Subsídios para uma História Social da Ciência e da formação científica no Brasil Coppe - 50 anos de fomento à pesquisa

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1 Anais Eletrônicos do 14º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia – 14º SNHCT

SUBSÍDIOS PARA UMA HISTÓRIA SOCIAL DA CIÊNCIA E DA FORMAÇÃO CIENTÍFICA NO BRASIL: COPPE – 50 ANOS DE FOMENTO À PESQUISA Patrícia Regina Corrêa Barreto* Jefferson Dos Santos Alves**

No ano de 2012, o Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST), a École dês hautes études em sciences sociales (EHESS) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) iniciaram um projeto de pesquisa em conjunto denominado Subsídios para uma história social da ciência e da formação científica no Brasil (1951-2011). O objetivo inicial dessa pesquisa é levantar nomes e trajetórias profissionais de todos os bolsistas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) desde a fundação de ambos em 1951. Aproveitando, no entanto, o ensejo das comemorações dos “50 anos de fundação da Coppe” (2013/2014), a Coordenação de História da Ciência do MAST abriu uma nova frente de trabalho e debruçou-se, como forma de complementar a pesquisa já iniciada, sobre o contingente dos mestres e doutores formados pelo Instituto Alberto Luiz Coimbra de PósGraduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que, entre os anos de 1963 e 1973, obtiveram algum tipo de apoio financeiro institucional, e implementaram um trabalho de pesquisa e divulgação científica no Brasil e no exterior. A escolha da Coppe como objeto de trabalho por parte do MAST não é justificada apenas pelo ensejo das comemorações dos seus 50 anos. A criação da Coppe respondia a uma demanda industrial por uma mão de obra técnica capaz de desenvolver novas tecnologias. Para essa resposta, a Coppe foi pioneira ao implantar uma linha educacional que aliava formação acadêmica e científica às necessidades das indústrias. Portanto, conhecer a trajetória de seus egressos possibilita analisar a importância dessa instituição para o progresso técnicocientífico no Brasil.

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Professora de História do Colégio Militar do Rio de Janeiro, bolsista (especialista visitante PCI - CNPq) do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST/MCTI), doutora em História das Ciências, Técnicas e Epistemologia, PHCTE/UFRJ. ** Bolsista (desenvolvimento PCI - CNPq) do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST/MCTI), mestre em História pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG 08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9

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O recorte temporal desta pesquisa, 1963 a 1973, corresponde aos dez primeiros anos da Coppe e ao período em que seu idealizador, Alberto Luiz Galvão Coimbra, foi seu diretor. A justificativa para escolha desse recorte pode ser demonstrada pela própria história da formação do instituto, conforme passamos a expor.

A formação da Coppe As décadas de 1950 e 1960 foram especialmente propícias à modernização dos cursos de Engenharia, posto que a área de tecnologia, por excelência, começava a associar-se a noção de desenvolvimento econômico. Durante o segundo governo Vargas (1951-1954), foi estruturada uma conjunção de propósitos para industrialização nacional a partir das ideias gestadas pelos economistas da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe– CEPAL, criada pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, em 1948, sediada em Santiago do Chile. Segundo a CEPAL, a industrialização seria a saída viável para o subdesenvolvimento dos países latinos. Getúlio Vargas, coadunando com a Comissão, criou, através da Lei nº 1.628, de 20 de junho de 1952, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE). O objetivo da nova autarquia federal era ser o órgão formulador e executor da política nacional de desenvolvimento econômico, disposto a financiar e estimular a instalação de indústrias no Brasil. O economista Celso Furtado1, então membro da equipe da CEPAL, junto com outros técnicos, é convidado para preparar um plano de incremento do setor industrial no Brasil. Com a ascensão de Juscelino Kubitschek, o desenvolvimento econômico e o plano de industrialização nacional tornaram-se política de governo. A substituição de importações tornou-se a ordem do dia e o carro chefe da economia. Em 1958, o BNDE dispôs-se a financiar o treinamento e o ensino técnico dos funcionários das empresas que lhe tomavam empréstimos. A cada operação de financiamento, a empresa poderia solicitar um adicional de 3% do valor do empréstimo para treinamento de recursos humanos. Assim, fez-se um planejamento que visava não só a industrialização efetiva, mas também a capacitação de um contingente de mão-de-obra especializada para operar os meios de produção adquiridos com os empréstimos. 1

Celso Monteiro Furtado nasceu a 26 de julho de 1920 em Pombal, no sertão paraibano, chega ao Rio em 1939, entra para a Faculdade Nacional de Direito e começa a trabalhar como jornalista na Revista da Semana. Em 1948, é feito doutor em economia pela Universidade de Paris, com a tese "L'économie coloniale brésilienne", dirigida por Maurice Byé. De volta ao Brasil, retoma o trabalho no DASP. Em 1949, instala-se em Santiago do Chile para integrar a recém-criada Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), órgão das Nações Unidas que se transformará na única escola de pensamento econômico surgida no Terceiro Mundo.. Fonte: http://www.sudene.gov.br/quem-foi-celso-furtado, 28/07/2014, às 14h. Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG 08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9

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À época, José Pelúcio Ferreira2, antigo assistente-técnico da equipe de Celso Furtado, foi promovido a chefe de divisão no BNDE. Ao examinar os projetos para instalação de indústrias químicas e petroquímicas, verificou que apenas 10% do investimento correspondiam aos custos de engenharia, especialmente na engenharia de processos químicos. Isto é, a tecnologia utilizada era quase que totalmente importada, cabia, portanto, ao BNDE financiar não apenas a substituição da importação de bens, mas também de transferência de tecnologia. No entanto, como fazê-lo? Após ler um artigo do criador/diretor do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas – CBPF, José Leite Lopes3, sobre a impossibilidade de produzir tecnologia sem uma universidade capaz de oferecer um ensino de engenharia de base científica, Pelúcio intuiu que a melhor saída dentre as existentes seria conjugar o ensino e a pesquisa. Isto é, formar engenheiros teóricos: professores, acadêmicos que pudessem desenvolver uma pesquisa que aliasse a teoria e prática no ramo da engenharia, e que atendesse as demandas relativas à expansão do mercado. Convidado a visitar o BNDE, Leite Lopes falou sobre o papel da Ciência para o progresso tecnológico da nação, da importância das oportunidades e dos incentivos financeiros para pesquisa nas universidades, e, sobretudo, da remuneração aos professores como estímulo à dedicação exclusiva à pesquisa e ao ensino. Resumindo as palavras do físico, precisava-se de dinheiro, mão de obra qualificada e instituição para essa empreitada. No entanto, onde sedimentar a conjunção ensino-pesquisa como motor do desenvolvimento econômico do país? Com quem? Hélio do Rego, assessor do BNDE para Projetos de Indústria Química, relatou a existência de um curso de mestrado recém-criado no Instituto de Química. E o professor Alberto Luiz Galvão Coimbra4 é convidado a visitar o Banco e apresentar uma proposta de pós-graduação em engenharia no Brasil. 2

Economista nascido em Baependi, Minas Gerais. Foi um dos fundadores do BNDE. No FUNTEC (1964-1967) e depois na FINEP (1967-1975), transformou-os nos mais importantes órgãos de financiamento à ciência e à tecnologia do país, sendo responsável pela criação de 114 cursos de pós-graduação no país, entre mestrados e doutorados, incluindo a criação da Coppe, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, a UFRJ. Fonte: http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias/JosePFer.html, 25/07/2014, às 15h. 3 Professor Leite Lopes, pernambucano de Recife, bacharelou-se em Química Industrial na Escola de Engenharia de Pernambuco, em 1939. Em 1940, ingressou no Curso de Física da Faculdade Nacional de Filosofia, Rio de Janeiro, concluindo-o em 1942. Com Cesar Lattes, e com o apoio do Ministro João Alberto Lins de Barros, de Nelson Lins de Barros e de Henry British Lins de Barros, fundou o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas. Fonte: http://www.cbpf.br/LeiteLopes/#Autobiografia, 05/08/2014, às 15h. 4 O “Professor Coimbra”, fundador da Coppe, graduou-se em química industrial na Escola Nacional de Química, na antiga Universidade do Brasil.Em 1947, ganhou uma bolsa de estudos e foi para a Universidade de Vanderbilt, em Tennessee, no sul dos Estados Unidos, onde fez o mestrado em engenharia química. Nos Estados Unidos conheceu o padre Sabóia de Medeiros, fundador da Faculdade de Engenharia Industrial de São Paulo, que o contratou para ensinar engenharia química e implantar um laboratório de operações da indústria química. Em 1949, o professor volta o Brasil e vai para São Paulo.Em 1953, volta para o Rio de Janeiro, a convite do Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG 08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9

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A ideia de criação de uma pós-graduação em Engenharia Química no Brasil nasce da parceria entre os professores Alberto Coimbra e Frank Tiller5. Até a década de 1960, segundo entrevista concedida pelo professor Coimbra a Fernando Lobo Carneiro, Giulio Massarani e Luiz Pinguelli Rosa (Coordenação de Programas de Pós-Graduação em Engenharia) e Luisa Massarani (Ciência Hoje)6, a pós-graduação existente no Brasil era baseada em exames. Havia uma exceção, que era o projeto que o Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), situado em São José dos Campos (SP), tentava implantar. Esse curso começou a funcionar em princípios da década de 1960. Mas, de modo geral, não se adotavam sistematicamente programas de estudos, com aulas e pesquisas. Quem pretendesse fazer uma pós-graduação nesses moldes tinha que ir para o exterior. Na impossibilidade de efetuar mudanças radicais nos cursos de graduação, surge a saída de montar um curso de pós-graduação que, a princípio, funcionaria na Escola de Química e que teria a duração de três anos. O primeiro passo para implementá-lo seria compreender essas novas linhas educacionais que aliavam princípios científicos à tecnologia e aos projetos de instalações. O professor Coimbra viajou para os EUA em 1961, com bolsa concedida pela Organização dos Estados Americanos (OEA), para visitar as universidades de Minnesota, Califórnia e Massachusetts. Os americanos, impressionados com o lançamento do Sputnik pelos soviéticos, tinham feito modificações profundas em seus cursos de engenharia. O evento provocou uma reestruturação na área de ciências, especialmente nos programas de pós-graduação. No auge da Guerra Fria, quando os Estados Unidos da América e a extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas disputavam áreas de influência política e militar, as universidades norte-americanas remodelavam seus cursos de Engenharia, atraindo jovens que estivessem interessados em participar de projetos de pesquisa fundamentados na Matemática, na Física e na Química em prol do desenvolvimento da Ciência da Engenharia. Nascia um novo modelo acadêmico que viria ser utilizado no curso de Coimbra e Tiller em terras brasileiras. Fascinado pela reforma ocasionada pela Guerra Fria no ensino da Engenharia, Coimbra volta ao Brasil e se dedica exclusivamente à universidade e ao projeto de criar um curso de pós-graduação. Para obter um corpo docente adequado ao esse projeto, enviou seus Conselho Nacional do Petróleo, para trabalhar no curso de refinação de petróleo que estava para ser inaugurado.Ainda em 1953, foi lecionar na Escola Politécnica da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Além disso, atuava como consultor de companhias multinacionais como a Carborundum e a Castrol e mantinha um escritório de projetos de engenharia química. 5 Professor Orientador de Alberto Luiz Galvão Coimbra na tese de mestrado defendida na Universidade de Vanderbilt. 6 http://www.squadra.com.br/canalciencia_hmg/opencms/notaveis/livros/alberto_luiz_galvao_coimbra_41.html. Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG 08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9

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melhores alunos da graduação em engenharia à Huston nos Estados Unidos, com uma bolsa de estudos da OEA, para adquirirem o título de mestre. Adicionalmente, redigiu um documento, intitulado Oportunidade para instalação de um curso de pós-graduação de Engenharia Química no Brasil, apresentado em março de 1961 à Escola de Química. O documento apresentava a proposta inicial de um curso, que qualificaria doutores, com duração de três anos e que iniciaria com turmas de 10 a 15 alunos, todos com bolsas de estudos cedidas pelo governo brasileiro, para desenvolverem pesquisas científicas. Além disso, “[...] Quatro ou cinco jovens viriam dos Estados Unidos para ministrar as aulas e realizar pesquisas. Um professor mais experiente, que poderia vir ao Brasil esporadicamente, coordenaria o curso” (MASSARANI, 2002: 22-23). Essa proposta, que havia sido muito bem recebida por diversas organizações norte-americanas de pesquisa, como Fullbright Comission, National Academy of Science, National Science Foundation, Ford Foudation e Rockefeller Foundation com boas possibilidades de auxílio, não obteve ressonância no Brasil. Para não deixar esmaecer a ideia, Coimbra organizou, em 1962, com a ajuda do professor Athos da Silveira Ramos7, três cursos rápidos de especialização ministrados por professores norte-americanos e pagos com verbas que Frank Tiller havia obtido na OEA. Ainda em 1962, o professor Athos assumiu a presidência do recém-criado Instituto de Química e propôs que o futuro curso de mestrado fosse incluído em sua grade curricular8. Instalado em duas pequenas salas no prédio da escola de Química na Praia Vermelha, o curso de mestrado em Engenharia Química teve início em março de 1963. A primeira turma contava com nove alunos9 e o corpo docente era formado pelos norte-americanos Donald Katz e Louis Brand e os brasileiros Nelson de Castro Faria, Maurício Leonardos, Affonso Silva Telles e Giulio Massarani. Os três últimos tinham recém-chegado do mestrado na Universidade de Houston, enviados por Coimbra com bolsa de estudos. Em 29 de maio de 1964 foi criado o Fundo de Desenvolvimento Técnico-Científico (FUNTEC), cujas diretrizes foram elaboradas com a colaboração de Coimbra. A FUNTEC 7

O professor gaúcho era químico industrial, foi Livre-Docente, Química - Universidade do Brasil (1939), Catedrático, Universidade do Brasil (1952), Escola Superior de Guerra (1961), Diretor-Presidente, Instituto de Química, UFRJ, Coordenador do Curso de Estudos de Problemas Brasileiros, Fundação Getúlio Vargas (1978/85) e Presidente da Academia Brasileira de Educação (1992/94). Fonte: http://centrodememoria.cnpq.br/athos-silveira.html, 26/07/2014, ás 10h. 8 O Instituto de Química foi criado em 1962 com o objetivo de "reunir e organizar em cadeiras e laboratórios afins as 39 cátedras de Química que se espalhavam por nove escolas da Universidade do Brasil. O Instituto tinha também o objetivo de incentivar a pesquisa na Universidade, antigo projeto de Athos. [...] Agora, Athos voltava à carga: colocou entre as atribuições do Instituto a criação de cursos regulares de pós-graduação acoplados à atividade de pesquisa" (COSTA, 2004:24-25). 9 Os alunos eram Gileno Amaral Barreto, Walmir Gonçalves, Túlio Bracho Henriques, Jair Augusto de Miranda, Carlos Augusto Guimarães Perlingeiro, Paulo Ribeiro, Nelson Trevisan, Edgard Souza Aguiar Vieira e Liu Kai (COSTA, 2004:27). Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG 08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9

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utilizava 3% do investimento anual do BNDE para financiar institutos de tecnologia. O primeiro financiamento foi para o curso de mestrado de Engenharia Química do Instituto de Química da Universidade do Brasil. Os projetos do professor Coimbra, no entanto, não paravam por aí. Havia o desejo de expandir o curso para os outros ramos da Engenharia. Objetivo este que esbarrava com campos específicos da tradicional Escola Nacional de Engenharia, a velha Politécnica dos tempos imperiais. Com o apoio do diretor da escola, o dinheiro do BNDE e os contatos internacionais de Tiller, Coimbra criou, em 1965, o mestrado em Engenharia Mecânica. Cinco anos mais tarde, já estavam criados dez dos doze cursos da Coppe. Em 1964, foi formado o primeiro mestre, Nelson Trevisan em Engenharia Química e em 1970, o primeiro doutor, Alcebíades de Vasconcellos Filho em Engenharia Cívil. Nesse ínterim foram produzidas mais de 159 dissertações de mestrado. Com a expansão dos cursos, foi sugerido por Carlos Chagas Filho, criador do Instituto de Biofísica, o nome “coordenação” para departamento. Daí surge a Coordenação dos Programas de Pós-Graduação de Engenharia (Coppe), que pouco a pouco ganhava reconhecimento no meio acadêmico, embora ainda não tivesse status legal. Apenas em 1971 foi formalmente declarado órgão suplementar da então Universidade Federal do Rio de Janeiro. Alguns anos antes, em 1965, a Coppe tinha sido transferida para a Cidade Universitária situada na Ilha do Fundão, onde dispôs de espaço para aprimoramento e instalação de novos cursos. A entrada dos anos de 1960, embora conturbados para as universidades, foram favoráveis ao desenvolvimento da Coordenação. Em 1965, o governo militar brasileiro assina um convênio com o governo norte-americano pelo qual os EUA ajudariam o Ministério da Educação e Cultura - MEC a reformar o ensino superior. Era o Acordo MEC/USAID (United States Agency for International Development).O professor Coimbra e sua equipe passavam ao largo das discussões acerca da tentativa de moldar a educação nacional aos interesses norteamericanos, tratavam apenas de aproveitar o quanto podiam as oportunidades oferecidaspelo estreitamento de relações políticas e educacionais entre os dois países. Usavam bolsas da USAID para mandar alunos para o doutorado nos EUA e para trazer novos professores. À época, o professor Coimbra aproximou-se de Rudolph P. Atcon, consultor norte-americano contratado pelo MEC, que tinha o projeto de criar o Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras – CRUB, a fim de introduzir métodos e práticas modernas de administração nas universidades. Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG 08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9

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Um fato muito curioso, ocorrido durante o regime militar, foi a aproximação da Coppe com a extinta URSS. Em razão de um rompimento com Tiller, Coimbra passou a negociar apoio institucional com soviéticos na perspectiva de reduzir a dependência dos norteamericanos. Em 1968 começaram a chegar professores russos, além de europeus e japoneses. No entanto, tal iniciativa não passaria despercebida pelos militares. Com a chegada do Victor Lenski, a mão do regime fez-se presente. O professor da Universidade de Moscou, sumidade internacional em resistência de materiais, teve seu quarto de hotel revirado pela polícia. Em 1971, quando o contrato de assistência técnica com a então URSS estava no fim, a Coppe queria renová-lo para manter os quatro professores que atuavam nos Programas de Engenharia Naval, Elétrica e Civil, o MEC e o Ministério das Relações Exteriores - MRE manifestaram-se contra e o contrato foi extinto. Quando a Coppe abriu suas portas, já estava na equipe Donald Katz, um dos mais competentes nomes da Engenharia Química nos EUA. O professor lecionava duas disciplinas, tendo como assistentes Giulio Massarani e Silva Telles. Simultaneamente, chegava Louis Brand (Universidade de Huston), conhecido matemático que havia se doutorado na Alemanha. Depois dele, chegaram professores franceses, alemães, canadenses, ingleses e de outros países que, apesar de permanecerem por um período curto, traziam o que de melhor havia nas escolas internacionais de Engenharia. Por outro lado, a fim de divulgar a pós-graduação, Coimbra e membros de sua equipe visitavam as faculdades de Engenharia do Brasil, colocavam anúncios em jornais locais, e convidavam os estudantes concluintes a conhecer os cursos de mestrado e seus objetivos. Nesses encontros, entrevistavam os jovens para avaliar suas qualidades e aqueles mais promissores eram informados sobre a existência de uma bolsa de estudosno Rio de Janeiro com a finalidade de dedicar-se exclusivamente aos estudos e à pesquisa. Essa iniciativa atraiu inclusive jovens da América Central e de outros países da América do Sul. Em 1970, foi criada a Coordenação de Pesquisas, Projetos e Estudos Tecnológicos (Coppetec), que passaria a negociar com as empresas os serviços a serem prestados pelos professores. Os primeiros contratos foram com a Superintendência para Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) e com a Companhia Vale do Rio de Doce. “Quatro anos depois, o faturamento da Coppetec já aumentava em quase 30% o orçamento da Coppe” (MASSARANI, 2002: 41). Desde então, vários órgãos do governo e empresas públicas e privadas utilizam seus serviços de consultoria e assessoramento técnico. Hoje, no Brasil, e também no exterior, a COPPE destaca-se como centro irradiador de conhecimento e de profissionais qualificados, servindo de modelo para universidades e Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG 08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9

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institutos de pesquisa em todo o país. Não é exagero afirmar que a inteligibilidade de muitos projetos de engenharia que inovaram o mercado brasileiro, nos últimos cinquenta anos, assim como o reconhecimento crescente do Brasil como “potência emergente” na cena internacional, está diretamente relacionando ao contingente formado pelos programas de pósgraduação do Instituto. A partir desse histórico dos primeiros anos da Coppe, este projeto de pesquisa busca entender os modos de operação das agências de fomento e conhecer quem foram os beneficiários de suas ações. Essas questões ampliam nossos horizontes em direção aos alicerces da construção da comunidade científica e ao estabelecimento de seus vínculos com as demais comunidades existentes em escala planetária. O projeto também buscará compreender em que grau as agências de fomento contribuíram para que o Brasil saísse da “periferia dos debates intelectuais”. Em relação às agências de fomentos, destacamos aqui a parceira entre a Coppe e o CNPq que fez do instituto um centro de referência em pesquisa científica no Brasil e no mundo. Hoje, os seus pesquisadores dispõem do maior laboratório do mundo para simulações em oceanos e um dos mais importantes laboratórios de biodiesel do planeta, são responsáveis pelo primeiro protótipo brasileiro de ônibus movido a hidrogênio e pelo primeiro trem capaz de flutuar nos trilhos usando uma tecnologia única no mundo, além de participar da construção do primeiro submarino nuclear do Brasil. Tornou-se, portanto, promotora do progresso tecnológico viável apenas através do subsídio de grandes pesquisas científicas e da concessão de bolsas de estudos no país e no exterior, que possibilitaram a formação de uma comunidade sólida de cientistas de reconhecimento internacional.

Metodologia de pesquisa e banco de dados Como dito, o objetivo dessa pesquisa é levantar nomes e trajetórias profissionais dos pós-graduados pelo Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) entre os anos de 1963 e 1973. Com esse levantamento se pretende criar as bases para uma pesquisa prosopográfica, explorando as relações de estudantes, pesquisadores e instituições através de suas ligações internas, dentro do país, e as suas ligações externas, com indivíduos e instituições de outros países.

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As reflexões sobre o método prosopográfico utilizadas nesta pesquisa foram apresentadas pelo historiador inglês Lawrence Stone em 197110. Para Stone, esse método consiste em uma investigação pautada nas características básicas e comuns a um grupo de indivíduos, num contexto histórico, por meio do estudo coletivo de suas vidas. A prosopografia é a investigação das características comuns do passado de um grupo de atores na história através do estudo coletivo de suas vidas. O método empregado é o de estabelecer o universo a ser estudado e formular um conjunto uniforme de questões – sobre nascimento e morte, casamento e família, origens sociais e posições econômicas herdadas, lugar de residência, educação, tamanho e origens das fortunas pessoais, ocupação, religião, experiência profissional etc. Os vários tipos de informação sobre indivíduos de um dado universo são então justapostos e combinados e, em seguida, examinadas por meio de variáveis significativas. Essas são testadas a partir de suas correlações internas e correlacionadas com outras formas de comportamento e ação (STONE, 2011: 115).

A realização de uma pesquisa prosopográfica depende do acesso às biografias dos indivíduos que compõe o universo estudado. Para possibilitar isso, o MAST está concentrado em duas frentes de trabalho: levantamento de todos os pós-graduados pela Coppe no período de 1963 a 1973; e criação de um sistema de banco de dados que armazene de disponibilize, através de interface com a internet, as informações coletadas e as biografias produzidas. Esse levantamento dos pós-graduados não se trata apenas de uma listagem nominal. Em um primeiro momento, uma planilha eletrônica (Microsoft Office Excel) foi criada contendo informações sobre a formação de cada pós-graduado dentro da Coppe11. A segunda fase desse levantamento consta na produção de uma biografia onde salientamos a carreira acadêmica e profissional de cada indivíduo. A soma desses dois processos constituirá uma ficha prosopográfica. No que diz respeito à segunda frente de trabalho, atualmente está em elaboração um software para armazenamento dos dados obtidos e das biografias de cada pós-graduado. Sua função será padronizar o processo de coleta de dados, pois haverá apenas um modelo de ficha para preenchimento, e possibilitar os envios das fichas e das biografias a um coordenador para posterior disponibilização à consulta pela internet, sendo que cada biografia constituirá um verbete e os dados das fichas disponibilizados como informações tabulares. A implementação desse software permitirá um dinamismo ao projeto, pois se trata de um sistema de 10

Este texto foi originalmente publicado na revista Dædalus (Cambridge, Mass., v. 100, n. 1, p. 46-79, Winter 1971), sob o título de “Prosopography”. Utilizamos a tradução feita por Gustavo Biscaia de Lacerda e Renato Monseff Perissinotto publicada em Revista de Sociologia e Política, Curitiba, v.19, n.39, jun 2011, p. 115-117. 11 A planilha contém as seguintes informações: nome; programa de mestrado (ano de início e de conclusão); título da tese de mestrado; orientador do mestrado; agência mantenedora (bolsa) do mestrado; programa de doutorado (ano de início e de conclusão); título da tese de doutorado; orientador do doutorado; agência mantenedora (bolsa) do doutorado. Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG 08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9

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gerenciamento de bancos de dados (SGBD) por disponibilizar uma interface para que diferentes pesquisadores possam preencher as fichas prosopográficas simultaneamente em diferentes localidades. Esse banco de dados em desenvolvimento é classificado como relacional, pois possibilitará criar relações entre os dados coletados e formular conjuntos de interseção para verificação ou constatação de determinados padrões. Esses conjuntos serão criados de acordo com os questionamentos do usuário, direcionando para o conhecimento acerca de uma realidade. Para exemplificar, o banco de dados poderá mostrar todos os mestres formados pela Coppe, financiados com bolsas do CNPq, entre 1964 e 1970, que pesquisaram sobre resistência dos materiais aplicada a Engenharia Civil. Para que isso seja possível, o software está sendo construído a partir da linguagem de programação SQL (Structured Query Language ou Linguagem de Consulta Estruturada). Para o preenchimento da planilha eletrônica supracitada e das fichas prosopográficas, foram inicialmente consultados os catálogos da COPPE, com informações sobre seus cursos de pós-graduação e nomes de egressos, referentes aos anos de 1963/1964, 1964/1965, 1965/1966, 1966/1967, 1967/1968, 1968, 1969, 1970, 1971 e 1972. Esses catálogos são publicados anualmente para divulgação dos cursos e com informações institucionais da Coppe, como processo seletivo e acesso a bolsa de estudos. A segunda parte desse levantamento consiste na consulta de dissertações e teses defendidas entre 1963 e 1973. Para isso, acessamos os sites de cada um dos 13 programas de pós-graduação da COPPE para download desses documentos e utilizamos a Biblioteca Central do Centro de Tecnologia da UFRJ, situada na Cidade Universitária da Ilha do Fundão. Além de nos dar a conhecer os nomes dos egressos, através das dissertações e teses é possível identificar qual agência mantenedora fornecia bolsa para os pós-graduados. Concernente à produção de biografias, as fontes consultadas são variadas. A pesquisa inicial para isso é feita através dos currículos cadastrados na Plataforma Lattes, uma base de dados mantida pelo CNPq, que permite visualizar a carreira acadêmica e profissional de cada biografado – obviamente, quando devidamente preenchido e atualizado. Um segundo passo é uma busca por informações através de ferramentas de busca disponíveis na internet. As dissertações e teses também são consultadas, pois informam sobre as pesquisas realizadas pelos biografados. Há também outras fontes, como livros, artigos (acadêmicos ou não) e entrevistas.

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Em relação aos documentos pertencentes ao acervo arquivístico do MAST utilizados nesta pesquisa, estamos consultando a coleção documental do CNPq12. Durante cinco décadas, o CNPq prestou auxílio financeiro para financiamento de viagens, compra de livros e equipamentos, concessão de bolsa de estudos etc., que possibilitaram a Coppe se tornar referência de pesquisa e ensino. A consulta a essa coleção nos permite conhecer a dinâmica entres as duas instituições e verificar aspectos da vida acadêmica e profissional de muitos egressos e professores da Coppe que obtiveram algum tipo de auxílio. Entre os vários documentos pertencentes a esse acervo do MAST, em um primeiro momento, estamos consultando as atas das reuniões do Conselho Deliberativo do CNPq, que ocorriam mensalmente. Nessas reuniões eram analisados diversos pedidos de auxílio oriundos dos vários institutos de pesquisa e ensino do Brasil. No entanto, as atas nos dão a conhecer também o cenário político e científico do país no qual a Coppe estava inserida. Segundo Domingues e Tolmasquim, o Conselho Deliberativo era o órgão máximo de decisões do CNPq “de cujas reuniões participaram alguns dos nossos mais conhecidos cientistas, protagonizando, naquela arena, episódios decisivos dos encontros e desencontros da comunidade científica com a política de Estado” (DOMINGUES; TOLMASQUIM, 1998).

Conclusão A criação de uma base de dado fidedigna sobre os beneficiários de auxílios e bolsas visa propiciar meio de avaliar como os investimentos materiais e humanos providos por instituições mantenedoras contribuíram para o ensino e pesquisa de alto nível no Brasil. O banco de dados aqui proposto permitirá uma análise dessa contribuição oriunda da parceria entre essas instituições e a Coppe. Tal parceria permitiu inovações que alteram o estado da arte do conhecimento, mas também das condições de bem estar das populações (basta pensar em promoção da saúde pública e dos tratamentos médicos) e dos modos de funcionamento da economia (basta pensar em recursos energéticos e na economia de seus usos). Note-se que o banco de dados se estende por mais de 50 anos, período em que o país conheceu vários regimes políticos de sentido diferente. Uma periodização fina dos avanços do conhecimento nas mais variadas disciplinas científicas pode ser confrontado a periodização histórica dos regimes políticos e mesmo com as várias tentativas de formulação de políticas 12

“Formado basicamente por documentos que datam de sua criação, no Rio de Janeiro, em 1951, até sua transferência para Brasília, entre 1975 e 1977, o acervo abarca grande volume de fontes textuais, iconográficas e impressas relativas ao gerenciamento da instituição, à suas atividades-fins, à formação de recursos humanos, ao financiamento de pesquisas e instituições científicas, à formulação e gerenciamento da política nacional de ciência e tecnologia etc” (DOMINGUES; TOLMASQUIM, 1998). Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG 08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9

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científicas mais abrangentes. A relação entre liberdades públicas e, sobretudo a liberdade de pensamento e de edição de publicações poderá assim ser testada numa sólida base empírica.

Bibliografia COPPE. Corrida para o mar: Os desafios tecnológicos e ambientais do pré-sal. Rio de Janeiro: COPPE/UFRJ, s.d. Disponível em , acesso em 25 jul. 2014. COSTA, Terezinha. Tradição e Vanguarda: Memórias do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Química da COPPE. Rio de Janeiro: E-papers, 2004. DATE, C. J. Introdução a Sistemas de Bancos de Dados. Trad. Vandenberg D. de Souza. 7ªed. Editora Campus, 2000. DOMINGUES, Heloisa Maria Bertol; TOLMASQUIN, Alfredo Tiomno. Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq): mais um acervo para a história da ciência. História, Ciências, Saúde: Manguinhos, Rio de Janeiro, Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), v. 05, n.01, p. 145-152, 1998. FERREIRA, Tânia Maria Tavares Bessone da Cruz. História e Prosopografia. In: X Encontro Regional de História ANPUH-RJ, 2004: História e Biografias. Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: UERJ, 2004. MASSARANI, Giulio. Alberto Coimbra e a Coppe. Brasília: Paralelo 15, 2002. STONE, Lawrence. Prosopografia. Trad. Gustavo Biscaia de Lacerda; Renato Monseff Perissionoto. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, v.19, n.39, jun 2011, p. 115-137.

Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG 08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9

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