SUCESSÃO E SIMULTANEIDADE NA SÍNTESE DAS APREENSÕES

July 27, 2017 | Autor: L. Klahold | Categoria: Epistemología, Critique of Pure Reason, Crítica da Razão Pura
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21/11/2014 Teoria do Conhecimento III Professor: Tiago F. Falkenbach Acadêmico: Luiz Fernando Klahold SUCESSÃO E SIMULTANEIDADE NA SÍNTESE DAS APREENSÕES Análise do argumento de Longuenesse em defesa à primeira analogia do entendimento da CRP

Sobre a conclusão de Kant O argumento de Longuenesse aborda e portanto depende das afirmações contidas no texto da Primeira Analogia do Entendimento de Kant (CRP, B225), cujos conceitos utilizados e introduzidos relacionam-se a princípios explanados desde o início da Crítica da Razão Pura. Portanto, faz-se necessária a familiaridade com as ideias kantianas para a sua compreensão. Na primeira analogia do entendimento, Kant pretende demonstrar: só podemos consentir sobre a mudança de algo que permaneça em quantidade e identidade. Se determinado ente sofre uma mudança e deixa de ser ele mesmo, estamos diante de uma ocorrência de aniquilamento do ser e de criação de um novo ser, portanto, de uma realidade nova em absoluto. É, porém, contra intuitivo pensar que a cada instante, a cada nova determinação temporal, o Ser em absoluto tenha se negado e um novo Ser esteja se afirmando, para novamente e ininterruptamente deixar de sê-lo. Pressupomos à realidade a permanência de algo, substrato daquilo do que sofre alteração, que mantém sua identidade ao afetar-se pelo aparente caos da mudança. Lidamos, ao referir-se ao permanente, com a interpretação kantiana do conceito aristotélico de substância como conjunto de essência e acidente, estando estes dois simultaneamente presentes em qualquer ente e separáveis apenas por abstração. É assim que podemos explicar o paradoxo do ente estar sendo um outro e o mesmo ao sofrer alterações, pois o que se altera em uma substância é apenas aquilo que não lhe é inerente, propriedades que fazem parte da sua existência, porém de modo acidental, permitindo que outras determinações se deem sem corromper a identidade original: a essência. Esta é o núcleo ontológico de todo o ente, ao qual se atribui a invulnerabilidade da substância ao devir, mantendo-se permanentemente mesmo sob a reconfiguração mais radical de todos os seus

elementos acidentais. Para Kant, sobretudo, não há geração ou corrupção absoluta da substância, ou, a maneira de Lavoisier, nada se cria e nada se perde, o que há é apenas alteração, permanecendo o quantum original. Como introdução à citação de Longuenesse, é interessante que se diga algo sobre a definição de tempo como forma do sentido interno e condição de possibilidade para toda representação dos objetos. Kant argumenta, na Estética Transcendental, que o tempo é uma realidade empírica, válida objetivamente com respeito a todos os objetos dados aos nossos sentidos, de modo que nenhum objeto pode apresentar-se a nós senão conforme a condição temporal. Não podemos concluir, entretanto, que o tempo tenha uma realidade absoluta, como propriedade das coisas, pois tais propriedades das coisas em si não são intuídas em nenhuma circunstância. Além disto, para percepção do tempo, é necessária a constante mudança que mantém-se ocorrendo com as determinações das substâncias, pois não pode ser percebido por si mesmo. Esta mudança, Kant elucida, é essencialmente a totalidade das relações de causa e efeito, transformadora dos acidentes da substância, e permanece em identidade ao longo do tempo (ao longo das alterações), enquanto torna-se sempre outra. Sobre os elementos do argumento de Longuenesse Longuenesse, na citação abaixo, discorre sobre a conexão entre sucessão, simultaneidade, permanência e alteração, o argumento pretende concluir que a simultaneidade de determinações reais só pode ser apreendida, preservada e reproduzida pela imaginação com a pressuposição de um objeto 1 do qual estas são propriedades e, de forma semelhante, a apreensão de uma modificação de estados de coisas, só pode ser possível com a pressuposição de uma alteração das determinações de um permanente. É importante ressaltar que ambas as pressuposições são juízos a priori, pois são supostamente necessárias e universais: “Kant [...] observa primeiro que, na síntese de nossa apreensão, as percepções são sempre sucessivas. A partir desse ponto de vista, não há diferença entre a apreensão de um objeto que permanece inalterado, mas cujas partes nós percorremos sucessivamente, como a apreensão de uma casa na Segunda Analogia, e a apreensão

1

Objeto não é sinônimo de coisa em si, mas refere-se ao objeto de conhecimento, como instância fenomênica.

de um objeto que se altera, como a cera exposta ao calor do fogo. Em ambos os casos, nós temos uma sucessão de percepções qualitativamente diferentes. Somente ao relacionar essas percepções sucessivas a um objeto supostamente permanente nós distinguimos o caso em que uma sucessão é meramente subjetiva (como no caso da casa, em que determinações apreendidas sucessivamente são objetivamente simultâneas e a sucessão é apenas do ato subjetivo da síntese quantitativa de uma figura no espaço) do caso em que a sucessão é objetiva (a alteração do pedaço de cera). No último caso, nós percebemos que um estado (a), que não existia, surgiu e que um estado (b), que existia, deixou de existir. Mas nenhuma negação é percebida diretamente, somente a sequência de determinações reais. Essa sequência é representada como mudança, como uma determinação que não existia substituindo uma determinação que a precedeu e que deixou de existir, porque nós relacionamos essas determinações à mesma coisa, sobre a qual nós afirmamos ou negamos uma determinação real e, portanto, reconhecemos que uma determinação real que existe agora não existia em um momento anterior. Consequentemente, assim como a imaginação reproduz e preserva as determinações apreendidas e as representa como simultâneas somente se as relaciona ao mesmo objeto supostamente permanente,

similarmente,

a

imaginação

apresenta

uma

multiplicidade

de

determinações reais (“aquilo que corresponde à sensação”) como uma alteração no objeto somente se as relaciona a um mesmo permanente.” (LONGUENESSE, B. Kant and the Capacity to Judge, p.336.) Apresento uma pormenorização e estruturação dos elementos da argumentação: 1. A síntese de nossa apreensão reúne mais de uma percepção as quais são qualitativamente diferentes entre si e cujas apreensões se efetuam sucessivamente. 2. Para apreensão de um objeto que permanece inalterado temos de apreender perceptivelmente cada parte dele, e portanto, sucessivamente. 3. Para apreensão de uma alteração em um objeto temos de apreender perceptivelmente os diferentes momentos desta alteração, e portanto, sucessivamente.

4. Como estas duas formas de sintetizar a apreensão, de uma mudança e de uma permanência, reúnem apreensões sucessivas, então teria de haver algum outro elemento que nos permitisse definir uma diferença. 5. Este elemento seria necessariamente a pressuposição da existência de um objeto ao qual estas percepções sucessivas estariam relacionadas. Se dois eventos que ocorrem em uma mesma determinação do tempo, diz-se que são simultâneos, se em determinações do tempo diferentes, diz-se que há uma sucessão entre eles. Cada percepção singular da cognição subjetiva pode existir em um único instante (parcela mínima temporal) em uma relação de um para um, não podendo haver mais de uma percepção em um instante (mesmo que o objeto ao qual se atém não sofra mudança, pois a percepção sempre se renova) e nem um instante podendo conter mais de uma percepção. As percepções, por conseguinte, alteram-se de acordo com a sucessão temporal, são sucessivas. Para Kant, um ponto importante é que na representação imaginativa de uma percepção em particular, não há uma característica intrínseca sobre a temporalidade deste, e, sendo assim, podemos deduzir a sucessão ou simultaneidade em relação a outras representações apenas a partir da relação causal que se faz necessária com os momentos posteriores e anteriores, mas, considerando cada percepção em sua singularidade podemos perceber apenas a diferença qualitativa. Muitos objetos que permanecem perceptivelmente inalterados através de uma duração, como o exemplo da casa, não podem ser conhecidos de modo efetivo através de uma percepção unilateral singular, e, portanto, exigem que se reúna um conjunto de percepções para ser pensada como uma totalidade simultânea. Esse conjunto de percepções, porém, se dá sucessivamente no tempo, pois não conseguimos ver a casa como um todo, e depois, ao considerar o apreendido, é realizado uma sintetização destas percepções de modo a concentrar o conteúdo das percepções como relacionadas a um objeto único. Porém, caso o objeto pressuposto como determinante único das percepções esteja em constante alteração e suas determinações estejam a se tornar cada vez outras enquanto se efetua a série perceptiva necessária para apreendê-lo, está-se apreendendo a alteração de uma substância e não esta em sua permanência absoluta.

6. A sucessão das percepções é subjetiva quando as determinações apreendidas sucessivamente são simultâneas no objeto (há permanência das determinações no objeto) e a sucessão de determinações apreendidas está apenas na percepção. 7. A sucessão das percepções é objetiva quando as determinações apreendidas sucessivamente correspondem à sucessão das determinações do objeto, alterando-se conforme a sucessão da percepção. 8. A existência de um objeto representa a condição necessária e suficiente para que se identifique se a sucessão é subjetiva ou objetiva. O objeto é então o critério para identificar se as alterações estão apenas em nosso modo de apreensão ou se realmente o objeto sofre variância. A terceira asserção é uma analítica dos próprios conceitos de “subjetivo” e “objetivo”, que já preveem a realidade da estrutura sujeito-objeto. Não podemos falar de subjetivo sem a noção de objetivo e vice versa. 9. Em uma alteração, percebemos que um estado (a) não existia e existe, e um estado (b) existia e não existe mais. 10. Não percebemos a não existência diretamente. 11. Percebemos diretamente primeiro a existência do estado (a) e posteriormente a existência do estado (b). 12. Percebemos que estamos diante de uma alteração ao relacionar (a) e (b) ao mesmo objeto X, consideramos então uma substituição de (b) por (a), porém X permanece como X. Não se considera a negação de uma propriedade da substância como existência, não podemos percebê-la através da sensibilidade, faculdade pela qual os objetos nos afetam diretamente, mas podemos intuir através do entendimento que certa propriedade se faz inexistente, projetando uma ausência inerente ao fenômeno. Um objeto não pode ter como propriedade duas determinações contraditórias, logo, a presença de uma nos faz deduzir a ausência da determinação anterior, por exemplo, a cor verde de uma fruta deve deixar de

existir para que seja possível a existência da cor laranja. Porém para a autora, sem a pressuposição do objeto, não é possível a representação da alteração considerada como substituição de determinações reais 13. A imaginação é capaz de reproduzir e preservar as determinações apreendidas nas percepções. Conclusões: 14. Para ser possível, através da imaginação, representar as determinações como simultâneas, necessariamente temos de relacioná-las a um mesmo objeto. 15. Para ser possível, através da imaginação, representar a alteração de um objeto a partir da multiplicidade de determinações reais (positivas) apreendidas pela percepção, necessariamente temos de relacioná-las a algo que permanece (que mantém sua identidade). Resta analisar se podemos concluir do modo válido estas últimas afirmações. Sobre a Cogência do argumento Admitindo

primeiramente

o

que

está

na

Crítica,

que

as

percepções

são

necessariamente sucessivas e que existe a substância, e deste modo concordando que as manifestações fenomênicas que deixam de ser e vem a ser durante o derretimento de um pedaço de cera são acidentes e portanto determinações da substância que permanece, não por si objetos do conhecimento, a demonstração de Longuenesse é válida. Já é uma análise do sentido que se atribui à “alteração” a afirmação de que deve haver um permanente, afinal, é esta a terminologia kantiana. Ao chamar algo de determinação, é necessário que seja determinação de algo, e portanto uma propriedade de algo. Na citação de Longuenesse não está sendo colocado em questão se este permanente da alteração é em si incorruptível e imune a variâncias — apesar disto ser uma discussão válida a ser realizada sobre o conteúdo da Analogia — mas apenas a necessidade de se pensar a existência de algo que permaneça para conceber um evento como alteração, pois, conforme a tradição, não existem acidentes desligados de uma essência determinante.

Podemos então observar uma circularidade do argumento, pois os conceitos de “determinação”, “parte”, “alteração” (como variância entre determinações), já pressupõem o objeto, tornando-se tautológico ressaltar que este é necessário para se pensar cada uma destas ocorrências. Assim, demonstrar a existência do objeto enquanto permanente a partir destas noções não se torna uma tarefa complicada, até mesmo porque são noções intuitivas, as quais não encontramos dificuldade em correlacionar com a experiência.

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