STJ RESP 1.498.623-RJ JURISPRUDÊNCIA DEFENSIVA E ILUSÓRIA EVOLUÇÃO

July 25, 2017 | Autor: Humberto Santarosa | Categoria: Comparative Civil Procedure, Civil Procedure, Direito Processual Civil, Diritto Processuale Civile
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STJ RESP 1.498.623/RJ: JURISPRUDÊNCIA DEFENSIVA E ILUSÓRIA EVOLUÇÃO

Humberto Santarosa de Oliveira*

A interposição de recursos nas cortes superiores é cada vez mais
recorrente na realidade forense brasileira[1]. O "descobrimento" da
terceira, e até da quarta instância, pelos jurisdicionados transformou o
Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal em verdadeiros
tribunais de revisão, obscurecendo suas funções orientativa e
uniformizadora.
E "para fugir a tão aviltante destino [excesso de processos], o STJ
adotou a denominada 'jurisprudência defensiva' consistente na criação de
entraves e pretextos para impedir a chegada e o conhecimento dos recursos
que lhe são dirigidos"[2]. São essas as palavras, que constam no discurso
de posse para presidente da Corte do então Ministro Humberto Gomes de
Barros, utilizadas para definir aquela que vem sendo a maior inimiga do
jurisdicionado brasileiro que busca as Cortes Superiores para o julgamento
de sua controvérsia jurídica.
Basicamente denomina-se de jurisprudência defensiva a atividade dos
Tribunais de "criarem" armadilhas para que os recursos interpostos não
ultrapassem o juízo de conhecimento. Por intermédio de uma interpretação
restritiva aos requisitos legais de admissibilidade, os quais se mostram
deveras abstratos e metamorfoseados à fórceps em conceitos jurídicos
indeterminados, além de muitas vezes controvertidos entre as turmas que
compõe a Corte ou entre as próprias Cortes (rememore-se, v.g., o
entendimento divergente entre STJ e STF a respeito do prequestionamento),
os Tribunais acabam por estabelecer novas condições a serem cumpridas para
que a irresignação apresentada possa ter o mérito analisado.
O perfeccionismo e o preciosismo com os quais as novas condições são
impostas constituem barreiras quase intransponíveis, dificultando o acesso
à Corte até mesmo daqueles jurisdicionados que efetivamente possuem o
direito equivocadamente aplicado.
Exemplo clássico de jurisprudência defensiva encontra-se nas mais
variadas exigências previstas pelo STJ para o preenchimento das guias de
custas processuais. É incontroverso e inquestionável que a ausência de
preparo acarreta a deserção do recurso; para tanto é dever do recorrente
recolher a quantia devida, assim como comprová-la quando da interposição do
recurso. São dois momentos distintos, mas necessários ao cumprimento da
condição legalmente prevista – vide previsão do art. 511, do CPC vigente.
Ocorre, todavia, que o Superior Tribunal de Justiça, utilizando de
suas atribuições e competências, edita as diretrizes para a efetivação do
pagamento das custas – e de sua comprovação – dos recursos que lhes são
destinados. Porém, tais normas, ao invés de servirem como fatores de
racionalização do sistema, transformaram-se em verdadeiros percalços à
admissibilidade do recurso especial.
Corroborando o exposto, e apenas a título de curiosidade, o STJ, até
os dias atuais editou, nada mais nada menos, do que 14 (catorze) resoluções
visando a disciplina do preparo no que tange aos recursos direcionados à
Corte,[3] cada qual com as mais variadas especificidades quanto ao
preenchimento da guia. E por mais que parecesse inverossímil aos olhos do
Ministro Herman Benjamin que as resoluções de sua Corte Superior não tinham
o "intuito de criar mais um empecilho de natureza formal ao conhecimento
dos recursos", motivo pelo qual elas não poderiam ser dimensionadas "muito
além de seus objetivos"[4], a orientação do "Tribunal da Cidadania" [sic],
quase sempre foi divergente do pensamento do referido Ministro.
Elucidativamente, havia – e ainda há – forte corrente dentro do STJ
defendendo o rigor extremo no preenchimento das guias de custas, ou seja,
um exato e impecável cumprimento de requisitos pro forma, como a correta e
adequada indicação do número do processo[5], o nome das partes litigantes e
até mesmo a legibilidade da autenticação mecânica da data de protocolo do
recurso[6] – como se o jurisdicionado fosse o culpado pela falha do próprio
Judiciário.
Nesta linha de raciocínio, o mais recente dos absurdos cometidos pelo
STJ encontra-se na denegação de seguimento a recurso especial por deserção
em razão do equívoco no recolhimento das custas processuais através da Guia
de Recolhimento da União simples, ao invés da Guia de Recolhimento da União
cobrança[7] – esta modificação de guias foi implementada pela Resolução STJ
nº 1, de 1º de fevereiro de 2014. No entanto, apesar da nomenclatura
diferenciada, a única disparidade entre as guias era que a primeira somente
poderia ser recolhida junto ao Banco do Brasil, ao passo que a segunda
visava atender uma reivindicação dos próprios advogados e ampliar as
instituições financeiras recebedoras das custas processuais.
Cumpre ressaltar que, nos casos nos quais se decretava a deserção pela
errônea escolha da guia, não havia menção alguma das outras injustificadas
formas de obstar o acesso do jurisdicionado ao STJ em razão de "equívocos"
na guia. Assim, era incontroverso que a GRU preenchida continha todos os
elementos para identificação do processo e da parte que efetuou o
recolhimento, o valor pago era o correto e, ainda, teria efetivamente
ingressado nos cofres do STJ.[8] Em suma, não havia qualquer razão para se
decretar a deserção nestes casos, demonstrando que o recente posicionamento
do Superior Tribunal de Justiça era apenas mais uma manifestação – e
esdrúxula, diga-se logo – da jurisprudência defensiva.
Felizmente, o entendimento parece não ter prevalecido, a contar pelo
julgamento recentemente realizado no âmbito do órgão de maior hierarquia do
STJ. Segundo a unanimidade dos Ministros que compuseram a Corte Especial, e
seguindo a orientação do relator, Ministro Napoleão Nunes Maia, para quem
"a cognição dos problemas jurídicos deve focar essencialmente o seu mérito,
somente se utilizando as formas procedimentais para barrá-los, quando o seu
afastamento produzir prejuízo maior do que o benefício alcançado; é por
isso que o prestígio maior deve ser dado ao pleito substantivo, para ser
devidamente solucionado.", assim decidiu a Corte:


RECURSO ESPECIAL. PORTE DE REMESSA E RETORNO RECOLHIDO EM GRU-
SIMPLES, ENQUANTO A RESOLUÇÃO DO TRIBUNAL EXIGE GRU-COBRANÇA.
NOME DO RECORRENTE E NÚMERO DO PROCESSO PREENCHIDOS
CORRETAMENTE. EFETIVO INGRESSO DO VALOR NOS COFRES DO STJ.
FINALIDADE ALCANÇADA. INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS DO PROCESSO
VOTO PELO PROCESSAMENTO DO RECURSO ESPECIAL, AFASTADA A
DESERÇÃO, PARA O SEU OPORTUNO JULGAMENTO PELA 1ª TURMA. 1.
Como se sabe, a tendência deste egrégio STJ é de não conhecer
dos Recursos Especiais, cujos preparos não tenham sido
efetivados com estrita observância das suas formalidades
extrínsecas. Contudo, sob meu modesto ponto de vista, deve-se
flexibilizar esta postura, sobretudo à luz da conhecida
prevalência do princípio da instrumentalidade das formas dos
atos do processo. Exatamente por este meu pensamento destoar
do que reiteradamente afirmam os órgãos fracionários do STJ, é
que suscito a discussão perante a douta Corte Especial. 2. Na
espécia, a Guia de Recolhimento destinada ao pagamento do
Porte de Remessa e Retorno indicou corretamente o STJ como
unidade de destino, além do nome e CNPJ da recorrente e o
número do processo. Noutras palavras, o valor referente a este
feito foi pago e entregue ao STJ; apenas o instrumento
utilizado é que foi inadequado, mas efetivamente o fim
almejado foi alçado com a entrada do dinheiro nos cofres do
Tribunal. 3. Voto pelo processamento do Recurso Especial,
afastada a deserção, para o seu oportuno julgamento pela 1a.
Turma deste Tribunal Superior, como entender de direito. (REsp
1498623/RJ, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, CORTE
ESPECIAL, julgado em 26/02/2015, DJe 13/03/2015)


O que, todavia, parecia ser um primeiro passo para uma tentativa de
superação da jurisprudência defensiva no âmbito do STJ, não passa de sua
mera reafirmação. Isto porque, apesar da unanimidade no julgamento, o que
se observa das razões de decidir exaradas pelo Ministro Felix Fischer é uma
conveniente saída para a manutenção do retrógrado entendimento que coloca a
forma sobre o conteúdo dos atos processuais[9].
Isto porque, na visão do referido Ministro, não é a mentalidade dos
ministros do STJ que estaria equivocada, sendo que a celeuma com o
problemas das guias decorria de um equívoco do sistema da Receita Federal
que ainda permitia a impressão dos dois tipos de guia (simples e cobrança).


"Ocorre que, mesmo com a sua vigência, ainda era possível a
utilização do sistema antigo de recolhimento de custas
(através de GRU Simples) até a data de 15/8/2014 (momento em
que foi bloqueada a possibilidade de emissão da GRU Simples).
Portanto, durante o período de tempo de 7/3/2014 a 15/8/2014
era possível a utilização dos dois sistemas de pagamento, pois
a receita não havia desativado o código antigo relativo à GRU
Simples."[10]


Assim, o que parecia ser uma luz no fim do túnel no combate contra a
jurisprudência defensiva, pode não representar a evolução esperada. E a
decepção se acentua neste momento, período de vacatio legis do novo Código
de Processo Civil, no qual a reafirmação das garantias processuais-
fundamentais é o "carro-chefe" da novel legislação – veja, a rigor, os 11
(onze) primeiros artigos da novel legislação.[11] Ora, "de nada adianta um
intrincado sistema de garantias processuais e uma variada gama de
instrumentos processuais se o direito material, principal escopo da ciência
processual, não puder ser alcançado".[12]
É com base nestas considerações que deve sim, ser comemorada a mudança
de entendimento em razão do resultado do REsp 1498623/RJ, julgado pela
Corte Especial do STJ. Todavia, a vibração deve ser contida e ressabiada,
pois pela leitura completa do julgado, a unanimidade alcançada não espelha
o verdadeiro foco daqueles que lutam contra as mazelas de uma
jurisprudência defensiva, que mais se assemelha a um campo minado
processual.
José Carlos Barbosa Moreira já ensinada que "negar conhecimento a
recurso é atitude correta – e altamente recomendável – toda vez que esteja
clara a ausência de qualquer dos requisitos de admissibilidade. Não devem
os tribunais, contudo, exagerar na dose; por exemplo, arvorando em motivos
de não-conhecimento circunstâncias que o texto legal não cogita, nem mesmo
implicitamente, agravando sem razão consistente exigências por ele feitas,
ou apresentando-se a interpretar em desfavor do recorrente dúvidas
suscetíveis de suprimento."[13]. É bem por isso que os jurisdicionados,
assim como os advogados, devem ficar atentos a referidas questões, mesmo
porque, apesar de uma interpretação sistemática e teleológica do
ordenamento assim recomendar, não há qualquer regra expressa que obrigue as
turmas e seções do STJ seguirem as decisões proferidas pela Corte Especial.

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* Pós-Graduado em Direito Processual pela Universidade Federal de Juiz de
Fora (UFJF). Mestre em Direito Processual pela Universidade Estadual do Rio
de Janeiro (UERJ). Advogado.
[1] Veja os números de processos em trâmite no STJ e STF no ano de 2014,
respectivamente em:
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=estatistica&pagina=REA
IProcessoDistribuido e
http://www.stj.jus.br/webstj/Processo/Boletim/sumario.asp.
[2] Íntegra do discurso disponível na Biblioteca Digital Jurídica do
Superior Tribunal de Justiça (BDJUR), vide
http://bdjur.stj.gov.br/dspace/bitstream/2011/16933/1/Discurso_Posse_Gomes+d
e+Barros.pdf, último acesso em 21/03/2015.
[3] Senão veja-se: Res. STJ 20/2004, Res. STJ 12/2005, Res. STJ 20/2005
(alterada pelo Ato 141-Pres, de 2006), Res. STJ 4/2007, Res. STJ 7/2007,
Res. STJ 1/2008, Res. STJ 4/2010 e Res. STJ 10/2010, (dados extraídos de
FARIA, Marcio Carvalho. O formalismo exacerbado quanto ao preenchimento de
guias de preparo - ainda a jurisprudência defensiva dos tribunais
superiores. In: Revista de Processo, São Paulo: RT. 2003. nº 110, p. 238),
Res. 1/2011, Res. 8/2012, Res. 25/2012, Res. STJ 24/2005 e Res. STJ 4/2013,
esta revogada pela resolução vigente (Res. STJ 01/2014). Para maiores
consultas, ver site do STJ (www.stj.jus.br).
[4] Manifestação exarada no julgamento do AgRg no Resp nº 877.541 – SP,
Rel., Segunda Turma, DJe, 27/09/2007.
[5] AgRg no REsp 924.942/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, CORTE
ESPECIAL, julgado em 03/02/2010, DJe 18/03/2010. E reafirmando o julgado
veja-se, recentemente o AgRg no AREsp 486.161/MS, Rel. Ministro HERMAN
BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/05/2014, DJe 20/06/2014.
[6] AgRg no Ag 1395888/SC, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA,
TERCEIRA TURMA, julgado em 14/02/2012, DJe 17/02/2012 e também AgRg no Ag
746.230/PB, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em
21/09/2006, DJ 20/08/2007.
[7] AgRg nos EDcl nos EDcl no AREsp 541.240/MS, Rel. Ministro PAULO DE
TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/03/2015, DJe 13/03/2015);
AgRg no REsp 1481433/ES, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado
em 20/11/2014, DJe 10/12/2014; AgRg no AREsp 559.401/RJ, Rel. Ministra
MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 21/10/2014, DJe
07/11/2014); entre outros.
[8] Neste ponto, diferente não poderia ser, mesmo porque, segundo a
Instrução Normativa de nº 2/2009 as três formas de guia de recolhimento da
União tem a mesma destinação, a conta única do tesouro da União, senão veja-
se: "art. 1º Ficam instituídos os formulários da Guia de Recolhimento da
União - GRU, na forma dos anexos I, II e III desta Instrução Normativa. §
1º Os formulários mencionados no caput serão utilizados, obrigatoriamente,
para o recolhimento de receitas e demais valores à Conta Única do Tesouro
Nacional, respeitado o disposto no § 3º deste artigo.".
[9] Na melhor doutrina: "Ademais, as formas processuais cogentes não devem
ser consideradas 'formas eficaciais' (Wirkform), mas 'formas finalísticas'
(Zweckform), subordinadas de modo instrumental às finalidades processuais,
a impedir assim o entorpecimento do rigor formal processual, materialmente
determinado, por um formalismo de forma sem conteúdo. (…) Impõe-se,
portanto, a veemente rejeição do formalismo oco e vazio, que desconhece o
concreto e as finalidades maiores do processo, descurando de realizar a
justiça material do caso.", cfr. OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro. O
formalismo excessivo no confronto com o formalismo valorativo. In: Leituras
complementares de processo civil. 5.ed. Fredie Didier Júnior (organizador).
Salvador: Juspodivm, 2007, p. 351-372.
[10] A Íntegra do acórdão pode ser encontra do seguinte endereço
eletrônico:
http://www.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?newsession=yes&tipo_visualizacao=RE
SUMO&b=ACOR&livre=1498623, último acesso em 21/03/2015.
[11] A íntegra do texto sancionada encontra-se em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm.
Último acesso em 21/03/2015.
[12] FARIA, Marcio Carvalho. Novo CPC vs. A jurisprudência defensiva,
Revista de Processo, v. 210, p. 264.
[13] BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Restrições ilegítimas ao conhecimento
dos recursos. In. Temas de Direito Processual Civil – nona série. São
Paulo: Saraiva. 2007, p. 270.
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