Sujeito Oculto - plágio, remix e apropriação

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SUJEITO OCULTO Plágio. Remix. Apropriação. Qualquer que seja a palavra usada, o tema subjacente a este romance premiado com a Bolsa Petrobras de Produção Literária é roubo. Com todas as letras. Construído a partir de um corta e cola de palavras e frases subtraídas de outros livros, num processo de montagem explicitado pelo ousado projeto gráfico, Sujeito oculto cria um jogo de espelhos infinitamente recuado em que o autor nunca é quem parece ser. Afinal, quem seria o autor deste romance senão mais um personagem, que apenas não sabe que está participando do jogo literário? Tecido a partir de citações, frases feitas e ideias de segunda mão, Sujeito oculto embaralha deliberadamente conceitos como autenticidade e originalidade, mesclando gêneros como ficção, biografia e crítica literária.

SUJEITO OCULTO Cristiane Costa Brochura 156 páginas R$ 25 Aeroplano aeroplanoeditora.com.br E-Book R$ 9,90 E-Galáxia e-galaxia.com.br

 

E levanta a questão: é possível ser, ao mesmo tempo, original e cópia? A resposta a essa e outras perguntas pode estar nas margens dos livros de uma aspirante a escritora que morre pouco tempo depois de ter feito um seguro de vida. Nos depoimentos de um homem que descobre por meio de frases soltas e sublinhadas a vida secreta da mulher que perdeu para sempre. Ou ainda na reação da jovem esposa que lê estes mesmos livros com outros olhos, dez anos depois. Ou nos rastros deixados por uma autora premiada que não se importa de ser vista como falsificadora, porque assim encobriria a verdadeira natureza de seu romance. Ou mesmo no posfácio de um crítico que tenta guiar o leitor em um labirinto de referências literárias e espelhamentos que encobrem um drama familiar de forte carga emocional. A trama tem todos os elementos de um romance clássico: amor, ódio, traição, ambição, personagens marcantes, reviravoltas e até uma morte suspeita. Com o tempo, percebe-se que o enredo tradicional e a forma inovadora tratam de temas correlatos: filiação, herança e apropriação. E roubo.

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REFERÊNCIAS CRUZADAS Nem aí Sujeito oculto conseguiu, ou pelo menos tentou, ser original. Por seu experimentalismo, o livro se insere numa corrente literária subterrânea, chamada visual writing, formada por romances híbridos que combinam texto e imagem e integram elementos de design, como a tipografia, à narrativa. Uma linha que vai de Laurence Sterne a W.G. Sebald, de Jonathan Safran Foer a David Eggers, podendo ser observada ainda nas obras de autores brasileiros como Valêncio Xavier e Veronica Stigger. Sujeito oculto é contaminado também por experiências como o die-cut Three of codes, recortado literalmente por Safran Foer de um conto de Bruno Schulz. E pelas citações distorcidas de Péter Esterházy em Os verbos auxiliares do coração, assim como experiências na rede como o MixLit, o RemixTheBook e o Remix My Lit. Nada disso é exatamente novo, como tudo o que diz respeito ao livro. Para citar apenas alguns autores que experimentaram o método de colagem no passado: T.S. Elliot, em The Waste Land; James Joyce, em Ulisses, e William Burroughs, em seus cut-ups. Mas ainda não vivíamos numa Era Remix, como definiu Lev Manovich, nem o modelo de postproduction art, de Nicolas Bourriaud, tinha ficado claro. Muito menos o conceito de remixologia de Mark Amerika, ou a estética do sampling de Eduardo Navas. Escritores ainda não eram vistos como sampling machines ou DJs de palavras. Nem a escrita como reescrita, conforme propõe Antoine Compagnon. Vivemos hoje o “ecstasy of influence”, como afirma Jonathan Letham, o “elogio da cópia”, segundo Marcus Boom. Sujeito oculto foi diretamente influenciado por esses e outros conceitos, como uncreative writing, de Kenneth Goldsmith, e unoriginal genius, de Marjorie Perloff. É curioso que termos como “composição” são usados tranquilamente na música. Assim como “montagem” é parte da linguagem cinematográfica. Mas, na literatura, permaneceram um tabu. Do “Manifesto Antropófago” ao recente “Manifesto Sampler”, de Fred Coelho e Mauro Gaspar, poucos seguiram, ao menos de forma explícita, neste caminho. Enquanto a crítica tradicional não considera a apropriação uma forma válida para se criar uma obra literária, alguns teóricos não só se dedicam a estudar o formato, como também o testam, a exemplo do ensaio de David Shields, Reality Hunger. Mas engana-se quem julga tudo isso como um fenômeno da Era Ctrl C e Ctrl V. Uma literatura de segunda mão vem sendo escrita e reescrita na surdina há milênios e talvez tenha raízes tão antigas quanto o

aemulatio da retórica clássica. Todo texto se constrói como um mosaico de citações, já demonstraram Roland Barthes e Julia Kisteva, para quem a intertextualidade é um fenômeno que está na base do texto literário. E as intertextualidades pesquisadas por Kristeva incluíam desde a citação ao empréstimo não declarado. Podemos até mesmo regressar a Bakhtin, para quem não haveria uma consciência que pudesse se autogerar do nada, na alma ou no cérebro de um indivíduo, uma vez que o signo é um fenômeno exterior, do mundo. Seria como ignorar a teoria da evolução e voltar à ideia de geração espontânea. A metáfora biológica é tão interessante quanto a teológica. Viveriam os leitores apoiados numa concepção tão improvável quanto a crença dos criacionistas num design inteligente? Não é difícil apontar semelhanças entre um Criador onisciente e a ideia do Autor onipotente, que cria suas histórias do nada. Sujeito oculto definitivamente não é uma delas.

----------------------------------------------------------CRISTIANE COSTA passou a vida em meio a aspas e referências, como jornalista, crítica literária, editora, pesquisadora e professora universitária. Todo cuidado para ser fiel às declarações e identificar as citações dos outros gerou um surto tardio de cleptomania, cujo resultado é Sujeito oculto. Professora e coordenadora do curso de Jornalismo da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é pesquisadora de pós-doutorado do Programa Avançado de Cultura Contemporânea. Foi editora do caderno Ideias, suplemento literário do Jornal do Brasil, do Portal Literal e da revista eletrônica Overmundo, além de repórter da Veja. Foi curadora de diversos ciclos de debates no Centro Cultural Banco do Brasil, Oi Futuro, Itaú Cultural e Casa do Saber, como “O laboratório do escritor”, “Oi Cabeça”, “Zona Digital” e “Múltiplos e contemporâneos”. Foi editora de não-ficção da editora Nova Fronteira e é consultora de projetos especiais do Grupo Ediouro. Durante muitos anos coordenou o curso de publishing management da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro. É autora de quatro livros, entre eles Pena de aluguel: escritores jornalistas no Brasil, lançado pela Companhia das Letras e premiado com a Bolsa Vitae de Literatura. Em 2010, o projeto Sujeito oculto recebeu a Bolsa Petrobras de Criação Literária. Nenhum de seus livros até hoje foi acusado de plágio.    

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