SUBJETIVIDADE NA PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL E A PESQUISA EM EDUCAÇÃO

May 25, 2017 | Autor: Julia Santos | Categoria: Subjectivity, Educação, Pesquisa, Psicologia histórico-cultural
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SUBJETIVIDADE NA PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL E A PESQUISA EM EDUCAÇÃO Júlia Carolina da Costa Santos Maria Silvia Rosa Santana

O objetivo deste texto é desenvolver uma reflexão sobre como o conceito de subjetividade é trabalhado em pesquisas fundamentadas na Psicologia Histórico-Cultural na área da Educação, assim como abordar os processos de construção de subjetividade e de constituição dos sujeitos de acordo com a teoria proposta. Iniciaremos com uma introdução ao tema da subjetividade e a constituição dos sujeitos para a Psicologia Histórico-Cultural, a partir de uma breve reflexão da teoria do russo Lev Vigotski e do professor cubano Gonzalez Rey. Em seguida, apresentamos, a partir de um debate teórico, como a temática vem sendo abordada nas referidas pesquisas e as contribuições que as mesmas podem trazer para uma ampliação do olhar sobre a temática proposta. A subjetividade compreendida através da Psicologia HistóricoCultural O homem se constitui através das suas ações e das suas relações, em uma sociedade distinta, e em um momento histórico, social e cultural específicos. O homem é entendido aqui como um ser interativo, social e histórico, “[...] um agregado de relações sociais encarnadas num indivíduo” (VIGOTSKI, 2000, p. 33), cujo desenvolvimento psicológico ocorre como um processo histórico. Os autores precursores da Psicologia Histórico-Cultural, Vigotski (2001) e Leontiev (1978), consideravam que o homem é um ser em constante transformação, que se diferencia dos outros animais à medida que desenvolve as funções psicológicas superiores no processo interativo com o mundo. É através da apropriação dos

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produtos do desenvolvimento histórico da sociedade humana, da cultura, que o homem tem a possibilidade de se tornar humano, de desenvolver seu psiquismo e construir sua subjetividade. Sobre isso, Leontiev (1978, p. 282) afirma que “[...] o homem não nasce dotado das aquisições históricas da humanidade. Resultando estas do desenvolvimento das gerações humanas, não são incorporados nem nele, nem nas suas disposições naturais, mas no mundo que o rodeia, nas grandes obras da cultura humana.” A constituição do sujeito passa pelo sentido dado pelos homens às ações estabelecidas em suas relações sociais e ao significado que o outro dá a essas ações, ou seja, é produto de todo um processo histórico e cultural. Assim, a subjetividade do indivíduo forma-se ao nível qualitativo das relações deste com o outro. A perspectiva histórico-cultural não reduz o ser humano às determinações sociais ou às características orgânicas, mas, ao enfatizar a gênese da sua constituição como histórico-cultural, elege a cultura como parte integrante da natureza do ser humano e categoria central de uma nova concepção do desenvolvimento psicológico do homem. Por meio da categoria sentido, a Psicologia HistóricoCultural nos possibilita percorrer os caminhos que nos levam à compreensão da unidade dialética entre indivíduo e sociedade e, consequentemente, a formação da subjetividade humana. O sentido associa-se à palavra e surge na consciência como um agregado de todos os fatos psicológicos. A categoria do sentido vincula-se à categoria do significado, que é fruto de construções históricas e culturais estáveis, mas sujeitas às dialéticas das mudanças. “O sentido é uma formação dinâmica, fluída e complexa, que tem várias zonas que variam na sua estabilidade. O significado é apenas uma dessas zonas de sentido que a palavra adquire no contexto da fala.” (VIGOTSKI, 2010, p. 465). As categorias do sentido e do significado não são domínio exclusivo do aspecto cognitivo, mas funcionam em estreita relação entre os aspectos cognitivos e os aspectos afetivos do funcionamento psicológico. Assim, o sentido refere-se ao processo de recriação do

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significado da palavra a partir do seu uso no contexto cultural e das vivências do sujeito (VIGOTSKI, 2003, 2004). É na expressão da singularidade do homem que os significados sociais e sentidos subjetivos se expressam. A humanidade é apreendida a partir da apropriação dos significados, que são construções histórico-culturais encontradas prontas pelos indivíduos, já elaboradas historicamente. Os sentidos são construções subjetivas, e oportunizam ao indivíduo a construção de suas crenças, seus valores, suas intenções, seus sentimentos, enfim, a elaboração da sua subjetividade, possibilitando a formação de conexões entre a consciência e a atividade, em um movimento dialético que confere a cada ser a individualidade que lhe é peculiar. A subjetividade, para González Rey (2005, pp. 36-37), é [...] um sistema complexo de significações e sentidos subjetivos produzidos na vida cultural humana, e ela se define ontologicamente como diferente dos elementos sociais, biológicos, ecológicos e de qualquer outro tipo, relacionados entre si no complexo processo de seu desenvolvimento.

A subjetividade, enquanto categoria na teoria de González Rey, incorpora o social e a cultura como elementos fundamentais na constituição do homem, onde a subjetividade social apresenta-se em múltiplos cenários, momentos e processos, constituídos simbolicamente e em seus sentidos subjetivos e, ao mesmo tempo, a subjetividade individual constitui-se e é constituída a partir da social, em um processo não linear e dialético que permite a conexão de diferentes sistemas e configurações que afetam todos os momentos de expressão do sujeito, sem serem, necessariamente, conscientes. A subjetividade individual se produz em espaços sociais constituídos historicamente; portanto, na gênese de toda a subjetividade social estão os espaços constituídos de uma determinada subjetividade social que antecedem a organização do sujeito psicológico concreto, que aparece em sua ontologia

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como um momento de um cenário social constituído no curso de sua própria história (GONZÁLEZ REY, 2003, p. 205).

Desta forma, a subjetividade individual e a subjetividade social estão constantemente articuladas, e elementos de sentidos provenientes da subjetividade social encontram-se associados aos demais elementos de sentido do sujeito, nos espaços das relações constituídas socialmente, permitindo o trânsito de sentidos que caracterizam tal sujeito, em um processo característico ao ser humano. Assim, como não é possível considerar o sujeito desvinculado de uma carga social subjetiva, não se pode pensar em um espaço social que não seja influenciado de subjetividades individuais. Para González Rey (2007a, 2012), as categorias de sentido subjetivo e de configurações subjetivas são essenciais em sua teorização da subjetividade. Este autor compreende a categoria de sentido subjetivo como o elemento que permite a organização da subjetividade humana, estando inseparáveis os processos cognitivos, emocionais, afetivos e simbólicos, sendo esta interação que constrói a subjetividade. Ao compreender os processos emocionais e simbólicos, percebemos que o estabelecimento dos sentidos subjetivos não são intencionais ou explícitos, já que os sentidos originam-se no encontro do singular de um sujeito com a sua forma de perceber e atuar sobre o mundo objetivo em que vive, que oferece elementos para a singularidade ser construída, oportunizando a subtração das dicotomias existentes nas diferentes produções psicológicas. A categoria de sentido favorece a representação da subjetividade que permite entender a psique não como uma resposta, nem como um reflexo do objetivo, e sim como uma produção de um sujeito que se organiza unicamente em suas condições de vida social, mas que não é um efeito linear de nenhuma dessas condições. Os processos de produção de sentido expressam a capacidade da psique humana para produzir expressões singulares em situações aparentemente semelhantes (GONZÁLEZ REY, 2004, p. 53).

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Os elementos constitutivos da subjetividade encontram-se correlacionados na psique, especialmente a emoção. Assim, cada elemento é transpassado pela existência dos outros elementos e seus processos, mas sem serem sobrepostos. A vida emocional é tida então por González Rey (2003, p. 168) como a [...] expressão de uma subjetividade constituída em uma história singular que se confronta e se expressa dentro do mundo presente no qual o homem vive [...] e um aspecto essencial da produção de sentidos subjetivos, que são responsáveis pela capacidade generativa do sujeito.

O autor refere-se às configurações subjetivas como “[...] a integração de elementos de sentido, que emergem ante o desenvolvimento de uma atividade em diferentes áreas da vida” (GONZÁLEZ REY, 2003, p.127), e ainda como “[...] sistemas complexos, como uma rede na qual uma pode passar a ser um sentido subjetivo da outra.” (GONZÁLEZ REY, 2007a, p. 138), sendo, portanto, a própria subjetividade organizada de forma sistêmica e dinâmica, gerada a partir da pluralidade, do desdobramento de multiplicidades que se entrelaçam ao longo da história de vida do sujeito, dentro do meio social em que está inserido. As configurações subjetivas são, para González Rey (2007a, p. 137), não as “[...] causas do comportamento, mas como uma fonte de sentido subjetivo para qualquer atividade humana”, reafirmando a dinamicidade e processualidade de toda a forma de ação e obra humana, graças aos processos de configuração subjetiva e formação de sentidos do homem. A configuração subjetiva de González Rey funciona de forma em que zonas de sentido ou núcleos de sentido produzidos ao longo da existência e dos processos históricoculturais do indivíduo seriam emocionalmente carregados e dotados de coerência (o que gera a relativa estabilidade do sistema), e, por haver uma interrelação, atuam simultaneamente dos processos de formação e organização de novos sentidos e representações do homem nas suas vivências atuais em seus cenários sociais.

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Ao retomar de forma mais intensa em suas últimas obras o tema da emoção e a relação entre sentido e significado, Vigotski nos mostra sua tentativa de encontrar uma integração da vida psíquica capaz de envolver de forma inseparável a unidade entre o cognitivo e o afetivo em sua teoria. Nas suas palavras, “O sentido de uma palavra é a soma de todos os fatos psicológicos que ela desperta em nossa consciência” (VIGOTSKI, 2010, p. 465), o que nos leva a afirmar, ainda seguindo o pensamento do autor, que o sentido da palavra passa pelo que Vigotski (2000) denomina de influxo de sentido, ou seja, que “[...] os sentidos como que deságuam uns nos outros e como que se influenciam uns aos outros, de sorte que os anteriores como que estão contidos nos posteriores ou os modificam” (VIGOTSKI, 2010, p. 469). Neste processo, a fala é perpassada à consciência e apresentada como o agregado dos elementos psicológicos que surgem como efeito do uso da palavra nas relações sociais. Chamamos a atenção para o fato de que, aqui, fica claro que a categoria de sentido subjetivo usada por Gonzalez Rey enquanto organizador da subjetividade distinguiu-se da categoria de sentido de Vigotski, já que não apresenta a relação imediata entre sentido e palavra, da qual Vigotski (2010) também começou a se afastar em seus últimos anos de trabalho. Destarte, podemos afirmar que nos últimos trabalhos de Vigotski a categoria sentido é apresentada como elemento fundamental para a compreensão da subjetividade a partir da Psicologia Histórico-Cultural. González Rey (2003) destaca que na fase final do trabalho de Vigotski este autor atribui um caráter gerador da psique e a autonomia relativa das emoções nos espaços de produção psicológica, que transformam o sentido numa nova unidade do sistema da psique humana. Em sua teorização sobre a subjetividade, ao investigar sobre as relações entre pensamento e emoção na produção de sentidos subjetivos, González Rey (2003) avança ao elevar as emoções ao posto de um dos elementos mais desafiadores da psique e que mais causam consequências nas vivências e experiências sociais dos sujeitos. Desta forma, as

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produções sociais são saturadas de sentidos subjetivos e organizadas por processos emocionais e simbólicos produzidos nas relações sociais. A subjetividade pode ser compreendida, a partir da categoria sentido subjetivo, como um nível de produção psíquica inseparável dos contextos sociais e culturais onde ocorrem as ações humanas. Assim, o sentido subjetivo não é um sistema intrapsíquico fixado apenas na mente individual, e sim, um tipo de produção humana que permite transpor as dimensões ocultas do social e da cultura, que só se tornam visíveis em seu espaço subjetivo. Para González Rey (2003, p. 78), a subjetividade “[...] não é algo que se internaliza, não é algo que vem ‘de fora’ e que aparece ‘dentro’, o que seria uma forma de manter a dualidade”. A subjetividade se constrói a partir da cultura dentro da qual se constitui o sujeito, e da qual este é também constituinte. As considerações que aqui fazemos têm a finalidade de afirmar a opção teórica na análise do presente estudo, concordando com González Rey (2003) quando este afirma que o enfoque histórico-cultural constitui um referencial teórico geral na construção do pensamento psicológico que, por definição, pressupõe determinados princípios para a compreensão da configuração subjetiva, não só dos sujeitos individuais, mas também dos cenários sociais nos quais atuam. Nesse cenário, considera-se que a educação representa um processo e uma relação inseparável com a sociedade como um todo e com as histórias singulares de seus protagonistas; que os conteúdos escolares não valem por si mesmos, e sim, pelos sentidos subjetivos, constituídos de conteúdos próprios de alunos e professores e, por isso, reguladores de ações individualizadas; por último, que a relevância de uma pesquisa a respeito da abordagem da subjetividade em produções acadêmicas com foco na Educação justifica-se pelo número reduzido de pesquisas sobre esse tema e pelos desafios no desenvolvimento de processos de ensino e aprendizagem significativos para alunos e professores, portadores de subjetividades únicas.

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A subjetividade na pesquisa em educação A partir de pesquisas realizadas na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (IBICT) e no Banco de Teses da CAPES, foram encontrados 22 trabalhos a partir dos descritores utilizados – psicologia histórico-cultural, teoria histórico-cultural, subjetividade, educação, ensino, aprendizagem, sentido, significado, afetividade, emoção – do ano de 2000 ao ano de 2015. Destes 22 trabalhos, selecionamos sete trabalhos, por claramente estarem fundamentados na Psicologia Histórico-Cultural, sendo duas teses e cinco dissertações, para discutirmos a maneira como a categoria da subjetividade vem sendo trabalhada em pesquisas vinculadas à Educação. Os outros quinze trabalhos foram descartados por apresentarem aporte teórico ambíguo, ou com referenciais diversos que destoavam dos pressupostos elencados para este trabalho. Dias (2007) discute a educação das emoções na Educação Infantil sob o aporte da teoria vigotskiana. Nesta dissertação, a subjetividade é trabalhada a partir da emoção e as questões subjetivas são discutidas em seus mais diversos aspectos para alunos e professores da Educação Infantil, e quais são as dinâmicas com o processo pedagógico esperado “[...] cuja concepção é a de que a Educação Infantil é uma etapa preparatória para a alfabetização, subordinada ao Ensino Fundamental.” (DIAS, 2007, p. 135). Educar as emoções, neste contexto, envolve assumir uma ação pedagógica consciente, o que, nas palavras de Dias (2007, p.118), está relacionada “[...] a unicidade que há entre cuidar e educar, cognição e emoção”. Assim, é importante que a emoção seja conhecida, para que esta não seja apenas reduzida aos seus efeitos, e que se considere que os sujeitos experimentam cada situação de forma diferente, o que faz com que o seu desenvolvimento dependa de como este sujeito percebe o ambiente que está ao seu redor (VIGOTSKI, 1929 apud DIAS, 2007). A autora aponta que deve ser feita uma reflexão acerca da formação de professores, para que a dualidade existente no campo da educação entre cognição e afeto seja superada, assim como a

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necessidade da construção de uma nova visão acerca da criança pela escola, que considere a sua “[...] multi-densionalidade que envolve os processos de desenvolvimento” (DIAS, 2007, p.136), e ainda redimensionar o papel do educador, para “[...] o papel de um educador emocional, consciente de seu papel transformador que compreenda que a criança na escola está se desenvolvendo enquanto personalidade e enquanto membro do grupo cultural o qual a integra.” (idem). Schubert (2012), Toti (2007) e Asbahr (2011) discutem a subjetividade em seus trabalhos a partir das categorias de sentido e significado. Schubert (2012) analisou os sentidos e significados do intérprete de libras a partir das relações de saber e poder existentes com a inserção do intérprete na inclusão escolar de surdos; tomando como ponto de partida as políticas públicas para a inclusão. Aqui, nesta dissertação, a subjetividade é trabalhada através das categorias de sentido e significado como apresentadas por Vigotski. Toti (2007) fundamenta-se em Leontiev para discutir a subjetividade a partir da relação entre o a significação objetiva do conhecimento científico sobre física aprendido na escola e seu sentido pessoal atribuído por estudantes trabalhadores. O autor orienta-se na ideia de que o desenvolvimento é um processo histórico e social. A subjetividade, neste contexto, é construída através da relação dialética entre o mundo externo e o mundo interno, e vai sendo constituída conforme a consciência toma forma no psiquismo humano. O autor, que se utiliza da categoria atividade para sustentar sua discussão, chama a atenção para o fato de que as relações de produção entre os homens só se tornaram possíveis com o surgimento da consciência, e que as transformações nas relações de produções acarretam transformações significativas na própria consciência humana. Como Toti (2007, p. 54, grifo do autor) destaca, “[...] a significação é uma propriedade da consciência, responsável pela mediação do homem com os seus reflexos do mundo, quando estes se apóiam na experiência da prática social.”, independe da relação que o sujeito mantém com a realidade. Já o “[...] Sentido

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pessoal, porém, é dependente do motivo que impele o sujeito a realizar uma atividade” (idem). É nas relações objetivas que o sentido é constituído, e é o sentido que determina a relação fundamental entre motivo e fim. O autor destaca o fato de que não basta criar novas necessidades de aprendizagem, mas também é preciso dar condições para que essas necessidades sejam atendidas, para que possibilitem o desenvolvimento intelectual dos estudantes além de potencializar sua relação com a realidade, em particular a forma de ensiná-la e seu significado fixado socialmente. O sentido pessoal da atividade de estudo deve coincidir com o significado socialmente fixado para a atividade de estudo, para que o estudante seja bem sucedido (TOTI, 2007). Asbahr (2011) também discute em sua tese a subjetividade partindo da categoria sentido pessoal, desenvolvida por Leontiev (1978) a partir das teorizações iniciais sobre sentido e significado propostos por Vigotski, e desenvolve uma “[...] análise sobre como a relação entre os motivos da atividade de estudo e as ações de estudo pode engendrar ações esvaziadas de sentido, que não permitem a formação desta atividade” (ASBAHR, 2011, p.8, grifo da autora). Neste trabalho, a autora discursa sobre a constituição das subjetividades dos sujeitos e o seu impacto na aprendizagem e escolarização dos mesmos. O sentido aparece para Asbahr (2011) como constituinte da consciência, e enfatiza o papel do professor como elementar para a formação motivacional dos estudantes, na medida em que o ensino deva ser organizado tendo como finalidade a educação do sentido. Pereira (2008), Costa (2012) e Souza (2012) discutem a subjetividade a partir das teorizações de Gonzalez Rey. Para compreender como se dá a organização cotidiana do lúdico em uma escola municipal de educação infantil e como esse processo se relaciona com as subjetividades de alunos e professoras, Pereira (2008, p. 74) parte da concepção de [...] que pensar a constituição do sujeito na dialética dos processos objetivos e subjetivos da vida cotidiana requer

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recuperar o caráter dialético e complexo das relações humanas e conceber o sujeito como o possuidor de uma condição histórico-cultural; em cada momento histórico as relações sociais e as formas de produzir conhecimentos e sentido para a vida se modificam, uma vez que a ação dos sujeitos encontrase em constante movimento.

O autor utiliza-se na noção de subjetividade e de constituição de sujeitos já apresentada no primeiro tópico deste texto, baseado nos autores: Vigotski, Gonzalez Rey, Pino e Molon. Pereira (2008, p.156) pontua que pesquisar crianças subtende vê-las como “[...] sujeitos sociais e históricos que produzem cultura e influenciam a produção do mundo adulto.” Torna-se então necessário considerar as condições sociais em que vivem, como interagem com os outros, interpretam suas experiências e produzem sentido sobre o que fazem no seu cotidiano. A educação das crianças pequenas precisa ser entendida como uma política social e de vida, contra as desigualdades e pela equidade, respeitando e valorizando os profissionais atuantes, visando garantir uma educação pública, de qualidade e socialmente referenciada. Costa (2012) analisa em sua dissertação os significados e sentidos atribuídos por duas professoras de 1º ano do ensino fundamental à sua própria afetividade, partindo dos pressupostos da teoria histórico-cultural e da categoria de subjetividade proposta por Gonzáles Rey. Neste trabalho, a autora destaca a “[...] ideia de afetividade docente como dimensão negligenciada no contexto escolar” (COSTA, 2012, p.141), cuja expressão ainda causa desconforto e é considerada prescindível para além da educação infantil, ainda associada “[...] a uma extensão da relação maternoinfantil” (idem, p. 142). Desta forma, Costa (2012) defende a importância de se considerar os processos afetivos de professores e alunos, já que ambos “[...] são sujeitos de afetividade e constroem múltiplos (e interdependentes) significados e sentidos sobre suas vivências no processo de ensino-aprendizagem” (ibidem, p. 145). Assim, a autora considera fundamental que os professores tenham a possibilidade, em seus processos formativos e no contexto

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escolar, de aprender e refletir sobre “[...] a afetividade realmente vivida, o que implica a possibilidade de ressignificação e redimensionamento de práticas empreendidas” (COSTA, 2012, p. 146), visando o atendimento das reais necessidades de professores e alunos como sujeitos do processo ensino-aprendizagem. Souza (2012) investigou o exercício profissional docente com o intuito de mapear os processos de subjetivação docente na escola de Educação Infantil da Cidade de São Paulo, a partir da concepção de “[...] sujeito em uma perspectiva complexa perpassado pela história e pela cultura, em processo de constituição permanente, cuja atividade profissional também é complexa envolvendo-o intelectual e afetivamente.” (idem, p.11), utilizando, para isso, a categoria de subjetividade desenvolvida por González Rey. A autora destaca que a subjetividade docente, como subjetividade individual indissociável da subjetividade social, constitui-se no tecido social, e só pode ser compreendida quando considerada a subjetividade da escola, assim como não é possível compreender esta sem considerar àquela. Analisar a subjetividade docente, para Souza, implica considerar o professor como sujeito de pensamento, sentimento e vontade, rompendo a dicotomia afeto/cognição. Assim, é necessário “[...] considerar a dialética entre a história da escola e a história de vida do professor, entre a subjetividade social da escola de Educação Infantil e o processo de subjetivação docente.” (SOUZA, 2012, p.200). Considerações finais Partindo dos fundamentos da Psicologia Histórico-Cultural acerca da construção da subjetividade, que perpassam pela própria constituição dos sujeitos, fica claro que as relações empreendidas no contexto escolar constituem-se como lugar propício para o desenvolvimento de pesquisas onde os processos subjetivos dos sujeitos e das instituições podem ser analisados e compreendidos na integração do individual com o social, a partir dos sentidos construídos pelos sujeitos em relação ao objeto de conhecimento,

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das suas relações e da sua vivência nos lugares que ocupam socialmente. Torna-se possível, assim, alcançar o caráter complexo da escola e de seus atores através da articulação de seus elementos sociais, que integrados na constituição dos processos individuais, formam uma teia relacional em que ambos se complementam de modo dialético e recorrente. A análise dos diversos trabalhos onde a subjetividade foi trabalhada, vinculada à construção de sentidos e significados nos processos de aprendizagem, dos processos afetivos e das relações que se constituem neste contexto, possibilitou uma reflexão sobre o cenário escolar, que nos leva a afirmar que este se constitui de características singulares através dos sujeitos que o compõem, por elementos que estão além dos aspectos imediatos desse contexto, que correspondem aos aspectos subjetivos que perpassam a singularidade e a organização social da escola. Intencionamos contribuir para a compreensão a respeito da subjetividade para a Psicologia Histórico-Cultural, assim como destacar as contribuições das referidas pesquisas para a área da Educação. Neste caminho, nos deparamos com o baixo número de pesquisas envolvendo a categoria da subjetividade tal como elencada neste texto. A saída para tal situação foi buscar trabalhos elegendo descritores que, a partir da familiarização com o aporte teórico, pudesse nos dar as respostas que buscávamos como: afetividade, emoção, sentido e significação. Desta feita, consideramos importante apenas selecionar trabalhos que tivessem clara e fortemente referenciados pela Psicologia Histórico-Cultural, descartando os trabalhos onde o aporte teórico fosse ambíguo, ou com diversos referenciais que destoam dos pressupostos elencados para este trabalho. A dimensão afetiva destaca-se nos trabalhos analisados, sendo esta fundamental para que a escola cumpra o papel de promover o desenvolvimento dos sujeitos, o que torna imperativo ressignificar as relações que os diversos atores constituintes do

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processo educativo estabelecem com os aspectos cognitivos, afetivos e emocionais dos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem. Ao desvincular no sujeito os seus sentimentos, emoções e processos cognitivos, e não considerar sua historicidade, não é propiciado espaço para o desenvolvimento pleno, assim como não contribui para formação de sujeitos emocionalmente saudáveis. Estas reflexões dirigem-se à superação desta dicotomia entre a cognição e os aspectos afetivos no campo da Psicologia e da Educação, e a pesquisa apresentada neste texto destina-se a dar novo significado, historicamente construído, a respeito da subjetividade, assim como aos problemas enfrentados no espaço escolar, a partir das quais possam ser construídas novas representações sobre a educação e suas diferentes áreas. Referências ASBAHR, F. S. F. “Por que aprender isso, professora?” Sentido pessoal e atividade de estudo na Psicologia Histórico-Cultural. 220 f. Tese (Doutorado – Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Área de Concentração: Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano) – Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. COSTA, A. J. A. “Professora também sente”: significados e sentidos sobre a afetividade na prática docente. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Ceará, Centro de Humanidades, Departamento de Psicologia, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Fortaleza, 2012. 154f. DIAS, E. T. G. Educação das emoções: investigação no cotidiano da educação infantil à luz da abordagem vigotskiana. Dissertação (mestrado) – Universidade Católica de Brasília, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, 2007. 152 f. GONZÁLEZ REY, F. Sujeito e subjetividade. São Paulo: Pioneira. 2003. ______. Pesquisa qualitativa e subjetividade: os processos de construção da informação. São Paulo: Pioneira. 2005. ______. Psicoterapia, subjetividade e pós-modernidade: uma aproximação histórico-cultural. São Paulo: Thomson. 2007ª. ______. As categorias de sentido, sentido pessoal e sentido subjetivo: sua evolução e diferenciação na teoria histórico-cultural. Psicologia da Educação. (pp. 155-179). PUCSP, 24, 1o sem. 2007b.

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