade de vida e um igual avanço da influência e sofisticação dos media. Pois, cerca de 60% das famílias nos EUA pertenciam à classe media, 75% tinham carro e, apesar do inicio das transmissões ter começado em 1939 (Danesi, 2009: 287), o acesso à televisão 122

foi democratizado nos anos cinquenta. Aliás, entre 1952 e 1956, o número de televisões por família, nos EUA, passou de 16 milhões para 35 milhões, chegando a 87% das famílias. Também no Reino Unido, durante o mesmo período, a televisão “chegou à maior parte das famílias” (Rosenbaum, 1997: 80). Paralelamente a este estado, o consumo de notícias registava aumentos progressivos e a política tentou acompanhar esse crescimento, começando a depositar mais atenção no papel dos media como motor da opinião pública (Bennett, S. E. et al., 1999). Por exemplo, até aos finais dos anos 70, as obras de ciência política davam pouca atenção aos media. No início dos anos 80 tudo mudou e proliferam obras e revistas científicas sobre comunicação política (Street, 2005: 19). Com a alteração de comportamentos sociais descritos anteriormente, as sociedades ocidentais, e em particular os EUA e o Reino Unido, começaram a registar um progressivo e estruturado afastamento dos cidadãos da política, visível na abstenção galopante e na diminuição da filiação partidária (Franklin, 2004 [1994]: 14; Negrine, 2008: 60-61). De uma forma generalizada a alienação instala-se em todos os assuntos sociais (Seeman, 1959) e em particular nos assuntos políticos (Levin, M. B., 1960). Este facto está muito bem demonstrado na obra The Alienated Voter, de Murray Levin (1960), sobre as eleições municipais de Boston de 1959. Levin (1960) demonstra (sem nunca ter referido a interferência dos media) que a alienação política foi desencadeada pelo sentimento de impotência do cidadão na construção política–social, falta de sentido das acções político-partidárias, diminuição das normas éticas e pelas frequentes desavenças entre adversários políticos (Ibid.: 62). Afastamento político refere-se à incapacidade de um indivíduo encontrar satisfações diretas na atividade política em si, isto é, a satisfação de cumprir as suas obrigações como cidadão responsável. (...) Os indivíduos que têm um sentido de responsabilidade de comunidade é provável que encontrem outras atividades mais gratificantes de participação social do

123

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal que serem politicamente ativos, tais como: o apoio a uma orquestra sinfónica, instituições de caridade ou clubes. A isto chama-se alienação política (Levin, M. B., 1960: 64).

Na opinião de Karla Gower (2007), todas estas transformações criavam condições favoráveis ao crescimento e à profissionalização das fontes de informação. Até então, “os press agents eram normalmente jornalistas que usavam o seu conhecimento para conseguir publicar informações factuais sobre os seus clientes” (Ibid.: 13). Os censos de 1950, aliás, demonstraram que havia nos EUA 19 mil public relations specialists (Cutlip et al., 2000: 31) e Daniel Boorstin (1961) fala de três mil assessores de imprensa em Washington (Boorstin, 1961: 16). Em 1946, os EUA contabilizavam 47 cursos, de nível secundário e superior, de relações públicas. Dois anos depois abria, na Universidade de Boston, a primeira faculdade inteiramente dedicada a esta atividade. Em 1947 era criada a Public Relations Society of America (PRSA) e Edward Bernays (1947) lançava a sua obra mais emblemática (já aqui referida): The Engineering of Consent. E em 1955 foi gravada na Casa Branca, e transmitida posteriormente, a primeira conferência de imprensa na televisão, sob a presidência de Eisenhower. A partir de então, a televisão passou a ser o meio mais utilizado para a promoção comercial e institucional. 4.1 Eisenhower: O nascimento do ‘spin’ político

O uso de técnicas comerciais para a promoção política teve também um ‘pico’ nas eleições presidenciais de 1956, entre o republicano Eisenhower e o candidato democrata Adlai Stevenson. A estratégia, o tratamento da informação, o uso dos media, o orçamento e o entusiasmo da campanha de Eisenhower mostraram bem a penetrante influência dos propagandistas profissionais. Os democratas usaram menos profissionais, foram menos aptos a aplicar a experiência comercial e industrial das relações públicas na política e os assessores de imprensa

124

tinham, aparentemente, menos voz na gestão da campanha (Packard, 1957: 172).

Robert Humphreys foi o assessor de imprensa chefe da campanha de Eisenhower e William Benton o seu homólogo na campanha democrata, sendo, este último, igualmente sócio da empresa BBD&O. Os dois profissionais de relações públicas usaram a televisão, filmes, cartoons, spots de rádio e televisão, newsletters e entrevistas de rua para projetar os respetivos candidatos (Cutlip, 1994: 664). Mas, complementarmente, aplicaram técnicas de análise e projeção para detetar as reações emocionais do eleitorado (Packard, 1957: 173). Para além das técnicas normais, que passam em grande parte pela seleção de públicos, mensagens e consequente repetição das mesmas, houve a necessidade de melhorar a imagem dos candidatos, para que tivessem “uma voz rica, uma boa dicção e que parecessem sinceros quando apareciam na televisão” (Ibid.: 176). Uma panóplia de assessores, consultores, peritos e académicos das áreas da comunicação, psicologia e política envolveram-se na formação dos dois candidatos. Mas a construção da imagem 41 de Eisenhower foi ainda mais longe. A candidatura republicana organizou barómetros para medir o “valor do nome do candidato perante o público”, de modo a “projetar a personalidade e as suas atitudes junto do eleitorado” (Kelly, S., 1956: 219). Chegou-se ao ponto de definir o comportamento público e o conteúdo dos discursos do candidato republicano em função desses estudos, sendo sabido que Eisenhower adotou um discurso populista e hipócrita contra a classe política (Ibid.: 152).

41

Recorde-se que Daniel Boorstin (1961), em The Image: A guide to pseudo-events in America, define imagem como sendo: 1) sintética, porque foi planeada, criada especialmente para servir um propósito e para criar uma certa impressão; 2) credível, pois não serve os seus objetivos se as pessoas não acreditarem nela; tem de fazer sentido e encaixar nos padrões definidos na mente das pessoas e das instituições; 3) passiva, porque, sendo a imagem congruente com a realidade, o produtor tem a expectativa de a “meter dentro” do consumidor numa relação essencialmente passiva; 4) intensa [vivid, pois a imagem tem de ser a mais entendível de uma lista de objetos e deve ter as características necessárias para chamar à atenção; 5) simplificada, porque deve ser facilmente recordada e dominar a nossa memória com a máxima simplicidade e eficácia; e 6) ambígua, pois flutua algures entre a imaginação e os sentidos, entre a expectativa e a realidade e “deve adequar-se a imprevisíveis efeitos futuros e a mudanças imprevisíveis de gosto e de moda” (Boorstin, 1961: 188-189).

125

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

Durante a campanha eleitoral, a candidatura republicana definiu três mensagens centrais, sempre com a frase “men in Washington”, contra a presidência democrata de Harry Truman: 1) a administração foi responsável pelo aumento da corrupção no interior da administração pública; 2) foram muito “soft” com o comunismo; 3) entraram na Guerra da Coreia e não conseguiram sair dela (Ibid.: 174). Servindo ou não como avaliador de resultados, a campanha termina com uma esmagadora vitória do presidente Eisenhower: conquistou 41 dos 48 estados norte-americanos e teve a participação de 70% do eleitorado (Ibid.: 195). A campanha que terminou com este resultado também revelou algumas diferenças interessantes nas características dos profissionais de comunicação das duas candidaturas. A estratégia no tratamento de questões, a utilização dos meios de comunicação social, a orçamentação e estimulação da campanha de Eisenhower

mostrou

a

influência

penetrante

de

propagandistas

profissionais. Os democratas usaram menos profissionais, eram menos aptos, pensavam só como relações públicas comerciais e industriais e, aparentemente, tinham menos voz nas decisões da direção de campanha” (Ibid. 195).

Já na administração, o seu press secretary foi Jim Hagerty e demonstrou um grande interesse pelo medium que mais impacto tinha nas elites – a televisão. Organizou a primeira entrevista de televisão no interior da Casa Branca e escolheu o dia 24 de Dezembro para a sua difusão. Mas esta operação envolveu uma equipa liderada pelo ator de Hollywood Robert Montgomery. ... Montgomery explicou como os cosméticos, a encenação e a iluminação adequada poderiam fazer a conversa de Eisenhower particularmente atraente. Ele também tinha ideias sobre aparecimentos futuros e sobre melhorias para o trabalho televisivo na Casa Branca... (Allen, 1993: 26).

A televisão estava para Eisenhower como a rádio para Roosevelt. A televisão permitia chegar diretamente às pessoas mas o conteúdo e a imagem devia ser meticulosamente preparada e ensaiada ao ponto de terem sido criadas regras 126

(enquadramentos, luz, tempo) para as arcaicas reportagens televisivas. Davase início à artificialização da comunicação política (Ibid.: 55). É neste período, e concretamente em relação à administração de Eisenhower, que se populariza o pressuposto de que a comunicação política é equiparada à publicidade comercial e a promoção de um político igual à venda de um produto. Nasce o conceito de embalamento de políticos [packaging politics] (Packard, 1957; Theis, 1968; Bloom, 1973). Um tema que vamos explorar no IV Capítulo. Também a transformação da comunicação política num espetáculo e dos políticos em estrelas de cinema ganham aqui forma, pois “há evidências de que a criação de ‘estrelas’ na política, como em Hollywood, dá resultado” (Kelly, S., 1956: 223). Para isso as assessorias de imprensa, nomeadamente durante as campanhas presidenciais, concentraram o eixo de comunicação política na personalidade e carisma dos próprios candidatos e não nas acções ou promessas políticas. E como refere Packard (1957: 176) “por altura dos anos 50 a maioria dos promissores candidatos políticos começaram a avaliarse em frente aos espelhos para verem se tinham imagem para ir em frente.” Mas o seu staff de comunicação também marcou presença nas estratégias de condicionar o trabalho dos jornalistas de imprensa escrita, nomeadamente através da criação de contactos pessoais que levavam à troca de negócios e interesses (Parry-Gilles, 1996: 158). O processo de construção da imagem pública de Eisenhower acabou por determinar toda a ação política da Casa Branca, tanto que as respostas que o presidente dava não eram mais do que aquelas que o assessor de imprensa definia, e que era, além disso, um requisito fundamental na criação de uma alta figura pública (Packard, 1957: 177). Este comportamento político começou a ser apelidado de spin pelos jornalistas, numa analogia à técnica usada no basebol. Na gíria deste desporto, spin significa colocar efeito na bola numa tentativa de enganar o adversário (Beard, 2000: 233). O termo surgiu pela primeira vez associado à política num artigo do correspondente de Washington do The New York Times, 127

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

James Reston, onde este dá conta da preparação dos futuros candidatos presidenciais e onde relata o seguinte42: After all, Eisenhower put more spin on the ball in the 52 campaign than Johnny Podres did in the world series, yet he has won the respect of both parties and has proved in the last two years that fairness and goodness can be an immense power in both national and international politics (Reston, 1955).

Reston limitou-se a utilizar um termo que usava no seu início de carreira jornalística, pois foi, durante os anos 30, jornalista de basebol no jornal onde só mais tarde, em 1950, e em consequência de ter ganho o Pulitzer43, assumiu funções de correspondente de política em Washington. Desde então, os termos spin, ou ‘spinning’ (Reston, 1961, 1978), começaram a ser utilizados por muitos outros jornalistas e comentadores políticos nos EUA e no Reino Unido, sempre que queriam relatar ou descrever uma ação frenética de políticos e assessores de imprensa. 4.2 John Kennedy e Lyndon Johnson: Abertura e proximidade com a imprensa

Um desses políticos foi o democrata John F. Kennedy (1917-1963) que sustentou parte do seu percurso político no reconhecimento da importância dos media (Schudson, 1978: 172, 173). Tal facto é comprovável pela dimensão do arsenal e do orçamento de comunicação da sua campanha contra Richard Nixon, em 1960 no quadro de uma eleição em que o candidato republicano partia como provável vencedor, por ter sido vice-presidente de Eisenhower. Entre os consultores de Kennedy estava John Hill, o já aqui referido fundador da Hill & Knowlton, que ajudou o candidato a construir uma imagem pública através de fotografias que simulavam um ambiente descontraído com a mulher, os irmãos, ou a jogar futebol americano. Imagens essas que eram

42

Decidimos não traduzir e colocar na sua versão original. Ao longo deste trabalho iremos recorrer mais vezes, mas pontualmente, a este modelo de apresentação. 43 Ganhou o Pulitzer em 1945 com um trabalho sobre a conferência que deu origem às Nações Unidas, a Dumbarton Oaks Conference.

128

disponibilizadas às revistas de referência e que tinham um efeito viral na opinião pública. Mas tal como Roosevelt, Kennedy apreciava genuinamente o trabalho jornalístico e tinha um bom relacionamento pessoal com os repórteres. Preocupava-se pessoalmente com os encontros, as viagens e a acomodação da imprensa. Gostava de fazer viagens no press bus, para que os jornalistas sentissem que tinham a fonte sempre perto deles. Kennedy era tão acessível aos jornalistas que chegava a sociabilizar com alguns deles. Nixon era a antítese deste comportamento (Bloom, 1973: 89). A equipa de assessoria de imprensa de Kennedy, liderada por Theodore Sorensen, foi a primeira a disponibilizar na hora os discursos do candidato, permitindo assim que os jornalistas estivessem mais descontraídos na altura em que eram proferidos (Gower, 2007: 44). Desta forma potenciavam a utilização da “informação subsidiada” (Gandy, 1982). Também foi esta equipa que preparou Kennedy para o primeiro debate presidencial emitido na televisão 44 – “que era já parte integrante de um sofisticado processo político (...) [que] foi utilizada com mestria em toda a campanha” (Cit. in

Altheide, 1976: 2 e 5). Apesar de na altura ainda não

existirem grandes preocupações com o make up dos candidatos, Kennedy vestia um fato escuro e ensaiou, até, a forma como tirava notas e cruzava as pernas. Por sua vez, Nixon, apesar de ter tido também apoio do seu press secretary, Herbert Klein, apareceu no debate com um ar cansado, adoentado, desajeitado e com um fato cinzento que não oferecia contraste no estúdio45 (Gower, 2007: 47). Kennedy veio a ganhar a presidência dos EUA por pouco mais de 100 mil votos, mas partiu para a corrida como um desconhecido da opinião pública americana. Até ao seu assassinato, a 22 de Novembro de 1963, numa altura que a Guerra Fria dominava a atualidade, Kennedy teve sempre particular

44

Decorreu nos estúdios da CBS a 26 de Setembro de 1960 e teve como moderador Howard Smith (CBS). O segundo debate decorreu a 7 de Outubro do mesmo ano, tendo, desta feita, sido moderado por Frank McGee da NBC. 45 Estes debates podem ser visionados em: http://www.cgi.cnn.com/ALLPOLITICS/1996/debates/history/1960/

129

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

atenção e cuidado com o relacionamento com os media ao ponto de ter ficado conhecido como “the president medium” (Bloom, 1973: 299). O vice-presidente que ocupou o seu lugar até ao final do mandato, em Janeiro de 1969, foi Lyndon Johnson, que se desdobrou em contactos omnipresentes com a imprensa e com a população. “Johnson vivia e respirava notícias (...) porque era obcecado com as notícias e com o fluxo de informação. (…) e com as pessoas da sua administração que falavam aos media”, tendo centralizado as autorizações para declarações à imprensa de toda a administração (Maltese, 1992: 10). E a assessoria de imprensa era exclusivamente uma arma de propaganda ao seu serviço e nunca uma ferramenta de gestão de informação de interesse público (Stein, 1969: 155). Aliás, Johnson foi o presidente que realizou mais aparições públicas, mais declarações formais e mais conferências na história dos EUA. Um recorde que só veio a ser batido por Gerald Ford (Pfetsch, 1998: 80) e, por isso, o 38.º presidente dos EUA era visto como um populista (Dutton, 1971: 5). Curiosamente, Ford (1969-1974) também é apontado como um dos presidentes, a par de Nixon, que mais hostilizaram a imprensa (Sabato, 1993: 27). 4.3 Anos 60: Nixon e o ‘boom ’ da comunicação política

Os censos de 1960 e 1970 nos EUA mostraram um aumento de profissionais de relações públicas de 31 mil para 76 mil – apesar de Cutlip (1971) defender que o número correto se aproximava dos 100 mil profissionais. Só as dez maiores agências de comunicação, entre mais de 1600 empresas, faturavam mais de 33 milhões de dólares por ano e um relações públicas com cinco anos de experiência tinha um rendimento anual médio de 22 mil dólares. Ainda nesta altura, o número de mulheres na atividade correspondia a cerca de 20% e 78% dos técnicos de relações públicas reportavam diretamente ao topo da hierarquia da empresa ou instituição. Foi durante este período que nasceram aquelas que ainda hoje são as maiores empresas de comunicação do mundo,

130

como a Thompson, a Young and Rubicam, a McCann-Erickson, a BBD&O, entre outras (Cutlip & Center, 1971: 23-29). Mais foi também nestas décadas que a imprensa se tornou mais livre, forte e poderosa –o watchdog journalism é um bom exemplo disto mesmo – e que se deu a “explosão” do estudo académico do jornalismo (Traquina, 1993b: 14). Na altura, a notícia tornou-se um produto abundantemente global (Chaparro, 2001: 44) e, nos EUA, aumentou consideravelmente o consumo de media, atingindo-se os 50 milhões de telespetadores e os 62 milhões de leitores (Diamond, 1978: 29). Ora, este surto trouxe uma concorrência desenfreada entre redações. Os jornalistas “podiam criar heróis e vilões virtualmente de um dia para outro” e aumentaram o contacto com fontes não-governamentais, como ativistas políticos e religiosos, sindicalistas e ambientalistas (Gower, 2007: 88). Um exemplo paradigmático disto mesmo foi o caso Watergate 46 , em 1972, com todas as suas consequências para a presidência de Nixon. Isto apesar de, mais uma vez, “os media não terem sido a mensagem mas somente o canal” (Sussmann, 1983: 629). Refira-se, a propósito, que Nixon, durante o seu mandato, entre 1969 e 1974, diminuiu os atos públicos e o contacto com a imprensa para um terço do praticado por Johnson. Ou seja: regrediu quase vinte anos equiparando-se, no relacionamento com os media, à remota presidência de Truman (Pfetsch, 1998: 80). Este período foi marcado pelo aumento das notícias sobre a vida privada, assim como a personalização das mesmas. Para Sabato (1993), em Feeding Frenzy: How attack journalism has transformed american politics, a causa do incremento deste modelo de jornalismo está no impacto do caso Watergate e no facto de não ter havido especialização na reportagem política. ...jornalistas

generalistas,

desconhecedores

das

nuances

e

da

complexidade de vários assuntos e também mal preparados para cobrir alguns temas políticos, transformavam a cobertura num “jogo”: ausente de

46

Transformou os autores da investigação jornalística, Bod Woodward e Carl Bernstein, do The Washington Post, em símbolos do novo jornalismo.

131

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal ideias políticas e mais preocupada em relatar os incidentes de agenda” (Ibid.: 35).

E alguns jornalistas insistiam “na obrigação de revelar tudo que de significante descobriam sobre os hábitos privados dos políticos. Caso contrário, seriam considerados elitistas e antidemocráticos”. Desde aí, esta pecha jamais abandonou as redações (Ibid.: 43). Isto significa que pessoalizaram a política ao ponto de invadirem a esfera privada. Muitas de revistas cor-de-rosa e de culto da personalidade começaram a surgir, a par da explosão da trash TV. Esta tendência levou os consumidores dos media a interessarem-se pela vida privada das figuras públicas, acabando a produção noticiosa mais convencional por também se ressentir desta nova exigência informativa. “Carreira pública começou a ser sinónimo de história de telenovela” (Sabato, 1993: 81). Mas não se pense que Nixon não comunicou. Simplesmente, fruto de uma má relação

crónica

com

a

imprensa,

optou

por

outras

ferramentas

de

comunicação “para assegurar que a sua mensagem chegava [à população] sem ser distorcida pelo filtro hostil dos jornalistas” (Maltese, 1992: 15). Com um communication director, Herbert Klein, e um press secretary, Ronald Ziegler, a administração de Nixon contava com o inovador (para a época) marketing direto [direct mail], um realizador de televisão interno, vários cronistas e editores “integrados”, intensivas campanhas publicitárias e muitos outros meios ‘sofisticados’ que passavam, amiúde, por limitar e tentar desacreditar a imprensa (Maltese, 1992: 60-70). Herbert Klein era uma espécie de czar da imprensa que controlava a comunicação por todos os braços da administração governamental e Ronald Ziegler um jovem publicitário de 25 anos que manobrava o dia-adia da imprensa na Casa Branca com relações pessoais e biefings oficiais (Stein, 1969: 176).

E Timothy Crouse (2003 [1973]), na obra The boys on the bus, descreve, com uma vincada crítica, a forma como os jornalistas num autocarro de campanha

132

cederam e pactuaram com Klein e Ziegler durante a ‘corrida presidencial’ de 1972, onde Nixon concorreu e ganhou contra o democrata George McGoven. Nos

anos

60,

a

atividade

de

assessoria

de

imprensa

aumentou

significativamente, com especial destaque para a mediação das relações dos jornalistas com todas as áreas governamentais (Blumler, 1990: 105) e para a afincada tentativa de interferir na opinião pública (Herman & Chomsky, 1988). A assessoria de imprensa estava, portanto, institucionalizada e até os candidatos a mayor não dispensavam os serviços dos seus profissionais, como relata Murray Levin a propósito de uma disputa em Boston: “O planeamento do uso do rádio e da televisão não era negligenciado e os comunicados de imprensa foram difundidos em grande número” (Levin, M. B., 1960: 13). Também Stephen Hess (1984) demonstrou que, neste período, os assessores de imprensa dedicavam “mais de 80% do seu tempo na relação com os media”, enquanto outros gastavam “mais tempo com os políticos do que com os jornalistas” (Hess, 1984: 9). O autor destaca a qualidade dos assessores, acessíveis e com grande proximidade com o diretor da agência federal, profissionais “que sabem o que é o deadline, as necessidades logísticas dos news media e os elementos necessários para um bom artigo” (Ibid.: 21). Para todos os assessores de imprensa “a mentira é o principal inimigo da conduta ética” (Ibid.). Espera-se dos porta-vozes que digam a verdade – e esta é a política do Governo dos EUA. Por outro lado, eles também preferem dizer a verdade; mentir é falhar no tratamento leal aos repórteres e ao público, diminuir a sua autoestima e complicar o seu trabalho” (Ibid.: 24).

Neste trabalho de Hess é evidente o desgaste e a má imagem de que os assessores de imprensa gozam junto da comunicação social: É difícil encontrar uma discussão nas modernas relações governamentais que não inclua os termos gerir, manipular e controlar. No entanto, detetamos um certo paradoxo na ênfase que se atribui à manipulação, pois um outro comentário frequentemente feito sobre os assessores de

133

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal imprensa dos governos é o de que eles não são muito bons naquilo que fazem (Ibidem).

Todavia, “a maior parte dos comentários sobre informação pública e os seus emissores têm uma característica comum: provêm de pessoas que são, ou foram, jornalistas” (Hess, 1984: 4) e “muitos destes press secretaries entraram para o Governo depois de fazerem a reportagem de campanha numa organização noticiosa” (Ibid.: 10). A queixa mais grave e mais frequente contra os assessores de imprensa – a de que estes gerem, manipulam ou controlam as notícias – é para mim incorreta por um motivo quase perverso: eles simplesmente não são suficientemente dotados ou importantes para manipular as notícias (Ibid.: 108)

O mesmo autor destaca o profissionalismo e o rigor dos assessores de imprensa que “trabalhavam afincadamente e apresentavam um produto útil (...)”, tanto que “por vezes as declarações à imprensa eram mais precisas do que os relatos apressados, escritos por repórteres generalistas” (Ibid.: 108). Hess constatou, aliás, que a maioria dos assessores de imprensa e jornalistas encarregados de cobrir as atividades em Washington considerava que mentir “para o bem público” se justifica em democracia, embora o autor ressalve que não tenha assistido a nenhuma ação deliberada de falseamento de dados (Ibid.: 111). Os assessores de imprensa e os jornalistas são cordiais entre si. Isto pode, contudo, parecer um elogio frágil para os leitores e ouvintes das notícias. Estes consumidores nem sempre estão conscientes das regras e mostramse menos dispostos a confiar nas garantias dos assessores e repórteres, do que no seu entendimento do que é o interesse público (Ibid.: 112).

Este pioneiro estudo, apesar de ter contribuído para definir e compreender as fontes profissionais de informação, demonstra alguma ingenuidade ou bondade para com a assessoria de imprensa política. Porque é que num dos momentos mais quentes da política e do jornalismo norte-americano Hess se cingiu à descrição das acções bem intencionadas destes profissionais? Parece134

nos que o facto de ter sido ele mesmo repórter na Casa Branca e posteriormente consultor de comunicação dos presidentes Dwight Eisenhower e Richard Nixon, assim como um grande admirador do presidente Franklin Roosevelt (Hess, 1996: 15), explicam o enviesamento das suas descrições. Estas colidem, em absoluto, com as de muitos autores (Dutton, 1971; Diamond, 1978; Lee, M. & Soloman, 1991; Louw, Eric, 2010) que igualmente descreveram a assessoria de imprensa nos anos 60 e 70 e que teremos oportunidade de conhecer melhor nos capítulos III e IV. 4.4 Francis Williams, Joe Haines e a máquina de informação governamental como motor da opinião pública inglesa

Na Grã-Bretanha, o pós-guerra trouxe a democracia plena e o Governo decidiu encerrar o Ministery of Information. Melhor dizendo, procedeu à sua transformação num gabinete mais discreto mas com os mesmos poderes, nascendo assim o Central Office of Information (COI) (Seymour-Ure, 1968). O COI era uma “máquina de desinformação” (Cockerell et al., 1984: 55) que tinha 1200 funcionários, entre os quais 200 assessores de imprensa e 700 produtores de informação (jornalistas, produtores de rádio, editores e realizadores de filmes, entre muitos outros). A produtividade do COI era imensa e alimentava toda a máquina do Estado, para além da comunicação social londrina (Ibid.: 57). Era a esta hora do dia [10h30] que se via a sair da sede do COI uma frota de carrinhas de cor púrpura, para fazer uma ronda pelos vários departamentos de Whitehall. Recolhiam os news releases diários e distribuíam-nos, de acordo com as instruções dadas, pelos principais jornais, agências noticiosas e emissoras (Cockerell et al., 1984: 59).

Mas foi durante o governo de Clement Attlee47 que nasceu o lugar48 de press secretary em Downing Street e que seria ocupado por Francis Williams

47

Primeiro-ministro do Reino Unido entre 1945 e 1951. Ressalve-se que já tinham existido outros press officers no governo, nomeadamente George Steward, press officer de Ramsay Macdonald, mas eram funcionários públicos [officials] que dependiam das ‘Finanças’ [Treasury] e não diretamente do primeiro-ministro.

48

135

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

(Seymour-Ure,

2003:

137).

Um

amigo

pessoal

do

primeiro

ministro

‘trabalhista’, ex-jornalista no Daily Herald que, durante a II Guerra Mundial, tinha sido censor [controller of news and censorship] no Ministério da Informação (Seymour-Ure, 1968: 234). [Francis Williams] via o seu emprego como uma combinação de press secretary, presidente de várias comissões e com um governo transversal de relações públicas (Ibidem).

O resultado foi um grande aumento de informação disponibilizada à imprensa política, nomeadamente através da realização de encontros regulares com a imprensa parlamentar. Sempre suportados pelo COI. Quando o partido conservador volta ao governo, com o igual regresso de Churchill, a assessoria de imprensa perde a importância que tivera ganho com Francis Williams. Churchill não conseguiu encontrar necessidade em ter um press secretary por isso deixou ficar no gabinete de imprensa da Number 10 o funcionário que tinha ‘herdado’ do governo trabalhista – Reg Bacon. Mr. Bacon continuou no gabinete uns meses, ao que parece sem muito para fazer. Nunca foi encorajado, por exemplo, a falar com o Lobby. Churchill acabou com os apontamentos ministeriais à imprensa e o resultado traduziu-se num enorme protesto por parte dos jornalistas de política... (Ibid.: 235)

Mais tarde, em 1964, o então líder do Labour e candidato a primeiro-ministro, Harold Wilson, terá sido o primeiro “TV prime-minister” (Seymour-Ure, 1991: 206), tendo colocado este meio de comunicação no centro da sua estratégia eleitoral por mimetismo ao estilo de Jonh Kennedy (Ibidem). Para além de as imagens serem mais fáceis de compilar e memorizar do que as palavras, a televisão trouxe ao panorama mediático inglês mais autoridade e credibilidade – atributos que os jornais britânicos já tinham perdido (Rosenbaum, 1997: 82). Interessante para perceber a dinâmica entre assessores de imprensa e jornalistas no contexto inglês da época, são as reuniões diárias de Joe Haines, segundo press secretary de Harold Wilson, descritas por Tunstall (1974). Essas 136

reuniões

em

Downing

Street

serviam,

sobretudo,

para

“coordenar

antecipadamente a comunicação do Governo e para prever possíveis confrontos” (Ibid.: 175). Segundo Tunstall (1974), os jornalistas de política recebiam diariamente uma média de sete “cartas” das assessorias de imprensa do Governo com “convites, bilhetes, press releases, circulares, discursos e publicações”. Também os jornalistas que faziam a cobertura de outras áreas de atividade recebiam este tipo de missivas: moda (25 cartas), indústria automóvel (27); trabalho (20) e futebol (6) (Ibid.: 177). O Governo de Harold Wilson também ficou conhecido por criar, entre os jornalistas do lobby49, um grupo ainda mais restrito e privilegiado no contacto com Downing Street, denominado White Commonwealth. Deste grupo eram excluídos os jornalistas hostis. Alguns jornalistas do lobby acusaram a tentativa de controlo noticioso, mas o governo defendeu-se dizendo que o primeiro-ministro tinha a liberdade de falar com os jornalistas que o queriam ouvir e que tinha havido um grupo semelhante no tempo dos conservadores: o True Blues (Tunstall, 1970: 115). 4.5 Ford e Carter: Abertura e diálogo com a imprensa

Até à presidência de Ronald Reagan, que teve início em 1981, a assessoria de imprensa nos EUA conheceu um período low-profile, em boa medida decorrente das características pessoais dos anteriores inquilinos da Casa Branca: Gerald Ford e Jimmy Carter, que governaram entre 1974 e 1981. Segundo Gower (2007), autora que nos tem acompanhado em algumas fases da evolução da assessoria de imprensa, “Ford não tinha sequer imagem e, por isso, os media trataram de a criar por ele: primeiro de atleta e depois de confuso. (...) Carter cultivava uma imagem de ‘orador batista’ carinhoso e boa pessoa” (Gower, 2007: 132).

49

São os jornalistas residentes no parlamento britânico. “Cerca de 150 jornalistas em Westminster são conhecidos coletivamente como ‘the lobby’. De facto, eles pertencem a um clube com restritas regras para manterem seguras as suas fontes de informação” (Jones, B., 1991: 216); Blumler et al, (1996). Muitas vezes “têm acesso a informações primeiro que os próprios membros do parlamento” (Blumler et al., 1996: 59).

137

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

Mesmo concordando com a observação de Gower sobre a personalidade dos presidentes, a verdade é que, neste período da vida política norte-americana, verificaram-se consideráveis avanços na estratégia e na forma de os políticos comunicarem. Desde logo porque Ford e Carter inverteram o padrão de relacionamento com a imprensa estabelecido por Nixon, por serem ambos “extremamente acessíveis” (Maltese, 1992: 149). Logo na disputa entre os dois candidatos presidenciais de 1976, precisamente Ford e Carter, registaram-se, no respetivo debate televisivo, os primeiros cuidados com a telegenia, dentro dos parâmetros profissionais da atualidade. Essa mesma preocupação foi visível nos “tempos de antena”, que eram ocupados com spots produzidos com sofisticação equivalente à de uma longa-metragem de Hollywood (Diamond, 1978: 61). Do ponto de vista estratégico, o presidente em exercício, Ford, usou a Casa Branca como “púlpito”, à semelhança do que Franklin Roosevelt fizera nas suas disputas eleitorais. Já Carter foi mais ousado e deu a primeira entrevista à Playboy, conseguindo assim “encher as páginas dos jornais durante uma semana com esta não notícia”. E isto, não obstante de ter sido fortemente criticado por alguns setores da sociedade norte-americana (Sabato, 1993: 49). Mas o crescimento desta atividade no interior da máquina de Estado dos EUA era uma evidência e, no final dos anos 70, estimavam-se em cerca de 200 mil os profissionais que se desdobravam em vários cargos titulados com ‘pseudónimos’

e

‘eufemismos’

(tais

como

diretores

de

comunicação,

consultores de comunicação, assessores de imprensa, peritos em assuntos públicos ou gestores de conteúdos) para se afastarem de mais uma das alcunhas por que eram conhecidos na época – flacks50. Em 1979 e 1980 a Força Aérea dos EUA revelou que a sua divulgação de informações públicas englobava “140 jornais, 690 mil cópias por semana, 125 revistas, 34 mil rádios e 17 emissoras de televisão (...), e acrescentava:

50

Flack é um termo inglês significa assessor de imprensa governamental. Esta designação - flack – estava, mais uma vez, repleta de carga pejorativa (Blyskal & Blyskal, 1985: 30).

138

Foram distribuídos 615 mil press releases (...) 6.600 entrevistas, 3.200 conferências de imprensa, 500 visitas/voos com elementos da imprensa, 50

encontros

com

chefias

editoriais,

11

mil

discursos

conselhos

editoriais... (Herman & Chomsky, 1988) 4.6 A Primavera Marcelista e o crescimento da comunicação pública

Com a chegada de Marcelo Caetano à Presidência do Conselho, em 1968, foram criadas algumas expectativas em Portugal sobre a abertura do regime e a consequente liberdade de imprensa. Marcelo Caetano sempre reconheceu que a opinião pública era o motor de um Estado (Caetano, 1971). Esta era, aliás, a postura que se esperava de um antigo jornalista e diretor de jornal51. (….) O processo ideal de formação da opinião pública consistiria em proporcionar a todos os indivíduos a mais ampla e circunstanciada documentação acerca dos factos e das ideias do seu tempo. Todo o cidadão deveria, pois, ter livre acesso à informação para poder esclarecerse, comparar, refletir e ajuizar (Caetano, 1971: 93).

Este sinal de abertura política surgiu logo após a nomeação pelo Presidente da República, Américo Tomás. Sublinhe-se que a subida de Marcelo Caetano ao poder motivou uma operação de charme inédita junto da imprensa, como a publicação de longas entrevistas na Flama e Diário de Notícias (DN) – esta última repleta de fotografias do novo Presidente do Conselho com a mulher e os filhos. “Um chefe de governo que é chefe de família”, foi este título do DN, na edição do dia 28 de setembro de 1968. O artigo mostrava uma alteração de postura do “número um” do regime, agora mais centrado nas características pessoais e familiares do que nas medidas governativas (Baptista, 2012: 193197). A par desta aparente abertura, sentia-se um forte crescimento na circulação de jornais e um consequente aumento de profissionais do jornalismo52.

51

Em jovem (na década de 30), Marcelo Caetano ocupou a direção do Jornal do Comércio, mas foi também jornalista no Colónias e A Voz (Baptista, 2012: 125). 52 No período de 1960 a 1974, o número de jornalistas passou de 473 para 717 e, no mesmo período, em termos de circulação de jornais, o Jornal de Notícias cresceu 126,9%, O Século 145,2% e o República 337,5% (Cabrera, 2006b).

139

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

Porém, e na linha do pensamento autoritário de então, Marcelo entendia que o cidadão comum não tinha competências nem informação para se pronunciar sobre questões de relevância nacional. Além disso, considerava que a opinião pública não era compatível com a agilidade de um estado totalitário. Como tal, o “Governo era quem sabia o que era melhor para o povo e para o país” (Cavaco, 2012: 81). Vivia-se, de acordo com o politólogo Braga da Cruz (1988), um regime de “liberalização bloqueada” ou, na perspetiva de Ana Cabrera (2006a: 93), em “expectativas de mudança”. Marcelo Caetano tentou sempre usar os meios de comunicação social para informar, explicar e doutrinar a força popular. Exemplo disto mesmo foi o programa televisivo transmitido na RTP Conversas em Família, decalcando as já antigas práticas de comunicação política nos EUA. Marcelo Caetano foi, inclusivamente, o primeiro político português a aparecer na televisão, em junho de 1957. Aproveitando “as fobias que Salazar tinha das tecnologias, inovação, público e publicidade, mas, aparentemente, pelo seu óbvio desconhecimento das virtualidades instrumentais do novo media” (Cádima, 1995: 320), Marcelo Caetano foi ganhando espaço na RTP porque “sabia que era um instrumento ideal para um governo se tornar popular.” (Caetano, 1971: 472). Também se preocupava em fazer publicar muitos textos no Diário Popular ou Diário da Manhã. O jornal influi poderosamente na opinião ao escolher umas notícias a publicar em vez de outras, ao dar maior relevo a umas do que a outras e sobretudo ao intitulá-las, sabido que a massa dos leitores só lê, ou na melhor das hipóteses, só retém, os títulos (Caetano, 1971: 99).

Usava os meios de comunicação através de uma rígida disciplina de procedimentos (Baptista, 2012) dos serviços de informação. Para o sucessor de Salazar, “só há vantagens no aproveitamento pelos homens de estado dos meios de difusão postos pela técnica ao serviço de todos para procurarem obter uma união mais íntima de governantes e governados” (Marcelo Caetano cit. in Baptista, 2012: 117). 140

Para operacionalizar a assessoria de comunicação da “primavera marcelista”, o

governante

convidou

Moreira

Batista

para

Secretário

Nacional

da

Propaganda, além de Jorge Rodrigues, que, contrariamente ao que é comum afirmar-se, não ocupou um lugar oficial mas manteve-se a prestar serviços enquanto diretor-geral da agência de publicidade Latina (Cavaco, 2012). A estratégia de comunicação do Governo passava pela criação de uma nova agência

de

informação

do

Estado,

pelo

aumento

de

acontecimentos

programados e de informação pré-formatada, mas também pela tentativa de controlo de duas redações através da sua compra: Diário de Lisboa e A Capital. Caetano esperava conseguir a adesão da opinião pública através do controlo de informação, Para tal recorreu “ocultamente” à assessoria de comunicação. Também cedo percebeu que não podia prescindir da censura prévia (ainda que menos dura) e de outras limitações formais à atuação da oposição, entrando em contradição com a imagem de abertura do regime que pretendia propagar. (Cavaco, 2012: 282)

Foi neste período que surgiu em Portugal o primeiro livro (autointitulado) de relações públicas. Da autoria de José Roberto Whitaker-Penteado (1968) e com o título Relações Públicas nas empresas modernas, esta obra, em que a predominância de conceitos fascistas e colonialistas salta à vista, consegue, na sua versão integral, elencar aquelas que ainda hoje são as principais técnicas de assessoria de imprensa com uma estranha atualidade. Uma das atividades normais dos departamentos de relações públicas é a preparação habitual desses “press-releases”, os quais são enviados, pela empresa, aos jornais. O aproveitamento dessa matéria pelos jornais metropolitanos depende, é claro, do “valor-notícia”. Nas cidades do interior, porém, esse aproveitamento pode ser muito maior, visto que os “press-releases” significam sempre matéria bem cuidada... (Ibid.: 178)

4.7 O 25 de Abril e a 5.ª Divisão do MFA

O 25 de Abril de 1974 trouxe a democracia a Portugal pela iniciativa do Movimento das Forças Armadas (MFA), que, logo no seu programa político de 141

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

27 de abril, previa, para além de uma profunda revolução político-institucional do Estado 53 , como medidas a curto prazo a “liberdade de expressão e pensamento sob qualquer forma” (MFA, 1974: 11) e o compromisso de “uma nova Lei de Imprensa, Rádio, Televisão, Teatro e Cinema” (Ibid.). O I Governo Provisório, liderado por Adelino Palma Carlos 54 e com pastas governativas partilhadas com os principais líderes partidários – Mário Soares, do Partido Socialista (PS), Álvaro Cunhal, do Partido Comunista Português (PCP) e Sá Carneiro, do Partido Popular Democrático (PPD) – não se aguenta mais de um mês e meio no poder e segue-se o II Governo Provisório, presidido por Vasco Gonçalves55. E foi durante a governação deste primeiro-ministro que se registaram decisões e ações políticas efetivas que promoveram a utilização dos órgãos de comunicação social como veículo ideológico (Figueira, 2007: 44). Aliás, Vasco Gonçalves demonstrou logo no seu discurso de tomada de posse uma enorme atenção para a função da comunicação num processo de governação. Nesta tarefa de reconstrução nacional tem papel fundamental a esclarecida e lúcida ação de todos os órgãos de comunicação social. A objetividade e sentido das grandes responsabilidades nacionais dos trabalhadores da informação, desde os tipógrafos aos diretores de jornais, passando pelos redatores, serão um poderoso estímulo para a educação de mobilização de vontades, na edificação de um Portugal novo (...) fundamental para a consciencialização e democratização do povo português (Paulo da Gama, 1976: 19).

Comportamento que é coincidente com o facto de Vasco Gonçalves, então coronel de engenharia, ter ‘saltado’ para o Governo de um cargo que tinha a responsabilidade de comandar a divisão militar incumbida pelas relações

53

Este documento histórico destituía de imediato o Presidente da República, dissolvia a Assembleia Nacional Constituinte, o Conselho de Estado assim como todas as formas de poder executivo e legislativo a nível nacional, regional e ultramarino. Por sua vez, instituía o exercício do poder político pela Junta de Salvação Nacional (JSN), que, para além de um extenso rol de medidas de governação, reconheceu o general António Spínola como primeiro Presidente da República da III República e assumiu o compromisso de nomear um Governo Provisório civil. 54 Primeiro-ministro de Portugal do I Governo Provisório (entre 16 de maio e 9 de julho de 1974). 55 Primeiro-ministro de Portugal do II, III, IV e V Governos Provisórios (entre 12 de julho de 1974 e 30 de agosto de 1975)

142

públicas do MFA: a 5.ª Divisão56 do Estado-Maior General das Forças Armadas (Correia, R., 1984: 20). Um departamento criado em junho de 1974, que fica inicialmente instalado no Palácio da Cova da Moura57 mas passa, mais tarde, a ocupar vários edifícios na cidade de Lisboa (Palácio Foz, Edifício ‘Grão-Pará’58 na Rua Castilho, o Centro de Sociologia Militar59 na Rua das Necessidades e o Quartel das Janelas Verdes), sendo que o “comando” passa a ocupar, com a entrada do II Governo Provisório, uma das sala do Palácio de S. Bento. Com Vasco Gonçalves60 a primeiro-ministro, o MFA escolhe o coronel Varela Gomes (que anteriormente comandava a 2ª Divisão, responsável pela ‘Informação’) para coordenar a 5.ª Divisão. Mas, nos primeiros meses da Revolução, esta Divisão demora a sair para o terreno por obstáculos e desconfianças do Presidente da República, general António Spínola: Logo após a posse do [II] Governo, a Comissão Coordenadora, inspirada da Revolução Cubana, lançava a ideia de uma ‘campanha militar’ de esclarecimento, com vista à politização das populações rurais. Porque esta tarefa, de natureza marcadamente política, não se enquadrava na missão específica das Forças Armadas, além de as desviar da posição fiel do processo de democratização de que se haviam constituído garante, opusme frontalmente à sua realização (...). Não obstante, pouco tempo depois a 5.ª Divisão do Estado-Maior General das Forças Armadas torneava a questão através de um ardiloso plano, apresentado pelo General Costa Gomes à Junta de Salvação Nacional como imperativo de manter as unidades em funcionamento (Spínola, 1978: 180-181).

A gorada manifestação de apoio ao general Spínola, através da mobilização daquilo a que chamaram ‘Maioria Silenciosa’61 (Pereira Gil, 1979: 71-72), viria a precipitar a demissão do “general do monóculo” e, consequentemente, a

56

O Estado Maior-General das Forças Armadas, ao serviço da Junta de Salvação Nacional, estava reorganizado com cinco divisões militares: 1ª Pessoal, 2ª Informações, 3ª Operações, 4ª Logística e 5.ª Relações Públicas (DG, 1974). 57 Sede oficial da Junta de Salvação Nacional do MFA. 58 Atual ‘Edifício Castil’, que era apelidado, por alguns, como o “covil da 5.ª Divisão” (Mota, 1976: 147). 59 Atual Instituto de Defesa Nacional. 60 Cabe-nos, também, referir que Vasco Gonçalves teve um assessor de imprensa civil: David Lopes Ramos, mais tarde jornalista conceituado e crítico gastronómico. Todavia, a sua atividade é-nos desconhecida e a falta de corpus documental ou testemunhal impede-nos de desenvolver este ponto. 61 Uma expressão usada pelos opositores a Salvador Allende,

143

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

reforçar as forças político-militares mais à esquerda. O general Costa Gomes é, então, indigitado Presidente da República pela Junta de Salvação Nacional e a 5.ª Divisão assume, finalmente, as funções para as quais foi criada: ser a estrutura militar do MFA “responsável pela comunicação social (…) e informação pública” (Soares, H. et al., 1999b: S/P) ou, também muitas vezes descrita, como “relações exteriores” (Mota, 1976: 77). A atividade desta divisão distribuía-se por quatro comissões ou centros: 1) a Comissão Dinamizadora Central (CODICE), que era responsável pela realização de campanhas de dinamização cultural, sessões de esclarecimento, apoio artístico e técnico; 2) o Centro de Esclarecimento e Informação Pública, que publicava o ‘Boletim do MFA’, um programa de rádio, produção de conteúdos para televisão, rádio, imprensa e criava músicas; 3) o Centro de Sociologia Militar, que organizava cursos, estágios, colóquios e conferências e preparava atos celebrativos; e 4) o Centro de Relações Públicas (Gomes, V., 1981: 3). Este último braço da 5.ª Divisão, o Centro de Relações Públicas, tinha como objetivo central “satisfazer as necessidades do Estado-Maior do COPCON62 no que refere à ação psicológica e de relações públicas” (Correia, R., 1984: 245). O que na prática se traduzia por gerir uma secção de análise e triagem, outra que estudava “estatisticamente os problemas que mais preocupavam a opinião pública” (Ibid.: 246) e outra que manipulava a correspondência dos CTT “através do controlo das linhas hierárquicas da empresa” (Ibid.: 249). O 11 de março de 1975 – uma “inventona” (Anacleto, 1976; Maria Pereira, 1976) perpetrada por spinolistas e outras fações mais à direita, depois de ludibriados pelo boato, lançado por militares do MFA, de que o COPCON e a LUAR63 tinham uma lista de oficiais e civis conservadores a abater (a “matança da Páscoa”) – provoca nova viragem à esquerda do periclitante regime político. Na noite de 11 para 12 de março realizou-se a “assembleia selvagem” do MFA, na qual foi criado o Conselho da Revolução e nacionalizados vários setores

62

Estrutura de comando militar liderada pelo major Otelo Saraiva de Carvalho e afeta à extrema-esquerda. Liga de Unidade e Ação Revolucionária (LUAR), organização antifascista liderada por Hermínio da Palma Inácio, exmilitar da Força Aérea.

63

144

económicos, bem como a maioria dos títulos da imprensa: O Século (e respetivas publicações: Vida Mundial, Século Ilustrado, Modas e Bordados e Jato), A Capital, Jornal do Comércio, O Comércio do Porto e Diário Popular. A todos estes órgãos de informação devemos juntar ainda a RTP, a Emissora Nacional e a ANOP (Agência Noticiosa Portuguesa), o que consubstanciava uma clara hegemonia dos meios de comunicação social estatais no espectro mediático português. Esta realidade era, como se percebe, extremamente tentadora para o novo poder do pós-11 de março. Neste contexto, os programas de dinamização cultural da 5.ª Divisão surgiram como ações de vanguarda da Revolução. Tinham cinco linhas mestras: a luta antifascista, o estabelecimento do Programa do MFA, apoio às Forças Armadas, a isenção partidária e promoção da inteligência política de atuação (Rodrigues, A. et al., 1979: 78). Sempre executada pelos próprios militares. Mas a 5.ª Divisão, mesmo tendo tido como comandantes os oficiais Varela Gomes (de julho a outubro de 1974), Robin Duarte (de outubro 1974 a julho de 1975) e Ramiro Correia (de julho de 1975 a 25 de agosto de 1975), sempre foi dirigida pelo seu primeiro comandante – “o companheiro Vasco”. E é, na muita literatura do PREC, uma dissociação difícil de se fazer, já que a 5.ª Divisão traduzia-se num programa de “apoio de massas à volta da sua [Vasco Gonçalves] figura de ‘homem do povo’ e ‘Messias’ da revolução democrática nacional” (Brito, Rui de, 1976: 67). Por isso, as suas ações eram vistas por muitos opositores como uma “oficina ideológica” (Antunes, 1980: 67), “colonização ideológica” (Cit. in Andrade, 2002: 60), “ondas de medo” (Anacleto, 1976: 167), “o matraquear uma ideologia monolítica” (Brito, Rui de, 1976: 139)

ou o “monolitismo da

informação” (Pacheco de Amorim, 1975: 168) do então primeiro-ministro, que era acusado de estar ao serviço do PCP 64 na disseminação da ideologia marxista-leninista.

De longe, o partido com a melhor e mais profissional estrutura de propaganda: a Secção de Informação e Propaganda (SIP). Em 1974, só em Beja, Évora e Portalegre, realizou cerca de 39 comícios e 550 sessões de esclarecimento e distribuiu mais de um milhão de exemplares de folhetos. Em 1975, publicou folhetos com tiragens

64

145

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

O próprio Presidente da República, general Costa Gomes, reconhece, mais tarde, ter tido dúvidas quanto à composição e aos propósitos das Campanhas de Dinamização Cultural da 5.ª Divisão, por considerar que “a sua composição, essencialmente militar, não oferecia as condições políticas, intelectuais e técnicas” (Costa Gomes cit. in Cruzeiro, 1998: 263) para a consciencialização política. Mas também porque “houve alguns elementos da 5.ª Divisão e das brigadas de dinamização cultural que iam fazer propaganda política, de forma tosca e agressiva, contrariando frontalmente o sentir das populações” (Ibid.: 328). Também Avelino Gomes, Cesário Borga e Mário Cardoso, em Abril nos Quartéis de Novembro (1979), são da mesma opinião e questionam a estranheza destas ações: “Como vinham agora as autoridades militares para ali falar em democracia?” (Ibid.: 80).65 O tom de contestação era um facto e alguns casos eram mesmo descritos pelo próprio Boletim do MFA. Um dos casos ocorreu numa povoação de Viseu: Em Dade as pessoas arrancaram cartazes que anunciavam uma sessão de esclarecimento (...) Fugiram dos militares que lá iam para conversar com elas, tocaram os sinos a rebate, meteram-se em suas casas e insultaram os elementos das FA, a coberto do escuro da noite. E algumas pessoas fizeram isto. Porquê? Porque entre si há quem espalhe o boato desmoralizador e venenoso, porque há quem divida e acicate, porque há quem tenha medo do que começou em Portugal em 25 de Abril, porque há quem não queira que o povo de Dade tome o lugar a que tem direito na construção de uma sociedade mais livre e mais justa (...). Não desistiram os homens do MFA. Voltaram no dia seguinte. Falaram com as pessoas. Mostraram quem são e o que querem fazer com o Povo. E as pessoas foram-se chegando aos poucos, perguntaram e viram como era diferente do que lhes tinham dito. Não foi fácil. Este estender de mãos (Boletim do MFA, de 22 de abril de 1975).

que oscilavam entre 95 mil e 500 mil, difundiu 83 notas pelas redações, escreveu dezenas de discursos para dirigentes do partido, criou 13 cartazes com uma tiragem total de 4,2 milhões. E, em 1976, “o reforço do trabalho da central de informação e propaganda tornou-se particularmente imperioso em virtude da multiplicação de órgãos de informação fascistas e reacionários” (Cunhal, 1976: 410). 65 Um dos elementos da 5.ª Divisão, comandante Manuel Begonha, admitiu, mais recentemente, que apesar de as sessões de dinamização serem apartidárias tinham um cunho “socialista” (Soares, H. et al., 1999a: S/P).

146

Curioso será também mencionar que a ideia da criação de uma divisão militar que ficasse responsável pelas relações públicas nasceu do próprio general Costa Gomes, numa altura que ainda ocupava as funções de Vice-Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, ainda durante o Antigo Regime. Segundo o próprio general: Ela [a 5.ª Divisão] pretendia ter atividades de ação psicológica junto das populações [do Ultramar], dando-lhes a conhecer o papel das Forças Armadas, além de construir um importante elo de ligação (Costa Gomes cit. in Cruzeiro, 1998: 327).

Por tudo isto, e durante um dos intrincados processos de ruturas políticas no interior do MFA66, o então Presidente da República Costa Gomes assinou67, por proposta do major Otelo Saraiva de Carvalho, a “desativação” da 5.ª Divisão a 25 de agosto de 1975, o COPCOM é mandado assaltar as suas instalações a 27 de agosto, e, três dias depois, demite Vasco Gonçalves e o V Governo Provisório68 (Gomes, A. & Castanheira, 2006: 267-268). A 5.ª Divisão durou uns longos 14 meses e de entre as atividades destacam-se as mais de duas mil sessões de esclarecimento e educação realizadas por todo o país (Soares, H. et al., 1999a); programas de rádio diários com uma média de duas horas; programas televisivos para a RTP; spots publicitários; publicação de um semanário – o Boletim do MFA – com 120 mil exemplares de tiragem e 25 números distribuídos; bandas desenhada69, desenhos, e cartazes propagandísticos desenvolvidos por reconhecidos artistas 70 como o ‘O Povo está com o MFA’, ‘MFA: Sentinela do Povo’, ‘MFA, Vasco, Povo: Povo, Vasco, MFA’, ou ainda ‘MFA: Forças Armadas Raízes duma Revolução’; músicas7172 como a

66

Nomeadamente com a perda de influência do PCP no Conselho da Revolução (organismo que substituiu a Junta de Salvação Nacional); a rutura entre Otelo Saraiva de Carvalho e Vasco Lourenço; e a ascensão da ala mais moderada liderada pelo major Melo Antunes, conhecida pelo Grupo dos Nove (Gomes, R. M., 2005: 45) 67 José Gomes Mota (1976: 148) diz que a “tomada da 5.ª Divisão foi ordenada por Otelo, sem prévio conhecimento do General Costa Gomes”. Varela Gomes (1981: 15) também diz que foi “assaltada e destruída” por Otelo. 68 O próprio líder histórico do PCP, Álvaro Cunhal, descreveu estes acontecimentos da seguinte forma: “O mês de agosto é caracterizado no plano político por uma furiosa ofensiva reacionária (..) desaparecimento prático do Conselho da Revolução do MFA e do Diretório, liquidação da 5.ª Divisão, demissão de Vasco Gonçalves” (Cunhal, 1976: 159). 69 Ver, por exemplo, Vão à Escola? Não, vão votar! (MFA, 1975). 70 Tais como Armando Alves, José Rodrigues, Teixeira Lopes, Alberto Carneiro, Querubim Lapa, João Abel Manta, entre outros. 71 Ver, por exemplo, a obra A Canção Política em Portugal, de José Jorge Letria (1978)

147

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

‘Força, força companheiro Vasco, nós seremos a muralha de aço’; difusão de poemas de elogio ao primeiro-ministro da autoria de conceituados poetas e escritores73; atendimento e resposta a todas as solicitações do MFA; envio de informação e organização de ações com as comunidades de emigrantes espalhadas pelo mundo; publicação do Programa do MFA em várias línguas ; e dezenas de conferências, colóquios e seminários orientados por especialistas nacionais e internacionais. Também são relatadas, pelos seus opositores políticos, algumas intervenções menos ortodoxas que espelhavam a tensão política sentida neste período, tais como o desaparecimento dos arquivos da PIDE/DGS (Osório, 1975: 58); o combate à informação do movimento de extrema-direita, o MDLP (Calvão, 1976; Gomes, V., 1981: 165); o apelo ao voto em branco como marca nas primeiras eleições legislativas (Figueira, 1977: 140) ou, até mesmo, a tentativa de as anular (Brito, Rui de, 1976: 96); a perseguição, manipulação e controlo de órgãos de comunicação social, em particular no caso ‘Rádio Clube Português’ ou ‘República’ (Brito, Rui de 1975: 113; Burchett, 1975: 166; Figueira, 1977: 150-152; Lucas Pires, 1977: 30); ou ainda a detenção de uma jornalista da Agência France Press, Manuela Preto, por “prática do crime de associação criminosa” (Preto, 1977: 169). Para José Gomes Mota 74 (1976: 33), a 5.ª Divisão contava ainda com o controlo de várias redações estatais e estatizadas, tais como: a RTP, Emissora Nacional, Rádio Clube Português, Diário de Notícias 75 e o Século, pois estes jornais diários “não passavam de seus boletins de informação” (Ibid.: 144).

72

.Também nos parece interessante reproduzir um excerto do discurso do então diretor da Emissora Nacional (mais tarde RDP e hoje integrada na RTP), comandante Bouza Serrano, aquando da tomada de posse da Emissora Nacional: “A nossa revolução também se terá de exercer através da música e os seus momentos mais importantes e mais graves estão inequivocamente ligados a determinadas canções e marchas. Utilize-se a música como um veículo congregador, que ajuda muitíssimo a manter a chama revolucionaria bem acesa. Cultive-se a música portuguesa, mas acaba-se de vez com o nacional conçonetismo” (SA, 1972: 103). 73 Na obra Companheiro Vasco (Coutinho, C., 1977) estão reunidos muitos desses produtos literários da autoria de José Saramago, Eugénio de Andrade, Urbano Tavares Rodrigues, Ruy Luís Gomes, Alice Vieira, José Jorge Letria, A. Garibáldi, António Ramos Rosa, Armando Silva Carvalho, Eugénia de Melo e Castro, Egito Gonçalves, José Viale Moutinho, entre muitos outros (SA, 1972: 103). 74 Militar e ex-membro do Grupo dos Nove. 75 O episódio do saneamento de 22 redatores do Diário de Notícias, a 28 de agosto de 1975, é um bom exemplo do “apoio caloroso e inequívoco a Vasco Gonçalves” (Gomes, A. & Castanheira, 2006: 274), assim como a capa do mesmo jornal do dia 23 de julho de 1975, que é manchada com um dos lemas da 5.ª Divisão: “Força, força, companheiro Vasco, nós seremos a muralha de aço”.

148

Mas a tentativa de controlo e manipulação da informação no período gonçalvista também é assinalado por académicos. Arons de Carvalho (1986: 218) dá, entre outros, o exemplo da suspensão de O Diabo, dirigido por Vera Lagoa, por parte de uma ordem sumária do Conselho da Revolução em fevereiro de 1976, assim como a tentativa de tornar obrigatória, por lei, a publicação das notas e comunicados oficiais dos órgãos de soberania (Ibid.: 256-261). Helena Lima (2013: 25) destaca que a criação da Comissão ad hoc, concebida para “salvaguardar os segredos dos aspetos militares e evitar perturbações na opinião pública, causadas por agressões ideológicas dos meios mais reacionários”, era o principal meio de controlo da informação publicada por parte dos militares. Ficava clara a interdição da publicação de matérias que contrariassem o Programa

do

MFA,

desrespeito

pelas

instituições

de

soberania,

salvaguarda de segredos militares, bem como das hierarquias. Mas, e para além disso, os meios de comunicação social estavam impedidos de divulgar aspetos que de alguma forma pudessem provocar alterações na ordem pública (Lima, H., 2013: 26).

Durante o período spinolista, os órgãos de informação mereceram especial atenção quer dos poderes efetivos quer dos poderes fácticos, conforme descreve o investigador e ex-jornalista Mário Mesquita: O novo poder revelou-se, desde o início, hipersensível às questões da comunicação social. Governantes inexperientes, divididos entre si e (mais ou menos) temerosos das energias populares que o golpe militar libertara no país, partidos recém-criados sequiosos de acesso à opinião pública, militares experimentados em campanhas de ‘ação psicológica’ nas colónias, disputavam a preponderância na televisão, na rádio e nos jornais (Mesquita, 1988: 96).

Ricardo Miguel Gomes (2004: 242) refere igualmente que “tanto as forças políticas como militares procuraram conquistar a tutela doutrinária dos órgãos de comunicação social”, o que viria a resultar numa “comunicação social

149

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

panfletária, sectária, alinhada ideologicamente à esquerda e cúmplice dos excessos revolucionários”. Assim, a uma censura de tipo regimental infligida durante o Estado Novo seguiu-se uma outra praticada no interior das empresas jornalísticas. O garrote informativo era então imposto de baixo para cima pelos jornalistas, tipógrafos e outros profissionais da comunicação social. E de cima para baixo, através da pressão governamental, partidária e sobretudo militar (Ibid.).

Estes académicos salvaguardaram, porém, que nem sempre o MFA teve sucesso neste processo de ganhar a opinião pública através do uso de uma imprensa alinhada. Para além da falta de unidade política no seio do próprio MFA e da existência de outros agentes governamentais 76, a proliferação de empresas de comunicação social ‘ligadas’ às diferentes e antagónicas correntes políticas dificultou os intentos propagandísticos dos militares e dos seus governos provisórios. “Uma informação em pantanas” (Pais & Silva, 1975: 99). O VI Governo Provisório, liderado pelo general Pinheiro de Azevedo, toma posse, a 19 de setembro de 1976, com “o espectro da guerra civil a pairar ameaçadoramente” (Gomes, 2004: 48). Vivia-se o ‘Verão Quente’ de 75 e Gomes (2004) descreve o ambiente que se vivia a nível de comunicação social: Para calar a voz alegadamente ominosa de alguns órgãos de informação, o Conselho da Revolução decretou medidas de censura ao noticiário de assuntos militares, decisão imediatamente revogada por exigência da oposição. Mas como o Governo continuava a considerar-se vituperado pelos media, o primeiro-ministro ordenou ao COPCON que ocupasse as estações de rádio e televisão da capital, ordem que foi apenas parcialmente cumprida (Ibid.: 49).

76

Sempre existiram as funções de ministro da Comunicação Social, diretor-geral da Comunicação Social, diretor-geral da Informação e outros cargos que “não recorriam à censura mas exerciam a sua influência através da nomeação das administrações” (Pena, 1994: 396). O relacionamento com a 5.ª Divisão oscilava, dependendo dos momentos políticos, entre a colaboração, a competição ou o confronto (Rodrigues, A. et al., 1976).

150

A tensão entre os partidos de esquerda e direita agudiza-se e o confronto entre órgãos de comunicação social afetos aos movimentos partidários extrema a informação 77 . Numa tentativa de conter essa informação subversiva, o Conselho da Revolução decide, como medida punitiva à contrarrevolução, assaltar a Rádio Renascença e, posteriormente, rebentar com os seus emissores (Figueira, 1977: 150-152). O 25 de novembro viria a ser o pico de todo esta instabilidade e permitiu ao PS ganhar uma grande parte das redações (Serrano, 2006b: 260). Assim, destes meses que antecederam as eleições para o I Governo Constitucional (marcadas para 25 de Abril de 1976) e que intervalam com o fim da 5.ª Divisão, nada se pode assinalar a nível de relações públicas e propaganda, até porque não há estudos sobre este importante período. Mas os acontecimentos revelaram sempre o intento de pressionar, silenciar ou punir todos aqueles que atentavam contra o programa do MFA. A massa informativa veiculada era avassaladora. Toda a gente emitia opiniões, tomava decisões e enviava recados. Os jornais estavam enxameados de comunicados de sindicatos, comissões de trabalhadores, associações de moradores e outras organizações de representatividade duvidosa (Gomes, 2005: 95).

Por aqui se percebe que, apesar de o conceito de assessoria de imprensa ser ainda vago na sociedade da época, os jornais já recebiam regularmente comunicados de organizações com influência social e, neste sentido, eram pressionados para publicar informação favorecendo interesses organizados. O papel que o MFA teve na propaganda revolucionária dos primeiros dias da democracia em Portugal pode ser percecionado pelo Inventário do Fundo do EMGFA da 5ª Divisão (disponível on-line), coordenado pela arquivista Maria João Pires (2010) do Arquivo da Defesa Nacional do Ministério da Defesa Nacional

77

Quem o demonstrou foi, por exemplo, Pedro Dinis de Sousa (2003) em A Dramatização na Imprensa do PREC, ao evidenciar que os jornalistas agiam por metonímia no processo produtivo de notícias, nomeadamente com a utilização da primeira pessoa do plural (quando o jornalista usa ‘nós’); no recurso à linguagem de uma entidade coletiva (‘a voz do povo’); na narração e interpretação dos factos concretos através de uma ideologia política; oposições e associações binárias; rótulos de codificação; o apelo ao afetivo; a vitimização; a personificação; e a enfatização (a nível gráfico, no uso de advérbios e graus superlativos de adjetivos, ironia, por palavras de ordem, uso de pontuação, etc.)

151

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

da República Portuguesa. Nas dezenas de caixas que guardam o material produzido pela 5.ª Divisão pode-se encontrar desde maquinarias usadas para a reprodução de correspondências privadas e oficiais; listas de familiares de exagentes da PIDE/DGS que pediram auxilio à Cruz Vermelha; muitas obras plásticas, gráficas e musicais de apoio às ações de dinamização cultural; recortes de imprensa classificados e catalogados com nomes e dados dos jornalistas e muitos relatórios desenvolvidos com base em cartas privadas e oficiais sobre os mais variados temas: política, governação, economia, cultura e muitos outros temas que interessavam à máquina de propaganda do PREC. 4.8 As presidências de Eanes, Soares e Sampaio e a cristalização da assessoria de imprensa política em Portugal

Outro período que nos merece destaque do ponto de vista da evolução da assessoria de imprensa política em Portugal é o que abarca os mandatos dos três Presidentes da República eleitos num regime inteiramente democrático. Ou seja, os consecutivos mandatos de Ramalho Eanes (entre 14 de julho de 1976 e 9 de março de 1986), de Mário Soares (entre 9 de março de 1986 e 9 de março de 1996) e os de Jorge Sampaio (entre 9 de março de 1996 e 9 de março de 2006). Apesar de se saber pouco sobre a atuação dos assessores de imprensa do pós25 de Abril, como também verificou e lamentou Estrela Serrano (2002) na sua obra As presidências abertas de Mário Soares – as estratégias e o aparelho de comunicação do Presidente da República, parece-nos pertinente esmiuçar alguns dados recolhidos ao longo desta investigação. Aliás, é esta autora que nos apresenta interessantes e reveladores dados sobre o modo de funcionamento da assessoria para a comunicação social da Casa Civil. Na obra referida é escrito, por exemplo, que Ramalho Eanes teve como assessor de imprensa principal Eduardo Fidalgo, Mário Soares contou com Estrela Serrano e Jorge Sampaio com João Gabriel. Mas nas equipas destes coordenadores existiram sempre outros consultores/colaboradores.

152

Não existe um perfil definido para a função de assessor de imprensa. Os presidentes Eanes, Soares e Sampaio escolheram para seus assessores e consultores de imprensa jornalistas da rádio, televisão e imprensa. Eanes e Soares incluíram também na Assessoria para Comunicação Social consultores sem formação jornalística (Serrano, 2002: 71).

A imagem de uma sala de imprensa repleta de jornalistas na Casa Branca é algo que nunca ocorreu no Palácio de Belém, pelo menos durante as presidências estudadas. A ‘sala de imprensa’ só surgiu na presidência de Soares e mesmo assim só se registou a presença “quase diária” de um jornalista da ANOP78. A circulação de jornalistas estava restrita a esta sala e ao átrio,

não

podendo

“deslocar-se

no

interior

do

Palácio

sem

serem

acompanhados” (Ibid.: 74). Estrela Serrano (2002), seguindo a tipologia de Boorstin (1961), demonstra que os “pseudo-acontecimentos” presidenciais ocorriam em quatro grandes grupos: 1) Aparições públicas; 2) Encontros formais e informais com jornalistas; 3) Deslocações ao interior do país; e 4) Visitas ao estrangeiro (Ibid.: 77). Assim, conseguiu classificar a crescente atividade pública dos três presidentes da seguinte forma: Eanes registou um total de 12479 “pseudo eventos”; Mário Soares registou um total de 20880; e Jorge Sampaio de 30481. Neste livro também são explicadas as formas e processos de fornecimento de informação aos jornalistas por parte da Presidência da República, onde se incluíam

as

ocorrências

descritas

nos

quatro

grupos

de

“pseudo-

acontecimentos”. Ao contrário do que acontece nos EUA, em Portugal, os briefings não constituem uma prática regular do presidente. Os contactos dos jornalistas com o presidente baseiam-se, na maioria dos casos, em entrevistas,

78 79 80 81

Denominação da Agência Lusa entre 1974 e 1982. Nos intervalos de tempo de 1976-1977, 1980-1981 e 1985-1986. Nos intervalos de tempo de 1986-1987, 1990-1991 e 1995-1996. Nos intervalos de tempo de 1996-1997 e 1999-2000.

153

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal encontros informais (almoços, jantares), depoimentos e mensagens (Ibid.: 80).

Eanes, que foi o primeiro presidente a criar a figura do porta-voz, teve Silva Costa (no primeiro mandato) e Joaquim Letria (no segundo) como rostos das mensagens do presidente. Sampaio, apesar de não ter nomeado formalmente um ‘porta-voz’, teve António Manuel nessa tarefa. Soares contou sempre com Alfredo Barroso nesse cargo mas “a maior parte da informação fornecida pelo porta-voz era na base do off-the-record e da fuga” (Ibid.: 82). [Alfredo Barroso] privilegiava os contactos com os editores e diretores, a quem dava exclusivos o que, por vezes, não era bem visto pelos jornalistas que acompanhavam os assuntos da Presidência.... os convites para contactos diretos com o presidente, como almoços, etc., eram para os editores e diretores e raramente para os repórteres acreditados (Ibid.: 83).

Já com Ramalho Eanes nunca houve fugas de informação a assinalar (Eduardo Fidalgo cit. in Serrano, 2002: 83), pois o próprio general criticava as “relações privilegiadas com os jornalistas” (Eanes, 1980: 7) por parte do poder, assim como a tentativa de os manipular. Mas o presidente conhecia e respeitava o poder dos media – ou o que ele designava de “consciência democrática dos povos” (Ibid.). (…)Todos os jornalistas sentem, pelo menos na ação diária, a pressão destas meias verdades, destas informações distorcidas ou mesmo dos silêncios (Ibid.).

Este período parece ter ficado marcado por um lento mas efetivo processo de cristalização da assessoria de imprensa política em Portugal, na medida em que tornou sólido um conjunto de técnicas e comportamentos há muito criados. Assim, esta função junto dos órgãos de soberania foi sendo ocupada por ex-jornalistas que procuravam facilitar e agilizar as relações entre governantes e comunicação social (Deschepper, 1990), ao ponto de se tornarem, tal como nos EUA e no Reino Unido, indispensáveis. Foi por esta altura que as publicações sobre assessoria de imprensa e relações públicas tiveram um boom . Mas a obra que teve maior relevância foi o livro da 154

Coleção Saber, das Publicações Europa-América, de J. Martins Lampreia (1998), A Assessoria de Imprensa nas Relações Públicas, que, aliás, ainda hoje consta nos programas das unidades curriculares de muitas universidades e institutos superiores portugueses. Os programas curriculares dos primeiros cursos superiores de ensino de jornalismo em Portugal, na Universidade Nova (ano letivo 1979-80) e na Escola Superior de Jornalismo (ano letivo 1986-87), não tinham qualquer disciplina relacionada com as relações públicas, assessoria de imprensa ou comunicação empresarial (Erbolato, 1984; Mendes, 2012). Só mais tarde, com o aparecimento da licenciatura na Universidade do Minho e na Escola Superior de Comunicação Social de Lisboa do Instituto Superior Técnico, é que os diferentes cursos começaram a valorizar esta área do conhecimento. Em 2000 a

Universidade

do

Porto

cria

uma

licenciatura

que

contempla

uma

especialização em ‘Assessoria de Comunicação’, com disciplinas curriculares de ‘Assessoria de Imprensa’, ‘Relações Públicas’, ‘Comunicação Empresarial’, ‘Marketing’, ‘Audiometria’, entre outras.

5. Reagan e Thatcher: Arranque do ‘spin control’ Nos inícios dos anos 80 do século XX a imprensa tinha ficado mais livre e menos dependente do poder político, num processo gradual desde o pósguerra, como tivemos oportunidade de demonstrar no anterior capítulo. Os partidos e os governos prepararam formas de proteger as suas organizações face às investidas dos jornalistas (Ericson et al., 1989) e iniciaram processos para tentar controlar e condicionar a circulação de informação pública (Hertsgaard, 1989). Mas foi a época, também, em que mais se começou a governar em função dos media e que veio a tornar-se um comportamento que ainda perdura Os actores políticos podiam ainda ter peso e vantagem no agendamento, mas não conseguiam controlar os meios de comunicação ou usá-los incondicionalmente para promover seus próprios interesses (Strömbäck, 2008).

155

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal 5.1 Michael Deaver e David Gergen: Controlo sincronizado da Casa Branca

Quando Ronald Reagan82 chegou ao poder, em 1981, já sabia que só com uma eficaz comunicação política é que se conseguia uma liderança forte (Sabato, 1993: 41). Teve como seus conselheiros de imprensa Michael Deaver e David Gergen, que também sabiam que os media tinham deteriorado a imagem de Nixon. Por isso, investiram na gestão e no controlo do processo comunicativo do presidente e da Casa Branca (Maltese, 1992: 180). A equipa de assessores de imprensa 83 tinha instruções para estar na ofensiva, controlar o fluxo informativo, limitar o acesso dos repórteres ao presidente, cingir as perguntas “ao assunto que queria falar”, falar a uma só voz e repetir sempre a mesma mensagem (Hertsgaard, 1989: 34). O planeamento executado por Deaver era a chave do relacionamento com a imprensa. Às sextas-feiras programava-se a agenda política e mediática da semana seguinte e diariamente, às 8h15, reuniam-se todos os assessores de imprensa à volta das duas perguntas habituais de Deaver: “What are we going to do today to enhance the image of the president?” e “What do we want the press to cover today, and how?”. Uma hora depois, às 9h15, a “linha” era induzida aos jornalistas no briefing da manhã e seguida por toda a Casa Branca, sendo incluída na agenda e nos discursos do presidente (Ibid.: 35 e 37). Todos os pedidos de informação aos jornalistas eram centralizados em Gergen, que não se limitava a trabalhar por detrás do cenário para obter dados, indo bem mais longe, usando o relacionamento que tinha com os jornalistas para verificar se a cobertura estava conforme havia sido alinhavada pela Casa Branca. Gergen inquiria-os para ter a certeza que tinham compreendido a mensagem e tentava monitorizar o fecho das edições. A esta prática, uma forma de spinning levada a cabo, por vezes, com recurso à intimidação, os repórteres destacados na Casa Branca reagiam com severas críticas (Ibid.: 147-151).

82

Presidente dos EUA entre janeiro 1981 e janeiro de 1989 Existia um ‘batalhão’ de assessores na Casa Branca, donde se destacava Bill Rhatican, Karma Small, Larry Speakes, Michael Baroody, Frank Ursomarso e Patrick Buchanan. Sendo os dois últimos também diretores de comunicação, porém, em momentos diferentes. (Maltese, 1992: 196-211)

83

156

Por tudo isto, a comunicação política da administração de Reagan foi descrita e ficou conhecida como um processo de spin control (Maltese, 1992). Aliás, Blyscal e Blyscal (1985) confirmaram isto mesmo na obra PR: How the public relations writes the news, onde demonstraram como a equipa de Reagan conseguiu manipular, com distorção e limitação de fontes, a invasão de Granada por forças militares norte-americanas, em 1984. Lograram, então, transformar esta operação dos EUA numa ação militar, não só considerada necessária, como até aplaudida pela opinião pública norte-americana (Blyskal & Blyskal, 1985: 25): Para o povo americano a presidência de Ronald Reagan ficou conhecida pelo desenvolvimento de um novo modelo sofisticado de manipulação da imprensa. Muitas das técnicas aplicadas – como a eliminação virtual das regulares conferências de imprensa e os apelos emocionais projetados para distrair a atenção sobre as políticas reais de Reagan – demonstraram o medo que o Governo sentia pela livre e responsável opinião pública, para não mencionar o desprezo pela inteligência das pessoas (Hertsgaard, 1989: 346).

Aliás, Jeff e Marie Blyskal (1985) demonstraram o quão poderosa é a máquina de assessoria de imprensa da administração norte-americana, a partir da análise da cobertura noticiosa da invasão militar da ilha de Granada, em Outubro de 1983. Os autores demonstram que a imprensa norte-americana e internacional foi facilmente manipulada pelos assessores da Casa Branca, através do controlo 1) das fontes, 2) do conteúdo informativo, 3) do timing, 4) dos eventos e 5) até do processo de produção das notícias no interior das redacções (Blyskal & Blyskal, 1985: 20-24). Em concreto, a Casa Branca decidiu que a melhor forma de minimizar o impacto negativo da operação militar era centralizar a informação nos assessores de imprensa do presidente. Neste sentido, escolheram uma única fonte militar para falar e prestar declarações aos jornalistas e avançaram com um comunicado de imprensa e com as poucas fotos e vídeos da invasão à hora de fecho. Além disto, potenciaram algumas declarações e aparições da fonte

157

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

militar e até envolveram a CIA no acompanhamento da redação das notícias (Blyskal & Blyskal, 1985: 35 e 36). As primeiras notícias foram condicionadas pela forma estratégica como os assessores de imprensa montaram a operação de divulgação, mas também pelas tremendas e grosseiras falhas dos jornalistas. Os autores demonstram que os jornalistas deviam ter procurado outras fontes e os factos deviam ter sido cruzados e validados. Porém, os jornalistas preocuparam-se, sobretudo, em “preencher o espaço que estava vago nas páginas” e foram “preguiçosos” (Blyskal & Blyskal, 1985: 36). Mais uma vez, como as informações provinham de fontes oficiais, os jornalistas não as questionaram e assumiram-nas como automaticamente válidas. Para os autores, este episódio demonstra que os assessores de imprensa “jogam com as fraquezas do jornalismo”. Por isso defendem que, se os media cumprirem as mais elementares regras do jornalismo, forem responsáveis e tiverem ponderação na selecção dos factos, nunca serão “manipulados” pelas fontes profissionais de informação (Blyskal & Blyskal, 1985: 219-222).

5.2 Bernard Ingham: As fugas de informação como processo de controlo jornalístico

Também Margaret Thatcher, que era ideologicamente próxima de Reagan e tinha chegado ao poder em 1989, introduziu a PR-ized politics (Louw, Eric, 2010) nas técnicas de comunicação governamental no Reino Unido, pela ação de duas antagónicas figuras: Tim Bell e Bernard Ingham. Tim Bell foi a figura central da campanha eleitoral que levou Thatcher ao poder e, por isso, permaneceu ligado à governante como consultor externo, através das suas empresas Lowe-Bell e Good Relations. Bell defendia que a comunicação de um governo devia focar-se mais na publicidade e menos na assessoria de imprensa (Hollingsworth, 1997). Por sua vez, Bernard Ingham, que era o press secretary “residente”, via a assessoria de imprensa como a principal ferramenta de comunicação política. 158

E o conflito chegou logo nos primeiros anos de convivência. Há dois incidentes nas relações destes dois profissionais, descritos por Hollingsworth (1997), que ajudam a caracterizar bem as estratégias de cada um e que confirmam um habitual foco de conflito entre as estratégias de comunicação política e gerais: publicidade versus relações públicas. A primeira discordância de fundo ocorreu quando Bell pretendeu realizar uma conferência de imprensa marcante durante as férias do parlamento, timing potenciador de boas audiências por coincidir com a chamada sillyseason. Ingham discordou por achar que as pessoas, no Verão, já estavam cheias dos políticos e porque ia parecer “artificial” e “plantado”. A segunda divergência relevante foi motivada pelo pedido de entrevista a Margaret Thatcher formulado por

Michael Aspel,

celebridade do entretenimento com grandes audiências na ITV. Bell queria que a

primeira-ministra

aceitasse

e

Ingham

opôs-se

determinantemente

(Hollingsworth, 1997). As relações deterioraram-se por sucessivos casos de idêntico cariz, com Thatcher a privilegiar as orientações do seu press secretary. Bell acabaria por abandonar o Number 10. Todavia, esta dupla de assessores marcou profundamente a comunicação de Downing Street nos primeiros anos de mandato, ao ponto de inspirar umas das primeiras séries televisivas que retratavam o poder e o spin dos assessores de imprensa: Yes Minister. Bernard Ingham (1991), que chegou a descrever-se jocosamente como o “Yorkshire Rasputin” (Bernard Ingham cit. in Franklin, 2004 [1994]: 37), foi, assim, a figura central na comunicação do Governo conservador. Na sua emblemática obra Kill the Messenger...Again (1991), Ingham descreveu o que considerava serem as funções primordiais de um press secretary: Primeiro, “manter o diálogo” e as relações com os órgãos de comunicação social, em particular com o lobby, e “servir de ponte” entre o Number 10 e os jornalistas (Ibid.: 14). Segundo, “manter a ponte de comunicação aberta com base no respeito mútuo”, ou seja, os jornalistas fazem o trabalho que têm a fazer, mas devem ter noção das responsabilidades atribuídas a um assessor de imprensa: “Não 159

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

tenho intenção de lhes fazer qualquer disparate, mas espero que eles também não me façam a mim” (Ibidem). Terceiro, “ser ‘aberto” o quanto possível com a imprensa, tendo em conta as circunstâncias, e proporcionar uma boa leitura dos factos, evitando induzir os jornalistas em erro (Ibidem). Quarto, representar os pontos de vista e os interesses dos media junto do Governo e do primeiro-ministro. “Não agir como um canal de informação de uma só direção, mas como uma ponte de duas direções no fluxo entre Governo e media” (Ibidem). Quinto, reunir com o lobby o máximo de vezes possível, reconhecendo que os jornalistas querem ter acesso à fonte máxima que controla um determinado processo84 (Ibid.: 165). Sexto, “tratar os jornalistas de forma igual mas com atenção à organização que representam. A imprensa regional também tem o direito de reclamar a minha atenção (...). Tenho horror a instituições como a White Commonwealth, que selecionava jornalistas e lhes dava mais privilégios” (Ibidem). Por último, “assegurar que estou em posição de ir ao encontro das legítimas solicitações dos jornalistas – que é distinto das aspirações mais selvagens – através do meu acesso ao primeiro-ministro” (Ibidem) Parece que Bernard Ingham se esforçou, de facto, por cumprir estas premissas. Exemplo disso foi a sua crucial intervenção para permitir que a comunicação social acompanhasse algumas ações militares no conflito das ilhas Falkland, já que os militares se opunham à presença dos jornalistas (McNair, 2003 [1995]: 207). E soube separar a sua atividade no partido da do seu cargo público no Governo85, assim como compreender os limites da sua ação como assessor de imprensa (Jones, N., 1995b: 95).

84

O autor criou este irónico aforismo: “Journalists always want the organ-grinder, never the monkey” (Ingham, 1991: 165) 85 Mas Paul Manning acusa-o exatamente do contrário: “Ele [Ingham] foi também criticado por ter permitido que a distinção entre informação de serviço público e propaganda partidária ficasse manchada.” (Manning, 2001: 112)

160

Claro que eu tentei gerir as notícias. Eu tentei, Deus sabe como tentei, pôr os ministros a falar a uma só voz, se necessário colocar a circular um discurso standard (...). Eu tentei, e o inferno sabe como tentei, assegurar que os media tivessem bem cedo os documentos embargados para que houvesse tempo para digerir e preparar a informação antes de a publicarem (...). Eu tentei, e só o céu sabe como tentei, assegurar que o Governo não surgisse [na opinião pública] um único dia com duas, três e muito menos quatro e cinco grandes ideias políticas”(Ingham, 1991: 187 e 188).

Mas o rol de queixas e acusações que fazem a Bernard Ingham é muito extenso. Por isso, ficou também conhecido como master of leaks: por ser esta a forma como também “passava” informações aos media (Harris, R., 1990: 121; Schlesinger, 2006: 302); por escrever cartas às direções dos órgãos de comunicação social a fazer queixa dos jornalistas, quando estes faziam perguntas incómodas (Franklin, 2004 [1994]: 38); por intimidar e fazer bullying com os jornalistas (Manning, 2001: 113; Pitcher, 2003: 115) e colegas subordinados86 do gabinete (Pitcher, 2003: 18); pelas constantes recusas de entrevistas à “dama de ferro”, tendo, por exemplo, apenas permitido, em 11 anos de governação, seis entrevistas de Thatcher em televisão (Jones, N., 1995b: 19); pela instrumentalização da BBC a favor do Governo (Negrine, 1989: 166; Blumler & Gurevitch, 1995; Bennett, L. W. & Iyengar, 2008: 725); pelo exagerado investimento governamental, através do Government Information Service, em campanhas publicitárias (Blumler et al., 1996: 61; Manning, 2001: 110; Schlesinger, 2001: 113) e nos “estimados dez mil assessores de comunicação que davam quase um para cada três jornalistas” (Baistow, 1985: 69); por nunca ter permitido que o conteúdo dos seus briefings diários fosse citado em on the record, o que lhe garantia total impunidade nas declarações (Negrine, 1989: 137; Jones, N., 1995b: 86-87). Aliás, no seguimento desta última exigência, acabou por impor a regra de o citarem sempre como “fonte próxima da primeira-ministra” (Negrine, 1989: 138; McNair, 2004: 335).

86

A quem chamavam Bernard’s babes (Pitcher, 2003).

161

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

Com todas estas acusações, mais o facto de ser um workaholic e de ter centralizado nele toda a máquina de comunicação do Reino Unido (Franklin, 2004 [1994]: 40), o press secretary de Margaret Thatcher começou a ser apelidado, embora de forma não ostensiva, com um novo termo que tinha então surgido nos EUA para denominar pejorativamente os assessores de imprensa políticos: spin doctor (Guardian, 1989). 5.3 Popularização do ‘spin doctoring’

Foi durante a corrida eleitoral de Reagan à Casa Branca (contra Mondale, em 1984, mais concretamente no dia do segundo debate televisivo, a 21 de outubro) que um colunista de política do The New York Times, William Safire, usou pela primeira vez o termo spin doctor. Este foi o primeiro parágrafo do texto de Safire (1984): Tonight at about 9:30, seconds after the Reagan-Mondale debate ends, a bazaar will suddenly materialize in the pressroom of the Kansas City Municipal Auditorium. A dozen men in good suits and women in silk dresses will circulate smoothly among the reporters, spouting confident opinions. They won’t be just press agents trying to impart a favourable spin to a routine release. They’ll be the spin-doctors, senior advisers to the candidates, and they’ll be playing for very high stakes. How well they do their work could be as important as how well the candidates do theirs.

Atualmente, quando um comentador, jornalista, ativista ou político pretendem apelidar pejorativamente um assessor de imprensa político chamam-lhe, quase invariavelmente, spin doctor ou referem o spin ou o spinning da sua ação. O termo spin começou a tornar-se omnipresente e normalmente é usado de forma pejorativa. Mas spin, no senso político, é simplesmente a maneira favorável como qualquer governo procura apresentar as suas ações. Todos os governos fazem spin (Moore, M., 2006: 1).

É precisamente a esta mesma questão que procuramos responder no capítulo IV em que, depois de uma incursão pela história da propaganda, das relações públicas e da assessoria de imprensa, sem deixar de aflorar o próprio jornalismo e a política, pretendemos perceber quem são os spin doctors e em 162

que se distinguem (se é que realmente se distinguem) do modelo tradicional de assessoria de imprensa.

5.4 New Labour: Blair, Mandelson e Campbell

Em maio de 1997, Tony Blair87 ocupava o cargo de primeiro-ministro, depois da vitória eleitoral dos trabalhistas contra John Major. Na base dessa vitória encontrava-se a nova arquitetura do New Labour, desenvolvida por Peter Mandelson, e a eficaz gestão mediática de Alastair Campbell, atestando que “o spin era o processo central para toda a missão do partido”. (Franklin, 2004 [1994]: 4). Alastair Campbell ocupava então o lugar de press secretary e Peter Mandelson era promovido a ministro sem pasta, ficando igualmente como responsável pelo apoio à comunicação do governo. Entre as suas primeiras medidas constatam-se: 1) a preocupação em limpar e controlar o Government Information Service (antigo GOI); 2) o cuidado em centralizar a informação no press secretary, ao ponto de nem os ministros darem entrevistas sem a sua autorização e 3) o zelo para que os jornalistas que publicavam histórias sem validação de Campbell fossem ‘bullied’ e isolados das fontes do governo. (Franklin, 1997; Norton-Taylor & Black, 1997) O GOI havia sido sempre um departamento com funcionários públicos ao serviço do Estado88 e, apesar de, no tempo de Thatcher, terem sido levantadas algumas acusações de tentativa de instrumentalização partidária, era encarado como uma máquina que gozava de alguma neutralidade em relação aos partidos (Norton-Taylor & Black, 1997; Manning, 2010: 111). Todavia, Campbell, que o renomeou Government Information and Communication Service (GICS), foi acusado de colocar este organismo público ao serviço do partido quando chegou ao poder e despediu 18 funcionários seniores, contratando 60

87

Primeiro-ministro do Reino Unido entre mio de 1997 e junho de 2007. Para compreender melhor o GOI, e outras estruturas semelhantes que existem em alguns países da Europa do norte, consultar o artigo de Bard Édes (Édes, 2000).

88

163

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

novos ‘agentes de comunicação’ (Franklin, 1997; Schlesinger, 2001: 112). Tal ação forçou a abertura de um inquérito parlamentar (Jones, N., 1999: 216 e 217). Mais tarde o GOI centralizou a sua atividade numa moderna torre do centro de Londres, a Millbank Tower, pelo que a sua instrumentalização partidária começou também a ser apelidada de government millbankisation (Franklin, 2004 [1994]: 58). Mas a centralização da informação num press secretary não era nova. Bernard Ingham também o havia tentado. Como dissemos atrás, o expoente máximo desta prática teve a sua efetivação durante o período da administração norteamericana

de

Ronald

Reagan

(Kurtz,

1998).

Todavia,

a

máquina

governamental em Inglaterra era mais pesada e o governo era normalmente composto por uma estrutura de funcionário públicos e de nomeados políticos. Campbell, Mandelson e Jonathan Powell, chefe de gabinete de Blair, conseguiram impor uma ‘gestão de informação’ com mão de ferro, que se pautava pelo recurso frequente a processos disciplinares, ao ‘emprateleirar’ de funcionários e a despedimentos sumários (Franklin, 2004 [1994]: 59 e 60). Por consequência, nenhum membro ou funcionário do governo falava à comunicação social sem autorização prévia de Campbell (Manning, 2001: 110). A pressão exercida junto dos jornalistas que escreviam textos contra o governo assemelhava-se a uma pesada luta (Manning, 2001: 115). “Os jornalistas eram insultados em privado, acusados e injuriados publicamente e excluídos dos briefings diários de Downing Street” (Franklin, 2004 [1994]: 64). Ou então, eram ostracizados a ponto de verem a sua capacidade produtiva reduzida, restando-lhes observar as grandes ‘estórias’ passarem para as páginas dos jornais concorrentes. O editor do jornal The Guardian, Alan Risbridger, chegou mesmo a revelar que lhe foi oferecida uma ‘estória’ sob a condição de que esta viesse a figurar na primeira página do jornal. Caso contrário, Campbell passaria a informação ao concorrente, The Independent (cit in Franklin, 2004 [1994]: 63)

164

Percebe-se que, nessa altura, a informação do governo era regularmente escoada através do The Sun, o Times, o Sunday Times e a Sky Televison - o que poderia aparentar um mero acaso, não fosse o facto de todos estes órgãos de comunicação social pertencerem ao milionário australiano Rupert Murdoch. Por este motivo “os jornalistas que trabalhavam para este grupo sempre acreditaram que o proprietário australiano tinha um pacto com Tony Blair” (Franklin, 2004 [1994]: 63). O favorecimento de ‘fugas’ de informação para jornalistas amigos e colaborantes era também outra forma de premiar o bom comportamento, algo que fez renascer o White Commonwealth do tempo de Harold Wilson (Gaber, 2000: 272). Abundavam também acusações contra Campbell, por este dar “informações enganosas ou, pior, deliberadamente falsas” (Jones, N., 1999: 203) ou libertar a conta-gotas as informações sobre investigações políticas e criminais, com o objetivo de desviar e branquear as atenções das medidas governamentais (Jones, N., 1999: 252; Franklin, 2004 [1994]: 58). Campbell era uma das mais influentes personalidades britânicas e, tal como Ingham, tinha um estatuto igual ou superior a um ministro e uma proximidade muito grande com Tony Blair (Manning, 2001: 110; Seymour-Ure, 2003: 125 e 134; Franklin, 2004 [1994]: 41). Em 2000, Campbell apareceu no primeiro briefing diário, que se realizava sempre às 11 horas e apresentou-se com um novo título - Director of Communications and Strategy. Apesar não ter mudado a sua forma de atuação, percebia-se que a ascensão ao novo cargo era sinal de poder (Seymour-Ure, 2003). Quase todas as medidas, discursos e visitas de Blair eram previamente ‘vazadas’ para estes meios. Porém, a informação nunca era disponibilizada na totalidade. Tal técnica permitia a Campbell continuar a oferecer várias ‘cachas’ sobre o mesmo assunto, sem quebrar o compromisso da suposta exclusividade e sem deixar de servir a imprensa com a desejada antecipação (Rusbridger, 2001: 7). 165

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

As informações, eram avançadas sem revelação da fonte e sempre com um magistral domínio dos diferentes graus de confidencialidade jornalística. Não admira, portanto que no que tange concretamente à ‘gestão do off-the-record’, Campbell e Mandelson tenham sido apelidados de ‘demónios da pantomima’ (Walker, D., 2002). Acresce que “o poder dos spin doctors sobre jornalistas estava na restrição à sua liberdade” (Moloney, 2000c). Empreenderam, assim, uma campanha de vitimização com vista a descredibilizar a imprensa que entretanto iniciara um ataque à vida privada dos membros do governo. Tal guerra envolveu um investimento publicitário de 142 milhões de libras, durante o ano de 2002, cujo objetivo era contornar o mau relacionamento com a imprensa, comunicando por meio de canais próprios (Stanyer, 2003). Neste ínterim, dois casos 89 acabaram por chocar a opinião pública britânica e internacional, dando a estocada final em Alastair Campbell – os casos de Jo Moore e de David Kelly. Poucos minutos depois do ataque às torres gémeas, no World Trade Center em Nova Iorque, a 11 de setembro de 2001, Jo Moore, uma assessora de imprensa governamental ao serviço do Ministério dos Transportes, enviava um email aos colegas de governo em que sugeria: “Este é um bom dia para fazer qualquer coisa que nos ande a preocupar.” (Cit. in Franklin, 2004 [1994]: 3). A mensagem interna de Jo Moore chegaria à comunicação social, que a tornou pública, acrescentando-lhe um longo rol de ações desenvolvidas pelos spin doctors. Como consequência, instalou-se uma profunda indignação pela maquiavelismo contido em tal comportamento e Jo Moore acabaria por ser demitida. O outro spingate teve origem numa peça de investigação da BBC, da autoria de Andrew Gilligan, em que era revelado que o relatório científico sobre as alegadas armas nucleares existentes no Iraque, determinante para o ataque ao regime de Saddam Hussein, havia sido forjado pelo gabinete de Tony Blair.

89

Apelidados de ‘spingates’ (Yantao, 2012: 124)

166

Campbell e Powell não descansaram enquanto não descobriram a fonte responsável pela passagem de informação para a BBC. Com recurso aos serviços secretos, Campbell valeu-se do seu bom relacionamento com os órgãos de Murdoch, The Times e SKY, e desvendou o Dr. David Kelly, cientista e funcionário do Ministério da Defesa, como a fonte de toda a notícia (Oborne & Walters, 2004: 338-347). O

cientista

David

Kelly,

que

explicitara

claramente

a

exigência

de

confidencialidade como fonte informativa, viu então o seu nome envolvido num escândalo de dimensões planetárias, vindo a suicidar-se no dia 17 de junho de 2004. No inquérito aberto entretanto, presidido pelos juiz Brian Hutton, ficou demonstrado que David Kelly se havia suicidado depois de ter sido identificado como fonte da BBC (apesar de muitas teorias da conspiração criadas em torno das circunstâncias em que ocorreu o seu suicídio). No mesmo documento, Hutton acusava Campbell do uso indevido dos serviços secretos para a obtenção do nome de ‘Dr. Kelly’ e, apesar de ter ficado demonstrado que Campbell não tinha qualquer interferência no dossier do Iraque, acabou por ser responsabilizado pela morte do cientista (Sommerville, 2004: 37-39). Nesta altura, a atuação de Campbell e dos spin doctors tinha atingido o auge da visibilidade, dando origem a centenas de artigos e publicações onde eram denunciados

os

efeitos

nefastos

que

tinham

sobre

o

jornalismo

e,

consequentemente, na democracia. Outras obras, porém, atestavam que o spin doctoring não era uma atividade nova e que sempre havia sido praticado por qualquer governo ou instância do poder90. Quanto a Campbell, não resistiu e pediu a demissão em agosto de 2003, apesar das repetidas tentativas de Tony Blair para que não o fizesse (Oborne & Walters, 2004: 352). No dia 30 de agosto, o The Times e o The Independent

ostentavam títulos

como, respetivamente, The end of Labour’s spin cycle? e Exit the spinmeister

90

Ver, por exemplo, Thomas Langley: The first spin-doctor (1363-1437) de Ian Sharman (1999); The father of spin de Larry Tye (1998); The origins of modern spin (1945-51) de Martin Moore, M. (2006); From soapbox to soundbite de Martin Rosenbaum (1997); A Century of Spin de David Miller e William Dinan (2008); entre muitas outras obras.

167

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

sobre a queda do ‘master of spin doctors’ de Tony Blair. Manchetes que se traduziriam, para muitos jornalistas que acompanhavam as incidências de Downing Street, na derrota de novos e obscuros processos de assessoria de imprensa (Somerville, 2004: 32). Todavia, a prática do spin doctoring não era nova. Na verdade, é tão antiga quanto o jornalismo. As práticas de Campbell haviam já sido repetidamente usadas pelos assessores de imprensa ao serviço de governos norte-americanos e britânicos. Como refere Colin Seymour-Ure (2003: 144), a forma como Bernard Ingham lidou com a imprensa no tempo de Thatcher, viria a chamarse spin doctoring dez anos mais tarde. Esta é, pelo menos, a opinião do editor de política do The Guardian, Hugo Young: Tony Blair não inventou o spin político. […] Mas Blair e o New Labour serão sempre uma referência para a melhor aula de spinning. Ninguém que, no futuro, queira incluir-se no lote de Alastair Campbell, vai querer fazer menos bem do que ele. E Campbell foi o expoente supremo. Mas também é fantasticamente utópico imaginar que, de alguma forma, o spin chegará ao fim com a Era-Campbell. (2003:S/P).

Atualmente, só no Reino Unido, mais de 55 mil pessoas trabalham numa indústria de 6,5 milhões de libras onde o spin doctoring é uma das atividades nucleares (SpinWatch, 2008: 6). Existem mesmo associações e observatórios, públicas e privadas, que acompanham e fiscalizam toda esta indústria de grande poder. Uma das que tem mais implantação é a SpinWatch (2008) e o seu guia: Spinning the Wheels – A guide to the PR and lobbying industry in the UK. 5.5 George Bush: Negative spin

A chegada ao poder de George Bush91, em janeiro de 1989, representou uma mudança radical no paradigma de controlo do acesso ao presidente dos EUA. Tal como Roosevelt e Kennedy, o novo presidente abriu a Casa Branca aos

91

Presidente dos EUA entre janeiro de 1981 e janeiro de 1993.

168

jornalistas e cultivou proximidade pessoal com os repórteres. Eram frequentes as conferências de imprensa informais, os almoços e os vários momentos de confraternização,

num

estilo

que

tinha

ficado

congelado

desde

a

administração de Kennedy. Mas, com esta ação o presidente não procurava visibilidade mas controlo, pois Bush sempre teve uma postura low-profile. Reagan fez verdadeiras notícias para o corpo de imprensa da Casa Branca. [...] Bush, em

contraste, oferecia pouco mais que uns soudbites

indecorosos quando os tanques chineses entraram em Tiananmen ou quando o muro de Berlim caiu... (Diamond, 1991: 191).

Tal como refere Maltese (1992: 217), Bush “preferiu sempre interagir com repórteres nos bastidores, a encenar oportunidades fotográficas elaboradas”. A prova deste comportamento pode encontrar-se quando se estabelece uma comparação entre as 336 aparições televisivas durante os primeiros cem dias do executivo e as 790 de Reagan ou as 906 de Carter, durante o mesmo período. “Bush compreendia a importância de controlar as fugas, afinal estas são o leite materno do jornalismo de Washington” (Diamond, 1991: 191) Curiosamente, Bush tinha um comportamento inverso durante as campanhas eleitorais, dominadas por um estilo de contenção de mensagens e um extremo cuidado com as oportunidades fotográficas (Maltese, 1992: 217). Sob a direção de David Damarest, a comunicação da Casa Branca recebeu uma missão cuja grandeza se assemelhava à do Creel Committe e que viria a tornar-se um fator marcante da comunicação: a Guerra do Golfo. Da mesma forma como durante a I Guerra os alemães foram transformados em demónios, também Saddam Hussein teria de ser transformado em inimigo público número um para os norte-americanos (Miller, D. & Dinan, 2008: 105). Se há uma forma de rotular esta administração, será certamente pela comunicação negativa que sempre tentou desenvolver contra os seus adversários políticos, quer durante as campanhas, quer nos trabalhos do Congresso. Tal técnica havia, aliás, funcionado em pleno durante a campanha para as primeiras eleições (1988) contra Michael Dukakis, já que o candidato democrata respondia a todos os ataques negativos. Nas eleições de 1992, 169

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

porém, a tentativa de replicar a técnica da campanha negativa revelou-se fatal porque Bill Clinton conseguiu criar uma analogia entre os ataques do presidente e o seu desespero (Bennett, L. W., 2012: 97). 5.6 Clinton: Spin cycle

Tal como Reagan, Bill Clinton 92 parecia ter sido criado e moldado para encaixar nos padrões estéticos dos media, nomeadamente das televisões. Um político simpático, telegénico, com um discurso fluido e light que permitia seduzir a audiência e criar uma relação “pseudo pessoal” (Louw, Eric, 2010: 93). Dee Dee Myers, a primeira press secretary de Bill Clinton, foi também a primeira mulher na história a ocupar tal cargo. Embora colhesse grande simpatia entre os jornalistas, cedo se percebeu que não era talhada para o lugar - era ineficiente e desligada da política. Em 1993 viria a protagonizar um episódio que demonstrou claramente a sua fragilidade e que ditou o seu afastamento: depois de Dee Dee Myers ter tranquilizado o corpo de correspondentes da Casa Branca com a lip93 do dia, Clinton lançou um ataque de mísseis contra o Iraque. Os jornalistas ficaram furiosos e a press secretary perdeu definitivamente a credibilidade. Não pela sua falha especificamente, mas pelo facto de isso ter confirmado o que há muito se desconfiava: que Myers não era próxima do presidente (Kurtz, 1998: xviii). Foi então que Mike McCurry assumiu a coordenação da relação da Casa Branca com a imprensa e criou um conjunto de procedimentos mecanizados que Kurtz viria a apelidar de spin cycle (Kurtz, 1998). Neutralizar os media começou a ser o grau zero desta luta pela supremacia e o spin era, com toda a clareza, uma importante substância (Kurtz, 1998: xxi).

92

Presidente dos EUA entre janeiro de 1983 e janeiro de 1981. Lip (tampa) é a expressão usada nos EUA, nomeadamente na Casa Branca e Congresso, para anunciar que nesse dia não haverá mais atividade política. É semelhante a declarar: “Podem ir embora que hoje não há mais notícias”. 93

170

À semelhança do que acontecia durante a administração Reagan, este press secretary começava o dia com uma reunião de equipa94, às 7h45, onde era escolhido o tema e o seu enquadramento, com base na ordem do dia dos media, muitas vezes definida anteriormente por estes. Elaboravam os documentos a distribuir aos correspondentes95 durante o primeiro background briefing da manhã. Às 12h30 o porta-voz fazia a primeira declaração ao país. Os contactos posteriores eram definidos de acordo com a agenda pública do presidente ou de acordo com as necessidades do dia (Ibid.: 3-5). Trabalhavam como se estivessem em campanha eleitoral permanente (Louw, Eric, 2010: 94). Bill Clinton não se expunha à comunicação social sem um guião e um soundbite ensaiado. Tal como Reagan, o presidente não tinha encontros informais com a imprensa, pois era McCurry quem se ocupava dessa tarefa. Mantinha relações de grande proximidade com alguns jornalistas “com quem jantava, bebia umas cervejas e em que uma piscadela de olho ou um aceno de cabeça eram suficientes para dar a entender a linha daquela administração” (Ibid.:15). Mas este tratamento não era comum a toda a imprensa. Havia diferentes ritmos no relacionamento, que tinham como resultado o acesso favorecido para uns jornalistas e “masmorras” para outros. De um lado os privilegiados: traficantes de opinião [opinion-mongers] de grandes grupos de comunicação social, entre os quais se destacavam William Safire, do jornal New York Times, Richard Cohen, do The Washington Post e Wolf Blitzer, da CNN; do outro lado o grupo perseguido [dogged band] composto por jornalistas de investigação como Bob Woodward, do Post, Glenn Simpson, do The Wall Street Journal, ou Allan Miller, do Los Angeles Times (Ibid.: 37).

94

Destacam-se George Stephanopoulos como assistente para a assessoria de imprensa e porta-voz (Ver Waldman , 2000); Dick Morris para os new media; e Marlin Fitzwater como porta-voz. Este último tinha sido press secretary de Bush. 95 Como curiosidade, segundo Kurtz (1998: 3) o Washington Post citava como “fontes não identificadas da administração ...” [administration unnamed sources as saying ] o New York Times usava “a chefia da administração de Clinton...” [a top Clinton administration oficial].

171

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

Na aceção de Kurtz (1998: 15-17), McCurry ia muito além das funções de um press secretary. Era uma celebridade equiparável a uma rock star e gozava de grande credibilidade junto dos jornalistas porque definia temas e comunicava ao presidente o que este deveria ou não dizer. No fundo, “conduzia o pensamento do presidente” (Ibid.:16). O escândalo sexual com Monica Lewinsky e a má relação com o assistente e consultor de comunicação de Bill Clinton, Mark Gearan, ambos causa de desentendimentos, acabaram por ditar o afastamento de McCarry e a sua substituição por Joe Lockhart e, posteriormente, por Jake Seiwest. Apesar de opiniões que consideram a sua ação como uma réplica do modelo de gestão de comunicação de Reagan, o spin control (Maltese, 1992), certo é que McCurry deixou a sua marca na comunicação da Casa Branca, nomeadamente pelo pioneirismo no contacto direto com o cidadão através do email.

5.7 George W. Bush: Spin war

A administração de George W. Bush96 teve também inicio com uma mulher a assumir o cargo de press secretary. Karen Hughes acompanhava Bush há muito, nas suas atividades políticas no Texas. A sua principal preocupação recaía sobre pormenores como a linguagem usada pelo presidente ou pelo porta-voz da Casa Branca e a imagem televisiva. Karen Hughes era o protótipo de uma operacional de relações públicas que se preocupa com o detalhe das aparições do presidente. Ao fim de quinze meses passou a consultora externa e foi substituída pelo antigo colega, Dan Bertlett (Fritz et al., 2004: 20). Sob a direção de Dan Bertlett a equipa 97 de comunicação da Casa Branca passou a ter como linha estratégica de comunicação: 1) a preparação e o

96

Presidente dos EUA entre Na equipa de comunicação da Casa Branca o seu diretor, Dan Bertell, contava com David Frum, como speechwriter, Scott Sforza, assessor de imagem/televisão, Karl Rove, para a comunicação política, Vitoria Clarke, no relacionamento com os media, Charlotte Beers, como publicitária, e mais duas dezenas de outros peritos em diversificadas áreas de comunicação.

97

172

ensaio (do conteúdo e imagem) de todas as aparições de Bush e 2) o controlo da circulação de informação de toda administração. A “campanha permanente” do presidente resulta do aproveitamento das técnicas de gestão de imagem e spin doctoring iniciadas por Bill Clinton e Ronald Reagan (Fritz et al., 2004: 237)

Quem superintendia a estratégia da comunicação política era Karl Rove. Por meio de sondagens, focus groups e outras técnicas de recolha estatística, Rove coordenava as mensagens chave de todos os spin doctors espalhados pelos diferentes departamentos de estado. Tratava-se de uma central de informação que fiscalizava as mensagens políticas de todo o Governo e que levou Michael Deaver a interpretar que sob a administração de Bush existiu a “mais disciplinada Casa Branca da história” (Cit. in Fritz et al., 2004) O governo de Bush ficou indelevelmente marcado por dois acontecimentos de enorme relevância: os atentados de 11 de Setembro de 2001 e a Guerra do Iraque. Imediatamente após os atentados ao World Trade Center foi criada uma célula de crise para gerir a comunicação com elementos da Casa Branca e consultores externos – o Office Special Plans (OSP), que passados alguns meses passou a denominar-se White House Iraq Group (WHIG). Este último concentrava elementos da CIA e, entre outras ações, deu inicio a uma guerra de ódio e patriotismo entre a opinião pública contra Saddam e o Iraque, reiterando as ações do Creel Committe e as práticas do seu pai. A ação política de Rove teve sempre dois pressupostos: as coisas más só acontecem aos adversários políticos e estas são tornadas públicas por fugas ou por terceiros (Moore, J. & Slater, 2007: 6)

Por conseguinte, a estratégia de comunicação de George W. Bush e do seu principal cérebro, Karl Rove, poderá figurar na história sob a epígrafe “attack, attack, attack” (Moore, J. & Slater, 2005: 162) já que mesmo as photo opportunities criadas continham uma vínculo à guerra. Exemplo disso foi a imagem de campanha criada em torno de uma visita ao porta-aviões Abraham Lincoln. Equipado com a farda da USA Air Force, o presidente entrou num cockpit com a inscrição: George W. Bush - Commander-in-Chief. Bennett 173

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

apelidou esta ação de spin doctoring de “a mãe” ou “a maior de sempre” de todas as foto-oportunidades (Bennett, L. W., 2012: 45). Em The Archictec: Karl Rove and the dream of absolute power (2007), um segundo livro biográfico (não autorizado) de Rove da autoria de James Moore e Wayne Slater, os autores descrevem este ímpeto da seguinte forma: “In Rove’s campaign plan, the war was not policy; it was politics” (Moore, J. & Slater, 2007: 97) Em face das debilidades que o presidente Bush sempre apresentou durante os contactos espontâneos com a imprensa, Rove restringia as suas aparições públicas a ambientes encenados, testados e, sempre que possível, com edição da imagem a cargo da máquina de relações públicas do governo. Paralelamente aos discursos preparados e ensaiados, o presidente foi sendo protegido de gafes 98 e perguntas incómodas. Um packaging blindado por ‘pseudo-eventos’, que sendo embora artificiais, eram bem sucedidos aos olhos da opinião pública (Louw, Eric, 2010: 96). 5.8 Obama: Spin 2.0

A campanha eleitoral de Barack Obama, em 2009, veio demonstrar o grau de sofisticação que o spin doctoring havia atingido entretanto. O

diretor

de

comunicação

da

administração

Obama,

David

Axelrod,

especializado em trabalhar com candidatos negros, destacou-se pela gestão de uma enorme e dispendiosa máquina de comunicação, englobando técnicas de marketing, ferramentas de internet e o tradicional voluntariado. Mas a grande inovação foi a precursora utilização das redes sociais, tais como o Facebook, o Twitter, o My Space ou o Youtube e outras mais segmentadas como o GLEE (LGBT) e Black Planet (comunidade negra), usados como principais meios para a distribuição da mensagem política. Eram mensagens que apreendiam aspetos tidos como negativos, como a diferença racial, por exemplo, convertendo-a em elemento positivo, quer pelo destaque da origem

98

As gafes eram conhecidas na opinião pública como bushisms (Jamieson & Waldman, 2003: 62-63).

174

dos EUA, quer pelo enfoque dado à problemática do retrocesso civilizacional que seria criado caso a escolha do voto fosse influenciada pela cor da pele do candidato. Técnica essa, aliás, similar à usada pela equipa de comunicação de Kennedy para contornar o facto de este ser católico (Louw, Eric, 2010: 98). Outra característica inerente às campanhas de Obama prende-se com as centenas de equipas de filmagem espalhadas por todos os estados. Os conteúdos produzidos serviriam para 1) distribuir como VPR; 2) base de anúncios publicitários; 3) produção de filmes de cinco minutos para internet. Cerca de dois mil vídeos com conteúdos cuidadosamente produzidos foram disponibilizados num canal de Youtube, conferindo à campanha, não só uma marca de sofisticação, mas também de interação com o eleitorado. Da mesma forma como Roosevelt havia emitido um programa semanal de rádio, Obama disponibilizava um vídeo a cada semana onde expunha as suas mensagens99 (Louw, Eric, 2010: 99). Outro suporte inovador para a difusão das suas mensagens políticas foi a APP Obama para iPhone que se tornou, durante a campanha, “na aplicação mais popular da iTunes Application Store” (Groeling, 2010: 199). Tal estratégia funcionou em pleno pois, de acordo com a Pew Internet & American Life Project, nas eleições de 2008, cerca de 35% do eleitorado assistiu a estes conteúdos on-line e 25% admitiu ter acedido à web para descarregar e assistir a vídeos partidários. Na base dos dados estatísticos, encontram-se outros dados que demonstram que o uso de internet para fins políticos aumentou, entre 2000 e 2008, de 16% para 40%. Todos os dados incluem o efeito da introdução de smart phones no mercado norte-americano (Smith & Rainie, 2008). Ainda outra estratégia dos spin doctors de Obama foi a criação de uma poderosa base de dados. Através de uma campanha nacional de recolha de voluntários, a equipa liderada por Axelrod conseguiu reunir mais de 10

99

O vídeo mais popular na campanha de 2008, com mais de quatro milhões de visionamentos, foi um que mostrava Obama a matar uma mosca durante a gravação. Em contraste, o discurso no Congresso sobre a reforma da saúde, em setembro de 2010, teve pouco mais que quatro mil consultas (Groeling, 2010: 202)

175

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

milhões de endereços de email e contactos telefónicos de apoiantes, localizados pelo código postal. O cruzamento dos dados permitia chamar personalizadamente os apoiantes para participar nas caravanas politicas do candidato, mas eram de igual forma uma potencial fonte de divulgação das promessas de Obama junto de familiares e vizinhos (Ibid.: 100). A segmentação foi igualmente levada ao extremo pela comunicação de Obama. O site do candidato, chamado de MyBO, incluía secções para cidadãos de origem hispânica, asiática, africana e do Pacífico, bem como um constante apelo ao fornecimento de dados pessoais e familiares para a base de dados da campanha. Mas também foi crucial para angariar uns inéditos 150 milhões de dólares em donativos particulares que “permitiram a produção dos seus próprios espetáculos em forma de anúncios de TV... em eventos orquestrados para atrair os media” (Kellner, 2009: 714). A estratégia comunicacional de Obama contemplou de igual modo a relação com os media e uma vincada tentativa de controlar a sua agenda e os seus conteúdos. A “Obama’s spin-team” (Louw, Eric, 2010) tinha um manual de respostas pré-programado, com base nos pontos fracos detetados em focus groups nacionais. Distribuíam press-releases de forma massiva e apostavam em contactos personalizados por um dos 85 assessores de imprensa. A tentativa de condicionar a cobertura noticiosa era orquestrada pela criação de ‘pseudo eventos’, produzidos como grandes espetáculos nacionais onde havia sempre momentos para a foto-oportunidade perfeita e para o soundbite ensurdecedor. Nas campanhas presidenciais [norte-americanas], há foto-oportunidades diárias e eventos de media, temas e pontos do dia em que os candidatos destacam as suas narrativas. E a narrativa de Obama desde o início estava sempre ligada ao espetáculo, pois representa a capacidade de reunir pessoas de diferentes orientações políticas, cores e etnias, idades e origens regionais (Kellner, 2009: 715)

A política 2.0 (Gomes, W. et al., 2009; Sadeghi, 2012) ou a internet revolution (Gainous & Wagner, 2011) resultou na vitória de Obama e veio a determinar a forma como a comunicação da Casa Branca seria trabalhada. A equipa de 176

comunicação de Obama, inicialmente liderada por Robert Gibbs, tentou mesmo aumentar os mecanismos de participação cívica e a transparência na administração através da internet (Sevin et al., 2011). Verificou-se então que tais ferramentas contribuíram para inverter a tendência de afastamento dos cidadãos em relação à política (Levenshus, 2010). A importância dos media digitais, que vieram transformar de várias maneiras a comunicação da campanha de 2008, continuou a ser a âncora das mensagens do mandato desta administração [de Obama] (Bennett, L. W., 2012: 143).

Não é por acaso que Barack Obama figurou durante um certo período de tempo em primeiro lugar na lista de personalidades com mais seguidores no Facebook (mais de 35 milhões), no Twitter (mais de 27 milhões) e no Instagram (dois milhões). Os seus opositores acusam Obama de bater todos os recordes na despesa pública com a comunicação e de ser um populista através do lobbying e da propaganda (Phillips, D. J., 2009). Exemplo disto é Jay Carney, o atual press secretary, cujo salário é o mais alto da Casa Branca (Meckler, 2011). Outra acusação frequente é a tendência ‘pró-Obama’ dos media. Wolfsfeld (2011: 67-68), num trabalho sobre tendências do jornalismo político, é perentório em afirmar que “quase toda a gente concorda que a imprensa norte-americana sente um reluzente amor por Obama” e demonstra que este favorecimento acompanha a vontade e a percepção dos eleitores.

6. Portugal na viragem para o século XXI A transição dos anos 80 para os anos 90 do século XX foi pródiga em transformações no panorama mediático português. Se, por um lado, houve uma redução do número de jornais diários (desapareceram O Diário, O Tempo, o Diário Popular e o Diário de Lisboa, por exemplo), por outro, verificou-se a expansão das rádios locais, a abertura do espectro televisivo a operadores privados, o nascimento de pequenas e médias empresas de audiovisual e a 177

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

afirmação dos primeiros grupos nacionais de media. Neste contexto, acentuase o fosso de audiências entre os jornais e os meios de comunicação audiovisuais, com vantagem para estes últimos (Nunes e Reis, 1994: 396). É também neste período que a imprensa popular-sensacionalista, inspirada nos tabloides britânicos, ganha relevo, com o sucesso do Tal & Qual, de A Capital e sobretudo do Correio da Manhã. Mas, quase em simultâneo, o jornalismo de referência é consolidado com a criação do diário Público, em março de 1990, que obriga, por sua vez, a uma profunda renovação editorial do Diário de Notícias (1992), que entretanto havia sido privatizado juntamente com outros órgãos de informação (Jornal de Notícias, O Comércio do Porto, Rádio Comercial, etc.). Privatização, essa, que veio acentuar a tendência para um maior descomprometimento político-ideológico dos jornais. Também no setor dos semanários se verificaram transformações importantes, com o aparecimento do Semanário, a conversão de O Jornal na revista Visão e o sucesso de O Independente, que chegou a beliscar a liderança do Expresso neste segmento (Nunes e Reis, 1994: 396). Mas foi nos meios audiovisuais que se deram as mudanças mais profundas, fruto da abertura da televisão ao setor privado, do licenciamento das rádios locais, da atribuição das novas redes radiofónicas de frequência nacional e do nascimento da primeira rádio de notícias: a TSF (1988). Quer o dinamismo da estação de rádio fundada por Emídio Rangel, quer o início das emissões da SIC (outubro de 1992) e da TVI (fevereiro de 1993), vieram refrescar a informação produzida nos audiovisuais portugueses e intensificar o debate público das grandes questões nacionais. O arranque da atividade televisiva privada obrigou, inclusivamente, a RTP a praticar um jornalismo menos oficioso, embora tenha tido, por outro lado, o efeito perverso de estimular o sensacionalismo informativo e uma certa popularização das programações (Nunes & Reis, 1994: 396). Até ao final do século e à entrada no novo milénio, há a assinalar ainda, no panorama mediático português, o boom das publicações especializadas, designadamente as destinadas a um público feminino (Máxima, Elle, Marie 178

Claire, etc.) e as dedicadas à vida social (Caras, VIP, Nova Gente, etc.). Merece natural destaque a criação de jornais e revistas especializados em assuntos económicos, como o Diário Económico (1989), o Jornal de Negócios (1997), a Exame ou o OJE, que se tornaram interlocutores preferenciais da assessoria empresarial. Entre os jornais de referência, sublinhe-se o nascimento do semanário Sol, da revista Sábado e do diário i, que, contudo, não alteraram significativamente o cenário neste segmento. Nos tabloides, convém registar a fragorosa emergência do 24 Horas, que entretanto viria a ser vítima dos seus próprios excessos e desapareceria em 2010. Neste período, o principal fator de mudança do panorama mediático português foi o despertar dos media digitais. A internet, os blogs, as redes sociais (Facebook, Twitter, Instagram, etc.) e as plataformas móveis (smartphones, tablets, computadores portáteis, etc.) vieram alterar o paradigma de consumo dos media, embora a televisão continue a ser o meio predileto dos portugueses.

Perante

o

novo

paradigma,

os

meios

de

comunicação

tradicionais foram forçados a adaptarem os seus conteúdos em papel ou analógicos ao formato digital. Hoje, jornais, televisões e rádios têm os seus portais de notícias na web, produzem conteúdos multimédia, estão presentes nas redes sociais e desenvolvem aplicações para plataformas móveis. Ora, este contexto mediático de cunho eminentemente tecnológico teve, como é natural, consequências no exercício do spin doctoring, que passou a usufruir de novas ferramentas de relacionamento com os jornalistas, de manipulação da informação e de influência sobre a opinião pública. Voltando ao foco do nosso estudo, os anos 80/90 são marcados pela procura de uma prática jornalística pós-censura e pós-PREC desejavelmente mais livre, independente e isenta. Contudo, o jornalismo encontrou do outro lado um poder político que resistia à mudança – tivemos, até, um primeiro-ministro que se gabava de não ler jornais, Cavaco Silva. Na verdade, no panorama mediático português manteve-se o caráter instrumental de alguns jornais

179

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

(como o Semanário, assumidamente contra o “bloco central”100 e próximo de uma tendência interna do PSD, a “Nova Esperança”), a promiscuidade entre política e jornalismo (atente-se, por exemplo, no percurso de Paulo Portas da direção de O Independente para o CDS/PP e a influência política do expresidente do PSD, Marcelo Rebelo de Sousa, com o seu comentário dominical na TVI) e as notícias “encomendadas” (O Independente foi pródigo num suposto “jornalismo de investigação” que mais não era do que sussurros aos ouvidos dos jornalistas, vindos dos gabinetes do poder e motivados não apenas por estratégias políticas mas também por rivalidades, ódios pessoais e ajustes de contas) (Serrano, 2006a: 74-77). À entrada do novo século, a tensão entre jornalistas, políticos e seus assessores foi crescendo de intensidade, como se percebe pelas inúmeras polémicas vindas a lume. Desde as alegadas pressões de David Damião, assessor de imprensa de José Sócrates, para que informações plantadas sobre a licenciatura do ex-primeiro-ministro não fossem noticiadas à

trapalhada

entre Manuel Maria Carrilho e o consultor de comunicação António Cunha Vaz, passando pelo caso das “escutas de Belém” envolvendo Fernando Lima, não faltam exemplos de ações de spin doctoring visando manipular a opinião pública através dos media. De resto, contamos com a presente investigação, nomeadamente no Capítulo V, identificar, atráves do método de entrevistas, contornos mais sombrios desta relação triangular entre políticos, jornalistas e spin doctors. No final de 2013, uma outra revelação pública expõe com crueza várias ações de combate político subterrâneo, de contrainformação, de assassínio de caráter e de manipulação de factos através dos media digitais, em particular blogs e redes sociais. Nas páginas da Visão (Carvalho, Miguel, 2013: 48-51), o consultor de comunicação Fernando Moreira de Sá deu a conhecer estratégias que, no seu conjunto, configuram uma “campanha negra” para promover a ascensão de Pedro Passos Coelho a líder do PSD. Estratégias essas que

100

IX Governo Constitucional (1983-85), formado com base num acordo de incidência parlamentar entre o PS e o PSD.

180

passavam, inclusivamente, por denegrir Manuela Ferreira Leite e por instrumentalizar José Pedro Aguiar-Branco, um dos oponentes do atual primeiro-ministro nas eleições internas de 2010. Importa sublinhar que esta “campanha negra” terá, segundo o referido consultor, contado com a cumplicidade de jornalistas e o envolvimento de agências de comunicação. No seu blog Abrupto, o historiador, político social-democrata e opinion maker Pacheco Pereira comenta assim as revelações de Fernando Moreira de Sá: Quatro páginas da Visão retratam, na voz de um dos participantes (que não quer que se esqueçam do seu papel), como, sob a batuta de Miguel Relvas, um grupo de autores de blogues e jornalistas, ajudou a ascensão de Pedro Passos Coelho, o "derreter" de Manuela Ferreira Leite, o papel de Aguiar Branco, e, mais tarde, a transumância desta gente para o poder. (…) Aqui tem parte da história. Agora falta ir mais longe na relação com a comunicação

social,

embora

haja



muitos

jornalistas

envolvidos

diretamente em operações de desinformação e combate político. Sem consequências, bem pelo contrário (Pacheco Pereira, 2013b: S/P).

Mas o mais revelante da entrevista é, em nossa opinião, as potencialidades dos media digitais para manipularem informação de forma simples, barata e em larga escala. Segundo Fernando Moreira de Sá, o “braço armado” da estratégia digital então implementada era o blog Albergue Espanhol e o modelo seguido foi o do blog socialista Câmara Corporativa. “O Corporações [também é conhecido deste modo] (…) era o braço armado de Sócrates, na blogoesfera. Tinha acesso a fontes privilegiadas e informações do foro privado dos adversários. Só podia funcionar dentro do gabinete da Presidência do Conselho

de

Ministros…”

(Carvalho,

Miguel,

2013:

48),

assegura

o

entrevistado. Refira-se, em talhe de foice, que no Albergue Espanhol participavam jornalistas no ativo, como Pedro Correia, Luís Nave e Francisco Almeida Leite, e os consultores de comunicação Rodrigo Saraiva e João Villalobos, além de Fernando Moreira de Sá. O funcionamento desta estratégia digital foi assim descrito na Visão: “Existia um mail acessível a um grupo fechado, através do qual recebíamos 181

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

informações, linhas gerais, provenientes de quem estava a preparar o programa do Passos. No início, nem sabíamos quantos éramos. Cada um desenvolvia aquilo, nas redes sociais e na blogoesfera, à sua maneira. Utilizávamos isso no Fórum da TSF, no Parlamento Global, da SIC, no Twitter, etc.” (Ibidem). O consultor consegue, na mesma entrevista, ser ainda mais específico quanto aos métodos utlizados: “Nos primeiros minutos [do debate entre os três candidatos à presidência do PSD: Passos, Aguiar-Branco e Paulo Rangel], começámos a ‘tuitar’ como se não houvesse amanhã, dizendo que Rangel estava nervoso e mais fraco do que o esperado. Criou-se um ambiente negativo que se propagou rapidamente. Ao fim de cinco minutos, ríamos até às lágrimas! Até opinion makers repetiam o que dizíamos!” (Ibid.: 50). Particularmente eloquente sobre as potencialidades dos media digitais é a descrição da campanha contra o então primeiro-ministro, José Sócrates. “A contrainformação era a praia do grupo à volta de Sócrates. Tínhamos nick names para as redes sociais, perfis falsos no Facebook e por aí adiante, mas éramos uns meninos de coro comparados com os tipos deles. Não há virgens nisto: em qualquer campanha eleitoral, existem centenas de perfis falsos, mas perfis com ‘vida’, que incluem fotografias de ‘família’, ‘clube de futebol’, ‘gostos’, etc. O segredo é ir pedindo ‘amizade’ a pessoas da política e alargar os círculos de ‘amigos’. Se deixarmos uma informação sobre o caso Freeport101 num perfil falso e ele for sendo partilhado, daqui a pouco já estão pessoas reais a fazer daquilo uma coisa do outro mundo”102, disse Fernando Moreira de Sá à Visão. Em suma, a web com as suas redes e rotinas de utilização é terreno fértil para toda a sorte de boatos, nomeadamente de cariz político. A facilidade e velocidade de propagação são óbvias, dispensando até o contributo dos jornalistas. O que é publicado nas redes sociais não tem tanta credibilidade

101

Caso de “campanha negra” em que José Sócrates é acusado de ter permitido, enquanto ministro do Ambiente, o licenciamento em zona protegida de um shopping em Alcochete à empresa britânica Freeport, depois de uma alegada intervenção do tio e do primo e em troca de “luvas”.

182

como uma notícia ou um comentário nos media, mas chega a muita gente incauta e pode, de facto, intoxicar a opinião pública. A eficácia da desinformação e da contrainformação produzidas através de estratégias digitais é, portanto, uma oportunidade para o spin doctoring, um risco para o jornalismo e um enorme desafio para a Democracia moderna.

7. Síntese Conclusiva Da

leitura

deste

capítulo

ressalta,

desde

logo,

a

ideia

de

que,

independentemente dos contextos históricos analisados, existiram sempre tentativas de condicionar a produção noticiosa por parte dos profissionais de relações públicas e/ou assessores de imprensa. Tal não significa, contudo, que essas tentativas tivessem invariavelmente uma intenção malévola ou perversa. Significa, isso sim, que está na natureza destes profissionais influenciar a opinião pública através dos media, de acordo com os interesses de quem representam. Daí que, reiteradamente, a relação entre assessores de imprensa e jornalistas se revista de alguma tensão. Os interesses de uns e de outros são, muitas vezes, antagónicos, senão mesmo conflituantes. O poder de influência social das relações públicas foi, logo no século XIX, intuído por políticos e suas organizações, em particular nos países anglosaxónicos. Assim se explica que, ao longo da História, esses mesmos políticos se tenham rodeado de assessores de imprensa, os quais, por seu turno, fizeram dos círculos de poder o seu habitat natural. Assessores e políticos teceram laços fortes de cumplicidade, tendo do outro lado da trincheira os jornalistas. Entre um lado e o outro está a opinião pública, que vai mais ao menos

moldando

os

seus

comportamentos

em

função

da

dinâmica

comunicacional construída pelas duas partes. Há, contudo, uma série de nuances em tudo isto. Assessores e jornalistas não são, necessariamente, inimigos figadais. Pelo contrário: é frequente, ou mesmo rotineira, a colaboração entre os dois lados da barricada. Não será exagero afirmar que, atualmente, não vivem uns sem os outros, interagindo 183

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

através de trocas de informação constantes. Esta realidade não oblitera, contudo, a distinta natureza dos respetivos objetivos profissionais. Mais: é a consciência dessa distinta natureza que promove o bom desempenho profissional tanto de assessores como de jornalistas. Quando essa consciência não é aguda, gera entorses no cumprimento das funções de ambos os profissionais. Como vimos neste capítulo, a submersão das relações públicas na política começou logo no dealbar do século XIX. Podemos, aliás, definir cinco grandes períodos históricos nas relações entre assessores e jornalistas: a passagem do século XIX para o século XX; o intervalo entre a primeira e a segunda Grande Guerra; o pós-guerra; os anos 80/90; e a atualidade. As relações públicas como hoje as concebemos nasceram, efetivamente, no início do século XX. Para tanto, contribuiu decisivamente Ivy Lee, que se considerava um doctor of publicity. Enquanto tal, assumiu que a sua função era comunicar factos ou divulgar notícias, por oposição aos press agentries, que, dizia, agenciavam anúncios. Apesar da destrinça conceptual feita por Lee, há que dizer que, à época, tanto publicists como press agentries gozavam de baixíssima reputação, sendo qualificados de profissionais da mentira, de vigaristas ou, pelo menos, de fantasistas. Um pouco mais tarde, as relações públicas conhecem um forte impulso com a I Guerra Mundial. A necessidade de uma opinião pública favorável à participação dos EUA no conflito levou, por exemplo, o presidente norteamericano Woodrow Wilson a criar o Committee on Public Information. Neste comité pontificavam jornalistas, professores, intelectuais, press agents, editores, artistas e outros opinion makers norte-americanos. Ao reunir esta elite, o presidente do Committee on Public Information, George Creel, assegurou a credibilidade das mensagens propagandísticas difundidas sobre a guerra pelo referido organismo público. O conceito de propaganda tornou-se, então, omnipresente nas sociedades mais evoluídas da época. Mas seria apenas em 1922 que Walter Lippmann, com a obra Public Opinion, demonstraria que o poder residia não no 184

condicionamento coercivo do cidadão, mas sim na sua obediência voluntária a uma

opinião

pública

apática.

Deste

modo,

Lippmann

identificou

a

incapacidade dos cidadãos comuns em serem racionalmente objetivos perante acontecimentos que ocorrem na comunidade envolvente. A esta incapacidade Lippmann chamou de “manufatura do consenso”. Outro contributo importante para a compreensão da propaganda e do papel das relações públicas na sua concretização foi dado por Edward Bernays, também ele membro do Committee on Public Information. Considerado um dos homens mais influentes da sua época, Bernays foi o primeiro a aplicar nas estratégias de relações públicas os princípios freudianos que enfatizavam a importância dos impulsos irracionais na ação humana. As técnicas de persuasão pública passaram a ter em atenção as teorias do tio de Bernays, Sigmund Freud, passando as relações públicas a ser encaradas como um instrumento em prol da “engenharia de consensos”. Com base nas premissas psicossociais freudianas, Bernays logrou transmitir valores em vez de funcionalidades nas suas campanhas de relações públicas, tanto com fins comerciais como com fins políticos. O período que se seguiu foi de igual importância para o avanço das relações públicas. Franklin Roosevelt, um dos mais carismáticos presidentes norteamericanos, deu um novo impulso à assessoria de imprensa. Perante o abalo financeiro e as provações sociais decorrentes da Grande Depressão, a extraordinária capacidade de comunicação de Roosevelt foi determinante para liderar um país exangue. O instinto natural do presidente para a comunicação interpessoal, aliado à situação de emergência nacional, estimularam a expansão das atividades de relações públicas. Com a entrada dos EUA na II Grande Guerra, nova etapa se define na evolução das relações públicas ao serviço da política. Por decisão do Congresso, foi criado um novo departamento de informação: o Office of War Information, que tinha os mesmos propósitos do Committee of Public Information. Propósitos esses que passavam, essencialmente, por controlar a sociedade norte-

185

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

americana através da propaganda, obtendo assim a sua anuência em relação à participação no conflito mundial. O período do pós-guerra, por seu turno, promoveu significativamente as relações públicas devido ao crescimento económico da altura. Os media tornaram-se mais poderosos e influentes (watchdog journalism), sendo a televisão alcandorada a meio por excelência de promoção política103. Com o empoderamento da comunicação social, houve um reforço da máquina de news management. Consequentemente, foi criado um ecossistema favorável ao crescimento e à profissionalização das fontes de informação. De resto, os censos de 1960 e 1970 nos EUA registaram um aumento de profissionais de relações públicas de 31 mil para e 76 mil! O poder e a independência dos media acentuam-se um pouco mais nos anos 80. Há um boom noticioso, na esteira da tendência vinda do pós-guerra. Perante isto, o ecossistema político procurou novas e mais sofisticadas formas de se proteger das investidas dos jornalistas. A ascensão de Ronald Reagan à presidência

norte-americana

significou

uma

maior

assertividade

na

comunicação política e no uso de fontes institucionais, tendo em vista a subtil manipulação dos media. Em maior ou menor grau, os governos das democracias ocidentais tendiam então, e até hoje, a gerir os destinos dos seus países em função dos media. O termo spin começa, pois, a ser usado para designar os estratagemas dos governos para “venderem” as suas ações políticas da forma mais atraente. O spin vem, aliás, num crescendo de sofisticação, tendo esta tendência se acentuado entre as presidências norte-americanas de Reagan e Obama, sem esquecer o advento do New Labor, no Reino Unido. A gestão da informação tornou-se mais profissional e rigorosa, ao mesmo tempo que aumentaram as pressões sobre os jornalistas. Embora se deva ter em conta que quer Bush pai quer Bush filho tiveram de gerir o impacto mediático das duas invasões do

103

Diamond & Bates (1984) defendem, na obra The Spot, que a televisão nunca foi uma meio jornalístico para os políticos mas antes um forma de publicidade política [political advertising]. No entanto, recordam que quando este meio chegou foi aclamado como factor de aproximação à opinião pública: “A televisão trouxe de novamente o governo para o meio do povo” (Ibid.: 74).

186

Iraque, enquanto Clinton se viu a braços com um escândalo sexual. Obama, por seu turno, terá atingido o zénite da sofisticação do spin, mercê, sobretudo, do inusitado uso das redes sociais e da internet em geral na sua campanha eleitoral. Portugal chega tarde a esta corrida e o 25 de Abril de 1974 trouxe, inicialmente, pouco mais do que uma liberdade respaldada pelas ideologias políticas. Só nos inícios de 90, e pelas assessorias de imprensa ao serviço da Presidência da República, é que a assessoria de imprensa cristaliza a sua atividade. Um tema que iremos analisar no Capítulo V.

187

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

188

Capitulo  III   A  assessoria  de  imprensa  na   indução  de  notícias  

189

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

190

   

“All good work is done in defiance of management.” (Bob Woodward, 1994 in CBS News' 20th-anniversary: Watergate documentary 1994)

Introdução Antes de ler o seu próximo jornal, assistir ao próximo noticiário televisivo ou desfolhar a próxima revista, pergunte a si mesmo: ‘Sei realmente donde veio a informação que vou digerir? Quem é quer que eu leia isto?’” (Michie, 1998: 1)

É com este primeiro parágrafo da obra The invisible persuaders que David Michie (1998) questiona, perentoriamente, uma das atividades que mais parecem contribuir para a indução noticiosa: a assessoria de imprensa. De facto, o excerto aqui publicado é particularmente eloquente na forma como traduz

as

dúvidas,

suspeitas,

incertezas

sobre

a

origem



e,

consequentemente, sobre a veracidade – da informação que consumimos diariamente. É inquietante verificar que a célebre frase de Eça de Queirós – “sobre a nudez forte da verdade, o manto diáfano da fantasia” – se aplica a muita da produção noticiosa atual, graças justamente a essa atividade tão esconsa quanto ubíqua que é a assessoria de imprensa. 191

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

Vários estudos comprovam a influência da assessoria de imprensa na produção noticiosa, enquanto técnica para parasitar a credibilidade do jornalismo, “a nudez forte da verdade”, com o intuito de transmitir informações buriladas para um determinado fim, cobrindo-as, muitas vezes, com “o manto diáfano da fantasia”. Importa ressalvar, contudo, que essa influência não só é perfeitamente legítima – faz parte das regras do jogo mediático, digamos – como tem diferentes cambiantes, em função do comportamento do jornalista e das dinâmicas próprias da redação onde este realiza a sua atividade. O investigador e jornalista do Guardian, Nick Davies (2008), por exemplo, demonstrou 104 que “20% das notícias continham elementos claros ou eram cópia” de textos enviados pelas assessorias de imprensa. Mais: 54% dessas mesmas

notícias

seguiam

um

‘fio

condutor’

dado

por

agências

de

comunicação ou gabinetes de imprensa; eram, por assim dizer, orientadas do exterior. “Em apenas 12% dos casos se pode dizer que o material [noticioso] foi gerado pelos próprios repórteres” (Davies, 2008: 52), diz o estudo realizado em 2006, juntamente com o departamento de jornalismo da Universidade de Cardiff, sobre as fontes das notícias publicadas em cinco quality papers e um popular paper do Reino Unido. Como referimos no capítulo anterior, Davies cria o conceito de churnalism para classificar as notícias assim produzidas105. Outros estudos centrados na eficácia da assessoria de imprensa revelaram que os press releases estão presentes em mais de 50% das notícias publicadas nos EUA (Cameron et al., 1997), enquanto na Austrália os jornais dos grandes centros urbanos publicaram, segundo uma outra pesquisa igualmente fidedigna, 47% do seu produto noticioso com base em informações disponibilizadas por textos de agências de comunicação ou de gabinetes de

104

Através de um estudo desenvolvido pelo departamento de jornalismo da Cardiff University que analisou duas semanas aleatórias, no ano de 2003, de notícias de quatro jornais britânicos – The Times, Guardian, Independent e Daily Telegraph. Um estudo que acabou por reunir como amostra com um total de 2,207 notícias (Davies, 2008: 52). 105 A Media Standards Trust, uma associação privada do Reino Unido que procura promover um jornalismo livre e de interesse público, tem um sítio na internet – www.churnalism.com – onde monitoriza permanentemente as notícias que são parcial ou totalmente copiadas de press releases.

192

imprensa. Já em Portugal, Vasco Ribeiro (2009) provou que cerca de 60% das notícias do noticiário político da imprensa diária, entre 1990 e 2005, foram induzidas pelos assessores de imprensa dos partidos políticos, de governos e de outras entidades privadas e públicas. Apesar de, como vimos, a assessoria de imprensa ser desde há muito um fator indissociável da produção noticiosa global, é ainda difícil definir esta atividade e posicioná-la entre as muitas outras técnicas de comunicação institucional. Por isso, procuramos neste capítulo enumerar os objetivos fundamentais da assessoria de imprensa, delimitar o seu campo de atuação e identificar as estratégias, técnicas ou metodologias que mais comummente emprega. Importa reter, para já, a ideia de que a assessoria de imprensa é uma ferramenta das relações públicas. Podemos imaginar o vasto mundo da comunicação institucional como uma boneca matrioska, em que as diferentes técnicas ou ferramentas vão encaixando umas nas outras. Esta imagem é importante para perceber que dentro do corpo bojudo das relações públicas, assim descritas pela sua dimensão abrangente, está a silhueta um pouco mais esguia da assessoria de imprensa, que, para além de embrionária (como vimos no Capítulo II), tem uma natureza mais operacional e pragmática. Esta natureza operacional está, em boa medida, consubstanciada no trabalho que é desenvolvido junto dos jornalistas, com quem importa ter um relacionamento profícuo. A capacidade de induzir a cobertura noticiosa de determinado evento, designadamente a partir de textos previamente redigidos e difundidos para os media (os press releases, sobretudo), afigura-se como o cerne da assessoria de imprensa. Facto que aproxima esta atividade da propaganda, da persuasão e, paradoxalmente, do próprio jornalismo. Isto leva-nos aos conceitos de “informação subsidiada” e de “pseudo-eventos”, que, como veremos mais à frente, são fundamentais para entender a assessoria de imprensa. A “informação subsidiada” é aquela que é trabalhada para se tornar apetecível para o jornalista, em função das regras deontológicas da profissão, das rotinas das redações e do interesse do público num determinado contexto histórico (não confundir com interesse público). Já os 193

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

“pseudo-eventos”,

um

termo

criado

por

Daniel

Boorstin

(1961),

são

acontecimentos artificialmente criados apenas para serem notícia.

1. Relações públicas ou jornalismo? A assessoria de imprensa é a ferramenta mais importante das relações públicas, na opinião de vários autores de referência (Cutlip et al., 2000; Bailey, 2006; Skinner et al., 2010). Há uma lógica de precedência, bem materializada na frase “as relações públicas na infância foram assessoria de imprensa” (Cutlip et al., 2000: 10). A assessoria de imprensa afigura-se, até, como o “coração das relações públicas” (Seitel, 2010), no sentido em que é uma atividade que, basicamente, “ajuda as organizações e o público a adaptaremse um ao outro” (Coombs & Holladay, 2007: 2). Há também autores que definem a assessoria de imprensa numa perspetiva de apoio ao trabalho jornalístico, através de um rigoroso e sistemático “fornecimento aos media de subsídios de informação” (Coombs & Holladay, 2007: 23). Neste sentido, a assessoria de imprensa seria “factual e noticiável” (Yale & Carothers, 2001: 2) ou até mesmo “jornalisticamente neutral” (Bailey, 2006: 312). Outros autores há, porém, que são mais prolixos na caracterização da assessoria de imprensa e menos crédulos na suposta neutralidade dos seus intentos. ...o propósito da assessoria de imprensa não é distribuir press releases ou manipular pedidos de informação dos jornalistas, nem gerar uma pilha de recortes de imprensa. O verdadeiro propósito é aumentar a reputação de uma organização e dos seus produtos, assim como influenciar e informar o público-alvo (Theaker, 2004: 148).

Mas, no Brasil, a putativa neutralidade da assessoria de imprensa está, digamos, quase institucionalizada. Neste país, os assessores de imprensa não só são considerados relações públicas como ostentam a carteira profissional de jornalista. Carlos Chaparro (2001) defende esta ideia, dizendo que a

194

assessoria de imprensa, tal como a conhecemos hoje, nasceu com um jornalista, Ivy Lee, e “a capacidade profissional das fontes beneficia o processo jornalístico”. Também argumenta que os assessores de imprensa, ao colocarem o número da carteira de jornalista numa nota de imprensa, se responsabilizam superlativamente pelo respetivo conteúdo (Chaparro, 2001: 50 e 51). Tudo isto entronca no conceito de ‘jornalismo institucional’, o qual “transcende o antigo conceito de asseassoria de imprensa, pois não se coloca a serviço apenas de seus clientes, corporativos e públicos, mas dos media e, por extensão, da sociedade” (Viveiros & Eid, 2007). Por isso, certos autores brasileiros consideram a assessoria de imprensa como “um dos quatro blocos de referência para o exercício do jornalismo” (Lopes, B., 1999: 10) e uma “atividade que presta um serviço especializado, coordenando as atividades de jornalismo,

relações

públicas,

publicidade

e

propaganda”

(Kopplin

&

Ferraretto, 2001: 11). Sabemos que cruzar o jornalismo com a propaganda cria repulsa a qualquer jornalista europeu ou norte-americano, pois estão-lhes associados “rituais estratégicos de objetividade” e “trabalham duro para maximizar a sua autonomia” (Cook, 1998: 6 e 7). Mas será que faz algum sentido colar a assessoria de imprensa à propaganda e/ou à persuasão?

2. A assessoria de imprensa e a propaganda O termo propaganda foi usado pela primeira vez pela igreja católica, no século XVII, mais concretamente em 1622, com a Congregação para Propagandear a Fé (Fawkes, 2006: 268). Aliás, nos dicionários do século XIX, propaganda era definida como a “vulgarização de ideias, evangelização, propagação de princípios” (S/A, 1885: 1011). O termo tinha então uma conotação benigna, bem diferente, portanto, da que se reveste hoje. A percepção e o conceito contemporâneos levam-nos a associar a propaganda à “mentira”, ao “engano”, à “lavagem de cérebro” (Cull et al., 2003: 317) ou mesmo a “falsas e

195

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

exageradas” informações (Dicionário Universal da Língua Portuguesa, S/A, 2005: 1210). O estudo da propaganda no século XX surgiu no rescaldo da I Guerra Mundial. Ambos os lados da contenda empregaram métodos para alterar a opinião pública, além de procurarem infundir medo nos adversários (Ponsonby, 1929). Na sua obra Propaganda, Edward Bernays (1928) dá conta de que o termo “carrega para muitas mentes uma conotação desagradável” e de que os dicionários de inglês tinham “infelizmente distorcido o sentido da palavra” (Bernays, 1928: 20 e 21). O autor sublinha ainda que esta conotação negativa nasceu em reação aos efeitos desenvolvidos, durante a I Guerra Mundial, pelo Creel Committe – comité informativo norte-americano criado pelo presidente Woodrow Wilson, no qual o próprio Bernays participou, tal como referimos no capítulo anterior. Na vertigem do conflito, os cidadãos perceberam o quanto foram enganados e manipulados (Koppang, 2009: 118). Também Scott Cutlip (1994) é da opinião de que toda a ação dos propagandistas americanos na I Guerra Mundial contribuiu para a má conotação do termo (Cutlip, 1994: 106-107). Para alguns autores (Domenach, 1975; Morris & Goldsworth, 2008; Lattimore et al., 2012), contudo, foi a monstruosidade nazi que destruiu o conceito epistemológico de propaganda. Argumentam que Adolph Hitler e Josef Goebbels não só se inspiraram como distorceram substantivamente as obras de Le Bon (2001 [1896]), Tarde (1910), Lippmann (1982 [1922]) e Bernays (1928), produzindo, como é sabido, uma propaganda baseada no terror, na mentira e na destruição humana. Na verdade, o descrédito em que o conceito caiu não se deveu apenas à ação das ditaduras e dos regimes totalitários, onde a propaganda da ideologia dominante estava confinada ao que era considerado correto – logo, não havia a preocupação de difundir considerações ou justificações éticas. Importa, nesta matéria, não subestimar o papel das democracias liberais modernas na diabolização da propaganda e no delapidar do seu goodwill.

196

As democracias contemporâneas também contribuíram para o desgaste da propaganda, pois os governos, grupos económicos, associações públicas e privadas têm vindo a tentar induzir, sistemática e organizadamente, conteúdos informativos específicos nas atitudes e nas opiniões dos grupos e dos indivíduos da sociedade (Albig, 1958: 30).

A ideia de um efeito coletivo da propaganda está no cerne dos estudos de Harold Lasswell, provavelmente o teórico que mais contribuiu para a compreensão

deste

fenómeno

comunicacional.

Considerado

um

dos

fundadores da psicologia política, Lasswell define propaganda como “a gestão de atitudes coletivas pela manipulação de símbolos com significado” (Lasswell, 1927a: 627). Premonitoriamente, o psicólogo norte-americano afirmou que a presença constante da propaganda na sociedade iria tornar-se irreversível e, com o desenvolvimento tecnológico, seria mais eficaz. No entanto, tentou contrariar a ideia generalizada de que a palavra representa uma desleal manipulação do pensamento público ou a criação de mentiras definitivas (Ibid..: 630-631). Em contraponto, outro psicólogo, Leonard Doob, define propaganda como “a tentativa de afetar as personalidades para controlar o comportamento dos indivíduos em direção a fins considerados não-científicos ou de valor duvidoso” (Cit. in Willcox, 2005: 13). Também Vance Packard (1957), autor de uma importante obra crítica da propaganda, The Hidden Persuaders, descreveu esta atividade comunicativa como uma “manifestação deliberada de opinião ou ação por parte de um indivíduo ou de um grupo, com o objetivo de influenciar as opiniões ou ações de outras pessoas” (Packard, 1957: 39). Refira-se ainda William Albig, que salienta que a propaganda atua “pela seleção de materiais favoráveis ao interesse do emissor e pela supressão das informações desfavoráveis”. Neste sentido, acrescenta: ... não há nenhuma tentativa de apresentar os factos objetivamente, mas antes uma distorção deliberada pela seleção e pelas declarações parciais e deliberadamente enganosas. O propagandista visa alcançar aceitação pública das conclusões, não para estimular a lógica de análise do mérito

197

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal da

causa.

É

óbvio

que

a

propaganda

tem

pouco

respeito

pela

personalidade humana (Albig, 1958: 30).

Já Pratkanis e Turner (1996) entendem os métodos da propaganda como “tentativas de mover um destinatário para um determinado ponto de vista, usando imagens simples e slogans que truncam o pensamento por meio de preconceitos

e

emoções”

(Pratkanis

&

Turner,

1996:

190).

Para

O'Shaughnessy (2004: 3, 7) a propaganda é uma informação plástica que recorre a mitos, símbolos e retórica e que tem como técnicas-chave a manipulação, ataque, engano, hipérbole, fantasia, emoção e utopia. Para Domenach (1975: 60) a propaganda tem as seguintes “leis e regras de uso”: 1) A lei da simplificação e do inimigo único que passa pela “concentração do tiro num só alvo durante um dado período” (Ibid..: 63) e “a concentrar sobre uma única pessoa as esperanças do campo a que pertencemos ou o ódio pelo campo adverso” (Ibidem); 2) A lei da amplificação e da desfiguração através da “ampliação exagerada das notícias” (Ibid..: 67); 3) A lei da orquestração com recurso à insistência obstinadamente sobre um tema central e apresentá-lo sob diversos aspectos” (Idib.: 69); 4) A lei da transfusão é a técnica de explorar a adesão ou o ataque a determinadas ideias através da história, preconceitos, sentimentos conscientes e inconscientes de um determinado povo; e 5) A lei da unanimidade e do contágio que segue o apostolado de que “os homens tendem, antes de tudo, a harmonizar-se com os seus semelhantes” (Ibid.: 80) e por isso há que criar mensagens e imagens de grande unanimidade e apoio à volta de determinadas ideias e ações. Todos estes autores enfatizam as implicações negativas da propaganda, sugerindo que os objetivos desta atividade são eminentemente perversos e têm consequências nefastas para a comunidade. Uma abordagem que parece ignorar o facto, preconizado por Lasswell (1927a, 1927b) ou, mais recentemente, por Willcox (2005) e Jowett e O’Donnell (2012), da propaganda poder também ser usada para fins neutros ou positivos. O intuito da propaganda é o de transmitir uma ideologia para uma audiência com um objetivo relacionado (...); uma imagem credível para manter a

198

legitimidade entre uma clientela, ou uma empresa, que procura impedir a concorrência para o seu produto; um plano cuidadoso e predeterminado de manipulação de símbolos pré-fabricados... (Jowett & O'Donnell, 2012: 33).

Estes últimos autores categorizaram a propaganda em branca, cinzenta e negra. A branca provém de “um emissor identificado e tendencialmente verdadeiro”. Na negra, a fonte está escondida ou creditada numa falsa autoridade; daí que este tipo de propaganda representa a “grande mentira” e todos os tipos de engano criativo, como a coloração indicia. Oscilando entre a branca e a preta, a propaganda cinzenta é aquela em que a fonte pode ou não pode ser identificada corretamente, embora continue a não ser garantido o rigor da informação. Há um denominador comum aos três modelos: procuram obter benefícios para o propagandista (Jowett & O'Donnell, 2012: 7, 17-20). Perante a questão da eventual diferença entre assessoria de imprensa e propaganda, que muito interessa a este estudo, Morris e Goldworthy (2008) defendem que “não há nenhuma distinção moral: ambas as práticas são essencialmente amorais, capazes de servir qualquer causa”. No entanto, ressalvam que “na prática existe uma grande diferença: a ubiquidade da propaganda”. Ou seja, a propaganda pode ser vista como uma ‘orquestra de persuasão’ porque “tenta explorar todas as possibilidades do pensamento e da ação humana”, usando “a arte, a arquitetura, o design de interiores, a literatura, a música, o vestuário, a publicidade, as cerimónias rituais, os discursos, os desfiles, o desporto... qualquer coisa e em qualquer lugar onde os sentidos do homem estão presentes” para tentar persuadir. A assessoria de imprensa, por sua vez, tem uma ação limitada aos órgãos de comunicação social (Morris & Goldsworth, 2008: 109). Na opinião de Moloney (2000a), também não há qualquer diferença porque ambas as atividades, assessoria e propaganda, manipulam a mensagem fazendo com que ela pareça “ser livre de qualquer interesse originário”. Mais: essa putativa manipulação é realizada “de forma afirmativa e nunca argumentativa e/ou interpretativa”, com a agravante de muitas vezes ser “baseada na exploração de emoções negativas, como a ganância, a inveja, a 199

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

superioridade social e a luxúria” (Moloney, 2000a: 80). Também WhitakerPenteado (1968) vê as relações públicas como “a arte de aglutinar e orquestrar todos os meios de comunicação social em favor de determinados fins” (Whitaker-Penteado, 1968: 3), o que claramente entronca na definição de propaganda. Há autores ainda mais radicais nesta matéria, para quem a assessoria de imprensa é um sinónimo camuflado de propaganda. Referimo-nos, por exemplo, a Boorstin (1961), a Herman e Chomsky (1988), a Michie (1998), a Ramonet (2000), a Miller e Dinan (2008) e a Littlewood (2002). Este último autor chega mesmo a defender que os assessores de imprensa “têm vindo a fazer ainda melhor o que já habitualmente faziam: tentar controlar o que as pessoas pensam ou sentem em relação a qualquer coisa” (Littlewood, 2002: 21). Também Gisela Machado (2012: 214) refere que a identidade e a imagem das relações públicas estão manchadas pelo facto de a assessoria de imprensa estar “muito conotada com o tráfico de influências e manipulação da esfera jornalística”. Além disso, o facto de as atividades de relações públicas serem praticadas nos bastidores, em nome de indivíduos, empresas, governos e outras organizações, explica em parte o porquê de não terem uma identidade pública transparente, o que também contribui para muito do mistério que envolve esta indústria em expansão (Ibidem).

Mais moderado, John Tulloch (1993) prefere chamar ‘gestão de notícias’ [news management] à “tentativa de uma organização ou indivíduo influenciar sistematicamente a cobertura dos media através, primeiro, de uma produção planeada de informação e eventos e, segundo, da criação de um manipulador relacionamento com jornalistas e editores” (Tulloch, 1993: 367). Christopher Spicer (1993) segue a mesma linha de raciocínio: ... há muitas definições subjetivamente incorporadas nas relações públicas que sugerem que os profissionais estão menos preocupados com a

200

verdade do que com a proteção de uma imagem ou de um cliente. (...) o aspeto mais preocupante dos resultados da análise temática é o uso esmagadoramente uniforme do conceito de relações públicas para sugerir uma tentativa de controlar ou manipular a verdade para alguns fins duvidosos” (Spicer, 1993: 59 e 60).

Edward Bernays (1928) sempre teve opinião contrária. Apesar do sentido original da palavra propaganda ser “perfeitamente legítima para a atividade humana”, admite o autor, o seu uso está conotado com a “disseminação deliberada de mentiras”, acrescenta. Portanto, a assessoria de imprensa – vista aqui como ferramenta das relações públicas – não tem nada que ver com esta definição, na medida em que os seus profissionais procuram meramente obter uma comunicação positiva (Bernays, 1928: 22 e 151). Também Grunig e Hunt (1984) desenvolveram um modelo de relações públicas que fundamenta a sua ação nos aspetos positivos da comunicação, assim como nos interesses mútuos do persuasor e do persuadido. Trata-se do modelo simétrico bidirecional. Mas os próprios autores desta fundamentação teórica ressalvam que, nos anos 80, a grande maioria dos relações públicas (85%) ainda se encontrava nos três modelos anteriores a estes: o propagandístico, o de informação pública e o assimétrico bidirecional. Recorde-se que estes modelos são descritos como manipuladores e propagandísticos e, por isso, simétricos na mensagem. Sendo que simétrico pode também ser lido como sinónimo de propaganda (Grunig & Hunt, 1984: 24, 55-60). Os regimes democráticos evoluíram e a propaganda está hoje, aparentemente, limitada por padrões éticos e legais. Aliás, foram criadas, pelo menos nas democracias ocidentais, organismos públicos que controlam e limitam a ação da assessoria de imprensa, das relações públicas, da publicidade e, mais recentemente, das redes sociais. A assessoria de imprensa envolve a gestão do relacionamento com os media – todos os redatores, editores e produtores de informação que contribuam e controlem o que aparece impresso, transmitido ou on-line. Como em todas as relações, um certo grau de reciprocidade é exigido: o

201

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal relacionamento deve servir os interesses dos media, ao mesmo tempo que serve os interesses daqueles que financiam os assessores de imprensa

(Bailey, 2006: 312). À guisa de conclusão, importa salientar que a generalidade dos estudiosos do fenómeno da assessoria de imprensa, tanto na vertente empresarial como na institucional,

tendem

a

considerar

esta

atividade

como

eticamente

responsável, transparente nas suas ações e positiva nos seus efeitos. Isto significa que traçam uma fronteira, mesmo que ténue, entre a assessoria de imprensa e a propaganda e publicidade. Contudo, no plano prático, essa diferença conceptual não é inteiramente líquida, principalmente quando a assessoria de imprensa está ao serviço de decisores políticos, partidos, movimentos cívicos e de lobbies em geral – facto, aliás, que ficou bem comprovado no capítulo anterior. Assim sendo, não nos parece descabido considerar a assessoria de imprensa como propaganda, se se considerar que o objetivo desta ferramenta de relações públicas é colocar as instituições sob uma “luz favorável” (Ascherson, 1986), destacando aspetos positivos e minimizando os negativos. De igual forma esta consideração ganha pertinência a partir dos conceitos de news management (Tulloch, 1993) ou de spin doctoring (Kurtz, 1998; Schlesinger, 2006).

3. A assessoria de imprensa e a persuasão Outro conceito sistematicamente associado à assessoria de imprensa é o de persuasão. Trata-se da “atividade de demonstrar e de tentar influenciar a conduta de, pelo menos, uma pessoa mediante uma interação simbólica”, defende Reardon (1991). Ou, dito de outra forma, é o ato ‘consciente’ e ‘intencional’ de comunicar e influenciar (Reardon, 1991: 26 e 27). Persuasão baseia-se, pois, no “debate, discussão e cuidadosa consideração de opções” (Pratkanis & Turner, 1996: 191). Mas pode, igualmente, ser visto como uma ‘arte de influenciar’, sendo que “toda a comunicação constitui uma tentativa de influência”. Por isso, “comunicar e influenciar formam uma única e mesma ação” (Mucchielli, 2002: 173). 202

Dito isto, é mais facilmente entendível a ideia de persuasão como uma elementar forma de aprendizagem – a par com o princípio da associação, da imitação e da comunicação –, que “requer altos níveis de funcionamento cognitivo e de consciência” (Mucchielli, 2002: 70). Por conseguinte, a sua eficácia depende de múltiplas e complexas características por parte do emissor, da mensagem, do meio e do receptor. Interessa-nos, neste contexto, compreender a mensagem e o emissor. Sabe-se, por exemplo, que as mensagens que produzem satisfação e são úteis têm maior aceitação. Pelo contrário, uma mensagem que provoque ruturas nos valores pré-estabelecidos do emissor ou o force a admitir falhas, defeitos e incapacidades intelectuais e/ou físicas causa repulsa e negação (Mucchielli, 2002: 75 e 76). É sabido também que o emissor tem maior sucesso se for conhecido,

se

tiver

credibilidade

social

e

se

conseguir

ser

representativo/referência da imagem do recetor. São, aliás, estes atributos do emissor que sustentam parte das teorias das fontes na sociologia do jornalismo (Mucchielli, 2002: 123 e 126). Mas a persuasão também tem uma conotação negativa. Muitos autores usam a expressão ‘persuasão de massas’, quando se querem referir à propaganda. E o que explica este entendimento é o facto de, para se conseguir persuadir, ser necessário ter um ‘extremo controlo’ sobre o meio envolvente e a mensagem. Importa referir, a propósito, que nesta circunstância o ‘controlo’ pode ser visto como sinónimo de manipulação (Miller, G. R., 1989: 46) e como fórmula de sucesso da propaganda (Miller, D. & Dinan, 2008: 173). Para Fawkes (2006), há cinco conceitos-chave que determinam a eficácia da persuasão contemporânea: 1) A intenção que desencadeia o ato e que “se possível deve ser positivo e bem-intencionado”; 2) o livre arbítrio “sem constrangimentos”; 3) a verdade deve ser uma norma fundamental porque o oposto traz sempre prejuízo; 4) a autonomia das audiências porque o diálogo favorece a persuasão; e 5) a ética comunicacional porque aumenta a credibilidade da fonte (Fawkes, 2006: 271 e 272).

203

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

Por aqui se percebe que a assessoria de imprensa é, eminentemente, uma atividade persuasora. De resto, o termo ‘assessoria de imprensa’ em inglês – publicity – define a atividade que produz “qualquer informação favorável sobre algo ou alguém que vise estimular o interesse público ou procure aumentar a consciência” sobre um determinado produto, serviço ou ideia (Danesi, 2009: 244). Ainda dentro deste significado, o próprio jornalismo também pode ser visto como uma atividade persuasora (McNair, 2003 [1995]: 22). [A assessoria de imprensa] tem como objetivo: informar as pessoas de como fazer uma escolha ou a compra de um produto ou serviço; persuadir o consumidor para comprar (os nossos) produtos e serviços; neutralizar equívocos sobre (os nossos) produtos, serviços ou organização; conseguir que os clientes entrem (na nossa) loja ou website; fornecer informações ao público sobre a (nossa) organização; atrair pessoas para um ou mais eventos e incrementar a sua tendência; atrair pessoas para o voluntariado; recrutar quadros qualificados; conseguir pessoas que votem nas (nossas) causas; atingir os públicos-alvo e proteger a (nossa) organização de pequenas ações judiciais (Yale & Carothers, 2001: 3 e 4).

4. O relacionamento dos assessores com os jornalistas Outro aspeto que define a assessoria de imprensa é o próprio relacionamento com os profissionais de comunicação social, visto que o processo de produção de notícias contempla esta relação interprofissional. A criação das notícias é sempre uma interação de repórter, diretor, editor, constrangimentos da organização da redação, necessidade de manter os laços com as fontes, os desejos da audiência, as poderosas convenções culturais e literárias dentro das quais os jornalistas frequentemente operam sem as pensar (Schudson, 1988: 26).

Por isso, frequentemente a competência dos assessores de imprensa é medida pelo número de contactos que têm na imprensa, assim como o maior grau de confiança ou intimidade com os seus profissionais. Aliás, uma das formas

204

mais frequentes de designar assessoria de imprensa em inglês é media relations, ou seja, relação com os órgãos de comunicação social. Por isso, há um conjunto de autores que descrevem a assessoria de imprensa como a atividade “que tem em vista a criação e manutenção de laços de confiança com aqueles que dirigem e trabalham nos muitos e variados meios de difusão” (Lloyd & Lloyd, 1980: 33). Contudo, essa relação de confiança deve ser estabelecida “sempre de uma forma contínua e não somente quando há uma intenção de promover uma informação” (Skinner et al., 2010: 8). [A assessoria de imprensa] é uma atividade que acaba por exigir, por isso, o estabelecimento de contactos regulares com os jornais, revistas, suplementos de domingo e publicações sectoriais que potenciem a publicação ou emissão de assuntos do interesse da organização. Também envolve responder aos pedidos de informação dos jornalistas (Skinner et al., 2010: 11).

Entre os investigadores de relações públicas há a ideia comum, e bastante arreigada, de que a atividade de assessoria de imprensa deve ser obrigatoriamente desenvolvida com base numa relação com o jornalista caracterizada pela compreensão, confiança e respeito (Lattimore, et al., 2004). Até porque o relacionamento pessoal e/ou institucional entre assessores de imprensa e jornalistas é o núcleo operativo de toda esta atividade e nele se concentra a chave para a obtenção de sucesso (Shin & Cameron, 2003; Howard, 2004): Trata-se de um negócio pessoa-com-pessoa. A assessoria de imprensa executa-se com os jornalistas, editores e fotojornalistas, e não com os jornais, as estações de televisão, os microfones de rádio e os websites (Howard, 2004: 36).

Um relacionamento que parte da criação de uma boa base de contactos pelo assessor de imprensa (Yoon, 2004), mas que só se consegue construir progressivamente através dos múltiplos e proficientes encontros ou pedidos de informação dos jornalistas. 205

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal O verdadeiro bom relacionamento é construído gradualmente pelo assessor de imprensa, ao conseguir responder e ultrapassar as expectativas dos múltiplos pedidos de informação dos jornalistas Sendo obrigatório também perceber de que forma os jornais, as rádios e as televisões operam na sua rotina diária (Howard, 2004: 36).

É verdade, porém, que os jornalistas assumem, quase sempre, uma atitude de reserva ou de desconfiança para com os assessores de imprensa, sendo por isso habitual partir destes a iniciativa de aproximação (Supa & Zoch, 2009: 2). Mas como se veem mutuamente estes profissionais? Que atitudes melhoram a criação do desejado relacionamento? Um dos primeiros estudos sobre o relacionamento entre relações públicas e jornalistas foi desenvolvido por Lee Feldman (1961). Apesar de incluir entrevistas a 746 editores de secções locais [city editors] e 88 relações públicas da Public Relations Society of America, o estudo não revelou dados estatísticos mas, sim, opiniões, comportamentos e intenções. Não obstante, o estudo de Feldman (1961) conseguiu revelar discrepâncias entre os dois grupos profissionais ao nível da credibilidade, do estatuto e do profissionalismo. Acabou até por servir de base a outros estudos realizados posteriormente (Kopenhaver, L. L. et al., 1984; Kopenhaver, Lillian Lodge, 1985; Habermann et al., 1988; Sallot, 1990), em particular a partir da escala de atitudes desenvolvida por Feldman106. No inquérito que realizou a 208 jornalistas especializados de Londres, Jeremy Tunstall (1974) verificou que dois terços dos mesmos consideravam as fontes 107 “úteis” e “cordiais” (p. 168), enquanto mais de 50% admitiam contactar a assessoria de imprensa política para desenvolver um trabalho jornalístico (Ibid..: 179). Estes resultados entroncam numa perspetiva da sociologia do jornalismo e reiteram dados, análises e opiniões já aqui referidos. Surpreendente é, no entanto, a constatação de que 46% dos

106

A escala de Feldman previa as seguintes atitudes indiscriminadas: “As relações públicas e a imprensa são parceiros na disseminação de notícias”; “os relações públicas trabalham para os jornais porque de outra forma seriam um produto inacabado”; “os relações públicas atuam muitas vezes como obstrucionistas, mantendo os jornalistas longe”; “o material enviado pelo relações públicas é maioritariamente promoção disfarçada de notícia” (Feldman, 1961: 254-260). 107 Incluía também políticos e outros funcionários de Westminster.

206

inquiridos considerou que as fontes “ajudam mais os jornalistas”, 51% que se ajudam de forma “igual” e 3% que “os jornalistas ajudam mais a fonte” (Ibid..: 185). Tunstall (1974) verificou, igualmente, que os jornalistas valorizam o trabalho das fontes profissionais de informação por estas facilitarem o acesso a altas figuras políticas e fornecerem informação regular para as suas notícias (Ibid..: 160-166). Resultados um pouco distintos obteve Aronoff (1975), quando estudou 48 jornalistas e 26 relações públicas do Texas a partir da escala de atitudes de Feldman (1962). O autor percebeu, então, que os jornalistas tinham uma imagem negativa dos profissionais de relações públicas e viam-nos como fontes pouco credíveis. Reconheceram, porém, que “as relações públicas contribuem para o processo de produção de notícias” (Aronoff cit. in Cameron et al., 1997: 115). Aronoff procurou ainda entender como estas duas classes profissionais classificavam as respetivas atividades, num ranking de reputação com 16 profissões108. Os jornalistas classificaram-se na primeira posição e aos relações públicas atribuíram o último posto. Por sua vez, os relações públicas colocaram-se em quarto lugar e aos jornalistas em terceiro. Dados muito semelhantes foram demonstrados mais tarde, num estudo de Kopenhaver et al (1984). Jeffers (1977) também estudou a percepção que jornalistas e assessores de imprensa têm uns dos outros. Para tanto realizou, no estado norte-americano de Ohio, um questionário a 51 jornalistas e 45 relações públicas, focado em competências, princípios éticos, cooperação e competição. O estudo revelou um interessante resultado: para os jornalistas, o relacionamento pessoal com os assessores de imprensa gerava respeito, enquanto para os assessores criava desprezo pelos jornalistas. Os jornalistas estudados tinham os relações públicas, na sua generalidade, como pouco éticos, mas achavam que os profissionais desta área que conheciam eram mais éticos. Para os assessores de imprensa, a percepção era exatamente a contrária: tinham os jornalistas

108

Incluía, para além de jornalista e relações públicas, as profissões de arquiteto, artista, banqueiro, agricultor, político, professor, entre outras.

207

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

que eles conheciam como menos éticos do que a maioria dos elementos da comunicação social (Jeffers, 1977). Outro estudo semelhante concluiu que as generalizações sobre a antipatia entre fontes e jornalistas eram exageradas, e que até havia reconhecimento das capacidades mútuas. Todavia, também foi registada desconfiança nos padrões éticos de ambos os grupos (Brody, 1984). Ao empregar conceitos de sociologia ocupacional no estudo de assessores de imprensa governamentais, Swartz (1983) percebeu que havia muito em comum entre as duas atividades. Mais: chegou à conclusão de que o mau relacionamento advinha, não tanto das técnicas usadas por cada um destes dois grupos profissionais, mas sim da má imagem que os assessores de imprensa sempre tiveram. Registou o curioso facto de os jornalistas, mesmo criticando muito os assessores, acabarem por se tornar, mais tarde, assessores de imprensa. Facto mal visto aos olhos dos seus colegas, que interpretam esta metamorfose profissional como o fim da credibilidade e da carreira jornalística. Kopenhaver (1985) analisou 47 jornalistas e 57 membros da Public Relations Society of America, do estado norte-americano da Florida, e percebeu que, mesmo havendo conhecimento dos valores-notícia, os assessores de imprensa davam sempre um enfoque positivo aos seus textos, alterando, desta forma, o correto alinhamento da informação. Por este motivo, Kopenhaver apelida os assessores de imprensa de obstrucionistas (Ibid..: 262). Mas mais tarde, e em contraponto, Sallot (1990) veio a revelar, num estudo realizado a 119 relações públicas e 85 jornalistas dos estados norte-americanos da Florida e de Nova Iorque, que a principal causa da má imagem dos assessores de imprensa era a fraca percepção e conhecimento dos valores-notícia (Sallot, 1990). Merece também referência o estudo de Habermann et al. (1988), no qual se inquiriram estudantes de 80 universidades dos EUA e se percebeu que os relações públicas tinham “ligeiramente melhor imagem do que os jornalistas” (Habermann et al., 1988: 494). Um outro estudo realizado por Pincus, Rimmer, Rayfield e Martinson (1988) demonstrou, por seu turno, que os editores dos grandes jornais “que respeitavam e reconheciam valor aos 208

assessores de imprensa tinham sido colegas de faculdade, enquanto os outros mantinham a má imagem” (Pincus et al. cit. in Cameron et al., 1997: 118). Um outro contributo importante foi dado por Cline (1982), que realizou um aprofundado inquérito a editores e relações públicas do estado norteamericano da Florida. A autora não hesitou em reafirmar que a imagem estereotipada dos relações públicas assentava na ideia de que teriam fracos valores éticos, ausência de profissionalismo e sobrevalorização remuneratória. Razão pela qual, segundo Cline, os profissionais das relações públicas eram vistos como “prostitutas da informação”. Adotando uma outra perspetiva, Spicer (1993) tentou perceber se a má imagem dos relações públicas tinha reflexos nos textos jornalísticos da imprensa norte-americana. Para tanto selecionou, entre 1988 e 1993, notícias, cartoons, editoriais e outro material jornalístico que se referia a assessores de imprensa e relações públicas. Depois, agrupou os resultados do clipping em seis categorias de abordagem percecionada da atividade dos relações públicas. Os resultados obtidos distribuíram-se da seguinte forma: as relações públicas enquanto área profissional [merely public relations] (11%) e como metáfora de distração [distraction] (24%), desastre [disaster] (20%), desafio [challenge] (17%), excitação [hype] (8%), guerra [war] (14%) e vida social/entretenimento [schmooze] 6%). Como conclusão, o estudo demonstrou que o único grupo que abordou de uma forma positiva e neutral a atividade foi o relativo ao desafio. Ou seja, os jornalistas usam termos e abordagens negativas sobre os relações públicas em 83% do seu produto imprensa (Spicer, 1993: 60). Mais tarde, outro estudo obteve resultados semelhantes: da analise do termo “relações públicas” em 100 títulos da imprensa popular [popular press], concluiu-se que só 7% das abordagens a esta atividade tinham um valor positivo (Henderson, 1998). Através de um inquérito on-line a 2500 jornalistas de economia dos EUA, David Brooks (1999) também viu provada a forte hostilidade aos assessores de imprensa. Isto porque 65% dos inquiridos asseguraram que os assessores de imprensa eram as últimas fontes a serem consideradas numa notícia. 209

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Acrescente-se ainda que, para 60% dos jornalistas, os assessores de imprensa “nunca ou muito raramente fornecem comentários interessantes para o desenvolvimento de uma peça jornalística”, segundo o mesmo inquérito (Brooks, 1999: 26). Carole Howard (2004) desenvolveu um estudo intitulado Working With Reporters: Mastering The Fundamentals To Build Long-Term Relationships, no qual apresenta recomendações profissionais e modelos de comportamento ideais para os assessores de imprensa alcançarem o tão desejado relacionamento com os jornalistas. A investigadora defende, por exemplo, que o assessor de imprensa deve ter cuidado com a hora de fecho das redações [deadlines] e das ações com a imprensa [annoucement timing]. Além disso, é importante que seja meticuloso com o material enviado e que se comporte como “o repórter do repórter” (Ibid..: 37), procurando sempre “ganhar tempo e vantagem ao ponto de trabalhar à hora do almoço” (Ibidem). Considera também que a disponibilidade deve ser total, ao ponto dos “jornalistas terem o número de telemóvel e de casa” dos assessores (Ibidem). É igualmente indispensável o conhecimento profundo e sempre atualizado da empresa que representa, sugerindo até que o assessor de imprensa tenha “cópias de relatórios, listas de contactos, estatísticas em casa e no carro” (Ibidem). A mesma autora preconiza ainda um trabalho desenvolvido sempre com recurso às melhores e mais atualizadas ferramentas tecnológicas, bem como às melhores tecnologias de gestão de comunicação interna (Ibid.: 38). Howard (2004), mesmo tendo defendido que o não deve ser dito aos jornalistas (mas sempre muito bem explicado e justificado), recomenda, no essencial, a submissão e passividade dos assessores de imprensa perante as solicitações da comunicação social. Neste sentido, enumera um conjunto de atitudes indispensáveis na assessoria de imprensa e que promovem a criação de um bom relacionamento entre as duas partes (Ibidem). Trata-se, no fundo, de uma evidência já anteriormente demonstrada por Comrie (1997), quando estudou a relação entre assessores de imprensa da área da saúde e jornalistas. Este autor demonstrou que, se a relação entre o 210

jornalista e o assessor de imprensa for cultivada, há uma melhor compreensão sobre o trabalho que cada um tem que desenvolver. Para os assessores de imprensa, este entendimento resulta numa maior sensibilidade para os deadlines e para os prazos de resposta às solicitações dos media, assim como num maior conhecimento das preferências e características de trabalho do jornalista. Por sua vez, os jornalistas conseguem conquistar uma fonte produtiva e com informação em primeira mão. A tipologia desenvolvida pelos sociólogos French e Raven (1959) é útil para compreender as relações de poder entre os assessores de imprensa (A) e os profissionais de comunicação social (B). Uma tipologia organizada para cada tipo de poder: 1) recompensa, 2) coercivo, 3) legítimo, 4) referente e 5) perito. A primeira, o poder de recompensa “é basicamente saber recompensar e aumentar quando se percebe que B fica passivo à recompensa. O poder coercivo vem de uma expectativa de que B será punido se não cumprir com o comportamento esperado, mantendo-se sob forte ameaça de punição e restrição. Poder legítimo vem ou é concedido por A, o que significa que B tem o direito e a capacidade de influenciar A. Poder de referência baseia-se na identificação de A com B (os desejos de A são iguais aos de B), havendo uma influência recíproca e simétrica. Finalmente, a força do poder de perito de A ocorre quando B reconhece os seus atributos e conhecimentos em uma determinada área. Trata-se, portanto, do poder do conhecimento” (French & Raven, 1959: 244-450). Cho (2006), por seu turno, constatou que os assessores de imprensa têm diferentes níveis de empenhamento na sua relação com os jornalistas. Segundo este autor, a dedicação a um jornalista varia de acordo, primeiro, com o facto de este ter realizado algum trabalho jornalístico sobre a organização no passado; segundo, com a sua receptividade à informação subsidiada (Gandy, 1982); e terceiro, com a sua capacidade de influência e peso dentro da sua redação (Cho, 2006). Numa das 156 entrevistas que realizaram a jornalistas dos estados norteamericano da Florida, Geórgia, Tennessee e Carolinas; Sallot e Johnson (2006) 211

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registaram a seguinte recomendação: “Os assessores de imprensa têm de conhecer a natureza da rotina [noticiosa], bem como o estilo do jornalista e a forma como este gosta de escrever as suas notícias. Como resultado disto, haverá

um

mútuo

benefício”

(Sallot

&

Johnson,

2006:

84).

Estes

investigadores constaram ainda que 76% dos jornalistas preferem ser contactados por email, e só depois por telefone (33%) e pessoalmente (12%) 109 . Mas, a este respeito, a generalidade dos autores defende que a distribuição de informação induzida, – isto é, a que provém dos assessores com um determinado fim – deve ser exclusiva para cada órgão de comunicação social. Em Portugal, Carolina Eanes (2011: 94), num trabalho intitulado Jornalistas e Relações Públicas que (co)relações?, demonstrou que 71% dos jornalistas reconhecem a elevada influência que os assessores de imprensa portugueses têm no tipo e na qualidade da informação veiculada pelos media e que 67% dos jornalistas

afirmam “estar de acordo sobre a influência que a relação

pessoal que se estabelece entre os dois profissionais pode ter no conteúdo da notícia” (Ibid.: 94). Paradoxalmente, nesta investigação que contou com um inquérito

respondido

por

131

jornalistas

e

por

180

consultores

de

comunicação, “94% dos jornalistas reclamam para si o papel de avaliadores e validadores das Informações provenientes das suas fontes” (Ibidem) e quase metade dos jornalistas dizem que os consultores não se esforçam para serem transparentes. Uma incongruência que confirma alguns resultados de autores supracitados e confirmam a atualidade da obra de Tunstall (1970, 1974). Como se percebe, o relacionamento é um motor que potencia resultados para o assessor de imprensa, além de servir para compreender de que forma o jornalista gosta de receber as informações. Ao cruzarmos esta premissa com os enunciados teóricos dos autores referidos no Capítulo I, podemos confirmar, aliás, que as relações entre assessores de imprensa e jornalistas, mesmo vistas sob uma lógica de oposição mútua, oscilam entre a autonomia e

109

As percentagens resultam do acumulado preferencial entre “gosto” e “não gosto” de mais 14 tópicos de opção de contacto dos técnicos de relações públicas.

212

a dependência, a desconfiança e a cumplicidade, a interação e o confronto. Mas estes comportamentos dependem, quase sempre, da posição que o assessor de imprensa ocupa na organização e da pertinência da informação que tem para fornecer.

5. Informação subsidiada A capacidade de gerar informação noticiável é um dos princípios essenciais da assessoria de imprensa. Sobre esta questão, Oscar Gandy (1982) deu um contributo importante ao teorizar o conceito de informação subsidiada. Conceito esse que serviu para definir a forma como os assessores de imprensa “embalam” os dados informativos referentes à sua organização, para que estes sejam aproveitados, sem grande esforço e sem custos, pelas redações. Por outras palavras, os assessores de imprensa funcionam para o jornalista como uma espécie de pré-repórteres (Supa & Zoch, 2009), fornecendo-lhes informações de que eles precisam para realizarem as suas atividades noticiosas. Contudo, essa informação não é, na maioria das vezes, solicitada pelo jornalista (Sallot et al., 1998: 374). Brooks (1999) chega mesmo a sugerir que o sistema de gestão de produtos usado pela logística comercial, a supply chain management 110 , deve ser aplicado na assessoria de imprensa. Com frontalidade, defende que o assessor de imprensa tem de criar processos de produção de informação que filtrem as “impurezas”, otimizem o trabalho noticioso e aumentem os resultados quer para os seus clientes, quer para as empresas de comunicação social (Ibid..: 30).

110

A gestão da cadeia logística, também conhecida como “gerenciamento da cadeia de suprimentos” (Brasil), “gestão da cadeia de fornecimento”, “pipeline logístico” ou “rede logística”, é um conceito que nasceu no final dos anos 80. Trata-se da integração dos processos de gestão do consumidor, através dos fornecedores de produtos, serviços e informação, sempre com o objetivo de acrescentar valor para o cliente. As estratégias utilizadas para obter uma cadeia logística eficaz consideram as interações entre os vários níveis da cadeia logística, de forma a reduzir o custo e a melhorar o serviço prestado (Lambert et al., 1998: 504 cit. in Wikipedia).

213

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De resto, vários autores ligados à sociologia do jornalismo já haviam alertado para esta sofisticação das técnicas de assessoria, com o intuito de facilitar a entrada no espaço mediático. Mais do que detentoras de informação ou de conhecimento, as fontes tornam-se produtoras competentes dos acontecimentos e saberes que interessam aos jornalistas. Almejam o sucesso, nos confrontos em que se envolvem. Por isso buscam a linguagem e o ambiente do jornalismo (Chaparro, 2001: 42)

As técnicas de relações públicas, nomeadamente a assessoria de imprensa, vieram profissionalizar e expandir a promoção das empresas e das instituições através dos media. Ericson (1989) já havia constatado que, na sociedade do conhecimento contemporânea, as relações públicas passaram a ocupar um espaço

legítimo

dentro

da

indústria

dos

media.

Mais:

quando

são

desenvolvidas de modo mais profissional, as relações públicas conseguem fazer circular as boas notícias e relegar para segundo plano as más notícias, através de um controlo de danos na esfera privada. O mesmo autor refere ainda que as relações públicas se socorrem de várias técnicas para faz passar a sua mensagem: ...fornecer informações parciais pelo uso de citações citáveis; utilizar a redundância para limitar a discussão pública sobre um determinado assunto; editar press releases com os factos principais e citações apresentadas como factuais; ou produzir vídeos para jornalistas de televisão e gravações para os de rádio, de forma a condicionar a elaboração das notícias (Ericson et al., 1989: 383).

Peça-chave de todas estas técnicas de relações públicas, o press release 111 caracteriza-se, no essencial, por ser uma notícia com vista à publicação

111

Em Portugal, são habitualmente apelidados de “comunicados de imprensa”. Todavia, nas regras da assessoria de imprensa há uma grande distinção entre um “comunicado” e um “press release”. O primeiro não é redigido em estilo jornalístico, não obedece às convenções jornalísticas (usa títulos académicos, é apresentado muitas vezes por alíneas e tem um formato muito semelhante a um parecer jurídico), é usado geralmente com o objetivo de assumir uma tomada de posição formal sobre um assunto público e é assinado pelas cúpulas ou gabinetes jurídicos. O press release é um texto jornalístico, mas que também tem outras denominações em português, sendo as mais conhecidas a “nota

214

(Kopplin & Ferraretto, 2001). Ou, por outras palavras, um já preparado e apropriado texto em estilo jornalístico que irá requerer o mínimo de trabalho de adaptação (Bell, 1991) ou, ainda, “pequenos pedaços de escrita emitidos por empresas ou instituições para comunicar informação interessante para a comunicação social e para o público em geral” (Catenaccio, 2008: 9). 5.1 O press release como principal técnica de ‘informação subsidiada’

Os press releases são textos relativamente curtos, semelhantes às notícias, contendo o que é considerado pela entidade emissora como informação noticiosa. Procuram, como objetivo central, serem publicados integralmente como notícias reais. Sabe-se, aliás, que são abundante e comprovadamente aproveitados pela imprensa (Sigal, 1973; Simmons, 2006). Quando é uma entidade pública, nomeadamente de caráter académico, técnico ou científico, a difundir um press release, a eficácia deste recurso da assessoria de imprensa tem ainda mais resultados porque assume, em absoluto, um dos mais importantes valores-notícia: o interesse público. Por exemplo, os (584) press releases difundidos durante e após as tempestades do Katrina, em Nova Orleães, pela Federal Emergency Management Agency dos EUA desencadearam milhares notícias em vários órgãos de informação, quase sempre como aberturas de noticiário ou chamadas à primeira página (Gainey, 2006). Governo,

partidos,

autarquias,

escolas

e

universidades,

sindicatos

e

associações profissionais, clubes desportivos, museus e galerias de arte são apenas algumas das entidades que habitualmente difundem press releases. Mas qualquer pessoa, mesmo a título individual, pode enviar um suporte destes para a comunicação social. É uma ferramenta altamente eficiente, de baixo custo, difundida em tempo real, de profusão global, que possibilita um rápido feedback (Dilenschneider, 2010) e que pode atingir os seguintes objetivos (Kennedy, 2008): 1) anunciar um evento; 2) promover uma ideia

de imprensa” e a “informação à imprensa”. No Brasil são usados os termos “release” e “pauta”. Neste estudo, optámos por usar a terminologia da assessoria. Por isso, nunca iremos recorrer à classificação “comunicado de imprensa”.

215

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pessoal ou corporativa; 3) conter uma crise; 4) fornecer informação ao consumidor/eleitor; 5) lançar um novo produto ou serviço; 6) lembrar um produto existente; 7) cessar o fornecimento de um serviço já existente; 8) anunciar eventos próximos; 9) consubstanciar relatórios sobre eventos passados; 10) acolher novos membros da equipa; e, por último, 11) divulgar prémios e méritos. Querendo assumir-se como um “quasi-news article” (Catenaccio, 2008: 17), sem adjetivação e factual, o press release deve obrigatoriamente reunir os critérios de veracidade, interesse público, novidade, disponibilidade de fontes, adequação e, em alguns casos, exclusividade (Duarte, 2004: 287). Um press release é habitualmente confinado a uma página de tamanho A4, embora hoje em dia estes suportes informativos sejam em regra enviados por correio eletrónico. Recomenda-se ainda que os press releases não ultrapassem as 400 palavras e os seis parágrafos. As frases devem ser curtas e também costumam circunscrever-se a cerca de uma dezena (Walters et al., 1994: 351; Maat, 2008: 94). Todo o conteúdo escrito na assessoria de imprensa deve ser desenvolvido em parágrafos. Ou seja, agrupando módulos informativos estanques e delimitados no conteúdo. Deste modo, permite-se que as redações mudem e reorganizem facilmente o texto. Há também arranjos gráficos, como os espaços entre os parágrafos e o destaque do título, que são desenvolvidos deliberadamente para tornar o texto mais próximo da notícia final ou mais modelável pelo gatekeeper. Quase sempre acompanhado de antetítulo e pós-título, o título (ou headline) é considerado o elemento mais importante do press release. Isto porque, ao incluir os valores-notícia, o título potencia a leitura e aceitação do press release e, consequentemente, a sua cobertura jornalística (Levin, D., 2002: 84). Usam-se preferencialmente títulos indicativos informativos. Devem evitar-se frases sem verbo; verbos no passado, gerúndio e condicional; artigos definidos e indefinidos no início do título; e formas negativas. Por outro lado, não se deve escrever todo o título em maiúsculas; separar as sílabas; usar os pontos 216

final, de exclamação ou de interrogação; empregar abreviaturas, piadas, trocadilhos, rimas, repetições e outras expressões ambíguas (Kopplin & Ferraretto, 2001). Mais uma vez, verifica-se a aplicação de um conjunto de regras e estratégias do próprio jornalismo. Outra prova disso mesmo é o facto da assessoria de imprensa usar (e abusar) de números, percentagens e personalidades públicas no título do press release, para projetar os valores-notícia do texto. Contudo, os objetivos estratégicos do press release nem sempre são percecionados pelas redações, justamente porque se trata de textos produzidos como se fossem notícias e se encontram devidamente encobertos por uma paginação gráfica uniforme. Geert Jacobs, investigador holandês que se dedica há muitos anos a estudar o conteúdo e a construção de press releases, refere que estes suportes informativos se assumem como uma “pré-formulação da notícia”, já que a sua “estrutura parece apresentar uma linguagem que facilita a cooperação com o jornalista e facilita a sua publicação” (Jacobs, 1999a: 229). Jacobs define o texto do press release como “meta-pragmático a duas vozes”. “Meta-pragmático” porque é um produto objetivo, com o foco numa futura publicação. “Na maioria dos casos, a linha que separa o texto da notícia do press release nem se nota” (Jacobs, 1999a: 237). “Duas vozes” porque o conteúdo nunca é da fonte primária (o autor da ideia, do produto, o organizador do evento, o político, etc.), mas antes do assessor de imprensa que selecionou, organizou e aprovou o texto de acordo com as convenções jornalísticas. O discurso a duas vozes como processo ordinário de redação serve para simular imparcialidade e permitir maior aceitação do jornalista ao press release, que é sempre construído na não-objetividade (Jacobs, 1999a: 237243).

É muito difícil encontrar nestes textos a primeira pessoa do singular e do plural, assim como a presença explícita de pronomes na terceira pessoa. Em vez disto, as organizações (e até as próprias personalidades) usam o seu 217

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próprio nome para se autorreferenciarem, num ato que Jacobs caracteriza de “discurso egocêntrico” (Jacobs, 1999b: 220, 226). Na mesma linha, Henk Maat refere que as organizações adotam a terceira pessoa do singular nos eventos em que estão eles próprios envolvidos, assim como o tempo verbal no passado para eventos que ainda não decorreram. Tudo estratégias para tornarem os press releases credíveis, pré-formatados e pré-utilizáveis (Maat, 2008: 88). A construção de orações em voz passiva e a não utilização de expressões como “nós”, “aqui” ou “já agora” demonstram como os narradores dos press releases têm a preocupação de não serem o centro das atenções, facilitando assim o aproveitamento noticioso do texto e passando despercebidos/neutros ao leitor (Jacobs, 1999b: 223, 227). Os conteúdos são estruturados de tal forma que ficam em sintonia com os requisitos mediáticos, aumentando a probabilidade de serem publicados (Jacobs, 1999b: 228). O processo de produção de notícias envolve mais do que a simples seleção e sumarização de acontecimentos, ou melhor, de textos originais, depoimentos de testemunhas oculares, press releases, conferências de imprensa, declarações públicas, relatórios académicos, etc. (Van Dijk, 1988: 154). Embora aparentemente informativos, os press releases carregam uma implícita finalidade autopromocional, na medida em que a informação que contêm provém de uma fonte interna da organização, que é o objeto da própria projeção (Catenaccio, 2008: 9).

Paola Catenaccio tentou demonstrar que o press release é um produto puramente publicitário e com uma estrutura praticamente igual à dos folhetos promocionais. Todavia, o estudo que desenvolveu com base numa comparação entre os flyers e os press releases produzidos pelo gabinete de imprensa da Cisco, nos EUA, não lograram ser conclusivos. “O press release tem múltiplas formas e propósitos” e possui uma estrutura híbrida que se situa ora próxima

218

da informação, ora da promoção. Por isso, Catenaccio designa o press release de “género híbrido” (Catenaccio, 2008: 11, 27). Conseguiu, porém, demonstrar a “dupla persuasão” existente nestes textos: por um lado, têm de convencer os jornalistas de que as informações avançadas possuem valor-notícia e, por outro, procuram persuadir o público de que a empresa/entidade é confiável e/ou tem algo de que precisam (Catenaccio, 2008: 14). Com o mesmo propósito, Henk Maat (2007) estudou o conteúdo de press releases holandeses112 e identificou, então, a presença assídua de linguagem promocional relacionada, em primeiro lugar, com a necessidade de intensificar uma posição favorável no remetente (jornalista) e, em segundo lugar, com um comportamento dos relações públicas (habitualmente positivo) que os leva a usar, por excesso, adjetivação positiva. Detetou também o uso de palavras amplificadoras e modificadoras habitualmente usadas na publicidade. Um outro estudo realizado aos press releases produzidos pelo maior banco belga demonstrou, de igual modo, uma preocupação promocional extrema com os públicos-alvo a quem se dirigiam as potenciais notícias (Sleurs & Jacobs, 2005). Maat (2008) elaborou um interessante quadro onde regista as expressões promocionais habitualmente usadas na elaboração de press releases, e que em muito contribuem para que os relações públicas e assessores de imprensa consigam projetar uma mensagem positiva dos seus clientes. Categoria Prefixos

Subcategoria

Exemplo Prefixos amplificadores indicando graus extremos de propriedades positivas, como ultramoderno [ultramodern], e modificadores nominais que indicam uma

112

Analisou como corpus do estudo, em 2000 e 2001, 39 press releases de várias companhias aéreas (Lufthansa, KLM, Ryanair, etc.) do que tipicamente se chama de “boas notícias” e mais 50 press releases de várias empresas e indústrias holandesas e alemãs que anunciavam “novos produtos, resultados financeiros, aquisições e reorganizações de empresas e mudanças nas direções empresariais.” (Maat, 2007: 67 e 68).

219

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal qualidade excecional, como número 1 [number 1] ou top-class.

Adjetivos

Adjetivos intensificadores

Adjetivos que intensificam a interpretação do substantivo, tais como: importante [such as important], grande [large], forte [strong], e amplo [extensive].

Adjetivos de

Estes adjetivos referem-se a avaliações positivas sem especificação da propriedade, dando origem a juízos de valor. Exemplos: ótimo [terrific], bom [good], especial [special], importante [leading], único [unique] e excelente [excellent].

avaliação

220

Adjetivos propriedade

de

Alguns adjetivos evocam uma atitude positiva em geral, tais como: fiável [releable], clara [clear], eficiente [efficient] e prático [practical]. Outros, não sendo na sua epistemologia positivos, descrevem uma avaliação favorável no contexto em que são inseridos, como neste exemplo: o conhecido arquiteto [well-known architect].

Quantificadores intensidade

de

Esta categoria inclui: - Quantificadores de substantivos, tais como: todos [all], vários [various], diversos [several], milhões [millons] e muitos [many]; - Elementos que indicam quantidades para além da expectativa, como extra [extra]; - Elementos de intensificação de proporções, tais como inteiro [entire] e completo [complete].

Graus comparativos e superlativos

Os graus superlativos foram contados como promocionais, pois poderiam ser facilmente substituídos por construções mais neutras, como neste exemplo: o mais importante em Espanha. Também foram identificados graus comparativos promocionais como nesta frase: Brussels Airlines vai oferecer um amplo serviço de

transportes entre Bruxelas e os dois mais importantes destinos de negócios na Espanha. Ou também no ainda mais rápido [in even faster] e na hora exata [in exactly on time].

Advérbios

Tempo

Esta categoria inclui termos e expressões como já [already], mais uma vez [once again], sempre [always] e constantemente [constantly], usados para sugerir uma avaliação positiva.

Lugar

Esta categoria inclui, por exemplo, internacionalmente [internacionally] e em todo o mundo [throughout the world], como nesta frase paradigmática: Nossa rede tem uma alta reputação em todo o mundo.

Intensificadores numéricos

Foram contabilizados quando indicavam quantidades sobreavaliadas. Exemplos: quase e cerca de [almost], para além [over], mais de [more than]. Veja-se esta frase: Air One espera quase 2 milhões de passageiros este ano. “Quase 2 milhões” é mais forte do que 1,98 milhões, na medida em que convida o leitor a desenhar inferências a partir de um número maior do que o número real. Do mesmo modo, “mais de 2 milhões” convida o leitor a fazer deduções a partir de um maior número do que os reais 2.010.000.

Mitigadores numéricos

Mitigadores numéricos são o inverso da alínea anterior. Empregam-se para minimizar quantidades negativas, tais como: só [only] e menos de [less than]. Exemplo: Comprámos esta empresa por menos de 5 milhões de euros.

Intensificadores modais

Exemplos: claro [of course] e simplesmente [simly]. Frase exemplificativa: Claro que as refeições também podem ser reservadas ao comprar o bilhete

221

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Conjunções

-

Esta categoria não inclui a conjunção de adição e [and], mas inclui outras palavras que enfatizam o comprimento da uma lista. Exemplos são: e também [and also], além disso [moreover], além de [besides], além de X também Y [besides X also Y], e ambos, X e Y [and both X and Y].

Esta tabela demonstra o uso de artifícios linguísticos para a promoção de empresas e respetivos serviços/produtos, embora o autor tenha verificado, simultaneamente, uma preponderância de conteúdos informativos. Por isso, Maat (2008: 109) levanta uma dúvida para futuras investigações: qual é a mais acertada classificação do press release – “género misto” ou “género em conflito?” Também um estudo realizado a títulos de press releases no Reino Unido113 (McLaren-Hankin, 2008: 1102) provou que há a preocupação de ‘puxar’ os stakeholders para o título, “com recurso à repetição de um grande número de termos léxico-gramaticais com esse propósito”. Em contraponto, um outro estudo centrado em títulos de notas de imprensa de uma instituição espanhola114 constata que estes suportes são “maioritariamente informativos, institucionais, oferecendo uma visão pouco atrativa, (…) e parecem não se preocupar com os destinatários reais (jornalistas) e potenciais (cidadãos)” (Alcoceba-Hernando, 2010) Recentemente, emergiu a tendência para transformar o press release num flyer publicitário, com o recurso a imagens, parágrafos destacados, elementos de personalização e outras técnicas do marketing relacional. Uma corrente que colide, por completo, com a tentativa de aproximar estes textos ainda mais da notícia final.

113 114

A autora analisou 100 títulos de press releases de empresas inglesas de biotecnologia entre 2002 e 2006. Foram estudados 158 press releases do Instituto da Juventude de Espanha entre 2004 e 2006.

222

As agências de comunicação têm vindo a criar portais de informação como repositório

de

todos

os

press releases

que

desenvolvem,

procurando

pretensiosamente assumir-se como agências noticiosas. Também têm vindo a surgir

sites

de

difusão

de

notas

de

imprensa

prêt-à-porter,

onde

é

comercializada a difusão de press releases massificados e com o mínimo de relação com o cliente. Nos EUA, algumas agências de comunicação estão a organizar-se de forma a simplificarem e a otimizarem os pedidos de informação dos órgãos de comunicação social. Neste processo, o principal intuito das agências é, no entanto, receberem antecipadamente dados e informações procurados pelos jornalistas que favoreçam a elaboração de press releases à medida. O projeto Help a reporter out115 (HARO) é um desses exemplos, pois, sendo um recurso totalmente gratuito, possibilita aos assessores de imprensa o contacto direto com blogers e jornalistas que procuram fontes para as suas notícias, além de lhes permitir “fazer contactos” para “vender” uma determinada história. Uma vez mais, trata-se de técnicas sofisticadas para potenciar as mensagens dos clientes das agências de comunicação, mas cuja eficácia está ainda por provar. Até porque, embora o assessor de imprensa tenha conhecimento técnico sobre o que pode ou não ser notícia, a decisão final de publicação é sempre dos jornalistas, no seio da redação e com base nos critérios editoriais do órgão onde trabalha (Duarte, 2004: 287). A influência que as relações públicas têm no processo de produção noticioso é quase sempre superior ao que vem nos manuais, ao que os jornalistas admitem ou ao que os leitores percepcionam (Davis, 2003: 31). Mas “quando perguntamos sobre o peso das relações públicas nas notícias, os jornalistas apontam para o balde do lixo cheio de press releases rejeitados, enquanto os assessores de imprensa apresentam clipping reports com altas taxas de sucesso”116 (Cit. in Simmons, 2006: 9). Pelas redações abunda a desconfiança

115

Ver em http://helpareporter.com/

116

Ver em http://www.slideshare.net/carlamorim/clipping-report-ccs2011

223

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

sobre estes textos, mas os assessores de imprensa estão habituados e preparados para esta rejeição (Turk & Franklin, 1987). Ainda assim, e segundo Allan Bell, os jornalistas preferem fontes escritas e pré-fabricadas num estilo apropriado às notícias, como os takes das agências noticiosas, os press releases e a continuação de histórias sobre o mesmo tema. É que todas essas fontes requerem muito menos trabalho (Bell, 1991). Textos que já estão em formato e estilo de notícias têm uma hipótese muito maior de seleção do que os textos que não são apropriadamente ‘embalados’. Muitas vezes tenho visto jornalistas a ignorar a sugestão de uma história que pode dar notícias e depois, mais tarde, a reproduzir a mesma história quando é fornecida por press release pronto a usar [readymade] (Bell, 2005: 20).

De igual modo, uma história que é marginal em termos de valor-notícia pode ser selecionada à frente de uma outra mais interessante por já estar escrita e disponível. Portanto, “a usabilidade da imprensa distribuída é superior porque é de menor custo” (Bell, 2005: 20). Bell distinguiu três tipos de edição dos press releases:1) exclusão de informação, 2) substituições lexicais e 3) reordenação sintática. Segundo ele, a supressão de informação é a operação mais frequente, sendo realizada de tal maneira que o texto circundante acaba por ser deixado intacto (Bell, 1984 cit in Maat, 2008: 90). O mesmo autor identificou ainda quatro motivações por detrás destas operações de edição: 1) reduzir o tamanho da notícia, 2) fornecer ao leitor informações de background, 3) 'reforçar' e reestruturar os valores-notícia e 4) padronizar a linguagem [do press release] de acordo com as regras e padrões editoriais do jornal (Ibidem). Noutro trabalho, Henk Maat (2008) decidiu analisar a influência na produção noticiosa de 50 press releases de grandes empresas belgas, que representam os mais diferentes setores da atividade económica internacional117. Concluiu

117

Analisou 50 press releases e as suas consequentes notícias. A maioria dos press releases (88%) abordavam temas como: novos produtos, entradas de novos administradores, aquisições, fusões de empresas e resultados financeiros. E

224

que os press releases tinham cerca de 400 palavras, uma média de 19,5 frases e a frase mais comprida perfazia 22 palavras. Estes textos desencadearam 95 reportagens e 24 deles foram utilizados em mais do que um produto noticioso. Todas as reportagens estavam centradas no tema principal do press release e 12 reportagens (13%) acrescentaram um ou mais parágrafos com a informação de background referida por Allan Bell (Maat, 2008). Entre o conjunto de outras análises interessantes desenvolvidas por este investigador

belga,

destaca-se

a

identificação

das

modificações

mais

frequentemente introduzidas pelos jornalistas nos textos dos press releases. Maat concluiu que estas operações editoriais se encaixam em dois grandes grupos: transformações unidirecionais e bidirecionais. Nas unidirecionais, estão previstas alterações do texto tendo em vista a legibilidade (excluem, substituem e adicionam informação) e a neutralidade. Nas bidirecionais são efetuadas alterações que melhoram o texto quer para a entidade emissora, quer para o leitor (Maat, 2008: 94). Assim, os jornalistas no âmbito das transformações unidirecionais do texto, e para aumentar a sua legibilidade, apagam os detalhes (nomes, lugares, datas, números),

omitem

os

elementos

listados

escolhendo

os

mais

conhecidos/sonantes e diminuem o tamanho das frases. Também substituem o jargão por linguagem normal, tornam as expressões/palavras mais informais e trocam números e símbolos por palavras. Além de tudo isto, adicionam informação de enquadramento (Maat, 2008: 94-99). Como manifestações de neutralidade, o investigador detetou a cópia integral de frases do press release, com ressalva do nome das empresas, dos produtos e da fonte que difundiu o documento (Maat, 2008: 100-103). Nas alterações bidirecionais são de salientar a atribuição do “sujeito” às frases, a remoção de fórmulas protocolares e a eliminação da adjetivação, bem como a correção sintática e ortográfica dos press releases. Estas alterações

os press releases eram os seguintes: “The telecom setor: KPN, Vodafone, Orange, Siemens; the financial setor: Interpay, KPN, Aegon; the information technology setor: Microsoft, Apple; the food setor: Unilever, Campina (dairy products); the supermarket setor: Schuitema, Ahold, Laurus; the home appliances setor: HEMA, Blokker.” (Maat, 2008: 91)

225

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

visam melhorar o texto e, por consequência, aumentar a sua compreensão (Maat, 2008: 104-107). Um outro estudo, liderado por Timothy Walters, chegou a conclusões semelhantes às de Henk Maat, quanto à dimensão dos press releases: 434 palavras em 18 frases, tendo a frase mais comprida 24 palavras. Mas revelou dados interessantes no que respeita ao processo de edição jornalística, assinalando, por exemplo, o facto de os press releases serem transformados em notícias com metade da dimensão. Ou seja, as notícias publicadas tinham em média 209 palavras e nove frases de curto comprimento (Walters et al., 1994: 350). Outro dado revelado pelo estudo é o de que há um comportamento editorial diferente entre os jornais de grande e os de pequena circulação. Os grandes jornais preservam mais as ideias-chave das frases dos press releases, apesar de encurtarem o tamanho das mesmas, e “adicionam os seus próprios toques editoriais para usar outro material ou aproveitar parte de outra história” (Walters et al., 1994: 353). Os de menor dimensão aproveitam mais texto e, por isso, disponibilizam o conteúdo dos press releases quase na íntegra. Com esta apropriação da informação, crê-se que o público lê a notícia acreditando que o repórter assistiu a todos os eventos relatados. Isto acontece, em boa medida, porque “as organizações noticiosas também adotam no seu relato a perspetiva da terceira pessoa e usam um tempo [verbal] no passado, como se lá estivessem”118 (Maat, 2008: 88). Mais grave é a transcrição do conteúdo do press release, muitas vezes de uma forma integral, sem qualquer referência à origem/autoria do texto. Uma prática eticamente reprovável, pois o leitor devia saber quem foi a fonte da informação publicada. A este propósito, Peter Simmons (2006) analisou os códigos de ética das associações/corporações de jornalistas da Austrália (MEAA), Reino Unido e

Aliás, como já se demonstrou neste estudo, trata-se do mesmo comportamento que os assessores adotam na redação dos seus textos. 118

226

Irlanda (NUJ), Noruega (APN, 2005) e Canadá (FPJQ, 2006). A conclusão a que chegou foi a de que os códigos não mencionam os press releases, nem fornecem aos jornalistas instruções claras sobre o seu uso. Só no código alemão (Media Wise) se refere que os press releases “emitidos pelas autoridades públicas, partidos políticos, associações, clubes ou outros grupos de pressão devem ser claramente identificados como tal, se forem publicados sem ter sido editados” (Cit. in Simmons, 2006: 10). Mas os técnicos de relações públicas e assessores de imprensa não se preocupam com a não-atribuição da fonte, pois querem mesmo continuar a passar despercebidos (Chaparro, 2001; Maat, 2008). Perceberam que um press release transcrito (integral, parcial ou em background) numa notícia tem mais força e reconhecimento público (Boorstin, 1961; Gans, 1979; McNair, 2003 [1995]). Mesmo assim, os assessores de imprensa e relações públicas gozam de uma popularidade muito baixa junto da comunicação social. Aliás, as críticas também são extensíveis aos textos difundidos por estes técnicos, considerados mal redigidos e pedestres. Alegadamente, os press releases têm frases longas, parágrafos intermináveis, sintaxe pobre e uma voz passiva mal construída (Walters et al., 1994: 345). Noutros casos são criticados por serem escritos em oficialês e cheios de termos técnicos (Maat, 2008: 88, 89). Na base destas falhas está, habitualmente, o facto de os assessores de imprensa saberem que haverá sempre um filtro jornalístico antes da publicação. Aliás, Sleurs, Jacobs e Van Waes (2003), num estudo etnológico que realizaram sobre os assessores de imprensa belgas, conseguiram demonstrar que estes técnicos não escrevem o texto a pensar no leitor final, mas sim nos jornalistas. E muitas das falhas que lhes são apontadas têm como causa a obrigatoriedade de incluir no texto fontes internas, assim como a necessidade de aprovação superior do respetivo conteúdo – o que, na maior parte dos casos, se traduz em adulterações do press release (Sleurs et al., 2003).

227

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

6. Os eventos No início da década de 60, quando Daniel Boorstin criou o conceito de “pseudo-evento”, já era evidente o poder da assessoria de imprensa. Os profissionais de relações públicas não sabem só onde está o valornotícia; estão também em posição de criar ações que fazem com que a notícia aconteça. Uma intrigante característica da vida moderna, que surge precisamente do facto dos novos fazedores de acontecimentos não serem Deus. Mesmo parecendo pouco real, as notícias acontecem logo que eles (os relações públicas) criam os acontecimentos (Boorstin, 1961: 11).

Trata-se, portanto, da capacidade de realizarem “profecias autorrealizáveis” (Boorstin, 1961: 181-238). As notícias não resultam, então, primeiramente da realidade nem são o seu espelho fiel. Resultam, isso sim, da natureza e do tipo de relações socioculturais que se estabelecem entre fontes e jornalistas. Há, portanto, uma construção da realidade que emerge dessa dinâmica. E muitas vezes, como constatou Daniel Boorstin (1961), os acontecimentos divulgados pelas fontes são previamente preparados com o intuito de encaixarem nos critérios de noticiabilidade. Trata-se, na nomenclatura do investigador, de “pseudo-eventos”. Para Daniel Boorstin, o pseudo-evento não é espontâneo: produz-se porque foi previsto, suscitado ou provocado. É essencialmente provocado – mas não exclusivamente – com o objetivo de ser contado ou gravado. As circunstâncias são, portanto, organizadas em função do meio de informação a que se destina. A difusão é a medida do seu sucesso. O fator tempo é fictício ou artificial; o seu relato é redigido de antemão “para difusão ulterior”, como se o acontecimento já se tivesse produzido. Neste quadro, os pseudo-eventos podem ser motivados não só pelas fontes mas igualmente pelos jornalistas, quando estes, com o intuito de fomentarem ou criarem histórias, solicitam, por exemplo, comentários sobre assuntos já encerrados ou de escassa importância, ou quando baseiam as suas notícias nos boatos que lhes convêm. 228



Adriano

Duarte

Rodrigues

(1993)

teorizou

o

conceito

de

“meta-

acontecimento”. Para este investigador português, existe uma “espécie de acontecimentos

(...)

provocados

pela

própria

existência

do

discurso

jornalístico”. Com efeito: ...o que torna o discurso jornalístico fonte de acontecimentos notáveis é o facto de ele próprio ser dispositivo de notabilidade, verdadeiro deus ex machina, mundo da experiência autónomo das restantes experiências do mundo (Ibid.: 29).

Para provar a validade dos seus preceitos, Adriano Duarte Rodrigues argumenta: ...o desvio do avião ou a revolta que se produz em frente às câmaras de televisão ou perante os repórteres, a explosão de raiva ou de dor captada em direto pelas objetivas das máquinas mediáticas são exemplos de irrupções de meta-acontecimentos que têm nos próprios dispositivos da informação a fonte e a urgência (Ibid.: 29).

Por isso, a assessoria recorre à construção destes pseudoeventos ou metaacontecimentos para induzir assuntos e temas do interesse dos seus assessorados. Ou como refere Martins Lampreia (1998: 39): “Para que haja notícia, é necessário que haja acontecimento”. E é também pela importância do acontecimento no jornalismo que grande parte dos manuais de relações públicas e assessoria de imprensa estão repletos de capítulos sobre como criar eventos que captem a atenção e interesse dos media. As conferências de imprensa são o expoente máximo destas mesmas técnicas e durante décadas provocavam a produção de grande parte do volume noticioso da imprensa escrita e das rádios. Mas as visitas e as viagens de imprensa vieram, nos finais dos anos oitenta, a ocupar grande parte do espaço das conferências de imprensa porque iam, justamente, ao encontro das necessidades de imagem e dinamismo das televisões. Também as cerimónias, inaugurações, festas e todo o tipo de ações com individualidades, grande concentração de pessoas ou feitos espetaculares 229

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

tornaram-se habituais na indústria das relações públicas como instrumento de sucesso para captar os órgãos de comunicação social (Ries & Ries, 2003). A embriaguez e a performance do desportivo, a longevidade e o ficar a dançar vários dias sem descanso são acontecimentos notáveis. Neste registo estão compreendidas todas as figuras do cúmulo e da hubrys grega, da desmedida que tanto pode ser celebrizada com a entrada para o Guiness Book como sancionada de maneira extrema pela ultrapassagem do limiar da morte... (Rodrigues, A. D., 1993: 28).

Estes “media events” (Dayan & Katz, 1992) têm como alicerces os valores notícia e como objetivo despertar a voracidade dos jornalistas que pertencem aos órgãos de comunicação com maior audiência – as televisões. O local, a hora, a mensagem central, a identidade visual e o protagonista resultam de uma rigorosa e exaustiva preparação e manipulação para que no dia da visita dos media nada falhe (Yale & Carothers, 2001: 73-76). Mais que o conteúdo, o evento deverá proporcionar aos jornalistas a oportunidade de captarem boas e arrepiantes imagens porque “todos os meios de comunicação social querem contar histórias com imagens” (Fitch, 2004: 36).

7. Síntese Conclusiva Como muito bem notou David Michie (1998), a incerteza sobre a verdadeira origem das notícias é hoje um dado incontornável. Logo, importa avaliar como esta tendência para a informação ser orientada do exterior perturba a fidedignidade e a credibilidade do que é noticiado. Ora, a este respeito, convém evitar visões demasiado cínicas, pois a assessoria de imprensa tanto pode engajar a informação a interesses particulares como enriquecê-la com a sua idoneidade. Muitas vezes, o rigor técnico empregue na informação transmitida através dos press releases, por exemplo, constitui uma preciosa ajuda para os jornalistas, representando assim uma mais-valia informativa.

230

Aliás, a maioria dos autores de referência nesta matéria evitam diabolizar a atividade dos assessores de imprensa, como vimos neste capítulo. Ericson (1989), por exemplo, defende que a assessoria de imprensa desempenha uma função absolutamente legítima na dinâmica dos media. E Daniel Boorstin (1961) considera, por seu turno, que os “pseudo-eventos” também podem ser criados por jornalistas, quando estes, na vertigem do “furo” jornalístico, empolam acontecimentos sem interesse público ou sequer fundamento factual. Não podemos, pois, ser maniqueísta na abordagem desta questão, pois nem sempre é fácil discernir onde reside o bem e onde repousa o mal. O que parece inequívoco é que tanto assessores como jornalistas, por inerência das suas funções, sabem bem o que são os valores-notícia – ou seja, conhecem as características que um facto ou evento devem ter para serem noticiáveis. Há, pois, um quadro mental ou uma lógica de raciocínio comuns às duas profissões, não sendo por isso de estranhar que, ao longo das suas carreiras, assessores e jornalistas troquem de funções entre si com frequência. Tal não significa, no entanto, que haja sempre um relacionamento cordial ou tão-só respeitoso entre as duas partes. Conforme é relatado neste capítulo, a tensão existe na relação assessores versus jornalistas e, muitas vezes, só é mitigada pelos laços de dependência que se criam. Na verdade, assessores e jornalistas

precisam

uns

dos

outros,

sendo

lícito

afirmar

que

um

relacionamento pró-ativo convém aos dois lados. O mais avisado será então assumir esta relação de dependência, mesmo que ela choque os puristas do jornalismo. Não vale a pena escamotear um facto que os estudos demonstram com tanta clareza, sob pena de se perder a indispensável distância e argúcia na interpretação da informação veiculada pelos media. No torvelinho noticioso diário, nós, cidadãos da sociedade da informação, devemos sempre levar em linha de conta a potencial influência da assessoria de imprensa nas notícias e interpretá-las à luz dessa influência. Estamos em crer, aliás, que essa capacidade de discernimento dos cidadãos consumidores de informação é, já hoje e para o futuro, o principal garante da credibilidade informativa. 231

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

No próximo capítulo vamos fazer uma incursão sobre a assessoria de imprensa política e tentar assinalar as, expectáveis, diferenças de atuação.

232

Capítulo  IV   O  spin  doctoring  e  a  sua  matriz  de   comportamento  

233

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

234

Nobody is going to package me. I’m not an actor. I’m just going to be myself. I’m the same Nixon. (Richard Nixon cit. in Shayon, 1969: 58)

Look at that bloody man Campbell sitting on the only chair in the room. He didn’t stand up, he didn’t even acknowledge me, he just stayed there sprawled out using his mobile phone. (Príncipe Carlos cit. in Oborne & Walters, 2004: 227)

The idea of spin was articulated by George Orwell in his classic

1984,

in

the

form

of

‘newspeak’.

In

Orwell’s

totalitarian state, those in power controlled thought by controlling language. Today, signs of political language control everywhere. (Shaiko, 2008: 205)

Introdução

Como temos visto neste estudo, os spin doctors desenvolvem ações de relações públicas exclusivamente no âmbito da dinâmica política. Isto significa que, para lá do domínio das técnicas de comunicação, estes profissionais fazem uso de estratégias e ferramentas eminentemente políticas. Consequentemente, o seu relacionamento com os jornalistas assume uma especial sensibilidade, uma vez que a política, como sabemos, é pródiga em jogos de ilusões, manobras de diversão e mise-en-scène várias. Spin doctors e jornalistas da área política desenvolvem entre si relações muito complexas, cujos resultados têm por vezes consequências na qualidade da vida democrática. 235

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

Neste contexto, afigura-se importante saber até que ponto os spin doctors contribuem para a artificialização, tacticismo, teatralidade e até falsidade que hoje caracterizam a política. E, naturalmente, compreender se há algum tipo de cumplicidade ou responsabilidade dos jornalistas nesta deterioração da política, que muito tem concorrido para o afastamento dos cidadãos face aos seus representantes democráticos e às suas ações públicas. Neste caso, o spin doctoring já não será apenas causa e/ou efeito da crise política, mas também um sintoma da deliquescência dos modelos de jornalismo tradicionais. Pretende-se também, para além de uma extensa bibliografia sobre o spin doctoring e a comunicação política, investigar os jornais norte-americanos The New York Times, Washington Post, e dos britânicos Guardian, The Independent, Sun e The Mirror para compreender a actuação dos spin doctors e o verdadeiro significado do epíteto. A análise incidirá nos arquivos on-line de todo o conteúdo publicado, ou seja: desde a data de fundação de cada título até aos dias de hoje.

1. Popularização do spin doctoring Como vimos anteriormente, foi durante a corrida eleitoral de Reagan à Casa Branca (contra Mondale), em 1984, que William Safire, usou pela primeira vez o termo spin doctor para descrever o comportamento de “uma dúzia de homens em bons fatos e mulheres em vestidos de seda” (Safire, 1984). O termo que Safire popularizou parece ter nascido da conjugação do doctor of publicity, usado por Ivy Lee, com o spin frequentemente aplicado nos artigos de James Reston 119 . Mas pode igualmente ser entendido como mais uma atualização para denominar depreciativamente a assessoria de imprensa política, tal como no passado foram usados os termos propaganda, spin a yarn, ballyhoo, plutogoges ou flackery.

119

Verificamos que James Reston tinha usado um pouco antes, em 1981, o termo “spin” em pelo menos dois artigos (Reston, 1981a, 1981b), quando Mondale foi escolhido pelos Democratas como candidato contra Reagan na corrida presidencial.

236

Aliás, um dos assessores de Ronald Reagan, Marlin Fitzwater no seu livro Call the Briefing (1995) tem um capítulo sobre spin doctoring que sintomaticamente intitula – “Spin and other yarns” (Ibid.: 198). Também o próprio Safire, sem nunca ter referido o spin introduzido por Reston no noticiário político, adianta parte desta explicação num artigo publicado no primeiro dia de setembro de 1986, em resposta a um outro cronista do The Washington Post, Paul Taylor: O seu significado baseia-se na gíria do verbo “girar” [spin] e que, na década de 50, significava enganar: spin a yarn. Mais recentemente, como um substantivo, spin passou a significar (…) colocar uma notícia no ângulo certo para atender às nossas predileções e interesses (Safire, 1986).

Numa pesquisa que efetuámos aos arquivos on-line dos jornais britânicos Guardian, The Observer, Sun e The Independent120 até novembro de 1990, data em que Ingham resignou ao cargo, só identificámos três artigos onde o termo spin doctor foi usado. O primeiro foi uma crónica de opinião no The Observer onde o autor, Neal Ascherson (1986: S/P), ataca Bernard Ingham por tentar, através da mentira e da manipulação, colocar sob uma “luz favorável” o Governo de Thatcher. Curiosamente, Ascherson explica aos leitores que spin doctoring é exatamente igual a spin a yarn121 É interessante referir também que em 1985, e com 94 anos de idade, Edward Bernays (1985) escreveu um artigo onde critica o uso indevido do termo PR para descrever atos de operatives e lobbyists das campanhas políticas (Bernays, 1985: 27). Talvez tenha sido uma tentativa de Bernays para imunizar as relações públicas do sentido negativo que o novo termo, crescente de popularidade, lhe conferira. Sobre esta questão terminológica, interessa ainda referir que durante uma entrevista do assessor de imprensa de Reagan, Michael Deaver, ao programa televisivo CBS This Morning (em 1988, tendo por tema central Pollsters, Packagers and the Press), o apresentador da CBS parece ter utilizado o termo

120

Teve a primeira publicação só em 7 de outubro de 1986. Há autores que erradamente atribuem o aparecimento do termo numa crónica do Guardian, em 1988 (Gewirtz et al., 2004). 121

237

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

pela primeira vez na televisão, ao perguntar “what, exactly, is a spin doctor?” (Gerard, 1988).

2. Primeiros estudos académicos sobre o novo epíteto Os investigadores do departamento de jornalismo da Universidade do Texas, James Tankard e Randy Sumpter (1993), foram os primeiros a estudar o termo spin doctor. Realizaram, então, um levantamento de todas as notícias que usaram o termo spin doctor na imprensa norte-americana entre 1982 e 1992. Tal como foi referido, esta nova denominação de assessor de imprensa surge pela primeira vez em outubro de 1984, na crónica do The New York Times de Willian Safire. Entre esta data de criação e dezembro de 1987, só foram identificadas 23 referências. Em 1988, porém, o número subiu para 131, por causa do lançamento de uma banda de rock alternativo chamada The spin doctors e de um programa televisivo com o mesmo nome (Ibid.: 8). Os autores só identificaram referências a este termo associado, de facto, à assessoria de imprensa política, e com grande expressividade (em 1553 artigos) em 1992. Ou seja, por altura das primárias republicanas entre George Bush (pai) e Dan Quayle. Apesar de ser empregue por 85% dos jornalistas mais de uma forma neutral (53%) do que negativa (46%), os autores identificaram uma tendência de crescimento do uso do termo pejorativamente (até porque só 1% dos artigos teve sentido positivo) ou, quanto muito, “de alguém que fica atrás do repórter e da máquina de escrever a tentar determinar a forma como a notícia deve ser escrita” (Ibid.: 10-13). Também John Walcott (1992) publica um artigo na US News & World, intitulado Land of Hipe and Glory: Spin Doctors on Parade onde critica a orquestração de fugas de informação com o objetivo de dar mais impacto aos discursos de Bush. Por outro lado, o livro de John Maltese (1992), Spin Control, que descreve as assessorias de imprensa políticas entre as presidências norteamericanas de Kennedy e Clinton, trouxe uma nova variação ao epíteto, que o autor descreve da seguinte forma:

238

[Spin doctoring] significa torcer uma história para se tirar máxima vantagem, usando press releases, rádios e outras fontes amigáveis para fornecer o ângulo que coloca a história na melhor “luz favorável”. O “spin” bem-sucedido envolve muitas vezes convencer os media a entrar no jogo – através de fugas de backgrounders ou outros métodos de persuasão. (...) Às vezes, no entanto, o spin control pode atingir o mesmo resultado não convencendo os repórteres, mas simplesmente tornando-lhes a vida mais fácil: ou seja, o próprio gabinete de imprensa entrega-lhes o trabalho já feito. (Maltese, 1992: 213-214)

Em Portugal, Nelson Traquina (1993) é o primeiro a referir-se aos spin doctors a propósito das “formas que indiciam a proeminência dos media” das sociedades modernas: ... a infiltração irresistível e contagiosa da televisão na vida quotidiana das pessoas; a criação e a implantação dum novo agente social que dá pelo nome de conselheiro mediático, tido como arma indubitável de qualquer organização ou instituição; o velho mas agora renovado, modernizado e totalmente indispensável trabalho propagandístico de querer influenciar a cobertura jornalística, certificada pela recente designação dos chamados spin doctors (comunicadores especializados na arte de influenciar a cobertura dos media noticiosos)... (Traquina, 1993: 14)

Mas foi com a chegada de Tony Blair à liderança do Labour, em 1994, que os spin doctors e a sua atividade se popularizaram. Importa recordar que os trabalhistas ingleses se encontravam na oposição há 16 anos, além de que a sua imagem estava desajustada face às alterações políticas e ideológicas ocorridas em toda a Europa, após a queda do Muro de Berlim. Neste contexto, Peter Mandelson, então responsável pela comunicação do Partido Trabalhista, o Labour, viu na entrada do novo líder a oportunidade de refundar o partido e de criar uma nova política de comunicação. Dentro desta estratégia, Peter Mandelson decidiu também contratar Alastair Campbell, seu amigo e editor de política do Today, para porta-voz do partido e escolheu a rosa como novo símbolo dos trabalhistas. Nasceu, assim, o New Labour (Louw, Eric, 2010).

239

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

Ainda antes da corrida eleitoral de 1997, na qual Tony Blair chega a primeiroministro, já abundavam na imprensa britânica notícias sobre o trabalho da dupla Mandelson e Campbell. Notícias essas em forma de “guia” sobre como lidar com esta “nova” atividade, como é o caso dos artigos Doctors in the House (Jones, N., 1995a) ou Trust me, I”m not a doctor (Langdon, 1995), ou a demonstrarem já alguma inquietação pela forma como os spin doctors atuavam com os jornalistas: Spinning out of control? (Craing, 1996), Spin, whores, spin (Langdon, 1996), Making a name in politics (White, M., 1996), Party free or pati pris? (Preston, 1997), entre muitos outros. O termo começou a circular entre os leitores da imprensa política e rapidamente se propagou pela população britânica, tendo o próprio Campbell chegado a desabafar: “Até mesmo a minha mãe me perguntou no outro dia o que era um spin doctor. Portanto, sabe Deus a ideia que as pessoas fazem disto” (Alastair Campbell cit. in Preston, 1996). Campbell tinha razões para se preocupar com a reputação, pois, para o comum britânico, o spin doctor é alguém que se situa entre “um assaltante, um passador de droga e um agente de imobiliária” (Richards, 2005: xi), alguém que “oferece um whisky novo como sendo velho” (Stark, 2000: 4), ou, na melhor das hipóteses, “uma forma eufemística de chamar manipulador” (Andrews, 2006: 32). Os spin doctors eram quase sempre descritos, nas colunas dos jornais britânicos, como “príncipes das trevas”, “lado negro da força”, “demónios”, “agentes

da

escuridão”,

“sombras”,

“mestres

das

artes

negras”,

“maquiavélicos”, “mentirosos” e “manipuladores”. Estes termos negativos são também amplamente usados por vários investigadores da sociologia do jornalismo, que procuram compreender o spin doctoring e seus efeitos (Schlesinger, 2001; Davis, 2003; Franklin, 2003; Seymour-Ure, 2003; McNair, 2003 [1995], 2004; Schlesinger, 2006; Manning, 2010). O spin abandona, assim, o sentido inicial de James Reston e passa a ser um eufemismo de engano.

240

O spin é um bordado de uma verdade num tecido de mentira com vista à produção de uma peça de roupa vistosa mas que também proteja ou oculte a crítica pública (Fitzwater, 1995: 220). Os spinners induzem em erro por meios que vão desde as omissões às subtis mentiras. Pintam um retrato falso da realidade por enviesamento dos factos, descaracterizando as palavras, ignorando ou negando provas cruciais, ou apenas “spinning a yarn” (Brooks, 1999: vii) O trabalho dos spin doctors é o de antecipar-se a uma tendência desfavorável, introduzindo por vezes uma favorável, permitindo uma poderosa manipulação e distorção do processo democrático (Street, 2011: 10).

Como se percebe, muitas foram as acusações sobre o efeito dos spin doctors no jornalismo, na política e na opinião pública. Aliás, tal como já havia acontecido em tempos idos sobre a ação dos press agentry, dos publicists e dos public relations. As acusações chegam, até, a responsabilizar os spin doctors pelo afastamento e o cinismo do cidadão face à política e à vida pública. Mas, nesta “amarga batalha sobre o controle de enquadramento e definição da realidade política” (Vreese & Elenbaas, 2008: 301), duas correntes podem ser distinguidas na vasta literatura sobre o assunto: uma que culpa os media e outra que culpa os políticos e, em particular, a principal forma de profissionalização da comunicação política – o spin doctoring. Ressalve-se que esta visão já havia sido defendida por vários autores clássicos, enquadrados em dois grandes grupos não totalmente estanques: uns que denunciaram

a

propaganda

ao

serviço

do

poder,

conforme

vimos

anteriormente nesta investigação (Packard, 1957; Lippmann, 1982 [1922]; Herman & Chomsky, 1988; Ramonet, 2000; Chomsky, Noam, 2002 [1991]); e outros que apontaram o dedo ao poder económico, legislativo e político resultante da lógica capitalista, como está patente no Capítulo I deste estudo (Curran, 1990; Hall, 1993 [1973]; Curran, 2005).

241

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

Mas, neste trabalho, interessa-nos sobretudo tentar perceber se a causa deste divórcio social tem como origem a ação dos spin doctors, pelo que propomos uma rápida incursão pela crise da comunicação política.

3. Há efeitos nefastos do spin doctoring? Num período inicial, e antes de Blair chegar ao poder, as acusações que eram descritas nas notícias e editoriais supracitadas eram: 1) as pressões exercidas ao noticiário da BBC (ainda sob governação dos conservadores); 2) o segredo em torno de algumas iniciativas políticas, 3) a consequente “fuga” para os meios de comunicação que mais lhes convinham e 4) a negociação da cobertura com as altas chefias da redação. O correspondente de política da BBC, Nicholas Jones (1995b), inicia à época uma autêntica cruzada contra Campbell e Mandelson. Publica, então, artigos e um livro onde denuncia o modus operandi desta dupla, admitindo, em contraponto, o “fascínio” pelo “equilíbrio” de Bernard Ingham (Jones, N., 1999: 12). Para este jornalista, os spin doctors conseguiam instalar um permanente burburinho nos media muito por causa da “capacidade que tinham de influenciar e manipular jornalistas políticos, que pactuavam na expectativa de virem a ter um exclusivo numa próxima vez” (Jones, N., 1999: 16). Denúncias que, mais uma vez, se centravam na gestão de cachas que condicionavam, regularmente e com grande intensidade, a ordem do dia dos media britânicos. Acrescentava-se ainda que “quando os spin doctors não conseguiam alcançar o efeito desejado recorriam à intimidação” (Jones, N., 1995b: 124), numa relação que se limitaria a “caçadores” e “caçados” (Jones, B., 1991: 1). “Bullying, ameaçando e dizendo raramente toda a verdade, era o modus operandi de Campbell” (Jones, B., 1999: 15). O autor de Spin Cycle: How the White House and the Media Manipulate the News, Howard Kurtz (1998: xvii), também refere que “o spin tem ocupado um tipo de zona cinzenta entre a candura e a mentira deslavada”. Já David Michie (1998: 149), em Invisible Persuaders, denuncia a chegada dos spin doctors ao “dark 242

underworld” das celebridades, estrelas de cinema e músicos de primeiro plano. O autor estima que metade das notícias sobre celebridades nascem nas secretarias dos spin doctors, nomeadamente da bête noire desta indústria e que controla 75% das figuras públicas: Max Clifford (Ibid.: 153-154). À entrada do spin nas empresas, instituições e personalidades não políticas David Miller (2004a) chama de privatising spin. Mas para perceber estas acusações, mais aquelas que foram descritas no II Capítulo, temos de recuar para os anos 80. Ou seja, para a altura em que os media se tornam mais independentes da política e começam a interessar-se por outros conteúdos potencialmente geradores de maiores audiências. Os políticos, para conseguirem entrar neste espaço saturado, tiveram que maximizar as técnicas de comunicação política à medida dos media, cedendo para que “os conflitos e as personalidades se tornassem o mais importante” (Strömbäck, 2008: 238). Jay Blumler (1990) foi um dos primeiros autores a defender que os spin doctors degradam a vida política e social das democracias ocidentais. O assessor de imprensa, diz, procura uma luz favorável para os “seus” políticos através da adequação das mensagens aos requisitos e aos formatos jornalísticos, assim como aos “valores-notícia” e aos hábitos de trabalho dos repórteres. Tudo desenvolvido num exigente planeamento antecipado e com recurso a sofisticadas

competências

significativo

nível

de

técnicas.

Por

profissionalização

todas das

estas

fontes

razões,

emergiu

um como

imperativo (Blumler, 1990: 104).

Segundo Blumler, as fontes não só eram “assíduas”, “talentosas” e “fashioning” nas mensagens para os media como também conseguiam “mergulhar os jornalistas naquilo que parecia ser uma profunda manipulação da opinião pública” (Ibid.em). Mas o sucesso e a proliferação desta atividade tiveram consequências. Os políticos, por exemplo, começaram a seguir mais as linhas sugeridas pelos assessores do que a ideologia política ou as reais decisões de Estado (Ibid.: 243

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

107), criando na mente coletiva atribuições de caráter negativo em relação aos protagonistas políticos. A política tornou-se mais personalizada – centrada nas características dos protagonistas políticos –, porque é mais fácil “vender” um indivíduo do que explicar e promover ideias de governação (Ibid.: 109). A responsabilidade por esta vertigem voyeurista reside, para o autor, no “moderno processo de assessoria de imprensa”122 [modern publicity process], que ocorre “muito nas profundezas” e que procura ferozmente “moldar a opinião pública”, ocupando os “limitados espaços noticiosos” com artigos favoráveis sobre os candidatos e governantes (Blumler, 1990: 104). Blumler demonstrou ainda que a profissionalização das fontes, para além de promover um aumento das mensagens negativas sobre os protagonistas políticos, os seus eventos e os processos de decisão, tornou o trabalho jornalístico mais complicado. Aos jornalistas passou a ser requerido um forte distanciamento de toda a máquina propagandística em que o seu trabalho surge envolvido, mercê da intervenção das fontes. Houve, portanto, a introdução de uma certa dose de maquiavelismo no processo de comunicação. Consequentemente, para além da luta já aqui referida, a noção de liberdade de pensamento e debate de ideias tornou-se pura ilusão (Ibid.: 109-111). Blumler, Kavanagh e Nossiter (1996) descrevem também grandes prejuízos para a democracia. Por exemplo, o serviço público de televisão no Reino Unido, a BBC, não conseguiu resistir e cedeu aos sofisticados ataques dos spin doctors ao ponto de perderem os temas essenciais (economia, finanças, saúde, educação, etc.) e se centrarem em jogos de personalidade. Supressão, através de uma excessiva ação orquestrada, de alguns ingredientes

que

tornavam

a

política

atrativa

e

bem-sucedida

na

comunicação: a espontaneidade, alguma imprevisibilidade, o sentido de aventura e luta com a realidade através, quase sempre, de um jogo discreto de perceções e aparências (Blumler et al., 1996: 68).

122

Mais tarde denominada também de “moderno processo de comunicação política” [modern political communications process] (Blumler et al., 1996: 50)

244

Outro pilar deste paradigma é a obra The Crisis of Public Communication de Blumler e Gurevitch (1995), na qual se defende que a crise na política tem por base o método de construção de uma figura política. Nesta constatação estão subjacentes o “calculismo e tortuosidade dos políticos, o jornalismo sensacionalista e a indiferença do eleitorado” (Ibid. 213). Diz-se ainda na mesma obra que, por estarem “incorporados numa grande estrutura de assessoria de imprensa” (Ibidem), os políticos são aconselhados a agir “entre a autenticidade e a manipulação, entre o calculismo e a espontaneidade” (Ibid.: 220). O desgaste provocado por estes elementos conduziu à despolitização das democracias ocidentais, que foi sendo encorajada pelos media (em particular pela televisão), por altas personalidades e pelos poderosos talk show man – que “representam uma nova forma de fazer política através da não-política, conseguindo poder sem responsabilidades” (Ibid.: 213). Chamando-lhe “vácuo político” [political vacum], Blumler e Gurevitch salientam que a fraturada linguagem dos políticos e a manipulação forçada dos peritos de comunicação levaram à instituição do cinismo e à ideia estereotipada de que os políticos procuram somente poder e benefícios pessoais. Também a apresentação da política como um jogo, a ausência de contacto com as populações após as eleições, a troca do substrato discursivo pelo soundbite sintético, a mensagem restrita aos interesses dos políticos e dos media e a tendência para o enquadramento negativo das reportagens políticas são

causas

desta

crise

(Ibid.:213-215).

Mas

a

profissionalização

da

comunicação política parece ser, em grande parte dos estudos (Blumler, 1990; Blumler & Gurevitch, 1995; Blumler et al., 1996; Blumler & Gurevitch, 2005), o fulcro e o desgaste da política. Vamos, por isso, continuar a tentar perceber melhor este processo.

4. Terão sido os media os promotores da instabilidade sociopolítica? Como



aflorámos,

no

pós-Segunda

Guerra

Mundial,

os

meios

de

comunicação social tornaram-se gradualmente mais independentes do poder e 245

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

os políticos começaram a seguir a pressão mediática imposta pelos media. Ainda que, convém sublinhar, as principais fontes de informação do jornalismo continuassem a ser a política e o poder (Becker, 1967; Sigal, 1973). Foi, pois, neste período que os políticos começaram a sentir maior necessidade de recorrer a técnicos com competências em relações públicas (Kelly, S., 1956) e em news management (Seymour-Ure, 1968). Sem sombra de dúvida que todos políticos acreditam que a imprensa tem impacto nas atitudes e comportamentos das massas. Isso faz com que o conteúdo da imprensa seja ainda mais importante para eles (Seymour-Ure, 1968: 285-286).

Já então não havia dúvidas de que a construção de um político passava obrigatoriamente por um relacionamento efetivo com grupos de pressão e/ou com os media, em ambos os casos com recurso às técnicas de relações públicas (Jackson & Lilleker, 2004). Por isso, este foi o período de maior crescimento da indústria das relações públicas na política, tal como documentam as obras de Stanley Kelly (1956), Profissional Public Relations and Political Power, de Douglass Cater (1959), The Fourth Branch of Government, ou ainda, numa perspetiva negativa, as denúncias de Vance Packard (1957), com The Hidden Persuaders, e de Daniel Boorstin (1961), com The Image: A Guide to pseudo-events in América. Mas Kurt e Gladys Lang (1966) foram os primeiros a fazer a ligação entre o crescimento do volume noticioso e os sentimentos de decepção com a política americana. Perceberam que as notícias que exploravam o cinismo político, ao serem visionadas repetidamente por “espectadores ocasionais” [inadvertent audience] e sem background em assuntos públicos, tinham consequências negativas para o sistema democrático dos EUA (Ibid. 464). Os meios de comunicação de massa, pela forma como estruturam a realidade da política atual, podem contribuir para uma desconfiança generalizada

e

crónica

da

vida

política.

Tal

desconfiança

não

é

propriamente uma marca de sofisticação, demonstrando sentido crítico. É de caráter projetivo e constitui uma reação defensiva contra as regulares

246

crises políticas realizadas para determinar o destino das pessoas, bem como contra o que são definidos como esforços deliberados para mobilizar o sentimento político (Lang & Lang, 1966: 466).

Este sentimento antipolítica viria a ser denominado por Michael Robinson de “videomalaise” (Robinson, 1976). Neste conceito, as notícias encaixam num conjunto de características comuns. A saber: 1) magnitude e forma anormal dos acontecimentos; 2) transmissão em programas tidos como credíveis; 3) natureza interpretativa da própria cobertura; 4) tom negativo das notícias; 5) ênfase no conflito e na violência; 6) postura anti-institucional dos programas de televisão. A difusão de notícias com estas características, em particular nos telejornais, promove a desconfiança e a insatisfação pública em relação à política123, considera o autor. Por outro lado, as campanhas eleitorais nos EUA começaram a ser apresentadas pelos media como jogos de alta competição do ataque e do insulto, onde nem as manobras de bastidores faltavam124. Esta atuação levou igualmente a que a opinião pública começasse a ver os políticos como calculistas, manipuladores e enganadores (Cappella & Jamieson, 1997: 224). A este efeito sobre a opinião pública, Cappela e Jamieson (1997) chamaram de “espiral de cinismo” [spiral of cynicism].

123

Em contraste com o “videomalaise”, a teoria do “círculo virtuoso” [virtuous circle] (Norris, 2000) sugere que os consumidores regulares de notícias de televisão geralmente exibem atitudes mais positivas em relação à política e ao governo, reforçando-se assim o conhecimento prático, a confiança política e o ativismo cívico. Norris (1999) defende que um evento político, por exemplo em torno do ataque às torres gémeas, pode estimular um aumento da confiança no “patriótico” sistema político. "Contrariamente às teorias do videomaliase, os efeitos cumulativos de assistir a telejornais e de ler imprensa são, em grande parte, positivos" (Norris et al., 1999: 182). Mas alerta: deve existir uma forte delimitação entre política e entretenimento e um incremento da “cobertura séria da política” (Norris, 2000, p. 28). A abundância de órgãos de comunicação social como uma espécie de abundância política, facilitando a circulação de informações e oportunidades para se construírem convicções políticas, já havia sido descrito por Page e Shapiro (1992) como “público racional” [rational public]. Isto é, o grande volume de informação que circula de forma diferenciada permite que "as preferências políticas do público americano sejam predominantemente racionais" (Page & Shapiro, 1992: xi). Há também autores que referem que o “videomaliase” não pode depositar culpas no modelo de jornalismo que cobre escândalos, corrupção e denúncia crimes políticos – o watchdog journalism –, pois perder-se-ia a essência do jornalismo. (Norris, 2011; Street, 2011). Afinal, o enfoque negativo, a investigação jornalística e o watchdog journalism são a essência desta atividade. Todavia, a procura de personalização, a pressão comercial, o abuso do jornalismo interpretativo propiciaram o aumento do “retrato distorcido dos assuntos políticos” e a atitude “refractária do processo de governação” (Patterson, 2000 [1997]: 84). Por isso, Larry Sabato (1993) prefere apelidar este modelo de junkyard dog journalism. Uma espécie de fusão entre o muckraking e o watchdog, que se caracteriza pelo “florescimento de uma voragem frenética” [feeding frenzy] pelas notícias duras, agressivas, intrusivas e coscuvilheiras” da esfera privada dos candidatos (Sabato, 1993: 43). 124 Vreese e Elenbass (2008: 301, 299) confirmaram, mais tarde, que a exibição dos bastidores estratégicos dos políticos potencia, junto dos indivíduos expostos, o desencadeamento de um comportamento cínico em relação à política. Mas demonstraram, igualmente, que os media não aumentam os níveis de cinismo político de forma tão significativa como as ações dos assessores de imprensa.

247

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

Assiste-se, portanto, a um processo de afunilamento da comunicação pública, bem representado pela “espiral do silêncio” (Noelle-Neumann, 1993 [1973]) e também pelo knowledge gap (Tichenor et al., 1970) Com o aumento da difusão de informação dos mass media na sociedade, os segmentos de maior nível socioeconómico tendem a adquirir a informação mais rapidamente do que os mais baixos, de modo que a diferença de conhecimento entre oestes dois grupos tem tendência para aumentar em vez de diminuir (Tichenor et al., 1970: 159).

Neste sentido, a formação de conhecimento por parte dos cidadãos fica confinada à televisão e o “senso comum” [common knowledge] (Neuman et al., 1992) torna-se a batuta da comunicação política. Também Robert Putnam (1995) se refere a uma forte “descapitalização social” e aponta os media, em particular a informação televisiva, como os responsáveis por esta tendência. As razões apresentadas pelo autor são a concorrência entre os diferentes canais e os efeitos psicológicos, pois refreiam a participação social – o bowling alone – e as motivações cívicas. Mais tarde, Putman (2000: 237-238, 242) conclui que a televisão, ao “competir com o escasso tempo”, " inibe a participação social ", “mina a motivação cívica" e induz "letargia e passividade". Na atualidade, e perante a dificuldade dos políticos em entrarem no espaço mediático, só lhes resta tentar captar a atenção dos media com recurso a cenários, narrativas e imagens que consigam ir ao encontro de editores e jornalistas políticos. [Os políticos] tentam [atrair os media] através de todo o género de artes: novelas, pinturas, contos, filmes, dramas, sitcoms, impressionantes rumores e até memoráveis piadas. Em todas estas peças noticiosas procuram influenciar o maior número de pessoas, através da definição de atraentes imagens (Edelman, 1996: 1).

Os políticos como que entraram num processo irreversível em que as suas ações competem com o noticiário desportivo e a ficção televisiva. Tudo porque o entretenimento assumiu uma importância igual à do jornalismo. Quem o diz 248

é o politólogo inglês John Street (2011: 2), que considera que a tradicional forma de comunicação política foi sendo reconstruída e remodelada para conseguir entrar no espaço mediático. Neste sentido, pode afirmar-se que os políticos foram forçados a vestir-se à medida dos géneros e dos suportes jornalísticos. Começou a ser moda retratar a vida política em peças jornalísticas que empregam narrativas próprias da sátira, do enredo novelístico ou do humor. Os políticos tornaram-se, assim, “celebridades políticas” [celebrity politics] (Street, 2011: 8, 236); “foram trivializados e a democracia foi prejudicada” (Ibidem). Ainda de acordo com esta corrente de pensamento, que considera a política eminentemente como uma “experiência mediada” (Delli Carpini & Williams, 2001: 161) e não como uma cobertura séria (Norris, 2000), o significado político passou também a ser uma ação de entretenimento. Delli Carpini e Williams (2001) dão o escândalo sexual que envolveu Bill Clinton e Monica Lewinsky como exemplo da criação, pelo jornalismo político, de cenários de hiperrealidade [hyperreality] (Delli Carpini & Williams, 2001: 170) no ambiente

mediático.

Ou

seja,

as

notícias

foram

enquadradas

com

acontecimentos impossíveis de definir se eram realidade ou ficção125. Tudo foi feito para desviar as atenções dos assuntos essenciais, tal como foi ficcionalmente narrado no filme de Barry Levinson, Manobras na Casa Branca (1997) [Wag the Dog], em que guerras virtuais são inventadas com o objetivo de criar uma nova realidade política. Mário Mesquita (2003), em o Quarto Equivoco, alerta para as transformações na comunicação política que se começam por caracterizar por: 1) Uma subordinação ao acontecimento que se caracteriza pela “prescrição quase instantânea das notícias” que tenham acontecimentos (Ibid.: 96); 2) Primado do direto televisivo ou a febre do direto que anula a crítica do jornalista que em vez de notícias oferecem “informação permanente sem interpretação e

125

Mário Mesquita (2003: 232) reporta o aparecimento deste modelo às telecerimónias do Estado Novo, nos anos 40, e da autoria de António Lopes Ribeiro.

249

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

interpretação permanente sem informação” (Helmut Schmidt cit. in Mesquita, 2003: 96); 3) O predomínio dos esquemas binários que simplificam a mensagem e facilitam a compreensão do consumidor de notícias; 4) A hiperpersonalização da vida política como forma de legitimação o poder; 5) Valorização das dimensões não verbais, quer a dimensão gestual, como sonora; 6) A regra da redundância como forma simplificada de criar frases simples e duradouras no espaço publico; e 7) Confusão da política e do entretenimento onde o telejornal é encarado como um show (Ibid.: 100). Também João Carlos Correia (2004) refere que a lógica comercial das notícias potencia que os temas públicos sejam “instrumentalmente despolitizados” (Ibid.: 162) para serem mais facilmente consumidos. Como consequência o produto jornalístico exibe temas “numa diversidade esfuziante mas ilusória” (Ibid.: 163). E Rita Figueiras (2005) acrescenta que, na lógica do jornalproduto,

as

notícias

são

desenvolvidas

por

estratégias

associadas

à

publicidade, tais como: ”traços de personalidade sedutores, como irreverência, divertimento, segurança, perseverança” (Ibid.: 14) e como recurso “a notíciaslogan: minimalista no conteúdo, mas elaborada na forma” (Ibidem). Desta realidade surgiram conceitos como os de media democracy (Meyer, 2002), mediated politics (Bennett, L. W. & Entman, 2005), new politics (Barnhurst, 2011) e hype politics (Louw, Eric, 2010), que entendem a comunicação política não como um processo de escolha racional e um incentivo ao julgamento racional dos indivíduos, mas antes como uma subjugação à emoção e ao espetáculo. Ou, dito de outra forma, um espaço que se situa “a meio caminho entre o ritual e o espetáculo” (Mesquita, 2003: 357). Sempre com “a assessoria de imprensa como anel de ouro entre a política democrática e a sociedade do infoentretenimento” (Dean, 2001: 624). Para Thomas Meyer (2002), a persistência do conflito como forma de competir com um adversário e o recurso a cenários high-profile para apresentar medidas políticas ou governativas demonstram a subjugação da política aos media. Subjugação essa que conduziu a política para campos destrutivos, considera o mesmo autor (Meyer, 2002: 73,74). Um exemplo disto foi a criação de 250

espaços de debate político ligeiro e de entretinimento – o chamado politainment

126

–, numa clara cedência aos desejos dos produtores de

audiovisuais misturarem os quality media com a televisão popular e comercial. Sempre com o objetivo de subir audiências, sublinhe-se (ibidem). Com este processo, a política resvalou para a infantilização, mediocridade e populismo. Houve, pois, um “emburrecimento da política” [dumbed down politics] (Ibid.: 77-83). Este estado de estupidificação é potenciado por dois mecanismos de seleção dos acontecimentos, realizados pelas organizações noticiosas: o primeiro, mais tradicional, passa por cumprir os valores-notícia; o segundo envolve as “présensações e intuições jornalísticas pelas quais a atenção pública é agarrada” ou a predisposição pública para um determinado assunto (Ibid.: 41), tipicamente ligado a acontecimentos dramáticos e/ou espetaculares, num processo impulsionado por interesses comerciais dos media e que acaba por dar às audiências aquilo que estas querem e pedem. O jornalismo tende a dar ao público aquilo que os jornalistas acham que o público precisa ou quer, pois pensam que esta é a melhor forma de se adaptarem à crise e de tratarem os sintomas da perturbação sentida. (...). Mas... os sintomas são parte de uma significativa mudança estrutural que não pode voltar a ser refeita (Chris & Broersma, 2012: 3).

À luz desta lógica jornalística, os políticos tornaram-se cada vez mais teatrais e estetizados. Isto significa que passaram a procurar adaptar-se aos media, o que Meyer apelidou de “colonização da política” [colonize politics] (Meyer, 2002). Mas, paradoxalmente, passar mensagens e imagens políticas através dos media tornou-se um jogo irónico, porque, “nesta estranha dança”, sempre que um político “arrisca um comentário espontâneo, os jornalistas examinam ao pormenor as suas implicações e convidam os seus adversários a pronunciarem-se” (Bennett, L. W., 2012: 121).

126

Dorner, A (2001) – Politaiment. Suhrkamp. Frankfurt. (Cit in Meyer, 2002: 77)

251

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

Por isso, a política institucionalizou a “persuasão racional” [rationalisation of persuasion] (Negrine et al., 2007) como forma de mensagem, numa prática continuada que vem desde os finais da década de 80 (Butler & Kavanagh, 1993), e os políticos “aprenderam a manter-se nas linhas definidas pelos spin doctors” (Bennett, L. W., 2012: 212). O resultado é que o público raramente vê um político com espontaneidade. A notícia torna-se, assim, numa espécie de programa de televisão com guião e que pode ser bem menos interessante do que o ‘American Idol’... (Ibid.: idem).

A imagem instalou-se, inequivocamente, como principal linguagem política, não obstante esta ser materializada muitas vezes por símbolos, frases feitas e retórica. Também os “valores-notícia” foram substituídos pela imagem e a validação e a credibilidade ficou reduzida à formula: “a quem se aplica”; “que imagem”; “qual evento” e “sob que circunstância” (Ibid.:123).

5. Ataque e defesa aos spin doctors Parece então que a procura jornalística da “boa estória”, exponenciada por uma predisposição para o invulgar e o sensacional, distorce os assuntos públicos e transmite uma imagem refractária do processo de governação. Tal acontece porque as notícias são veiculadas como se tratasse tão-só de uma luta pelo poder e, secundariamente, sobre o exercício do mesmo. O imediatismo e o conflito, centrado na acusação e contra-acusação, eram e são, na maior parte das vezes, o que constitui o noticiário político (Patterson, 2000 [1997]). Por outro lado, o facto de o jornalismo estar sôfrego de informação antecipada e exclusiva e não aceitar nada que não seja novidade e revelação, abandonando a sua tradicional função de reportar os eventos que aconteceram (Lippmann, 1982 [1922]), contribui para que o discurso político seja instantâneo, superficial e estrategicamente preparado (Powell, 2011: 204). Cumulativamente, a atual conjuntura de crise da comunicação social expressase de duas formas: primeiro, por um acentuado decréscimo de leitores, que 252

levou a uma redução de meios técnicos e humanos nas redações; segundo, por um aumento da difusão de informação contínua pelas televisões, daqui resultando notícias mal preparadas em que se misturam entretetemento e jornalismo (Ibidem). Esta crise é, de resto, visível na “falta de confiança na classe política”, no “afastamento

da

política

da

sua

verdadeira

essência”,

na

“falta

de

credibilidade do jornalismo”, na continuada “perda de leitores e audiências do jornalismo” (Schlesinger, 2006: 303 e 304) e ainda na adaptação dos representantes políticos à forma e ao tempo da comunicação social. Tudo isto tem sido altamente prejudicial para a política e, em especial, para a governação (Davis, 2003). Por isso, o spin doctoring parece ter “emergido da conceção e da prática angloamericana de jornalismo, (...) não sendo mais do que uma forma de lidar com o ambiente onde está inserido” (Brown, R., 2003: 3). Sendo que os spin doctors fazem parte (e não são a origem) de uma crise na comunicação social e na política (Schlesinger, 2006: 302). Em 2001, Alan Rusbridger (2001), editor do Guardian já aqui referido, proferiu um interessante discurso na Stirling University em que elencou alguns dos problemas que caracterizam o ambiente conjuntural que potenciou o “power of spin”. A saber: 1) a gestão conjunta da agenda política e mediática; 2) a recusa dos políticos em responderem a questões; 3) o uso sistemático do off-therecord; 4) a marginalização do debate parlamentar em favor dos estúdios de televisão; 5) a centralização de poderes no primeiro-ministro, 6) a trivialização da política; 7) o focus na personalidade; 8) a preferência pelo conflito; 9) a procura de audiências e 10) a devassa da vida privada (Rusbridger, 2001: 14). Mas este editor também apresentou questões do jornalismo que potenciaram os spin doctors: 1) o conflito permanente em que os media se movimentam, em que “o meio termo nunca serve”; 2) a verdadeira motivação dos donos e chefias das organizações noticiosas, apesar de estar encapotada, é o lucro; 3) a preferência pelo político que lança soundbites, assim como pelo político que domina artificialmente o media training, em vez de ter um discurso consistente, 253

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

articulado e autêntico; 4) os jornalistas pactuam com as fontes nas divisões, crises e escândalos quando produzem notícias só com fontes anónimas; entre outros aspetos que abrem brechas no jornalismo e potenciam a ação dos spin doctors (Rusbridger, 2001: 12-15). Também Jay Blumler (1990) critica os media por agirem, por vezes, como entidades que “definem as regras do jogo de um determinado caso político” e depois “alimentam” e “articulam” o conflito. Prática que potencia confrontos com os assessores de imprensa, sendo que estes “são profissionais aguerridos que lutam não só com os adversários políticos como também com os jornalistas“ (Blumler, 1990: 104). Refere ainda que os “modernos assessores de imprensa” operam nas “profundezas”, “concorrendo ferozmente uns com os outros para tentar aceder aos limitados espaços noticiosos” através de “sofisticadas” técnicas de propaganda (Ibid.: 107). Cabe, portanto, aos próprios jornalistas saberem como se distanciar de toda a máquina propagandística em que são enredados (Ibid.: 109). Importa ainda sublinhar as consequências da forte presença das televisões na vida pública. Ora, as televisões selecionam persistentes enquadramentos televisivos dos políticos telegénicos e hábeis a passar soundbites, ao mesmo tempo que ignoram aqueles que apresentam longos e sustentados raciocínios. E assim transformam a política num processo de “extrema simplificação” e “trivialização” das ideias, no qual o spin doctoring se encaixa perfeitamente (Franklin, 2004 [1994]: 12). Campbell e Mandelson chegaram a admitir publicamente que o spin doctoring prejudicou a política. Mas não se coibiram de atacar o jornalismo, ao afirmarem que tudo o que era descrito como spinning acabava, ainda assim, por ser publicado. Neste sentido, acusaram o jornalismo de fazer o verdadeiro spin (A. Campbell cit. in Andrews, 2006: 42). E, aparentemente, tudo seria diferente se os jornalistas fizessem as perguntas certas: “Porquê esta história? Porquê esta imagem?” (Street, 2011: 10). Para Nick Davies (2008: 135), a resposta está no facto de o jornalismo ser um

254

negócio: “Tal como vender pão, as notícias são uma forma de ganhar dinheiro”. Para Brain Mcnair (2004), a administração governamental do Reino Unido até melhorou a sua comunicação com os cidadãos depois do advento da dupla de spin doctors de Downing Street. No tempo de Margaret Thatcher, havia um vincado formalismo informativo127: as conferências de imprensa em direto não eram permitidas em Westminster e só um grupo restrito de jornalistas tinha acesso a Downing Street. Campbell e Mandelson conseguiram, igualmente, aumentar a circulação de informação governamental noticiável e responsável [accountability] (McNair, 2004: 335). Aliás, com a entrada de Campbell em Downing Street, os briefings diários passaram a ser dois, às 11 e às 16 horas, e eram publicados imediatamente na página da internet do Governo (Powell, 2011). E com uma mensagem política preparada em função dos públicos a que se dirigia, ao inverso das antiquadas mensagens top-down (Sellers, 2010: 217). Para Stephen Stockwell (2007), o spin doctoring pode mesmo ter uma função na melhoria da nossa democracia, principalmente quando os métodos são amplamente conhecidos ou as suas práticas são motivadas por diversos interesses da comunidade: Claro que o spin só pode ser retratado como uma força positiva e democrática quando estiver disponível para todos, e este é um dos grandes desafios da democracia. Um maior conhecimento das técnicas e das tecnologias do spin doctor por parte dos cidadãos, não só lhes permitirá ler

127

Antes de Tony Blair chegar ao poder, os instrumentos de comunicação que existiam, segundo Ivor Gaber (Gaber, 1999: 264), eram os anúncios governamentais/partidários (através de press releases, conferências de imprensa, declarações à imprensa, entrevistas selecionadas, cerimónias oficiais ou “fugas consentidas” (também conhecidas por “let it be known”) (Gaber, 1999: 265); as reações ao Governo/partido da oposição (habituais respostas e contrarrespostas na habitual disputa política de um parlamento, usando também todas as técnicas descritas no ponto anterior); a promoção de discursos, entrevistas e artigos de opinião (a escolha de dias de pouca informação ou de assuntos que encaixem no tema dominante da ordem do dia são outra forma de fazer passar informação de um político); as reações às entrevistas e artigos de opinião (contrariar e/ou criticar as entrevistas ou crónicas de opinião dos adversários públicos) e os comentários à ordem do dia (breaking news) (“entrar nas notícias” que enchem os

noticiários diários comentando, criticando ou anunciando medidas ou políticas). Tudo ações previstas na assessoria de imprensa regular.

255

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal o debate político de forma mais precisa, como também abre possibilidades de maior participação no debate democrático (Stockwell, 2007: 12).

Há até quem veja esta atividade como um baluarte da democracia e nada mais do que o legitimo direito dos políticos a persuadirem e promoverem as suas ideias no espaço público. Assim pensa Robin Brown, R. (2003), para quem o spin doctoring pode mesmo ser visto como figura de retórica política: O spin doctoring só é encontrado em regimes democráticos. Nas sociedades autoritárias não há necessidade de spin, porque a dominância de narrativas oficiais é conseguida através de restrições sobre o processo comunicativo, a censura, ou por meio de sanções comunicativas (Brown, R., 2003: 9).

Brown acredita ainda que os spin doctors têm o direito de “tentar imprimir notícias más na arena de combate com adversários políticos” pois se não os dominarem serão dominados por eles (Ibid.: 10). Como conclusão deste trabalho, Brown (2005: 11) argumenta que “se entendemos a democracia como um conjunto de regras para a gestão do conflito político, e não como a busca do consenso, então o spin doctoring torna-se um modelo de argumento na política mediada“. Também Kenneth Hick (2008: S/P) refere que o spin é inevitável e que “uma cura seria pior que a doença”. Lance Bennett e Robert Entman (2005) também concordam que um “spin positivo” aumenta e diversifica a informação. Mais escolha significa mais satisfação para o consumidor e mais oportunidades de entrar no discurso público, o que se traduz em mais pontos de vista. No entanto, advertem, o “spin negativo” aumenta a fragmentação do público e, consequentemente, provoca o seu afastamento das notícias, por falta de referências coletivas identitárias. Joe Atkinson (2005: 24) introduz a noção de “meta-spin”, ao referir que o jornalismo como agente manipulador na sua relação com as fontes “tem vindo a utilizar o spin doctoring para diabolizar os políticos e assumir uma pose de heroicos lutadores” (Ibidem). Outro autor também refere que o spin tem sido

256

desculpa para tornar o jornalismo ainda mais “artificial”, “preguiçoso” e “distorcido” (Grattan, 1998: 42). Sobre as acusações de pressão e bullying, um outro editor do Guardian, Hugo Young (2003: S/P), desabafa num editorial que publicou dois meses antes da saída de Campbell: “Give me a break”. Recorda que a relação entre políticos e jornalistas é adversativa e conflituosa nos dois sentidos. Por isso, são frequentes os episódios de hostilidade e agressão: Quando falam que estão a ser intimidados por Campbell ou Mandelson, ou quaisquer luz menor que fale em nome dos profetas do spin doctoring, a culpa só se pode atribuir a quem permite uma partícula de rendição. Basta dizer não. É o mais fácil (Ibidem).

O spin doctoring tenta “orientar”, “definir prioridades” e “insistir”, mas só tem sucesso porque os jornalistas “entram na espiral descendente de insinuações e propaganda criadas pelos políticos. Por isso, é essencial para qualquer democracia que os media sejam “críticos”, “investigadores”, “céticos” e “vigilantes” com toda a assessoria de imprensa (Ibidem). De facto, são poucos os assessores de imprensa neutrais e nenhum é incapaz, de uma forma ou de outra, de tentar manipular. E na luta para conquistar a opinião pública, o spin é a arma mais elementar. Porque é que as pessoas, especialmente os órgãos de comunicação social, gritam que o spin tem que parar? Enoch Powell128 disse que os políticos que se queixam da imprensa são "como um capitão de navio a reclamar do mar” (Ibidem).

Também Alastair Campbell (2002), num discurso realizado em 2001, durante o encontro anual da Media Correspondents Association, apresentou algumas razões para justificar o relacionamento entre os políticos e jornalistas ao longo da governação do New Labour. Para o spin doctor britânico, a principal razão está no aumento da agressividade jornalística sentida nas últimas décadas. Um comportamento que vai ao encontro das expectativas de uma população mais informada, mais crítica e mais exigente, assim como à “pressão extra”

128

Político, escritor, professor de linguística britânico que chegou a ser ministro da Saúde nos anos 60.

257

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

dos patrões dos media para que haja um aumento da procura de conteúdos noticiosos. Campbell recorda, igualmente, que, no final dos anos 70, o The Times tinha 30 páginas ao domingo e, em 2001, apresentava uma edição de cerca de 300 páginas, assim como Thatcher era entrevistada calma e civilizadamente na televisão, enquanto Blair parecia entrar numa partida de boxe. Além disso, disse, que a profissionalização dos políticos aumentou o cinismo dos jornalistas, tornando-os igualmente mais agressivos. Mas o mais surpreendente no discurso de Campbell foi o reconhecimento de que “as consequências foram maiores” do que previam. “Agora, parece-nos que tivemos uma atitude manipuladora (...) e será normal que isto se torne um problema na história”, admitiu (Campbell, 2002: 19). Este jogo do empurra entre media e spin doctors, sempre com a política como motivo, parece que não tem sido proveitoso para nenhuma das partes. Aliás, quando Putnam (1995: 677) procurou culpados pelo divórcio entre cidadãos e política e pela descapitalização social, comparou a situação ao assassinato descrito por Agatha Christie no Expresso do Oriente, em que não há um assassino mas vários e coletivamente responsáveis (Putnam, 1995: 677). Mas, para David Miller (2004b: 380), tudo isto tem consequências bem mais graves, na medida em que indicia que o sistema político falhou e que “a democracia está em perigo de ser abolida”.

6. Assessoria de imprensa versus spin doctoring Sumpter e Tankard (1994) também realizaram um estudo de comparação entre o “modelo tradicional” de assessoria de imprensa e o “modelo do spin doctor”. Perceberam, então, que o “modelo tradicional” era “ativo” na apresentação de temas positivos e favoráveis aos clientes; usava os media tradicionais (imprensa, rádio, televisão); tinha como clientes as empresas e as organizações públicas; empregava as técnicas da assessoria de imprensa (press releases, conferências de imprensa, etc..); desenvolvia uma ação abrangente, pois tanto escrevia como contactava clientes e jornalistas, tirava fotografias ou distribuía newsletters; preocupava-se com os interesses do 258

cliente e do público; segmentava as mensagens para públicos específicos; preservava a sua imagem profissional; e implementava uma atividade “ética” e “verdadeira” (Sumpter & Tankard, 1994: 24). Por sua vez, o spin doctor era “reativo” porque investia a sua ação em assuntos negativos de ataque ao adversário; usava as novas tecnologias; os seus clientes eram políticos, partidos e governos; as suas ferramentas passavam pelo contacto com editores e encontros com os jornalistas; o soundbite e a “mensagem por pontos” eram as suas técnicas habituais; preocupava-se com a interpretação das notícias sobre os eventos/ações dos clientes; escolhia os meios de comunicação social mais convenientes para ampliar a mensagem; tinha uma ação low profile; usava métodos pouco ortodoxos; via a verdade como algo “líquido” (Sumpter & Tankard, 1994: 24). “Os spin doctors parecem ter encontrado maneiras de circum-navegar o jornalista para proteger a fonte para a qual trabalham, sendo mais hábeis do que o tradicional praticante de relações públicas” (Sumpter & Tankard, 1994: 25). Refletem, por isso, “parte da luta das fontes de informação para determinar o enquadramento que vai ser usado na notícia” (Tankard & Sumpter, 1993: 4). Um outro conjunto de estudos (Liu & Horsley, 2007; Horsley et al., 2010; Liu et al., 2010), realizados para perceber como se distinguia a atuação dos assessores de comunicação que operavam nos governos e nas empresas, demonstrou que as diferenças entre os dois grupos estavam: 1) nos orçamentos; 2) na capacidade de influência pública; 3) no volume de trabalho (na política a assessoria de imprensa é ininterrupta); 4) na atenção/pressão pública; 5) na interação com outras organizações; 6) na pressão dos jornalistas; 7) na cobertura crítica e de avaliação de cobertura; 8) no impacto legal das ações de comunicação. Por sua vez, não houve diferenças significativas no que respeita: 1) à diversidade de públicos-alvo; 2) às oportunidades de progressão profissional; 3) à participação em atos de decisão.

259

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

Para Kevin Moloney (2000b), professor e investigador de relações públicas na Universidade de Cardiff, é difícil distinguir, porque há uma sobreposição das ações de relacionamento com a imprensa, com as da atividade política e as de lobbying (Moloney, 2000b: 104). Ainda assim, o autor procura avançar com uma explicação: “Spin doctoring é a forma mais comum de relações públicas políticas e eleitorais, assim como de gestão do relacionamento dos políticos, partidos e governos com o eleitorado”. Considera, por outro lado, que as relações públicas mais tradicionais têm uma ação de “comunicação persuasiva com objetivos e interesses privados. (...) Spin doctoring e lobbying são duas manifestações

proeminentes

e

contemporâneas

das

relações

públicas

modernas” (Moloney, 2000c: 114). Num estudo posterior, veio, porém, a defender que o spin doctoring não só prejudica os partidos como não tem qualquer efeito no eleitorado (Brissenden & Moloney, 2005). ... a única abordagem verdadeiramente possível na atualidade racional é considerar

as

relações

públicas

como

parte

da

infraestrutura

de

comunicação política moderna, que dispõe de um conjunto de técnicas e ferramentas que são de potencial valor para todos os atores políticos, sejam de esquerda ou de direita, poder ou oposição, conservadores ou radicais” (McNair, 2004: 337).

Isto não significa que os spin doctors devam violar princípios éticos. Pelo contrário, devem, isso sim, atuar em conformidade com as técnicas e os princípios do jornalismo. David Michie (1998), estabelece a “regra 80/20” para descrever a diferença entre os relações públicas das agências de comunicação e os spin doctors. Segundo este autor, os spin doctors têm 80% de influência e peso na notícia, ficando os restantes 20% dependentes dos jornalistas. Com os RP’s, acontece exatamente o inverso. Regra que também pode ser aplicada ao número de chamadas telefónicas que cada um recebe e faz, sendo que os spin doctors são muito

mais

procurados

e

solicitados.

Estes

últimos

tentam

“desesperadamente convencer os jornalistas do interesse da sua história, que mesmo eles sabem que não pode voar. Mas têm o cliente à espera de 260

resultados” (Michie, 1998: 9). Na mesma linha está Darren Lilleker (2009: 195), para quem “um spin doctor é muito mais do que um perito em relações públicas ou um propagandista”. Também Paul Manning (1998), em Spinning for Labour, faz um reparo curioso aos assessores de imprensa dos sindicatos, a quem apelidou num trabalho posterior de green spin doctors (Manning, 2001). O autor percebeu que também eles trabalhavam não com base em técnicas e conteúdos pré-formatados, mas com recurso ao relacionamento pessoal com o jornalista129. Há autores, no entanto, que defendem que spin doctors, assessores de imprensa, relações públicas, consultores de comunicação e porta-vozes são tudo a mesma coisa. Neste grupo insere-se o autor de Be Your Own Spin Doctor, Paul Richards (2005: 4), que define o spin doctor como “um perito em media, com

especial

conhecimento

sobre

jornalismo

e

jornalistas,

que

usa

competências e técnicas para projetar mensagens positivas – para os públicos certos – de uma organização ou um individuo”. Ou seja, não faz qualquer distinção entre a atual assessoria de imprensa e o spin doctoring. Aliás, ao longo do seu “guia prático”, Richards elenca uma fusão das técnicas tradicionais com as técnicas usadas pelos spin doctors. De igual modo, para Bi Yantao

(2012),

investigadora

chinesa

que

desenvolveu

uma

tese

de

doutoramento sobre spin doctoring, este modelo já domina a política e até representou um impulso na indústria das relações públicas. Paul Manning (2001) descreveu o trabalho destes agentes ao serviço de organizações ambientalistas, sindicatos e ONG, apelidando-os, como já referimos, de “green spin doctors” (Manning, 2001: 185). O spin doctoring tomou conta de todos os competentes e sofisticados processo de comunicação política: hoje já não há movimentos anti e pró-aborto, mas sim movimentos

129

Mais recentemente, Spiro e Strömbäck (2010: 12), ao analisarem a comunicação da Casa Branca, verificaram existir uma relação direta entre os conteúdos distribuídos e as notícias publicadas, além de terem concluído que as conferências de imprensa e os discursos oficiais do presidente são usados quando o chefe de Estado quer chegar diretamente (leia-se sem enquadramento noticioso) aos americanos.

261

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

pró-vida ou pró-mulher/escolha. Da esquerda à direita, este modelo de comunicação política tornou-se omnipresente (Shaiko, 2008: 211). Em contraponto, vários autores e investigadores de relações públicas rejeitam o spin doctoring para comunicar a política, pois argumentam que não é mais do que o ultrapassado modelo de propaganda do início do século XX. Chamamlhe “punk PR”, “pseudo-relations” (Green, 2001), “bullshit” (Rawlins & Stoker, 2006)

ou lançam avisos sobre a sua utilização: “You spin, you lose”

(Dilenschneider, 1998, 2010). Quando as relações públicas são reduzidas ao spin, é mau para si, é mau para seus clientes e mau para a profissão. Mais importante ainda: é mau para a sociedade, a nossa comunidade coletiva onde todos residimos como cidadãos (Rawlins & Stoker, 2006: 422). Relações

públicas

como

spin

é

incompatível

com

os

ideais

de

profissionalismo, ética e, em particular, altruísmo (Quinn-Allan, 2011: 51).

Na base desta posição está, recorde-se, o modelo de relações públicas atual criado por Grunig e Hunt (1984), que prevê uma relação simétrica bidirecional entre os comunicadores e os recetores. Neste sentido, trata-se de um modelo assente no interesse mútuo, na moral, no bom senso e na boa-fé. Aliás, o recente manual de Political Public Relations editado por Jesper Stromback e Spiro Kiousis (2011) não emprega uma única vez a palavra spin e todos os artigos de assessoria de imprensa concentram as suas ações na informação subsidiada (Gandy, 1982), no simpático relacionamento com os jornalistas (Supa & Zoch, 2009) e na pertinência dos eventos criados pelos técnicos de relações públicas (Turk, 1986). Tudo técnicas descritas no anterior capítulo e muito utilizadas pelas agências de comunicação e de relações públicas que operam no meio empresarial e institucional. No entanto, há muitos assessores de imprensa que não se sentem incluídos nas relações públicas. Se perguntarmos aos assessores de imprensa de qualquer governo ou partido político se são profissionais de relações públicas, a resposta da maior parte (se não da totalidade) será de completa negação. 262

Recusam a associação às relações públicas porque se sentem, de alguma forma, mais próximos do jornalismo, por causa das ferramentas que usam e do facto da maioria destes profissionais terem sido jornalistas ou possuírem formação em jornalismo – e nunca em relações públicas. Mesmo entre os jornalistas, há uma percepção clara da distinção entre assessores de imprensa e relações públicas. Os primeiros usam as técnicas de jornalismo de uma forma grosseiramente pragmática para obterem luz favorável para um membro de um partido ou de um governo (Blumler, 1990); os segundos investem nos pormenores do evento, nem sempre compreendem onde estão os “valores-notícia” da ação e provêm das agências de comunicação (Cutlip et al., 2000). A afirmação desta diferença, indiretamente descrita por Tunstall (1970, 1974), Altheide (1976), Tuchman, G. (1978), Hess (1984) e Ericson et al. (1987, 1989), está perfeitamente visível e assumida nas autobiografias de Bernard Ingham (1991), Peter Mandelson (2011), Alastair Campbell (2011) e Michael Deaver (2001). Aliás, Ingham dizia mesmo que “a indústria das relações públicas fedia” e, por isso, nunca gostava de ser apresentado como tal. (Bernard Ingham cit. in Seymour-Ure, 2003: 129) Importa, no entanto, ressalvar que há outros assessores de imprensa que não se sentem igualmente jornalistas, pois sabem que estão do “outro lado do balcão” (Chinem, 2003: 14) ou no “dark side” (Schlesinger, 2006: 302). Sabem que não cumprem as funções e a missão do jornalismo, vendo-se mais como gestores de “um relacionamento altamente volátil com os media, sendo estes geralmente hostis e muitas vezes maliciosos” (Ingham, 2003: 67). Uma bipolaridade desta atividade que se tentará explicar e compreender no próximo capítulo.

7. O spin doctoring como expoente máximo da profissionalização da comunicação política Tal como a propaganda, o spin doctoring surge como um mecanismo da política para promover o acesso regular e favorável de políticos, partidos e 263

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

governos aos media. Uma “campanha permanente” (Blumler, 1990), mas também uma forma de proteger as instituições políticas das investidas dos jornalistas (Ericson et al., 1989). Entre outras ações, procura-se controlar o processo comunicativo através da centralização (Maltese, 1992) e da diminuição (Farrell & Webb, 1998: 21) das mensagens dos políticos. Expediente, aliás, também usado para as gaffes políticas (McNair, 2003 [1995]: 131). Michelle Grattan (1998: 34, 40) considera-o como “a venda altamente profissional da mensagem política que envolve a manipulação e a máxima gestão dos meios de comunicação”, por parte de “um exército” de técnicos que atuam “atrás das cortinas do Governo”. Butler and Kavanagh (1992) entendem que esta ação centralizadora deverá ser vista em duas dimensões. Uma que se materializa na “injeção” de spin doctors, especialistas em marketing, audiometria e relações públicas na ação política dentro do processo político; e uma outra que transforma a comunicação política num “processo de orquestração” [business of orchestration], em que as palavras

de

ordem

são

“pensar

estrategicamente”,

“coordenação”

e

“disciplina” na política (Butler & Kavanagh, 1993: 77). Portanto, os mais bem-sucedidos spin doctors compreendem bem a importância do planeamento, mesmo que seja básico, (...) em três passos. As três questões-chave são: “Onde estamos agora?”, “Onde queríamos estar?” e “O que é que queremos ser?” (Michie, 1998: 58).

Aliás, a atividade de spin doctoring, também chamada de “free media” (McNair, 2003 [1995]: 131), mostrou ser mais eficiente do que a publicidade política. Isto porque os recetores da mensagem publicitária sabem que esta reflete os interesses, ideias e valores do promotor. Logo, a eficácia da publicidade política como meio de persuasão é sempre limitada. Sabendo que a mensagem publicitária é comprometida - “por não ter autoridade” (McNair, 2003 [1995]: 130) -

os leitores, telespectadores ou ouvintes tendem a

distanciar-se dela ou mesmo a rejeitá-la.

264

Ao contrário, quando a mensagem de um político é transmitida em forma de notícia, a sua autoria é atribuída ao intermediário – o jornalista – e a mensagem ganha autenticidade e credibilidade aos olhos de quem a recebe. Por isso, a aposta na cobertura noticiosa em período de eleições é crucial para se alcançar a vitória (McNair, 2003 [1995]: 131). Há outros autores, porém, que defendem que a utilização simultânea da assessoria de imprensa e da publicidade produz ainda maior impacto na promoção de um produto ou de um político (Michaelson & Stacks, 2007). Mas outros há, ao invés, que defendem que as grandes campanhas nacionais, às quais chamam de “modelo mandelsoniano” [mandelsonian] (Lilleker & Negrine, 2003), não têm o efeito das ações mais pequenas e locais. Importa ter presente, a este respeito, que é para obter algum tipo de controlo sobre os conteúdos mediáticos que os políticos solicitam os serviços de técnicos especializados no trabalho com os órgãos de comunicação, como os assessores de imprensa, os consultores de comunicação e os spin doctors. A comunicação ganha uma importância extrema em qualquer ato de governação e os assessores de imprensa tendem a ser a espessura dessa importância130, chegando mesmo a assumir um estatuto semelhante ao de um ministro. (Seymour-Ure, 2003: 31-32, 123-124). Os spin doctors têm acesso permanente aos seus políticos (Stanyer, 2001: 2), sendo uma espécie de sombras dos decisores políticos e líderes partidários. Mas, para Scammell (Scammell, 1998), não houve profissionalização da comunicação política, mas antes comercialização. Tal como vamos ter oportunidade de aflorar no próximo ponto.

130

Há a percepção generalizada da importância que estes elementos assumem numa instância de poder. Por isso, são quase sempre alvo de pedidos e pressões ou, até mesmo, são eles próprios agentes e promotores de tráfico de influência. Exemplos deste último caso, são os crimes pelos quais Michael Deaver, principal assessor de imprensa de Reagan, foi julgado em meados da década de 80(Hertsgaard, 1989: 318).

265

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

8. O spin doctoring e o packaging politics Como vimos também no Capítulo II, o “embalamento da política” [packaging politics], tal como hoje ainda o conhecemos, surge nos anos 50 e tem na entourage

da

presidência

de

Eisenhower

alguns

dos

seus

pioneiros

patrocinadores. É verdade que Stanley Kelly (1956: 53) já se havia referido “às condições do marketing político” nos processos de promoção dos políticos131. Mas o primeiro a usar o termo foi, seguramente, Vance Packard (1957) e mais tarde Paul Theis (1968) também o aplica ao processo de comercialização do político. Em 1952 é (...) quando, pela primeira vez, os candidatos se tornam "mercadorias", as campanhas políticas "saldos" e o eleitorado "mercado" (Packard, 1957: 214). Existem semelhanças entre a venda de uma empresa ou do seu produto e um candidato. Tanto nos esforços como na forma de lidar com as pessoas. Ambos exigem embalagens [packaging] para ganhar aceitação e aprovação por parte do público (Theis, 1968: 8).

Melvyn Bloom (1972: 33), em Public Relations in Presidencial Campaigns, divide o packaging politics em três processos: 1) Criação da marca, o que incluiu a escolha do partido ou da plataforma política; 2) história do passado, que sustenta a dimensão do indivíduo; e 3) embrulho, sendo que “o produto é o candidato”. Mais tarde, Kathleen Jamieson (1984) desenvolve uma perspetiva estruturalista do desenvolvimento do embalamento político ao longo das campanhas eleitorais norte-americanas entre Eisenhower (1952) e Clinton (1992). Mais recentemente, Bob Franklin (2004 [1994]: 5) revisita o conceito e conotao com o desempenho dos spin doctors e a sua permanente obsessão por tentarem influenciar e regular o fluxo das mensagens políticas, assim como promover o seu produto de forma atrativa e convincente. Na opinião do autor,

131

Kelly (1956: 39-60) usa uma empresa de comunicação da Califórnia, a Whitaker & Baster, propriedade de dois publicitários com o mesmo nome, como exemplo deste processo de comercialização do político.

266

os políticos, “tal como os cornflakes, se não são promovidos nunca serão comprados”. O embalamento da política está, assim, assente em três premissas: 1) os políticos sempre usaram os media para difundirem as suas ideias junto da opinião pública, sendo este o principal meio para os controlar (Lippmann, 1982 [1922]; Le Bon, 2001 [1896]); 2) os governos investiram, desenvolveram e expandiram nas últimas décadas a comunicação estratégica, por isso possuem autênticos exércitos de peritos em comunicação; 3) a relação entre os

governos

e

os

media

tornou-se

indevidamente

“conspiratória”

e

“assimétrica”, porque os segundos se tornaram somente “condutores” das informações

enviadas

pelas

assessorias

de

imprensas

governamentais

(Franklin, 2004 [1994]: 5-6). Ao perceberem a força e o impacto das televisões, em particular dos canais de informação, os políticos permitiram o acesso dos media a espaços onde, até aqui, não tinham pleno acesso, como o parlamento, as comissões e inquéritos parlamentares, os congressos e reuniões políticas, entre outros. Com esta intrusão, e preocupados com a máxima rentabilização da sua presença nos media, os políticos começaram a ser mais eficientes e populistas nas mensagens que emitiam (Ibid.: 8), como já referimos anteriormente. Já aqui dissemos que, paradoxalmente, os jornalistas também começaram a dar primazia aos políticos telegénicos, com maior capacidade para frases feitas e com bons dotes para a teatralização política. Consequentemente, passaram a ostracizar os políticos que apresentam longos e sustentados raciocínios, que se remetem ao silêncio ou que negam o acesso à sua vida privada. O packaging politics assumiu-se, portanto, como um elogio à “personalização”, à “extrema-simplificação” e à “trivialização” da política, sendo os spin doctors obreiros de todo este trabalho (Ibid: 12). Na verdade, para Bob Franklin não há, assim, qualquer diferença entre os conceitos de spin doctoring e packaging politics.

267

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

9. Matriz de comportamento do “spin doctor ” Mesmo sabendo que um spin doctor assume uma particular adaptação ao cargo, se juntarmos as diferentes ações, comportamentos e “casos” descritos por vários autores e investigadores (Sumpter & Tankard, 1994; Gaber, 2000; Manning, 2001; Davis, 2002; Brown, R., 2003; Franklin, 2003; McNair, 2003 [1995], 2004; Gonçalves, V., 2005; Richards, 2005; Schlesinger, 2006; Gaber, Ivor, 2007; Miller, D. & Dinan, 2008; Franklin & al, 2009; Pearson, 2009; Gaber, 2010; Serrano, 2010b), conseguimos tornar visível uma matriz identitária que nos poderá ajudar a compreender e a definir estes agentes ao serviço da comunicação política. Decidimos, então, distribuir esta matriz identitária por quatro grandes grupos, de forma a compreender quais são os grandes objetivos dos spin doctors, os pré-requisitos profissionais para o exercício da atividade, os principais momentos e as principais técnicas da sua sofisticada operação. 9.1 Os grandes objetivos 9.1.1  Definição  e  condução  da  agenda  mediática    

Os políticos têm perfeita noção de que a agenda mediática é central para os seus objetivos. “Continuam a saber que ‘o que acontece’ na política não interessa, mas só o que é tornado público” (Gaber, 1999: 274). Saber “plantar” uma estória é crucial para um spin doctor, pois, a partir dela, pode abrir espaço para a tradicional reação ou para o anúncio de uma (agora já caucionada) medida governativa. Também a condução da agenda mediática é um processo que passa por alimentar os jornalistas com a estória certa, assim como por fornecer as fontes que a validem. “Entregar criteriosamente um exclusivo (ou furo), a par com o fornecimento de uma série de estórias relacionadas, garante que a estória [principal] se mantenha inalterada”. (Gaber, 2000: 269; Greve, 2005: 12).

268

9.1.2  Construção  de  uma  personalidade  política    

Um spin doctor escolhe as suas peças e movimenta-as no tabuleiro mediático em função dos seus interesses (ou dos do partido). Num grupo parlamentar, cabe-lhe decidir – ou, pelo menos, influir fortemente – a escolha de quem será o

comentador/entrevistado

de

uma

determinada

peça.

Com

alguma

regularidade, este perito em comunicação aposta e potencia um jovem ator político, tentando levá-lo até ao mais alto cargo público (Sabato, 1993: 70 e 71). Por exemplo, Peter Mandelson, quando foi diretor de comunicação do Partido Trabalhista, apostou em dois jovens membros do parlamento britânico que mais tarde vieram a ter papéis máximos no Reino Unido: Tony Blair e Gordon Brown (Seymour-Ure, 2003). 9.1.3  Vitória  em  eleições    

Frank Esser, Carsten Reinemann e David Fan (2000) estudaram as notícias geradas através de spin doctoring durante as campanhas eleitorais na Alemanha e no Reino Unido, tendo percebido que a ação destes profissionais dividia-se em duas grandes categorias: 1) “as atividades não relatadas pelos media” e 2) as “atividades diretamente relatadas pelos media”. No primeiro ponto incluíram a estratégia geral da campanha; a elaboração dos discursos e do material de propaganda (brindes); a análise das sondagens e dos focus groups; a vigilância e o controlo da campanha para que esta não se afaste da mensagem central e outras atividades de análise do adversário. No segundo ponto, incluíram a publicitação do programa e da estratégia da campanha; o desenvolvimento de críticas/ataques ao adversário; a gestão de briefings e fugas controladas para os jornalistas; a explicação ao candidato e ao staff das atividades jornalísticas; a desinformação, intimidação e crítica dos jornalistas; a promoção pública das ações de campanha e do candidato; a gestão com máxima agilidade das respostas à imprensa; e a prevenção e antecipação de ameaças do adversário e a avaliação do clipping (Esser et al., 2000: 228). Também Blumler (1990: 107) havia defendido que esta atividade prevê estratégias como: 1) colocar só um ou dois fortes porta-vozes a prestar declarações; 2) definir o tema do dia e repeti-lo ao longo do dia; 3) realizar 269

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

várias conferências de imprensa em diferentes ângulos mas com o mesmo tema central; 4) declinar convites que não se enquadrem no tema; 5) colocar o rival na defensiva através do ataque com várias provocações, questões e dúvidas. 9.1.4  Manutenção  do  poder/Campanha  permanente  

Não perder o poder é, sem dúvida, outros dos principais objetivos dos spin doctors. Há autores que intitulam esta ação de garantir reeleições a “campanha permanente” (Blumenthal, 1980; Blumler, 1990; Ornstein & Mann, 2000) e que em tudo se enquadra na atividade de um spin doctor . O livro The Permanent Campaign and its Future, coordenado por Norman Ornstein e Thomas Mann (2000), reflete e denuncia pragmaticamente esta faceta pois relata casos de spin doctoring das administrações norte americanas desde Nixon a Clinton. Segundo, Hugh Heclo (2000) a “campanha permanente compromete uma complexa

mistura

de

pessoas

politicamente

sofisticadas,

técnicas

de

comunicação” (Ibid.: 4) e, em vez de partidos, ressurgem as organizações lucrativas e não lucrativas, pois os partidos são fraturantes e pouco consensuais em comparação com o uso de cargos de Estado ou símbolos nacionais. Loomis (2000) fala na conjugação de um jogo político que: 1) usa o poder económico para ditar regras mediáticas; 2) “satura o espaço público” com informação útil e noticiável; 3) domina e controla as “narrativas de informação pública” através da imposição de temas; e 4) “procura um conflito vantajoso” capaz de angariar apoiantes

(Ibid.: 165). A prática deste spin está bem

descrito na forma de actuação de Karl Rove, assessor de George W. Bush. Outro dos processos descritos para garantir a manutenção do poder é a tentativa de minimizar o desgaste público dos governantes através de um afastamento jornalístico gradual e programado. Ou seja, tentar evitar o confronto das questões livres dos jornalistas e promover as entrevistas

270

previamente preparadas e, se possível, combinadas e delimitadas quanto ao conteúdo (Ornstein & Mann, 2000: 220). 9.2 Pré-condições 9.2.1  Conhecimento  profundo  dos  temas  que  aborda  e  das  áreas  que  representa  

Sendo conhecedor profundo de todos os dossiês e temas/iniciativas do seu partido ou ministério, o spin doctor consegue estar preparado para alimentar os jornalistas com novas estórias e também responder a todas as questões com pleno domínio dos assuntos. Os jornalistas apreciam e avaliam muito esta qualidade dos spin doctors (Manning, 2001: 113), que valeu, por exemplo, ao press secretary de Bill Clinton, Mike McCurry, o enaltecimento pelos media norte-americanos (Kurtz, 1998). 9.2.2  Conhecimento  profundo  das  redações  

Uma atualizada agenda de contactos é fundamental para “vender” uma notícia ou negociar uma revelação, sempre através de contacto pessoal ou telefónico e nunca, como acontece na assessoria tradicional, por meio de press releases. Um spin doctor deve, inclusivamente, perceber como cada jornalista político gosta de moldar a sua notícia, de modo a poder alimentá-lo com a informação que mais aprecia132. Deve ainda ter um bom conhecimento das políticas da redação, incluindo as hierarquias internas da organização noticiosa. Assim, poderá saber, por exemplo, quais os editores que gozam de maior autoridade no processo editorial (Manning, 2001: 113). Há autores que destacam a importância do conhecimento pessoal dos jornalistas de referência e até da frequência dos mesmo locais de convívio, tendo em vista a criação de laços fora do circuito de trabalho. Para ser bem-sucedido, o spin doctor deve saber cair nas ‘boas graças’ do jornalista e, inversamente, conhecer o que o faz desligar o telefone. (…) Jornalistas são indivíduos com as suas próprias fraquezas, caprichos,

132

Está técnica já tinha sido identificada em 1976 na obra Creating Reality, de David Altheide, nomeadamente nos jornalistas do lobby do parlamento britânico (Altheide, 1976: 117).

271

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal preconceitos e estados de humor. Como trabalhas com eles, tens que conhecer as suas idiossincrasias (Richards, 2005: 23 e 45). 9.2.3  Proximidade  com  o  político  que  representa  

Quanto maior for a proximidade entre o spin doctor e o assessorado, melhor funciona a cadeia de pensamento e consequente execução da estratégia política. Não chega saber o que o político “faz ou vai fazer”, importa também saber o que pensa sobre este ou aquele tema. Os jornalistas avaliam a competência e, até mesmo, a utilidade do spin doctor muito pela capacidade de antecipação das medidas ou decisões políticas. Aliás, Lilleker (2009: 195) define estes colaboradores como “assistentes” dos políticos. Por isso, a proximidade e a exibição da mesma são encenações habituais na atividade destes peritos em comunicação política, designadamente para tentarem ganhar credibilidade junto dos jornalistas (Sumpter & Tankard, 1994: 24; Manning, 2001: 113). Joe Haines, por exemplo, tinha uma grande proximidade com Harold Wilson e, por isso, gozava de grande influência no Lobby. Pelo contrário, o press secretary de Anthony Eden133, William Clark, perdeu a confiança dos jornalistas quando estes perceberam que o assessor se tinha tornado distante do primeiroministro

(Seymour-Ure,

2003:

125).



Campbell

tinha

uma

grande

proximidade com Blair, beneficiando inclusivamente de uma autorização especial para entrar no gabinete do primeiro-ministro a qualquer altura (Seymour-Ure, 2003: 134). O estudo de Vitor Gonçalves (2005: 184) demonstrou que os assessores de imprensa políticos em Portugal têm, na maioria dos casos, uma grande proximidade com os políticos que representam ao ponto de também abandonarem os lugares que ocupam quando um político abandona o cargo. Mas, tal como demonstrou Rosa Sampaio (2010: 401), também há uma elevada confiança nos assessores por parte dos políticos, “facto que não surpreende porque o cargo é de nomeação”.

133

Político britânico do partido conservador que foi primeiro-ministro entre 1955 e 1957.

272

9.2.4  Grandes  orçamentos  

Estes profissionais são sempre sinónimo de grandes orçamentos, quer pelos vencimentos que geralmente auferem, quer pelos serviços que contratam. Em todos os países, há acusações sobre o volume de investimento em campanhas publicitárias às medidas do governo, mas os partidos também não ficam atrás. Segundo Lee, G. (1999: 305), os spin doctors de Blair custavam, por ano, 2,6 milhões de libras. A campanha que deu a primeira vitória a George W. Bush custou $3 biliões de dólares, o que, na altura, constituiu o maior orçamento de sempre (Harris, P., 2000: 1). Claro que a campanha de Obama de 2008 já ultrapassou este orçamento, pois custou 5.8 biliões de dólares (Cummings, 2008). Sobre os grandes orçamentos, também Joaquim Letria (recorde-se que foi assessor de imprensa e porta-voz de Ramalho Eanes e diretor de campanha da candidatura de Salgado Zenha à Presidência da República) destaca a “sofisticação (...) e a luta muito desigual” (Joaquim Letria cit. in Figueira, 2009: 59) da manipulação política: “...há cada vez mais assessores nos gabinetes dos ministros, dos secretários de Estado, há quase tantos assessores como jornalistas nas redações, e muito mais bem pagos” (Ibidem). 9.2.5  Monitorização  e  reação/  Capacidade  de  controlar    

A obsessão pelo controlo de tudo quanto sai na imprensa é uma característica sempre presente no spin doctoring. Por isso, os gabinetes governamentais ou de partidos da oposição têm um ou mais técnicos a gerir o clipping134 de tudo quanto é difundido e publicado. Hoje, os recortes de imprensa são muito utilizados para partilhar nas redes sociais. Mas sempre foram um mecanismo essencial para atuar com a máxima agilidade perante as notícias negativas e um processo de constante avaliação do trabalho de news management.

134

Recolha e gestão dos recortes de imprensa (impressos e on-line), assim como das peças de televisão e rádio.

273

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

Foster (Foster, J., 2005: 85) refere que “os spin doctors são queixosos ferozes [vociferous complainers]” e queixam-se ao mais alto nível. É aquilo que Oborne e Walters (2004: 201) chamam de “destabilização individual dos jornalistas aos olhos do seu emprego” (ver também bullying). 9.2.6  Preferência  pela  “sombra”  

O press secretary de Harold Wilson, Joe Haines, tinha um preceito instituído no seu gabinete: se algum dos assessores de imprensa, incluindo ele próprio, aparecesse numa fotografia de jornal, tinha que pagar uma garrafa de vinho. “Ao fim de dez anos de poder, os elementos do gabinete andavam cronicamente embriagados” (Seymour-Ure, 2003: 123). Impressionante é o facto de toda esta atividade ser exercida sem que o público o percecione nas notícias. Vasco Ribeiro (2009) analisou o noticiário político da imprensa diária portuguesa, entre 1990 e 2005, e só detetou a presença explícita de assessores de imprensa e spin doctors em 1,3% das notícias, facto que faz jus ao rótulo de “homens-sombra” muitas vezes colado a estes profissionais. “É na invisibilidade dos seus esforços que radica grande parte do triunfo destes profissionais” (Aira Foix & Pastor Pérez, 2012: 5). Aliás, quando se verifica presença do spin doctor é por descuido deste ou por notícias negativas sobre a sua forma de ação (Vreese & Elenbaas, 2009: 294). Existem estudos que demonstram que a presença destes atores, assim como de outros porta-vozes e relações públicas, potencia o cinismo e o artificialismo aos olhos da opinião pública, aumentando o distanciamento da sociedade face à política (Vreese & Elenbaas, 2009). 9.2.7  Capacidade  de  lobbying    

O lobbying e a sua profissionalização – por altura dos anos 50, quando os governos começaram a privatizar diversos setores da economia (Harris, P., 2001) – são uma das facetas maquiavélicas135 do spin doctoring. Uma atividade semissecreta que cruza política, relações públicas, marketing e interesses

135

Para Blumler (1990: 109) o maquiavelismo desta atividade reside no facto de a noção de liberdade de pensamento e debate de ideia ser uma pura ilusão.

274

financeiros e que, no caso dos spin doctors, está muito associada ao controlo editorial, através da cedência de interesses estratégicos aos proprietários das empresas de comunicação social (Seymour-Ure, 2003). E a força do lobbying advém, também, da força que os spin doctors têm junto dos governantes, até porque, como demonstrou Vitor Gonçalves (2006: 183), “a opinião dos assessores de imprensa ou, para sermos rigorosos, de alguns deles, foi tida em conta por quem teve de tomar decisões” ao ponto de “poderem retardar ou acelerar a apresentação pública das decisões”. 9.3 Principais tarefas do processo de “spinning” 9.3.1  Encontrar  a  mensagem  

É um processo com um conjunto de passos na busca da mensagem ideal para ser anunciada por um político numa conferência de imprensa ou num congresso (Gaber, 2000). No fundo, trata-se de identificar os temas que dominam ou preocupam a opinião pública, num procedimento meticuloso que raramente é empírico. O quase obrigatório recurso a empresas de sondagens e análise de mercado ajuda a encontrar os indicadores que moldam a mensagem final e que será usada como base, não só nas intervenções, mas também em todo o trabalho legislativo, eventos, reuniões, audiências, visitas e outras ações políticas. Esta mensagem é quase sempre apresentada através de uma destas três técnicas: 1) soundbite; 2) explanação (nunca deve passar os 30 segundos e deve ser constituída por três únicos pontos); 3) técnica da “boa notícia” versus “má notícia” (Sumpter & Tankard, 1994: 24; Cronkite, 1998: 60 e 61). Também Custódio Oliveira (2012: 120), conhecido assessor e consultor de comunicação no Porto, indica dez regras para o spin doctor elaborar a mensagem política: 1) síntese (três palavras); 2) simplicidade (todos devem entender); 3) clareza (sem permitir dúvidas); 4) sempre afirmativo (evitar o negativo ou interrogativo); 5) mobilizador e identitário; 6) diferenciador (marcar contrastes); 7) emocional e sedutor; 8) centrado no ator político; 9)

275

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

plural, para reforçar a identidade com os cidadãos; e 10) fácil compreensão, para facilitar a repetição e memorização. Este processo de criação de uma mensagem política, por parte de Fernando Lima (ex-assessor de imprensa do então primeiro-ministro Cavaco Silva) mereceu, por parte do antigo diretor da revista Visão, José Carlos Vasconcelos (numa síntese dos trabalhos de um colóquio dedicado ao “O Rigor da Notícia”, em 1996), o seguinte comentário: ... dou-lhe os meus parabéns [a Fernando Lima] porque lembro-me, algumas vezes, do anterior primeiro-ministro, que parecia que tinha um refrão. Eu dizia “lá vem a cantiga e depois tenho o refrão”, que é o que fica no ouvido e que se repete várias vezes até a mensagem passar (Vasconcelos, 1996: 136). 9.3.2  Elaboração  de  discursos  [speechwriter]  

Os discursos dos detentores de altos cargos políticos, principalmente de governação, raramente são escritos pelos próprios e quase nunca são proferidos de improviso. Cabe ao spin doctor escrever o texto que vai ser lido. Segundo o exemplo de Ivor Gaber (2000), a mensagem é procurada, três dias antes, nos jornais de referência, com particular atenção aos artigos de opinião, onde são identificados pedaços da ideia-chave. No segundo dia, o spin doctor certifica-se da pertinência do tema, “juntando e misturando mais uns pedaços” (Gaber, 2000: 268). Umas horas antes do discurso realiza-se uma «spin session» com o político, na qual se fecham as (três) mensagens chave, se criam os respetivos soundbites e se ensaia a leitura e postura136. Durante o discurso,

ou

até

mesmo

breves

minutos

antes,

o

assessor

partilha

discretamente o que vai ser anunciado com alguns jornalistas de referência (um ou dois no máximo) – ação importante que pode garantir a influência (sobre o enfoque e/ou alinhamento) dos jornalistas decanos sobre os

136 “Ó Luís, fico melhor assim ou assim?”. Frase célebre de José Sócrates, quando se preparava para fazer uma comunicação ao país. O então primeiro-ministro perguntava ao seu assessor de imprensa, Luís Bernardo, qual seria a sua melhor postura telegénica naquele particular momento. Imagens inusitadas que podem ser vistas em: http://www.youtube.com/watch?v=Z7DY4G4QQPU

276

jornalistas mais novos e menos experientes e que ocorre quase sempre no período de “confraternização pós-conferência de imprensa” (Tuchman, G., 1978). No fim da intervenção, o spin doctor permite (a um ou dois jornalistas) uns breves minutos de conversa informal com o político. O trabalho prossegue depois com o contacto individual com os jornalistas, cuidando em particular dos de televisão, na tentativa de evitar que o alinhamento da mensagem seja desvirtuado. Também o contacto telefónico com os editores mais influentes e os comentadores televisivos de maior notoriedade [pundits] não é descurado (Prince, 2005: 116). Na administração de George W. Bush, os discursos do porta-voz da Casa Branca iam ao detalhe de usar “expressões familiares-femininas” [femalefriendly language], como “papá e mamã” [moms and dads], em vez de “pais”. Além disso, foi proibido o uso de alguns verbos e a palavra “mas” [but], porque alegadamente gerava uma ideia de conflito(Fritz et al., 2004: 19-20). 9.3.3  Gestão  da  imagem  [image  management]  

Por imagem pública entende-se uma ideia ou um conjunto de atribuições qualitativas que a opinião pública tem sobre um determinado político. Importa referir, a propósito, que a imagem pública é o resultado da soma da imagem real (identidade, valores intrínsecos) com a imagem projetada (identidade visual, cultura e comunicação) (Villafañe, 1993). Dito de outra forma, a imagem de um político é a soma da sua identidade com o processo de comunicação ao qual foi submetido. Neste pressuposto, o trabalho de um spin doctor passa por investir na imagem projetada grande parte das suas competências, sabendo nós que a imagem impera atualmente no processo de seleção de notícias (Bennett, L. W., 2012). E o melhor meio de projeção é a televisão, Por isso, todos os spin doctors hipervalorizam a forma como o político passa na televisão. A importância atribuída e a preocupação com a televisão tem enormes consequências na forma como os políticos comunicam com os leitores. O

277

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal auxílio dos especialistas de comunicação é, deste ponto de vista, crucial. O local de onde se fala e o ângulo da câmara que vai filmar a ação, a forma como o políticos se apresentam aos eleitores, o tom de voz com que comunica, mais sereno ou empolgado, são elementos tão importantes como as próprias palavras (Gonçalves, 2005: 186).

Segundo Foster (2010: 90), o político deve: 1) investir nas suas qualidades físicas; 2) realizar media trainning; 3) encontrar, por vezes, roupas e adereços que projetem uma determinada mensagem; 4) ter uma família (sobretudo para cargos mais conservadores); 5) ter uma história de vida limpa e interessante. Na maior parte das vezes, os spin doctors têm de potenciar as características dos políticos relacionadas com a competência profissional e com os traços de personalidade não-políticos. Por conseguinte, e segundo Aelst et al. (2011: 5), há uma grande discussão à volta daquelas que parecem ser as mais importantes características para valorizar na imagem projetada. E as variáveis são: 1) competência; 2) liderança; 3) poder; 4) inteligência; 5) credibilidade e moralidade; 6) aparência e aspeto; 7) carisma e habilidade comunicacional. Entre estas características, há algumas que estão relacionadas com a natureza do político. Outras, porém, entram claramente na esfera privada. (Ver também em “6.3.8 Personalização”) 9.3.4  “Fugas-­‐plantadas”   Sabe-se que não há altruísmo no jornalismo, podendo mesmo existir “tendências contrárias, como vingança, despeito e hipocrisia” (Golding et al., 2005: 160). Assim acontece, também, no universo das fontes (Tunstall, 1974; Tuchman, G., 1978; Fishman, 1980). Por isso, se a informação que circula tem um objetivo específico e serve um determinado fim, as fugas de informação também não são um processo descontrolado e inconsequente. Para os spin doctors, bem como para todas as outras fontes profissionais e políticas, a gestão das fugas de informação é uma das suas mais importantes ferramentas, assunto demonstrado também no Capítulo I. Uma fuga é uma "divulgação parcial prematura não autorizada" e, em contraponto, uma fuga-plantada [plant] é uma “divulgação parcial

278

prematura autorizada". Dependendo do ponto de vista, uma fuga-plantada é uma informação benéfica. A fuga é realmente uma ferramenta do assessor de imprensa... (Hess, 1984: 75, ênfase nosso))

Na obra The Government/ Press Connection, Stephen Hess (1984: 77) apresenta uma tipologia em função da forma como as fontes profissionais atuam na libertação e gestão das informações: Fuga egocêntrica [ego leak] – Fonte que fornece uma informação para, primeiramente, satisfazer e ostentar a sua própria importância e que quer ser reconhecida como tal. Raramente representam as grandes ‘cachas’. Fuga para agradar [goodwill leak] – Fonte que fornece uma informação para ganhar um futuro favor ou com o propósito de ganhar crédito junto do jornalista. São geralmente informações pouco relevantes. Fuga política [policy leak] – Fonte que vaza uma informação através de documentos, com o propósito de promover um determinado assunto, quase sempre político e de administração central. São maioritariamente informações de grande impacto mediático. Fuga de animosidade [animus leak] – Fonte que liberta uma informação rancorosa e com o objetivo de embaraçar um adversário. Fuga-tubo-de-ensaio

[trial-balloon leak]



Fonte

que

fornece

uma

informação com o objetivo de observar a reação da opinião pública. Fuga-denúncia [whistle-blower] – Fonte que denuncia uma suposta atividade ilegal ou desonesta. Quem mais recentemente estudou as técnicas de gestão de fugas de informação por assessores de imprensa e spin doctors foi Zvi Reich (2008). Focando o seu estudo em jornalistas da imprensa diária e suas fontes de notícias, o investigador israelita concluiu que: 1) a rotina dos jornalistas era ocupada em um quinto com fugas; 2) os leakers dominantes eram fontes seniores; 3) o canal favorito para o fornecimento foi o telefone; 4) as informações vazadas foram de iniciativa repartida (50/50) entre jornalistas e fontes;

5) as informação provenientes da iniciativa da própria fonte foram 279

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

cruzadas e verificadas com fontes adicionais com muito mais frequência do que as recolhidas por iniciativa e inquirição dos jornalistas. O spin doctoring requer, portanto, o pleno domínio da técnica de avançar fugasplantadas. Por isso, “das fugas a fonte pode esperar obter sempre um certo spin na história” (Grattan, 1998: 42). (Ver também “6.4.3 Usar os graus de confidencialidade a seu favor”) 9.3.5  Instrumentalização  política  da  máquina  governamental  

Logo que um spin doctor

conquiste o poder, inicia um processo de

instrumentalização das estruturas do Estado. Tanto Ingham como Campbell foram acusados de usar os organismos governamentais ao serviço dos interesses e das estratégias dos partidos que representavam. No Reino Unido chamam a esta prática Milkanization, numa associação ao nome do edifício onde funciona a máquina governamental de comunicação britânica e que já teve várias denominações: COI, GIS e GIGS. A Milkanization acontece porque a fronteira que divide os interesses de comunicação de um governo dos interesses político-partidário é muito ténue. E esta ação não se fica só pelos gabinetes de imprensa: estendem-se a todas áreas governamentais, da educação à administração interna, da economia às relações internacionais. 9.3.6  Debates  televisivos  

Não foi por acaso que o termo spin doctors nasceu de uma descrição de um debate televisivo entre Reagan e Mondale, em 1984. De resto, a vulgarização do termo na comunicação social ocorreu também depois de um debate televisivo, desta feita entre Bush e Dukakis, em 1988. O spin doctoring está, pois, e desde sempre, associado a debates políticos na TV (Schroeder, 2008). Os debates são momentos de “televisão de alto-risco” (Schroeder, 2008) e têm três fases distintas no processo de spin doctoring: o pré-debate, o debate e pósdebate. O pré-debate assemelha-se a um treino de boxe, no qual os golpes baixos – informações negativas e que podem embaraçar o adversário – são arremessados de parte-a-parte. Segundo Norton e Goethals (2004: 48-98), o pré-debate assenta na estratégia (se aparece como challenger ou titular, com 280

determinada linha retórica, drama, atitude, etc.) de preparação (a postura corporal, a indumentária, os truques e ataques) e na forma como se criam expectativas através da cobertura noticiosa. Durante a fase de debate, os protagonistas devem cumprir as seguintes regras universais: boa imagem, tranquilidade, afabilidade e ausência de “percepção negativa” (Ibid.: 52). Cabe em boa medida aos assessores sensibilizar os políticos que representam para a importância da observação destes preceitos, sob pena do debate ser prejudicial aos seus interesses políticos. Exercido por assessores de imprensa, comentadores, analistas, o spin pósdebate reveste-se também de enorme importância, designadamente na criação de dinâmicas de vitória para uma determinada candidatura política. Mais ainda se as fontes forem credíveis, como se imagina. Este processo é conhecido como a arte de spin. O ato de spinning é realizado principalmente para benefício dos repórteres de notícias, ou seja: todos aqueles que têm necessidade de uma reação rápida e de uma declaração citável para a rápida análise informativa (Tuman, 2008: 182).

Mas, segundo Norton e Goethals (2004: 242), os spin doctors também podem prejudicar o político se criarem, antes do debate, uma expectativa que este não pode cumprir. A preparação, o balanço entre as expectativas criadas antes do debate e o spin pós-debate têm sido muito estudados nos EUA (Bochner & Insko, 1966; Goethals & Reckman, 1973; Bartels, 1996, 2002; Norton & Goethals, 2004), o que releva do elevado nível de profissionalismo do processo político norte-americano (Blumler & Gurevitch, 1995; Blumler et al., 1996). 9.3.7  Congressos  

Para Stanyer (2001), é como organizar uma festa. Sob a égide dos spin doctors, “donde grande parte das notícias sobre o governo têm origem” (Stanyer.: 12), também são organizados congressos políticos como se fossem eventos triviais (Stanyer, 2001: 6). Trata-se de um media event (Dayan & Katz, 1992) tanto do agrado de spin doctors como de editores de política, principalmente os de televisão. Mas 281

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

quem define as regras são os primeiros, uma vez que escolhem o dia e os horários do evento e o adaptam aos conteúdos das televisões. Estes peritos em comunicação política sincronizam os discursos com os telejornais, disponibilizam conteúdos pré-formatados e negoceiam a disponibilidade de determinadas fontes (Stanyer, 2001: 6-7). Procuram também minimizar as fontes de problemas. Mas há sempre imprevistos, como as intervenções de dissidentes, o reacender de conflitos internos ou as gafes e fugas de informação de políticos seniores. Em congressos, os spin doctors são igualmente ágeis e violentos nas queixas sobre o conteúdo informativo desfavorável. Sabem que este tipo de comportamento (ou pressão) funciona e interfere na produção noticiosa, dado que os jornalistas não podem chegar a uma situação de rutura (Ibid.: 9) ou protagonizar uma “quebra grosseira das convenções estabelecidas” (Blumler & Gurevitch, 1981: 472). Os spin doctors também criam momentos de foto-oportunidade, adaptando para tanto o auditório às necessidades das televisões e dos fotojornalistas, dispondo o líder e os ministros-sombra em locais estratégicos e promovendo encontros teatrais com a imprensa. Nunca esquecem que os técnicos de imagem devem ter as condições perfeitas para um trabalho rápido, fácil e idealmente pré-formatado (Ibid.: 76). No fundo trata-se da “retórica da apresentação” (O'Shaughnessy, 2004) usada como base de qualquer acto de propaganda. Para Stanyer (2001), “aquilo que um pessoa vê na televisão [sobre acontecimentos políticos] é nada mais do que o reflexo de iniciativas promocionais dos spin doctors” (Ibid.: 158). Para Kerbel (1998: 45) a definição de spin doctor não é mais do que “alguém que sabe dar enfâse aos eventos e aos locais onde é apresentada a mensagem [política]”. 9.3.8  Personalização  do  ator-­‐político  

O mesmo James Stanyer, um dos maiores investigadores dos efeitos da personalização na política, defende que esta tendência pode ser materializada 282

de duas formas: através da individualização [individualization] e do intimismo [privatization]. O primeiro modelo ocorre quando os políticos usam as suas características pessoais para se sobreporem à ideologia do partido que representam ou das lutas políticas que travam. O segundo verifica-se quando o político expõe a sua vida privada, familiar e íntima em vez da ideologia e linha política que segue (Aelst et al., 2011: 9). Os políticos, como já vimos, começaram a focar a comunicação política só na big picture (Negrine & Lilleker, 2002: 321) ou na “foto-oportunidade” (Franklin, 2004 [1994]), abandonando as explicações mais sérias e detalhadas da gestão governamental. Outros autores explicam que, devido à sua própria natureza visual, a televisão tende a centrar-se em personalidades e não em entidades abstratas, como partidos e grupos (Peri, 2004). Sobre as origens da personalização, Downey e Stanyer (2010: 344) defendem que devemos evitar tanto uma abordagem políticocêntrica ou mediacêntrica como “procurar examinar a variedade de efeitos que causa nas políticas e nos meios de comunicação social” (Downey & Stanyer, 2010: 344). A frágil separação entre vida pública e vida privada já havia sido referida na própria definição de imagem pública de Lippmann (1922), bem caracterizada pela famosa frase “the world outside and the pictures in our heads” (Michael Curtis cit in Lippmann, 1982 [1922]: xvi). Afinal, a personalização da política há muito que é uma estratégia para alcançar o poder, tanto mais que os próprios eleitores tendem a fazer as suas escolhas políticas em função das características dos candidatos. 9.3.9  Gestão  de  escândalos  

John Thompson (2000: 13) descreve escândalo como “uma ação ou um evento que envolve um certo tipo de transgressões, que se tornaram conhecidas para terceiros e que são suficientemente graves para uma lícita resposta pública”. Justo Villafane (1993: 303) prefere chamar-lhes “crise de honorabilidade”, associando-os a “casos de corrupção, suborno, seduções” e outros crimes que afetam e deterioram a imagem de indivíduos e empresas de forma irreversível. 283

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

Por sua vez, Bruno Paixão (2010) divide o escândalo político entre casos sexuais, financeiros e de conquista de poder. Geralmente, os escândalos estão circunscritos a ocorrências em que há: 1) transgressões de valores, normas ou códigos morais; 2) factos secretos; 3) indignação e/ou desilusão a fervilhar na opinião pública; 4) aproveitamento público dos adversários que publicitam a desaprovação e crítica pública; 5) destruição da reputação dos autores (Thompson, 2000: 14). Podemos acrescentar, a este respeito, que os escândalos despertam, desde sempre, um grande

interesse

na

opinião

pública

(Bent,

1927;

Sabato,

1993)

e,

consequentemente, nos media (Patterson, 2000 [1997]). Desde o século XIX que há lugar para a mediatização do escândalo (...). Primeiro, pelo crescimento e consolidação dos meios de comunicação de massa; segundo, pelo incremento do jornalismo de investigação (...); terceiro, pelo uso da eletricidade para propósitos de comunicação (Thompson, 2000: 57-58)

Hoje em dia, um spin doctor deve dominar os princípios e os processos de comunicação de crise (Trahan, 1993; Stephens et al., 2005; Gainey, 2006) para

para poder minimizar os efeitos negativos no político. O caso mais

paradigmático foi a gestão de crise do escândalo sexual de Bill Clinton, no qual tudo foi feito para demonstrar que o presidente não tinha mentido quando prestou o famoso depoimento: ”I did not have sex with that woman”. Os spin doctors de Clinton não seguiram nenhum dos princípios básicos de comunicação de crise, ou seja: antecipação, agilidade, qualidade informativa (precisa, dinâmica e tranquilizadora) e, principalmente, veracidade (Villafañe, 1993: 305-306). Arrastaram o caso durante meses e tentaram demonstrar que sexo oral não era sexo (Press, 2001: 226). Há, no entanto, investigadores que defendem que a estratégia resultou, porque o presidente não foi destituído por mentir e porque os spin doctors o seguraram. Neste sentido, “spin é a demonstração de que um escândalo não é

284

realmente um escândalo ou porque é que uma vitória é muito mais que uma vitória” (Tuman, 2008: 157). 9.4 Principais técnicas e instrumentos 9.4.1  Marketing  

As ferramentas de marketing, nomeadamente as de disciplinas mais estratégicas, são vitais para a atividade de um spin doctor, não só em campanhas eleitorais (Harris, P., 2000) como no governo (Maltese, 1992). O marketing vai, aliás, ao encontro das principais regras do packaging politics. Segundo este princípio, um político deverá ser promovido de acordo com a máxima do marketing mix: produto, preço, distribuição e comunicação. A definição de públicos-alvo e sua consequente segmentação também é uma prática habitual (Sevin et al., 2011). Anton Savage (2008: 94) descreve, também, a ‘gestão de marca’ e a ‘relação com o cliente’ como ferramentas principais dos spin doctors. 9.4.2  Redes  sociais  e  buzz  media    

Já nos anos 90 do século XX, os spin doctors se distinguiam dos outros assessores de imprensa por recorrerem às novas tecnologias (Sumpter & Tankard, 1994: 24). O spin doctor é um perito em buzz media ou conta com um punhado de bloggers pagos para escrever e apoiar medidas governativas (Greve, 2005: 12). Alimentar redes sociais e organizar equipas que escrevam em sites e telefonem para os programas de antena aberta da televisão e da rádio são outras das suas atividade regulares de um spin doctor (Louw, E., 2005: 166). “A conferência de imprensa de John F. Kennedy em direto na televisão foi substituída por uma montanha de informações disponibilizadas on-line pela Casa Branca sobre todos os assuntos” (Farnsworth, 2009). Na Rússia, o mais famoso estratega político e spin doctor do país, Gleb Pavlovsky, tem sido muito acusado de controlar os media on-line e de os colocar ao serviço do regime de Dimitry Medvedev.

285

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

As primeiras campanhas eleitorais a usar a world wide web foram as eleições de 1996 (Clinton), nos EUA, e de 1997 (Blair), no Reino Unido. Mas não há registo de qualquer impacto. Os sites serviram, tão-somente, para criar estilo e dar

modernidade

à

campanha

(Ward

&

Gibson,

1998).

Como



demonstrámos, na vitória de Barack Obama, a internet e as redes sociais foram basilares, tendo posteriormente se mantido como mecanismos de comunicação da Casa Branca. 9.4.3  Usar  os  graus  de  confidencialidade  a  seu  favor  

Melvin Mencher (1991 [1977]), investigador e antigo diretor do New York Times, e Stephen Hess137 (1984), antigo repórter da Casa Branca e o primeiro autor a estudar o modus operandi dos assessores de imprensa, distinguem, como já vimos atrás, diferentes níveis de identificação das fontes ou de atribuição da informação, de acordo com os compromissos assumidos pelo jornalista: on the record (atribuição direta, para publicação), off the record (confidência total), on background/not for attribution (atribuição com reserva) e on deep background (atribuição com reserva total). No caso do on the record, a fonte é identificada e tudo o que afirmar pode servir de matéria jornalística. Trata-se, aliás, de uma regra canónica do jornalismo,

devendo

ser

observada

sempre

que

a

fonte

não

pede

confidencialidade. Por antítese, quando é solicitado o off the record, o jornalista, depois de expressamente o aceitar, não deve identificar a fonte nem divulgar a informação por ela fornecida. De salientar, no entanto, que o off the record constitui, igualmente, uma profícua ferramenta de trabalho para as fontes profissionais de informação (Esser et al., 2000). Quando usado de forma estratégica, o off the record pode, preventivamente, travar eventuais notícias negativas ou evitar a perda de notoriedade de um determinado político. “No que concerne ao jornalismo responsável, as fontes anónimas podem ser cruciais mas também podem ser tóxicas” (Allan, 2005: 5).

137

Na obra de Hess, Government/Press Connection (1984), pode ler-se na íntegra uma cópia de um fax-circular enviado pelo então chefe do gabinete de imprensa do Departamento de Estado norte-americano, Rush Taylor, para todos os gabinetes de imprensa governamentais dos EUA onde se ensina a usar estes graus de confidencialidade (Hess, 1984: 118-119) .

286

Tratando-se de uma situação de on background/not for attribution, a fonte não é totalmente identificada, embora sejam fornecidos alguns dados sobre a sua condição ou sobre o ambiente onde atua. Verifica-se, então, o uso de designações como as “fonte próxima de…”, “um membro do Governo”, “um dos participantes na reunião”, entre outras (Ericson et al., 1989). Para os spin doctors que sabem usar como ninguém este grau de confidencialidade, o on background pode moldar a construção de uma notícia, sem que o leitor perceba que a fonte daquela informação é parte interessada. Assim, comprova Alan Rusbridger (2001) numa intervenção em 2001: Os políticos estão agora em segurança com o off the record. Na verdade, eles agora só dizem qualquer coisa interessante, desafiador e perigoso em off the record. Mas acho que é uma tendência muito perigosa, porque temos assistido a um enorme crescimento de declarações inimputáveis entre aspas” (Rusbridger, 2001: 67).

Em Portugal, Estrela Serrano (2010a) também questionou a crescente utilização de fontes anónimas ou não identificadas como uma das forma de actuação do spin doctoring. Um tema que iremos aprofundar no próximo capítulo. 9.4.4  Campanha  negativa  

Uma campanha negativa consiste em atacar invariavelmente um opositor com informações, mais uma vez em forma de fugas de informação, obtidas junto de instituições privadas, de entidades públicas ou de agremiações secretas. O exemplo mais citado na história da comunicação política é o “caso Chappaquiddick”138, que conseguiu arruinar a candidatura do irmão mais novo de John Kennedy, Edward Kennedy, abrindo caminho ao presidente Jimmy Carter. Também o assessor de imprensa de Margaret Thatcher, Bernard Ingham, e como vimos no Capítulo II, ficou conhecido como master of leaks por

138

Nome de uma pequena ilha nos EUA que possui várias pontes de ligação ao continente e que ficou tragicamente conhecida quando o senador Edward Kennedy teve um acidente que levou à morte da sua jovem secretária, Mary Jo Kepechne. Após um jantar e alegadamente embriagado, o carro que o irmão mais novo de John Kennedy conduzia caiu de uma ponte e, apesar de Ted (como era conhecido) ter conseguido nadar até a margem, a jovem secretária ficou presa entre as ferragens do carro e acabou por falecer.

287

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

ter “plantado” muitas histórias negativas para destabilizar os adversários (Schlesinger, 2006: 302). Gaber (2000) chama “pôr lenha na fogueira” [stoking the fire] à ação de encontrar abordagens, factos e fontes que mantenham os opositores debaixo de fogo jornalístico. Dirty Politics – Deception, Distraction, and Democracy, de Kathleeon H. Jamieson (1992), é uma das obras de referência sobre as campanhas

negativas

e

foi

desenvolvida

com

base

numa

análise

à

administração de George Bush (pai). Mas também na última campanha eleitoral dos EUA, e através de spin, os meios de comunicação foram usados para moldar a opinião pública, levando os eleitores a desconfiar da veracidade, credenciais e registos dos candidatos de oposição. Ou seja, Obama e Romney usavam no seu discurso político palavras e soundbites capazes de reinventar o perfil dos seus oponentes, atribuindo-lhes características pejorativas e negativas (Lashley, 2009). 9.4.5  Manipulação  da  verdade  

A norma central que estrutura o relacionamento com os jornalistas é a proibição de mentir (Hess, 1984: 24; Brown, R., 2003: 6). Como disse um assessor de Bill Clinton, Lanny Davis, o spin doctoring que usa a mentira “não é só desonesto, é ineficiente” (Cit. In Press, 2001: xxii). Mas esta regra funciona de forma diferente em ambos os lados da relação. Para o jornalista, o material de

base

na

produção

de

uma

notícia

é

o

que

eles

próprios

assistiram/captaram ou o que as fontes contaram, mas sempre com a possibilidade de interpretar os factos e as informações (que as fontes forneceram) de maneira diferente e, até mesmo, contrária. Para o spin doctor, como nunca é parte visível na notícia, o ato simples de libertar uma informação – quase sempre como fonte secundária – não o responsabiliza por completo, porque carece sempre de “validação” e “contraditório” (práticas obrigatórias

no

bom

jornalismo).

Trata-se

de

um

ato

implícito

de

desresponsabilização consciente do spin doctor, que é agravado pelo facto deste ter plena consciência de que o jornalista não o vai fazer por falta de tempo ou por medo de perder a “cacha” (Brown, R., 2003: 6). Tudo se 288

desenrola em profunda cumplicidade, mas os desentendimentos surgem por vezes (quando não corre como previsto para uma das partes) e nunca são denunciados por haver demasiado embaraço. 9.4.6  “Paraverdade”  e  over-­‐promising  

“A verdade fria e factual é aborrecida e, muitas vezes, não é credível. (…) Há uma zona ambígua que rodeia a realidade da promessa e se situa algures entre a verdade e a verosimilhança (…). Esta zona é a paraverdade, ou seja, encontra-se perto da verdade sem merecer, de facto, esse rótulo” (Hauser, 1999). Exemplo máximo da presença da publicidade, esta técnica representa o princípio de ação (mensagens, discursos, eventos, etc.) que anda sempre no limiar da verdade e da mentira. O arredondamento dos números (Maat, 2007: 68), a hipervalorização da “cacha” (Gewirtz et al., 2004: 88-90) e a projeção artificial das imagens de candidatos (Stanyer, 2013: 129) são os exemplos mais frequentes de “paraverdade” postos em prática pelos spin doctors. Na opinião de Mário Mesquita (2003: 261) a entrada da “espuma da criatividade publicitária” na informação permitiu potenciar o lado emotivo e relacional da comunicação jornalística pois “as exigências da encenação sobrepõem-se às preocupações de informar ou de questionar”. 9.4.7  Selecionar  prioridades  nas  respostas  aos  pedidos  de  informação  

Contrariamente ao que defende Paul Manning (2001), um spin doctor não atende obrigatoriamente todas as chamadas telefónicas ou responde a todos os pedidos de informação. Tem de estar disponível numa lógica estratégica, que passa pela seleção prudente de tudo quanto informa. Ao não atender criteriosamente algumas chamadas, evita ser forçado, por exemplo, a confirmar/validar uma informação que poderá ser negativa para o político ou para o partido. 9.4.8  Criar  um  “grupo  próximo”  de  jornalistas  

O jornalismo especializado caracteriza-se por potenciar artigos com mais qualidade, produtividade e profusão. Porém, como reverso da medalha, cria 289

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

maior proximidade (e promiscuidade em alguns casos) com a fonte (Gans, 1979). Um spin doctor partidário ou governativo possui sempre uma enorme quantidade de informação noticiável para oferecer aos jornalistas mais próximos (projetos legislativos, medidas governativas, disputas internas, etc.), por isso procura criar um “grupo de confiáveis amigos” que vão sendo alimentados/premiados abundantemente com estórias que marcam a ordem do dia (Oborne & Walters, 2004: 191; Greve, 2005: 12). Na relação com os meios de comunicação social, os assessores de imprensa tiveram um papel duplo e aparentemente contraditório: por um lado foram fontes ativas de informação, por outro foram obstáculos ao acesso à informação (Gonçalves, V., 2005: 186). Uma interação rotineira constante e de alta interdependência que leva o jornalista a ‘comprar’ material defeituoso ou, em muitos casos, informação sensu strictus (Aira Foix & Pastor Pérez, 2012: 5).

O ex-correspondente do The Independent para o New Labour no parlamento britânico, Paul Routledge (Routledge, 1995), chama a este processo o “jogo da vergonha” [shame game], pelo embaraço que causa a um jornalista quando vê uma “cacha” publicada no jornal concorrente. No lobby inglês, os briefings restritos chegaram a ser institucionalizados entre os jornalistas, como são disso exemplo o White Commonwealth, no primeiro governo de Harold Wilson (1964-70), e o True Blues no governo de Richard George Heath (1970-74). Com Thatcher, Blair e John Major esta prática, apesar de recorrente, começou a ser mais dissimulada pelos press secretaries (Jones, N., 1997: 90, 116, 118). 9.4.9  Encontros  informais  [background  meetings]  

Desde os primeiros estudos sobre o relacionamento entre fontes e jornalistas que os encontros informais aparecem como um importante meio de indução de notícias (Tunstall, 1970; Sigal, 1973). Assim como, noutra perspetiva, sabemos que, ao contrário dos jornalistas que têm de trabalhar sempre numa lógica coletiva, as fontes podem e atuam sozinhas (Tuchman, G., 1978). Partindo destes axiomas, os encontros informais são o momento em que as 290

fugas são libertadas como se tratasse do embornal dos jornalistas (Kurtz, 1998). 9.4.10  Manobras  de  diversão  [firebreaking]  

Trata-se de construir deliberadamente um facto mediático, com recurso a uma fuga que desvie a atenção dos jornalistas de uma determinada cobertura mais embaraçosa ou negativa (Gaber, 2000). Eric Louw (2005) diz mesmo que os spin doctors chegam a libertar informação que não corresponde à verdade só para desviar atenções (Louw, E., 2005: 164-166). Mas tal ação não faz sentido, porque a veracidade é uma condição obrigatória em qualquer processo profissional de comunicação de crise (Villafañe, 1993). 9.4.11  Esvaziamento  da  estória    

Sabendo que está a ser preparado um artigo negativo – muitas vezes resultado de um longo período de investigação jornalística–, o spin doctor antecipa a estória fornecendo-a paralelamente a um outro órgão de comunicação social ou, por vezes, fazendo uma conferência/declaração de antecipação à imprensa (Michie, 1998). Uma técnica que decorre da comunicação de crise e que se define como uma “preparação para o impacto” ou uma minimização de danos. De facto, uma determinada versão contada pela vítima ou pelo adversário não tem o mesmo tratamento e enfoque (Villafañe, 1993: 305). 9.4.12  Testar  a  opinião  pública  [kite-­‐flying139 ]  

Consiste em fazer passar uma informação que teste o seu grau de aceitação junto da opinião pública, mas sem revelação das fontes de informação. Caso a informação

seja

contestada



por

grupos

corporativos,

profissionais,

sindicatos, etc. –, o Governo apressa-se a desmentir a notícia. Nelson Traquina salienta que as fugas de informação funcionam como “balões de ensaio” para testar a reação da opinião pública (Traquina, 1993a: 173).

139

Esta expressão significa também usar um cheque ou recibo de forma fraudulenta.

291

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal 9.4.13  Aumentar  ou  diminuir  as  expectativas  

Atividade muito associada ao período de aprovação do Orçamento de Estado, passa, tal como o nome sugere, pela “sobrevalorização” ou “subvalorização” de dados em função do objetivo específico. Se um político assumir antecipadamente que uma determinada ação pode resultar num fracasso, tirará um duplo proveito: 1) Se correr mal, antecipado e já noticiado que foi, não o prejudicará sobremaneira; 2) Se correr bem, poderá recolher os resultados de ter invertido o inevitável. Tal como o princípio da antecipação, é uma operação de risco que deve ser tomada, com a máxima segurança e inflexibilidade,

nas

pressões

iniciais

da

comunicação

social

e

consequentemente da opinião pública (Gaber, 2000). 9.4.14  Informação  a  conta-­‐gotas  [milking  a  story]  

Os exclusivos de uma ação governativa ou iniciativa legislativa raramente são fornecidos na totalidade ao jornalista, porque isso iria esgotar a notícia. Fornecer fragmentos de informações a vários (não muitos) órgãos de comunicação social permite uma maior cobertura – em destaque porque foi “vendido” como “cacha” – e por vários segmentos de público, quando se reparte a informação em função do suporte e das características editoriais (Gaber, 2000). 9.4.15  “Esconder  os  corpos”  [twrowing  out  the  bodies]  

Todos os governos têm necessidade de tornar públicas informações negativas para a sua reputação ou notoriedade. Aproveitando as dezenas de press releases que são difundidos diariamente pelas redações ou pelos jornalistas que “moram” nas galerias do parlamento, o spin doctor avança de permeio com essas informações menos populares. Um exemplo paradigmático desta técnica foi o comportamento da assessora de imprensa do ministro dos Transportes de Tony Blair, Jo Moore, quando sugeriu que o dia do atentado às Torres Gémeas era um “um bom dia para largar qualquer coisa que queremos enterrar” (Yantao, 2012: 124).

292

No dia em que Downing Street publicou o relatório final sobre a morte de Diana, Princesa de Gales (...), o Governo também usou o dia para anunciar que estava desistindo de uma grande investigação sobre um alegado crime de corrupção envolvendo o Governo da Arábia Saudita e a British Aerospace (...), e divulgou cinco outros importantes anúncios políticos (Gaber, I., 2007: 231).

Outra forma de executar esta técnica é escolher um dia de grandes revelações, em que os jornalistas estão mais distraídos ou interessados noutras matérias. Enviar a informação ao final do dia – quase na hora de fecho – é outra forma de “esconder o corpo” (Gaber, 2000). 9.4.16  Bullying  e  intimidação    

Pressão que passa por, conscientemente, forçar o jornalista a continuar a ser leal aos enquadramentos, às fontes e ao timming das notícias vendidas pelo spin doctor. Perante notícias negativas, o spin doctor deve mostrar com clareza o seu desagrado aos responsáveis pelas mesmas – o que, por vezes, pode traduzir-se em manobras de intimidação sobre os jornalistas (Gaber, 2000; Manning, 2001; Franklin, 2003). Perante informações hostis reagem pela regra dos três Rs: retórica, refutação e repetição (Romola Chrispherson cit. in Franklin, 2004 [1994]: 69). Os spin doctors não tentam só controlar a eficácia da informação partidária. Eles tentam controlar a interpretação dos jornalistas bombardeando as redacções com queixas e ameaças (Goddard, 2001: 127).

Como tivemos oportunidade de demonstrar no Capítulo II, quase todos os assessores de imprensa políticos foram acusados de bullying. Campbell, por exemplo, tinha alegadamente um especial gosto pelo bullying (Oborne & Walters, 2004: 197-199). Há autores que referem também a prática de dar reprimendas públicas a jornalistas hostis (Grundy, 1993: 293). Outras “artes do lado negro da força” podem ser incluídas no rol das ações de um spin doctor, tais como: abrir a vida pessoal e privada do político procurando simular humanização; aproveitar os fins de semana, pontes e 293

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

feriados para anunciar medidas; travar o acesso a documentos públicos; ajustar intervenções ao timming das televisões; responder preferencialmente às perguntas em direto televisivo (sem o tratamento jornalístico); pensar sempre como conseguir uma boa imagem do político para televisão e fotojornalistas; libertar informações nos deadlines jornalísticos (evitando a validação e cruzamento de fontes); privilegiar as declarações à imprensa sem perguntasrespostas; entre muitas outras iniciativas que passam por tentar gerir o conteúdo, o tempo, o espaço e o medium de projeção de um determinado evento político que foi preparado para projetar uma imagem superior à imagem real do político.

10. A difícil definição de spin doctoring Ao

longo

deste

trabalho,

temos

avançado

com

algumas

noções

e

características que ajudam a definir o spin doctoring e os seus principais atores. No entanto, dá para perceber que não há um consenso científico e muito menos internacional que uniformize a sua definição. Percebeu-se também que o termo tem sofrido graduações de negatividade ao longo das duas últimas décadas e por isso, na atualidade, parece ter ficado mais suave ou, dito de outra forma, menos pejorativo. Uma das principais razões para isto reside no facto de muitas práticas que escandalizaram a imprensa dos anos noventa fazerem hoje parte da negociação e do relacionamento normal entre assessores de imprensa e jornalistas. Mas, sobre estes casos, tentaremos uma abordagem mais aprofundada no próximo capítulo, quando apresentarmos a nossa investigação empírica. Parece, todavia, não haver dúvidas de que quando um comentador, jornalista, ativista ou político pretende descrever a atividade de um assessor de imprensa político lhe chama, quase invariavelmente, spin doctor ou refere o spin, spinning ou spin doctoring da sua ação. Destacamos aqui duas denominações que nos parecem coincidentes com a linha deste trabalho:

294

Mas spin, no senso político, é simplesmente a maneira favorável como qualquer governo procura apresentar as suas ações. Todos os governos fazem spin (Moore, M., 2006: 1). O spin doctoring é essencialmente a função de tornar tudo, incluindo a política e os media, maior e mais exigente. E também mais sofisticado e complexo. (...) Os “spin evils” tornaram-se “protetores da imagem” dos políticos e agem como “se tivessem um doutoramento na sua área de atividade” (...). O seu jogo é a ação e a reação de mensagens (Idib.: 35-40).

E todas estas características do spin doctoring descritas por dezenas de autores ao longo deste trabalho coincidem, em grande medida, com o “packaging politics” de Jamieson (1993) e Bob Franklin (2004 [1994]), mas também com a americanização (Schoenbach, 1996) e modernização (Asp & Esaiasson, 1996) da política. Ou ainda com aquilo que Bennett (2012) denomina de processo de política da ilusão [politics of illusion] e Kaiser (2006) de design inteligente [intelligent design] da política. Denominações diferentes para um comportamento estrutural da comunicação política que se caracteriza por tornar permanente e ininterrupta a forte promoção que, até aos anos 70, só existia nas campanhas eleitorais, mas também para a adaptação dos políticos ao jornalismo pós-moderno, não só anglo-saxónico como também um pouco de todos os sistemas políticos ocidentais (Negrine, 1996: 161-163). Tal como disse Lippmann (1982 [1922]: 248), a “propaganda, não necessariamente o significado sinistro da palavra por si só, altera toda a lógica do nosso pensamento.”

11. Síntese Conclusiva A leitura deste capítulo torna óbvia a imagem pouco abonatória que os spin doctors têm, não apenas entre os jornalistas, mas também junto da opinião pública em geral. De facto, são muitos e nada simpáticos os epítetos atribuídos aos assessores de imprensa que, inseridos na dinâmica política, desenvolvem ações de spin doctoring. E compreende-se porquê. Os mais 295

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

competentes têm uma influência substantiva no processo noticioso, enquanto fontes próximas dos vários poderes (político, económico, social, cultural, etc.) e, por isso, com capacidade para alimentar grandes estórias. Acontece, porém, que estas fontes nem sempre estão comprometidas com a verdade. Ou, pelo menos, são capazes de criar um efeito ilusório que se abeira, perigosamente, da manipulação de factos ou mesmo da mentira rotunda. Voluntária ou involuntariamente, os políticos veem a sua ação pública e seu pensamento ideológico, quando este existe, condicionados por imperativos de gestão da imagem. Imperativos esses que decorrem, muitas vezes, das estratégias de comunicação traçadas pelos spin doctors. Mutatis mutandis, os erros de gestão política e os próprios atos ilícitos cometidos no exercício de cargos públicos são alvo de processos de branqueamento através dos media, por ação justamente dos spin doctors. Ora, tudo isto concorre para o afastamento dos cidadãos, quer em relação à política, quer ao próprio jornalismo político. Mas é igualmente verdade, como vimos neste capítulo, que o spin doctoring existe desde os primórdios da política moderna, apesar de muitas vezes assumir

uma

forma

encapotada.

Na

generalidade,

os

políticos

contemporâneos sempre porfiaram na tentativa de moldar as notícias a seu favor, diferindo apenas nos métodos de persuasão – e pressão – dos jornalistas. Por outro lado, entidades que, pelo menos aos olhos da opinião pública, se afiguram menos amorais – como sindicatos, ONG, associações da sociedade civil, fundações, institutos públicos, etc. – recorrem ao spin doctoring. Esta forma de intervenção nos media está, pois, disseminada pelas forças mais dinâmicas da sociedade, sem que isso seja visto como uma conspiração em larga escala. Devemos, então, observar o spin doctoring sem o estigma que é comumente atribuído à política e com o devido enquadramento histórico. As atividades e técnicas de spin doctoring entraram há muito no domínio público, não sendo, aliás, concebível o jornalismo político sem pressões vindas do inner circle da política. Para os jornalistas, it comes with the job, como dizem os americanos. 296

Isto significa que os profissionais da comunicação social têm de saber lidar com a pressão dos spin doctors, exercida no decurso do seu legítimo esforço para que as organizações ou indivíduos que representam sejam noticiados sob um ângulo favorável. É assim nas mais avançadas democracias do mundo, não restando aos jornalistas outra alternativa senão participarem no jogo. Embora isso não os isente de procurarem salvaguardar a idoneidade profissional, o interesse público e a verdade dos factos. Importa ressalvar que os jornalistas não estão inocentes. Muitas vezes, os jornalistas deixam-se seduzir pelos jogos de poder e pelos maquiavelismos da dinâmica política, acabando por funcionar como peças de engrenagem em campanhas de manipulação informativa. Isto acontece, por exemplo, quando são instrumentalizados pelas fontes não identificadas, de quem se tornam meras caixas de ressonância. Esta entorse à função informativa é explicada, em muitos casos, pela procura quase cega de exclusivos e “furos”, sem que os jornalistas acautelem a veracidade do que lhes é dito pelas fontes. Por fim, a hegemonia informativa da televisão acentuou o culto da imagem dos políticos; culto esse alimentado quer pelos spin doctors quer pelos próprios jornalistas, que privilegiam quem na política tem boa figura e é bom falante. É, aliás, na especial relação que os spin doctors têm com os jornalistas que, em boa medida, os primeiros se distinguem dos assessores de imprensa generalistas. Embora ambos privilegiem a transmissão de informação favorável sobre quem representam, assessores de imprensa e spin doctors adotam diferentes métodos de persuasão dos media. Os assessores utilizam as tradicionais técnicas de assessoria de imprensa (press releases, comunicados, conferências de imprensa, newsletters, etc.), enquanto os spin doctors preferem a fuga-plantada através do contacto pessoal com os jornalistas. Atuam, portanto, numa base de maior informalidade, discrição e calculismo. Desta forma, não só tem uma acrescida capacidade de pressão sobre os jornalistas como as suas ações dificilmente deixam rasto. A dúvida que emerge de tudo isto prende-se, justamente, com a capacidade dos jornalistas de responderem à crescente sofisticação do spin doctoring. Ou 297

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

seja, se o jornalismo terá uma firewall capaz de filtrar o que é informação credível, verdadeira e de interesse público proveniente das fontes, protegendose assim de sofisticados “vírus” potencialmente contaminadores das notícias. Mais: é lícito imaginar um cenário em que, por via da expansão das redes sociais e do “jornalismo cidadão”, as fontes passem a comunicar diretamente com os seus públicos, sem a intermediação dos media. Isso corresponderia à subalternização do jornalismo, com óbvias consequências para a democracia.

298

Capítulo  V   O  spin  doctoring  em  Portugal  

299

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

300

-Eu queria dizer uma coisa a todos vós. A razão por que aqui estamos é porque desejamos e praticamos, nas nossas relações públicas, a verdade e só a verdade. A verdade não nos mete medo. E é nesse sentido que nós vamos ter aqui uma conversa aberta, clara e sem ambiguidades. (Declaração inicial de Vasco Gonçalves numa conferência de imprensa em Bruxelas, a 31.5.1975, cit. in Paulo da Gama, 1976: 325)

Introdução

A moderna democracia portuguesa é muito jovem. Foi construída a partir de abril de 1974 e conheceu, sobretudo nos primeiros anos pós-revolucionários, muitos sobressaltos e indecisões. O regime democrático português sofreu, aliás, um processo de aperfeiçoamento progressivo nestes quase 40 anos, consubstanciado em boa medida nas sucessivas revisões constitucionais. Recordamos que, só em 1982, a revisão constitucional então aprovada liberaliza, de facto, o sistema político, ao eliminar o Conselho da Revolução e ao reduzir as expressões mais vincadamente ideológicas da Constituição portuguesa.

301

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

Por outro lado, a comunicação social portuguesa evoluiu de uma situação de atrofia ditada pelos mecanismos de censura do regime ditatorial para uma politização exacerbada das redações após a Revolução dos Cravos, que culminou, com algumas exceções, no controlo dos media por forças políticas e militares de esquerda, em particular o PCP, e pelo próprio Estado, por via da nacionalização de vários títulos da imprensa. O panorama mediático português só começa, realmente, a libertar-se dos espartilhos políticos e do Estado na passagem da década de 80 para a de 90, com a reprivatização de vários órgãos de comunicação social, acompanhando igual processo noutros setores da atividade económica. Mais tarde, em fevereiro de 1992, dá-se a abertura do espaço televisivo a canais privados: à SIC, que iniciou as suas emissões a 6 de outubro de 1992, e à TVI, que foi para o ar, pela primeira vez, a 20 de fevereiro de 1993. Tudo isto para dizer que a realidade política e mediática portuguesa é, por força dos caprichos da História, bastante distinta da dos países anglosaxónicos. De resto, o regime democrático apresenta especificidades de país para

país,

mesmo

no

chamado

mundo

ocidental.

E,

simultânea

e

consequentemente, a dinâmica mediática assume características próprias entre os países, apesar de assistirmos, hoje, a uma certa uniformização do jornalismo

no

ocidente.

Daqui

resultam,

inevitavelmente,

diferenças

substanciais na forma como é praticado o spin doctoring em Portugal. Não sendo este o objeto do presente estudo, importa sublinhar que, apesar da relativa juventude da nossa moderna democracia, o spin irrompeu, desabrido, na luta política do Portugal de abril – qual água numa torneira há muito fechada. Na verdade, os media, em particular a imprensa, constituíram um dos principais campos de batalha política. Durante o Processo Revolucionário Em Curso (PREC), as tentativas de controlo político dos órgãos de comunicação social e as pressões governamentais, partidárias, militares e sindicais sobre os jornalistas foram recorrentes. O novo poder revelou-se, desde o início, hipersensível às questões da comunicação social. Governantes inexperientes, divididos entre si e (mais

302

ou menos) temerosos das energias populares que o golpe militar libertara no país, partidos recém-criados sequiosos de acesso à opinião pública, militares experimentados em campanhas de ‘ação psicológica’ nas colónias, disputavam a preponderância na televisão, na rádio e nos jornais (Mesquita, 1994).

E os métodos de indução das notícias nem sequer eram muito distintos dos de hoje, embora apresentassem, naturalmente, um menor grau de sofisticação. A massa informativa veiculada pelos media era impressionante. O poder estava disperso por várias instâncias – e todas elas emitiam opiniões, tomavam decisões, enviavam recados. Os partidos pronunciavam-se a toda a hora, acerca de tudo e de todos. Os militantes, sob a capa do pseudoapartidarismo revolucionário, emitiam opiniões entre si contraditórias. As intentonas, golpes de Estado e os golpes de papel de jornal espreitavam em cada esquina. (...) Os órgãos de informação assemelhavam-se, na fase inicial, a um puzzle de mensagens contraditórias, misturadas ao sabor da força das células partidárias e dos grupos de pressão. A capacidade de análise e seleção era diminuta. Confundia-se o essencial com o acessório. A informação era servida ‘em bruto’, mal digerida, tal como saía dos palácios governamentais, das sedes partidárias ou dos quartéis mais influenciadas pelas doutrinas políticas (Mesquita, 1994).

Este recuo na História serve para sublinhar que, em Portugal, a praxis política moderna, o jornalismo político de tipo ocidental (ou liberal) e o spin doctoring terão tido a sua génese na Revolução de abril de 1974, evoluindo a partir de então com influências recíprocas – como um dominó em que as peças invariavelmente se tocam ao cair. Este contexto histórico não terá deixado de contribuir para a singularidade da nossa dinâmica político-mediática, o que vem ao encontro da ideia, expressa há pouco, de que a realidade portuguesa nesta matéria é diferente da dos restantes países ocidentais. Por isso se justifica o seu estudo exaustivo, como procurámos fazer no “trabalho de campo” que passamos a apresentar.

303

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

1. Apresentação e justificação do objeto de estudo Depois de termos descrito e analisado, ao longo de quatro capítulos, o que era o spin doctoring e a sua matriz de ação, partimos para este estudo empírico com o objetivo de tentar compreender se esta técnica de comunicação política é praticada em Portugal. Com tal objetivo, quisemos saber, igualmente, como são vistos a assessoria de imprensa e os profissionais que nela operam no espaço político nacional. Ora, sendo a Assembleia da República um importante centro da atividade política e, possivelmente, o núcleo da maior concentração e produtividade de jornalismo político em Portugal (atendendo ao número de jornalistas permanentes140, à concentração de meios audiovisuais, às horas de transmissão, entre outros critérios), parece-nos óbvio que esta investigação procurasse encontrar respostas junto dos assessores de imprensa e consultores de comunicação que desenvolvem a sua atividade para os diferentes partidos e intervenientes políticos, dos jornalistas e editores que lidam diariamente com estes profissionais e dos políticos que recorrem aos seus serviços. Como referimos anteriormente, a escolha deste tema de estudo assenta em bases racionais, objetivas. A assessoria de imprensa tem sido a atividade do autor desta investigação ao longo dos seus 17 anos de vida profissional, sendo esta também a sua área de formação e de docência universitária. Ora, como Daymon e Holloway (2002) defendem em Qualitative Research Methods in Public Relations and Marketing, o “estudo das próprias experiências e preocupações profissionais

podem

proporcionar

uma

rica

fonte

de

ideias

para

a

investigação” (Daymon & Holloway, 2002: 20). Por conseguinte, usámos a experiência profissional como parte do estudo, em particular a experiência do autor enquanto assessor de imprensa na Assembleia da República, entre novembro de 2009 e agosto de 2011. Procurámos, contudo, evitar que essa mesma experiência moldasse ou

Serrano (2002) refere que, em Portugal, não há “cultura de sala de imprensa com exceção da Assembleia da República onde existe uma sala de redação permanente com espaço de trabalho para jornalistas que ali permanecem durante o funcionamento da legislatura” (Serrano, 2002: 74).

140

304

travasse a flexibilidade e a abertura do estudo. Refira-se, a propósito, que a escolha de temas coincidentes com o background profissional na área da assessoria de imprensa tem sido uma prática usual entre os investigadores das ciências da comunicação em Portugal (Santos, 2002; Serrano, 2005) e no estrangeiro (Davis, 2002; Vandenberghe, 2011).

2. Metodologia 2.1 As entrevistas de elite e os artigos de imprensa 2.1.1 A entrevista

Se neste estudo se procura enquadrar e encontrar as definições, práticas e processos de spin doctoring em Portugal privilegiando um “contexto de descoberta” (Dias, 1998: 36), não seria muito óbvio que optássemos por realizar um inquérito alargado ou um outro método de análise quantitativo. Aliás, Jeremy Tunstall (1974), que analisou os processos produtivos de notícias no Parlamento britânico, realizou um inquérito a 208 correspondentes de política e verificou que dois terços consideravam as fontes “úteis” e “cordiais” (Ibid.: 168) e 46% entendiam que as fontes políticas “ajudavam os jornalistas” (Ibid.: 185). Mas, segundo o próprio autor, os dados foram enviesados porque os jornalistas tiveram a necessidade de reafirmar valores de isenção e objetividade, para além de terem tentado “manter em segredo” as fragilidades da sua atividade. (Ibid.: 87) Conscientes desta realidade, e sabendo que a entrevista é um dos principais métodos qualitativos em Ciências Sociais, decidimos traçar um caminho nesta direção. À partida, tínhamos a garantia de que a entrevista nos podia conferir resultados mais fidedignos e com informação mais rica e diversificada. O objetivo destes métodos permite que a investigação possa recolher e refletir sobretudo aspetos enraizados, menos imediatos, dos hábitos dos sujeitos, grupos ou comunidades em análise e, simultaneamente, possa sustentar, de modo fundamentado na observação, a respetiva inferência ou interpretação dos hábitos. (Espírito Santo, 2010: 25)

305

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

Tal como também defende Arthur Berger (2000) em Media and Communication Research Methods, o uso de entrevistas é a melhor forma de obtermos informação sobre os entrevistados, pois, para além das ideias, opiniões, atitudes, motivações e críticas, dizem-nos “o que fazem e como fazem” (Ibid.: 115) e quase sempre com um “particular detalhe” (Ibidem). A vantagem das entrevistas centra-se ainda no facto de serem muito flexíveis, permitindo que as respostas dadas pelo entrevistado resultem do desenvolvimento da conversa. O investigador também fica com a liberdade de recolher mais informação para além daquela que está prevista no guião de perguntas. Outro benefício da entrevista é que os dados recolhidos são diversificados e permitem aos entrevistados alterar o sentido das questões e, até mesmo, criticá-las com o seu ponto de vista (Quivy & Campenhoudt, 2008). Decidimos, então, desenvolver um conjunto de “conversas com um propósito” (Cit. in Daymon & Holloway, 2002: 166) para explorar as perspetivas e perceções de uma amostra qualificada. Importa salientar que a investigação acabou por se centrar nas entrevistas de elite ou também chamadas de “posição de perito” (Demo, 1995). Já como modalidade de entrevista, optámos pela entrevista semidirectiva ou semidirigida, o que nos permitiu, através de um questionário previamente definido, alcançar um maior grau de profundidade dos assuntos mas, por outro lado, impedir demasiadas variações ou afastamentos do tema. De igual modo, esta modalidade de entrevista possibilitou recolher alguns dados quantitativos, sempre no respeito pela linguagem e pelo enquadramento atribuído pelo entrevistado (Quivy & Campenhoudt, 2008: 192, 193). Foi desenvolvido um guião para cada um dos grupos de entrevistados, mas a flexibilidade e espontaneidade do entrevistado ficou assegurada de modo a serem

recolhidos

os

testemunhos

mais

autênticos

e

originais.

Simultaneamente, tivemos a preocupação de explorar a experiência, a percepção e o conhecimento do entrevistado, tal como nos aconselham Daymon e Holloway (2002: 173).

306

Mesmo tratando-se de entrevistas one-to-one, e sendo a assessoria de imprensa uma atividade de grande reserva e até de algum secretismo em relação aos jornalistas e às organizações que se representam, incluímos previamente

a

garantia

de

confidencialidade

dos

entrevistados

em

determinadas matérias. Os dados recolhidos foram alvo na mesma de explanação e divulgação, mas o autor ficou reservado. Uma prerrogativa que foi sendo acionada quando solicitada pelo entrevistado ou quando o investigador percebia que poderia recolher um melhor depoimento com o gravador desligado. Os resultados obtidos foram triangulados com pontos de vista, perceções e fundamentações a montante e a jusante dos assessores de imprensa. Ou seja: junto dos seus assessorados e jornalistas, respetivamente. Desta forma, e seguindo a mesma metodologia das entrevistas, validámos e cruzámos os dados com representantes destes dois públicos. 2.1.2 Definição da amostra

Pela natureza do objetivo proposto, é fácil deduzir que as fontes primordiais do estudo foram os profissionais que operam na área da comunicação política e que cumprem valores de fiabilidade e validade. Pareceu-nos também primordial, entre a população de profissionais da assessoria de imprensa existentes em Portugal, escolher aqueles que revelam notória idoneidade, quer pelas suas competências profissionais, quer pelo lugar de relevo que ocupavam nas respetivas organizações. Interessou-nos, também, que a amostra fosse selecionada com base em critérios não só de natureza pessoal e institucional, mas também decorrentes da especificidade da atividade exercida pelo entrevistado e dos processos profissionais por ele implementados (Daymon & Holloway, 2002: 158-160). Escolhemos, assim, assessores de imprensa portugueses que, nos últimos anos, têm estado no centro da atividade política e de poder, quer seja legislativo ou executivo quer seja de garante da legitimidade democrática (Presidência da República). Por isso, entrevistámos os assessores de imprensa que há mais tempo operam na Assembleia da República ao serviço dos 307

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

partidos ou coligações pré-eleitorais com assento parlamentar: Partido Social Democrata (PSD), Partido Socialista (PS), Centro Democrático Social – Partido Popular (CDS-PP), Partido Comunista Português (PCP) e Bloco de Esquerda (BE)141. Entrevistámos também os assessores de imprensa ao serviço dos dois últimos presidentes da República (Jorge Sampaio e Cavaco Silva), assim como assessores de imprensa e consultores de comunicação que trabalharam para os primeiros-ministros das duas últimas legislaturas (Pedro Santana Lopes e José Sócrates). Ainda neste grupo de profissionais, pareceu-nos importante recolher a opinião de assessores de imprensa ou relações públicas de destacadas agências de comunicação privadas, de forma, primeiro, a recolher depoimentos de uma longa e ampla experiência sobre as práticas desta atividade e, segundo, a cruzar e comparar esta experiência com as dos assessores de imprensa das organizações políticas. Também

entrevistámos

jornalistas

e

editores

com

longa

e

profunda

experiência parlamentar e política. Procurámos verificar, entre outros aspectos, como se protege o jornalismo perante a atividade destes profissionais. Por último, junto de um conjunto de políticos e comentadores tentámos conhecer a sua visão da utilidade e pertinência da assessoria de imprensa e de spin doctoring; assim como do papel que os assessores desempenham como intermediários no contacto com os órgãos de comunicação social. Para o efeito, entrevistámos Pedro Santana Lopes, José Sócrates e Manuel Maria Carrilho. 2.1.3 Caracterização dos entrevistados

Com base nestas premissas, partimos para a investigação com o propósito de entrevistar indivíduos de quatro grandes grupos: 1) assessores de imprensa

O Partido Ecologista “Os Verdes” (PEV) também tem representação parlamentar, mas os seus dois deputados foram eleitos no âmbito da CDU – Coligação Democrática Unitária (PCP-PEV) e, provavelmente por isso, não têm um serviço de assessoria de imprensa próprio. Partilham esse serviço com a CDU.

141

308

políticos; 2) consultores de comunicação; 3) jornalistas e editores de política; e 4) políticos/comentadores. Importa referir que estas entrevistas não tiveram o objetivo de biografar os diferentes assessores de imprensa, nem tão pouco de escrutinar a forma de atuação de cada um dos partidos que representam. Depois de termos definido as práticas profissionais aos olhos das técnicas descritas pela literatura internacional, tentámos compreender se houve comportamentos que indiciem a prática de spin doctoring em Portugal, além de registarmos a forma como esta atividade foi definida e encarada pelos diferentes entrevistados deste estudo. Não obstante, parece-nos igualmente importante caracterizar, sob forma de justificação, as razões pelas quais escolhemos estes protagonistas. Assim, no grupo de assessores de imprensa políticos decidimos entrevistar: •

António Colaço - apesar de ter pedido a aposentação em 2010, serviu o Grupo Parlamentar do PS durante 21 anos e, nestas funções, tornou-se uma figura marcante da assessoria de imprensa política. Entrou para o PS a convite do então líder parlamentar, Jorge Lacão, depois de ter passado

por

uma

longa

e

entusiástica

carreira

como

radialista,

nomeadamente nas “rádios livres”. •

Fernando Lima - foi assessor de imprensa do primeiro-ministro Cavaco Silva nos X, XI e XII Governos constitucionais, entre 1985 e 1995, e no seu primeiro mandato como Presidente da República. Também foi assessor de Martins da Cruz, no Ministério dos Negócios Estrangeiros do Governo de Durão Barroso. Iniciou-se no jornalismo n’ O Comércio do Porto, passou pelo Jornal de Notícias e dirigiu o Diário de Notícias. Tem formação em jornalismo.



Luís Bernardo – enquanto aluno do secundário, dirigiu a associação de estudantes da secundária de Queluz. Militante do PS (secção de Queluz, Sintra) desde 1987 e pertenceu ao Conselho Nacional da Juventude Socialista, então liderada por António José Seguro. No princípio dos anos 90, foi jornalista na TVI mas, em 1997, deixa o jornalismo e vai para assessor do ministro da Cultura, Manuel Maria Carrilho. Em 1999

309

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal ascende à condição de assessor do primeiro-ministro, António Guterres, com quem fica até ao fim (2002), mantendo-se sempre como uma espécie de assessor informal de Guterres. Quando o PS passa para a oposição e o país é governado pela aliança PSD-CDS, inicia atividade como consultor de comunicação no Grupo SAG, do multimilionário João Pereira Coutinho. Em 2005, tendo o PS regressado ao poder, regressa à assessoria de imprensa política, primeiro com o ministro Silva Pereira, depois transitando para o gabinete de José Sócrates. Pelo meio foi chamado de emergência para dirigir a campanha (já tida como perdida) de Manuel Maria Carrilho à Câmara de Lisboa. Manteve-se sempre ao lado de José Sócrates até 2012 e, com o PS já na oposição e sob liderança de António José Seguro, assume-se como principal conselheiro de comunicação do PS. •

João Gabriel - começou como jornalista na Rádio Press e prosseguiu a sua carreira, em 1995, na TSF, onde fez jornalismo de guerra na Jugoslávia e em Timor-Leste. Em 1995, depois de uma breve passagem pela SIC e pela TVI, é convidado a fazer a assessoria de imprensa da candidatura de Jorge Sampaio a Presidente da República. Depois da vitória de Sampaio, assume a assessoria de imprensa da Casa Civil da Presidência da República, durante os dois mandatos (1996-2006). Não concluiu o curso de Direito da Universidade de Lisboa.



Paula Barata - é assessora de imprensa do PCP desde o início da década de 90, pois até aí era secretária do Grupo Parlamentar comunista.



Pedro Sales - é assessor de imprensa do BE desde 2005, cargo ocupado até então pelo conhecido comentador político Daniel Oliveira. Sales entrou inicialmente no Grupo Parlamentar como assessor para a Comissão Parlamentar de Educação, dada a sua anterior experiência profissional como técnico de multimédia ao serviço da Porto Editora. É conhecido também como um acutilante blogger. Encontra-se a concluir uma licenciatura em Estudos Portugueses, na Universidade de Lisboa.



Pedro Salgueiro - é assessor de imprensa do CDS-PP desde 2003. Começou a trabalhar como estafeta no jornal O Independente, com apenas 18 anos, mas mais tarde assumiu funções de secretário de redação e de apoio à direção de Vasco Pulido Valente e Constança Cunha e Sá. Com a entrada de Paulo Portas para a liderança do partido, assume a

310

articulação com o CDS-PP e os media. Nunca concluiu a licenciatura de Gestão de Recursos Humanos da Universidade Lusófona. •

José (“Zeca”) Mendonça - é assessor de imprensa do PSD há 34 anos e por ele já passaram 17 presidentes do partido. “Não há nenhum jornalista político que ignore o nome de Zeca Mendonça” (Madail, 2007: 20). É, sem dúvida, uma figura omnipresente no Parlamento e na atividade pública do PSD. Iniciou a sua atividade como guarda-costas de Francisco Sá Carneiro e, posteriormente, começou a assumir funções na relação com a imprensa.

Por sua vez, como consultores de comunicação optámos por entrevistar: •

António Cunha Vaz - é proprietário e fundador da agência de comunicação Cunha Vaz & Associados desde 2003. Iniciou a sua carreira profissional em Bruxelas, na Comissão Europeia (CE). Em 1995, foi assessor de José Lamego na Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e, em 1996, assumiu o cargo de diretor de comunicação do BCP. Foi diretor de comunicação do Sport Lisboa e Benfica – sendo um sportinguista

assumido

–,

consultor

do

Laboratório

Nacional

de

Engenharia Civil, consultor do Espírito Santo Commerce para Assuntos Europeus, administrador da ONI, responsável pela comunicação da Caixa Geral de Depósitos, proprietário de várias revistas especializadas, colunista em alguns jornais de economia. Fez a campanha política de Mário Soares nas presidenciais de 2006; foi consultor de Santana Lopes como líder parlamentar, presidente do partido e primeiro-ministro; e “fabricou” (Matos, 2007: 62) Luís Filipe Menezes enquanto líder do PSD. Principal protagonista da derrota de Manuel Maria Carrilho à Câmara Municipal de Lisboa, nas autárquicas de 2005. De tal maneira que, hoje, tem “Manuel Maria Carrilho como inimigo declarado” (Cabral, 2006: 12). Licenciado em Direito pela Universidade de Lisboa, possui uma pósgraduação

em

Economia

Europeia

e

uma

outra

em

Relações

Internacionais pela Université Libre de Bruxelas. •

Luís Paixão Martins - é pioneiro e líder na atividade de consultoria de comunicação em Portugal e proprietário (além de fundador) da LPM Comunicação há mais de 20 anos. “Nunca se tendo considerado jornalista” (Maciel, 2006), iniciou a sua atividade profissional no

311

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal jornalismo: primeiro, na Rádio Renascença, em 1971, e, mais tarde, na Rádio Comercial, Agência Notícias de Portugal (ANP) e O Jornal. Foi responsável pelas campanhas eleitorais de Cavaco Silva e José Sócrates, assim como por dezenas de disputas autárquicas por todo o país. Publicou As Armas dos Jornalistas – A Linguagem da Informação ao Alcance de Todos (1983) e Schiu... Está aqui um Jornalista – Tretas, Meias Verdades e Completas Mentiras Acerca da Imagem (2001); mas também prefaciou e traduziu A Queda da Publicidade e a Ascensão das Relações Públicas (2003), de Al Ries e Laura Ries e Propaganda (2006), de Edward L. Bernays.

Os jornalistas/editores de política entrevistados foram: •

David Dinis - é editor de política do jornal Sol desde 2012. Fez a sua carreira como jornalista no Semanário (1995) e Diário Económico (1999). Foi editor de política do Diário de Noticias (2009-2011), do Jornal de Notícias (2007-2009) e do Diário Económico (2005-2007). Teve uma passagem pela comunicação governamental, enquanto assessor de imprensa do ex-primeiro-ministro Durão Barroso (2002-2004). É coautor do livro Resgatados (Coelho & Dinis, 2012) onde descreve as últimas semanas antes do resgate da troika (FMI, BCE e Comissão Europeia) a Portugal. Tem licenciatura em Comunicação Social pela Universidade Católica de Lisboa.



João Pedro Henriques - é editor-adjunto do Diário de Notícias desde 2010. Iniciou atividade jornalística em 1988, integrando mais tarde, em 1990, a equipa do jornal Público. Em 2003 é convidado a integrar os quadros do Diário de Notícias. É jornalista parlamentar desde 1996. Tem o curso de jornalismo do Cenjor.



Maria Flor Pedroso - é editora de política da Antena 1 desde 2003. Iniciou carreira na Rádio Comercial, em 1984, passando mais tarde pela RFM e TSF. Em 1997 entra para a Antena 1, como repórter parlamentar. Colaborou com o já extinto Canal de Noticias de Lisboa. Apresentou As Escolhas de Marcelo Rebelo de Sousa na RTP 1. É licenciada em Sociologia pela Universidade Nova de Lisboa.



Nuno Simas - é diretor-adjunto da Agência Lusa. Entra no jornalismo através, justamente, desta agência noticiosa, em 1988, mas só em 1996

312

assume funções de jornalista parlamentar. Em 2008, é convidado a integrar o Público como Grande Repórter, ficando igualmente responsável pela cobertura do Parlamento. Tem o curso de jornalismo do Cenjor. •

Paula Santos - é editora de política da SIC desde 2008. Iniciou a carreira como jornalista fundadora da TSF, em 1988. Mas é na SIC, onde ingressa em 1992, que desenvolve uma longa atividade de jornalista parlamentar, que se mantém até hoje. Não completou o último ano da licenciatura em Comunicação Social do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa.



Paulo Tavares - é editor de política da TSF desde 2009. Fez, aliás, todo o seu percurso profissional como jornalista, iniciado em 1993, nesta estação de rádio. É licenciado em Comunicação Social pela Universidade Nova de Lisboa.



São José Almeida - é jornalista de política no Público desde a sua criação, em 1990. Na altura, como a própria gosta de referir, foi ”estagiária fundadora”. Editou a secção de Política do jornal entre 2005 e 2007, exercendo atualmente as funções de Redatora Principal. É licenciada em História e doutoranda em Sociologia na Universidade de Lisboa.

Por último, os políticos/comentadores foram:



José Sócrates - foi secretário-geral do Partido Socialista entre Setembro de 2004 a Julho de 2011 e primeiro-ministro de Portugal dos XVII e XVIII Governos Constitucionais, de 12 de Março de 2005 a 21 de Junho de 2011.

Anteriormente

havia

sido

secretário

de

estado-adjunto

do

Ministério do Ambiente e ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território no governo liderado por António Guterres. Foi um dos organizadores do campeonato de futebol UEFA Euro 2004 em Portugal, deputado vários anos e ocupou muitos outros cargos políticos. Em 1979, quatro anos após ingressar no Instituto Superior de Engenharia de Coimbra (ISEC), obteve o grau de bacharel em Engenharia Civil; depois frequentou um mestrado no Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL) e obteve um MBA; conclui licenciatura em Engenharia Civil pela Universidade Independente; e, em 2013, concluiu um mestrado em

313

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal Ciência Política na Escola Doutoral do Instituto de Estudos Políticos de Paris, no qual foi o melhor aluno na variante de Teoria Política. Atualmente, é comentador de política na RTP e consultor de uma multinacional farmacêutica. •

Santana Lopes - em 2004 Durão Barroso demite-se do cargo de primeiroministro do XV Governo Constitucional para assumir a presidência da Comissão Europeia e, Santana Lopes, então vice-presidente da Comissão Política Nacional do PSD e presidente da Câmara Municipal de Lisboa, é indigitado primeiro-ministro, pela mão de Jorge Sampaio. Toma posse como na liderança do XVI Governo Constitucional em 17 de Julho de 2004. Passados poucos meses, dada a instabilidade governativa, com várias remodelações ministeriais e demissões em várias magistraturas da Administração

Pública,

Jorge

Sampaio

dissolve

a

Assembleia

da

República e precipita a demissão de Santana Lopes. Nas eleições legislativas de 2005, apresenta-se como candidato do PSD, mas é José Sócrates, do Partido Socialista, quem sai vencedor. Voltou à Assembleia da República, como presidente do Grupo Parlamentar do PSD, na liderança de Luís Filipe Menezes, entre 2007 e 2008. Foi, novamente, candidato a líder do PSD, aquando das eleições diretas de 2008, saindo derrotado por Manuela Ferreira Leite. Em 2009 foi, de novo, candidato ao Município de Lisboa pelo PSD, o CDS-PP, o MPT - Partido da Terra e o PPM, perdendo para António Costa. É licenciado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, foi deputado em várias legislaturas e ocupou vários cargos públicos e privados. Atualmente é provedor da Santa Casa de Misericórdia de Lisboa. •

Manuel Maria Carrilho - foi ministro da Cultura nos XIII e XIV Governos Constitucionais, dirigidos por António Guterres. Em 2000, assumiu o seu mandato na Assembleia da República como deputado eleito pelo Círculo do Porto. Foi candidato do PS a presidente da Câmara Municipal de Lisboa, em 2005, onde sai derrotado por Carmona Rodrigues e envolve-se numa acesa discussão pública com António Cunha Vaz sobre uma “campanha negra” que este teria alegadamente protagonizado contra ele. Em 2009 foi nomeado representante permanente de Portugal na UNESCO, em Paris, tendo sido afastado pelo primeiro-ministro José Sócrates, em Setembro de 2010. Licenciou-se em Filosofia, na Faculdade

314

de Letras da Universidade de Lisboa, em 1975, e doutorou-se em Filosofia Contemporânea, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, em 1985. Nesta instituição iniciou a sua carreira académica. A sua investigação incide sobretudo nas áreas da filosofia do conhecimento e das ciências, nas teorias da argumentação e da retórica e nos problemas de comunicação e política. É colunista no jornal Diário de Notícias e comentador ocasional na SIC Notícias e na TVI 24. 2.1.4 Guião-base das entrevistas

Desenvolvemos

previamente

três

guiões-base:

um

para

os

assessores/consultores de comunicação, outro para os jornalistas/editores e um último para os políticos/comentadores (Ver Apêndices 1, 2 e 3). Estes documentos de suporte foram desenvolvidos através de seis grandes grupos de perguntas. Um primeiro grupo, a Breve biografia, onde registámos os dados biográficos do entrevistado; um outro, Definição do campo, com perguntas para tentar auscultar as noções dos entrevistados sobre a atividade de assessoria de imprensa política; um terceiro conjuntos de questões sobre as Técnicas Usadas (perguntas no caso dos assessores de imprensa) ou Percepção das Técnicas Usadas (perguntas no caso dos editores/jornalistas e políticos/comentadores); e três últimos grupos de perguntas sobre Política, Spin

Doctoring

e

Jornalismo

onde

buscámos

definições,

conceitos,

percepções sobre estas três áreas, assim como as intercepções, diferenças, semelhanças e similitudes de cada uma delas. Estes guiões-base para as entrevistas semidiretivas tiveram como ponto de partida 44 questões para os assessores/consultores de comunicação, 32 para os jornalistas/editores e 35 para os políticos/comentadores. 2.1.5 Notas sobre o trabalho de campo

As 20 entrevistas que realizámos foram gravadas em ficheiros mp3, perfazendo um total acumulado de 585 minutos (mais de 24 horas) e um tempo médio por entrevista de 29 minutos. As entrevistas mais longas foram

315

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

as de Fernando Lima (49’) e de Maria Flor Pedroso (46’), enquanto as de Pedro Salgueiro (19’) e de Paula Barata (18’) registaram uma menor duração. No entanto, estas horas de gravação não correspondem ao tempo realmente despendido pelos entrevistadores, já que parte dos depoimentos foi dado com o gravador desligado. Acresce que, na entrevista com José Sócrates, não foi possível garantir a qualidade sonora do respetivo ficheiro mp3, por isso o depoimento do ex-primeiro-ministro foi transcrito minutos após ter sido proferido, com base em apontamentos e no guião. Importa salientar que todas as entrevistas foram fielmente transcritas, editadas e, no caso de Manuel Maria Carrilho, e por pedido expresso do mesmo, submetida à aprovação do autor. Decidimos também, perante a autorização inicial dos entrevistados, colocar, na íntegra, as entrevistas realizadas ao nosso objecto de estudo – os assessores de imprensa e consultores de comunicação. Por isso, entre os Apêndices 4 e 13 irá encontrar estas dez entrevistas que podem representar um importante contributo para futuros trabalhos de investigação. Outro aspeto que pretendemos ressalvar relaciona-se com o facto de termos partido para este estudo com a convicção de que a experiência profissional do autor podia significar facilidade na abordagem e na compreensão do tema, mas também podia representar um entrave na recolha de depoimentos por parte de outros colegas (e competidores) de profissão. A circunstância de o autor desta investigação ter sido, também ele, um ator na comunicação política da Assembleia da República, como assessor de imprensa ao serviço do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, poderia representar um problema na aceitação dos pedidos de entrevista e até no conteúdo das mesmas. Todavia, tal não se veio a verificar. O bom relacionamento entre os diferentes assessores de imprensa das bancadas parlamentares, assim como o facto de o autor já ter cessado as suas funções no Parlamento há quase dois anos, contribuiu para o sucesso deste levantamento. Na verdade, a cordialidade e o espírito de colaboração imperaram durante o período de entrevistas, bem como nas restantes fases da investigação. 316

Se à partida temíamos que a admiração ou desafeição do autor por determinados entrevistados tolhesse a objetividade do presente estudo, tal também não nos parece ter ocorrido. Este é, no entanto, um problema que L'Etang (2008) identificou em alguns trabalhos biográficos ou autobiográficos nesta área, como os de Stuart Ewen (1996) e Larry Tye (1998) quando entrevistaram o pai das relações públicas modernas: Edward Bernays. Foi, pois, com a preocupação de distanciamento e isenção que partimos para o presente estudo, interiorizando desde logo o compromisso de respeitar escrupulosamente as opiniões dos entrevistados e de reproduzir fielmente a veracidade do conteúdo das entrevistas. A dimensão da amostra deste trabalho afigurava-se, à partida, como um potencial problema. Qual seria o número de entrevistas indicado para um estudo deste género? Há autores que defendem que uma investigação científica deve incluir, pelo menos, 40 entrevistas. Todavia, como refere Paula Espírito Santo (2010): Há

situações

em

que

se

pode

ter

como

objetivo

complementar

determinada posição com (...) informadores qualificados e únicos para determinado contexto de investigação (Ibid.: 33).

Ora, a nossa amostra, apesar de totalizar 20 entrevistas, consegue representar 100% dos assessores de imprensa dos grupos parlamentares da Assembleia da República, os donos das duas maiores empresas de consultoria de comunicação, dois antigos primeiros-ministros com uma relação impressiva com a Comunicação Social e, ainda, editores de política de sete importantes órgãos da imprensa, televisão, rádio e agências noticiosas. Por conseguinte, é lícito dizer que a nossa amostra é suficientemente qualificada e abrangente para os parâmetros científicos de uma investigação que se quer de referência na sua área. 2.2 A recolha de artigos de imprensa

Para complementar as entrevistas, fizemos um exaustivo levantamento de todas as notícias publicadas na imprensa portuguesa entre 2003 e 2012 que 317

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

abordassem ou referissem “spin”, “spin doctor” ou “spin doctoring”, de forma simples ou por combinações boleadas (“e”, “ou”, “menos”). Este levantamento foi efetuado através do cruzamento das plataformas de recortes de imprensa da Cision, da Faxinforme, da Clipping Consultores e da Netpress.

Foram,

assim,

identificadas

572

peças

jornalísticas,

maioritariamente textos de opinião, nos mais diversos órgãos de comunicação impressos nacionais e regionais. Ao longo desta seleção de notícias, fomos dando também atenção e relevo a um conjunto de acontecimentos e/ou de “casos” públicos da política portuguesa que evidenciaram a atuação dos spin doctors. Todas as 572 peças jornalísticas foram analisadas, classificadas e usadas na confirmação, anulação, reforço e contra-posição das muitas afirmações proferidas nas entrevistas de elite.

3. Apresentação e discussão de resultados Vamos agora explanar os resultados deste estudo de campo, com recurso a uma organização metodológica que procura dar espaço aos quatro grandes grupos de entrevistados e às posições públicas de variadíssimos políticos, jornalistas, comentadores e académicos que recolhemos no já referido clipping da imprensa portuguesa. É, aliás, nosso propósito complementar e cruzar as entrevistas com essas afirmações proferidas publicamente. Cremos que, deste modo, é possível não só dar uma ideia mais vasta da opinião dos entrevistados como detetar possíveis incongruências no seu pensamento. Para uma melhor compreensão e fluidez na leitura deste estudo, optámos por colocar entre aspas (“”) e itálico (frases com menos de três linhas) e só em itálico (frases com três ou mais linhas) em todos os excertos de textos retirados das entrevistas produzidas em exclusivo pelos entrevistados elencados na alínea 2.1.3.

318

3.1 Como é encarada a assessoria de imprensa em termos globais? 3.1.1 A perspetiva dos jornalistas políticos Coitados! Estou mesmo a vê-los, desgrenhados, com os olhos inchados por falta de sono, correndo de um lado para o outro de papéis na mão, à procura de uma ideia milagrosa que devolva a popularidade ao ministro. Estou a vê-los nos gabinetes aos domingos e feriados, febris, movidos a cafeína, falando ao telemóvel com militares, jornalistas, militantes do CDSPP, assessores de outros ministérios e gente do SIEDM. Um trabalho assim, desgastante, nunca está bem pago nem nunca está terminado (Rui Batista, in Público, 27/01/2003).

Foi desta forma que Rui Batista, ex-jornalista do jornal Público e atual assessor de imprensa do primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, descreveu a atividade dos assessores de imprensa do então ministro da Defesa, Paulo Portas. No artigo de opinião intitulado Simpáticos e Inoperantes, o então jornalista simplesmente revelou uma tendência instalada em alguns setores da sociedade portuguesa para criticar e desprezar a utilidade da assessoria de imprensa e, em particular, aquela que apoia a política. Mas, quando questionados sobre a utilidade da assessoria de imprensa para a atividade jornalística, a totalidade dos editores e jornalistas de política entrevistados neste estudo foi quase unânime: “Claro que serve”. Maria Flor Pedroso foi mais longe e referiu mesmo que, sem a assessoria de imprensa, “seria o caos instalado”. Paulo Tavares justifica a pertinência da assessoria com a sua capacidade de “abrir portas, facilitar contactos e fornecer informação de enquadramento sem (…) incomodar a fonte primária”. Também Nuno Simas destaca a “informação em background”. E, na mesma linha, São José Almeida reconhece a utilidade dos profissionais que “canalizam informações, que convocam ou dizem datas de encontros e que dão informação vária”. Para David Dinis, os assessores de imprensa “servem de almofada na relação, que é sempre tensa, entre jornalistas e políticos”. Aliás, todos destacam a função de intermediação destes profissionais no contacto com os políticos.

319

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

Os jornalistas entrevistados não deixaram, contudo, de sublinhar que a relevância da assessoria de imprensa para o jornalismo depende muito da forma como a atividade é exercida. Ressalvaram, por exemplo, que os efeitos positivos da ação do assessor só se verificam se existir “equilíbrio” (Nuno Simas), “perfeito conhecimento do partido [representado] e fornecimento de informação útil” (João Pedro Henriques). O bom assessor de imprensa “é, em primeiro lugar, aquele que não mente” (Maria Flor Pedroso). Além disso, tem de ter uma “grande proximidade com o político” (David Dinis) e agir sempre de forma “legítima, honesta e com máxima celeridade nas respostas” (Paula Santos). Deve, em suma, ser “quase um porta-voz” (Paulo Tavares). Um assessor incompetente pode estragar uma boa notícia! E um assessor competente pode transformar uma média notícia numa boa notícia. É uma questão, quase, de empratamento, ou seja, há um prato que, com outro empratamento, teria outro sabor (João Pedro Henriques).

De resto, todos advertem que não há altruísmo nestes profissionais, pois estão sempre ao serviço de quem lhes paga o ordenado: os políticos. O assessor de imprensa tem um objetivo que, quase sempre, é contrário ao objetivo do jornalista. Porque tem uma função propagandística, isto é: promover o seu protagonista, o projeto político, as suas ideias... E sempre nos moldes em que o próprio a pensou (Flor Pedroso).

Quem está na mesma linha da jornalista da Antena 1 é o provedor do Diário de Notícias, Óscar Mascarenhas, que considera que “jornalista é informação, logo o jornalismo é um combate da propaganda; e assessor é propaganda, pelo que tem de rasteirar o jornalista” (Mascarenhas, 2013). Os entrevistados da comunicação social rejeitaram, unânime e vigorosamente, a possibilidade de a assessoria ser entendida como jornalismo ou, tal como acontece no Brasil, que os seus executantes possam ostentar uma carteira profissional igual à do jornalista. “Ridículo”, “sem sentido”, “disparate”, “absurdo” foram algumas das reações ao modelo usado no outro lado do Atlântico. 320

3.1.2 A perspetiva dos assessores de imprensa

Para os assessores de imprensa políticos não há qualquer dúvida em relação à utilidade das suas funções. A mesma pode ser comprovada pelo número de chamadas telefónicas que recebem diariamente, sendo estas, aliás, uma boa forma de descrever a profissão destes profissionais. Perguntaram na escola do meu filho o que é que fazem os pais. Uns miúdos disseram que eram médicos, outros que eram professores, outros que trabalhavam no comércio, e o meu filho disse que o pai escrevia e falava ao telefone (Pedro Sales).

Uma atividade frenética que tem como objetivo ser uma “mediação” (António Colaço), “elo de ligação” (Pedro Salgueiro), “facilitador” (João Gabriel) ou “intermediário” (Fernando Lima) entre os jornalistas e os políticos. Uma atividade que deve ser executada com “diplomacia” (Zeca Mendonça) para conseguir “abrir caminho para que uma mensagem faça o seu percurso com sucesso” (António Colaço). Assim descrevem a assessoria de imprensa vários protagonistas desta atividade. António

Colaço

(1996)

decidiu

realizar

uma

informal

compilação

de

depoimentos de jornalistas, assessores e deputados sobre o que é a assessoria de imprensa142. Nela, Zeca Mendonça, por exemplo, defende que o assessor de imprensa deve ser “um grande conhecedor do funcionamento do seu partido e estar sempre atualizado sobre o que se passa nos outros”. À semelhança do que enfatizou na nossa entrevista, Paula Barata salienta que há “falta de memória” e de “especialização” nos jornalistas, o que obriga os assessores a serem mais interventivos no fornecimento de informação. O autor da compilação – um histórico assessor de imprensa do grupo parlamentar do PS – chega, até, a esboçar um “código” de relacionamento com os jornalistas,

Neste documento fotocopiado, intitulado Ingenuidades, estão plasmadas opiniões muito interessantes sobre a assessoria de imprensa, que podem, inclusivamente, ajudar a definir esta atividade. Estão ainda registados inusitados poemas e versos sobre as ‘cachas’ e os ‘assessores de imprensa’ da autoria de António Barreto, Arons de Carvalho, Francisco Sena Santos, Fernando Alves, entre muitos outros jornalistas e políticos. Pelo valor documental, decidimos partilhar o documento integral no Anexo 1.

142

321

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

com

quatro

regras

básicas:

“partilha

de

experiências”,

“dignidade”,

“credibilidade da mensagem” e “amizade”. Em contraponto a estas concepções da assessoria de imprensa estão Luís Paixão Martins e Luís Bernardo. Este último considera que a assessoria de imprensa é uma atividade “clássica”, “redutora” e “ultrapassada”, pois limita-se ao já referido papel de ligação entre políticos e órgãos de comunicação social. Prefere o termo “assessor de comunicação”, porque se coaduna melhor com as necessidades de comunicação global. Hoje em dia, nas sociedades desenvolvidas, a comunicação faz parte e é um dos elementos da decisão política. Um governante pode tomar uma medida acertada, bem pensada, bem estruturada, mas, para esta se tornar efetiva e ter efeitos práticos na vida das pessoas, [esse mesmo governante] deve saber comunicar [a medida] através de todas as ferramentas disponíveis (Luís Bernardo).

Em sintonia com o ex-assessor de José Sócrates está Luís Paixão Martins, para quem a assessoria de imprensa não passa de um trabalho de “secretariado”, “de receber solicitações de jornalistas e tentar geri-las”, de “multiplicação da mensagem”… Enfim, de “assessoria de imprensa, ponto final!”. Explica que um assessor ou consultor de comunicação tem uma paleta de tarefas mais alargada, que inclui, por exemplo, “formatar os conteúdos”, “selecionar os suportes de comunicação” ou “desenvolver planos de comunicação”. O proprietário da LPM discorda, no entanto, de Luís Bernardo quanto à maior ou menor atualidade da assessoria. Do seu ponto de vista, as diferenças estão assentes nas duas “escolas” de comunicação: a de Ivy Lee e a de Edward Bernays. Recorde-se que Ivy Lee realizava a promoção e comunicação dos seus clientes através, quase exclusivamente, dos jornais, revistas e mais tarde da rádio. Já Bernays sempre se pautou por montar estratégias above the line, ou seja, com recurso a eventos, publicidade, lobbying… Não se limitava, portanto, ao uso dos media. Apesar de ser admirador e confesso seguidor de Bernays, Paixão Martins reconhece, no entanto, que há técnicas usadas por estes “pais” da comunicação que estão muito ultrapassadas. 322

Ainda há 10 anos, se você tinha um problema de comunicação, resolvia-o com uma iniciativa: uma entrevista, uma declaração e ficava com a sua vida resolvida. Hoje, desse ponto de vista, é impossível. Hoje tem que se multiplicar em ações para fazer alguma coisa. O mundo hoje já nada tem a ver com o mundo do tempo deles [Lee e Bernays] (Luís Paixão Martins).

Para António Cunha Vaz, um bom assessor de imprensa (aceita esta denominação) deve, em primeiro lugar, “conhecer muito bem os dossiers do cliente” e só depois encontrar estratégias para ampliar eficazmente as mensagens. Um trabalho que, ressalva, tem de ser estritamente profissional na relação com os jornalistas. Isto é, “sem pedir o jeitinho para colocar uma notícia...” 3.1.2.1 A autodenominação profissional como ponto de clivagem

As diferenças de concepção da assessoria também são evidentes quando perguntamos

aos

seus

profissionais

como

se

autodenominam

profissionalmente. Os cinco responsáveis pela comunicação dos grupos parlamentares identificam-se como “assessores de imprensa” e, por oposição, rejeitam o cunho de “relações públicas”, “jornalistas” ou, ainda com mais veemência, o de “consultores de comunicação”. As reações do assessor Zeca Mendonça são um bom exemplo disso mesmo, pois este fez questão de salvaguardar as diferenças, recordando campanhas internas do PSD. [Os consultores de comunicação] julgavam que estavam a vender o dr. Santana como se estivessem a vender Tide. Ou o dr. Menezes como se estivessem a vender sabonetes Lux. Foi tudo absolutamente desastroso. É um modus de lidar diferente... Tentam quase impor ao outro lado uma mensagem, tal como se estivessem a pagar um anúncio (Zeca Mendonça).

A aversão dos assessores de imprensa parlamentares à denominação “relações públicas” advém, em certa medida, do polémico pedido da empresa LPM ao então presidente da Assembleia da República, Jaime Gama, em janeiro de 2007, para que fosse concedida acreditação parlamentar aos seus consultores de comunicação. Também a Cunha Vaz & Associados, de António Cunha Vaz,

323

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

veio a solicitar, um ano depois e sob a liderança parlamentar de Pedro Santana Lopes, a mesma acreditação, para “ajudar o PSD a comunicar melhor no Parlamento” (Lusa, 30/01/2008). Motivo que forçou o então deputado a esclarecer os colegas de bancada que “o modo de comunicar e o conteúdo da comunicação fazem parte do domínio de liberdade absolutamente inalienável de cada deputado” (Pedro Santana Lopes, cit. in Público, 23/01/28). Mas, para Luís Paixão Martins, a denominação da atividade que se exerce é uma questão de percurso profissional. Apontando-se como modelo, recordounos que começou por ser locutor de rádio, jornalista, assessor de imprensa e, depois de entrar para a indústria das relações públicas, passou a assumir-se como relações públicas e atualmente como consultor de comunicação. Mas, há muito que entende a separação entre as duas atividade como um imperativo: Nós não fazemos jornalismo. Ao longo destes meus 10 anos de trabalho, sempre me bati pela separação clara e absoluta entre o que é jornalismo e o que é o conselho em comunicação (Martins, Luis Paixão, 1996: 38).

Por sua vez, aqueles assessores que estiveram na Casa Civil da Presidência da República intitularam-se “jornalistas”, embora no exercício das suas funções de assessoria de imprensa. Esta autodenominação deve-se, segundo os próprios, ao facto de terem sido jornalistas durante muitos anos. “Nunca deixei de me sentir jornalista”, referiu Fernando Lima. Mas João Gabriel admitiu que teve de abandonar esta denominação ao fim de dois anos de “Presidência”, pois “[percebeu] que só tinha de potenciar mensagens positivas... E isto não é jornalismo”. Natália Carvalho143 esmiúça na perfeição este ponto de vista. A jornalista da Antena 1, que chegou a ser assessora de imprensa de Isaltino Morais, defende que “quando se é jornalista nunca se deixa de ser jornalista. O jornalismo está na formação, na génese da pessoa”. E acrescenta: “Serei má assessora no dia em que

143

Esta jornalista não está na lista de entrevistas deste estudo mas as suas declarações, proferidas aquando da entrevista com Maria Flor Pedroso, revelaram-se de tal pertinência que decidimos incluí-las.

324

deixar de ser jornalista”. Confrontada com estas declarações – das quais discorda, reiterando a “incompatibilidade” entre as duas funções –, Maria Flor Pedroso deixou escapar um interessante comentário, que parece remeter-nos para a área de recrutamento desta atividade: “A assessoria de imprensa é, quanto muito, uma atividade para-jornalística”. 3.1.2.2 O recrutamento

A forma de recrutamento para a atividade de assessoria de imprensa é mais um ponto de desacordo entre assessores e jornalistas, mas que pode fornecernos pistas importantes para melhor compreendermos o objeto de estudo em causa. Para o assessor João Gabriel, por exemplo, a passagem pelo jornalismo “é obrigatória”, na medida em que “dá uma capacidade que alguém que não passou por essa experiência não tem”. Como vimos, Fernando Lima, assessor, e Natália Carvalho, jornalista, partilham desta mesma opinião, porque, na verdade, sempre se sentiram na pele de um repórter. Depois, há um conjunto de jornalistas, como Nuno Simas, João Pedro Henriques, David Dinis e Paulo Tavares, para quem a passagem pelo jornalismo “pode ajudar”. É preciso saber como é que se mexem os jornalistas, ou seja, ao que eles dão atenção; como é que são as regras fundamentais; a que horas é que fecham os jornais; quem são as pessoas dentro dos jornais; quem é que tem maior responsabilidade sobre o quê; quem é que decide; quem é que tem influência nos jornais e nos comentadores... Não precisa de ter sido jornalista, mas precisa de saber lidar com eles, claro, porque têm as suas próprias regras (David Dinis).

Para além de recusar a visão académica da profissão, Luís Paixão Martins critica o recrutamento de assessores de imprensa políticos, principalmente governamentais, nas redações dos órgãos de comunicação social. Chama-lhes “assessores de imprensa time-sharing”: São jornalistas que por esta ou aquela razão, às vezes até por razões bastante infantis, os políticos escolheram para trabalhar com eles. Portanto, são pessoas,

325

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal na maior parte, que não têm uma experiência profissional de trabalhar nesta área da comunicação (Luís Paixão Martins).

Para o consultor de comunicação, esta arregimentação acontece por causa do potencial de networking que os jornalistas aparentemente ostentam. ”Como é jornalista conhece jornalistas. E é o ‘conhecer jornalistas’ que traz notícias”, conclui. Noutra perspetiva, São José Almeida defende que a passagem pelo jornalismo até pode dificultar: “Os jornalistas respeitam mais um assessor de imprensa que não foi jornalista do que um jornalista que vira assessor de imprensa.” Por seu turno, Maria Flor Pedroso vai ainda mais longe: “Os melhores assessores de imprensa que conheço, e com os quais lido, nunca foram jornalistas”. Trata-se, como vamos poder verificar mais adiante, de uma referência aos assessores de imprensa parlamentares por nós entrevistados, que nunca foram jornalistas. Mas também, diga-se, não possuem formação específica e especializada em jornalismo, relações públicas ou marketing. Para o conhecido político e comentador José Pacheco Pereira, mais grave do que o recrutamento é o vai-e-vem dos jornalistas entre as redações de política e os gabinetes ministeriais. Ajudava

muito

à

clarificação

da

vida

política

portuguesa

que

se

conhecessem estas transumâncias passadas e atuais, porque elas refletem reais conflitos de interesse numa parte sensível da nossa democracia, a formação da opinião pública. Ou seja, é importante sabermos quem, na redação do jornal ou do canal televisivo X ou Y, foi assessor de Marques Mendes, Mário Lino, Sócrates, Santos Silva, Pedro Silva Pereira, Barroso ou Lopes (Pacheco Pereira, 2008a).

Quem é da mesma opinião é o deputado socialista José Lello. Num artigo publicado no Diário de Notícias – intitulado “Jornalismo e Estado de Direito” –, defende que um dos sinais da crise no jornalismo – que se encontra “na penúria do rigor, na pelintrice da investigação e na banalização deontológica” (Lello, 2010: 44) – está no facto de as assessorias de imprensa estarem todas nas mãos de ex-jornalistas. 326

Hoje em dia, todos os interesses, políticos, empresariais, regionais e culturais, que aspiram ver difundidas as respetivas políticas e estratégias, agem sempre na envolvente de agências de comunicação, de assessorias de imprensa e de empresas de relações públicas, todas invariavelmente nas mãos de ex-jornalistas (Ibidem). 3.1.2.3 Assessoria de imprensa política versus assessoria de imprensa empresarial

Tal como tivemos oportunidade de demonstrar nos capítulos III e IV, os comportamentos e as técnicas dos assessores de imprensa ao serviço de empresas (diretamente ou por meio de agências de comunicação) são significativamente diferentes das dos seus congéneres da política, que representam partidos, grupos parlamentares, órgãos de soberania ou mesmo instituições públicas. Quando questionados sobre esta questão, a maioria dos jornalistas e editores de política teve dificuldade em descrever e classificar as putativas diferenças. Facto que se compreende, porque, na verdade, não têm grande contacto com as assessorias de imprensa das empresas. Por isso mesmo,

as

respostas

foram

variadas,

confusas

e,

nalguns

casos,

contraditórias. Entendemos, ainda assim, ser oportuno perceber estes pontos de vista. Paula Santos acha que se trata de uma assessoria de imprensa “pouco experiente”

e

“pouco

aguerrida”,

porque

os

assessores

“têm

menos

oportunidades para lidar com os jornalistas”. Trabalham, segundo a editora de política da SIC, mais com press releases do que com fugas de informação. Nuno Simas, pelo contrário, reconhece a capacidade de pressão das assessorias de imprensa empresariais. Para este jornalista, essa capacidade decorre, em boa medida, do facto de este tipo de assessoria ser exercida predominantemente por agências de comunicação, cujos assessores são em maior número do que os jornalistas. Por isso, qualifica a ação destes assessores como “uma invasão diária de mail”. Reconhecendo também que se tem assistido, nos últimos anos, a um aumento de notícias nas secções de Sociedade e Economia vindas das agências de 327

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

comunicação, João Pedro Henriques considera que tal se deve ao “maior grau de intermediação” da assessoria de imprensa empresarial no contacto dos jornalistas com gestores e administradores. Nos políticos, sobretudo no Parlamento, o contacto é muito direto. Obviamente, há mais contacto direto com um partido quando ele está na oposição do que quando ele está no poder. Se o partido está no governo, é mais fácil pôr barreiras entre o sujeito político e o sujeito jornalista, através dos assessores de imprensa (João Pedro Henriques).

Fernando Lima considera que a imprevisibilidade e a intensidade da ação da comunicação política a distanciam da assessoria empresarial, alegadamente mais planificada e com uma intervenção pontual junto dos jornalistas. Mas, para João Gabriel, não há qualquer diferença, a não ser “pequenas nuances” que têm que ver, sobretudo, com a área de atuação: desporto, ambiente, finanças…. António Colaço (iniciou a atividade de consultor de comunicação) está em linha com esta argumentação. Admite que os profissionais “estão ao mesmo nível”, pois “só procuram valorizar uma mensagem com vista à notícia”. Curiosamente, este foi o único assessor parlamentar que assumiu tal posição. Os restantes distanciam-se da assessoria de imprensa ao serviço das empresas. Acho que as pessoas têm a imagem errada de que os assessores de imprensa têm um poder muito superior àquele que de facto têm. Aliás, acontece o mesmo com os clientes das agências de comunicação. E esse é um dos principais trunfos das agências de comunicação e da assessoria de imprensa. No fundo, como falam de uma ciência que, até do ponto de vista empresarial, eles desconhecem, isso é um grande trunfo para as equipas comunicacionais (Pedro Sales).

António Cunha Vaz e Luís Paixão Martins hipervalorizam a assessoria de imprensa desenvolvida, não pelas empresas, mas em outsourcing. E as justificações,

para

além

da

sua

própria

razão

de

existir,

têm

sido

demonstradas ao longo deste capítulo. A antítese dos raciocínios de

328

justificação evocados anteriormente pelos jornalistas é, segundo eles, a força deste modelo de comunicação. A planificação do trabalho – que vai desde a minuciosa preparação da mensagem até à análise do seu feedback, passando pela escolha dos respetivos públicos-alvo – e o controle da informação são o core da assessoria empresarial, dizem. Ainda ontem tomei um café com duas jornalistas que queriam falar com um cliente meu, conhecer pessoalmente para poderem passar a falar diretamente com ele. Acho isso justo e legítimo. Do nosso ponto de vista, também é justo e legítimo procurar fazer o contrário, que é profissionalizar a nossa relação com os jornalistas. Porque assim os nossos clientes ficam melhor defendidos (Luís Paixão Martins).

António Cunha Vaz aproveitou o mote para elogiar a assessoria de imprensa política desenvolvida pela sua empresa a vários candidatos autárquicos, ressalvando que nunca se deve ser “um papagaio do líder político” e que se deve “respirar política”. Se o líder político diz que hoje vai dar uma volta pelas freguesias A, B, C, D e E, ele [assessor] faz isto: tem de pensar mais além. Não vai só convocar os jornalistas para estarem lá presentes. Ele, quando convocar os jornalistas, tem de conhecer qual é a estrutura socioeconómica dessas freguesias, [a estrutura] etária dessas freguesias... (António Cunha Vaz).

Importa ressalvar que todos os políticos entrevistados manifestaram completo desconhecimento da atividade de um assessor de imprensa empresarial, tendo-se, por isso, escusado a analisar a sua atividade. 3.1.2.4 O sucesso do assessor de imprensa depende do relacionamento pessoal com os jornalistas?

Como foi demonstrado no capítulo III, a assessoria de imprensa, do ponto de vista técnico, é ativada por um conjunto de estratégias que se concentram em três grandes pilares: produção de conteúdos, criação de pseudo-eventos e estabelecimento de relações de proximidade com os jornalistas. Neste pressuposto, e deixando de lado, para o caso, os dois primeiros pilares, 329

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

procurámos perceber se, em Portugal, a proximidade relacional com os jornalistas é um fator determinante para o sucesso da assessoria de imprensa. Praticamente

todos

os

entrevistados

não-jornalistas

responderam

afirmativamente a esta questão, mas com diferentes graus de convicção. De um lado, estão aqueles que não têm “a mínima dúvida [de] que sim” (António Colaço), pois consideram que o relacionamento interpessoal é “fundamental” (Zeca Mendonça e Luís Bernardo) ou mesmo “o verdadeiro segredo da assessoria de imprensa” (João Gabriel). Já Luís Paixão Martins diz que o “networking” – ou seja, a rede de contactos – é condição imperiosa desta atividade. Nenhum dos jornalistas escutados comunga, porém, este ponto de vista. É fundamental o nível de contacto e confiança que existe de parte a parte. Não deveria ser, mas é. Como em tudo na vida, as pessoas ao fim de alguns anos criam relações de amizade; por vezes, no dia a dia. [E] Isso claro que se reflete no trabalho. Posso dizer que, em algumas circunstâncias, o facto de conversar com alguns jornalistas influenciou, de uma forma ou de outra, a notícia (Luís Bernardo).

Do

outro

lado,

estão

aqueles

que

concordam

com

a

utilidade

do

relacionamento interpessoal mas relativizam a sua importância (os assessores Pedro Salgueiro, Pedro Sales e o jornalista João Pedro Henriques). Por outras palavras, “ajuda mas não é essencial” (Paulo Tavares). Isto significa que têm reservas em relação às vantagens da proximidade entre jornalistas e assessores. Acho que os jornalistas não são idiotas e que conseguem perfeitamente separar o plano profissional do plano pessoal. Isso, aliás, [acontece] tanto [com] os assessores de imprensa como [com] os jornalistas. Tentar misturar os dois é péssimo. A acontecer, pode dar-se o contrário: havendo relações, algumas de proximidade, o próprio jornalista tenta defender[-se] e tenta não colocar só notícias dessas pessoas [assessores] (Pedro Sales, assessor). Mesmo sendo amigos, um assessor competente tem que, se quiser passar notícias, ser inteligente e não tentar fazer dos jornalistas burros, não ser arrogante, nem ser armado em esperto (João Pedro Henriques, jornalista).

330

Nos antípodas, estão aqueles para quem a relação de amizade com os jornalistas nada serve, pode ser gerador de problemas ou, quanto muito, de utilidade instrumental. Quem o defende é António Cunha Vaz, que exige “uma relação estritamente profissional” aos seus accounts. Porque as amizades corrompem-se e só servem para “quem pede para pôr uma setinha a subir”, diz. Num

registo

completamente

diferente,

por

temer

associações

a

comportamentos hipócritas e interesseiros, também a assessora Paula Barata defendeu que “o relacionamento pessoal não se reflete automaticamente na transmissão de informação”, visto serem planos diferentes. A editora da SIC, Paula Santos, preferiu responder à pergunta centrando-se não no “bom” mas, sim, no “mau relacionamento”: Acho que um relacionamento mau pode dificultar. Acho que, se as pessoas não se derem e desconfiarem uma da outra, cria[-se] ruído e dificuldades. Se eu for para o estrangeiro trabalhar com um político que tem um assessor com o qual eu não falo, por exemplo, ou que desconfia sempre daquilo que eu vou fazer, vai dificultar-me o trabalho. Aqui a questão não se coloca a nível do favorecimento, porque eu não quero cá essa questão (Paula Santos).

Importa realçar que, tal como Paula Santos, todos os jdemais ornalistas asseguraram que as relações pessoais de amizade não interferem no seu trabalho

jornalístico.

Maria

Flor

Pedroso,

por

exemplo,

recusa

o

“relacionamento simbiótico”, que considera “só existir com os colegas de redação”, mas aceita uma relação com os assessores na base do “respeito” e da “confiança”. No entanto, um dos jornalistas entrevistados, mas sob reserva, admitiu que a comunicação social “serve com frequência interesses pessoais, privados ou corporativos”, ou “jogadas de interesse editorial, político e económico”. Os políticos, por seu turno, admitiram que ter relações de proximidade “pode ajudar” na obtenção de bons resultados na assessoria de imprensa, mas foram vagos na apreciação desta questão.

331

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal 3.1.3 A perspetiva dos protagonistas políticos

Junto dos políticos tentámos perceber que grau de utilidade atribuem à assessoria de imprensa, bem como o valor que dão à ‘notícia’ enquanto produto da atividade jornalística. Para início de conversa, importa sublinhar que todos defenderam o papel do jornalismo como motor da opinião pública. Para José Sócrates, por exemplo, jornalismo é “um alicerce da democracia”, tanto mais que, atualmente, a “força da comunicação é muito grande”, complementa Pedro Santana Lopes. Os políticos “não têm outro meio para chegar às pessoas”, justifica Manuel Maria Carrilho. Pedro Santana Lopes e José Sócrates consideram, aliás, que o estado atual da comunicação política é muito semelhante, quase uniforme, entre os países ocidentais. Esta opinião não é, todavia, partilhada por Manuel Maria Carrilho, que defende que Portugal possui um quadro muito próprio de comunicação política. De resto, para o ex-ministro da Cultura, “cada sociedade produz, com muita singularidade, o seu próprio tipo de comunicação”. E é neste quadro de convicções que Manuel Maria Carrilho descreve e avalia o trabalho desenvolvido por um assessor de imprensa. Para o político socialista, trata-se da “mediação de uma mensagem política própria”. Por isso, Carrilho considera que um profissional que trabalhe nesta área deve ter pleno conhecimento da entidade ou político que representa. Depois, tem de fazer avançar a mensagem definida pelo político. Por último, deve conhecer os meios que podem receber e propagar melhor essa mensagem. “Com todos os atritos, com todas as dificuldades que tenha, mas tem de fazer passar” a mensagem, conclui. Pedro Santana Lopes, que vê esta atividade como uma base “indispensável” para os políticos “conseguirem estabelecer uma relação fluída com os órgãos de comunicação social”, também evoca, tal como já o havia feito o jornalista David Dinis, o conflito omnipresente na relação entre assessores e jornalistas. Quando digo uma relação fluida, refiro-me a uma relação permanente e de interesse mútuo. Mas correta e leal, porque as relações entre assessores de

332

imprensa e comunicação social normalmente padecem, logo à partida, de uma suspeição (Pedro Santana Lopes).

Para José Sócrates, a assessoria de imprensa é uma atividade “útil neste mundo frenético e verdadeiramente alucinante” que é a política. Ouve os conselhos destes “peritos”, mas nunca abdica da sua vontade própria. O assessor de imprensa “serve para ajudar o político a intermediar a informação” e deve ser “um profissional inteligente, muito trabalhador e disponível. Um ‘editor’ que sabe preparar a informação noticiável”, explica o ex-primeiro-ministro. Perspetivas que confirmam, tal como referiu Estrela Serrano (2006a: 77), a visão “instrumental e normativa do jornalismo mais preocupada com que o jornalismo ‘deve’ ser do que com o que na realidade ele é. Dessas representações recíprocas resultam conflitos e tensões...”. 3.2 Como é definido e encarado o spin doctoring? 3.2.1 A perspetiva dos assessores de imprensa e consultores de comunicação Místico desterrado em ambiente político trepidante, alheio a manobras vulgares,

emocionalmente

envolvido

e

reconhecidamente

afável

na

convivência de todos os dias, António Colaço é, paradoxalmente, o oposto por excelência do spin doctor tão apreciado pelas modernas estratégias de marketing e comunicação (Jaime Gama em carta a António Colaço, Lisboa, 11 de julho de 2007).

O orgulho com que este assessor de imprensa do PS exibiu a carta do antigo presidente da Assembleia da República já permite antever a sua definição de spin doctor. “Doutor do engano”, “jogo sujo” e “atirar areia para os olhos” foram, pois, algumas das metáforas usadas durante a entrevista, sendo que a sua definição completa de spin doctor foi a seguinte: Alguém que é um mediador entre o sujeito da ação política [e a comunicação social] mas que, de alguma forma, chega a ser o sujeito [ação política]... e, simultaneamente, uma espécie de porta para ir a Deus (António Colaço).

333

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

Trata-se de uma interessante definição que, curiosamente, só terá eco, mais à frente, quando apresentarmos a perspetiva dos jornalistas parlamentares. Questionados no mesmo sentido, Zeca Mendonça e Paula Barata admitiram desconhecer ou mesmo nunca terem ouvido falar de tal anglicismo. Já Pedro Salgueiro ressalvou que o spin doctoring “não é bem o trabalho de assessoria de imprensa”, pois “normalmente [os spin] fazem discursos, dão ideias, canalizam mensagens...”. Remata dizendo que o CDS-PP tem um “mestre” em comunicação política e que, por isso, não faz esse trabalho nem se sente um spin doctor. Aliás, as capacidades de spin doctoring de Paulo Portas estão bem demonstradas nos artigos Amplificadores Políticos (Matos, 2004) e Um Ano Sem Ele (Cunha, 2006). Com o assessor do BE, Pedro Sales, a conversa foi mais longa e rica em conceitos de comunicação política. [Spin doctoring], no fundo, é ‘dourar a pílula’ daquilo que temos para vender... Embrulhar e vender de uma forma mais positiva. Digamos que o problema é que o termo spin doctor está particularmente ligado a uma pessoa em concreto, que era o assessor de imprensa do Tony Blair [Alastair Campbell]. Portanto, acho que o termo está contaminado por causa disso. E há, também, o problema da própria ideia de spin: pôr tudo a andar à roda, para que não se perceba nada, não é? (Pedro Sales).

Quando questionado sobre se faz spin doctoring, tece o seguinte comentário: Todos nós [assessores] tentamos, em determinados momentos, exacerbar o papel de para quem trabalhamos e diminuir quando é uma questão negativa. Também é [nossa função] perceber que, em determinados momentos, convém ter, encontrar ou criar narrativas para certos factos políticos (Pedro Sales).

Também Luís Bernardo se considera um spin doctor. Aliás, é fácil encontrar na imprensa portuguesa descrições deste assessor como sendo “o maior especialista de spin do gabinete de Sócrates” (Tavares, R., 2012: 6) ou “um dos responsáveis pela máquina de propaganda socialista que elegeu e manteve” o ex-primeiro-ministro (Martins, B., 2012: 23). 334

Spin doctoring é trabalhar a mensagem política no sentido de criar figuras de estilo, criar imagens, trabalhar bem... Neste momento, com veículos como a televisão, ou rádio, tem que se ter uma mensagem muito curta e muito clara e que chegue muito rapidamente à compreensão das pessoas. [Neste sentido], o spin é transformar uma mensagem complexa numa frase ou imagem de 25 segundos, 30 segundos (Luís Bernardo).

João Gabriel também admite que foi e é um spin doctor, mas atribui a esta atividade a função restrita de um ghostwriter. Ou seja, de alguém que escreve os textos, em particular discursos, do político para quem trabalha. Já o seu sucessor no Palácio de Belém, Fernando Lima, descreve o spin doctoring como uma atividade em que se procura “manipular e influenciar qualquer coisa”. Por isso, não se identifica com este modelo de comunicação e nega tê-lo exercido. No entanto, há um conjunto de textos publicados pelo ex-assessor de Cavaco Silva que demonstram, claramente, a sua vocação para o spin doctoring e um conhecimento evidente dos processos da “manufatura do consenso”. Na verdade, a comunicação serve para orientar a sociedade por meio da definição de objetivos e de identificação dos problemas; serve também para conseguir consensos ou para a resolução de conflitos. Numa palavra, a comunicação, com as suas notícias e reportagens, entrevistas e análises, ajuda a construir a percepção de uma sociedade aberta feita de múltiplos intervenientes (Lima, F., 1997: S/P).

Também não podemos escamotear o facto de Fernando Lima ser um admirador e um seguidor declarado dos press secretary de Ronald Reagan: Michael Deaver e David Gergen. Esta filiação no spin control está bem patente num artigo publicado na edição brasileira da revista Campaigns & Elections, em que admite que “uma informação não domesticada constituiu uma ameaça com a qual nem sempre se sabe lidar” (Lima, F., 2011: 62). Mas o que tornou Fernando Lima num autêntico spin doctor, mesmo que ele não o admita, foi o ‘caso das escutas’ em Belém. Recorde-se que o assessor de Cavaco Silva preparou, por altura do verão de 2009, um dossier com dados, datas e fontes e, num encontro em background “num café calmo”, 335

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

passou-o ao então editor de política do Público, Luciano Alvarez. A intenção era, como se soube na altura, fazer com que o jornalista desenvolvesse uma ‘estória’ a partir do dossier, a acusar José Sócrates sem fontes on-the-record, de andar a espiar o Presidente da República. Depois de noticiados tais intentos pelo DN, gerou-se um intricado escândalo que forçou o afastamento de Fernando Lima da assessoria de imprensa da Casa Civil 144 , embaraçou politicamente o Presidente da República e manchou a reputação de dois quality papers nacionais (Público e DN). Vasco Pulido Valente (2009: S/P) resumiu, com eloquência, este episódio: ”O Estado de Direito (...) acabou por se transformar num manicómio”. Nas semanas que se seguiram à publicação integral, no DN, de um mail entre o editor de política do Público e o jornalista/correspondente na Madeira do mesmo jornal, Tolentino da Nóbrega, dezenas de referências ao spin doctoring surgiram no espaço mediático português, em muitos casos colando esta atividade à assessoria de imprensa. Foi o caso do editorial do diretor do Jornal de Negócios, Pedro Santos Guerreiro, onde se pôde ler: “Com a saída de Fernando Lima, há menos um ‘spin doctor’, o que até é bom” (Guerreiro, 2009: 5). Ou ainda, as Caras da Semana do jornal Público, que atribuiu a Lima o cognome de “o incorrigível spin” (Público, 2013: 3). Sem rodeios, Luís Paixão Martins admitiu que o “spin doctor é um descodificador ou, se preferir, um manipulador”. Salientou ainda que o trabalho dos spin doctors é tentar convencer os jornalistas da bondade de uma determinada visão, através da comunicação política. “É promover uma interpretação dos factos”, explica. De resto, considera o termo “spin doctor” positivo e diz que as associações negativas são “vulgares” e iguais às que fazem às “relações públicas” ou ao “marketing”. “Quando se pretende dizer mal de um governo, por exemplo, também se diz: ‘aquilo é só marketing’”, reforçou. Questionado sobre se se considerava um spin doctor, Paixão Martins respondeu com ar jocoso: “Às vezes. Tem dias”.

Para melhor compreensão deste episódio, sugere-se a leitura das “Crónicas do Provedor” do jornal Público, nomeadamente o texto intitulado Subitamente neste verão (Vieira, 2009: S/P).

144

336

Mas, na imprensa nacional, abundam referências ao spin doctoring praticado pelo proprietário da LPM... O spin doctor do regime já dá a tática (Henriques, 2008: 12). Luís Paixão Martins vai tratar a nova imagem, comunicação e mensagem para as legislativas. O spin doctor que elegeu Sócrates em 2005 e Cavaco em 2006 junta-se aos fiéis do líder do PS (Henriques, 2009b: 1). Poder-se-á sempre afirmar que Paixão Martins se limita a declarar o óbvio. Ou que há pronúncia de spin doctor em cada uma das suas sílabas. Mas numa altura em que a informação corre desenfreada, as mensagens se atropelam e as reviravoltas mais bizarras nos são servidas como descendentes da naturalidade, o senso comum tende a perder-se no turbilhão e, por isso, relembrá-lo assume uma importância cada vez maior (Guerreiro, 2009: 5).

O mais direto concorrente de Luís Paixão Martins, António Cunha Vaz, associa o spin doctor a um “estratega”. Adianta que os mais profissionais criam, lançam, montam, promovem e ganham corridas eleitorais. Mas recusa intitular-se spin doctor, por uma questão de modéstia profissional, e remete a eventual atribuição do qualificativo aos seus clientes políticos. Contudo, por mais que evoque discrição, a sua conotação com o spin doctoring é pública, tendo sido particularmente notória aquando da corrida autárquica a Lisboa, em 2005, e com a chegada de Luís Filipe Menezes a líder do PSD, em 2007. [Título] Cunha Vaz – O homem que fabricou Menezes (Matos, 2007: 1) Isto é spin puro e Cunha Vaz é um dos doutores portugueses nessa arte controversa (Matos, 2007: 63). Acabado de eleger pelos militantes do PSD, ei-lo que se foi entregar nas mãos de um “spin doctor” e fazedor de imagem. Escolheram Menezes, saiulhes Cunha Vaz: foi uma má maneira de começar as coisas. Convencido que a política moderna é apenas a imagem mais as frases certeiras no momento certo, Luís Filipe Menezes transformou-se numa marioneta triste,

337

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal sem tom nem som, uma espécie de caricatura de si próprio (Tavares, M. S., 2008: 7). 3.2.2 A perspetiva dos protagonistas políticos

Manuel Maria Carrilho vê o spin doctoring como “uma combinatória entre duas necessidades de um político: a propaganda e a persuasão”. Mas, recentemente, escreveu um artigo em que diz são “um auxiliar permanente da governação” (Carrilho, 2013: 55). Os spin doctors são, para Pedro Santana Lopes, “um género de oráculo”, “um sábio influenciador” e “alguém que determina a mensagem política”. Já José Sócrates demonstrou ter um amplo conhecimento da definição canónica de spin doctor, tendo mesmo evocado uma obra de um autor já citado nesta tese – Paul Manning (2001). O retrato gizado pelo exprimeiro-ministro foi, aliás, aquele que mais se aproxima da literatura anglosaxónica: É aquele que sabe, justamente, torcer a informação para seu benefício. Não digo distorcer! Os que distorcem mentem, e são mentirosos, incompetentes e não servem corretamente o político. Digo torcer no sentido de preparar a informação que o jornalismo gosta e carece. Sabe que os jornalistas gostam de receber a informação já alinhada, não sabe? Pronto, o spin doctor é precisamente aquele que sabe valorizar os pontos mais importantes, alinhando-os corretamente (José Sócrates).

Muito mediático pessoal e politicamente, Pedro Santana Lopes acha que esta prática “tem uma componente negativa na ordem dos 10%” e Manuel Maria Carrilho, que teve um diferendo com António Cunha Vaz dirimido em tribunal, acredita que “até pode haver spin positivo”. Também José Sócrates, cuja relação conflituosa com a comunicação social é bem conhecida, não tem dúvidas em conotar a atividade de spin doctoring como algo “positivo”. Mas acredito que exista, erradamente, uma conotação negativa associada à sua forma de atuação [dos spin doctors], que não é mais do que a tentativa de comunicar melhor o seu governo. Mas também acho que, se o jornalismo fizer bem o seu trabalho, não há spin doctoring negativo (José Sócrates).

338

De resto, não faltam artigos de opinião, editoriais e notícias associando quer Santana Lopes quer José Sócrates – um político que se descreveu como um “animal feroz” – à prática sistemática de spin doctoring. Há quem tenha considerado José Sócrates “o mais completo spin doctor nacional, homem de efeitos mediáticos e dominador de todas as técnicas de comunicação” (Delgado, 2006). De facto, durante o consulado do socialista, são muitas e variadas as referências diretas à atividade de spin doctoring, nomeadamente em disputas eleitorais (Henriques, 2009b; Pereira, 2009; Madeira, 2010), jogos e manobras políticas (Carvalho, Manuel, 2008; Gaspar, 2008), cuidados com a imagem pessoal (Garcia Pereira, 2008; Júdice, 2008; Guerreiro, 2010) ou performance nos debates (Larguesa, 2009; Torres, 2009b). Mas também abundam as acusações de tentativas de controlo dos media (Torres, 2009a; Gairão, 2010; Morais, 2010; Simões, 2010), de manipulação de números (Fernandes, 2006; Júdice, 2006), de “claustrofobia democrática” (Botelho, 2007) e de pressão, ameaça e intimidação a jornalistas no caso de notícias negativas (Cunha e Sá, 2007; Saraiva, 2007). Estas referências também entraram nas discussões parlamentares das sessões plenárias da Assembleia da República por cinco vezes, e sempre com José Sócrates. Segundo o Diário da Assembleia da República, o primeiro a utilizar o termo spin doctor foi o deputado Luís Fazenda, no debate do dia 21 de março de 2007. “Afinal, sempre há um spin doctor!” (DAR, 2007b: 25), referiu o deputado do BE, num àparte regimental, aludindo à tentativa do Governo de José Sócrates de controlar as notícias negativas sobre o encerramento de uma empresa no Norte do país – a Qimonda Portugal (hoje, Nanium). No dia 6 de novembro do mesmo ano, o próprio primeiro-ministro usa este termo numa discussão com a bancada parlamentar do CDS-PP: Sr. Deputado [Diogo Feio], o senhor, tal como Sr. Deputado Paulo Portas, especializaram-se em torcer as coisas, em distorcer o que as outras pessoas dizem, numa ação de spin que os senhores adoram (DAR, 2007a: 41).

339

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

Uma acusação que foi rebatida pela deputada centrista Teresa Caieiro: Nós não queremos fazer operações de spin, como o Sr. Primeiro-Ministro faz. O que queremos é defender verdadeiramente a saúde dos portugueses (Ibid.: 45).

Mais tarde, a 24 de junho de 2009, José Sócrates volta a usar o termo “spin” novamente numa discussão parlamentar: Demos-lhe relevância no nosso programa eleitoral e afixámos um cartaz, mas esse cartaz não dizia o que o Sr. Deputado refere. Só que o Sr. Deputado pretende fazer o spin disso, dizendo “o senhor prometeu criar 150 000 postos de trabalho” (DAR, 2009: 39).

A última vez (no âmbito desta pesquisa) que o termo foi usado em pleno hemiciclo aconteceu a 17 de junho de 2010, numa discussão entre os deputados Victor Batista (PS) e Ana Drago (BE), em que a bloquista afirmou: “Na política o que interessa é o spin, é vender um produto não de acordo com o que ele é” (DAR, 2010: 39). Por sua vez, a forma como José Sócrates é acusado de controlar os media está bem patente no artigo de Nuno Saraiva, Impulso Irresistível de Controlar, publicado no semanário Expresso e que deu origem a um processo de averiguações por parte da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC, 2007). O padrão não é novo. O que há é uma gestão mais organizada da informação e uma maior capacidade de reação a notícias más (Ricardo Costa cit. in Saraiva, 2007: 2).

O então diretor da SIC Notícias referia-se, certamente, ao “padrão” também usado no governo liderado por Pedro Santana Lopes. A prová-lo está o extenso rol de editorais e notícias denunciando a prática de spin doctoring pelo então Executivo

PSD/CDS-PP,

nomeadamente

a

tentativa

“de

controlar

a

comunicação social” (Sampaio, Á. & Sapage, 2004) através da uma “central de comunicação” (Furtado, 2004; Matos, 2004; Sanches, 2004; Soares, C., 2004; 340

Pacheco Pereira, 2005), a híper valorização da imagem (Marques dos Santos, 2004; Relvas, 2004), a artificialização da mensagem política (Fernandez, 2004), a contratação de uma “legião de spin doctors” (Fiel, 2004) ou o dispêndio de avultadas verbas na contratação de agências de comunicação (Ferreira & Pereira, 2004; Fiel, 2006) Era fatal. Pedro Santana Lopes tinha de trazer consigo o reino dos spin doctors. Para quem não saiba, spin doctors são cavaleiros que ‘tratam’ a informação, não propriamente mentindo, mas fazendo com que ela chegue ao público da maneira mais favorável ao governo: na altura exata, do ângulo certo, com destaque conveniente ou convenientemente escondida ou disfarçada na página 24 ou em dois segundos de televisão (Pulido Valente, 2004: 48).

Mas é Pacheco Pereira quem com mais veemência associa a governação dos dois ex-primeiro-ministros às práticas de spin. O historiador não vê qualquer aspeto positivo nesta tendência política, que considera servir para “esconder factos tenebrosos” (Pacheco Pereira, 2012b: S/P) e para “ocultar as críticas através da circulação de uma pseudo-afirmação” (Pacheco Pereira, 2008b: S/P), com o uso de técnicas que passam “por poucas ideias, muitos slogans e, acima de tudo, muita pose” (Pacheco Pereira, 2007b: S/P). As suas funções são parecidas com as dos consiglieri dos filmes da Mafia, e como doutor do spin, deve fazer das fraquezas forças, ajudar a minimizar o que corre mal, conter os estragos e valorizar o que interessa para a imagem do político que serve. É uma figura central da vida política dominada pelo marketing e pelo espetáculo (Pacheco Pereira, 2007a: S/P).

Interessa sublinhar, a propósito, que Pacheco Pereira coincide com os três políticos entrevistados, ao achar que um spin doctor não é necessariamente alguém com competências na área de comunicação. Para o antigo deputado do PSD, um spin doctor pode ser também um político ou um académico. De resto, os jornalistas David Dinis, João Pedro Henriques e Paulo Tavares são da mesma opinião. 341

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal Foi Blair que colocou a palavra spin no vocabulário político. O doutor do spin pode ser um antigo ou atual jornalista, um responsável por uma agência de comunicação, um companheiro de partido e de trajeto, pode ter vários cargos possíveis, pode ser assessor, ministro, consultor, mas está no círculo mais íntimo do poder, é amigo pessoal e confidente do primeiroministro. Trata por tu o primeiro-ministro (Pacheco Pereira, 2007a: S/P).

Também a economista e professora universitária Teodora Cardoso (2003: 23), num interessante artigo publicado no Jornal de Negócios, intitulado A Encenação Política, define esta atividade como uma técnica de encenação. O que é então o “spin”? A palavra pode traduzir-se diretamente por “urdir” ou “tecer” (como nas “malhas que o império tece”, do poema de Fernando Pessoa) ou figuradamente, como fez recentemente Correia de Campos, por “endireitas”, como equivalente de “spin doctors”. O termo que, todavia, me parece mais adequado será o de “encenação” (Cardoso, 2003: 23).

Também o vice-presidente da bancada parlamentar do PSD, Carlos Abreu Amorim (2011: 16), numa crónica em que alertava para a “dose maciça de spin” que se avizinhava por causa das eleições autárquicas de 2013, define esta atividade como uma técnica de “retorcer os factos”. Em política, o spin é a técnica de retorcer os factos até que estes exibam exclusivamente

as

especificidades

pretendidas

ainda

que

estas

contradigam a essência da premissa de onde decorrem. Na próxima campanha eleitoral, o eleitor desprevenido raramente será acareado com factos – apenas com o resultado do spin previamente elaborado por doutos artistas (Ibidem). 3.2.3 A perspetiva dos jornalistas políticos

Tal como António Colaço e Pacheco Pereira, o jornalista Nuno Simas aponta o spin doctoring como “uma técnica de enganar ou de criar factoides”, ao passo que a jornalista

Paula Santos fala de uma “ilegítima tentativa de forçar uma

mensagem, sobretudo o ângulo como ela é passada”. Duas descrições distintas

342

mas com a mesma perspetiva maléfica do spin doctoring, que encontram eco em vários cronistas e editorialistas nacionais. Os spin doctors, esses especialistas em manipulação de notícias, que não olham a meios de adulteração e deformação da verdade, para atingirem os fins do poder que servem (Barroso, 2004: 15). As tentativas de ocultar ou manipular factos, geradas pelos núcleos duros políticos dos governos ou pelos spin doctors contratados (Coutinho, M., 2004: 32). Este [o spin doctor] é um tipo de assessores de comunicação dos que jogam ao pião com as notícias, são como as hienas: comem as carcaças na sombra, saciando a fome, rindo dos parvos, mas até os leões sabem que é impossível acabar-lhes com a raça – é preferível aprender a viver com elas (Guerreiro, 2009)

Com uma visão mais pragmática, o jornalista João Pedro Henriques identifica no spin, sobretudo, funções de “aconselhamento”, de “damage control”, de “seleção de informação” e de condução dos media “para um determinado caminho”. Reconhece também a ação “manipuladora” desta atividade, embora não forçosamente numa perspetiva malfazeja. Mas, quando digo ‘manipulação’, pode não ser necessariamente no mau sentido. É manipulação no sentido de selecionar a informação. Tentar conduzir os jornalistas por um caminho, para evitar que eles vão ali (João Pedro Henriques).

Os jornalistas Paulo Tavares, Maria Flor Pedroso e David Dinis coincidem com o jornalista do DN, mas empregam diferentes construções frásicas para descrever o spin: “pegar na informação e dar-lhe enquadramento” (Paulo Tavares), “criar mensagens políticas e fazer discursos” (Maria Flor Pedroso) e “gerir informação” e “encontrar a fórmula certa para uma determinada mensagem” (David Dinis). No fundo, todos associam o spin doctoring a uma forma diferente de fazer assessoria de imprensa: mais interventiva e proactiva.

343

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal 3.2.4 Semelhanças e diferenças entre assessoria de imprensa e spin doctoring

No que respeita à eventual distinção entre spin e assessoria de imprensa, as opiniões dividem-se entre os jornalistas. Paulo Tavares e David Dinis tendem a considerar o spin doctoring uma forma mais politizada, sofisticada e quiçá sibilina de fazer assessoria. Já São José Almeida e Maria Flor Pedroso, apesar de considerarem que se trata de uma atividade legítima e positiva, defendem que o spin doctoring é uma realidade distinta da assessoria de imprensa. Não é um assessor de imprensa. Ele [o spin doctor] não fala com os jornalistas: existe só para aconselhar o político. Só isso! E está numa zona mais interna do partido ou mais de bastidores. É o que ajuda a escolher a mensagem e como deve ser dirigida ao eleitorado (São José Almeida).

O jornalista João Pedro Henriques vê a assessoria de imprensa como uma atividade “mais simples, estrita e limitada”. Recorde-se que esta é uma posição muito semelhante à já aqui expressa pelo assessor Luís Bernardo, embora sem o atestado de obsolescência e ineficácia passado pelo principal conselheiro de José Sócrates para a comunicação. Vejo o assessor de imprensa útil na distribuição de comunicados, marcação de entrevistas e convocatórias para conferências de imprensa. Uma coisa como: “põe isso no fax, ou põe isso por e-mail” (João Pedro Henriques).

Ainda assim, o jornalista do DN admite que um spin doctor possa exercer, cumulativamente, as “simples” funções de assessor de imprensa. E Paulo Tavares vai mais longe, ao considerar que “o bom assessor de imprensa é um spin doctor”. Quem discorda em absoluto destas posições é, como já vimos, a jornalista São José Almeida. Não de uma forma inocente e desinteressada, a jornalista faz uma descrição muito limitada da assessoria de imprensa e só vislumbra sofisticação no spin doctor. Um assessor de imprensa tem de saber horas de fecho de jornais; o que é que está nas redações dos jornais; quem manda em quem nos jornais; como é que esses circuitos se dominam e como se contornam; como é que se consegue

344

colocar na comunicação social a mensagem do político, não é? E fazer a ponte, chamar os jornalistas, marcar as conferências de imprensa e fazer, no fundo, essa ponte entre os jornalistas e o político. Ponto. (São José Almeida)

A posição da jornalista do Público é altamente compreensível, à luz dos interesses da atividade jornalística. O jornalismo tem, como já aqui demonstrámos, uma natureza por vezes conflitual em relação à assessoria, o que motiva, entre a classe jornalística, a redução desta última atividade à mera satisfação dos interesses das rotinas produtivas de notícias. Aliás, esta posição está bem patente num artigo de uma outra jornalista do mesmo diário, Andreia Azevedo Soares, intitulado – Os assessores de imprensa e o avesso da notícia (Soares, A. A., 2006: 50). Neste artigo de opinião, a jornalista faz uma curiosa analogia entre os erros jornalísticos e os erros escondidos no ‘avesso’ de uma tapeçaria. Desta forma, Andreia Azevedo Soares defende claramente que um assessor de imprensa deve tão-só servir e responder às solicitações dos órgãos de comunicação social. Um assessor [de imprensa], pago com o erário público, não pode confundir a sua função com a de estratego de comunicação política. Quando esta inversão de valores tem lugar, todos nós estamos a ser lesados – leitores, jornalistas, cidadãos e até os próprios assessores de imprensa, que perdem dignidade ao subverterem os valores democráticos. Cabe a estes profissionais prestar a informação que lhes é solicitada (Soares, A. A., 2006: 50).

David Dinis (jornalista) fez um relato muito semelhante ao de São José Almeida quando descreveu as características de um spin doctor. E considerou normal a acumulação das duas funções, apesar de reconhecer que são distintas. [O spin doctor ] tem de saber a que horas é que fecham os jornais; quem são as pessoas dentro dos jornais; quem é que tem maior responsabilidade sobre o quê; quem é que decide; quem é que tem influência nos jornais e nos comentadores (David Dinis).

345

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

Todos os políticos entrevistados concordaram que se trata de atividades distintas. Mas Pedro Santana Lopes foi o mais perentório e assertivo: “Acho que não! Não, não, não! Acho que não deve ser. Acho que um assessor de imprensa não deve ser um spin doctor”. Como vimos anteriormente, Luís Paixão Martins defende que spin doctor não é, de todo, sinónimo de assessor de imprensa. E remete as diferenças entre as duas atividades para as origens do termo criado por William Safire. Na altura, spin doctor servia para identificar os comentadores políticos. Esta é, aliás, uma fórmula que permite que o spin doctoring seja ativado sem passar pelo filtro ou gatekeeping jornalístico. Uma coisa é falar com um director para que ele logo à noite, num canal, na opinião dele, ser influenciado pela sua opinião – isso é spin doctor com gatekeeper. Outra coisa é você logo à noite ir a um canal dar a sua opinião de spin doctor – ou seja, ajudar a formatar uma determinada opinião. As nossas televisões, não só cá em Portugal, mas em todo o mundo, estão cheias desse tipo de spin doctors, que não é propriamente o que procura influenciar o jornalista, mas é mais o político, o comentador que vai às televisões. Geralmente, as televisões têm até o cuidado levar ou de formar um painel [de comentadores]. O Presidente da República termina uma comunicação e você ainda não percebeu bem o que ele disse e já tem lá vários tipos, representantes de vários setores, a explicar o que o presidente disse. (Luís Paixão Martins).

Outra forma interessante de diferenciar estes dois modelos de assessoria política foi descrita por David Pontes – jornalista que passou pelas direções do Público, Jornal de Notícias e Agência Lusa –, aquando da apresentação de um livro sobre fontes profissionais de informação. O jornalista enumerou as diferenças entre assessores de imprensa e spin doctors de uma forma caricatural. Há a “praga de gafanhoto”, que é insistente e liga várias vezes só para saber se recebemos um e‐mail; o “falinhas mansas”, que tenta convencer o jornalista com táticas manobreiras mas subtis; o “ditador” que ameaça não dar a próxima notícia, caso não se publique a última anunciada, e o

346

spin doctor, que usa técnicas seletivas para promover a agenda que representa (David Pontes cit. in Moura, Marlene, 2009: S/P). 3.2.5 O spin doctoring na comunicação política portuguesa

O aparecimento da atividade de spin doctoring em Portugal reporta, na opinião de praticamente todos os entrevistados deste estudo, ao início dos anos 90, sendo “uma consequência da eclosão dos media” (Manuel Maria Carrilho) e do “aparecimento das televisões privadas” (José Sócrates). Um dos entrevistados, que preferiu fazer uma longa explanação com o gravador desligado, chegou mesmo a recordar que o aparecimento de um canal privado revigorou o espectro mediático de tal forma que provocou o fim dos governos liderados por Cavaco Silva. Recordou ainda que, até então, era possível, para qualquer político de dimensão nacional responder diretamente aos pontuais pedidos de informação dos jornalistas. Mas esta nova era do jornalismo (cada vez mais imediatista e com voracidade informativa) e, principalmente, a multiplicação do número de jornalistas obrigaram os políticos a profissionalizar a intermediação com os media. O consultor Luís Paixão Martins também há muito que refere que o “cavaquismo” foi o berço das agências e consultoras de comunicação: Nasceram na segunda metade da década de 80, quando se davam em Portugal vários fenómenos políticos, económicos e sociais coincidentes: a liberalização dos mercados, a internacionalização da nossa economia, as privatizações, a instalação de uma sociedade de consumo tipo europeu (Martins, Luis Paixão, 1996: 39).

Na mesma linha, o também ex-jornalista e histórico assessor de imprensa, Joaquim

Letria,

aponta

para

o

mesmo

período

o

nascimento

da

profissionalização da assessoria de imprensa política em Portugal: “Temos a TSF e a Rádio Gest e tudo isto a mexer. E é nesta altura [meados dos anos 80], e neste contexto, que aparece isto tudo. E a gente [consultores de comunicação] a querer posicionar-me...” (Joaquim Letria cit. in Figueira, 2009: 88). 347

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

Carrilho e Sócrates explicam ainda que, nas últimas décadas, “todas as mudanças relacionadas com globalização foram no sentido de diminuir a potência do poder político” (Manuel Maria Carrilho) e de aumentar o seu escrutínio, fatores que “tornaram ainda mais visível a ação governativa” (José Sócrates). Pedro Santana Lopes, para quem “os media são o segundo poder”, chegou a defender publicamente que, na última revisão constitucional, fosse criado um órgão tipo Senado, dependente do Presidente da República, no qual estivessem representadas as empresas de comunicação social (Costa e Silva, 2003). Daqui se conclui que a imperiosa necessidade de saber comunicar e de gerir a pressão da Comunicação Social, em particular no caso de escândalos e crises políticas, forçou, tal como nos países anglo-saxónicos, os partidos e os governos nacionais a intensificarem a contratação de assessores de imprensa. Os quais, como vimos, se foram tornando cada vez mais profissionais e sofisticados. E assim nasceram os spin doctors – tal qual “frankensteins”, dirão alguns, recordando-se da história do criador que perdeu o controlo sobre a criatura145. Para contornar, ou ‘controlar’, os media – por definição independentes e poderosos nas democracias ocidentais, onde são o primeiro sinal da liberdade – o poder político cria estruturas e adota condutas que, por um lado, visam minorar os efeitos negativos sobre si exercidos pelo papel fiscalizador da comunicação social e, por outro, fazer passar, nos diversos meios, as mensagens que lhe interessa enviar à opinião pública. Os recursos e as técnicas usados pelos governos ao serviço da sua imagem são cada vez mais sofisticados, acompanhando a evolução permanente das conquistas tecnológicas ou das ciências sociais e do ‘marketing’ político (Furtado, 2004).

Também Teodora Cardoso (2003: 23), no artigo já aqui citado, refere que os políticos perante a dificuldade de responderem à crescente necessidade da

É curioso verificar que, nas séries de humor britânicas Yes Minister, Yes Prime Minister ou The Thick Of It, os políticos são subalternizados pelos assessores, como criadores que perderam o controlo da criatura.

145

348

“hipersimplificação da mensagem” – necessária para que os media e a opinião pública lhes concedam um mínimo de atenção – recorreram à contratação de peritos para resolverem “esse hiato”: os spin doctors. Acrescenta ainda que “a expansão da literacia e do acesso à informação exigiam a capacidade de convencer um número crescente de cidadãos quanto à bondade das medidas”, por isso a política, que “sempre teve o seu lado de espetáculo”, intensificou a encenação. A encenação da política foi, por isso, ganhando importância, e acabou por ser distorcida em benefício de duas finalidades principais: (i) fixar a atenção do público em meia dúzia de “factos” ou de princípios que, uma vez aceites como provados ou como bons, passam a servir de fundamento inquestionado de políticas que estão longe de ser inquestionáveis; (ii) criar ou focar factos políticos menores ou meramente virtuais para desviar as atenções daquilo que realmente devia ser discutido (Ibidem).

Outro economista, Luís Nazaré (2004: 26), e no mesmo jornal, também referenciou os spin doctors e aludiu ao seu “admirável mundo novo de oportunidades de sucesso instantâneo”. Assumiu, todavia, uma postura permissiva e até mesmo elogiosa para com a sofisticação destes “técnicos da imagem”. Chegou mesmo a criticar “os espíritos mais clássicos que desconfiam de todas estas técnicas de raiz comercial por as considerarem supérfluas

e

enganadoras,

repletas

de

manhas

e

truques”

(Ibidem),

defendendo que “nada disto [o spin] é propriamente novo” (Ibidem). Na história recente, serão certamente raros os exemplos de dirigentes políticos totalmente indiferentes às preocupações de imagem e eficácia comunicacional. De cor, só me consigo lembrar do doutor Salazar. Nem o doutor Pacheco Pereira, que tanto se esforça para parecer o contrário, consegue ser convincente. Na verdade, muitos dos líderes ocidentais do pós-guerra foram acima de tudo excelentes comunicadores. De Gaulle, Krutchov, Brandt, Palme, Thatcher, González ou Blair são exemplos incontestáveis, a que alguns lusitanos se poderiam certamente juntar (Sá Carneiro, Mário Soares, António Guterres). Do outro lado do Atlântico,

349

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal Kennedy e Clinton, os dois melhores presidentes norte-americanos do pósguerra, eram verdadeiros “monstros mediáticos” (Ibidem)

Chamando-lhe “coprodução jornalístico-política”, Manuel Maria Carrilho explica que

os

políticos

e

os

media

começaram

a

viver

uma

relação

de

interdependência, visível na necessidade mútua de criarem eventos ou narrativas146. E os spin doctors cumprem parte dessa função desejada pelos media, garante o ex-ministro da Cultura. Tudo isso se alterou brutalmente. O jornalismo e a política, tal como eu os vejo, são coprodutores de eventos e essa é a primeira característica de ambos: são coprodutores da atualidade a todos os níveis. E, portanto, eu não imagino que hoje o jornalismo possa viver sem política e a política possa viver sem o jornalismo (...) Entrosaram-se e imiscuíram-se completamente um com o outro (Manuel Maria Carrilho).

Este relacionamento tão singular e idiossincrático decorre, segundo Manuel Maria Carrilho, da necessidade de os políticos responderem às exigências dos órgãos

de

comunicação

social,

muito

focados

na

“torrencialidade”,

“instantaneidade” e “superficialidade” da informação. A política passa sempre por uma mensagem que se tem e que precisa de tempo para ser explicada. Mas o regime da instantaneidade tira à política espessura e conteúdo. Nunca há tempo de maturação. O político entrou, por isso, na dimensão da estratégia e da prudência (Manuel Maria Carrilho).

Maria Flor Pedroso (jornalista) concorda com esta asserção e defende que a política devia “ter um tempo próprio”. De resto, o não cumprimento deste atributo, diz, “degradou a qualidade quer do jornalismo, quer da política”. Explica igualmente que o gradual aumento da pressão, primeiro dos jornais, depois das rádios informativas, televisões privadas e por cabo e agora dos portais online foram permitindo que os spin doctors das instituições políticas agendassem reações e declarações à imprensa a todo o momento.

Recentemente preferiu chamar-lhe, numa crónica de opinião no Diário de Notícias sobre o ressurgimento de José Sócrates como comentador político na RTP, de “narratretas” (Carrilho, 2013).

146

350

Como é que este país, com dez milhões de habitantes, tem quatro, e vai ter cinco [atualmente já tem, com a entrada em funcionamento da CMTV], televisões por cabo de notícias? Sabemos que têm que encher 24 horas por dia... E enchem com notícias baratas do Parlamento, porque não têm de pagar a estes protagonistas políticos. Mas é um trabalho absolutamente preguiçoso. Porque não há nenhum trabalho de leitura e descodificação. Por isso, a propaganda passa. E está mal. O meu trabalho como jornalista política é retirar a propaganda – portanto, tenho mesmo muito trabalho, porque às vezes é só mesmo propaganda. E lamento, mas acho que esta lógica de retirar a propaganda do discurso político deve ser repetida, porque é uma coisa que nem toda a gente tem interiorizado em si (Maria Flor Pedroso).

Maria Flor Pedroso lamenta também a instantaneidade do produto jornalístico como porta de entrada do spin doctoring: [O jornalismo] pensa pouco, por isso é que está mal. E porquê? Porque também o poder económico não quer muito um jornalismo que pense. O jornalismo que pensa é uma grande chatice. Aliás, tudo o que pense pela sua própria cabeça é uma chatice! E depois, o jornalismo faz muitos “fretes” aos poderes políticos e aos poderes económicos. Claro que faz! E nós vemos logo: “Isto é frete!”. Chegam a não ouvir o outro lado! Tornou-se prática, e o jornalismo começou a esquecer que era obrigatório ir ouvir o outro lado (Maria Flor Pedroso).

João Pedro Henriques concorda que o “jornalismo pensa cada vez menos” por falta de tempo, mas recorda que “este problema é, infelizmente, um lugarcomum”. Evoca tempo idos e, por antítese, explica na primeira pessoa que, ainda como jornalista da Agência Lusa, recebeu um dia um telefonema de um timorense a denunciar em on-the-record o massacre de Santa Cruz. O facto de não conseguir validar a informação impediu-o de ter sido o primeiro a dar a notícia deste planetário incidente. Quem me telefonou foi José Ramos Horta. Eu estava na Lusa, era uma da manhã. Como eu era muito desconfiado em relação aos exageros do José Ramos Horta sobre incidentes em Timor, e achei que aquilo poderia não ser exatamente assim, fiz não sei quantos telefonemas à uma da manhã, a tentar confirmar se tinha havido de facto incidentes graves no cemitério de Santa Cruz. Naquele

351

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal fuso horário timorense, obviamente, não consegui confirmar e fui-me embora. Horas depois a France Press deu a notícia. Foram eles que avançaram primeiro. Portanto, provavelmente não dei a notícia da minha vida por desconfiança em relação ao autor (João Pedro Henriques).

Hoje em dia, talvez o desalento do jornalista não tivesse lugar. Uma informação deste cariz teria, muito provavelmente, que ser avançada, porque a pressão das edições on-line é muito grande. Todos querem dar, não só a informação em primeira mão, como a imagem/vídeo que vai fazer furor nas redes sociais. Definitivamente, a competição já não é apenas entre os media clássicos: no frenesim pela “notícia de última hora” entram as edições on-line, os portais, os blogues, as redes sociais e tutti quanti. Se aparece algo a dizer “última hora” na televisão, a pressão dos on-line é: “Temos que dar a notícia”. Acontece cada vez mais os jornalistas terem que dizer às secções on-line: “Calma, nós só escrevemos a notícia quando a tivermos confirmado” (João Pedro Henriques).

Ainda na mesma linha de autocrítica corporativa, São José Almeida sublinha que “o problema do jornalismo de hoje é o da histeria e da voragem da notícia”. Uma situação que, explica, se prende com o facto de as redações disporem de cada vez menos recursos humanos e, consequentemente, os jornalistas terem cada vez menos tempo para se prepararem e refletirem sobre o que produzem. “O jornalista, na grande loucura do faz, faz, faz, espera pela espuma dos dias e não olha para o que está a fazer”, admite. A jornalista do Público, que afirma recusar falar com fontes profissionais de informação para confirmar e validar

informações,

lamenta

ainda

o

desaparecimento

do

jornalismo

especializado e critica o facto de as redações estarem “cheias de estagiários”, que, por não conhecerem pessoalmente os políticos, são mais “manipuláveis” por spin doctors que pretendem reproduzir mensagens em cadeia. É quase um jornalismo de “passe-vite”. O “passe-vite” é aquela coisa de fazer as sopas. Portanto, a gente mete cenouras, cebolas, batatas, coisas diferentes… Mas com o “passe-vite” fica tudo puré. O jornalismo hoje em dia é um bocado assim (São José Almeida).

352

Sobre o estado do jornalismo, Zeca Mendonça também defendeu, numa entrevista de Nuno Ribeiro (2012) ao Público, que “o tempo fez que a

política se tornasse menos espontânea” (Ibid.: 20). Ainda assim, o assessor do PSD defende que, “atualmente, se faz melhor jornalismo” (Ibidem) Estas preocupações são igualmente denunciadas por Estrela Serrano, num artigo intitulado Os novos spin doctors. Num tom agastado, a então vogal da ERC contestou a “facilidade” e a “deturpação” que identificava nos editoriais da autoria do ex-diretor do Público, José Manuel Fernandes. É, por outro lado, lamentável que o espaço de opinião nos media mais pareça, por vezes, um espaço de spin doctoring em que uma primeira voz lança uma análise com determinado enfoque e, a partir daí, outros a seguem até os factos que lhe deram origem desaparecem para serem substituídos por novos factos criados a partir dos comentários (Serrano, 2008: 29).

Outro fator que alterou a forma de comunicar política em Portugal foi a crescente adaptação dos políticos e dos partidos à função de entretenimento da comunicação social, onde o desporto e o espetáculo se tornaram temas assíduos e prioritários147. Manuel Maria Carrilho chega mesmo a considerar que “o jornalismo está cada vez mais condenado ao entretenimento”, não passando de uma “arte de prender e parasitar a atenção das pessoas”. Também Pacheco Pereira, cuja vida política tem sido marcada por alguns conflitos com a comunicação social, entra neste coro de críticas ao jornalismo: A comunicação social, que deveria ser uma barreira a esta perversão da informação, cede perante ela e deixa-se infetar, ou porque é barato, ou

O episódio mais polémico ocorreu quando Pedro Santana Lopes decidiu abandonar uma entrevista televisiva, por ter sido interrompido por um direto da chegada de José Mourinho ao Aeroporto da Portela. Perante a interrupção protagonizada pela jornalista Ana Lourenço, num noticiário das 22 horas da SIC Notícias, no dia 26 de outubro de 2007, Pedro Santana Lopes teve o seguinte comentário: “Convidaram-me para vir aqui falar destes assuntos importantes. Vim com algum sacrifício pessoal. Chego aqui e sou interrompido por causa da chegada de um treinador de futebol?! Acho que o país está doido. Desculpe dizer e, com todo o respeito, não vou continuar com a entrevista” (Carrilho, 2013). No entanto, é preciso não esquecer que Pedro Santana Lopes, em 1997, chegou a participar num programa de entretenimento da SIC que simulava um debate parlamentar. Chamava-se A cadeira do poder. 147

353

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal porque está na moda, ou porque a qualidade do trabalho de muitos jornalistas não faz a diferença. Isto associado ao pack journalism, à subserviência face ao poder, à corrupção das agências de comunicação e à crise das mediações e do editing, faz passar o jornalismo ao lado de um escrutínio do poder mais que necessário em tempo de crise (Pacheco Pereira, 2012a).

O historiador e político assume-se, aliás, como um “velho do Restelo” em relação a toda esta nova dinâmica que se instalou na “fragilizada opinião pública” (Ibidem). Isto porque vê “a substituição dos órgãos políticos de decisão, eleitos e tendo que prestar contas, por gabinetes de assessores e agências de comunicação, por spin doctors e ‘marqueteiros’, como uma degradação e uma opacidade” (Pacheco Pereira, 2008c). Por sua vez, os partidos políticos também se transformaram em “máquinas eleitorais” (Manuel Maria Carrilho) e deixaram de ser associações ligadas às convicções, às ideias e aos valores. E como causa desta transformação está a “erosão das ideologias” e a “evolução tecnológica”. No passado, as ideologias eram identitárias. No meu tempo, as pessoas definiam a sua identidade pessoal quase por ser de esquerda. Ser de esquerda bastava para dizer como a pessoa era. Hoje não diz nada de uma pessoa, não é? Nada! Porque hoje todos nós temos identidades múltiplas. Cada um de nós quer ver as coisas conforme os meses do ano, a disposição, entidades políticas, pessoais, culturais, sexuais, tudo! Por isso, a erosão das ideologias alterou a forma de fazer política. E a evolução das tecnologias passou a formatar a realidade de outra maneira. Pois se hoje a linguagem faz-se através das tecnologias, podemos afirmar que as tecnologias formatam a realidade e de uma maneira muito, muito forte (Manuel Maria Carrilho).

Assim, na opinião destes protagonistas políticos, o aparecimento do spin doctoring está relacionado, por um lado, com a necessidade de responder ao aumento de informação exigido pela nova dinâmica da comunicação social e, por outro, com o desejo de controlar e manipular os media, principalmente através das fragilidades e brechas do jornalismo. Ainda sobre este assunto, o 354

jornalista

David

Dinis

ressalva

que

o

próprio

jornalismo

vive

das

vulnerabilidades da política. É entre as falhas e os interesses de partidos não coincidentes, as zangas, os erros e os crimes que se consegue fazer um jornalismo melhor e chegar a algum lado. Isto é, jornalismo (David Dinis).

Neste pressuposto, para o ex-provedor da RTP Paquete de Oliveira (2009), a comunicação

política

reorganizou-se

profissionalmente

na

tentativa

de

fortalecer os processos de propagação da informação junto da muito disseminada opinião pública. Há

agências,



novas

técnicas,



os

famosos

spin

doctors,

profissionalmente encarregues de fazer passar a mensagem e funcionar no espaço público. E por isso, mal estaria o governo, ou o partido, o movimento, a empresa que não se organizassem dentro deste esquema. Parece-me que muitos jornalistas, fechados no modelo da sobrevalorização da missão e também com forte carga corporativista, ainda nem deram conta da “nova ordem comunicacional” (Idem: 19). 3.2.6 Como atuam os spin doctors portugueses

Num corpulento artigo publicado no jornal Público, intitulado A Arte de Mentir, António Barreto (2008: 34) começa por reunir sob a classificação de spin doctors um conjunto de funções ou atividades profissionais: “Assessores. Conselheiros. Encarregados de relações com a imprensa. Agentes de comunicação. (...) Sem falar nos conselheiros de imagem” (Ibidem). Tudo isto para salientar o aumento da presença destes técnicos de comunicação em entidades públicas: “Povoam os gabinetes dos ministros, dos secretários de estado, diretores gerais (…)” e “vivem agarrados aos telemóveis, aos BlackBerries, às Palms e aos computadores” (Ibidem). Também enumerou, quase em forma de manual de procedimentos, a forma de atuação dos spin doctors: Dão, escolhem, programam e escondem notícias. Mostram aos políticos e aos gestores o que é do interesse deles. Planificam a informação. Calculam

355

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal os efeitos e contam as referências feitas na imprensa. Tratam da imagem, compram camisas para os seus mestres, estudam-lhe as gravatas, preparam

momentos

espontâneos,

formulam

desabafos,

encenam

incidentes e organizam acasos. Revelam a intimidade que se pode ou deve revelar. Calculam os efeitos negativos de uma decisão sobre os impostos, que articulam com as consequências positivas de um aumento de pensões. A fim de contrabalançar, colocam o anúncio de Alcochete logo a seguir ao do

referendo

europeu.

Fazem

uma

planificação

minuciosa

das

inaugurações. Escrevem notícias com todos os requisitos profissionais, de modo a facilitar a vida aos jornalistas (Ibidem).

Partindo desta descrição de António Barreto, vamos então tentar sistematizar a forma como atuam os spin doctors portugueses, conforme foram retratados pelos diferentes protagonistas entrevistados e tendo em consideração as múltiplas referências a estes profissionais publicadas na imprensa portuguesa. a) O aconselhamento político é uma das principais funções de um spin doctor e constitui, porventura, a característica que mais o demarca de um assessor de imprensa tradicional. Confere-lhe um papel interventivo e de ator político. No entanto, as entrevistas deste estudo sugerem que, em função do nível de profundidade deste aconselhamento, podem ser descritos dois tipos de spin doctors. De um lado, estão os spin doctors, descritos por exemplo pelo jornalista João Pedro Henriques, que prestam aconselhamento sobre a melhor forma de o político passar a mensagem. Ou seja: quando há um facto político de relevo que interessa tornar público, ajudam os políticos, os partidos ou as instituições que representam a encontrar um soundbite, a definir o timing e a escolher o medium ideais para propagar a mensagem em causa. Neste modelo, há uma clara separação entre a decisão política e a ação de spin doctoring. Do outro lado, estão os spin doctors que são, eles próprios, protagonistas políticos. Já anteriormente descritos por São José Almeida (jornalista) mas também por David Dinis (jornalista), Luís Bernardo (assessor), Luís Paixão

356

Martins (consultor), trata-se de indivíduos que fazem política e tomam decisões desta natureza em função da estratégia de comunicação que querem atingir. Geralmente são “figuras sombra” de governos ou de partidos políticos e, por isso, raramente contactam diretamente com os jornalistas. Podem, quando muito, ter encontros pontuais com as direções e administrações dos órgãos de comunicação social. Como trabalham sempre em função de interesses eleitorais ou da adesão da opinião pública a determinadas decisões políticas, têm como principais ferramentas de trabalho as sondagens, os focus group, os barómetros de opinião, as audiências, o share e outras formas de sondagem e audiometria. Vários dos entrevistados deram como exemplo, desta última forma de atuação, José Arantes 148 , no governo de Durão Barroso, Rui Calafate 149 , no governo liderado por Santana Lopes, e José Almeida Ribeiro150, no governo de José Sócrates. Facto que pode explicar as respostas anteriormente proferidas por estes políticos sobre as diferenças entre assessores e spin doctors (ver alínea 2.2.4). O spin doctor, a ideia que eu tenho, enfim, é de alguém que influencia mais do que... como é que eu hei de lhe dizer? Do que aconselha, do que assessora, sim, alguém que determina. De alguém que cria ele próprio as mensagens (Pedro Santana Lopes).

Ainda sobre esta função eminentemente política, um dos assessores de imprensa admitiu que algumas das mega operações policiais que divulgou nos

José Arantes é formado em Economia, mas iniciou a sua carreira como jornalista da RTP e trabalhou como assessor de imprensa no último Governo de Cavaco Silva. Após as derrotas do PSD, tirou uma pós-graduação em Ciências Políticas na Universidade Católica e regressou, em 2000, à vida política para ajudar Durão Barroso na liderança do PSD. Quando Durão Barroso conquista o poder, em 2003, e no âmbito de uma remodelação governamental, José Arantes foi empossado secretário de Estado-Adjunto do Primeiro-Ministro do XV Governo Constitucional, cargo que ocupou até julho de 2004, altura em que o primeiro-ministro saiu do Governo para se tornar presidente da Comissão Europeia. Manteve sempre uma relação muito próxima e influente com Durão Barroso. 149 Rui Calafate é atualmente diretor-geral da empresa Special One Comunicação, estudou jornalismo na Universidade Católica de Lisboa, foi jornalista na revista Política Moderna, e esteve sempre ao lado Santana Lopes nas corridas autárquicas, na presidência do Sporting Clube de Portugal e depois na sua passagem pelo governo. Foi descrito n’ O independente como “aspirante a spin doctor “ (Pedro Santana Lopes in MediapolisXXI, 2007). 150 José Almeida Ribeiro é licenciado em Filosofia e em Ciência Política (Universidade de Lisboa). Foi chefe de gabinete de Manuel Maria Carrilho no Ministério da Cultura e, posteriormente, diretor do SIS (Serviço de Informações de Segurança). Com José Sócrates como primeiro-ministro regressou à primeira linha da política como assessor político do chefe de Governo, entre 2005 e 2009. No segundo mandato de Sócrates, foi promovido a secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro. Atualmente é docente na Escola de Sociologia e Políticas Públicas do ISCTE. 148

357

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

media – “e [de] que tanto as televisões gostam” – serviram, precisamente, para “tapar e secundar crises ou decisões governativas difíceis”. Ou seja, funcionaram como cortinas de fumo ou manobras de diversão para desviar a atenção da opinião pública de acontecimentos politicamente inconvenientes. b) A monitorização dos media e da opinião pública afigura-se como um outro mecanismo de atuação dos spin doctors portugueses. António Cunha Vaz e Luís Paixão Martins (consultores), por exemplo, evocam o princípio básico da análise em qualquer estratégia de relações públicas – o que se designa por “modelo simétrico bidirecional”. Neste sentido, defendem a obrigatoriedade da pré-análise e da posterior monotorização. Numa perspetiva semelhante, o assessor Luís Bernardo considera que “a comunicação, atualmente, deve estar bem fundamentada em análises quantitativas e qualitativas”, enquanto Pedro Sales lembra que “conhecer a opinião das pessoas é um instrumento de análise e de conhecimento bastante relevante”. O assessor do BE, Pedro Sales, assegura que o seu partido não faz sondagens, mas admite que gostava de ter mais estudos para poder analisar os impactos das políticas públicas. Diz, inclusivamente, que “sabe-se pouco sobre os portugueses”. Ao invés, nos Estados Unidos e em Inglaterra “há estudos de opinião sobre tudo o que as pessoas pensam acerca de tudo”, refere. Mas o seu desejo de ter acesso a mais estudos de opinião não esconde o receio de que as políticas possam ser tomadas em função desses mesmos estudos, algo que considera “perigosíssimo”. Outro problema que se coloca é o de saber se devem apresentar-se propostas e políticas de acordo com o sabor do momento. Isso acho que não. Ou seja, se existir um estudo que diz que 51% dos portugueses é a favor da pena de morte, eu acho que ninguém deve apresentar [propostas e políticas nesse sentido], porque é uma questão civilizacional... Ia dar ideia de políticos erráticos, de plástico, sem espessura e sem convicções, que é um dos problemas das democracias mediatizadas e que vivem de fluxos permanentes de notícias e de emoções. Porque as notícias, nomeadamente na televisão, a dada altura tornam-se narrativas emocionais descartáveis (Pedro Sales).

358

Para Manuel Maria Carrilho, os políticos sempre governaram em função da opinião pública e a sua auscultação tornou-se uma obsessão. Mas fala, na primeira pessoa, “do horror” que tem a essas técnicas. Lembro-me quando vi os primeiros focus groups que organizaram, quando foi a campanha [autárquica] em Lisboa, e eram coisas muito descosidas. Acho que a valorização daquilo é ridícula... Eu era incapaz de valorizar aqueles dados, porque eram muito distantes, porque as pessoas não estão a pensar. Porque também, às vezes, estes instrumentos são muito artificiais (Manuel Maria Carrilho).

Tal como Pedro Sales, Manuel Maria Carrilho refere que a utilização destes instrumentos de medir a opinião pública “tira espessura e conteúdo” à política, tornando-a cada vez mais inconsequente e distante das pessoas. Um dos assessores de imprensa que pediu reserva no nome salienta que também “os jornalistas são loucos por números”. Aliás, acrescenta, muitos desses estudos são mandados produzir para serem utilizados como moeda de troca ou como meio de fabricar fatores-notícia, para introdução de determinados

temas

na

agenda

pública,

quer

a

nível

público,

quer

empresarial. “Ainda por cima, as próprias universidades têm vindo a entrar neste jogo dos estudos que nos permitem credibilizar sempre um produto ou serviço”, referiu o assessor sob anonimato. c) A mentira parece ser outro dos método de atuação dos spin doctors portugueses. Aliás, o título do artigo de António Barreto – A Arte de Mentir – é bem elucidativo a este respeito. E também os entrevistados deste estudo não escamoteiam o uso da mentira, do engano, da manipulação e de todo o tipo de sofismas alegadamente protagonizados pelos spin doctors. A parcimónia no uso da verdade é tida, pois, como um dos comportamentos típicos do spin doctoring, situação que se explica, de certa maneira, pelo facto de esta atividade concentrar o mau nome da indústria das relações públicas e da política.

359

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal Mentem de vez em quando. Exageram quase sempre. Organizam fugas de imprensa quando convém. Protestam contra as fugas de imprensa quando fica bem. Recompensam, com informação, os que se conformam. Castigam, com silêncio, os que prevaricaram. São as fontes. Que inundam ou secam (Barreto, 2008).

Como seria de esperar, ninguém tolera a mentira. Paula Santos e Maria Flor Pedroso (jornalistas) consideram desde logo que, num “bom assessor de imprensa”, a verdade deve ser uma prática omnipresente. O que interessa é se é novo e se é verdadeiro. Primeiro, ser verdadeiro e, segundo, ser novo. E a ordem é esta. Não gosto que me mintam. Se a manipulação

incluir

mentiras

ou

meias

verdades

ou

outros

condicionamentos...não há estória (João Pedro Henriques).

Todos foram já vítimas de casos isolados de mentira por parte de fontes. Mas os exemplos referidos incriminam, unicamente, políticos e empresários. Ninguém identificou um assessor de imprensa ou um spin doctor como protagonista de uma mentira. Tal como testemunha do jornalista Paulo Tavares: “Assim, desbragadamente, uma mentira nunca me aconteceu”. No entanto, todos falam das “quase-mentiras”, ou seja: de tentativas de manipulação, omissão e exagero por parte das fontes. Não há inocentes na história entre jornalistas e fontes. São pessoas, as pessoas erram, as pessoas têm interesses... E é nas falhas entre as várias pessoas que se articula o jornalismo e a política. Cabe ao jornalista controlar a manipulação de informação, se quer ser rigoroso, se quer chegar mais fundo, se quer perceber melhor… Quer dizer, ele próprio tem interesse em perceber quando é que está a ser manipulado e, com isto, retirar também informação (David Dinis).

Ainda nesta linha de pensamento, o editor do semanário Sol destaca a forma como se relacionam jornalistas e fontes de informação na produção noticiosa: “A fonte mina e ajuda o jornalista sempre em função dos seus interesses” (David Dinis).

360

Esta relativa desresponsabilização das fontes nas suas tentativas de manipulação, bem como as advertências para a “utilidade vigilante” das mesmas (João Pedro Henriques), conheceu igual eco em Paulo Tavares, João Pedro Henriques e Nuno Simas. Os três jornalistas consideram, a propósito, que um acordo de não revelação da fonte nunca deve ser quebrado. O que me aconteceu foi perceber que, no passe do jogo político, há ali factos que nos são dados e que não correspondem inteiramente à verdade. Mas isso faz parte do jogo e faz parte do nosso papel conferir os factos. E, se eu não tenho tempo para conferir os factos, não o[s] coloco no ar (Paulo Tavares). Sou muito estrito nesse aspeto. Eu acho que os jornalistas devem, se forem enganados – se alguém lhes mentir e eles derem uma informação falsa por causa disso (ainda para mais, se for uma informação falsa que atinja outras pessoas) – assumir a asneira e não têm nada que revelar a fonte. Mesmo que a fonte tenha mentido. A não ser em casos de vida ou de morte. Acho que, se uma fonte anónima me disser, “vai haver um atentado amanhã que vai matar no estádio da Luz [nem] que seja uma só pessoa”, tenho que revelar a minha fonte porque isso salva vidas. Acho que a revelação da fonte deve ser uma situação absolutamente limite. Eu diria, em tese, que num caso de vida ou de morte. E quando digo de vida ou de morte refiro-me a algo que tenha implicações na integridade física das pessoas (João Pedro Henriques). Ser enganados por uma fonte não sei se nos deve desculpar, porque, além das fontes confidenciais, há outro princípio que é o cruzamento de informação e de fonte. E, sendo informação sensível, naturalmente tem de se cruzar a informação. Isso já aconteceu na imprensa portuguesa: foi quebrado [o sigilo da fonte]. Mas isso foi um ou dois casos. É um recurso sobre o qual o jornalista deve pensar muito, porque é um princípio básico. Há também uma relação de confiança com as fontes. O nosso trabalho deve ir ao ponto de pensarmos que, por muito que possamos confiar na fonte, há assuntos onde se deve fazer double checking ou triple checking (Nuno Simas).

Quem está nos antípodas desta premissa é São José Almeida. A jornalista considera que as fontes têm de ser responsabilizadas em caso de mentira ou de manipulação grosseira. Sem nunca desvalorizar a necessidade de conferir 361

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

rigorosamente os factos, São José Almeida não aceita que não se possa confiar, por exemplo, numa informação que foi avançada por um ministro ou líder partidário. Por isso, perante a mentira ou o engano deliberado para manipular, não hesita em denunciar publicamente as fontes prevaricadoras. Já tive um político que me mentiu, e eu denunciei o político como fonte no próprio jornal. Tinha-o colocado em off e, pronto, ele mentiu-me e eu denuncieio como fonte. Há quem conteste mas não aceito que se conteste. Faz parte das regras do jornalismo – denunciar uma fonte que mente faz parte das regras. É tão sagrado como respeitar a fonte. Nunca denunciaria uma fonte em tribunal, por exemplo, que respeitasse o jornalista e os leitores. Nunca (São José Almeida).

Este episódio tem um interveniente bem conhecido: o atual vice-primeiroministro Paulo Portas. Na véspera de um congresso do CDS-PP, e já líder do partido, Portas tenta desmentir a manchete do Público para a qual tinha sido a fonte definidora: “Basílio para Belém e Portas para Lisboa” (Almeida, 2000). Tal como nos referiu, São José Almeida e Eduardo Dâmaso, apoiados pela direção do jornal, desmontaram a tentativa de spin. Ou seja, o tal CDS profundo contrariou aquela que era a vontade mais irreprimível do próprio Portas e de que este não se tinha poupado a esforços para, pela sua voz ou de outros, dar conta nos meios de comunicação social. Só para alimentar o ‘suspense’ para o congresso? Criar um facto que alimentasse o interesse mediático para a reunião? Vontade genuína de avançar? Provavelmente, um pouco de tudo, mas, desta vez, quase levando a limite impossíveis entre a verdade e a manipulação. Portas arrisca-se a ser o escorpião que morre picado com o próprio veneno ao não perceber que a outra face deste jogo perigoso é a sua própria credibilidade (Dâmaso, 2000).

Quem também concorda, em absoluto, com a revelação das fontes em caso de mentira é Maria Flor Pedroso. Tal como a sua colega do Público, refere que é uma questão de código deontológico. A editora de política da Antena 1

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recordou-nos, igualmente, um caso de revelação da fonte que mereceu o seu aplauso. Eu também me lembro de um secretário de Estado que fez correr que se iria demitir e depois desmentiu a notícia da [Rádio] Renascença. A fonte foi denunciada, e bem (Maria Flor Pedroso).

Mais uma vez, o protagonista deste incidente foi um político: Armando Vara. Tutelava, na altura, o Ministério do Desporto e Juventude e, “debaixo de fogo” por alegadas irregularidades num instituto público, admitiu, com reserva da sua identidade, à jornalista da Renascença, Lídia Magno (atual editora de política do Correio da Manhã), que estava a ponderar demitir-se (Moura, Manuel, 2000). A jornalista avançou com a notícia e os assessores do Governo apressaram-se a desmentir o teor da mesma. Perante isto, a direção de informação da rádio católica decidiu revelar a fonte. Este episódio desencadeou uma acesa discussão entre a classe jornalística, sem que se tenha chegado a um consenso – à semelhança do que, aliás, aconteceu entre os entrevistados deste estudo. Tanto assim que o próprio Sindicato dos Jornalistas decidiu avançar com uma recomendação, com 11 pontos, sobre este assunto, onde se podia ler na alínea final: Como proceder, então, quando uma fonte é manifestamente traiçoeira e atinge, com o seu desmentido, a credibilidade do órgão de informação? Como “desmentir um desmentido”? A resposta é: colocar na mesa a credibilidade granjeada pelo órgão de informação, enfrentando olhos nos olhos o seu público – e reafirmar o que foi publicado. Em lugar de percorrer os sinuosos e controversos caminhos da revelação de bastidores da informação, é aconselhável que o órgão de informação que está seguro do que publicou e indignado com a origem do desmentido se limite a reafirmar o que publicou, sem acrescentar mais nada. O público saberá imediatamente o que pensar (SJ, 2000: S/P).

Do ponto de vista dos próprios assessores de imprensa e spin doctors, a mentira nunca pode ser um recurso. Todos afirmaram, sem hesitações, nunca o terem feito, não só por razões éticas e morais, mas principalmente por uma 363

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

questão de inteligência e sobrevivência profissional. Aliás, alguns dos que se intitularam spin doctors – como Luís Bernardo e Pedro Sales, por exemplo – foram os mais assertivos neste discurso. Eu não minto. Só dou a informação que tenho ou que posso dar. A pior coisa que pode fazer um assessor é mentir. Porque aí o crédito perde-se. E não falo apenas do meu caso específico, mas em termos globais, da profissão. Isso é fundamental porque o assessor da imprensa tem um papel fundamental de credibilização da mensagem e de credibilidade junto das pessoas com quem contacta. Aliás, o que me permitiu estar estes anos todos como assessor foi nunca ter mentido (Luís Bernardo). No primeiro momento que um assessor de imprensa seja apanhado a mentir, a enganar ou a tentar manipular um jornalista, a relação de confiança que têm com ele, que é o seu único capital ou o principal, termina. E, portanto, deixa de ser uma fonte para o jornalista e deixa de ter eficácia para o assessorado. É o fim. Mas é óbvio que tentamos proteger e minimizar, diminuir o impacto negativo de certas notícias sobre o partido e tentamos, por sua vez, apresentar as iniciativas do partido da forma mais positiva possível mediante os parâmetros. Mas isso não é mentir. Volto a dizer que acho que o termo [spin doctor] está contaminado; está completamente associado à manipulação, à mentira, à distorção da verdade... Mas eu acho que está muito mais relacionado com a gestão de informação (Pedro Sales).

Pelas opiniões aqui plasmadas, concluímos que a “arte de mentir” não é um atributo recomendável para quem faz assessoria ou spin. Contudo, ninguém nega que a fuga à verdade esteja presente na comunicação política. d) O bullying, a intimidação e a pressão são outro tipo de ações negativas referenciadas na comunicação política e uma marca do dark spin, mais uma vez por causa das práticas de Alastair Campbell. Trata-se de manobras intimidatórias de que muitos admitem ter sido vítimas, embora ninguém confesse empregá-las na sua vida profissional. Por isso, dos assessores de imprensa e spin doctors entrevistados só um admitiu, com reserva, que manifestava descontentamento quando considerava que as notícias eram

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falsas, pouco rigorosas ou tendenciosa. “Como já fui jornalista, sei muito bem como é que se fazem”, justifica. Para David Dinis, o bullying é um crime que deve ser punido por lei e a intimidação representa “um risco sempre maior do que o proveito que se pode ter”. E acrescenta: “Esse risco é de longo prazo; o proveito é de curto. Portanto, nunca vale a pena.” Quanto à pressão, o editor do semanário Sol refere que é um “grau” menos grave do que os dois comportamentos anteriores: Mas isso [a pressão] faz parte do jogo. Nós, se temos um problema com um assessor, também fazemos queixa ao ministro; se temos um problema com um ministro, provavelmente fazemos queixa ao primeiro-ministro. Acontece a toda gente; toda a gente dá resposta a isso: isso é a vida! Uma coisa diferente é dizer: “Agora põe-se os dados da sua vida privada em qualquer lado!” (David Dinis).

Para São José Almeida, estas formas de condicionar o trabalho jornalístico existem mas cabe aos jornalistas não ceder: É assim: o político pressiona o jornalista uma vez e, se está mau, carrega. É como em tudo na vida. Se o jornalista não lhe ligar nenhuma ou não lhe mostrar medo, não há segunda tentativa de pressão; ou, se há segunda, a terceira já não há (São José Almeida).

A jornalista adverte ainda que nunca se deve ceder às manobras de aproximação e de charme das assessorias de imprensa políticas, porque estas também são formas de condicionar ou intimidar os jornalistas. Eu dou-lhe um exemplo: um antigo primeiro-ministro, para não pôr nomes, a certa altura convidava-me de vez em quando para uns pequenos-almoços. Quando percebeu que eu, não só não comia os ovos mexidos, como também não ligava nenhuma à papagueada de conversa durante uma hora, para me tentar vender as bondades das intenções, deixou de haver convites para o pequenoalmoço. Para aí ao quinto pequeno-almoço, aquilo não rendeu. Não rendeu e acabou! É evidente que há uma pressão, é evidente que toda a gente tenta cativar e aliciar, claro que sim. Mas faz parte do jogo. Se calhar é como a vida, é

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Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal o papel deles. Depois compete ao jornalista ceder ou não ceder (São José Almeida).

Estas posições estão também patentes no artigo Olha a grande novidade..., da autoria do professor universitário e ex-jornalista Joaquim Fidalgo (2007: 41). Neste artigo, que escreveu enquanto Provedor do Leitor do jornal Público, é defendido que os jornalistas, quando o pedido de publicação de um spin doctor “não for aceitável face a critérios jornalísticos” (Ibidem), têm que dizer “não”. Receber telefonemas de assessores interessados em influenciar o que sai ou não sai nos jornais é "o pão-nosso de cada dia" e faz parte do exercício do jornalismo nos tempos que correm. O problema não está nas pressões – está em ceder a elas. Sejam as do Governo ou da oposição, dos públicos ou dos privados (Ibidem).

Na mesma linha de raciocínio está Ricardo Costa, que, a propósito do recente “caso Miguel Relvas” (uma alegada intimidação e ameaça a uma jornalista do Público, Maria José Oliveira, em maio de 2012), escreveu o seguinte: Faz parte do jornalismo sofrer pressões. Sofrer e resistir. Denunciar, só se for caso disso. Porque o que mais irrita quem pressiona é ser educadamente ignorado e ver a notícia seguir o seu caminho (Costa, 2012).

João Pedro Henriques, admitindo alguma heterodoxia na abordagem deste assunto, afiança não se preocupar nada com pressões, porque, simplesmente, não recebe ou raramente recebe telefonemas de políticos e assessores a contestar notícias. E, como forma de o demonstrar, acrescenta: “Nem me lembro da última vez que recebi um telefonema de um político aborrecido comigo, porque escrevi A, B ou C”. Relembrando que a “independência” é a segunda característica de um jornalista competente (refere que a primeira é a “curiosidade”), manifesta maior preocupação pelas pressões que vêm de dentro das próprias empresas de comunicação social. Acho que, neste momento, as coisas estão num ponto em que a afirmação de independência de um jornalista se faz, sobretudo, perante as suas próprias

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chefias, muito mais do que perante o exterior. Porque é daí que vem o problema: é do interior. O meu problema é a hierarquia. Portanto, neste momento estamos num ponto em que, mais do que a independência perante o exterior, há o jornalista a quem importa ter capacidade de independência perante o interior da sua redação (João Pedro Henriques).

O bullying, a intimidação e as pressões atingiram níveis pouco habituais no chamado “caso Miguel Relvas”, em maio de 2012. Na altura, o ex-ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares foi confrontado com uma incongruência sobre as informações que recebera do antigo diretor do SIED151, Jorge Silva Carvalho. Perante a questão incómoda da então jornalista do Público, Maria José Oliveira, o ministro ameaçou “fazer blackout noticioso do Governo contra o jornal e divulgar detalhes da vida privada da jornalista” (Público, 2012: 56). Um episódio que gerou uma guerra interna na redação do jornal, com a diretora a ser acusada, perante a não publicação da notícia que gerou o incidente, de se ter “vergado perante as ameaças do ‘número 2’ do Governo” (Conselho de Redação, cit. in Henriques, 2012: 15). A ERC avançou com um processo de averiguações (Martins, P., 2012: 6), o Sindicato de Jornalistas exigiu explicações (S/A, 2012: 32) e o PS, por iniciativa da deputada Inês Medeiros, chamou o ministro à Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais (Freire, 2012: 11). Todas estas diligências tinham, naturalmente, como objetivo obter esclarecimentos sobre as alegadas ameaças. De resto, os protestos e as exigências de esclarecimento chegaram de todos os quadrantes políticos, incluindo figuras do PSD, como Marcelo Rebelo de Sousa e António Capucho (Cerdeira, 2012: 3). Pela sua intensa ressonância política e mediática, este “caso”, que levou a própria jornalista a pedir a demissão do jornal onde trabalhava desde sempre, reacendeu a discussão à volta das pressões e das ameaças sobre a comunicação social.

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Serviço de Informações Estratégicas de Defesa.

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Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal Pressão é uma palavra aceitável, retaliação não é. A ira instantânea é uma reação admissível, a chantagem é uma opção cobarde. O protesto e o processo são exercícios para a razão, a ameaça pessoal é um embate para esmagar (Guerreiro, 2012).

e) As “fugas-plantadas” ou cachas têm sido referidas como uma das mais usuais práticas dos spin doctors e dos assessores de imprensa ditos tradicionais. No fundo, esta é uma matéria que interessa a todos e que, com raras exceções, a todos agrada. Não só os spin fazem passar as suas mensagens, como os media obtêm notícias em exclusivo, fator crítico para os órgãos de comunicação social num contexto fortemente competitivo. Fernando Lima, João Gabriel, Luís Bernardo, Pedro Sales ou António Cunha Vaz admitiram que as notícias não se induzem com o recurso às notas e comunicados de imprensa. Em concreto, e usando os órgãos de soberania como barómetro, João Gabriel refere que os comunicados foram diminuindo na Casa Civil. Já Luís Bernardo sublinha que, na Presidência do Conselho de Ministros, a produção de press releases era residual. Por fim, no gabinete de imprensa do grupo parlamentar do PS as notas à imprensa difundidas, num ano, não chegavam à meia centena. Os poucos comunicados de imprensa distribuídos nos órgãos de soberania são usados para: 1) dar a conhecer uma determinada posição política em bloco; 2) convocar os media para conferências de imprensa ou declarações à imprensa (que também foram substituídos por SMS). Por isso, os nossos entrevistados admitiram que as “fugas-plantadas” constituem um eficaz recurso quando se quer avançar com uma posição política. E são uma prática “mais que aceitável, porque desde sempre se fez” (Cunha Vaz). Para Pedro Sales, um jornalista “sabendo que tem um exclusivo, dará maior protagonismo ao assunto”. No entanto, explica, adiantar um exclusivo a um jornal não tem, por vezes, a ver com razões de maior ou menor audiência, mas sim com a força que um órgão de comunicação social dispõe para marcar a “ordem do dia” na opinião pública.

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Os jornais em Portugal vendem muito pouco, mas a sua grande força é que são eles, ainda, que continuam a marcar a agenda. Desse ponto de vista, é preciso jogar com isso dando-lhes exclusivos. E eles também sabem e procuram isso (Pedro Sales).

Fernando Lima refere-se às “fugas-plantadas” como uma técnica “sempre usada”, acrescentando, a propósito, que deve ser bem avaliado o órgão e o jornalista a quem se avança com o exclusivo. Eu faço uma fuga e a grande questão é se o órgão para o qual eu faço a fuga respeita a minha informação naquilo que eu quero. Porque se ele não respeita e vira depois a fuga contra mim, eu estou tramado. (...) Acontecia no tempo do Independente. Eles tinham as fontes que eles cultivavam e em que se apoiavam, mas tinham também outras fontes que eles detestavam (Fernando Lima).

Impunha-se, então, a pergunta por parte do investigador: “Mas então qual é o papel do assessor de imprensa nisto?” Fernando Lima, ainda ao serviço da Presidência da República, responde: É assim: quando há uma fuga e há o risco de a fazer, tem de haver um contrato de confiança entre as duas partes. Tem de haver confiança no jornalista e ele também tem de ter confiança em mim. Quando faço uma fuga de informação, depois não vou dar o dito por não dito se aquilo correr mal. Na história das escutas [a Belém], eu nunca desmenti aquilo. [investigador: ‘Quer que desligue? Eu posso desligar [o gravador]’]. Não, não. Não tem problema nenhum. Eu nunca desmenti aquilo. Eu sei o que é que disse ao jornalista. (...) Agora, se ele for desleal e se eu, no dia seguinte, vir a notícia ao contrário daquilo que queria, e que, depois, se vira contra mim... E o jornalista diz: “Eu vou aproveitar-me disto e depois vou aqui ser desleal”... Pronto, é um risco que eu corri, [e] perdi obviamente... (Fernando Lima).

Perante uma situação em que a “fuga-plantada” não corresponde à expectativa do promotor, Fernando Lima defende que não se deve cortar relações com o jornalista nem telefonar a demonstrar descontentamento: “Eu não telefono”. “Deixa-se cair” a relação com o jornalista, fornecendo-lhe só “informação pública” e “sem valor acrescentado”, assevera. 369

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal Há uma regra americana que diz: “A informação sou eu que a faço”. Eu é que faço a informação, eu é que defino as regras e depois o resto... Mas eu tenho sempre que contar com a outra parte (Fernando Lima).

João Gabriel, dentro do seu ADN de ex-jornalista, destaca a necessidade que os próprios repórteres têm de obter cachas para se poderem afirmar e destacar nas redações. Também como consequência disto, acrescenta, os jornalistas não fazem o cruzamento e a validação necessários para a publicação ou emissão da notícia. Refere também que “um jornalista será sempre mais tentado e mais condicionado na sua notícia em função do número de cachas que um determinado político lhe fornece”. O próprio jornalista também está muitas vezes condicionado pela cacha. Ou seja, eu [enquanto jornalista] tenho que dar uma cacha para vender mais e para me afirmar mais no jornal. Por isso, no dia seguinte, não sei quantas cachas são desmentidas porque “não é bem assim” ou “é totalmente errado”; “porque não tem fundamento” ou “tem fundamento parcial”. O segundo ponto é: não há investigação da cacha; é a fonte que dá a cacha (João Gabriel).

Da parte dos assessores de imprensa que operam nos grupos parlamentares, sentimos pudor e muita reserva em falar nesta técnica de indução de notícias, o que demonstra a falta de prática nesta matéria ou, pelo menos, falta de frequência. Mesmo assim conseguimos obter interessantes (e autorizadas) declarações de Zeca Mendonça, António Colaço e Pedro Salgueiro, que se relacionam mais com a intencionalidade da fuga. Eu só dou exclusivos se me mandarem dar exclusivos. Mas, pronto, dou exclusivos. Posso chegar ao pé da direção ou do grupo parlamentar e dizer: “O órgão X está interessando em algo, que vai tratar conforme você lha vender, portanto, trate-o bem”. Ou seja: faço pressão junto do político para que, de facto, a notícia seja dada ou que o exclusivo seja dado ao órgão X (Zeca Mendonça). O que está em causa é o meio a que se destina, independentemente do jornalista ser mais simpático ou menos simpático, ser mais aguerrido ou menos

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aguerrido. Porque, lá está, o objetivo é valorizar a prestação do grupo ou do deputado (António Colaço). Mas isso [as “fugas”] não depende muito de nós [assessores de imprensa]. Às vezes, os próprios políticos têm... e são eles que as dão. Às vezes vai-se dividindo: umas vezes é para um, outras vezes é para outros (Pedro Salgueiro).

Todos os jornalistas entrevistados veem as “fugas-plantadas” como uma prática aceitável mas, curiosamente, partilham da ideia de Pedro Salgueiro: as “fugas-plantadas” são dadas maioritariamente por políticos. Mais uma vez, José Pacheco Pereira (2013a) distribui responsabilidades pelas duas partes: ...há uma enorme complacência com ambientes de intriga e conspiração que substituem o debate público por fugas de informação orientadas. A comunicação social atua em conformidade com este ambiente, até porque cada vez mais a mentalidade, formação e mesmo transumância entre lugares é feita numa ecologia comum. Os blogues de jornalistas, aliás, revelam uma continuidade perfeita de mentalidade e métodos entre o meio jornalístico e o meio político (Ibid.: 41).

f) Os graus de confidencialidade 152 são outra das ferramentas empregues pelos spin doctors na sua relação com os media. Paradoxalmente, trata-se de uma técnica que devia estar confinada aos jornalistas mas que se tornou um eficaz meio de manipulação das declarações à imprensa. É, de resto, através do uso do vulgo off, mais concretamente do deep-background, que se plantam fugas ou cachas. O correto manuseamento dos graus de confidencialidade permite aos spin doctors avançarem com todo o tipo de informações sem nunca serem revelados, de acordo com as convicções manifestadas pelos jornalistas neste estudo. Esta realidade consubstancia-se, por exemplo, nas tentativas de

152

Para melhor compreensão consultar definição e tipologias dos graus de confidencialidade na página 281.

371

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

“vender uma cacha na hora de fecho da edição” (João Pedro Henriques) ou de “plantarem contrainformação” (Paulo Tavares). Como explica a investigadora e professora de Comunicação Felisbela Lopes (2010: 17), num artigo de opinião com o sugestivo título O que as notícias não contam, os spin doctors “fornecem sedutores ângulos de noticiabilidade, facilitam outro entendimento da atualidade” sempre com informação que “chega pelo telefone e dispensa um trabalho de investigação”. Para tornar tudo ainda mais entrópico ao nível da produção noticiosa, um conjunto de pessoas ocupa-se, off-the-record, em fazer chegar aos jornalistas determinadas versões dos acontecimentos para criar factos, testar reações, aumentar a confusão... São chamados de spin doctors, verdadeiros especialistas na técnica do engano, em relação aos quais os jornalistas adotam, por vezes, um papel de enorme crença (Ibid., 17).

José Pacheco Pereira comunga destas preocupações e explica que o problema central reside no facto de o spin doctoring colocar o jornalista “no âmago dos mecanismos do poder como ele hoje é exercido: no centro das fugas de informação, da gestão de ‘fontes anónimas’, da manipulação das notícias” (Pacheco Pereira, 2003: S/P). O antigo diretor do Público, Vicente Jorge Silva, defendeu recentemente, a propósito de notícias com fontes não identificadas sobre um alegado mal-estar entre Cavaco Silva e o Governo liderado por Passos Coelho, que brincar com os graus de confidencialidade são [título] Brincadeiras no Escuro (Silva, 2012). De Berlim a Bruxelas a Lisboa, brinca-se no escuro. Quase num remate do ridículo episódio das escutas de Belém, alguns dedicados cavaquistas de serviço – mas não serão eles produzidos pela imaginação de um qualquer 'spin doctor' preocupado em domesticar de vez uma imprensa crédula, tola e preguiçosa? – aparecem anonimamente para criar uma oportuna intriga política que faça esquecer, entre outras coisas, a última gafe presidencial (Ibidem).

372

g) As campanhas negras (ou negativas) tiveram um elevado enfoque público aquando da publicação do livro de Manuel Maria Carrilho Sob o Signo da Verdade (2006), que provocou uma mediática contenda entre o autor e António Cunha Vaz. A obra sustenta que Cunha Vaz, ao serviço do adversário direto de Carrilho à Câmara Municipal de Lisboa, Carmona Rodrigues, orquestrou uma campanha negra contra o ex-ministro da Cultura, em conluio com os órgãos de comunicação social. Os media fabricaram “um ambiente de intensa opacidade sobre a minha candidatura ”(Carrilho, 2006: 19), por se encontrarem num “estado de mercenarização” (Ibid.: 179), afiança Carrilho na referida obra. (...) Numa convergência que assim se revela não só nas alianças de agressão, mas também nos pactos de silêncio – em órgãos da comunicação social como o Público ou o Jornal de Notícias, o Expresso ou o Tal & Qual, o 24 Horas ou o Diário de Notícias, a SIC ou a TVI, a Renascença ou a TSF, bom, isso significa que o polvo entrou em ação: o polvo dos interesses instalados, que há muito se fazia sentir na ação concertada de muito sectarismo jornalístico e de tantos comentadores ventríloquos (Ibid.: 21).

António Cunha Vaz emerge, na obra de Carrilho, como o principal operacional de uma “manipulação de informação com base em contactos privilegiados, apoiando-se na cumplicidade de jornalistas e de comentadores avençados e no controlo dos principais circuitos da comunicação” (Ibid.: 179). Neste pressuposto, muitos dos jornalistas que escreviam nas secções de política foram acusados de serem coautores de um “regime alucinatório” (Ibid.: 19). Sob a acusação de tudo ser financiado por interesses e jogos imobiliários, Carrilho, que tinha do seu lado os especialistas de comunicação Edson Athaíde e Luís Bernardo, equipara esta alegada cabala ao falso arrastão na praia de Carcavelos, no verão de 2005153.

Recorde-se que a SIC, em junho de 2005, avançou com a notícia de que 500 jovens negros tinham invadido a praia de Carcavelos, roubando tudo o que podiam. No entanto, primeiro, o jornalista Nuno Guedes, em A Capital, e, depois, Diana Andringa desmontam estes acontecimentos, demonstrando que tudo foi inventado ou, como lamentou Miguel Gaspar (Miguel Gaspar cit. in Cunha, 2004: 8), verificou-se uma "cadeia diabólica de interpretações que substituiu e dispensou a verdade dos acontecimentos". 153

373

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

Este caso fez correr muita tinta na imprensa e lançou a discussão sobre os ‘efeitos diretos’, ou ‘condicionados’, que os media tiveram na derrota de Carrilho (Mesquita, 2006). Na altura, houve quem criticasse Carrilho por não ter conseguido “rodear-se de spin doctors que lhe dissessem como é que as suas ações, atitudes e declarações iriam passar no espaço mediático” (Sousa, J. d., 2006: 26). Houve ainda quem sublinhasse que Carrilho quis arrasar “a matilha da comunicação social” (Sobral, 2006: 48)154 mas salvar a “excelsa imprensa ‘cor-de-rosa’, que sempre o tratou com deferência” (Ibidem), entre muitas outras perspetivas. No ar ficou, porém, a ideia de que se pode, de facto, montar campanhas negras contra políticos155. O jornal Expresso dedica o tema de abertura de uma das suas edições a este assunto, através de um artigo com um título sugestivo: Redação do corta e cola (Abreu et al., 2006). Um dos entrevistados que pediu reserva, neste ponto específico, não hesitou em referir que, “pontualmente”, é contactado por gabinetes de imprensa ministeriais tentando vender ‘notícias’ para manchar, denegrir ou lançar mau nome sobre um determinado político ou entidade. Posso dizer que já recusei muita informação do lado do Governo [PSD – CDS/PP]. Mas muita mesmo! Uma porque não tinha tempo para validar e porque vi que era informação que não me merecia, à partida, toda a credibilidade. Tem, por exemplo, um caso que é paradigmático no atual Governo: a questão de como têm sido diabolizados os fringe benefits que têm a Carris, a CP e afins. O atual Governo apostou muito nisso, o anterior também, mas o atual bastante mais. Ou seja, pôr cá fora dados e factos do estilo: “Os tipos da CP têm um barbeiro que funciona 24 sobre 24 horas para eles e isto é uma vergonha”, ou “recebem um subsídio para uma função, mesmo estando de baixa”. [Tudo isto] para facilitar, depois, a decisão política (Não identificado, por pedido expresso).

Importa lembrar que, na apresentação da sua candidatura à autarquia, Carrilho exibiu um vídeo onde apareciam Bárbara Guimarães, a sua mediática mulher, e Dinis Maria, o seu filho de 16 meses. Por isso, foi acusado de usar a família com propósitos políticos.

154

155

Este não foi um caso isolado. Recordamos que Ferro Rodrigues também evocou uma campanha negra no “caso Casa Pia” e Cavaco Silva no “caso BPN” (ver, por exemplo, Claro, 2011).

374

Apesar de este editor ter recusado a informação, o caso teve acolhimento num jornal

diário.

E

claro

que

grande

parte

destas

informações

foram

posteriormente desmentidas ou desmontadas pelos sindicatos e associações profissionais das empresas do Estado, que deveriam ter sido ouvidos antes de a peça ser publicada. Quando questionados sobre este dark side da assessoria, todos os consultores e assessores de imprensa entrevistados negaram o envolvimento em semelhantes ardis. O spin doctor que trabalhou sempre com Santana Lopes, Rui Calafate, refere, a propósito, que “nenhuma campanha negativa é ingénua” (cit. in Claro, 2011: 22) e procura “mostrar as fragilidades de caráter dos adversários” (Ibidem). 3.3 Especificidades da assessoria de imprensa aos grupos parlamentares

No fim do primeiro mandato do Governo liderado por José Sócrates, em julho de 2009, o noticiário político deu conta de um acontecimento caricato, ocorrido

em

pleno

debate

quinzenal

na

Assembleia

da

República.

Acontecimento esse, contado por vários destes intervenientes entrevistados neste trabalho de investigação, que viria a provocar a demissão do então ministro da Economia, Manuel Pinho. Enquanto o primeiro-ministro respondia à interpelação do líder do Bloco de Esquerda, Francisco Louçã, o referido ministro entrou numa acesa e paralela discussão156 com o líder parlamentar do PCP, Bernardino Soares, ao ponto de, numa atitude exaltada e insultuosa, ter gesticulado uns “cornos” em direção ao deputado comunista. Pedro Sales e Maria Flor Pedroso estavam a conversar na bancada dos jornalistas da AR e aperceberam-se de tal incidente através de um

dos

monitores

de

televisão

de

apoio

à

imprensa

parlamentar.

Rapidamente, o assessor de imprensa do BE pediu aos seus colegas de gabinete a impressão do frame com a imagem de Manuel Pinho a fazer os cornos

e

distribuiu

cópias

da

mesma

pelos

restantes

membros

da

156

Na gíria parlamentar é conhecida por ‘àpartes’. Trada-se de uma forma de interpelação e comentário paralelo à discussão que está prevista e regulamentada no Regimento da Assembleia da República.

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Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

comunicação social, ganhando, assim, dianteira na propagação do incidente. O debate nunca mais foi o mesmo, porque até os deputados se aperceberam de que algo se estava a passar na bancada dos jornalistas. Perante o sucesso da operação conduzida pelo assessor do BE, e tudo nuns breves minutos, Paula Barata, assessora do PCP, irrompe pelo meio da algazarra e reclama a origem do acontecimento: “Ouve lá, vocês estão a distribuir isso mas ‘os cornos’ foram para o PCP”. Ao que Sales responde: “Isso para mim é indiferente, se queres que os cornos sejam para o PCP, podes ficar com eles.” Mas desengane-se quem ache que este episódio criou rupturas entre as duas equipas de assessoria de imprensa da esquerda parlamentar. Ainda hoje este episódio é contado às gargalhadas pelos dois protagonistas, assim como pelos muitos jornalistas que o presenciaram. Por isso, este acontecimento espelha bem o ambiente de companheirismo que se vive no Parlamento entre assessores de imprensa dos diferentes partidos e jornalistas acreditados e representados pela Associação de Jornalistas Parlamentares, liderado há mais de uma década pela jornalista da SIC, Anabela Neves. E ao pedirmos aos jornalistas uma apreciação geral da atuação dos assessores de imprensa dos diferentes grupos parlamentares, as respostas em regra apontaram na mesma direção: “Acho que somos todos bafejados pela sorte e estamos muito bem servidos” (Maria Flor Pedro), “são super profissionais” (São José Almeida), “são bastante eficazes” (Paula Santos), “têm muita experiência” (Nuno Simas). Paula Santos destaca a “imprescindível” ajuda destes profissionais na obtenção de informações pontuais de agenda, assim como na marcação e agilização de entrevistas em estúdio com os deputados. A eficácia também é importante quando peço uma informação. Quando estou no Parlamento à procura de informação sobre um determinado deputado: saber onde é que o posso encontrar, há quanto tempo é deputado e por aí fora. Há coisas que já nos ajudam, como [os] mecanismos da internet. Mas se os assessores do Parlamento respondem mais depressa… Têm memória política (Paula Santos).

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O diretor-adjunto da Lusa, Nuno Simas, diz que o contacto entre assessores e jornalistas é constante ao longo do dia. Habitualmente esse contacto tem início às dez da manhã e estende-se até às 19/20 horas, sendo que até os almoços são quase sempre partilhados nos restaurantes de S. Bento e do Príncipe Real. São pessoas muito profissionais que têm muita experiência. Há uma sensibilidade para perceber [as necessidades dos jornalistas]. O meio da Assembleia também é diferente, ou seja, é um sítio pequeno, onde estamos todos os dias, onde nos cruzamos com os deputados e assessores. Portanto, há um escrutínio, até da nossa parte, relativamente àquilo que é assessoria. Há um escrutínio mútuo e isso é bom para descomplexar as relações entre os jornalistas e assessores (Nuno Simas).

Mas os restantes jornalistas entrevistados não concordaram, em grande parte, com estas apreciações. Sem nunca reprovarem a qualidade dos serviços prestados, criticam, todavia, o modelo de atuação e consideram, na globalidade,

que

os

assessores

parlamentares

são

agentes

passivos

encarregues de convocar jornalistas. A resposta de David Dinis é bem elucidativa: “Não são assessores eficazes, mas é bem feito dentro da velha assessoria”. Tem ali muitos que são como que pastores de jornalistas. No fundo, vêm arrebanhar para a declaração da hora. Isso para mim não é um assessor, ou não cumpre o papel de assessor. Até porque quando lhes exigimos mais, para que deem o outro passo, eles não têm a autonomia para funcionar. Então, levam a nossa pergunta. Vão e voltam. E ser pombo-correio não é o papel de um assessor de imprensa (Paulo Tavares).

João Pedro Henriques, como já vimos anteriormente, também defende que os assessores de imprensa parlamentares deviam ir mais longe no fornecimento de informações. Defende, tal como David Dinis e Paulo Tavares, que seria mais vantajoso para o jornalismo e para os políticos se houvesse proatividade, por exemplo, no fornecimento de cachas. Ressalvam, no entanto, que apesar de

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Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

este ser o comportamento dominante, há, na Assembleia da República, quem se destaque na proatividade. Disso falaremos mais adiante. Pedro Santana Lopes e José Sócrates desvalorizam a atividade destes profissionais e descrevem-na, frivolamente, como de caixa de ressonância das decisões das sedes dos partidos ou do Governo. Sendo certo que o antigo primeiro-ministro do PSD tentou “profissionalizar” a assessoria de imprensa do grupo parlamentar, como já tivemos oportunidade de referir, com recurso a consultoras de comunicação. Manuel Maria Carrilho não teve suficiente experiência parlamentar que lhe permitisse comentar. A forma como os cinco assessores parlamentares veem o seu próprio trabalho – e que, mais uma vez, é sintomática da forma como definem a sua atividade (ver 3.1.2.) – contrasta, em absoluto, com a imagem que os restantes consultores têm dessas mesmas funções na Assembleia da República. Estes últimos, sob anonimato, criticam a “falta de estratégia” e a “passividade” dos assessores parlamentares. Chamam-lhes “mestres de cerimónia”, “lambe-botas” e “adoradores de jornalistas”. 3.3.2 Há spin doctoring na Assembleia da República?

Zeca Mendonça é, não só para jornalistas parlamentares mas também para grande parte dos deputados, um exemplo de assessor de imprensa. A forma discreta como se movimenta pelos corredores esconde uma enorme eficácia, respaldada na sua inabalável credibilidade junto dos jornalistas e na abnegação ao partido que deputados sociais-democratas lhe reconhecem. Com o seu ar de lord inglês, Zeca Mendonça é frequentemente visto nos noticiários televisivos diários, pois acompanha as mais variadas visitas dos presidentes do PSD ou dos líderes da bancada parlamentar laranja. É fácil ver no Telejornal o “Zeca” na Madeira e, logo de manhã, a tomar o seu pequenoalmoço no bar dos deputados. Mas esta figura omnipresente da política nacional não é um spin doctor. “E ainda bem. É respeitado pelos jornalistas parlamentares por isso mesmo”, diz, com

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reserva de identidade, um jornalista. É, por isso, que se aguenta ao serviço há mais de 25 anos. No entanto, do outro lado (leia-se do jornalismo), há quem queira mais deste profissional da comunicação política. “É uma desgraça, e não passa de um relações públicas”, disse um dos entrevistados. Na verdade, o facto de ser só “arrebanhador de jornalistas” permite-lhe ter um trabalho regular de “mediação” entre os jornalistas e as direções das bancadas parlamentares há mais de 25 anos. Houve, porém, alguns jornalistas que asseguraram que este assessor de imprensa do PSD é implacável com as cachas que fornece pontualmente. “Quando quer, o Zeca deixa cair uma cacha”. António Colaço e Paula Barata têm, enquanto assessores de imprensa parlamentares, um perfil muito idêntico ao do seu congénere do PSD. Depois, há os mais novos: Pedro Sales e Pedro Salgueiro. Talvez pela idade e pelos parcos anos de trabalho ao serviço do partido se expliquem as diferenças de comportamento, metodologia e visão profissionais. Estes dois assessores têm uma atuação mais próxima do spin doctoring e lidam quase todos os dias com as suas ferramentas preferenciais de ação. Mas os jornalistas avançam com outra explicação. Isso [as diferenças de atuação] nota-se porque, aqui há uns anos, o assessor de imprensa era alguém que, em determinado grupo parlamentar, podia ser uma coisa qualquer e também poderia ser assessor de imprensa. O que se sente é que, de há uns anos para cá, felizmente os assessores de imprensa já são escolhidos por terem perfil para aquele tipo de trabalho. Perfil, experiência, percurso académico, o que quer que seja. O que faz com que eles sejam melhores no seu desempenho (Não identificado, por pedido expresso).

Os dois grandes partidos portugueses, PS e PSD, não fazem spin a partir do Parlamento. A comunicação política tout court cabe aos spin doctors que estão no governo ou, se estiverem na oposição, nas sedes dos partidos. O Governo, ou rotativamente a ‘Lapa’ e o ‘Rato’, albergam estes técnicos da propaganda do século XXI. O PCP sempre teve os seus “soviet spins”, como lhes chamou um jornalista, na ‘Soeiro Pereira Gomes’. Mas também, e desde sempre, os 379

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

spin comunistas exercem a sua influência através da CGTP e de outras estruturas onde têm poder. Tradicionalmente, os partidos mais pequenos, como o CDS-PP e o BE, exercem o spin a partir do local onde têm mais recursos e funcionários: o Parlamento.

Ainda

assim,



diferenças

de

atuação

em

função

da

idiossincrasia dos líderes de cada partido. Quando o BE tinha como principal líder da bancada o próprio Francisco Louçã ou o José Manuel Pureza, era um partido muito mais aberto, muito mais proactivo na relação com os media. E nessa medida conseguia criar mais agenda. Neste momento [fevereiro de 2012] com o Luís Fazenda, é um partido muito mais retraído na relação com a imprensa – é mais apagado. Isso é uma coisa que resulta diretamente da personalidade das pessoas, ou seja, essa diferença resulta de uma diferença de visão entre, por exemplo, o Francisco Louçã e o Luís Fazenda (Não identificado, por pedido expresso).

Mas quando questionados sobre a existência de spin doctoring no Parlamento, os jornalistas convergem ao apontar os políticos como os grandes executantes desta técnica de comunicação. No entanto, reconhecem a existência de spin “à [nossa] escala” (Paula Santos). Há bom spin doctoring no Parlamento, sobretudo por políticos. Pelos assessores no Parlamento não... Não o vejo, não o sinto no dia a dia; quer dizer, não vejo a regra, não quer dizer que não haja pontualmente. Sendo que o spin exige do político ou de um assessor um grau de informação muito superior ao do jornalista, senão não tem qualquer tipo de efeito. Mas isso nem sempre é fácil [de] controlar (David Dinis).

O editor do semanário Sol, tal como os jornalistas Nuno Simas e João Pedro Henriques, referia-se à dificuldade que os spin doctors têm de controlar, domesticar ou secar a informação. A este respeito, salientam que os jornalistas parlamentares podem circular livremente pela Assembleia da República, pelo que, com facilidade, cruzam a informação com os deputados, com os líderes parlamentares ou, até mesmo, com os membros do Governo. Por isso, o spin nem sempre resulta. 380

Chegam a descrever a atividade jornalística parlamentar como um “campo aberto” (João Pedro Henriques) ou como um “espaço às claras” (Nuno Simas). Facilmente conversam pessoalmente e em on-the background com os protagonistas políticos, de que ainda com mais simplicidade obtêm o número de telemóvel pessoal. Hoje em dia, com os telemóveis, as coisas são mais fáceis. Mas, de facto, não substitui o contacto com o político, por muito que isso possa chocar os assessores. E como há um escrutínio contínuo e muito intenso da informação – e da relação entre jornalista e político – torna-se mais difícil haver esse “engano”. Haver, há. Mas o jornalista parlamentar é, por norma, experiente e vai filtrando muita coisa e vai dando o desconto necessário. Esse efeito é mais visível quando o assessorado é uma entidade com menos relações externas. Ali, na Assembleia da República, é tudo muito aberto. Essa é uma das suas riquezas (Nuno Simas).

Uma liberdade de circulação impensável nos parlamentos do Reino Unido (que limita os jornalistas ao lobby), de Espanha ou, até mesmo, do Parlamento Europeu. A noção que eu tenho é que o Parlamento é um campo aberto, um campo muito aberto. E tenho a noção de que não é assim por esta Europa fora. No Parlamento Europeu, por exemplo, em Estrasburgo, pelo menos que eu conheça, os jornalistas não podem entrar no hemiciclo. E a difusão das imagens das sessões é controlada pelo próprio Parlamento Europeu. Se houver, como já houve, uma cena de pancadaria dentro do Parlamento Europeu, ninguém vai ver as imagens fora do Parlamento Europeu porque eles, pura e simplesmente, censuraram as imagens (João Pedro Henriques).

Quem nunca concordou com esta liberdade e tentou rever o regulamento de circulação de jornalistas na Assembleia da República, em 1993, foi José Pacheco Pereira, que recentemente recordou e repetiu argumentos para limitar o raio de ação dos profissionais da comunicação social. De vez em quando há quem lembre contra mim o encerramento de um corredor na Assembleia que deu origem a uma luta épica pela liberdade de expressão ameaçada. Na verdade, a regra que se pretendeu impor, nem

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Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal sequer de minha iniciativa, hoje existe em todo o esplendor com o acesso dos jornalistas vedado às áreas de trabalho dos deputados, sem que ninguém proteste. Só que na altura não havia espaço entre o corredor da discórdia e os gabinetes e todo o tipo de abusos, como seja abrir portas de gabinetes para ver quem lá estava, existia. Enfim, agora os deputados do PS, na altura muito escandalizados com os corredores, sentiram-se incomodados e bem com o abuso de intromissão fotográfica. (...) A resposta do senhor Presidente foi inadmissível e permite todos os abusos com o argumento que tudo na Assembleia é público. Como atrás dele não há ninguém a espreitar para a sua mesa, percebo que tenha pouca sensibilidade à devassa dos outros. Sendo assim, eu proponho que haja na sala dos senhores jornalistas computadores com acesso direto aos dos deputados na sala, cumprindo-se assim o caráter “público” do seu uso, como pretende o Presidente. Não precisam assim os fotógrafos de andarem a esticar-se nas galerias com risco de caírem e os senhores jornalistas podem ler com calma o correio dos representantes da nação. E porque não câmaras de vídeo nos gabinetes? Já esteve mais longe (Pacheco Pereira, 2010).

O ex-deputado do PSD lembrava este assunto aquando do protesto protagonizado pelo deputado socialista José Lello e do desafio que este lançou ao então Presidente da Assembleia da República, Jaime Gama, “para estabelecer regras de controlo à circulação dos jornalistas, nomeadamente dos que operam com imagem (operadores de câmara e fotógrafos) de modo a evitar que registem momentos que os deputados não querem ver registados (a trocarem SMS amorosos ou a escreverem em chats como o Messenger)” (Henriques, 2009a: S/P). Mas para José Carlos Vasconcelos (1996) as falhas do jornalismo e o abuso das fontes de informação resumem-se a uma palavra – rigor: E uma das coisas do rigor é que não há palavras sinónimas, a facilidade é um dos maiores inimigos do jornalismo e o que eu gostaria é que cada jornalista fosse tão rigoroso como gosta que os outros sejam rigorosos quando falam deles e do jornalismo (Ibid.: 142).

382

4. Síntese conclusiva A primeira ilação a extrair deste capítulo é que, sim, o spin doctoring tem sido amplamente praticado em Portugal, em particular nas duas últimas décadas de democracia. Todavia, e um pouco paradoxalmente, as atividades de spin governamental e partidário não têm o Parlamento como epicentro, nem são desenvolvidas maioritariamente pelos assessores de imprensa dos grupos parlamentares. Mais: os spin doctors que mais assertivamente atuam no Parlamento – quando privilegiam, para tal fim, este órgão de soberania, o que nem sempre acontece – são… os próprios políticos. Também nesta questão, a Assembleia da República parece estar a ser subalternizada – o que contribui, igualmente, para o esvaziar da sua condição de espaço nobre de exercício da política. Desde logo se conclui, das entrevistas realizadas, que a assessoria de imprensa e o spin doctoring são realidades muito distintas. Circunstância que reforça a ideia, já sustentada noutros capítulos, de que o assessor de imprensa é, sobretudo, um intermediário entre o político e o jornalista, cabendo-lhe sobretudo promover a eficácia da comunicação entre ambos. Neste sentido, o assessor não é responsável pela componente política da mensagem, mas tãosó pelo seu formato jornalístico, pela sua forma de difusão, pela escolha dos destinatários e, por vezes, pelo timing de emissão. Ao invés, o spin doctor é o autor político da mensagem e, em consonância com a instituição ou indivíduo que representa, gere com autonomia a conversão da mesma em notícia, através de métodos bem mais complexos e opacos que os da assessoria. Por outro lado, a deontologia profissional dos jornalistas é, igualmente, uma rede de segurança – não totalmente infalível, como sabemos – face aos desmandos do spin doctoring. A boa prática jornalística exige cautela na relação com as fontes e, sobretudo, a confirmação da informação original pelo cruzamento

de

várias

fontes.

Contudo,

como

foi

enfatizado

pelos

entrevistados, a vertigem da cacha por vezes leva os jornalistas a descurarem esta regra de ouro.

383

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

384

Conclusões  Finais  

385

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

386

It´s not just spin. It’s the construction of meaning. (Bates, 1997: 249)

À semelhança de outras democracias liberais, o regime político português pós25 de Abril também conheceu, ao longo destes quase 40 anos de História, vários conflitos públicos entre jornalistas e políticos, tendo como pano de fundo notícias sobre a atuação de fontes profissionais de informação. Vários desses conflitos foram, aliás, relatados neste estudo em forma de exemplo. Serve isto para dizer que, na opinião pública portuguesa, existe há muito a consciência de que um terceiro elemento se imiscui na tradicional tensão entre política e jornalismo. E esse terceiro elemento são as tais fontes profissionais de informação, na maior parte das vezes corporizadas pelos assessores de imprensa/consultores de comunicação. Mas não se trata aqui do vulgar assessor de imprensa, cuja principal função é servir

de

ponte

entre

políticos

e

jornalistas

utilizando

estratégias

comunicacionais standarizadas. Trata-se, isso sim, de assessores/consultores com um perfil político muito vincado e que recorrem a técnicas de indução de notícias bem mais sofisticadas, em alguns casos muito para lá do âmbito das 387

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

relações públicas. A ação destes assessores/consultores é de tal forma sibilina e manipuladora que, não raras vezes, roça a amoralidade e até a ilegalidade. A estes assessores/consultores foi dado o epíteto de spin doctors, um conceito de origem anglo-saxónica que rapidamente se vulgarizou nas democracias ocidentais. Portugal não foi exceção. No nosso país, o spin doctoring acompanhou a evolução quer do regime democrático, quer da comunicação social, com tudo o que isto significou em termos de mediatização da atividade política. Ora, a primeira grande ilação a retirar do presente estudo é, justamente, a de que o spin doctoring é hoje indissociável da prática política portuguesa. Não é mais possível interpretar o processo político em Portugal sem incluir, nos termos da equação, os spin doctors. Também não se afigura avisado procurar compreender o processo de produção do noticiário político ignorando o impacto do spin doctoring. Neste sentido, o que este estudo tratou de fazer primeiramente foi não só provar que o spin doctoring é um fator endógeno do processo político como, sobretudo, descrever os contornos desta atividade. Existia já um esquisso a traço grosso do que era o spin doctoring em Portugal, faltando preencher e aperfeiçoar o desenho com cores, linhas mais precisas, detalhes variados e planos de fundo. Havia, portanto, que dar substância ao conceito, para que deixe de ser uma ‘figura’ a que políticos, jornalistas e demais intervenientes no espaço público recorrem de modo simplista quando se referem a manipulação informativa. Partindo da premissa de que o spin doctoring é uma realidade indissociável do processo político em Portugal, o nosso estudo foi chegando a várias conclusões ao longo dos seus cinco capítulos. Impõe-se, agora, a compilação e sintetização de cada uma dessas conclusões, de modo a formar um corpus coerente. Passamos, pois, a enumerar as principais conclusões da presente investigação, revisitando o que anteriormente já havíamos inferido. 1 – Apesar de a evolução das relações públicas ao longo da História estar bem detalhada, conforme demos conta nesta investigação, não existe uma definição 388

universal, e muito menos consensual, para spin doctoring. Arriscamos, ainda assim, definir spin doctoring como a projeção positiva para o espaço público de um determinado sujeito ou ação, através das mais sofisticadas e atualizadas técnicas de manipulação e persuasão. Neste processo destacamse os media como canal preferencial para a distribuição e indução de mensagens, tendo como motor o relacionamento interpessoal com os jornalistas. 2- O spin doctoring não é uma profissão ou, tão pouco, uma atividade que advém de uma percurso académico. Trata-se de um processo que tanto pode ser executado por assessores/consultores de comunicação, assessores políticos e políticos. 3 – O spin doctoring não é um fenómeno novo. Podemos até considerá-lo como a propaganda da passagem do milénio, embora enriquecida com as mais atuais, eficazes e, por vezes, dispendiosas técnicas de comunicação. O termo spin doctoring nasce com Willian Safire, em 1984, mas parece ter nítido embrião na forma como, em 1910, Ivy Lee se definia – doctor of publicity; e no termo “spin” que James Reston usava sistematicamente nos seus textos no New York Times de análise política do presidência de Eisenhower, em meados de 1950. Mas pode igualmente ser entendido como mais uma atualização para denominar a sempre e secular depreciativa assessoria de imprensa política, tal como no passado foram usados os termos como propaganda, spin a yarn, ballyhoo, plutogoges ou flackery. O termo ganha dimensão planetária com a atuação dos assessores de imprensa de Ronald Reagan - Michael Deaver e David Gergen, e, mais tarde no Reino Unido, com os homólogos de Tony Blair Peter Mandelson e Alastair Campbell. 4 – Por outro lado, o spin doctoring também não é exatamente assessoria de imprensa. Usa as suas técnicas mas vai muito para além nas estratégias de indução noticiosa, recorrendo, para tanto, a ferramentas do marketing, da psicologia social ou da audiometria, por exemplo. Também se concluiu das entrevistas realizadas que a assessoria de imprensa e o spin doctoring são realidades muito distintas. O assessor de imprensa é eminentemente um 389

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

intermediário entre o político e o jornalista, cabendo-lhe sobretudo promover a eficácia da comunicação entre ambos. Neste sentido, o assessor não é responsável pela componente política da mensagem, mas tão-só pelo seu formato jornalístico, pela sua forma de difusão, pela escolha dos destinatários e, por vezes, pelo timing de emissão. Pelo contrário, o spin doctor é o autor político da mensagem e, em consonância com a instituição ou indivíduo que representa, gere com autonomia a conversão da mesma em notícia, através de métodos bem mais complexos e opacos do que os da assessoria. 5- No capítulo de história, e em particular, com base na recolha de artigos dos professores Silas Bent (1927) e Roscoe Brown (1921) e do jornalista Stanley Walker (1927), em Nova Iorque, mostrou-se que a indução de notícias, por parte da assessoria de imprensa, e a existência de um exército de press agents, publicists, relações públicas e consultores de comunicação, não é nova. Sempre existiram e sempre desencadearam mais notícias que a iniciativa jornalística. Recorde-se, Silas Bent demonstrou, com uma contagem de notícias da imprensa diária nova-iorquina, que 60% provinham da indução de eventos e hand-outs dos assessores de imprensa da mesma cidade. Dado, aliás, plasmado no excerto inicial destas conclusões. E há um conjunto de atribuições e conotações a esta atividade que são seculares. O exemplo é a ‘sofisticação’ dos meios usados e a ação ‘malévola’ [darkside]. Atribuições verídicas mas que não são novas. 6 – O spin doctoring revela grandes resultados para quem o aplica, o que se explica, por um lado, pelo facto de as empresas de comunicação social dependerem cada vez mais de informações e eventos produzidos (subsidiados) exclusivamente para elas; e, por outro, pelo facto de esta atividade contornar as já gastas, obsoletas, redundantes e pouco eficazes técnicas tradicionais de assessoria de imprensa (conferências de imprensa, press releases, press kits, etc...). Daí que o spin doctoring seja utilizado não só para promover políticos, partidos e governos mas também empresas, marcas e produtos; tal como já acontecia no início do século XX, com Ivy Lee.

390

7 – A relação entre spin doctors e jornalistas oscila entre a conflitualidade e a cumplicidade. A explicação para este relacionamento ciclotímico reside no processo de produção noticiosa, em que, por um lado, assistimos à constante sofisticação das fontes institucionais e, por outro, à diminuição da capacidade de seleção e tratamento da informação pelos jornalistas. Não é, por isso, de estranhar que seja cada vez mais difícil identificar a origem das notícias, o que tem necessariamente implicações ao nível da credibilidade e fidedignidade da informação proveniente dos media. 8 – Como aflorámos há pouco, o spin doctoring é uma atividade amplamente praticada em Portugal. Surge nos inícios dos anos 90, a par com o aparecimento das televisões privadas e do boom jornalístico que se fazia sentir. Contudo, concluímos do conjunto de entrevistas realizadas no âmbito da investigação que tanto o spin doctoring governamental como o partidário não têm o Parlamento como epicentro, nem são realizados maioritariamente pelos assessores de imprensa dos grupos parlamentares. Aliás, os spin doctors que mais ativamente intervêm no Parlamento são os próprios políticos. 9 – As entrevistas permitiram-nos concluir ainda que os assessores de imprensa portugueses mais elogiados e reconhecidos enquanto fontes profissionais nunca foram jornalistas. A experiência em jornalismo não só não é condição sine qua non para se ser assessor/spin doctor como parece, de acordo com a maioria dos entrevistados, penalizar o desempenho na indução noticiosa. 10 – Alguns métodos obscuros do spin doctoring estão na origem de muitas das perversões, os quais têm reflexos negativos na qualidade da democracia e da informação. Como se constatou, a ‘matriz’ de atuação dos spin doctors portugueses vai desde o aconselhamento político e a monitorização dos media, até a ações menos ortodoxas, como o bullying, intimidação e pressão sobre os jornalistas, as “fugas-plantadas”, o uso dos graus de confidencialidade e as campanhas negras como armas de arremesso. Contudo, muitos destes métodos têm, por vezes, um efeito boomerang sobre quem os pratica – os spin 391

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

doctors – ou os cauciona – os governos, os partidos ou os políticos individualmente considerados. 11 – Paradoxalmente, verificou-se que muitos dos entrevistados, políticos, jornalistas e assessores/consultores, definiram o spin doctoring como uma prática da comunicação política positiva e desejável. Aliás, alguns dos assessores/consultores entrevistados assumiram ou aceitaram, de bom-grado, o cunho de spin doctors, conseguindo distinguir e criticar os comportamentos descritos no ponto anterior, por contraposição ao manuseamento lícito (mas sofisticado) de informações políticas com vista à promoção dos seus líderes políticos. 12 – Apesar de utilizarem técnicas baseadas na hiperbolização de factos positivos e na ocultação de factos prejudiciais à imagem dos políticos, os spin doctors portugueses não recorrem, em príncipio, à mentira como estratégia de comunicação. Mentir acarreta um risco elevado para os seus promotores, que podem ser seriamente atingidos pelo ricochete da censura social e política de tais ações. Dada a abrangência e complexidade do tema, não nos foi possível atender a todas as questões colocadas à partida para esta investigação. A diversidade de respostas obtidas nas entrevistas não nos permitiu saber, por exemplo, se de facto as relações pessoais entre assessores/spin doctors e jornalistas potenciam ou pelo menos facilitam a indução de notícias políticas. Embora, como vimos no estudo, os assessores/spin doctors cultivam a proximidade com os jornalistas e procuram um conhecimento profundo das redações, do seu funcionamento e das suas mundividências. Apesar destas e doutras limitações, estamos convencidos de que a investigação aqui plasmada é um contributo substantivo para o conhecimento das formas de atuação dos spin doctors e da influência que exercem na produção noticiosa portuguesa. No atual contexto político-mediático, não nos parece exagerado exigir à opinião pública quer capacidade de aferição da qualidade informativa, quer sagacidade na avaliação da conduta dos políticos. Há que separar o trigo do joio: o bom do mau jornalismo; a política ilusionista 392

do serviço à causa pública. Este é, quanto a nós, o grande desafio das democracias liberais do século XXI. Por outro lado, o próprio jornalismo só tem a ganhar com uma noção mais clara dos propósitos que animam as fontes profissionais, bem como dos meios e métodos de que estas dispõem para defenderem os seus interesses no palco político-mediático. A bem da saúde da democracia e da qualidade da informação, os jornalistas devem saber proteger o seu trabalho dos efeitos produzidos por estratégias de indução de notícias cada vez mais complexas, expeditas e ardilosas. Tanto mais que, em face da revolução tecnológica operada pela internet e pela web 2.0, os riscos de manipulação de notícias por spin doctors são consideravelmente maiores. De resto, o nosso estudo pode ser um bom ponto de partida para outras investigações nesta área mas com focos distintos. Afigura-se importante conhecer, por exemplo, o já referido impacto das novas tecnologias no processo de indução por fontes profissionais – questão que foi apenas aflorada nesta investigação. É nossa convicção, aliás, que a relação entre políticos, assessores e jornalistas deve continuar a merecer a atenção da comunidade académica, sob pena de se aligeirar uma monotorização científica que é fundamental para garantir a veracidade informativa e a qualidade da democracia em Portugal.

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Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

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        Apêndices  

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Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

396

Apêndice 1: Guião para as entrevistas semidirectiva aos assessores de imprensa Breve biografia 1.

Nome:

2.

Idade:

3.

Naturalidade:

4.

Percurso mais relevante:

Definição do campo 5.

O que dizes quando te perguntam a profissão?

6.

Qual é a tua definição de assessoria de imprensa?

7.

Sentes-te mais como um “agente” ao serviço da imprensa ou um “agente” ao

serviço da promoção? 8.

O que achas do modelo brasileiro?

9.

Consegues delimitar as áreas de atuação de um assessor de imprensa?

10. Quais são os pré-requisitos pessoais e profissionais para se ser um bom assessor de imprensa? 11. O que é para ti ter uma “matéria noticiável”? Quais os seus atributos mais importantes? 12. Achas que um assessor de imprensa político tem um comportamento diferente de um empresarial? 13. O assessor de imprensa deve ser um “homem sombra” ou um “porta-voz”? 14. Achas que as redes sociais mudaram alguma coisa na assessoria de imprensa? Técnicas 15. Podes pf descrever como é a tua rotina diária como assessor de imprensa? 16. Podes enumerar quais as técnicas que mais usas no teu dia-a-dia profissional? 17. Achas que todas as técnicas de assessoria que enumeraste, principalmente o press release e a conferência de imprensa, são atuais e eficazes? 18. Qual é a técnica mais importante/eficaz? 19. Achas que o relacionamento pessoal com os jornalistas, editores, diretores é importante para a obtenção de resultados? 20. Um assessor de imprensa que não conhece os jornalistas nunca chegará a ter resultados?

397

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal 21. Consegues definir os passos fundamentais numa estratégia de assessoria mediática política de uma só mensagem ou ação? 22. Consideras as “fugas” uma estratégia? Como as praticas? 23. Então, a prática de selecionar o melhor órgão de comunicação social (especificidade editorial, audiência, etc..) parece-te normal? 24. Do mesmo modo, a escolha de um jornalista (ou um pequeno grupo) a quem dás as “fugas” ou “cachas” também é eticamente correto? 25. E o contrário? Sonegas informação aos jornalistas pouco colaborantes? 26. Quando sai uma notícia negativa sobre o teu assessorado qual à tua reação? 27. Achas que a pressão exercida sobre um jornalista, uma redação ou editoria, resulta? 28. E mentir? A mentira é um meio? 29. Mas parece-te normal e aceitável omitir uma informação? 30. A monitorização da opinião pública é importante? 31. Que técnicas mais utilizas para medires o “pulsar” da opinião pública?

Política 32. Achas que a política deve ser exercida com atenção ao que esses barómetros nos dão? 33. [Se NÃO] Mas assim perdemos as eleições? 34. [Se SIM] Mas assim não governamos? 35. Achas que devemos interferir na escolha da mensagem, conteúdo, imagem do nosso assessorado?

Spin Doctoring 36. Sabes o que é spin doctor? Podes tentar definir? 37. Mas é igual a um assessor de imprensa? O que o diferencia? 38. És um spin doctor?

Jornalismo 39. O que é para ti bom jornalismo (e um bom jornalista)?

398

40. Achas que a assessoria de imprensa está a controlar cada vez mais o campo do jornalismo? Que te parece isso? 41. [Se NÃO] Como explicas os estudos que provam o contrário? 42. [Se SIM] Ficas contente ou preocupado? 43. Este sucesso da assessoria de imprensa parece-te “fruto deste tempo” ou sempre foi assim? 44. Consegues antever qual será o caminho que estas duas áreas (jornalismo e assessoria) vão levar?

399

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal Apêndice 2: Guião para as entrevistas semidirectivas aos jornalistas/editores

Breve biografia 1.

Nome:

2.

Idade:

3.

Naturalidade:

4.

Percurso mais relevante:

Definição do campo 5.

A assessoria de imprensa serve para ajudar jornalistas?

6.

O jornalismo precisa da assessoria de imprensa?

7.

O assessor é um “agente” ao serviço da imprensa ou um “agente” ao serviço da

promoção? 8.

O que achas do modelo brasileiro onde o assessor é jornalista?

9.

O que é para ti um bom assessor de imprensa?

10. Achas que um assessor de imprensa político tem um comportamento diferente de um empresarial? 11. O assessor de imprensa deve ser um “homem sombra” ou um “porta-voz”?

Parlamento 12. Como vês a atuação dos assessores de imprensa dos diferentes grupos parlamentares? 13. Qual o segredo para se manterem tanto tempo com as funções de assessor de imprensa? 14. Achas que o relacionamento pessoal entre os assessores e jornalistas, editores, diretores é importante para o assessor conseguir obter resultados? 15. Um assessor de imprensa que não conhece os jornalistas nunca chegará a ter resultados? 16. Achas aceitável um assessor de imprensa fornecer uma ‘cacha’ a um só jornalista? 17. Então, a prática de selecionar o melhor órgão de comunicação social (especificidade editorial, audiência, etc..) parece-te normal? 18. Do mesmo modo, a escolha de um jornalista (ou um pequeno grupo) a quem dás as “fugas” ou “cachas” também é eticamente correto?

400

19. E o contrário? Sonegar informação aos jornalistas pouco colaborantes? 20. Os assessores de imprensa na Assembleia da República mentem?

Política 21. Achas que a política deve ser exercida com atenção ao que esses barómetros nos dão? 22. [Se NÃO] Mas assim perdemos as eleições? 23. [Se SIM] Mas assim não governamos? 24. Achas que devemos interferir na escolha da mensagem, conteúdo, imagem do nosso assessorado? 25. Quem é o responsável pelo afastamento do cidadão em relação à política: dos políticos? Media? Assessores?

Spin Doctoring 26. Sabes o que é spin doctor? Podes tentar definir? 27. Mas é igual a um assessor de imprensa? O que o diferencia? 28. Há spin doctoring no parlamento? E no Governo? Portugal?

Jornalismo 29. Achas que a assessoria de imprensa está a controlar cada vez mais o campo do jornalismo? Que te parece isso? 30. [Se NÃO] Como explicas os estudos que provam o contrário? 31. [Se SIM] Ficas preocupado? 32. Este sucesso da assessoria de imprensa parece-te “fruto deste tempo” ou sempre foi assim? 33. Consegues antever qual será o caminho que estas duas áreas (jornalismo e assessoria) vão levar?

401

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal Apêndice 3: Guião para as entrevistas semidirectivas a políticos/comentadores

Breve biografia 1.

Nome:

2.

Idade:

3.

Naturalidade:

4.

Percurso mais relevante:

Definição do campo 5.

A assessoria de imprensa serve para ajudar jornalistas ou políticos?

6.

O jornalismo precisa da assessoria de imprensa?

7.

O assessor é um “agente” ao serviço da imprensa ou um “agente” ao serviço da

promoção? 8.

O que achas do modelo brasileiro, onde o assessor é jornalista?

9.

O que é para si um bom assessor de imprensa?

10. E um bom jornalista? 11. Achas que um assessor de imprensa político tem um comportamento diferente de um empresarial? 12. O assessor de imprensa deve ser um “homem sombra” ou um “porta-voz”? Parlamento 13. Como vê a atuação dos assessores de imprensa dos diferentes grupos parlamentares? 14. Qual o segredo para se manterem tanto tempo com as funções de assessor de imprensa? 15. Achas que o relacionamento pessoal entre os assessores e jornalistas, editores, diretores é importante para o assessor conseguir obter resultados? 16. Um assessor de imprensa que não conhece os jornalistas nunca chegará a ter resultados? 17. Acha aceitável um assessor de imprensa fornecer uma ‘cacha’ a um só jornalista? 18. Então, a prática de selecionar o melhor órgão de comunicação social (especificidade editorial, audiência, etc..) parece-lhe normal? 19. Do mesmo modo, a escolha de um jornalista (ou um pequeno grupo) a quem se dá sistematicamente as “fugas” ou “cachas” também é eticamente correto?

402

20. E o contrário? Sonegar informação aos jornalistas pouco colaborantes? 21. Acha que assessores de imprensa na Assembleia da República mentem? E os do Governo? 22. A monitorização da opinião pública é importante? 23. Que técnicas mais utilizas para medires o “pulsar” da opinião pública?

Política 24. Acha que a política deve ser exercida com atenção ao que esses barómetros nos dão? 25. [Se NÃO] Mas assim perdemos as eleições? 26. [Se SIM] Mas assim não governamos? 27. Acha que devemos interferir na escolha da mensagem, conteúdo, imagem do nosso assessorado?

Spin Doctoring 28. Sabe o que é spin doctor? Pode tentar definir? 29. Mas é igual a um assessor de imprensa? O que o diferencia? 30. Há spin doctoring no parlamento? E no Governo?

Jornalismo 31. Acha que a assessoria de imprensa está a controlar cada vez mais o campo do jornalismo? Que lhe parece isso? 32. [Se NÃO] Como explica os estudos que provam o contrário? 33. [Se SIM] Fica preocupado? 34. Este sucesso da assessoria de imprensa parece-te “fruto deste tempo” ou sempre foi assim? 35. Consegue antever qual será o caminho que estas duas áreas (jornalismo e assessoria) vão levar?

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Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

Apêndice 4: Entrevista a António Colaço

Quando estava na assembleia e lhe perguntavam qual a profissão, o que dizia? Qual era a sua profissão? Assessor de imprensa. Qual é a sua definição de assessoria de imprensa? Fundamentalmente, a da mediação. Acho que um assessor de imprensa é alguém que desde logo tem que fazer uma mediação entre quem o convidou para, de alguma forma, abrir caminho para que uma mensagem faça o seu percurso. Fazer a vingança, não é? Fazer com que a mensagem vingue no tempo e possa ter o caminho aberto. E, portanto, o que é que isso implica? Perceber onde é que essa mensagem deve ter... Eu sempre defendi esse conceito, quer dizer, eu acho que o assessor de imprensa, numa primeira fase, tem que participar, na produção do produto, passe a clonagem, neste caso estamos a falar do produto político, portanto, perceber que medidas se quer tomar, se calhar sugerir que face ao contexto em que estamos a viver, há determinadas medidas que podem ser tomadas, justificadas nas leituras que faz do quotidiano, estamos a falar de imprensa, estamos a falar de rádio... Mas acha que é um intermediário que está mais ao serviço da imprensa, ou ao serviço de quem lhe paga o ordenado? Não. Eu estou ao serviço de quem confiou nas minhas capacidades para fazer vencer , fazer valer as mensagens em que acredita. Mas quando há um confronto de interesses, quem serve? Confronto de interesses como? Por exemplo: um jornalista quer uma entrevista mas o seu assessorado não quer. Há um confronto a determinada altura. Quem é que serve? O interesse e o tim ing da imprensa ou o interesse e o tim ing do patrão? Não, antes pelo contrário. Nunca uma entrevista foi dada sem o agrément da pessoa que vai dar a entrevista. E agora, se eu visse (e vi algumas vezes) hesitações da parte do meu líder, falemos assim, em querer dar essa entrevista, se eu achasse que ela era pertinente, eu nunca, nunca deixei de esgotar os meus argumentos até poder convencer da certeza e da oportunidade dessa entrevista. Também aconteceu o contrário, quando eu vim para aqui, para a assembleia. Lembro-me, por exemplo, de uma questão tão simples como a questão da disponibilização dos números de telemóveis dos deputados para os jornalistas. Eu acompanhei praticamente a TSF a nascer, para além de vir das rádios livres, havia tudo o que isso implicava. Aquela ânsia de querer antecipar os acontecimentos - aquele frenesim – onde se colocavam questões, onde parecia que nós estávamos ao serviço da TSF pelo ritmo, indo ao jogo deles. Se calhar, esse jogo deles poderia não coincidir com o nosso. Portanto isso foi uma luta, para poder fazer ver aos deputados: “Eh pá, desculpem lá, neste momento há aqui solicitações que os deputados estão cá e têm de responder.”

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Conhece o modelo brasileiro, o modelo em que o assessor de imprensa é jornalista ao mesmo tempo? Ah, não pode. Aí sim, há um conflito de interesses... Mas então acha que isso não faz sentido? Não, não, para mim nunca fez sentido. Aliás, eu devo dizer-lhe que passou uma fase até que eu percebesse um pouco desta lógica. Porque eu vim quando isto estava tudo também numa fase muito inicial, em que eu me confrontava, por exemplo, com aquela ideia que uma notícia era para todo o quadro de jornalistas que estavam por ali. E ao principio não foi fácil perceber. O jornalista que escavava com o frenesim de conseguir o scoop, a cacha, e perceber que, ele tinha o direito em si, porque me disse: “eu estou a trabalhar nisto”... Dava cachas, fugas a um e a outro, ou dava sempre a todos? Não, e lá está a tal história, ao principio não foi fácil de gerir. Eu quando percebia que um determinado jornalista estava próximo de um acontecimento, do qual eu sabia o desenvolvimento, como quem diz, estás lá quase e se ele, se ele escavava e ia nesse sentido, eu nunca dificultei informação. Não? Nem que isso prejudicasse o seu líder? Não, não. Não é nesse sentido, porque quando as coisas apareciam já mais do que consumadas, eu próprio beneficiava dessa informação e geria-a com o líder. Atenção! Eu estou é a dizer que quando eram cachas que nós próprios podíamos dar, a este e àquele, isso sim. Deixava cair uma informação... Deixar cair? Deixar cair neste sentido: eu quero valorizar este acontecimento e então eu sei que o melhor meio onde ele faz o seu caminho é, por exemplo na TSF ... Mas aplicava isso? Ou seja, pontualmente? Claro, claro... Mas qual era o critério? Era só por causa da audiência do meio em causa? Não podia ser também o jornalista mais agradável ou menos agradável? Não… Vamos lá ver, o jornalista está inicialmente ligado a um meio, à rádio ou ao sitio onde estava. Certo, audiências é importante, mas também a característica do próprio jornalista, se é mais radical na sua escrita ou se é mais permissivo. Não, aqui o que está em causa é o meio a que se destina, independentemente do jornalista ser mais simpático ou menos simpático, ser mais aguerrido ou menos aguerrido, porque, lá está, o objetivo é valorizar a prestação do grupo, ou do deputado.

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Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal Mas acha que é igual um assessor de imprensa de um partido a um de uma empresa? Em si, em querer valorizar uma mensagem, no “em si” da coisa da notícia, eu acho que estamos ao mesmo nível. Eu quero que seja valorizada a intervenção política do meu grupo político e eu quero que seja valorizada a intervenção empresarial de investimento do meu grupo financeiro... Mas as técnicas são as mesmas? Acha que um assessor de imprensa que trabalha numa empresa toda a vida e de um grupo parlamentar, acha que as técnicas são iguais? Que é que lhe parece? Para colocar a questão das técnicas, também temos de pôr a questão dos interlocutores, quer dizer, estamos a falar na mesma com jornalistas!

(…)

Tinha rotinas no seu posto de trabalho? Sim... Consegue-me destacar, dentro dessas rotinas, as técnicas que achava que funcionavam melhor, ou que mais utilizava para comunicar com os jornalistas? Está a falar de rotinas de comunicação... De comunicação lá no grupo parlamentar. Eu sei quais são, eu trabalhei consigo, mas gostava que me dissesse... Comunicava essencialmente por e-mail, não é? Ou seja, enviava a informação... Sim, tudo bem, mas, vamos antes ao lado humano, à humanização do contacto. Acho que ali foi importante, por exemplo, eu na altura, lembro-me da Helena Vieira, hoje na TSF, antes na Antena 1, que torceu um pé e eu arranjei gelo... Em termos do quotidiano, isso não era feito com o objetivo de... Eu disse sempre que queria defender no meio dos jornalistas, o melhor dos políticos, e no meio dos políticos o melhor dos jornalistas. Isso não quer dizer que, quando se falava da questão da promiscuidade dos corredores de São Bento, a promiscuidade é um facto... as pessoas estão ali há tanto tempo e continuam por lá e isso ás vezes pode... E há essa promiscuidade, vê essa promiscuidade? É evidente que se criam laços de alguma afetividade... Mas também lhe digo que nunca, em nome de nenhuma afetividade, eles deixaram de dar notícias, mesmo que não fossem favoráveis. Mas quero eu dizer que, de alguma forma, por exemplo, se alguém tiver uma coisa boa para “vender”, se calhar ela faz o melhor caminho porque conta, até, com uma espécie de simpatia do próprio jornalista, enquanto ser humano, uma vez que ali se está a definir o quotidiano das pessoas. E pode dizer: “olha, cá está uma medida que pode ajudar” - o próprio jornalista conta isso... Essa era a primeira medida, o quotidiano, fundamental, a forma de relacionamento com as pessoas, preocupar-se com as pessoas. Que eu me lembre, houve uma única

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jornalista que me mandou à merda uma vez, porque era a única televisão que estava na altura. Houve ali uma coisa menos simpática e eu fui lá cima dizer: “Eh pá, desculpem lá” e não sei quê... reclamar e, de alguma forma, abrir a porta para haver um esclarecimento e a pessoa entendeu isso como outra coisa... de resto, pronto, eu nunca deixei de... isto porque estamos a falar de relacionamentos. Agora, em relação ao resto, as novas tecnologias, eu também não sou da primeira geração dos telemóveis, portanto, era mais os telefones... E o telefax... Os e-mails, o fax e tudo isso. Os mails e os sms, e portanto, a partir daí tudo bem. Acha que um relacionamento pessoal, a amizade que tem com um jornalista, facilita a indução? Foi exatamente o que eu acabei de falar, quer dizer, a primeira rotina começa exatamente por essa prevalência ou por esse privilegiar do relacionamento humano. Mas que não pode ser feito a troco de: “eu relaciono-me bem contigo, tu dás-me a notícia” - não é isso, é uma atitude. Mas acha que, independentemente disso, se um assessor tem bom feitio e consegue ter bom relacionamento pessoal, há mais facilidade por parte do jornalista para depois escoar as notícias ou não? Não tenho a mínima dúvida que sim. Eu ainda hoje recebo notícias de pessoas que dizem: “que falta que tu nos fazes... porque tu tinhas uma maneira de abordar...” e não sei quê, e isto não é para me deslumbrar, é... Mas acha que um assessor de imprensa que não conhece os jornalistas, com as técnicas... consegue ter sucesso ou não? Vamos imaginar que um assessor de imprensa cai de “paraquedas”, eu por exemplo. Todos nós temos o primeiro momento em que nos relacionamos uns com os outros. Independentemente de ser jornalista. No caso do primeiro momento de um assessor, não tenho a mínima duvida que é importante. Ele não tem de ser o, ele não tem de ser um ícone... Nem toda a gente pode ser o James Dean... Agora, também não têm que ser homens elefantes ou diabo a quatro... Mas eu acho que, se a pessoa assumir na sua humildade, o que é e, portanto, tiver transparência, eu acho que isso é fundamental. Acha legitima a pressão sobre um jornalista? Legitima a pressão... o que é que entende por pressão? Quando sai uma notícia negativa, se a notícia não corresponder à verdade, liga para o jornalista a dizer que a notícia não era verdadeira, que a informação que não era verdade... fazia isso? Claro. Se tivesse razão, sim. Agora, houve muitas vezes em que também disse: “vamos fazer mil vezes pior por falar. Este é um assunto que se vai esgotar na espuma dos dias”. Mas, dependendo do assunto, o que eu acho é que muitos políticos, eles próprios, a partir de determinada altura, tinham ou ganharam conhecimento com os próprios jornalistas, e portanto, muitas vezes perante isso, o

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Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal assessor era um empecilho, ou pelo menos, tanto podia ajudar como podia ser um empecilho. Mas para o jornalista? Um obstáculo, um obstáculo... Para o jornalista? Sim, para o jornalista, e até para o político que, se calhar, também ele próprio tece o seu quadro de revelações e poderia ser muito mais imediato e muito mais persuasivo com determinado jornalista. Sei lá, estamos a falar dos opinion makers. Spin doctor... o que é para si um spin doctor? Eu confesso-lhe que a expressão em si, eu já lha traduzi e essas coisas todas [doutor do engano]. Não é verdadeira essa correspondência...quer dizer... Não, o que está, está lá, na Wikipédia, atenção, está lá na Wikipédia, exato, meramente a esse nível, agora... Mas o que é para si o spin, já ouviu falar desse termo? Conhece? Sim, sim, sim... E então? A minha noção. Doutor do engano, foi assim que me disse... Oh, a minha noção de alguém que ao fim e ao cabo anda muito próximo, se calhar uma espécie de porta-voz, quer dizer, não é bem porta-voz... Vigarista, charlatão? Não, não, não é isso, mas está a perguntar-me? Não, eu quero o seu conceito, agora não tenha pudor de dizer aquilo que sempre me disse, que é para si o que é o spin doctor. Nunca concordou com isso, pois não? Não é a questão do não concordar... Está mais brando, está a fugir... sempre disse... Não, não estou a fugir. É assim, quando o Jaime Gama fala que eu não correspondo ao spin, ou ao quadro típico... É verdade... Se calhar, eu não cumpro os mesmos objetivos que se reclamam para a intervenção de um spin doctor no quadro em que ele é entendido: alguém que é um mediador entre o sujeito da ação política [e a comunicação social] mas que, de alguma forma, chega a ser o sujeito [da ação política]... e, simultaneamente, uma espécie de porta para ir a Deus.

408

(…)

Quem acha que tem mais poder? Um assessor ou um jornalista? É um jornalista. Mas o assessor não deve ver nisso uma diminuição, antes pelo contrário. Até lhe interessa que haja bons jornalistas, a fazer bom jornalismo... Essa é a segunda pergunta... FIM

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Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

Apêndice 5: Entrevista a António Cunha Vaz

Assessoria de imprensa serve para ajudar os jornalistas? Serve, acho que só serve. Muito mais do que para ajudar os empresários e por uma razão prática. Hoje em dia, com a crise em que estamos... Antigamente geria-se empresas a três anos, planeava-se! Hoje em dia não se planeia, hoje em dia gere-se o dia-a-dia. Os bancos já não emprestam a dez anos. Emprestam a um ano ou a seis meses, a três anos quando é uma ‘super empresa’, com o aval de tudo o que é sócio e por aí fora. Portanto, hoje em dia gere-se o momento! Resultado: há menos tempo das fontes diretas, que são os empresários e das outras fontes para falarem com os jornalistas. Se eles não tiverem assessores capazes e que conheçam, por um lado o negócio, e por outro lado também as necessidades dos jornalistas, não conseguem contactar ou comunicar diretamente. O problema que se coloca é (ou melhor, a dúvida que às vezes se coloca é): será que uma assessoria de imprensa externa tem o mesmo ou algum problema maior do que a assessoria de imprensa interna? Não vejo isso. Eu nunca fui jornalista... Não? Trabalhei sempre na área de comunicação, dentro de instituições como a Comissão Europeia, primeiro, e empresas, depois. O que aconteceu foi que a determinada altura achei que devia ter a minha empresa e propus a quatro dos meus clientes de então, dos meus empregadores (porque eu era administrador da ONI) propus aos quatro acionistas se queriam, ou se me autorizavam, a construir uma empresa fora e passarem a trabalhar comigo diretamente. Três deles aceitaram, um não aceitou, e fiquei com três clientes para arrancar. Arranquei com três clientes fora. O que eu fiz foi externalizar, no fundo, aquilo que a técnicas de gestão hoje em dia mandam fazer. Mudar dead count para FSE, isto é, eu passei a ser um custo externo das empresas, um fornecedor de serviços externos e as empresas tiraram um quadro qualificado de dentro. O assessor de imprensa é um agente mais ao serviço de quem lhe paga o ordenado ou do jornalista? Tenho para mim que essa é uma falsa questão. Os jornalistas, se forem sérios - e há muitos sérios, como em todas as profissões há muita gente séria. Da mesma maneira que há muitos maus, como em todas as profissões, há muita gente má. Embora os jornalistas não gostem que se diga que há muitos maus. Como dizia, os jornalistas se forem sérios são a última fronteira da verdade. Portanto, se o assessor de imprensa se portar com seriedade com o jornalista sério não há nenhuma barreira. Eles são facilitadores do trabalho do jornalista. Mas se o assessor de imprensa for um manhoso, como o era de facto antigamente, há 20 anos atrás ou isso, como é que se faz assessoria de imprensa? “Eu sou amigo do jornalista X no jornal Y na rádio Z!” etc. Era por amigos. E não se deve fazer nada por amigos. Isto é aliás característica de Portugal, que é um país em que muita coisa se faz pela informalidade dos contactos e não deve ser assim.

410

(…)

O que é para si um bom assessor de imprensa ? É sobretudo aquele individuo que conhece muito bem os dossiers do cliente que está a assessorar, que tem uma relação estritamente profissional com os jornalistas que tratam aquele sector de atividade em que ele está a trabalhar: empresa, institucional ou o que seja, desporto, política, ou o que seja. Tem, como dizia, uma relação estritamente profissional, não tem relações pessoais. Eu sei que é mais fácil se tiver relações pessoais: telefona e pede um jeitinho. Ajuda? Ajuda, mas ajuda para aquela coisa: “põe-me a subir, uma setinha a subir!” Quem pede para por uma setinha a subir, esquece-se que na semana seguinte também pode ter uma setinha para baixo. Então acha que as relações pessoais entre um jornalista e um assessor não facilitam? Facilitam! No momento, facilitam. Mas para ser uma relação profissional não facilitam, porque senão vamos continuar sempre naquela... Não, mas espere aí, profissional? Classifique-me isso, resultados? Estritamente! Vou dar-lhe um exemplo... Mas não é isso que esta em causa, o problema é...

(…)

No fim quem é que apresenta o clipping mais grosso? O que conhece jornalistas ou o que tem melhor relação profissional? A minha resposta é claramente aí. É que o clipping mais grosso não é necessariamente o melhor clipping, porque tenho um escritório apenas com duas pessoas no Reino Unido, tenho um escritório com cinco pessoas em Bogotá, um com vinte e sete em Espanha... mentira, agora não tenho vinte e sete, tenho dezanove. Mas tenho um com nove em Angola, seis em Maputo, dois em Cabo Verde e em nenhum desses países tenho o peso que tenho em Portugal. Mas quando um cliente grande, cotado, vai fazer um road show a Londres, consigo montar uma operação em Londres e não sou amigo dos jornalistas de Londres. Desde que a matéria seja interessante, que o produto seja interessante, desde que o cliente seja credível, a gente monta. Por isso é que defendo sempre uma coisa: as empresas de comunicação, ao contrário do que alguns dos meus supostos concorrentes dizem (porque são ex-jornalistas que têm empresas de comunicação, não sabem o que é ser empresário) as empresas de comunicação são empresas como as outras, isto é, têm de se auto promover, têm de

411

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal se vender no mercado, com seriedade, com trabalho sério, com competência, e nunca com relações pessoais. Nunca podem pôr, como alguns põem, a lista dos jornalistas que são amigos deles, nas propostas. Eh pá, não é assim. Pois isso, isso é uma coisa... São situações... mas põe... Isso já não existe... Existe, existe, ainda há poucos dias atrás...

(…)

E um assessor de imprensa político é diferente de um assessor de imprensa empresarial? É claro que é! Acho que um assessor de imprensa político tem de ser, ele mesmo, também um bocadinho político! Em quê? É gostar de política e não é só ser o papagaio do líder político, é conseguir pensar política. Isto é, se o líder político diz que hoje vai dar uma volta pelas freguesias A, B, C, D e E, ele faz isto: tem de pensar mais além. Não vai só convocar os jornalistas para estarem lá presentes. Ele, quando convocar os jornalistas, tem de conhecer qual é a estrutura sócio económica dessas freguesias, etária dessas freguesias... Utiliza as mesmas técnicas, por exemplo, de assessoria de imprensa de um assessor empresarial, ou acha que são diferentes? Não, ele utiliza as mesmas técnicas. O que acho é que tem de haver alguma flexibilidade. Enquanto o assessor de imprensa de uma entidade empresarial tem de ter um conhecimento de sector em geral, tem de ter conhecimento dos números da empresa de cima a baixo, saber qual é o plano de negócios da empresa etc. Aqui (na política) além de saber qual é o “plano de negócios” do político, isto é, qual é a estratégia do político e o programa do político, o assessor de imprensa do político tem de ser um tipo que tenha um jogo de cintura muito mais amplo. Porque a política não está sujeita às regras da CMVM nem às regras do Banco de Portugal! E não há coisas estritas, não é? Se eu disser que o Pedro Passos Coelho vai oferecer candeeiros a todos os tipos que não têm eletricidade em casa, ninguém me vem cobrar, a não ser nos votos. A CMVM, se eu disser que vou vender ações da Cimpor a metade do preço que elas valem levo uma multa, sou capaz de ser preso, ter inside information ou coisa assim. Portanto, o que acontece é que o assessor de imprensa político tem de ser um político ele mesmo, como costumo dizer, pode não estar a exercer, mas tem de ser um homem com uma capacidade política enorme. Conhece os assessores de imprensa dos grupos parlamentares? Alguns, alguns...

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Como é que os define? Acha que eles são assessores de imprensa? Não. Acho que são escolhidos porque são amigos de pessoas do partido, ou porque são da J, ou porque são... e porque têm de dar emprego a essa gente toda porque já não há tantos empregos assim como adjuntos nos gabinetes, como havia antigamente. Repare, com isto não estou a dizer que não haja bons assessores... Sim... Mas a maioria não são profissionais. São relações públicas? Sim, também já trabalhei num governo, num governo socialista. Fui assessor do José Lamego... Acha aceitável um assessor de imprensa, por exemplo, gerir o seu volume de informação, ou a forma como atende o telefone, dando prioridade a órgãos de comunicação social com mais audiência ou menos audiência? Acha isso aceitável? Acho, acho aceitável. E até acho outra coisa, acho que o assessor de imprensa nesse domínio tem de proteger o seu candidato se for político, o seu empresário, se for uma empresa, o seu presidente de clube, se for um clube, tem de perceber qual é o target que tem de atingir e, em função disso, escolher o meio. E cachas? Dar uma cacha a um e não dar a outros... Acho mais que aceitável, acho mais que aceitável. Sim, é uma prática que vem desde sempre... Desde sempre se fez. E, por exemplo, campanhas negativas em relação aos outros candidatos? Isso não se deve fazer nunca. Vou ser franco eu tenho, eu mesmo, tenho sido alvo de alguns ataques desses e de dizerem que eu faço campanha negativas. Aqui, nesta empresa, ninguém faz campanhas negativas. Uma coisa é eu dizer, se souber que um senhor é meu concorrente e que vigarizou sete pessoas - dizer a verdade. Isso não é uma campanha negativa! Aliás, temos um exemplo claro agora! O que é uma campanha negativa? É colocarem no jornal que o Luís Filipe Menezes, ou que a Câmara de Gaia pagou pareceres para saber se o Luís Filipe Menezes podia ser candidato ou não podia ser candidato? Ou é sair no jornal se isso não é uma campanha negativa, pois supostamente é verdade, porque é uma campanha negativa - que o Rui Moreira está a utilizar uma base de dados da Associação comercial do Porto ou da câmara? Ou da câmara... Exatamente... Ou que tem as agências que trabalham para a câmara... Porquê? Porquê? Se umas coisas são campanhas negativas, outras também o são. Portanto, o que acho é que em Portugal banalizou-se o chavão e criou-se esse mito

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Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal urbano da campanha negativa, ou da campanha negra para usar quando a gente não tem mais desculpa nenhuma. Senão veja, houve um candidato à presidência da Câmara de Lisboa, chamado Carrilho, que perdeu a câmara e escreveu um livro sobre mim. Conheço o livro.. Não é verdade? Aliás, ele foi absolvido em tribunal porque em tribunal disse que nunca me quis ofender e que aquilo eram meras metáforas que ele utilizou para dizer aquilo tudo. Devo dizer-lhe uma coisa: ele diz lá muitas verdades, é a primeira vez que estou a dizer isto... Mas não é um ataque... Não!? Ele especifica em vários sítios, especifica em várias entrevistas que deu e disse que o meu longo braço, que controlava jornalistas e etc... Sim, que controlava jornalistas. É pá, mas não... Aliás, os próprios jornalistas... enfim... E dá os exemplos com nomes concretos de jornalistas.. Sim, aquilo vale o que vale. Deu até exemplos de alguns que nem conheço, confesso. Ele diz que eu controlava a opinião. O Pacheco Pereira, não pode comigo nem pintado, nem à lei da bala! O Miguel Sousa Tavares, não pode comigo nem pintado, nem à lei da bala! Mas acho que a relação de proximidade com os jornalistas às vezes ajuda. Mas quanto maior ela é, mais na fronteira nós estamos da falta de profissionalismo. António, e o Bullying, ou a intimidação, funciona? Temo que sim, embora gostasse muito que não. Temo que sim, embora eu gostasse muito que não, ainda agora foi dito... Quer que eu apague? Não, não. Eu tudo que digo não tem problema.

(…)

Tudo bem. Ainda agora foi dito a umas pessoas que eu estava a ser pago para fazer a campanha do Menezes pela câmara de Gaia e que me estavam a pagar um milhão de euros. Quem me veio contar também me contou quem o tinha dito. E eu liguei à pessoa que o disse e disse-lhe: “Olha, eu vou-te pedir um favor, pá, manda o milhão de euros que depois eu mesmo ponho no jornal isso! Porque se eu estivesse a ganhar um milhão de euros estava perfeitamente a borrifar-me para ti.” Sabe o que é ou conhece o termo spin doctor? Sim.

414

E consegue definir um spin doctor? Acho que não porque... Não é não conseguir definir um spin doctor, é que tudo aquilo que tem sido dito sobre spin doctors em Portugal... As pessoas que o dizem não sabem o que é que quer dizer o termo spin doctor. E portanto, já me chamaram duzentas vezes spin doctor... Mas no seu conceito, o que é? Na sua opinião, o que acha? Porque é que tratam spin doctor a si e não lhe chamam assessor de imprensa ou não lhe chamam estratega da comunicação? Acho que o termo mais correto é esse último que utilizou, não é? Portanto ... Consultor ou estratega da informação? Exatamente, ou uma coisa assim do género. Porque assessor de imprensa é muito limitativo, o assessor de imprensa é o tipo que lida exclusivamente com a imprensa, e na comunicação há muito mais targets e portanto... E outras ferramentas... Exatamente e um tipo tem de olhar para as coisas mais vastamente. É verdade que há um bocadinho de spin doctor em cada um das pessoas que é estratega da comunicação, mas também é verdade que nenhum de nós é especialista em spinning porque há tipos que são verdadeiramente especialistas em spinning, que estudam e trabalham o spinning a sério e que levam os seus candidatos... Aliás, nenhum candidato português tem espírito para ser tratado por um spin doctor a sério, de cima a baixo. Temos um exemplo concreto, ou melhor, vários exemplos. O Dr. Santana Lopes quando estava no governo, quando estava no PSD teve cá um gajo chamado Einhart da Paz, um brasileiro... Lembro-me disso... Era o assessor dele, aliás, foi nessa altura que surgiu aquela campanha negra contar o Sócrates. Isso foi uma campanha negra - contra o Sócrates. Mas aí esse senhor, esse brasileiro... (Aliás, ele depois acabou a fazer aqueles shows meio pornográficos da TVI). Mas esse indivíduo não era um spin doctor, mas no Brasil há excelentes spin doctors, nos Estados Unidos há excelentes spin doctors, na Inglaterra há ótimos. Mas porque lhe chamam spin doctor? Porque se calhar eu faço algum spinning e porque se calhar alguns dos jornalista que escrevem sobre esta matéria ouviram esse termo, acharam engraçado e passaram a utilizá-lo sem saberem o que quer dizer. Mas tem na sua ideia, ou acha que um spin doctor é igual a um assessor de imprensa? Não, de todo... E em Portugal há spin doctoring? Lembro-me que uma vez, um tipo que escrevia no Independente (...) que vivia em Londres, que era da UNITA, ou próximo da UNITA. Ele escrevia uma peças no

415

Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal Independente. Valiam o que valiam, defendia as posições dele, pronto, cada uma delas é defensável. Mas começava as frases sempre neste estilo: “Ontem fui convidado para ir a Buckingham tomar um chá com a família real, na sala estávamos: só sábios éramos sete ...” Mas conhece alguns Portugueses assim? Eu acho que há pessoas que se acham spin doctors. Acho que há pessoas que se acham e que há pessoas que teorizam sobre comunicação. Eu fiz entrevistas a alguns dos seus concorrentes que se afirmaram como tal. Claro, claro que são todos. Há muitos indivíduos que fazem assessoria de imprensa e que acham que fazem comunicação. Há muitos indivíduos que julgam o trabalho das outras agências quando todos nós sabemos que quando trabalhamos com um cliente, muitas vezes o cliente faz o que nós aconselhamos mas a maioria das vezes, em Portugal, pela falta de profissionalismo, faz o que quer, quando quer e como quer. Ouve dez consultores ao mesmo tempo depois de sair da sala com a pessoa que está supostamente a trabalhar profissionalmente com ele. Ouve os dez consultores, a mulher, o gato e o periquito e vai fazer o que lhe apetece. E não obedece à estrutura formal de funcionamento.

(…)

Não tem a ideia que a assessoria de imprensa está cada vez mais a controlar o campo do jornalismo? Não. Acha que é igual? Não, eu acho que cada vez mais os jovens jornalistas são independentes! Acho, ao contrário, que o jornalismo está cada vez mais condicionado por um fosso que ele mesmo cavou – o fosso da notícia fácil e do tabloidismo. E que não o percebeu que a longo prazo ia retirar leitores aos jornais - e isto mais da imprensa escrita do que nas outras. Que ia retirar leitores aos jornais e, portanto, o tipo de noticias falaciosas que muitas vezes publicam... Enfim. Vou-lhe dar um exemplo, um jornal que eu gostava muito, o Público, um jornal de referência antigamente. Eu mostro-lhe nas últimas quatro semanas seis ou sete notícias falsas no Público. Falsas, falsas porque a jornalista - há uma senhora jornalista no Público que escreve coisas sobre televisão falsas. Falsas e que ela sabe que são falsas! Mas não, eu não acho, eu acho que o jornalismo... Os jovens são bons, há muitos jovens e bons jornalistas independentes. Acho é que o têm feito ao jornalismo escrito, que destrói completamente a credibilidade do jornalismo escrito em alguns jornais. Eu não estou a falar do Correio da Manhã. O Correio da Manhã é um dos jornais mais bem feitos do país, para o target que é. O neto matou a avó, três facadas na mulher, paixão não sei do quê... Isso é uma coisa completamente diferente. Claro que faz os seus exageros. A história do Sócrates é completamente exagerada e eu...

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(…)

Mas António, há uma série de estudos que têm vindo a demonstrar o sucesso dos produtos já preparados pela assessoria de imprensa! Mas isso tem tudo a ver com o que eu estava a dizer antes. O jornalismo está em crise, isto é, a imprensa está em crise; os jornais têm cada vez menos jornalistas e como têm cada vez menos jornalistas vamos chegar ao ponto, com certeza iremos chegar a esse ponto, em que muitos dos jornais vão ter duas páginas ou três páginas no final que dizem assim: “comunicados de imprensa”. Acredita nisso? Acredito, acredito porque é o que os jornalistas querem. Então está a dizer... Então, espere aí, em relação à primeira pergunta concorda, cada vez mais, que a assessoria controla... Não, porque aquilo não é jornalismo, os comunicados de imprensa, quem os faz... Mas há ou não há maior facilidade de penetração no espaço público? Não! Repare: hoje em dia, a informação de qualidade, a informação boa, de qualidade, é tão pouca e interessa tão pouco aos jornalistas que os jornalistas o que procuram é porcaria. E quando procuram porcaria, aí sim há facilidade! Vou-lhe dar um exemplo: amanhã se eu disser que alguém foi nomeado administrador da CP mas que tem uma reforma da Caixa, eu faço o Correio da Manhã, a capa. “Reformado da Caixa com mais ordenado que o presidente da CP”. Eu dou-lhe outro exemplo, o Correio da Manhã fez uma capa, atenção é uma capa. Sim... Porque isso sim, isso é a promiscuidade que existe entre o interesse mesquinho do tabloide de vender mais jornais... Mas os seus clientes não ficam satisfeitos com a sua consultoria? É porque tem capacidade de escoar a informação ou de... Mas eu não escoo qualquer tipo de informação. Mas faz press releases, por exemplo? Faço. Então, e eles não entram, não penetram? Muitos penetram... Sim, mas não todos... Muitos sim.

(…)

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Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal

E porquê? E porquê? Já agora pode-me dizer porquê que acha também que não há iniciativa? Isso seria importante. Por duas razões. Primeiro porque há duas gerações de jornalistas: aqueles que antigamente investigavam muito e que já estão numa fase de idade muito avançada e estão mais confortavelmente instalados nos seus lugares, já têm muitas fontes que lhes ligam diretamente. Nem são os assessores, são os patrões. Quem liga aos Nicolaus Santos da vida, aos Antónios Costas e aos Pedros Guerreiros são os patrões que ligam diretamente. E esses não precisam de investigar nada. Depois há os outros gajos, coitados, que querem investigar e não chegam lá. Esses vivem das assessorias de imprensa. Se eu amanhã vou pôr uma notícia no jornal “A” ou no jornal “B”, eu ligo para dois daqueles mais franguinhos e digo assim: “Olha lá, tu queres isto em exclusivo para ti?” ou “Não queres isto em exclusivo para ti?” Tenho um exemplo concreto, não citável...

(…) FIM

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Apêndice 6: Entrevista a Fernando Lima

Quando lhe perguntam que profissão o que diz? Jornalista, sim. Jornalista. E então, qual é a definição de assessoria? Porque foi aquela sempre que eu vivi. O que é que nós procuramos fazer? A assessoria é um trabalho de intermediação entre a entidade onde se trabalha e os meios de comunicação social. Sempre visando a expressão pública da entidade com quem se trabalha. Nem sempre é uma informação política, pode ser uma informação económica, pode ser uma informação social, pode ser uma informação útil à sociedade mas é sempre comunicação. Aliás, os militares têm aquilo a que se chamam informação pública. Os militares, quando dão informação, não dão informação, digamos assim, politizada, dão informação objetiva para que as pessoas vejam a diferença entre informação política e informação pública. Por exemplo, os militares dão isso na diplomacia, chama-se também informação pública, ou diplomacia pública que é fazer informação dentro daquilo que são os parâmetros da diplomacia, sem ser com conceitos ou com a marca política da entidade com quem se está associado. Mas, para todos os efeitos, nós quando estamos no meio dessas duas entidades, estamos sempre preocupados em servir mais uma de ambas. Sim, obviamente que tentamos fazer aquilo que, para mim, se chama fazer com que as duas partes possam sair-se bem. Eu cumpri bem a função em que estou. Se eu colocar melhores notícias, boas notícias, eu estou a cumprir bem o meu papel. Aliás, é uma das coisas que eu descrevo ali. Se a outra parte entende a minha mensagem e se aceita a minha mensagem como boa, também estou a fazer bem, sem violar nenhuma regra, portanto, como eu costumo dizer, cada um cumpre a sua parte. Acha que há limites na atuação do assessor de imprensa, limites de atuação? Há um limite sim, eu tenho sempre de falar a verdade. Não se pode enganar ninguém. A regra é a verdade, sempre a verdade e as pessoas aceitam ou não aceitam. Mas um assessor tem sempre de contar a verdade. E omitir? Omitir...pode não contar-se tudo. Mas isso, ao omitir, deixa-se para o jornalista a habilidade de saber fazer as questões que há de fazer. Por isso, às vezes o facto de não atender um telefonema pode ser estratégico? Hum... é muitas vezes estratégico! A cada momento prefere-se o silêncio a falar. Claro... Porque falar é criar um compromisso. Pois...

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Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal (…)

Sabe porque é que eu lhe pergunto isto? Porque há autores que dizem: “uma regra absoluta de um assessor de imprensa é atender sempre os telefonemas e ser sempre extremamente solícito”. É verdade mas, por vezes, é estratégico não o fazermos porque podemos estar a comprometer a... É verdade, porque pode sempre haver o que existe hoje e que é assim: “mande por email tudo aquilo que quer saber, mas eu não lhe garanto que vá responder hoje”. Porque nós não podemos responder sem ter o domínio completo da história, sob pena de estarmos a validar e de sermos... como dizer? Instrumentalizados... Instrumentalizados e haver, até, uma distorção daquilo que nós dizemos e que nos desfavorece... Acha? Há sempre tempo de resposta... há sempre tempo para a resposta! Sim, até se formos por aí... Há prioridade de respostas? Sim, mas eu também quando digo que há sempre tempo de resposta isso quer dizer que um compasso de espera é mais importante do que uma precipitação. Porque, hoje, a primeira resposta que se dá é a resposta marcante. Às vezes não. É sempre a resposta marcante. Depois, o resto são remendos que temos de fazer se a história aparece num modo diferente do que foi transmitido. Claro... Eu também posso duvidar dos processos de procedimento, digamos assim, dos jornalistas, não é assim? Até porque também sabe que a primeira fonte é quem define, não é? Sabe, eu dou-lhe um exemplo e digo isso. Hoje nós vemos os jornalistas que recebem dossiers, é claro. E depois, qual é a tarefa que lhes cabe? “Agora você com este dossier vai chatear o gajo” ou a quem faz o dossier, que não é jornalista, e que não se pode mostrar, e depois o jornalista vai chatear... Não, nós atribuímos as fontes, claro. Então é o jornalista que depois vai chatear, o papel do jornalista é esse. É validar a informação que nós demos? Sim, sim, e pronto, é chatear a pessoa. Acha que há pré-requisitos nas características pessoais para ser assessor de imprensa? Há! Uma das coisas é a pessoa saber que quando muda do jornalismo para ser assessor de imprensa, que aí passou para uma outra posição. E, portanto, fazer o

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jornalismo, digamos, oficial ou o jornalismo, digamos, de comunicação pública, etc. não é a mesma coisa que fazer o jornalismo “jornalismo”, que no fundo... Concorda com a expressão passar para o lado negro, concorda com essa expressão? Não, não, são formas diferentes de atuar. Não? Mas sabe que são assim apelidados? Sim, eu sei, eles até dizem, chamam, há uma expressão, chamadas “envolvendor”, que é a pessoa que vai e volta e tal, que é a pessoa que esteve ali e depois voltou. Concorda com isso? A entrada e saída de jornalistas para a assessoria de imprensa? Como é que eu hei de dizer? Desde que as regras... Eu não posso dizer que não porque eu estive e voltei à minha origem. Mas não acha que poderia haver um período de nojo, por exemplo? Depende do que nós vamos fazer. E o modelo Brasileiro? Não conheço o modelo. No modelo Brasileiro, tanto o assessor como o jornalista têm carteira profissional de jornalista. São todos jornalistas, e para eles a assessoria de imprensa é jornalismo e por isso têm carteira de jornalista. Qual é o propósito disto? Segundo o sindicato dos jornalistas, que representa os assessores e os jornalistas, ao mandar uma nota de imprensa, têm de colocar o número de carteira profissional, dando credibilidade e responsabilidade à informação. Gosta desse modelo ou parece-lhe estranho? Não, acho que é brasileiro, é do terceiro mundo. Mas espere aí, há uma coisa que lhe digo, eu quando regressei (posso falar de mim) fui fazer uma informação que não me punha em colisão com nada, portanto, vim de uma área de intervenção onde eu podia tirar partido dos meus conhecimentos, das minha relações pessoais. Mas quando saiu do gabinete do primeiro-ministro e foi... Quando saí do gabinete do primeiro-ministro e voltei ao JN, então isso significou que eu pude fazer um trabalho fora da área política em que eu pude beneficiar dos meus conhecimentos, das minhas relações, etc. Percebe? Eu, por exemplo, uma coisa que fui fazer e que depois até ganhei um prémio no JN à conta disso, foi um trabalho sobre figuras cujas famílias tinham história numa profissão. Por exemplo, famílias de diplomatas, de militares, de médicos, de políticos, de... Percebe o que é? Deu para... tinha uma rede de contactos, claro... Uma rede de contactos e muitos confiavam em mim porque me conheciam. Mas também no meu jornal, onde eu estava, as pessoas beneficiaram dos minhas relações pessoais para abrir portas e para obterem informação e etc. E o jornalismo ganhou com isso... Acha que um assessor de imprensa político tem um comportamento igual?

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Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal Isso depende da ética de cada um, eu também já vi jornalistas que foram à política e depois voltaram, um deles, ou dois, no caso do Público, foram fazer política nas áreas de interesse em que eles estiveram. Depende de cada um e da imprensa. Acha que um assessor de imprensa político tem um comportamento igual a um empresarial? Os assessores de imprensa política são iguais aos empresariais? O que trabalha uma marca... São diferentes... São diferentes? Porque o político está sempre sob pressão, tem de ter sempre uma preocupação com a imagem diária e tem de ter sempre a preocupação acerca de quais são as questões que perturbam. E não são só as questões que eu vou ter a favor mas principalmente são as coisas que me vão perturbar. É uma gestão permanente da informação. Num assessor empresarial o planeamento de ações obedece muitas vezes a um calendário, a objetivos e, portanto, é completamente diferente. A não ser que seja uma empresa que esteja, digamos, em intervenção permanente e precise de ter alguém que esteja sempre ali a fazer uma função de proteção. E acha que um assessor de imprensa tem que ter uma postura de porta-voz ou de sombra, mais low profile? Depende. Posso falar por mim. Eu prefiro low profile. E porquê? Porque a figura principal é que tem de ser valorizada e nós não devemos ser fator de desvio. Aliás, isso é o que acontece na Europa. Só na América é que tem o porta-voz e que gere, mesmo os Ingleses, que são mais comunicativos, eles praticam a política do assessor. Nós não vemos a Casa Branca, como é que eu hei de dizer, na América (como a América tem um domínio sobre o mundo, não é?) o porta-voz é uma peça essencial para a afirmação da América no mundo. Enquanto, por exemplo, na Europa nós não o vemos, quer dizer, há obviamente pessoas falam pela entidade mas não têm uma exposição pública. O rei de Espanha tem-no, por exemplo, no antigo jornalista do El País, Xavier Merino (acho que é assim que se chama) que foi muito importante na gestão da crise recente do rei. Mas ele não apareceu como porta-voz, portanto, ele é ali uma figura que dá suporte a ações de comunicação, aquilo que se chama damage control e aquelas coisas todas. E tivemos aqui o Campbell que sobressaiu porque tinha uma relação que vinha de partida. Mas hoje quase nem sabemos quem é o homem do Cameron! Eles também têm a prática das cachas-plantadas? Eles fazem briefings, todos. Uma vez eu fui à Downing Street e estava um grupo de jornalistas cá fora e então os jornalistas iam ao briefing das 11 da manhã e aquilo é feito assim. E cá, também havia essa prática em Portugal? Fizemos briefings com jornalistas... E eram diários? Ou eram sempre que havia necessidade?

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Não, não fazíamos, não tínhamos matéria para isso. Fazíamos uma coisa de um modo diferente. Fizemos os pequenos almoços do primeiro-ministro. E o que é que isto queria dizer? Nós achávamos que o primeiro-ministro não tinha muita rotina daqueles diálogos jornalísticos e então fazíamos pequenos almoços à sexta-feira... Mas, na segunda legislatura ou na primeira? Fizemos sempre. Sempre?! Portanto, o primeiro-ministro, à sexta de manhã, um quarto para as nove, tinha sempre um jornal ou um órgão de informação com três ou quatro jornalistas, ou especialistas sobre uma área: a defesa ou economia ou política. Quer dizer, fizemos isso que tinha uma vantagem e que era, no meio fechado poderem colocar todas as questões à vontade e ele poder responder à vontade. Isso permitiu a evolução dele. A evolução dele aconteceu com esse tipo de diálogos que estabelecemos. Quanto aos briefings, podíamos ter briefings quando havia acontecimentos importantes como, sei lá, uma visita do primeiro-ministro ao estrangeiro, que era importante. Aí fazíamos um briefing sobre as matérias, ou fazíamos um briefing sobre os Conselhos Europeus. Fazíamos um briefing quando havia coisas importantes ou para explicar o que ele fazia. Para comentar a política do dia-a-dia, não! O Dr. Fernando Lima tinha as suas próprias rotinas diárias. Pode descrever-me de uma forma sucinta a sua rotina? A manhã começava em casa a ver o que é que a informação dava. Muito cedo? Sim, já queria chegar lá com uma ideia. Aliás, eu costumo dizer, por graça, que todos os dias tinha duas preocupações. Uma era saber o boletim meteorológico para ver se ia de gabardine ou de guarda chuva. E a segunda era o que eu chamava a questão importante do dia, ou que definia como a ameaça do dia. Era para preparar a resposta à ameaça. E digo ameaça num sentido mais light, como é que hei de dizer, aquela ameaça sem o ser. Sim, o tema dominante negativo... Sim, o tema dominante que nos podia criar dificuldades e, portanto, eu quando saía de casa já queria fazer o percurso entre a minha casa e o gabinete pensando nas coisas. Não queria chegar lá sem saber. Depois eu tinha de fazer a leitura dos jornais para mandar para o primeiro-ministro, fazer a leitura das notícias da agência de notícias para escolher as melhores e criar uma segunda informação para o primeiroministro. Tinha também de ler a imprensa internacional e tentar ver as coisas importantes. Sei lá, havia três ou quatro países cujos jornais eu recebia. Não de todos, mas os principais: Espanha, França, Inglaterra. A hierarquia, a Espanha porque é vizinha, a França porque é outra cultura, a Inglaterra porque tinha que ver com as capacidades de comunicação. Na minha análise fazia uma comparação entre o atrito político, económico e social, a comunicação, etc. Ver como cada gabinete ou cada figura procedia na sua forma de comunicação. Como é que resolviam as situações

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Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal políticas ou outras. Depois, eu próprio fazia notas de análise e notas para intervenções públicas, notas para as entrevistas, para as possíveis questões que pudessem surgir e as respostas possíveis. Não dava comunicados? Ah? Usava o envio de comunicados sistemáticos ou não? Em que sentido? Comunicados que hoje se chama press releases, notas de imprensa sobre assuntos. Não. Não? Nessa altura não faziam? A única coisa que fazíamos era a agenda do dia e quando havia um tema que justificava uma nota de reposta fazíamos...nunca fazíamos notas ou press releases. Não. O que fazíamos era a agenda. Se tivesse de enumerar, dentro daquilo que são tradicionalmente as técnicas de assessor de imprensa, as conferências de imprensa, as viagens, a própria nota de imprensa e o comunicado, quais as técnicas que mais usava para passar a informação? Portanto, as coisas que nós tínhamos: quando tínhamos as viagens, preparávamos os dossiers das viagens, não é? Tinham muita preparação de viagem? Tínhamos. Havia uma visita preparatória, depois trazia as notas essenciais. O programa e as notas essenciais, as questões possíveis, tudo aquilo. E quando fazíamos o briefing para comunicar a viagem dávamos essa informação. Depois, na política interna, decorria muito de relações que mantinha com jornalistas que me procuravam, portanto, eu mantinha um contacto permanente, não só porque atendia chamadas. Porque usávamos as refeições para conversas... E acha que esse relacionamento que tinha com os jornalistas era importante ou não? É sempre importante. É muito importante? Mas é fundamental, ou seja, é crucial na obtenção de resultados? É, porque é assim: ainda há bocado, antes de vir para aqui, estive a almoçar com uma amiga minha jornalista. E, portanto, não lhe dei nenhuma notícia especial, mas deilhe uma perceção das coisas, fiz a minha análise disto, daquilo e daqueloutro. Aliás, ela disse-me algo que até me deixou agradado. Disse: “Gosto sempre de falar consigo porque, estando metido dentro do poder, tem sempre uma visão distanciada das coisas”. E eu expliquei-lhe: “Porque a visão distanciada é a maneira que eu tenho de fazer a entidade ver as coisas pelo lado correto”. Porque, na política, o maior erro que se pode cometer é o chamado wishfull thinking, que é tomar os desejos pela realidade.

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E há uma realidade diferente e nós temos que saber olhar para ela com todos os elementos e detalhes que são definidores dessa realidade. Para depois, quando a abordar, saber abordá-la corretamente. Muito bem. Então acha que um assessor de imprensa que não conhece os jornalistas não terá grandes resultados? Acha isso? Completamente. Cada um tem de criar o seu grupo. Tem de criar o seu grupo e, no seu grupo, muitas vezes, os jornalistas também prestam serviços ao poder. Prestam serviços ao próprio assessor porque, pela análise que eles fazem, quando eu tenho uma conversa com o jornalista, eu também tiro perceções pela análise dele. Também estou a ver quais são as preocupações dele. Também estou a ver em que é que, naquele momento, eles estão interessados, ou como é que eles veem as coisas. E, se calhar, eu tenho de fazer projeções de tiro, como se diz... Considera as fugas-plantadas uma estratégia da assessoria de imprensa? Sim, acho normal. É uma ferramenta usada? Sempre usada. A grande questão não é essa. Eu faço uma fuga e a grande questão é se o órgão para o qual eu faço a fuga respeita a minha informação naquilo que eu quero. Porque se ele não respeita e vira depois a fuga contra mim, eu estou tramado... Isso acontece? Acontecia no tempo do Independente. Eles tinham as fontes que eles cultivavam e em que se apoiavam, mas tinham também outras fontes que eles detestavam. Mas então qual era o papel do assessor de imprensa nisso? Como é que fazemos isso? É assim, quando há uma fuga e há o risco de a fazer, tem de haver um contrato de confiança entre as duas partes, não é? Tem de haver confiança no jornalista e ele também tem de ter confiança em mim. Quando eu faço uma fuga de informação eu depois não vou dar o dito por não dito se aquilo correr mal. Na história das escutas eu nunca desmenti aquilo. Quer que desligue? Eu posso desligar. Não, não. Não tem problema nenhum. Eu nunca desmenti aquilo. Eu sei que é o que disse ao jornalista. Sim, é o trabalho normal de um assessor de imprensa passar informação. Não, mas eu sempre. Depois disse: “O jornalista abusou daquilo”. Não. Eu sei o que é que lhe disse e sei o que aconteceu. Agora, se há um jornalista que é desleal em relação à minha expectativa, pronto, é-o só uma vez, não há segunda vez. Claro, isso é verdade, até porque nós cultivamos ou cortamos relação. Mas está a ver o que eu lhe digo? E isso interessa à questão. Nós temos sempre que correr o risco – temos sempre que correr o risco, não é?

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Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal Claro... sim, é o nosso papel, passar a informação... Agora temos uma expectativa sobre a notícia e sobre o tratamento dela, e damos... O próprio jornalista tem de saber cultivar o assessores, as fontes, porque senão... Agora, se ele for desleal e se eu, no dia seguinte, vir a notícia ao contrário daquilo que eu queria e que, depois, se vira contra mim... E o jornalista diz: “eu vou aproveitar-me disto e depois vou aqui ser desleal”... Pronto, é um risco que eu corri, perdi obviamente... Como é que se reage a isso? Corta-se relações? Não. Deixa-se cair. Deixa-se cair a fonte? Nem se telefona nem nada. Claro... Eu não telefono... Não se alimenta mais, é isso? Então logicamente dentro desta linha a seleção de órgãos de comunicação social para avançar informação é um processo perfeitamente normal. Selecionar o órgão em função do interesse da minha fuga é um processo normal na assessoria de imprensa. É, isso é normal. Se eu tenho uma coisa económica, uma coisa política, uma coisa social, quer dizer, eu escolho. Aliás, há uma regra americana que diz: “a informação sou eu que a faço”. Eu é que faço a informação, eu é que defino as regras e depois o resto... mas eu tenho sempre que contar com a outra parte. Por exemplo, alimenta jornalistas que... Ou acha, falando na generalidade, não falando num caso particular, acha que um assessor de imprensa deve alimentar um jornalista que escreve sistematicamente mal da nossa sociedade? Não, eu vou explicar-lhe, há aquela informação que a pessoa tem de dar, mas não é obrigado a mais nada. A área de informação pública, que é informação pública essencial. Porque a pessoa tem de evitar um clima de hostilidade e, portanto, quando alguém vem diz: “sim senhor, então qual é a ideia?” E a pessoa responde: “ah, é isto ou aquilo”. E eu digo que não tenho mais informação ou então não, recebe e dá. Quer dizer, há informação que eu posso dar, não é? Que é informação pública, que não tem nada de especial, que não tem valor acrescentado. Depois há aquela que eu coloco com valor acrescentado, que é a minha opinião, que é a minha perceção, que é conduzir as coisas, etc. E o bullying? E a pressão quando sai uma noticia negativa, alguma vez já fez isso? Já pressionou? Não, nunca faço. E o que é que acha sobre isso? Das práticas do Campbell? Acho horrível...

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(…)

O que é que acha sobre isso? Ah... não tem a ver com a minha maneira de ser... Não é aceitável a um assessor de imprensa? Mas acha que funciona ou não a pressão? Não. A única coisa que eu posso transmitir à pessoa é que estou dececionado. Ou que a pessoa não foi verdadeira naquilo que escreveu e explicar-lhe. Mas não acredito na... Pressão? Não, não faço isso. Ameaças? Não, isso não faço. Perseguição? Não, isso nunca, nunca. Despromoção? É por isso que eu tenho a consciência muito tranquila, percebe? O seu registo é muito parecido mesmo com o do Bernard Ingham, já leu o livro dele? Sim, sim, eu tenho. Como é que se chama? “kill the Messenger”. “Kill the Messenger”, eu sei, eu li o livro todo e tenho o outro, o outro livro. Sim, o que tem os mandamentos [The Wages os Spin]... e de Ingham? Que eu sou muito das regras do Bernard Ingham! É a mesma escola. Mas eu explicolhe, é assim... Até direita e esquerda, acha que há alguma associação com isso? Tem que ver com isso. Quer falar-me um bocadinho sobre isso, para mim era engraçado perceber. Eu vou-lhe explicar. A esquerda sempre se sente ameaçada, a esquerda funciona de acordo com a ameaça. A direita nunca se sente ameaçada. O Sócrates era um tipo que dava sinais de um tipo acossado, sempre muito acossado, mas que não aguentava a pressão das coisas. Os chineses não aguentam a pressão das coisas, os soviéticos não aprendem. A direita sempre foi a mais, como é que hei de dizer, mais calma, nunca se sentiu ameaçada e coloca as coisas sempre no seu devido lugar. Eu tenho uma máxima chinesa que, aliás, gosto imenso, que diz que “as coisas não são tão graves como à primeira vista parecem”, percebe? E, portanto, é todo um aproach

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Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal calmo e tranquilo, resolve logo o problema, ajuda a resolver o problema, não é resolve, ajuda a resolver. Porquê? Porque a minha, ou nossa relação, a que vamos mostrar com o jornalista começa sempre por ser uma relação essencial para o resto. Porque se eu for ameaçador, por isto ou por aquilo, eu vou ter do outro lado um gajo danado e que me vai dar cabo da vida. Se eu tento fazer tudo ali à força porque não tenho alternativa é uma coisa mas, se eu for um tipo tranquilo a ver as coisas, as pessoas vão encarar, vão olhar para mim como uma pessoa que não se... Mas não tem a ver com a autoridade? Não, a esquerda é muito mais, quer dizer, a esquerda é muito mais coletiva e a direita muito mais individualista. Mas eu dou-lhe um exemplo: a diferença entre o Passos e o Sócrates e a diferença entre o Hollande e o Sarkozy. Eu tenho lá um recorte do Le Monde, um mês depois do Hollande ter ganho as eleições em que perguntaram àquela... a filha do, como é que o gajo se chama?... Martine Aubry, a do secretário geral, o que é que tinha mudado desde a eleição do Hollande. Ela respondeu: “O clima político”. E, se reparar, o Sócrates era um homem que denunciava muito a ameaça, era acossado. E o Passos é um tipo que tem uma lógica completamente diferente, muito mais tranquilo.

(…)

Acha importante a monitorização da opinião pública para as decisões políticas? Sim, para a gente não se enganar. Mas eu, por exemplo, não vejo, ou não imagino o Professor Cavaco Silva a fazer uma coisa dessas, monitorizar a opinião pública para tomar decisões políticas. Não, não, isso... Não acha que o tempo político é diferente? Não, é assim: as pessoas quando têm de fazer as coisas, têm de fazer. Têm de assumir os riscos, mas têm de ter avaliações da perceção das pessoas. Isso era feito? De vez em quando fazíamos sondagens. O PSD fazia, não era o governo... Não era o governo? Por exemplo, para ver a lista de prioridades nas preocupações. Podíamos pensar que a corrupção era a preocupação dos portugueses, mas depois aparecia em terceiro ou quarto lugar. Mas, se calhar, a segurança era uma preocupação ou o desemprego ou a habitação. Mas fazer a governação em função desses desejos, acha isso aceitável? Não, não é fazer da governação a função desses desejos. É para que a gente também tenha o chamado quadro de bordo para saber como é que se deve conduzir. Que é para, sei lá, se eu tenho uma informação muito agressiva numa determinada área, eu

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percebo que aquilo faz mossa mas, se calhar, aquela não é a grande preocupação da opinião pública, entende? Pois, mas então... Mas nunca há nenhuma decisão que possa ser travada com uma sondagem. Mas assim perdemos eleições. Foi por isso que os líderes políticos perderam. Leu isso no meu livro, não leu? Sabe porque é que eles perderam todos as eleições em 95? Os líderes políticos? Eu vou-lhe explicar: em 92 ou 93 a Europa concordou na criação da União Económica e Monetária por causa do Euro e definiu critérios. E depois os países tiveram de fazer adaptação para a convergência. E, obviamente, tiveram de aplicar medidas duras. E todos aqueles que aplicaram, os líderes, a seguir, nas eleições seguintes foram todos... Está a acontecer o mesmo agora... Agora está a acontecer o mesmo, claro. Exatamente o mesmo, eu lembro-me disso E depois há um período mole, que é o período em que a Europa governa pelos mínimos. O jogo, os tratados de Amesterdão e o de Nice, são tratados pelos mínimos. Acha que devemos interferir na escolha da mensagem, do conteúdo e com a imagem do nosso assessorado? Também vi no seu livro, da passagem pela imagem, o cuidado que houve segunda legislatura, dando um ar mais humano, a ida ao Joaquim Letria, na altura... Há um primeiro momento, quando as pessoas não são conhecidas, que é o momento da mensagem. Depois, quando a mensagem já está absorvida, passada, então é o momento da imagem, em que um é o momento mais racional e, outro, o momento mais emocional. Já ouviu falar sobre spin doctoring? Pode tentar definir o que é spin doctoring, ou quem é um spin doctor, o que é que um spin doctor faz? O spin doctor procura sempre influenciar qualquer coisa. Mas é igual ao assessor de imprensa? Depende. O assessor de imprensa pode ser para transmitir informação, comunicação pública, informação publica, ou informação útil e um spin doctor pode ser para fazer a manipulação daquilo que se quer, ou influenciar... O Dr. Fernando Lima foi spin doctor? Passei. Passei mensagens, não fiz só a informação pública, eu sempre passei mensagens. Muitos jornalistas vinham ter comigo para perceber as coisas e eu ao explicar-lhes as coisas estava a passar mensagens. Não tentava influenciar? Hã?

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Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal Não tentava fazer spin doctoring? Eu sempre tentei que as pessoas compreendessem a minha mensagem.

(…)

Ou seja, a atuação política está completamente condicionada pelos média. Pois, porque é assim, uma imagem sobre um polícia a desfazer um tipo é brutal! A gente sabe que é assim, não é? E, portanto, essas coisas são... O que é que quero dizes com isto? Que as coisas, do ponto de vista da... é muito importante para mim que as pessoas percebam porque é que a decisão foi tomada daquela maneira. O que interessa não é o que eu penso. É, mas sim porque é que foi tomada. Porque é que foi tomada, exato. Sim, e sobre o jornalismo agora entra aqui uma das últimas perguntas, da reta final. O que é para si um bom jornalismo? É isso não é? Um bom jornalista é aquele que estuda os assuntos e discute com os políticos de igual para igual. É um tipo que domina as matérias, estuda as matérias e discute com um político de igual para igual. Há muitos jornalistas que vão para políticos, uma vez eu visitei a Dinamarca e o ministro da defesa era um antigo jornalista. Na câmara dos comuns, 60% dos membros tinham sido jornalistas, na década de 70, por exemplo... Mas percebe a ideia? E, portanto, é isso que eu estou a dizer. Acha que cada vez mais a assessoria de imprensa está a controlar o jornalismo? Procuram... Como? Procuram. Procuram. E acha que estão a conseguir? Depende. No caso de Portugal? Num tempo em que o governo é duro e é forte, controlam. Quando o governo não dá tanto valor às questões da comunicação, é mais, quer dizer, o jornalismo respira mais. Quando o governo vive excessivamente preocupado com a comunicação, as assessorias procuram controlar. E vê-se isso na informação. Nós vemos isso, sabemos ver. Pegamos em dois jornais e vemos notícias idênticas. E não é só aquilo que a informação coloca. As mensagens estão ali. Quando um governo não dá, quer dizer, não faz da comunicação a sua prioridade, ou principal prioridade, então sente-se que as assessorias não têm tanta força.

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Mas o que é que se vive hoje, acha que a assessoria de imprensa está, mesmo hoje? Hoje tem muito menos influência que no governo anterior. Tem muito menos porquê? Porque a comunicação é importante, mas não é tão importante. Não é uma obsessão deste governo, aliás, que é permanentemente criticado por isso. Acha que a entrada das redes sociais veio baralhar? Sim, em grande medida. Sabe porquê? Porque aumentaram a pressão sobre... sobre tudo! Aumentaram a pressão, aumentaram o desgaste. Hoje, o tempo de vida é, como uma das coisas que o Bernard Ingham dizia, que o excesso de exposição de uma figura, diminui o tempo de vida política ou do que for dessa figura. Portanto, antigamente, não havia essa pressão tudo tinha um ritmo diferente e um tempo diferente. Hoje é um tempo imediato. Não acha que o spin doctoring quando começa a surgir, nos finais do Ingham, tem que ver muito com a comunicação social ou tem que ver com a culpa do spin doctoring? Não, eu acho que, como aparece muita informação dispersa, é preciso dar-lhe contexto. E o trabalho de um assessor de imprensa é... É preciso lidar com o contexto. Aparece muita informação dispersa, aqui, ali e acolá, portanto, é preciso dar-lhe contexto. Está a ver o que é?

(…)

Para terminar, mesmo a última pergunta, o que é que acha que diferenciou sempre a sua atuação? Olhe, eu... Acho que gostava de... como é que eu hei de dizer? Sempre procurei ter uma relação séria com os jornalistas e sempre fiz uma coisa, que foi nunca desmentir. E sempre fiz uma coisa, também, que foi, saber dar resposta nas situações muito difíceis. Uma das situações mais difíceis que eu tive foi quando se deu o conflito entre polícias, ‘os secos e molhados’. E os jornalistas não podiam imaginar, porrada entre polícia, pancada entre polícias! Então, ligavam para São Bento, para ver o que é que o gabinete do primeiro-ministro tinha para dizer. E eu atendi todas as chamadas. Não... nas situações difíceis tenho como princípio atender todas as chamadas. Pude preparar-me para as respostas, ou para as perguntas, digo melhor. Tive que me preparar para as perguntas, tendo as respostas adequadas e... pronto, é isso, seriedade, o estar presente nas situações difíceis... Como é que eu hei de dizer? Acrescentar raciocínios para fazer ver aos jornalistas as coisas, explicar-lhes as coisas como elas são. Como é que o jornalismo tem reagido em relação a isso, aceita?

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Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal Aceita, aceita! Eu tenho muitos amigos, muitos amigos mesmo entre os jornalistas. Eu estou sempre a ser... estou sempre a ser ou a receber chamadas para ajudar. FIM

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Apêndice 7: Entrevista a Luís Bernardo

Quando trabalhava como assessor de imprensa e lhe perguntavam a profissão, o que respondia? Respondia o que era, apesar de achar que, hoje em dia, mais do que um assessor de imprensa, é um assessor de comunicação. Assessor de imprensa é redutor, ultrapassado e já não se coaduna com a função que efetivamente é mais de comunicação global do que propriamente só a imprensa que é só um dos itens. Se tivesse que definir a assessoria, como o faria? Há duas formas de abordar e acho também que as pessoas fazem as funções. Há uma assessoria de imprensa tradicional e clássica, em que a pessoa limita-se a um papel de fazer ligação com os órgãos de comunicação social e que está completamente ultrapassada. É sobretudo um assessor de comunicação política, um assessor de imprensa com funções institucionais com um governo é alguém que deve ter uma perspetiva global sobre a comunicação, todo o ato, partindo até de um pressuposto de que o processo de comunicação faz parte do processo de decisão política e isso é muito importante. Hoje em dia nas sociedades desenvolvidas a comunicação faz parte e é um dos elementos da decisão política. Um governante pode tomar uma medida acertada, bem pensada, bem estruturada, mas para esta se tornar efetiva e ter efeitos práticos na vida concreta das pessoas, deve saber comunicar através de todas as ferramentas disponíveis. E não só aos órgãos de comunicação social. Isso passa muitas vezes por testar? Ou seja, enviar uma informação para ver a opinião pública, ou passa por análises ou sondagens? Também passa por aí. Por exemplo, uma boa assessoria de imprensa atualmente deve estar bem fundamentada em análises quantitativas e qualitativas. Fazia isso? Em alguns momentos fizemos isso. Com focus group, sondagens? Quantitativas com entrevistas, em que pedíamos a empresas especializadas do setor que soubessem, num universo, normalmente, de quinhentas a mil pessoas, a resposta a algumas questões. E as qualitativas era através de focus group – apesar de focus group têm que ser bem coordenadas e orientadas senão não têm qualquer tipo de efeito prático. Então não concorda com a noção tradicional de assessoria de imprensa que é de ligação entre o assessorado e a imprensa? Parece-me uma noção mais preocupada com o assessorado. Ou preocupa-se em servir a imprensa? Isso é uma perspetiva errada que existe entre os assessores, que estão lá para servir os órgãos de comunicação social – não estão. Isso é completamente errado. É um

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Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal absurdo. Não tem sentido. Os órgãos de comunicação social são um instrumento, um veículo importante. Agora, temos que saber com quem estamos a lidar. Há órgãos de comunicação social que inclusive, não servem para nada, são completamente inexistente e, antes pelo contrário, só servem para desvirtuar a realidade e os contextos em que as coisas se aplicam. Os órgãos de comunicação social têm um papel fundamental no trabalhos dos assessores de imprensa mas não é para isso que eles existem. Não tem qualquer sentido. Um assessor de imprensa, daí é que o nome também está mal, é hoje um assessor de comunicação que tem um papel global, de acompanhamento de aperfeiçoamento da comunicação de para quem se trabalha.

(…)

Conhece o conceito spin doctor? Conheço! Já há muitos anos que existe. Desde que há comunicação há spin doctor. Como é que eu vou tornar mais percetível para o público alvo a que me dirijo... Mas o que é isso? O que é que o distingue do assessor de comunicação ou do assessor de imprensa? Trabalha a mensagem política no sentido de criar figuras de estilo, criar imagens, trabalhar bem... Neste momento, com veículos como a televisão, ou rádio, tem que se ter uma mensagem muito curta e muito clara e que chegue muito rapidamente à compreensão das pessoas. A complexidade do que queremos transmitir, que seja compreendida como um spin, uma frase de 25 segundos, 30 segundos. Quando o spin é mais eficaz e mais forte temos até a garantia que todos os jornalistas vão pegar nele e os órgãos de comunicação social vão pegar e, depois, no segundo nível, é uma comunicação muito mais direta com o público, por que é eficaz e clara, percebe-se logo. Utilizava esse termo, spin, mesmo no dia a dia? Sim. Vamos aqui criar o spin, vamos aqui ver qual é a mensagem do dia. Trabalhar, que é que hoje vamos dizer, como é que vamos torná-lo perceptível para as pessoas e vamos escolher qual é a frase chave do spin. Campbell, em Inglaterra, com Blair, foi nos tempos modernos aquela pessoa que ficou mais ligada a isso. E o Peter Mandelson também... Nós, inclusive, para além do spin, já trabalhamos outra coisa que é associá-la a uma imagem. Vou recordar uma que é o plano tecnológico. Aqui está o plano tecnológico foi associado a uma imagem: a do primeiro –ministro mostrar, na mão, uma disquete. Por vezes associado a um momento importante, pode haver também a utilização de material que se identifique com a mensagem que queremos propor que ainda enriquece mais e fica historicamente fica associado com aquela ideia. Há uma série de autores que identificam mais de 20 características do spin doctor. Umas das mais tradicionais e maiores acusações que fazem é de bullying, a

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pressão sobre a comunicação social face a uma notícia ou outra negativa. E a mentira. Eu não minto. Aliás, o que me permitiu estar estes anos todos como assessor. Mas o que me levou a estar cerca de 15 anos como assessor de imprensa e com uma grande pressão é que eu não minto – isso toda a gente sabe. Isto é, quando não podia dizer, respondia “não posso dar essa informação” ou “só dou a informação que neste momento tenho ou posso”. Mas a pior coisa que pode fazer um assessor de imprensa é mentir. Porque aí o crédito perde-se. Até porque há circunstâncias diferentes – repare, várias vezes dei notícias às três televisões às 7h55, porque há pressões das televisões, e eles abriam as notícias com a informação que eu lhes dava. Agora imagine, para todas saberem, era uma fonte credível e uma informação credível e esta é uma credibilidade à qual devemos estar associados. Não falo apenas do meu caso específico mas em termos globais, da profissão. Isso é fundamental porque o assessor da imprensa tem um papel fundamental de credibilização da mensagem e de credibilidade junto das pessoas com quem contacta, pois no fundo é um relações públicas. Mas porque é que acusam tanto os spin doctors? Então em que é diferente um assessor de imprensa tradicional e um spin doctor? O assessor de imprensa tradicional limita-se a fazer as funções de ligação, de controlar a comunicação no sentido de monitorizar o que sai na imprensa e portanto é um trabalho nessa área. E depois há o trabalho de criar estrategicamente toda a comunicação e divulgação. Começa pela agenda, pela ação, pelos sítios e temas que se escolhe e as frases associadas a esses temas, que novidades se leva, a capacidade de também de percecionar o que sobre cada questão pode ser levantado. E depois as imagens chave. Por exemplo, na candidatura interna do PS, o “novo ciclo” usado pelo António José Seguro foi uma mensagem criada por mim. Na manhã a seguir às eleições e foi do discurso de Sócrates, nunca ninguém percebeu isso. O Sócrates disse “esta é a altura de abrir um novo ciclo”. No dia a seguir de manha, o António José Seguro liga-me e pergunta que mensagem deve veicular. Eu disse “um novo ciclo”. Isto é spin doctoring. Um spin doctor tenta associar logo uma nova situação a uma mudança, a uma frase que, no fundo, abre um espaço. E que identifica a perspetiva de quem vem. Sim, isso foi bem sacado. Isso, quando saiu, era a rutura era representava novidade, não era negativa. Era uma coisa abrangente, sem representar rutura. Outro exemplo, uma coisa que o Marcelo na altura comentou muito era, antes das legislativas de 2009, nós, num comício em Guimarães, arrancamos com um slogan que era “a força da mudança”. Aí nunca foi possível à oposição utilizar “mudança”, porque nós roubamos a “mudança”. Que também foi usada pelo Obama e outros... Acha que o relacionamento pessoal com os jornalistas é importante para obtenção de resultados? É. É fundamental?

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Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal É fundamental. Não deveria ser, mas é. O nível de contacto e confiança que existe de parte a parte. Isto, como em tudo na vida, as pessoas ao fim de alguns anos criam relações de amizade, por vezes, no dia-a-dia. Isso claro que se reflete no trabalho. Posso dizer que em algumas circunstâncias o facto de conversar com alguns jornalistas, influenciou, de uma forma ou de outra, a notícia. Porque percebiam que ter a preocupação de telefonar, e enquadrar, influenciam a notícia. A abordagem... É mais fácil falar com um jornalista que já conhece... Sim, acabo por já os conhecer. Eu ao fim destes anos todos leio uma notícia no jornal e já nem preciso ver quem a fez. Sabe as fontes que as alimentam... Há um conhecimento muito profundo. Claro que é muito importante e tem repercussões práticas. Há que divergir pois o trabalho da televisão é muito diferente do trabalho numa rádio e muito diferente da imprensa escrita. O trabalho de televisão tende, se bem feito, a ser muito mais objetivo. O que leva a que, a utilização da informação que se passa deve ser de forma a ocupar aquele tempo específico, 1m 30s ou 2 minutos. Enquanto no jornal, muitas vezes, não existe essa preocupação. Por muito que se dê informação, se aquela notícia já estiver feita, não vale a pena. Eu sou muito critico da qualidade do jornalismo português, acho que é das piores coisas que há no país (entenda-se imprensa). Mas porquê? Porque existe a perceção de que a verdade só está do lado deles, há um culto da mediocridade, isto é, são preguiçosos, não trabalham, não fazem investigação. Mas também admito que o problema seja também estrutural. Que seja por não lhes serem dados meios, tempo pelas chefias.... até porque é mais fácil, sensacionalista, e vende mais. Mas isso é novo, não foi sempre assim? Isso não é jornalismo? Não. Hoje há mais mediocridade. Porquê? Porque há um nivelamento por baixo. Da mesma forma que o prime time das televisões e é o que é, comparativamente ao passado, a qualidade deteriorou-se. E não é mais fácil de trabalhar do ponto de vista do assessor? Não. Em Portugal isto é por modas. Há dois partidos que são claramente beneficiados em relação aos outros: o PS e o PSD. Tudo o resto não existe. Não há qualquer tipo de equilíbrio.

(…) FIM

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Apêndice 8: Entrevista a Luís Paixão Martins

Começo por perguntar: considera-se mais um Relações Públicas ou um Assessor de Imprensa? Ao longo da sua vida - sei que hoje é mais empresário, mas - imagine-se há uns anos, como se considera? Costumo dizer, para usar uma maneira menos agradável, que hoje sou mais comerciante. Houve uma evolução. Fui uma pessoa dos media, não especialmente um jornalista. Até comecei como locutor ou apresentador de rádio e o jornalismo apareceu depois, com intervalos. Depois, quando deixei o jornalismo, foi para ser assessor de imprensa, ponto final parágrafo. Nessa altura nem sequer tinha o conhecimento, ou uma visão do que é a indústria das relações públicas a nível internacional. Não tinha essa abordagem e a minha ideia era fazer uma assessoria de imprensa. Na altura, praticamente só as grandes organizações é que podiam ter assessores de imprensa porque tinham que ter lá pessoas sentadas e a minha ideia era disponibilizar para quatro ou cinco entidades uma assessoria de imprensa unipessoal, que era eu, e ia dividindo a minha ocupação por essas entidades. Acontece que, entretanto, fui-me formatando ou formando numa lógica mais larga e tornei-me um consultor de comunicação. Muito focado na comunicação através dos media, que é uma coisa relevante a dizer: há várias maneiras de ser consultor de comunicação, ou até de marketing, e a minha sempre foi muito centrada na importância dos media. Os seus accounts, são mais assessores de imprensa ou relações públicas? Em relação à empresa é mais difícil de dizer, porque a empresa é mais multidisciplinar. Mas continuamos a dizer que somos consultores de comunicação. Para ter uma ideia, nós recrutamos acima de tudo em duas escolas: na Escola Superior de Comunicação Social e na Universidade Católica. Nos dois casos, em cursos de comunicação que são muito próximos da comunicação através dos media e hoje em dia das novas ferramentas sociais. Mas no essencial é essa a formação das pessoas que cá temos. Pessoalmente evoluí para um tipo de consultadoria mais larga do que a assessoria de imprensa mas muito focada na repercussão através dos media. Os assessores que geralmente trabalham com os ministros são muito assessores de imprensa e pouco relações públicas? Acho que, no essencial, os assessores de imprensa dos políticos são exclusivamente assessores de imprensa. E isso é bom ou mau? Isso, à partida, provoca logo um problema de recrutamento. A maior parte deles não são profissionais de assessoria de imprensa. São jornalistas que por esta ou aquela razão, às vezes até por razões bastante infantis, os políticos escolheram para trabalhar com eles. Portanto não são pessoas, a maior parte, que têm uma experiência profissional de trabalhar nesta área da comunicação.

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Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal Então defende uma profissionalização. Sim, eu acho que no recrutamento de assessores faz todo o sentido que se vão buscar jornalistas. Mas pensar-se que num dia a pessoa é jornalista e no outro é assessor de imprensa é um erro, que tem consequências. Quando falamos da política, a grande estrutura política com assessores é o Governo. Não falo especificamente dos assessores de imprensa dos partidos, porque é no Governo onde isto se nota mais, no governo, nos gabinetes dos ministros e secretários de estado. Eu não tenho, sobre isso, uma opinião muito positiva.

(…)

Porquê? Porque acho que é um erro pensar-se que só porque é jornalista, é assessor de imprensa. Considero que o ponto de partida para recrutar um assessor é entre o jornalista, mas se este não tiver o mínimo de formação que pode ser dada numa empresa, se não tiver uma equipa de trabalho que já tenha alguma especialização e cair de paraquedas a trabalhar sozinho como assessor, havendo porém pessoas muito diferentes umas das outras, há também um risco grande de o trabalho não produzir resultados. Talvez porque pensa estritamente nas plataformas de comunicação social e não sairá muito disso... Também. O que acontece é que o assessor de imprensa é contratado por causa do networking, ou seja, como é jornalista e conhece jornalistas, a entidade pensa que este irá representá-la junto de jornalistas. Ora, o trabalho de um consultor de comunicação ou assessoria, passa por várias tarefas que não exclusivamente essa. Passa, por exemplo, por ajudar a formatar os conteúdos, passa pela definição de um plano de comunicação e por um conjunto de tarefas que não são exclusivamente aquelas para as quais o networking é estabelecido. Se nos centrarmos mais na ação de promoção que passa exclusivamente pelos media, não acha que nos vamos deparar com um conjunto de técnicas que remontam quase ao tempo do Ivy Lee? Sou mais de outra escola, por causa do Ivy Lee. Para mim, por causa do empirismo, há duas escolas, as Public Relations do Ivy Lee e as do Bernays. O Ivy Lee tem mais um conceito de serviço público. Na base do que ele entende está que, nas organizações – hoje há, nos Estados Unidos, um segmento de oportunidade que é o jornalismo empresarial que reporta à história do Ivy Lee que é: as empresas são obrigadas a criar conteúdos a torná-los públicos, disponibilizam-nos e os jornalistas usam ou não esses conteúdos. Hoje em dia nem é preciso jornalistas para isso, basta publicá-los e as pessoas que os encontrem. A escola do Bernays é mais que as organizações e as elites, todos os interesses, têm a obrigação de nos orientar e organizar o mundo caótico em função da comunicação. Que é uma fórmula que tem

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muita atualidade porque, se há mundo caótico, é o atual. Isto só para dizer que não me fere a sensibilidade encontrar hoje – na minha cabeça estou sempre a recorrer a ele e sei que tenho quase sessenta anos – e recorrer às ideias do Bernays hoje em dia e mesmo as do Ivy Lee. O que mais me faz confusão é uma coisa diferente. O problema não está nos conceitos, está nas técnicas. Os conceitos, discutíveis ou não, são muito ricos e fundam uma disciplina que é a nossa. Se quisermos fazer outra coisa é noutra disciplina, não é nesta. O problema é mais das técnicas. E as técnicas estão muito ultrapassadas. Ainda há 10 anos, se você tinha um problema de comunicação resolvia-o com uma iniciativa: uma entrevista, uma declaração e ficava com a sua vida resolvida. Hoje, desse ponto de vista, é impossível, hoje tem que se multiplicar em contactos para fazer alguma coisa. O mundo hoje já nada tem a ver com o mundo do tempo deles. Já para não falar nos press releases ou nas conferências de imprensa. Hoje já ninguém faz conferências de imprensa... Nós nunca vendemos serviços e nunca nos deixamos contratar para coisas específicas, pontualmente, vendemos sempre uma ideia de um serviço continuado. Hoje é diferente. Mesmo quando o cliente se apercebe que pode ser uma conferência de imprensa, o nosso trabalho começa uma semana antes e termina uma semana depois disso. Isto para dizer que, sendo embora duradouros e resistentes, os conceitos, e por causa disso é que as pessoas são mais importantes, porque criam conceitos que perduram no tempo, as técnicas são diferentes. O que se fazia há 10 anos não se pode fazer agora. Mas não sente que quem faz só assessoria de imprensa ou uma estratégia, a uma determinada altura só está a utilizar quase técnicas como press release ou outras semelhantes? Isso não é mau. O nosso trabalho não é só unipessoal. Aqui, na organização, eu tenho pessoas que só fazem análise. Ou seja, o trabalho e conselho em comunicação em assessoria incluem uma disciplina que é análise. Quando entram aqui, entram como analistas porque lhes dá uma perspetiva e não faz mal ter uma pessoa que o faça – do meu ponto de vista é uma boa formação. Logo à tarde terei o anúncio da iniciativa de um cliente, em que eu pessoalmente dou dois ou três toques no trabalho e digo depois a um assessor de imprensa para tratar do resto – esse assessor não esteve envolvido na preparação, a esta hora da manhã ainda não sabe que logo à tarde vai ter algo para fazer, porque é uma coisa confidencial, não se vai preocupar com os eventuais danos porque isso é uma coisa que é prévia à intervenção dele. A função dele vai ser telefonar a um determinado numero de pessoas e propagar, ou multiplicar os contactos. Fazer o que aqui chamamos de secretariado de assessoria de imprensa não é em si um problema. Chamam secretariado – vender a história? Não é vender, é multiplicar. Você define dois ou três meios que são relevantes para a história e que são críticos ou fundamentais. Depois há mais vinte meios que você coloca numa segunda ou numa terceira linha, para os quais não pode estar a perder tempo, nem eles estão disponíveis para isso, e para os quais manda email, faz chegar

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Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal uma fotografia, dá um telefonema, faz um secretariado ou uma ação mais de apoio à publicação do que uma assessoria de imprensa ativa. Voltando à politica, conhece o conceito de spin doctoring. Consegue definir? Há varias maneiras e a expressão é usada querendo dizer várias coisas ao mesmo tempo – eu às vezes até erradamente, também, sem me preocupar muito com isso. O spin doctoring é uma espécie de descodificador ou, se você quiser, é um manipulador. Ou seja, o Obama faz uma comunicação e nos minutos seguintes, os seus spin doctor e os spin doctors dos outros interesses tentam convencer os jornalistas de uma determinada visão daquela comunicação. Dos aspetos positivos. Mas acha o termo negativo ou positivo? Para mim é um termo positivo. Acho que até é um trabalho bastante relevante na nossa atividade profissional. Aceito que este possa ser visto negativamente, como a expressão public relations ou o marketing pode ser também, quando alguém quer dizer mal de um governo diz: “aquilo é só marketing!”. Tudo pode ser dito de uma maneira que tem um darkside. Porque é que o termo darkside é usado? Eu até acho que até é justo. O darkside sempre foi mais utilizado em relação ao spin... Nunca o vi associado a public relations... mas é por vezes má imagem... A não ser que public relations não seja orientadora. Sim, há vários livros sobre conspiração... Se a sua atividade de PR for uma atividade mecenática... O que chamam agora de green spin doctoring... Sim. Mas então o que distingue o spin doctor de um assessor de imprensa? Não, um assessor de imprensa é uma coisa diferente. Um assessor de imprensa é um tipo que perante... para já é assim, a maior parte dos assessores nem tem um papel pró ativo – passam o dia a receber solicitações de jornalistas e a tentar geri-las. Spin doctor é um bocadinho o oposto disso. É alguém que, a partir de uma iniciativa de comunicação procura formatar uma opinião sobre ela. Nem é divulgar um facto nem promover uma iniciativa – é promover uma interpretação dos factos. Não há semelhança. Em Portugal e no mundo, a situação foi evoluindo, a propósito dos spin doctors, e hoje há um acesso enorme, fora dos gatekeepers. A função de um spin doctor numa fase inicial é uma função de convencimento do gatekeeper. Pegava no telefone, falava com o gatekeeper e dizia “aquilo não é bem assim ou é mais de outra forma”. Tentava induzir no gatekeeper uma determinada ideia a partir de uma comunicação ou de uma iniciativa. Hoje, como o gatekeeper está um pouco em desuso e em queda, ou vai perdendo importância, há um acesso direto dos spin doctors aos destinatários finais através da TV ou do Facebook, blogs, etc..

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(…)

Então voltamos ao inicio da conversa – é mais uma vez contornar a comunicação social para comunicar. Mas pode ser através da comunicação social, o problema é que não é através do jornalismo. Vamos ver: uma coisa é falar com um director para que ele logo à noite, num canal, na opinião dele, ser influenciado pela sua opinião – isso é spin doctor com gatekeeper. Outra coisa é você logo à noite ir a um canal dar a sua opinião de spin doctor – ou seja, ajudar a formatar uma determinada opinião. As nossas televisões, não só cá em Portugal, mas em todo o mundo, estão cheias desse tipo de spin doctors, que não é propriamente o que procura influenciar o jornalista, mas é mais o político, o comentador que vai às televisões. Geralmente, as televisões têm até o cuidado levar ou de formar um painel [de comentadores]. O Presidente da República termina uma comunicação e você ainda não percebeu bem o que ele disse e já tem lá vários tipos, representantes de vários setores, a explicar o que o presidente disse. Considera-se um spin doctor? Às vezes, tem dias. [Gargalhada] Não faço muita assessoria de imprensa porque não tenho já muita pachorra para isso. Mas hoje encontro nos media, nos jornais, coisas escritas, que foram induzidas por conversas que tive ontem. E não acha que há tendência cada vez maior de o jornalismo ser feito por fontes profissionais? Sim. Mas acha que o jornalismo fica pior por essa tendência e dependência? O jornalismo fica pior por várias razões, que não necessariamente essa. Se me disser: “o jornalismo fica pior porque não tem tempo para investigar”, isso não é culpa das fontes profissionais. O que acontece é que há um universo de pessoas que podemos chamar profissionais da comunicação. Nesse universo, há vinte anos atrás havia oitenta por cento que eram jornalistas e vinte que eram outros profissionais. Hoje acontece precisamente o contrário. Há muito mais profissionais de comunicação que não são jornalistas. É natural que haja muito profissionalismo na produção de conteúdos antes de chegar aos jornalistas. Os jornalistas não têm que cavar, hoje dão-lhe num prado cheio de relva e cheio de coisas bonitas. Aceito que isso possa ser negativo em alguns casos, como em tudo na vida. Mas não será por culpa do profissionalismo dos assessores de imprensa é mais por culpa da falta de meios, do que por demérito do jornalismo. Andamos sempre a descobrir o mundo. Deixei de ser jornalista e passei a ser assessor de imprensa com esse raciocínio. Em 1986, ou 85, por razões que não interessam nada para o caso, trabalhava numa redação, chamada Notícias de Portugal, uma das agências que deu lugar à Lusa. Escrevia coisas, era biscateiro. Trabalhei na ANOP durante meia dúzia de anos e depois deixei de ser “agencieiro” e passei, em 85, a ser chefe de redação da Notícias de Portugal e, por

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Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal razões que têm a ver com as lutas de poder, deixei de ser chefe de redação e passei a pertencer a uma secção de economia – uma redação à parte. Trabalhei lá três meses. E porquê? Porque descobri que as empresas não estavam preparadas para informar. Era muito difícil a um jornalista de economia, em 1985 ou 86, obter uma informação. Lembro-me, para ter uma ideia, a Colep, a grande fábrica do Ilídio Pinho, foi inaugurada em 85 ou 86, com a presença de Mário Soares - que na altura era primeiro-ministro. E, oito dias antes, não se conseguia que ninguém dissesse, mesmo dois ou três dias antes da inauguração de uma fábrica, saber qual era o valor do investimento, quantos empregados tinha ou para onde exportariam. Hoje isso não acontece. Talvez a justiça seja a única área onde isso não acontece e esteja pouco explorada em termos de assessoria, não acha? Sim, aliás, eles regularmente anunciam que precisam de melhorar a comunicação. Mas regressando foi nessa altura que eu descobri que havia um défice na capacidade de comunicação por parte das empresas. E eu achei interessante. Pensei “vou deixar de ser jornalista e passar a trabalhar com as empresas”. Naquela dia deixou de haver um jornalista disponível para falar com as empresas e passou a haver um assessor de imprensa disponível para preparar as empresa para falar com os jornalistas. Este movimento que eu fiz em 86, muitas gente fez mais tarde. Isto para dizer que as empresas foram-se preparando para falar com os jornalistas. Hoje em dia, há muito profissionalismo da parte de quem comunica. Há ainda outro aspeto que é o seguinte, durante muitos anos entendia-se que a gestão das empresas era sobretudo económico-financeira. O que era um gestor de uma empresa ou de uma grande empresa há vinte anos atrás? Era sobretudo um economista, depois passou a ser um advogado, porque os advogados sabem gerir os dossiês. E agora você encontra muita gente, à frente de grandes companhias, que têm grandes conhecimentos na área da comunicação e que estão lá, muitas vezes, por essa razão. Hoje os acionistas quando querem escolher alguém para presidir a uma companhia, escolhem se a pessoa tem boas relações politicas ou não e depois se a pessoa tem boa imagem ou não, ou seja, se tem boa relação com os media. Muito mais do que para a função económicofinanceira, porque essa função é exercida por um CFO.

(…)

Sim, porque uma das maiores funções da governação é a comunicação... Relação com os acionistas, relação com as partes interessadas, etc. Mas isto é só para dizer que não é só por culpa dos profissionais do nosso ofício que há este sentido. É também porque a comunicação se tornou tão importante que não pode ficar apenas na mão dos jornalistas. É importante demais. Um cliente disse numa entrevista que o marketing é uma função tão relevante para a companhia que não pode ficar apenas nas mãos do diretor de marketing. Do mesmo modo, posso dizer que a comunicação é demasiado importante para a sociedade para estar exclusivamente na mão dos jornalistas.

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Acha que uma relação pessoal que possa existir entre um account e um jornalista pode ser benéfico? Sim. E é fundamental? Sim é. A gente não lhes chama account, porque isso é da publicidade. Chamamos assessores, consultores. Não temos uma hierarquia ou carreira formal mas temos analistas, gestores juniores, gestores seniores, assessores e consultores. E também diretores. Mas a questão do networking é muito importante. Não apenas no que diz respeito à relação com os media. É em relação a todos os públicos a questão do networking é muito importante. Mas a melhor pessoa para comunicar com jornalistas é o assessor de imprensa, não é o protagonista. Os jornalistas têm todo o direito ou toda a razão de passar por cima de nós ou ao lado de nós. Ainda ontem tomei um café com duas jornalistas que queriam falar com um cliente meu, conhecer pessoalmente para poderem passar a falar diretamente com ele. Acho isso justo e legítimo. Do nosso ponto de vista, também é justo e legítimo procurar fazer o contrário, que é profissionalizar a nossa relação com os jornalistas. Porque assim os nossos clientes ficam melhor defendidos. Mas isso não é controlar? Talvez, sim. Depois há um segundo aspeto, que é o aspeto do poder. Eu não tenho poder nenhum sobre um jornalista. Mas há uma questão de hierarquia social. Eu acho que um tipo que é ministro, por exemplo, independentemente da maneira como ele é, e estamos a falar de um tipo que até é pouco majestático, é um porreiro, é um poder e na sua relação com os jornalistas tenderá sempre, mesmo que ele diga as coisas mais banais, tenderá sempre a ser encarado como ameaça ou manifestações de poder. No caso de um assessor de imprensa, independentemente de ser um assessor de imprensa de maior relevo, porque até há assessores de impressa que são... Equiparados a ministros? Não, que não têm especial relevo. Há outros que até têm muito relevo. Pois, equiparados a ministros como o Bernard Ingham ou o Campbell, que eram comparados a ministros. Sim, mas mesmos esses não são vistos da mesma maneira. Há uma diferença muito grande entre poder e influência. O caso que descreveu de tentar travar a relação da jornalista com os ministros, é uma prática que existiu em todos os governos ao longo da história, pelo menos anglo-saxónica. A Thatcher fazia isso. O blackout? Sim, do blackout. Aquilo nunca é bem um blackout. Pois... então eles depois têm acesso à informação através de diferentes graus de confidencialidade?

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Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal Sim. Todos os agentes que comunicam profissionalmente devem fazê-lo de uma maneira organizada e metódica e, portanto, é natural que privilegiem determinados meios em prejuízo de outros e não necessariamente por razões políticas. Porque querem que tenha mais propagação. Ora uma pessoa que quer que uma história tenha mais propagação por determinados meios escolhe com quem interage. Isso acontece sempre. O que ali acontece é um bocadinho diferente. De qualquer forma isso não existe, da parte de um governo, que é dizer-se blackout. Ou seja, blackout é uma coisa diferente, é que mesmo quando os jornalistas contactam, não há qualquer resposta. Estamos a falar de coisas diferentes e isso realmente não existe. Não é possível a uma entidade de interesse público ter esse tipo de comportamentos. Pensar-se que o Pedro Passos Coelho vai dar uma conferência de imprensa e o Público não é convidado, não é verdade... FIM

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Apêndice 9: Entrevista a João Gabriel

Começou então como jornalista na TSF? Não, já tinha tido projetos. Colaborei com o Tempo, uma coisa muito esporádica, ainda na faculdade, colaborei com a revista da Associação Académica de Lisboa, colaborei com uma rádio pirata na Amadora, foi um processo de descoberta. E antes de entrar para assessoria de imprensa? Antes de entrar para assessoria de imprensa estive na TSF - faço a viagem, sou expulso duas vezes de Timor, sou o primeiro jornalista ocidental a entrar em Timor Leste depois do massacre de Santa Cruz, acompanho a guerra na Jugoslávia, ganho o prémio Gazeta em 91 por um trabalho da guerrilha o Sendero Luminoso - depois o Rangel sai e deixa o David como diretor da TSF e vai para a Sic e eu colaboro no início da Sic. Eu estou na TVI a fazer oito biografias políticas em 95, quando recebo o convite do Dr. Sampaio para fazer a primeira campanha à Presidência da República. Portanto, eu quando deixo o jornalismo em 95 é para fazer, com o Dr. Sampaio, a campanha eleitoral para a Presidência da República. Portanto, eu não entro para Belém, eu entro para a campanha eleitoral com o Dr. Sampaio em 95, que foi uma campanha violentíssima do ponto de vista físico, desgastante do pronto de vista político porque, apesar de tudo, Cavaco tinha peso, tinha acabado de deixar o cargo de primeiro-ministro e lembro-me que fizemos três voltas a Portugal e foi uma coisa completamente louca do ponto de vista do desgaste, da mensagem. Então aí começou a ser assessor de imprensa, ou não se sentia como tal? Sim... quer dizer, do ponto de vista formal não. Sentia-me um jornalista que ia fazendo a ponte entre as mensagens a passar e as necessidades que os jornalistas sentiam. Depois dá-se a vitória do Dr. Sampaio e ele aí convidou-me formalmente para continuar. E eu faço aí os dois mandatos. Nessa altura, quando lhe perguntavam a profissão o que respondia? Jornalista. Curioso. E então como é que define assessoria de imprensa? Deixei de dizer jornalista a meio do primeiro mandato do Dr. Sampaio. Mas não havia reação? Não havia jornalistas que diziam “não é jornalista” ? Sentiase como tal? Sentia-me como tal... bem, eu interpretei sempre a assessoria de imprensa e o lugar para o qual fui convidado ainda durante a campanha do Dr. Sampaio como o de um facilitador. Ou seja, é evidente que é necessário potenciar as mensagem positivas e tentar contrariar as mensagens ou notícias negativas do ponto de vista, neste caso, da candidatura do Dr. Sampaio, mas há uma coisa que nunca se deve fazer e julgo que, se o fiz em algumas situações, foi por desconhecimento meu e que é: nunca se deve mentir. É uma regra básica de uma boa assessoria de imprensa. Se a resposta é complicada, é preferível não a dar, a mentir. Porque a mentira vai saber-se. O tempo

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Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal destrói a mentira e, desse ponto de vista, fica comprometida a nossa credibilidade enquanto fonte. É, desse ponto de vista, uma regra básica. O “facilitador” significa ajudar. Mas ajudar mais a quem, aos jornalistas ou ao Dr. Sampaio? Não. O Dr. Sampaio ou o cliente para quem trabalha, como é evidente. Agora, quando há um jornalista, que sistematicamente bate numa parede porque não recebe informação, isso não facilita o trabalho e, portanto, a função do assessor é apontar caminhos – se não pode dar a informação toda, pelo menos aponta um caminho. E é assim que se cria alguma cumplicidade porque a assessoria de imprensa terá mais ou menos eficácia consoante a cumplicidade que se consegue gerar com os jornalistas. Então acha que o segredo da assessoria de imprensa é a relação com os jornalistas? É, sem dúvida nenhuma, a relação com os jornalistas. E não o é domínio da técnica, da escrita, da notícia... O mais importante é o relacionamento? É. O mais importante é o relacionamento porque se é credível para os jornalistas tem mais facilidade em passar a sua mensagem. Mas aí também, para ser credível tem muito trabalho a fazer. E evidentemente voltamos ao pronto inicial – não pode mentir. E porque é que eu digo que é mais importante? Porque uma notícia nunca é a reprodução de um facto, há sempre a manipulação da notícia. Que é que eu quero dizer com o sentido de manipulação? Não é no seu sentido negativo. Ou seja, quando num alinhamento do telejornal é notícia de abertura, ou é notícia do meio ou é notícia de fecho, está a manipular-se. Uma notícia na abertura do telejornal tem mais impacto, tem mais audiência. Ou se é manchete, ou se é numa página par ou ímpar, tudo isso é manipulação e é nesse sentido que o grau de relacionamento que se tem em função da credibilidade que ganha com os jornalistas, em função do grau de transparência, ou de intimidade, enfim... E a capacidade de dar informação? Alimentá-los com frequência? Não acha que é importante? Isso é importante. Aliás, eles só acharão que somos importantes em função da nossa capacidade de lhes dar noticias. Mas há um erro em que as pessoas que recorrem a assessoria de imprensa, quer seja através de agências, quer seja através de jornalistas, ou ex-jornalistas, caem com frequência. Só se pode ser uma boa assessoria de imprensa se a pessoa tiver informação, se a pessoa estiver nos centros de decisão. Que é que eu quero dizer com isso? Nós em Belém – o Dr. Sampaio teve essa lucidez, e vou falar agora no Benfica, o Sr. Luís Filipe Vieira teve essa lucidez – quer as pessoas que trabalhavam a imprensa com o Dr. Sampaio, quer eu agora no Benfica participamos nas reuniões de decisão. É importante. É importante porque nunca se fica sem uma palavra a um jornalista que nos interpela. Sabe qual é o caminho que deve seguir na altura, tem uma capacidade de resposta que não terá se não estiver nos fóruns, sabe-se exatamente quais são as nuances da

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notícia, os contornos, se é mentira, se é verdade, se há um misto... Portanto, há pessoas que pensam que ter um jornalista na estrutura é suficiente, mas isso depois não leva um jornalista, que tem a função de intermediar com a comunicação, para os fóruns de decisão. Conhece o modelo brasileiro? Aquele modelo em que os assessores de imprensa têm carteira de jornalista? Conheço, eu sei que eles têm carteira de jornalista. Vamos lá ver, eu não sou fundamentalista. Não me choca que eles tenham carteira de jornalista. Aliás, eu ainda tenho aquela velha carteira de jornalista. Porque na altura em que era para a entregar houve uma velha discussão sobre quem tinha o poder de receber aquela carteira. Aquilo foi uma confusão na altura, em 95/96. Portanto eu acabei por nunca entregar a carteira. Mas eu não sou fundamentalista. Um assessor de imprensa pode não ter sido jornalista, mas o facto de ter sido jornalista dá-lhe uma capacidade que alguém que não passou por essa experiência não tem. Porquê? Porque percebe a lógica, a mecânica do jornalismo, percebe as necessidades dos jornalistas. Ou seja, liga-me uma rádio e diz-me “eu preciso desta informação” e doulhe aí a informação e preciso de alguém que fale. Portanto, há várias nuances em função do meio e se alguém não passa pela prática não reconhece essas nuances que são necessárias. Para os jornais podem dizer: ponha-me alguém ligado ao processo, mas se for uma agência de notícias, tem que identificar a fonte. Mas acha que um assessor de imprensa que tenha uma boa formação não sabe isso? Eu acho que pode saber. Mas a prática do jornalismo confere uma mais-valia que alguém que não passou por lá não tem. O modelo brasileiro... eu acho que efetivamente quem vai para esses lugares tem que entregar a carteira, quer dizer, não é jornalista. Acha que um assessor de imprensa politico é diferente de um assessor de imprensa empresarial? Não. Do meu ponto de vista há um segredo na assessoria de imprensa. Há um segredo na assessoria de imprensa e há nuances como é evidente para quem estiver na política, no desporto ou na parte empresarial. Que eu também já estive na parte empresarial com a Amorim Turismo. E ainda está ... Estou na parte empresarial, estou com a Media Capital e agora há também um grupo americano que cá está. O segredo é o bom senso. Há nuances específicas em função da área em que se atua, mas basicamente as regras a forma de agir é a mesma, desde que se tenha bom senso. Acha que um assessor de imprensa, independentemente de onde está, deve ter um postura mais low-profile ou deve ser porta-voz? Depende daquilo que se espera.

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Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal Pois, no Benfica era porta-voz, não era? Sim, em algumas situações sou porta-voz. Mas porque se é porta-voz? Há um princípio económico no jornalismo. Aprendi isso na faculdade, que é, eu valorizo mais o primeiro copo de água quando estou com sede, mas essa valorização vai diminuindo à medida que eu bebo o segundo, o terceiro e por aí fora. O valor da palavra é exatamente igual. Valoriza-se muito mais o presidente do Benfica se ele falar pouco, porque sabe-se que quando ele fala tem algo importante para dizer, do que se ele banaliza a palavra. A mesma coisa se aplica ao Ricardo Espírito Santo, ou ao Fernando Ulrich, embora ele ultimamente não tenha estado muito bem... portanto, as instituições podem necessitar de uma assessoria de imprensa no seu sentido mais lato da palavra, ou seja, ser a ponte com os jornalistas, passar informação, filtrar informação; ou podem precisar de alguém que funcione como porta-voz em determinados momentos para não expor o líder. Depende muito do que as instituições necessitem. Pode funcionar-se como porta-voz e assessor de imprensa, pode apenas funcionar-se como assessor de imprensa. Recuando ao tempo do Dr. Sampaio, havia algum ritual diário na assessoria de imprensa? Havia sempre de manhã cedo a leitura dos principais jornais, uma compilação de notícias, comentários, opiniões; havia uma reunião de manhã com ele para passar os vários temas em que ele dava orientações em relação à mensagem que queria passar, em relação ao tema A, B e C – em que ele recebia a informação, embora na verdade ele recebesse pouca informação, porque ele devorava jornais, nacionais e internacionais. Podia não saber naquela altura mas ele tinha sempre muita informação sobre aquilo que era matéria publicada. O que facilita, como é evidente. E tinha também muito a noção das simpatias dos jornalistas da política, ou seja: este é mais de esquerda, ou de direita, ou este nunca dirá muito bem daquilo, ele tinha muito essa noção. Esse era o ritual. Depois havia uma reunião também, não quero falhar à memória, mas era à segunda-feira, ao final da manhã, em que reuníamos um representante por cada uma das assessorias, onde a comunicação social também estava, em que se debatiam os temas. Quantas pessoas eram nessa altura na comunicação? Três. Elisabete, Susana Zarco e eu. No primeiro mandato não estava a Susana, estava o António Manuel, que infelizmente já não está entre nós. E as fugas. São uma ferramenta de trabalho útil? Havia fugas? Não, digamos, as fugas são um instrumento de trabalho útil quando nós conseguimos controlar ou quando somos nós que propositadamente... fazemos a fuga. Mas há muitas fugas sobre as quais não temos controle e aí são prejudiciais. Mas a fuga controlada? Por exemplo, no tempo da Thatcher, o Bernard Ingham, quase toda a informação que fazia circular pela impressa era fugas (havia sempre uma fonte próxima). É ou não fundamental ter essa ferramenta? É fundamental qualquer que seja a área. Desportiva, política ou empresarial. Fundamental! Mas digamos que as equipas de consultoria, e falo da presidência, falo

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de um BES ou falo do Benfica, digamos que são grupos grandes e há sempre particularidades, há pessoas que gostam de ter a sua agenda própria e têm os seus contactos que têm que alimentar também e, portanto, há muita gente em muitas situações a dar a informação e há fugas que penalizam as instituições. E não são controladas pela assessoria de imprensa. E selecionar um órgão ou um jornalista para avançar a informação? Fazer com que os outros órgãos de comunicação não tenham acesso? Acha isso legítimo? Não, que não tenham acesso não. Mas é evidente que em função da... prática e relacionamento com jornalistas que cobrem a presidência da República ou que cobrem o Benfica, é evidente que isso vai ditar a sua seleção. Porque naturalmente, como tem de ser credível para os jornalistas, há os que utilizam a informação que se lhes dá de forma séria e há jornalistas que não o fazem. E fazem um processo de seleção. A partir da terceira ou quarta situação em que dá um informação ao jornalista A e ele deturpa no sentido literal a informação que lhe deu, é natural que você a partir daí comece a fazer uma seleção. É evidente que há determinados jornalistas que nos merecem mais confiança que outros. O que faz aos outros jornalistas que usam de forma mal intencionada a informação que lhe deu? Continua a alimentar um jornalista que não foi leal? Ele passará a ser alimentado quando todos os “santos” forem alimentados. Mas é evidente que há jornalistas que vão ser alimentados antecipadamente. Esses são os que dão garantias de que tratam bem a informação que lhes damos. Isso é um processo natural de seleção. Spin doctoring, já ouviu falar do termo? Sim. Como é que o descreve? O que é para si? O que lhe vem à cabeça – ideias boas, más? Acho que são pessoas que são auxiliares de mensagens que deve ser passadas e que ajudam a escrever determinado tipo de intervenções e ajudam a criar determinado tipo de mensagens. Vamos ver, presidência da República, ou chefe do governo, primeiro-ministro, é evidente que o primeiro-ministro não domina da mesma maneira a defesa, a educação, a cultura e por aí fora. E, portanto, tem de se rodear de pessoas que dominem cada uma dessas áreas e ajudem a conceber determinadas mensagens em função do cenário que se estiver a viver na altura. São, do meu ponto de vista... aliás, vamos reportar-nos ao tempo do Dr. Sampaio, se for ver estão ali 5 volumes (faltam mais 5) das intervenções por ano que ele tinha. Cada um desses volumes recolhe as intervenções mais importantes, mas não são exaustivas, não tem as intervenções todas. Portanto, a quantidade de intervenções que um Presidente da República tem por ano, é incomportável, ou seja, não é ele que as faz. Ou seja, está aí a descrever o Spin Doctor mais como um ghostwriter, não é? É. Mas é isso ou mais do que isso?

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Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal É mais do que isso... Sentia-se um spin Doctor? Na área da comunicação, sim. Ou seja, não ficava ofendido se o chamassem de spin doctor... Não... Mas acha que há uma diferença entre um spin doctor e um assessor de imprensa? Há. Mas ia dizer uma coisa em relação à prática do Dr. Sampaio. Se ele tinha, eu ia dizer a abertura do ano judicial, mas aí é um mau exemplo, porque ele tem formação como advogado e portanto aí era uma coisa que ele dominava, embora recebesse muitas contribuições. Mas não havia nenhuma intervenção que ele fizesse em que a última... ele lia tudo o que lhe davam, mas a redação final era dele. Mas ia a dizer-me, acha que é diferente um assessor de imprensa de um... É, é diferente. Um assessor de imprensa pode limitar-se a ser a tal ponte com os jornalistas, a filtrar a boa da má informação ou a orientar os jornalistas em determinadas direções. O spin doctor não, faz mais do que isso, digamos que em função da área em que é especialista, pode escrever intervenções ou pode redigir mensagens em função do momento político. É mais um estratega. E você sentia-se mais uma assessor de imprensa ou um spin doctor em relação ao Dr. Sampaio? Não, mais um assessor de imprensa. Se quiser, fui mais um spin doctor na questão do Euro 2004. Depende do momento. O Euro 2004 foi um momento muito específico em que por razões diversas se questionou, por exemplo, a construção do Estádio do Dragão, o Plano Diretor, não sei se está lembrado, em que o Dr. Sampaio teve de intervir. Aí sim, aí tive uma intervenção mais ao nível da mensagem e da orientação a ter do que propriamente durante o resto do mandato em que fui mais um assessor de impressa. E a política, acha que a política deve utilizar barómetros para tentar pulsar a opinião pública? É credível isso? A nível de quê? De opiniões, de desejos, de ambições, de sentimentos... O pulsar da opinião pública é importante para o ritmo politico? É. Eu acho que sim mas... O político deve gerir com a imprensa, ter um ritmo como o da imprensa ou acha que há ritmos diferentes, que a política não deve seguir tanto a imprensa... Hoje em dia, digamos que o tempo político está muito condicionado pelo tempo mediático. Há muitos políticos que só atuam em função daquilo que é o seu tempo mediático. Eu acho que isso é um erro. Eu acho que é evidente e fundamental ouvir e sentir quais são as aspirações da opinião pública, mas acho que não se deve ter uma intervenção política apenas em função do telejornal das oito da noite ou em função da

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mediatização da intervenção ou em função daquilo que vai ser aproveitado pela comunicação social. Acho que tem de haver uma preocupação de ser eficaz na mensagem que se passa, ou seja, qualquer político hoje em dia sabe que a peça que vai passar na televisão, e a televisão continua a ser o meio com mais impacto hoje em dia, vai aproveitar 40 segundos, de um discurso de 10 ou 12 minutos. E ele tem que ser eficaz nisso. Tem que saber qual é o parágrafo em que ele tem que resumir e tem que passar a mensagem de forma eficaz. Isso sim. Agora, um político que fique refém do seu tempo mediático, mais cedo ou mais tarde está condenado. E quando eu dizia há pouco que o Dr. Soares e o Dr. Sampaio tinham uma boa prática, quer agora foi contrariada, porque o Professor Cavaco está barricado em Belém, o Dr. Soares e Dr. Sampaio estavam sempre fora de Belém... Porquê? Não sei, eu no caso do Professor Cavaco, aliás, isso não é algo novo. Ele já enquanto primeiro-ministro havia ali uma clausura securitária à volta dele e eu pensava que ele em Belém seria diferente, não foi. Também é verdade que a conjuntura hoje em dia é muito mais complexa do que era no tempo do Dr. Soares ou do Dr. Sampaio mas, mesmo assim, qualquer um deles continuaria a expor-se mais do que o Professor Cavaco. Mas porquê? Não sei. Tem a ver com a personalidade? Acha que os assessores de imprensa também pesam e que o Fernando Lima eventualmente também é mais assim? Ou tem a ver com a personalidade do Professor Cavaco? Tem a ver com a personalidade do Professor Cavaco. E sobre o jornalismo, o que é para si bom jornalismo? É uma pergunta que dava para ficarmos o tempo todo a falar, é lógico... Bom jornalismo, eu diria que é aquele que nos transmite a ideia, eu nem sequer diria de forma isenta, mas diria de forma genuína. Um bom jornalista é aquele que nos transmite um facto da maneira como ele o viu. Porque voltamos à questão do isento – o isento não existe. Por muito que eu possa ser... Por exemplo, houve jornalismo isento quando houve a cobertura de Timor Leste? Não, não houve. Houve um jornalismo totalmente comprometido, emotivo – um jornalismo de causas. Traduziram-se e publicaram-se coisas que não correspondiam na sua totalidade à verdade, por aí fora. Esse é o ponto maior desta questão. Mas é evidente que se pode gostar mais ou menos de determinado político e isso condiciona sempre a maneira como se escreve ou como se relata. Entre os fatores que condicionam o trabalho jornalístico, desde as pressões dentro da própria redação, desde o timing, a pressão de haver um tempo para fazer a notícia, desde as fontes que se utiliza e desde as características pessoais – destas qual acha que pesa mais na tendência ou no desvio de uma notícia?

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Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal É difícil. Repare, o jornalismo hoje é dominado por grupos económicos. O grau de independência do jornalista também depende da condição financeira do grupo em que trabalha. E isso também se aufere em função das vendas e das audiências do grupo em que trabalha. O próprio jornalista também está muitas vezes condicionado pela cacha, ou seja, “eu tenho que dar uma cacha para vender mais e para me afirmar mais no jornal”. Eu não sei quantas cachas é que são desmentidas no dia seguinte. Porque não é bem assim ou é totalmente errado; porque não tem fundamento ou tem fundamento parcial... Isso é um ponto. O segundo ponto é: não há investigação da cacha, é a fonte que dá a cacha. E depois, indo ao seu ponto, eu acho que um jornalista será sempre mais tentado e mais condicionado na sua notícia em função do número de cachas que um determinado político lhe arranja. Não acha também que a assessoria de imprensa, as relações públicas e o spin doctoring têm vindo a tomar o jornalismo? Ou seja, você abre um jornal e nota que aquele fez sair aquela mensagem e outro... Mas lá está, voltamos à questão económica. Nesta altura há redações em que os grupos económicos querem gastar pouco e rentabilizar o produto. Gastar pouco significa prescindir dos que são mais experientes, estão há mais anos na área e ganham mais. E recrutar estagiários que de meio em meio ano vão rodando. Quando as redações estão limitadas a este ponto, significa que o grau de influência das assessorias de imprensa aumenta potencialmente. Evidentemente quando as vê num jornal... Eu diria que um português comum pode não chegar lá. Mas uma pessoas que seja da área, percebe perfeitamente de onde veio a notícia A e a notícia B. Isso é bom ou mau? Isso é mau. Mas acha que há ou menos do que há vinte anos? Há muito mais. Continua a subir sempre a assessoria? Sim E então o futuro do jornalismo, qual será? É uma boa pergunta... Acho que ninguém hoje em dia sabe qual vai ser o futuro do jornalismo. É uma pergunta completamente em aberto, Os proprietários dos meios de comunicação também não sabem. Não sabem como será a evolução dos meios tecnológicos que também o vai determinar muito. Por exemplo, há a Propublica, nos EUA, é um projeto fantástico, em que um grupo de ex-jornalistas de grandes referências americanas, fazem jornalismo para grandes meios de comunicação – podem aproveitar ou não aproveitar. E quem é que financia o projeto? São mecenas e fundações. É extraordinário... não sei se é uma caminho. Mas neste projeto temos a garantia que é um jornalismo completamente independente. Só me esqueci de uma pergunta: usava muito os press releases e comunicados em Belém? Usávamos alguns, mas a tendência, já nessa altura ia noutro sentido.

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Acha que assessoria de imprensa está próxima da propaganda ou é propaganda? Digamos que há determinadas fronteiras em que se tocam. Não é na sua plenitude mas há fronteiras em que se tocam. FIM

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Apêndice 10: Entrevista a Paula Barata

Quando lhe perguntam qual a profissão, o que responde? Muitas vezes depende de quem pergunta. Umas vezes digo assessora, outras digo que trabalho no grupo parlamentar. Talvez por ser uma autodidata não tenha aquela questão de ter que responder assessora de imprensa. Acha-se mais, no seu trabalho, um agente ao serviço da imprensa ou do grupo parlamentar? Do grupo parlamentar. Numa situação de conflito não tem dúvidas em relação ao seu lugar? Não. A assessoria de imprensa de um grupo ou de um partido existe por causa desse grupo ou partido. Em caso de conflito, sou o tipo de pessoa que tenta dirimir esse conflito. Mas de qualquer das maneiras opto pelo grupo parlamentar. Alguma vez sentiu ultrapassar os limites da sua área de atuação? Por exemplo, a pressão. Quando há uma notícia negativa por parte de um órgão de comunicação a sua atitude qual é? Corrigir ou deixar ficar? Não. Não considero a pressão, tenho muito cuidado com isso. Sou, no entanto, capaz de dizer ao jornalista que discordo da forma como a escreveu a notícia ou que até está incorreta. Muitas vezes os jornalistas são capazes de admitir, depois de uma certa argumentação, que não foi a forma mais correta de a fazerem. Mas também há alguns que não o admitem e alegam critérios editoriais. Eu normalmente digo que não estou a questionar critérios editoriais, mas discordo e é apenas isso que lhes transmito. Muitas vezes o partido comunista não tem o tratamento igual a outro partido. Sente isso? Sinto bastante. No caso do partido comunista temos que, muitas vez, trabalhar a dobrar para conseguir ter resultados do ponto de vista da imprensa e mediático. Temos que andar sempre em cima e, com isto, não digo do jornalista como pessoa ou do meio. Temos um trabalho redobrado de divulgação das iniciativas, não basta mandar uma nota de imprensa. Porque se enviar e não se alertar que houve um envio, ou um email, dilui-se. Acha que o assessor de imprensa deve ser uma figura sombra, low-profile ou ter uma postura mais afirmativa? Do ponto de vista de função assessoria de impressa, deve ter-se uma função mais low-profile: alguém que está na sombra, que faz a ligação entre grupo parlamentar e jornalistas e que tenta gerir essa relação. Depois, há características individuais das pessoas. Eu por natureza sou mais direta com os jornalistas - mas isso tem a ver com as minhas características pessoais. Eu prefiro que me digam “nós não estamos interessados nisso” do que “sim senhora, vou gravar” e não utilizar. Eu sou muito

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direta no meu relacionamento com os jornalistas e gosto que me digam. Mas do ponto de vista da função, estamos aqui para fazer a ligação entre o grupo parlamentar e os jornalistas. É essa a sua definição para assessoria de imprensa? É. Alguém que faz a ligação entre o grupo parlamentar e os jornalistas. Como a faz é algo que o assessor de imprensa não deve divulgar: se tem ou não influência, se tem ou não opinião. Já alguma vez sentiu que passava uma opinião que não correspondia à sua opinião pessoal – defender uma medida politica que não vai de encontro ao que pensa? Tenho uma questão, que é mais uma característica minha, eu para conseguir dizer algo tenho que compreender bem. Evidentemente já aconteceu ter que dizer algo com o qual não estava muito bem de acordo mas a questão não é essa. Desde que eu as entenda...

(…)

Mas nunca houve uma situação em que não concordava mesmo? Não. Teve essa felicidade. Mas acredita que possa haver, noutros grupos parlamentares, medidas políticas com as quais o assessor não concorde. Sim, mas como assessor de imprensa... Como é que acha que se deve comportar o assessor de imprensa? E no dia em que for confrontada com uma situação dessas? Ou continua como assessor de imprensa e portanto tem que fazer vincular a opinião do grupo parlamentar. Ou, se não a quer vincular porque discorda totalmente dela e tem a impressão que não a consegue divulgar convenientemente, então não poderá ser mais assessor desse grupo parlamentar. Em situações pontuais, onde temos que passar informação política com a qual não concordamos, com mais ou menos empenho - passamos a informação. Sim, mas passamos. Porque se a pessoa disser “não passo”, isso colide com a função. Acha importante o relacionamento pessoal com os jornalistas? Acho. Isso facilita? Facilita. Agora depende do que cada um de nós considera relacionamento pessoal. Conhecer a pessoa, tratar pelo nome... e ter convivência social em a pessoa?

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Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal Aí tudo depende, do que é o relacionamento entre as pessoas. Eu acho fundamental conhecer os jornalistas, muitas vezes alimentar conversas do dia a dia, como os filhos, as vidas ou os cansaços... Agora eu tenho por princípio que convívios sociais não tenho. É evidente que tenho em jornadas ou outros acontecimentos. Sou capaz de tomar um café no bar ou assim. Mas não saio – é um limite que eu coloco a mim própria e que acho fundamental para um assessor de imprensa. Acha que um assessor de imprensa, aqui no parlamento, que não conhece os jornalistas tem dificuldades? Tem muitas dificuldades. Se não criar empatia com os jornalistas, os jornalistas fazem-lhe a “vida negra”. Mas eu não conhecia jornalistas que cheguei cá. Não conhecia os jornalistas mas era assessor de um partido que eles tinham que contactar obviamente. Mas eles aceitam ou não aceitam, gostam ou não gostam. Mas também é grave para o jornalista. Quando há um problema entre jornalista e assessor de imprensa pode ser muito complicado o relacionamento. Já ouviu falar de spin doctoring? Não. O termo foi cunhado a partir do assessor de imprensa do Tony Blair. Como capacidade de girar informação. Técnica de manipulação de informação, bullying, pressão, show off ou manobra de diversão para esconder qualquer tipo de acontecimento. Não, nunca ouvi essa expressão. Não acha que a assessoria de imprensa tem vindo a ganhar terreno em relação ao jornalismo? Começam a depender demasiado das assessorias, ou o lugar esta bem delimitado? Uma das grandes discussões que se tem relaciona-se com o facto do jornalismo estar muito dependente dos assessores de imprensa. E está. E porque é que isso acontece? Muitas vezes acontece porque os jornalistas não tem memória histórica, às vezes até recente. E acontece que recorrem a uma assessor de imprensa por uma história básica que ás vezes um trabalho de pesquisa e investigação conseguiriam lá chegar. Acontece que o assessor de imprensa não é só a pessoa que lhes transmite informação mas é, muitas vezes, a pessoa que os ajuda a arranjar o documento que eles não sabiam que existia, ou não sabem como lá ir ter e buscar ou várias coisas. E isso não é mau para o jornalismo? É. Muitas vezes digo-lhes “o vosso grande problema é não ter memoria histórica”. Mas não achas que por esse meio também consegue induzir mais informação quando eles dependem de si?

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Não. Porque eu nunca tive e eles não sentem que eu possa cobrar alguma coisa. O que pode melhorar é, evidentemente, o relacionamento pessoal. Mas esse relacionamento pessoal não se reflete automaticamente na transmissão de informação. Isso não é verdade, pelo menos no meu caso, não sei em relação a outros. Tem ideia sobre as redes sociais e se estas podem vir a alterar a assessoria de imprensa? Na assessoria de imprensa não acredito que mude. Agora as redes são algo novo. Os assessores servem-se delas, muitas vezes, no bom sentido, para a informação que querem divulgar. Porque a informação chega a um maior número de pessoas. Chega aos jornalistas em si, mas depois às pessoas que estão agregadas aos jornalistas – é um veículo de informação muito vasto. Mas eu pessoalmente não considero que as redes sociais sejam o suprassumo de tudo. O que usa para chamar jornalistas. SMS.

(…) FIM

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Apêndice 11: Entrevista a Pedro Sales

Quando lhe perguntam a profissão, o que é que responde? Qual é a sua profissão? Essa é uma boa questão. Perguntaram na escola do meu filho o que é que fazem os pais. Uns miúdos disseram que eram médicos, outros que eram professores, outros trabalhavam no comércio, e o meu filho disse que o pai escreve e fala ao telefone. O que, diga-se de passagem, é uma boa definição do que é ser assessor de imprensa. Gosta do termo relações públicas? Gosta de ser conotado como relações publicas? Eu não sou relações publicas. No dia que fosse um relações publicas, com o meu mau feitio, estava feito, não tenho jeito para isso. Acha que um assessor de imprensa... Mas não tenho nada contra as relações públicas... Nunca foi jornalista? Nunca fui jornalista. Sente-se mais um agente ao serviço da imprensa ou do partido? No fundo, trabalha-se para os dois lados, até porque há uma relação de confiança. A ideia de que os assessores de imprensa são alguém que trabalha realmente para os partidos... (e trabalham), mas a ideia do vale tudo e de que podem ir prejudicar ou enganar os jornalistas, acho que é errada. Tem que haver uma relação de... no primeiro dia em que um jornalista perceber que um assessor de imprensa o está a enganar, esse assessor de imprensa deixa de ser assessor de imprensa porque o jornalista deixa de falar com ele e portanto tem que haver uma... Estava eu a perguntar a definição e você avançou e disse-me que os assessores de imprensa tinham que ter uma posição e não podem mentir, não é? Sim, no primeiro momento que um assessor de imprensa seja apanhado a mentir ou a enganar ou a tentar manipular um jornalista... é assim: a relação de confiança que têm com ele, que é o seu único capital ou o principal, termina. E portanto deixa de ser uma fonte para o jornalista e deixa de ter eficácia, deixa de funcionar como assessor de imprensa e isso é o pior que pode acontecer. É óbvio que o assessor de imprensa tenta proteger e minimizar, diminuir o impacto negativo de certas noticias sobre, neste caso, o partido e apresentá-las, às iniciativas do partido, da forma mais positiva possível mediante os parâmetros. Sim, em termos da verdade... Até porque, como digo, sem os jornalistas não há assessoria de imprensa e, portanto, tem de se perceber que tem que haver uma relação de comunicação entre os dois. Você, tal com eu, nunca foi jornalista mas consegue definir o que é uma informação noticiável? Há uma percepção, até de senso comum, do que é ou não notícia. No grupo parlamentar como é que se escolhe a forma de “embrulhar” um diploma, ou o que quer que seja?

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Há formas de transformar e de tornar algo notícia. Bem, primeiro há narrativas que percorrem determinados momentos da atualidade. Eu lembro-me que, por exemplo, o Bloco de Esquerda, em 2009, apresentou o pacote de reabilitação urbana. Na altura nunca chegou a ser votado mas, depois, quando tentamos levá-lo a votos, já a narrativa oficial era a história do aumento do endividamento em Portugal. Então alteramos, quando apresentamos a iniciativa, (até me lembro que fui eu que tive essa ideia, não vale a pena, agora estar a...) era sempre que o endividamento externo português. O endividamento privado, através da banca, é de cento e vinte por cento do PIB e oitenta por cento disso é o crédito à habitação. O endividamento privado português é superior ao endividamento publico e a esmagadora maioria dele foi consumido, nos últimos anos, com o crédito à habitação (porque não havendo mercado de arrendamento em Lisboa e Porto, que sendo as grandes cidades, quem queria uma casa tinha de a comprar, também porque o crédito era barato e isso era favorecido...). Então nós pegamos nesse foco e quando apresentamos a lei, antes de ela ser votada, que tinha a questão da dinamização dos centros urbanos e a criação de emprego, colocamos a tónica e o foco numa medida que tinha a capacidade de diminuir o endividamento externo português, que é uma prioridade absoluta. Ou seja, escolhe umas quantas narrativas, não é? E tentamos encaixar com as que estão a percorrer a sociedade portuguesa - isso é um exemplo, mas há outros... Sim, de forma a que entrem, mais uma vez, narrativas e enquadramentos para que se adapte à realidade e que seja mais fácil... E para que consiga responder àquilo que são as preocupações das pessoas no que é um momento de ansiedade do próprio país, diga-se. Acha que um assessor de imprensa deve ser mais sombra ou porta-voz? Deve ter mais uma postura de homem na sombra ou, mais, de porta-voz? Sombra. Sombra? Totalmente, eu acho, pelo menos na forma como o bloco funciona. É preciso ver que, no Bloco, não sei como é nos outros partidos mas, na assessoria de imprensa... nós temos três assessores há doze anos. Foi o Jorge Costa, depois foi o Daniel Oliveira, depois fui eu e depois também temos a Catarina Oliveira agora, mais recente. Mas é que a primeira vez que temos dois ao mesmo tempo. Portanto, foi o Jorge, e o Daniel Oliveira e eu. Não sei como é nos outros partidos mas, no nosso caso, acumulam a tarefa de assessoria política com a de assessoria mediática e, portanto, grande parte das frases que os deputados dizem são articuladas com o assessor de imprensa. Diga-se, de passagem, que a grande parte são mesmo do assessor de imprensa. Mas isso é tarefa de sombra porque as caras que são eleitas e as caras que as pessoas conhecem é que têm de aparecer. Acha que o relacionamento pessoal de um assessor de imprensa com os jornalistas facilita a indução de notícias?

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Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal Facilita? A relação pessoal que um assessor tem com o jornalista, facilita a indução de notícias e a publicação? Hum, eles também... Não... Não? Não, isso era... Liga com facilidade, havendo uma história, a alguém que não conhece? Não, o que há é outra questão. Isso são duas questões, acho eu. A primeira: eu acho que os jornalistas não são idiotas e que conseguem perfeitamente separar o plano profissional do plano pessoal – isso, aliás, tanto os assessores de imprensa como os jornalistas. Tentar misturar os dois é péssimo. A acontecer, pode dar-se o contrário, havendo relações, algumas de proximidade, que o próprio jornalista tenta defender e tenta não colocar só notícias dessas pessoas. É verdade e até nós, estamos mais retraídos ás vezes... Exato, a segunda questão é que há determinados títulos e órgãos de comunicação social que prestam uma atenção especial a determinados temas e, portanto, é normal que, se eu tiver uma questão sobre direitos dos homossexuais, não telefone ao Correio da Manhã e, se calhar, telefone ao Público. Se tiver uma questão sobre violência, telefono ao Correio da Manhã e não ao Público. O que há é a tentativa de perceber (e isso ainda a ver com a sua história do que é noticiável ou não) que o que é uma notícia para o Correio da Manhã, pode não o ser para o Público e uma do Diário de Notícias pode não ter o mesmo perfil que é suposto ter no Expresso. Aí há um jornal semanal, etc. Hoje, cada vez mais e tirando as grandes notícias, é preciso perceber que as perguntas que os deputados fazem, os requerimentos, a informação que chega a alguns deputados, o confronto, o facto de termos acesso a um documento que ninguém tem, esse tipo de coisas, cada vez mais, é dado a determinado título, sabendo que é um exclusivo para esse meio, porque este lhe dará maior protagonismo depois. Isso é negociado? Isso é negociado sim: “Isto é só para vocês depois fazerem o entendimento que quiserem...” E se não aceitarem? Se dizerem, “não queremos” ou se disserem “nós agarramos nisso mas metemos na terceira ou na quarta página” ? Isso aí, se quiserem estão à vontade. Dou-lhes na mesma mas já não é exclusivo, ou seja, normalmente quando este tipo de informação acontece, este tipo de negociação, aquilo tem algum tipo de interesse. Esse tipo de exclusivos (o direcionar informação em vez do press release ou da conferência de imprensa) são, concorda, uma das suas principais práticas, não? Sim, hoje em dia cada vez mais, porque os ciclos noticiosos são tão rápidos e há tanta informação a acontecer e são tantos os partidos com assessorias

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comunicacionais. As agências de comunicação tem um... hoje em dia um noticiário das oito horas tem oitenta a noventa notícias, entre as quais eles escolhem quinze ou dezasseis para passar. Portanto, é um mundo concorrencial e tem que se tentar arranjar. A esmagadora maioria das notícias, destas notícias, não chegam aos noticiários da televisão. Não estou a falar disso mas um exemplo é: quando um ministro da saúde nos dá uma resposta a indicar que voltaram as listas de espera, que foi uma coisa que aconteceu em Setembro, demos isso a um jornal, que fez capa e a verdade é que as televisões depois vão atrás da capa do jornal. Antecipa uma informação? Por exemplo, tendo acesso a um dossier que avalia o estado do país num determinado assunto... Sim, podemos dar... E depois entram naquele dia, como iniciativa? Sim, isso aí já não gosto muito. Quando marcamos uma conferência de imprensa, essa matéria nunca damos a ninguém antes porque isso é um desrespeito para com o outros que chegam lá e dizem: “então? Eu cheguei aqui para estar a fazer a notícia que já saiu no jornal X ou Y?”. Isso não, agora, este tipo de informação... eu poderia ter pegado naquela resposta e marcado uma conferência de imprensa. Mas sei que é muito mais impactante a capa de um jornal, sendo que na capa até nem fala do Bloco, ou fala lateralmente no Bloco de Esquerda. Mas tem muito mais impacto essa informação assim. E chama. Os jornais em Portugal vendem muito pouco mas a sua grande força é que são eles, ainda, que continuam a marcar a agenda. Desse ponto de vista é preciso jogar com isso. Eles também sabem isso. Diga-se de passagem que o problema depois aí é outro, na relação dos jornalistas. Até às onze da manhã, as televisões continuam a dizer que a noticia é do jornal - do Diário de Notícias ou do Público - e a partir das onze da manhã aquilo é domínio publico e os jornais aí são completamente prejudicados. Conhece o termo spin doctor? Sim. Consegue definir? Ah... essa aí... Não... é difícil... não há definição. Mas o que é que acha que é? A sua perspectiva... No fundo é dourar a pílula daquilo que temos para vender... embrulhá-lo e vendê-lo de uma forma mais positiva. Digamos que o problema é que o termo spin doctor está particularmente ligado a uma pessoa em concreto, que era o assessor de imprensa do... O Campbell! O Campbell e pelos aspetos mais negativos do Tony Blair, aliás há um livro sobre isso, não é? Aliás, aí a história é bastante negativa porque mete mortes e conspiração e CIA, etc. É o caso do Dr. Kelly?

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Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal Exatamente e, portanto, acho que o termo está contaminado por causa disso. Acho que, no fundo, é isso. Agora, o problema é que a própria ideia de spin é por tudo à roda, para que não se perceba nada, não é? Acho que era um bocado o que fazia, nos seus piores momentos, o assessor do Tony Blair. Mas você não acha que faz spin? Todos nós fazemos, todos nós tentamos, acho eu, todos nós tentamos, em determinados momentos, associar qualquer questão a... ou seja, exacerbar o papel de para quem trabalhamos e diminuir quando é uma questão negativa. Também é um bocadinho mais, é de perceber que em determinados momentos convém ter, criar narrativas, digamos... Mas acha que há alguma diferença entre assessor de imprensa e spin doctor, por exemplo? Isso aí depende depois do... Da definição que se lhe dá. Da forma mesmo como se articula. Acha-se diferente, por exemplo, na forma de agir de outros grupos parlamentares, como os maiores? A sua atuação não é, ou não concorda que é, um bocadinho mais de spin do que o Colaço [PS] ou do que o Zeca Mendonça [PSD]? Sim, ou seja, aí voltamos à questão que eu disse anteriormente: que no Bloco de Esquerda tradicionalmente o assessor de imprensa tem um papel de... Pois é... Político... É isso mesmo... Mas, ou seja, não se limita a dizer que à hora X... É verdade... A questão é que o assessor de imprensa, ele próprio, constrói o discurso. Em parte ajuda e claro que depois há outras questões, não é só os conteúdos. Há velhas batalhas, os deputados têm a mania de dizer quinze por cento e a esmagadora maioria da população tem um problema de “inumeracia”; o quinze por cento é algo abstrato, ninguém percebe o que é quinze por cento. Mas, se dissermos que um em cada seis portugueses, neste momento, não tem emprego faz-se muito mais impacto, do ponto de vista de quem ouve, do que dizer “Há quinze por cento de desempregados!” - e quem fala disso, ou seja, a maior parte das vezes quem desconstrói o discurso... até porque sobre os temas são os mais variados e acaba por aparecer tudo na assembleia, desde a questão do código da condução até ao desemprego, até ao auxílio à Grécia, e à Foz do Tua. Pode haver cinco ou seis temas, debatidos por diferentes jornalistas que estão preocupados com diferentes temas ao mesmo tempo e acaba por aparecer tudo no grupo parlamentar. E é óbvio que quem define o discurso são os deputados, porque eles estão em comissões, eles estão

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especializados; mas agora é preciso ajudar e também transformar desse discurso de uma forma mais inteligível para quem está em casa. Costuma fazer estudos de opinião? Não, nós não temos isso. Não faz isso... Que lhe parece ou o que acha da ideia da política andar, por vezes, a reboque das sondagens, dos barómetros e da análise... Eu vou-lhe dizer uma coisa que acho que não era suposto. Eu acho que se sabe pouco, acho que há estudos a menos em Portugal, há poucos estudos sobre os impactos das políticas públicas. Mas também acho o mesmo das opiniões que os Portugueses têm sobre determinadas políticas. Conhecer a opinião das pessoas é um instrumento de análise e de conhecimento que seria bastante relevante. Outro problema que se coloca é o de saber se devem apresentar-se propostas e políticas de acordo com o sabor do momento. Isso eu acho que não, ou seja, se existir um estudo que diz que 51% dos portugueses é a favor da pena de morte, eu acho que ninguém deve apresentar, porque é uma questão civilizacional... Ou pior, imaginemos que há um homicídio brutal em que morrem três pessoas. Faz-se um estudo a seguir que indica que setenta por cento das pessoas querem ver a pena de morte implementada. Lamento... isto é uma situação extrema, mas eu acho que as políticas não devem ir atrás desse caso. Isso é um problema que ia dar ideia de políticos erráticos, de plástico, sem espessura e sem convicções, que é um dos problemas das democracias mediatizadas e que vivem de fluxos permanentes de notícias e de emoções. Porque as notícias, nomeadamente na televisão, a dada altura tornam-se narrativas emocionais descartáveis em que nós passamos rapidamente da emoção pela Madeira, que durante uma semana comoveu o país com a história das cheias e para outra e depois é o acidente com o autocarro, com as crianças na Suíça, etc. Portanto, deve haver uma continuidade das políticas e dos partidos, claro que têm mutações (e mudam) mas eu acho que falta muito e que se conhece pouco o que os portugueses pensam acerca de determinados assuntos e sobre determinadas politicas e, desse ponto de vista, por exemplo, até as próprias universidades têm um papel que Portugal desempenha pouco, nesse aspeto. Nos Estados Unidos há dados quantificados, nos Estados Unidos e na Inglaterra, principalmente nesses dois países, há dados quantificados sobre tudo e mais alguma coisa, sobre o que as pessoas pensam acerca de tudo e há estudos de opinião. Em relação a uma das definições, erradas, de spinning (mas é o recurso a uma das técnicas de spinning, que ás vezes aparece enumerado) a intimidação, ou seja, perante notícias negativas, a tentativa de pressionar os jornalistas. O que é que nos pode dizer sobre isso? Bem... num partido político isso não... os partidos políticos não têm nada para intimidar a comunicação social, mesmo que quisessem. Aí, quem o tem - é a única questão que podem ter - é mesmo o poder, o poder governamental. Porque a informação que sai dos gabinetes do governo interessa aos jornais e à comunicação social. Interessa. E depois há questões de poder económico óbvias, que condicionam tanto mais a imprensa quando ela está numa situação de particular vulnerabilidade

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Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal do ponto de vista económico, tendo cada vez menos. Há uma crise internacional da imprensa escrita, nomeadamente que tem a ver com tiragens cada vez mais baixas, por causa da internet, por causa dos tais ciclos, é há hoje... Hoje mudou, fale-me disso, por acaso é uma das perguntas, acha que as redes sociais mudaram? O problema é que a disseminação de informação é de tal forma, hoje, esmagadora que nós temo-la em muitos sítios. O facto é que com as pessoas, principalmente entre as gerações mais novas, a informação passa por um processo singular, semelhante ao que se passou com a música. Abaixo dos trinta e cinco anos ninguém dá valor social e económico à notícia. As pessoas não atribuem um valor económico. Há a ideia que ela é livre e circula. Que vai aparecer, como a música. É muito difícil explicar a um jovem de vinte anos que aquilo deve ser pago porque é ali que está o ganha pão de uma industria de pessoas, de criativos e do lado das notícias, se não pagarem o jornal, aparece on-line, não sei onde... e vê-se no Facebook e vê-se no Twitter e vê-se não sei onde. Vê nas televisões que transmitem, não gratuitamente, através do cabo, através de uma subscrição de televisão por cabo. Não tem uma perspetiva de que cada vez mais os jornalistas dependem dos assessores de imprensa? Estar dependente das fontes pode ser um... Há um problema, e que não é da assessoria de imprensa, mas é essencialmente dos documentos que lhes podem dar, sendo que os partidos têm alguns, as agências de comunicação têm muito mais, porque representam clientes etc. Porque fazem estudos de opinião, fazem isto, fazem aqueloutro, e depois têm para a trocar. Mas isso é bom ou é mau para o jornalismo? Bem, eu volto a dizer-lhe que faltam dados quantificados em Portugal, portanto, quem quer que que tenha dados e que possa ajudar a distribuir são bons. O problema é que se depois aquilo é vendido como ou é apresentado como press release ou como se fosse notícia, se um jornal... Mas se for apresentado como notícia? Mas é que eu acho que tudo isso pode ser apresentado como notícia - é preciso é o jornal e o jornalista apresentar uma mais valia informativa. Deixa-me explicar, mas há uma diferença... Ou seja, se apresentar um background, se contextualizar, se fizer relacionamento com outras questões se, no fundo, investigar para além do que lhe é oferecido, eu acho que sim. Há uma diferença. Atenção! Que é se há iniciativa do jornalista ou a iniciativa do assessor, não é? Claro. E por isso se fala cada vez mais. Por exemplo, eu fiz um estudo que deu origem a um livro... A história de que setenta por cento das notícias são de...

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60... e quando eu dizia que não são feitas pelos assessores são induzidas, ou seja, somos nós que chamamos os jornalistas, ou mandamos press releases ou organizamos uma viagem, um evento ou uma conferência de imprensa. Percebeu-se, ou portanto, deduzi que chegava ali e se começasse a juntar a origem das notícias, e a origem era identificar nas próprias notícias – “hoje em conferência de imprensa”; “hoje o comunicado da CP disse isto”; “hoje...” - percebe-se que a iniciativa jornalística é pequena. Isso é que será cada vez mais visível com redações mais pequenas... Um dos problemas é a concentração dos media... O outro (segundo) problema é que redações pequenas exigem que cada jornalista faça três, quatro notícias por dia e com essa disseminação de temas, de trabalho e texto, é impossível pesquisar aquilo que precisa. Mesmo numa conferência de imprensa é possível fazer uma conferência de imprensa e dar que pesquisar. A...deixe-me voltar aqui novamente à... Mas é mau sim, isso é mau, essa excessiva dependência. O problema em Portugal, mesmo nesse ponto de vista, e o que isso revela é que há pouca investigação e pouco jornalismo de investigação. Uma revista do New York Times tem uma redação maior que a do Público, portanto, pode ter três ou quatro equipas de dois ou três jornalistas a investigar cada notícia e, durante três meses, elas produzem duas, três notícias. Podem é, depois, ganhar um prémio, com qualquer de uma dessas notícias e elas tornarem-se... ainda recentemente o New York Times revelou que foi o Obama, primeiro, o presidente Bush e depois o Obama, que deram ordens para um ciberataque ao complexo industrial onde, pelo que tudo indica, o Irão está a desenvolver e a tentar obter capacidade nuclear. É um ciberataque. É a primeira vez que os Estados Unidos, o governo, ordena um ciberataque a um país onde há uma instalação militar, complexo industrial militar, num país. Mas isso é uma equipa que está a investigar. Um exemplo clássico disso. E isso, hoje em dia, não há no jornalismo português Para terminar... Não há porque não há dinheiro e não há capacidade. É a concentração dos media. E o problema é que as próprias pressões económicas levam a despedimentos, que se têm sucedido na comunicação social e as redações são mais pequenas... A noticiazinha... Hoje o Luís Paixão Martins disse uma coisa: “antigamente os jornalistas tinham que escavar e investigar, hoje nós oferecemos tudo numa bandeja e eles comem tudo prontinho é só publicar, se quiserem”. Por isso esta sofisticação da assessoria de imprensa. Isso é óbvio, isso é óbvio... ou seja, a ideia de ter dossiers sobre determinadas políticas, ter um dossier que explica, com gráficos. Há um trabalho que é feito muitas

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Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal vezes para tornar, aliás, voltamos outra vez à história, o mundo é concorrencial... é preciso despertar a atenção dos jornalistas em pouco tempo, eles têm pouco tempo para dedicar ao assunto, portanto, o que é preciso é, sobre uma determinada política, fazer um dossier com duas, três páginas; com gráficos; fazer a comparação com a situação no estrangeiro. Tudo aquilo é verdade, nada daquilo é mentira, pelo menos eu, do ponto meu de vista... Sim, sim... Esse ponto de vista, favorece. Depois, é muito mais fácil no jornal dizer “o partido X apresentou, baseando-se na legislação Inglesa” e não sei quê. Mas isso é mau para o jornalismo... É, é claro, mas isso é o que eu estou a dizer... eu espero que, na maior parte das vezes, quer dizer, os jornalistas muitas vezes depois, como é óbvio, vêm fazer, eles próprios, verificar os factos, e muitas vezes, depois, conseguem descobrir outra coisas e interesses. Pode ser visto dessa forma, pode ser vista como tentar despertar a atenção. Mas, é óbvio, que há uma espécie de fast-food, nem é fast-food, é readymade - a marca de comida congelada para fazer em casa – que é achar uma forma que depois é só encaixar e aquilo sai a mil carateres... Para terminar, há um episódio seu que marca uma época de Portugal, que é a história dos corninhos porque quando o ministro, ou ex. Ministro, faz os corninhos você conseguiu, na altura, sacar a imagem distribuí-la... Eu já nem me lembrava disso, sim... eu na altura, na parte da sala, na sala, no cubículo onde está a imprensa dentro do comando, só houve duas pessoas que reparam nisso, em direto, fui eu e a Flor Pedroso. Eu vi, e ela, então: “Mas vocês viram ?”. Eu: “Sim, sim”. Mas estava tudo, as pessoas estavam focadas em quem estava a falar, que era o Bernardino. A Maria Flor Pedroso disse? Não, mas lembro-me disso, de: “Vocês viram o que eu vi?”, e eu, “sim, sim vi o mesmo que tu.” E você foi buscar a imagem e... E como nós gravamos os debates, telefonei para o assessor, para o responsável do nosso gabinete que está a gravar, e disse: “Olha lá, confirma-me lá, só para perceber que não estou maluco, o que é que isso, se aparece nas imagens da televisão, do Pinho que estava a fazer sinais para...” Na altura quem estava a falar era o Bernardino, quem começou a história foi o Louçã, não, quem estava a falar era o Louçã, exatamente, quem estava a falar era o Louçã, e falou a dada altura numa questão qualquer que o Bernardino, à parte, continuou. “Sim, sim”. E depois eles meteram-se num diálogo, enquanto o Louçã falava, acho eu, com o Sócrates. O Pinho e o Bernardino meteram-se no diálogo e o... Mas então os corninhos para quem eram? Eram para o Bernardino.

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Ai eram para o Bernardino? Eram para o Bernardino. Isso percebi. Andava também uma frase muito conhecida no parlamento, a Paula Barata, a dizer “os cornos eram para o PCP”. Sim, porque eu depois, entretanto, como ele disse que sim, disse-lhe: “faz um printscreen disso e imprime-me na impressora a cores. Ele tirou-me doze cópias ou quinze e eu fui buscar e distribuir pelos jornalistas - a maior parte deles só aí é que se apercebeu do assunto. Acha que isso é um episódio de spin? E aí a Paula Barata, a Paula Barata... Sim, diz, diz, conta da Paula Barata... Quando estou a chegar ela diz: “Ouve lá, vocês estão a distribuir isso mas foi para o PCP”. Eu disse, “isso para mim é indiferente, se queres que os cornos sejam para o PCP podes estar à vontade”. Pronto, é essa frase que tem piada. Isto não é, não é publicável. Não sei se isto é spin, mas a verdade é que o que aconteceu foi que a visualização da imagem acelerou a coisa. Através de uma imagem... pararam... Exato, era um frame, acelerou durante meia hora ou quarenta minutos, o que eles iam demorar, enquanto as televisões andaram à procura daquilo, os jornalistas não tinham visto as imagens, portanto não estavam a acreditar - quando viram as imagens toda a gente que ali estava percebeu: “não, isto aconteceu mesmo, isto tem importância”. Claro. E a verdade é que o debate morreu a partir daquele momento. Já ninguém queria saber mais nada... Mesmo os do debate só queriam saber do Pinho e se o Pinho ia ser demitido ou não. A verdade é que o debate ainda não tinha terminado e já ele se tinha demitido. Quer dizer alguma coisa em relação à assessoria de imprensa política ou eventualmente que não tivesse falado, esta questão do spinning? Se lhe chamar spin doctor fica ofendido? Não? Acho que uma das vantagens da política é que a pessoa já... o nível de truculência, não é truculência mas de conflitualidade, ás vezes, faz com que as pessoas ganhem uma carapaça muito grande e isso, é muito difícil, é muito difícil... Mas aceita e acha que não é. Mas o spin tem um sentido negativo? Já me chamaram várias vezes...

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Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal Sim, é um termo negativo, mas na verdade não é, porque é uma ação de... tem essa perspetiva pelo menos? Ou acha que é mesmo, na essência? Vê mais manipulação ou gestão de informação? As pessoas quando usam o termo spinning, de spin doctor, é sempre com uma conotação negativa. Acha? Acho. Às vezes não é elogio, de capacidade de gerir a informação? Não lhe dizem isso também? Não... às vezes dizem de quando há uma frase boa ou qualquer coisa: “ah... isto é o spin doctor, é ele que arranja, este é o spin doctor...” Uma frase, um soundbite, também é associado o soundbite aos spin. Exatamente... Como é que tenta localizar o spinning, um bocadinho mais próximo da manipulação ou da gestão de informação? Volto a dizer que acho que o termo está contaminado e acho que está completamente associado à manipulação, à mentira, à distorção da verdade, a tudo isso, acho muito mais do que à gestão de informação. Muito bem. Acho, depois, outra coisa. As pessoas, em geral, têm uma ideia da importância da assessoria de imprensa completamente exacerbada e fora do que ela tem capacidade e da sua verdadeira capacidade, ou seja, há a ideia de que os partidos e o governo têm centrais de comunicação que manipulam, manobram e que têm uma capacidade de... E isso não acontece? Acho que é completamente... existe, existe mas. Vão fazendo aquilo que querem? Existe, mas não corresponde minimamente à ideia que as pessoas têm. As pessoas têm uma ideia muito manipulativa e muito conspirativa do que é, na verdade, grande parte das coisas que acontecem por acaso, porque naquele dia aconteceu e etc. Ou seja, a ideia de que há centrais de informação poderosíssima... existe, não estou a dizer que não, até porque a debilidade económica do próprio jornalismo potencia, como já falamos, essa importância acrescida de máquinas profissionais, que tentam trabalhar informação e que o fazem em prol de para quem trabalham. Ou seja, clientes nas agências, quer sejam partidos, quer sejam empresas, quer sejam políticos individuais, claro que isso existe. Mas o que existe, na maior parte das vezes, é pessoas especializadas naquilo e que percebem como é que funcionam as dinâmicas da comunicação social, e que tentam encaixar nessas dinâmicas a mensagem de quem defendem, neste caso de um partido. Por isso o que digo é para

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tentar perceber quais são as narrativas, tentar encaixar o discurso nessas narrativas e, com aquela proposta, tentar pegar no ângulo que achamos mais, como disse há uns anos o Pires de Lima, que achamos mais sexy. Portanto, tentar, mas fazer isso respeitando as dinâmicas da comunicação social, compreendendo-as e utilizando-as. A ideia de que há manipulação, pressão - isso existe - existirá certamente, mas não é o essencial, não é. E acho que as pessoas têm uma ideia que, aliás, acho que os próprios partidos têm uma imagem de que os assessores de imprensa têm um poder muito superior àquele que de facto têm. Aliás, acontece o mesmo com os clientes e com as agências de comunicação. E esse é um dos principais trunfos das agências de comunicação e da assessoria de imprensa. No fundo, como falam de uma ciência que, até do ponto de vista empresarial, eles desconhecem, isso é um grande trunfo para as equipas comunicacionais. Mas isso no fundo, no fundo, é verdade. FIM

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Apêndice 12: Entrevista a Pedro Salgueiro

Quando lhe perguntam a profissão, o que é que responde? Assessor de imprensa. Assessor de imprensa, sem qualquer tipo de problemas... Como e que define então assessoria de imprensa? Assessoria de imprensa é um bocado, nesta área assessoria de imprensa política, é um bocado o elo de ligação entre o político e o jornalista. É a barreira, hum... há uma barreira, entre o político e o jornalista. E acha que está mais ao serviço, nesse elo de ligação, dos jornalistas ou do político? É assim, tento passar... sou assessor de um grupo parlamentar e de um partido, tento passar a mensagem da melhor maneira que conseguir e que o político me transmite ao jornalista. Mas tento também fazê-los ver do ponto de vista também do jornalista.

(…)

Acha que um assessor de imprensa político tem uma atuação diferente de um assessor de imprensa empresarial? De um relações públicas de uma agência de comunicação - tem essa perceção? Acho que sim, acho que nós aqui temos que tentar mesmo passar as ideias de uma forma clara, e, pronto, do partido. E é mais fácil, porque tem também jornalistas cá, ou seja, enquanto um assessor de imprensa que está em outro lado, tem de arranjar... Sim, aqui há uma coisa dinâmica, não é? Também acha que nós devemos ser, nós, os assessores de imprensa, low profile, sombra ou porta-voz e também afirmativos e... As duas coisas, prefiro uma coisa mais low profile, sim... Mais low profile, sim, também o conheço e sei que é verdade... Acha legítimo passar a informação em exclusivo a um órgão de comunicação social? Acho... Embora normalmente tente, e sempre, desde que estou na política, não privilegiar meios de comunicação... E dar uma ‘primeira-mão’? Mas, isso depois também não depende... às vezes não depende muito de nós. Às vezes os próprios políticos têm... que se dão... e às vezes vai-se dividindo, umas vezes é para um, outras vezes é para outros...

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Acha que o relacionamento pessoal de um assessor de imprensa com os jornalistas facilita a indução de notícias e a produção noticiosa? Acho que sim. Isso é como em tudo na vida, uma pessoa que se der bem, ajuda mais do que uma pessoa que não... que não atende aos jornalistas ou que... Mas, por exemplo, um assessor de imprensa que não conhece jornalistas, acha que tem mais dificuldade do que um assessor de imprensa que conhece? Acho, acho. Já ouviu falar de spin doctoring e de spin doctors? Sim. E como é que definiria? O que é que ouviu falar e o que conhece? Acho que são pessoas que normalmente fazem, não é bem o trabalho de assessoria de imprensa... também é dentro da assessoria de imprensa, mas é um... normalmente são pessoas que só fazem isso, fazem discursos, dão ideias, a mensagens... Canalizam... Canalizam a mensagem que normalmente depois é muito corrigida pelos líderes ou pelos políticos, a... eh pá, aqui, no meu caso nunca precisei disso, porque tenho um mestre de spin... Sente-se um spin doctor? Não, não, não, tenho um mestre. Tem? Tenho um mestre... e ele nunca precisou de spin doctor ...

(…)

Quando sai uma notícia negativa ou que não corresponde à mensagem que passou, qual é a sua reação? É tentar perceber porque é que aquilo saiu daquela maneira. Se foi culpa nossa, tento sempre ver primeiro se foi culpa de, ou da pessoa, ou, neste caso, do político que falou, ou se foi... e se foi, tentar corrigir ou emendar. Se não foi culpa nossa, tentar falar com uma espécie de editor ou tentar ver, pronto, o que é que se passou. Ok. Acha legítimo nós ligarmos para um órgão de comunicação social para repor a verdade e para... Acho. Há várias maneiras de se fazer isso, mas acho. Se o fizer de uma forma séria, a pessoa que está do outro lado, vai perceber...

(…)

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Mede ou tem sistemas de medição de opinião pública? No seu dia-a-dia, preocupase com isso? A medição de... de barómetros de opinião, isso influencia? Não, nem por isso, nós não... Durante a campanha importa, não é? Durante o período de campanha...as sondagens... Sim, sim, não, isso claro. Sondagens políticas, barómetros de opinião. Por acaso, gosto de saber e de estar a par... Acha que a assessoria de imprensa tem ganho terreno em relação ao jornalismo? É assim, no meu caso, sinto que sou bastante útil porque passo o dia normalmente ao telefone e com vários jornalistas... mas isso é também um bocado aquilo que estava a dizer, se um jornalista for simpático, eles passam por cima do jornalista e vão diretamente ao político e isso parte muito também daí, não é? No todo, nunca ouviu falar que há uma perspetiva segundo a qual cada vez mais os jornalistas dependem dos assessores de imprensa para produzir informação? Até por causa da falta de meios e porque as informações que chegam às redações são sempre enviadas por assessores de imprensa e que há uma dependência do assessor de imprensa, não concorda? Não? Sim, acho que sim, acho que isso está como sempre esteve. Acha que o Facebook veio trazer alguma mudança na forma de se trabalhar? Sim, lembra-me que quando me alertaram para isso já foi há, sei lá, cinco ou seis anos. E do Twitter e do Facebook - eu na altura não, pronto, achei que aquilo era para um nicho de pessoas... Agora tem-se alargado, continua a ser, mas realmente acho e considero bons veículos de comunicação. Qual é a técnica que usa mais para passar informação aqui no parlamento? Se tivesse Utilizo... Aqui... Não, utilizo... A conferência de imprensa... declarações políticas... Sim, a conferência de imprensa, declarações... Normalmente tento fazer sempre para todos e depois utilizo também essas novas - as ferramentas. Mas passa primeiro aos jornalistas e depois é que usa as novas ferramentas, as ferramenta são secundárias... Sim, sim. Você está cá há quantos anos?

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Estou desde 2007. Você também nunca foi jornalista, tal como o Zeca, o Colaço ou a Paula... Sim, trabalhei no Independente, fiz algumas coisas e alguns textos, mas nunca fui jornalista. Nunca teve carteira de jornalista? Não. E acha que é importante a formação de jornalista? Dificulta? Sente-se pior do que um assessor de imprensa que foi jornalista? Que já foi jornalista... também tenho uma coisa a meu favor, estive lá, no Independente, desde o inicio e quase até ao fim e passaram lá os jornalistas quase todos e conheço muita gente. FIM

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Apêndice 13: Entrevista a Zeca Mendonça

Há quantos anos é que está no grupo parlamentar? Há 25. Como é que gosta de ser tratado – quando lhe perguntam, que profissão é que tem? Costumo dizer que sou assessor de imprensa, embora profissionalmente quando mando cartões de boas festas, etc., use a posição que tenho no partido, sou diretor do gabinete de imprensa. Quando lhe chamam relações públicas, vive bem com essa conotação ? Não, não gosto mesmo.

(…)

Como é que vê a sua atividade, mais próxima do jornalista ou do partido? Vejo a minha atividade como um tipo que tem de ser fiel ao partido e que com algumas pessoas, jornalistas, em privado, dou o meu ponto de vista pessoal. Oficialmente, nunca o dou. Mas... ao dar essa posição pessoal... Estou a dizer se está certa ou errada a situação que se criou. Agora, há casos concretos em que de facto assino: “pois é, isso é assim, está certo o que vocês fizeram mas não posso ter outra atitude senão esta que tive, porque é o meu acordo, o acordo que tenho com a empresa, neste caso o meu partido, com quem eu me sinto isso.

(…)

Conhece o modelo brasileiro, aquele modelo em que os assessores de imprensa têm carteira de jornalista e são jornalistas simultaneamente? Não sabia. Mas parecia-lhe bem um modelo desses? Não. Porquê? Acho que são funções completamente diferentes. Acha que há algumas características inatas de um assessor de imprensa, características que são essenciais ?

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Acho que a nossa maneira de ser pode ajudar-nos bastante a ser mais bem vistos pela comunicação social, não sei se serei melhor do que o A, B, ou C, e essa proximidade facilita muitas vezes, para fazer com que do outro lado possam ficar sensíveis ao que pretendemos “ vender”. Então acha que a relação pessoal entre um assessor de imprensa e um jornalista é importante? É, é importantíssima, é fundamental. Ou seja, dito de outra forma, um assessor de imprensa que não conhece os jornalistas tem mais dificuldade de passar uma história. Não, fica pendurado e passado uns tempos o grupo parlamentar, a direção do partido diz “o assessor não conseguiu por o que se pretendia”. Acha que um assessor de imprensa político tem um comportamento diferente de um empresarial? Tem alguma perspetiva sobre isto? Completamente diferente, mas completamente diferente. Em que é que os acha diferentes? Para ser sincero, tenho de lhe falar no meu caso pessoal... Sim no seu caso pessoal, até porque nunca trabalhou em empresarial... Sim, nunca fiz empresarial. Mas, por exemplo, há uma agência que trabalhou para o PSD e como eles julgavam que estavam a vender presidentes como vendia o Tide. E eles quiseram vender, neste caso, o dr. Menezes como se estivessem a vender o sabonete Lux e aquilo foi absolutamente desastroso. Portanto, é um modus de lidar, e quase de impor ao outro lado, como se estivessem a pagar um anúncio. E foi de facto, aliás, até pela reação dos colegas, que afirmavam que a empresa não interessavam a ninguém... São mais comerciais? É, eles são mais comerciais. Têm também uma vantagem em relação ao assessor de imprensa. Como têm o Benfica, o BCP e outros grandes clientes, havia 3, 4 ou 6 jornalistas em quem, de facto, conseguia pôr a notícia. Não se tratava de convencer os jornalistas, mas era um cliente do jornalista e do jornal, e um bom cliente. Aqui há situações complicadas quando a agência tinha o peso que, aliás, ainda tem.

(…)

Acha que o assessor de imprensa deve ter uma postura de sombra ou mais de portavoz? Não, de sombra, no meu caso, de sombra totalmente. É capaz de descrever um bocadinho a rotina do assessor de imprensa aqui da assembleia ?

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Vasco Ribeiro | O spin doctoring em Portugal A rotina tem diversa fases - e passei por algumas. Isto é, há uma direção, que está na altura em funções, que quer que o assessor de imprensa vá lá dizer-lhe: “passou-se isto ou aquilo e mais aqueloutro”. Por exemplo, o PS dá uma conferência de imprensa e então temos que informar o que acabou de ser dito, soprar para saber se reagimos ou não reagimos – isto é quando a direção do grupo está à espera que o assessor vá passar a informação, uma direção mais passiva. Depois há as direções mais ativas, que independentemente de o PS, o PC ou o Bloco, quem quer que seja, fazer uma conferência de imprensa, ou esteja a preparar o que quer que seja, eles antecipam-se, “briefam-nos” e eu vou preparado para ter uma conversa com os jornalistas, sobre uma situação em concreto. Independentemente de estar certa ou não, eu estou preparado, porque fui “briefado”, porque é o que a direção do grupo parlamentar tenciona passar. No mínimo há estas duas. Dá notícias em primeira-mão? Não. Só dou exclusivos se me mandarem dar exclusivos. O mais frequente é dar fornecer informações através de declarações politicas? Espere. Mas dou exclusivos. Posso chegar ao pé da direção ou do grupo parlamentar e dizer: “o órgão X está interessando em algo, que vai tratar conforme você lha vender, portanto, trate-a bem” ou seja, fazer pressão para que, de facto, a notícia seja dada ou que o exclusivo seja dado ao órgão X. Conhece o termo spin doctor? Já ouviu o termo spin? Tem alguma ideia? Não, não.

(…)

Mas quando o jornalista pede uma informação... ou seja, dito de uma forma clara, mente aos jornalistas? Não. Muitas vezes, sendo um jornalista próximo eu digo rigorosamente isto: “não leves a mal. Sei, mas não posso dizer”. Se souber, claro. Tem ideia que cada vez mais (diz-se) os assessores de imprensa têm uma grande capacidade de influência no jornalismo? Tem essa noção ou acha que não, que o jornalismo está blindado em relação a essa influência? Eu acho que isso funciona da seguinte maneira: o jornalismo não está blindado em relação a essa influência se o que eu lhe for passar tiver peso político. Se for notícia. E, quando falo de peso político, não estou a falar só de informação, estou a falar de quem está por trás de mim.

(…)

Quando sai uma noticia negativa, qual é a sua reação?

476

Do meu ponto de vista, parece-me que... e normalmente eu sou aí um pouco diplomático – “que asneira, ou, aquela parte pareceu-me que poderia ter sido de outra forma” – dou o meu ponto de vista.

(…)

FIM

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