SUBJETIVIDADE, PESQUISA, EDUCAÇÃO: ENTREVISTA A EDUARDO SIMONINI FEITA POR ESTUDANTES DO PRIMEIRO PERÍODO DO CURSO DE PEDAGOGIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE

June 2, 2017 | Autor: Eduardo Simonini | Categoria: Subjectivity, Pesquisa, Pedagogia
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SUBJETIVIDADE, PESQUISA, EDUCAÇÃO: ENTREVISTA A EDUARDO SIMONINI FEITA POR ESTUDANTES DO PRIMEIRO PERÍODO DO CURSO DE PEDAGOGIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA-MG (10/06/2016)

- O que mais o agrada quando pesquisa/estuda a subjetividade e afetos dos universitários? O que mais me atrai para as pesquisas que realizo são os elementos que compõem a experiência de invenção de mundos. Nesse sentido, a aproximação com o universo dos universitários também se articula com essa proposta de seguir os movimentos inventivos de realidade que eles praticam no dia a dia. Sendo que por invenção não entendo algo como necessariamente “bom”, mas como um processo de criação – e muitas vezes criações minúsculas, sutis – de outras possibilidades de realidade que não estavam pré-dadas ou planejáveis. - Qual a importância da pesquisa em Educação e, mais especificamente, da sua pesquisa para a UFV e sociedade em geral? Penso que as pesquisas em educação devem sempre estar buscando problematizar o que parece já ter se estabelecido como verdade. Qualquer pesquisa deve assim proceder, porque é a forma como podemos sempre atualizar modos de pensar nosso próprio tempo. Soluções criadas por pesquisas do início do século passado não necessariamente respondem aos problemas que enfrentamos hoje, pois acredito que a realidade não é uma peça que aperfeiçoamos, mas um processo que criamos continuamente diante aos vetores políticos, econômicos, estéticos, sociais, etc, nos quais nos enovelamos. Assim, pensar e problematizar a educação é igualmente pensar e problematizar nossas formas de aprender e interferir na realidade que construímos – diariamente – estando juntos. Quanto a minhas pesquisas, penso que as contribuições delas são, para aqueles que delas se aproximam, as de questionar as certezas do mundo e igualmente construir um pouco de uma narrativa dos processos de invenção de realidade engendrados nos grupos estudantis dos quais me aproximei. Ressaltando que, para mim, mais importante que o fator identitário desses grupos, é o processo de produção de sentidos de realidade que eles colocam em movimento quando propõem modelos de ser estudante e modelos de se transitar por uma universidade. Esses grupos estudantis são muitas vezes mais importantes na construção social de um aluno do que a própria sala de aula. Assim, seguindo tais grupos, indicamos também às universidades a necessidade de assumi-los como parceiros no processo de formação, uma vez que esses grupos estabelecem também currículos e maneiras de viver-pensar que interferem nas escolhas dos discentes. - Em uma palestra que você ministrou recentemente (“Praticantes de mundo: invenção dos cotidianos discentes na universidade”) você nos disse que o pesquisador escolhe seus temas de pesquisa baseado nas experiências que teve. O que o levou a querer estudar o cotidiano dos estudantes universitários? O tema do cotidiano e da produção de subjetividade surgem na minha vida a partir do instante em que eu passo a vivenciar a realidade como processo de invenção e não como um destino pré-definido. Em termos pessoais, o seguir tais sentidos mudou meus modos de conceber a produção de meu mundo e consequentemente de conceber a mim mesmo. Projetos de acabamento, de perfeição, de conclusões, começaram a me parecer cada vez mais frágeis tanto em termos do pensamento nas pesquisas, quanto nas vivências articuladas em minha vida pessoal. A existência passou a se apresentar para mim como uma experimentação sem

garantias de sucesso, onde o ponto principal da viagem do existir se tornou o próprio trajeto e não seu ponto de partida ou de chegada. Nesse sentido, ao me deparar com estudantes que começavam suas trajetórias universitárias no mesmo movimento em que mudavam suas referências de universo – ao se distanciarem de suas famílias e cidades de origem – encontreime com pessoas que tanto inventavam novos horizontes, quanto também mergulhavam em infernos de sentido por não conseguirem construir um novo território existencial para si mesmos na nova realidade que era a universidade. O processo de como faziam suas viagens é que me fascinou. - Nesta mesma palestra você disse: “Esteja disponível para o acaso, não se prenda ao resultado final, não diminua o seu mundo”. O que você quis dizer com ‘esteja disponível para o acaso’? Quis dizer que o mundo é maior que a nossa ideia de mundo. Umberto Eco, em um livro chamado “O Nome da Rosa”, disse, através de um personagem chamado Adson, que não podemos impor nossos limites a Deus. A grande vaidade humana é conceber limites humanos ao mundo, como se fossem válidas apenas as nossas maneiras de pensar e fossem possíveis apenas as coisas que conseguimos prever ou imaginar. Se prender a um resultado final esperado é reduzir seu mundo a sua própria ideia do mundo. No movimento da pesquisa a abertura ao estranhamento é mais importante do que a necessidade de se chegar a uma conclusão coerente. A coerência do mundo é uma necessidade de nossa cognição – que precisa de ordem e estabilidade – mas não necessariamente uma certeza a petrificar a realidade. - Quais características e atitudes são imprescindíveis para um pesquisador da área da Educação? Cada pesquisador tem sua própria maneira de fazer suas pesquisas, pois será tocado, afetado, por diferentes problemáticas de perspectivas de realidade. Há aqueles que se sentem mais confortáveis a replicar os padrões do mundo, outros que se sentem mais atraídos no que escapa aos padrões. Mas acredito que se há uma característica que unifica diferentes maneiras de ser e se fazer pesquisador, é a curiosidade. A curiosidade coloca em movimento essa sensação de que há mais no mundo do que o meu entendimento do mundo. Pessoas que não têm mais curiosidade são aquelas que não questionam para além do território que já conhecem, muitas vezes seguras nas certezas da realidade que construíram. Nos regimes de fundamentalismos religiosos, políticos e filosóficos, a curiosidade é um pecado, um erro, uma traição à confiança em uma verdade e, portanto, deve ser suprimida. Por isso penso que um pesquisador deva ser antes de tudo um herege das certezas. - Em relação a linha de pesquisa que você participa no mestrado: qual ‘parte’ (educação, instituição, memória ou subjetividade) acha mais interessante? Por que? Não há uma “parte” mais importante, porque elas se enovelam em uma mesma dança, em uma mesma rede. No momento em que concebo a subjetividade não como sendo sinônimo de “intimidade”, de “eu interior”, mas como um processo coletivo, como a produção de uma sensibilidade e de modos de pensar que atravessam os sujeitos e grupos, imediatamente me remonto à perspectiva de que toda instituição – e instituição aqui entendida não apenas como uma forma jurídica, mas também como uma dimensão de produção de valores e práticas – é tanto produtora de subjetividades quanto produzida por estas. Uma família, por exemplo, é uma instituição que produz maneiras de amar, maneiras de conviver, maneiras de lidar com a

sexualidade, maneiras de conceber uma moralidade, etc; por sua vez é também produzida na trama com outras instituições. Tudo isso coloca uma ordem na realidade, estabelece uma construção histórica dessa realidade, funda uma memória e, consequentemente, processos educativos que interferem nas produções de subjetividade, nas composições institucionais, na produção da memória e da história e, consequentemente, nos processos educativos. Tudo está em rede. Não há uma “parte” mais interessante. Puxar um fio é puxar tudo ao mesmo tempo. - Alguns alunos do primeiro período da Pedagogia estão participando de um projeto de pesquisa de uma das suas orientandas no qual o assunto são os filmes e o que eles podem despertar de afetos nos calouros. Quais resultados espera-se que este projeto traga para o espaço acadêmico? Realmente eu não posso antecipar um resultado. Tive que fazer, com minha orientanda, um trabalho de diminuir as expectativas da parte dela por resultados. Pensar um resultado já é colocar um destino ao pensamento, o que queremos evitar. Os filmes despertam afetos tanto nos estudantes quanto em minha orientanda, e, nesse sentido, a proposta é compreender que mundos eles todos formam juntos e como o uso dos filmes como dispositivos disparadores de maneiras de sentir e pensar podem auxiliar não a formar um “estudante melhor”, mas problematizar as possíveis imagens rigidificadas de si e do mundo. Todas as profissões se encontram no desafio de conceber um mundo, contudo o pedagogo é aquele que faz explicitamente dos processos de aprendizagem a sua profissão. Assim, se temos um objetivo, é despertar a experiência de curiosidade, na tentativa de ampliar o mundo a partir das sensações partilhadas nos filmes. Trazer aos pedagogos a oportunidade de pensar como eles próprios se tornam educadores nas redes que afetos onde (des)organizam suas próprias identidades pessoais e profissionais. -Dentro do campo da pesquisa, como a psicologia pode ajudar a formar bons educadores/pesquisadores?

Como disse um filósofo francês chamado Maurice Merleau-Ponty, não existe diferença entre Psicologia e Inter-psicologia: tudo é social e tudo é individual. Pesquisar uma experiência privada de um sujeito não nos conduz exclusivamente às particularidades do mesmo, mas à complexidade de mundos em meio aos quais ele se organizou. Esse sujeito individual e igualmente social, cria maneiras de pensar, consequentemente organiza formas de viver e, por sua vez, também de intervir. Fazer psicologia, então, não diz respeito ao estudo apenas de interioridades privativas, mas aos estudos das redes (tecnológicas, políticas, econômicas, afetivas, sociais, etc) nas quais um sujeito inventa a si e o mundo. Estudar psicologia é eminentemente estudar processos de aprendizagem. Assim, na psicologia que eu pratico, bons pesquisadores e educadores são aqueles que não reduzem a psicologia à psicologia e a pedagogia à pedagogia. Bons pesquisadores e educadores são aqueles que assumem que em todos os espaços e disciplinas há processos de aprendizagem e de produção de realidades e, assim, em vez de se perguntarem, como fazia Aristóteles, “o que é isso?”; passam a se questionar “como isso funciona?”; “que processos de aprendizagem são colocados em movimento a partir desse fenômeno?”

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