SUPER-HEROÍNAS NOS QUADRINHOS: A REPRESENTAÇÃO DA MULHER EM THOR

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ÉRICA PIRES BARROS

SUPER-HEROÍNAS NOS QUADRINHOS: a representação da mulher em Thor

Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Comunicação Social, Habilitação em Jornalismo pelo Curso de Comunicação Social da Universidade Católica de Pelotas. Orientador: Profª. Drª. Raquel da Cunha Recuero

Pelotas/RS 2015

Este trabalho é dedicado para todas as meninas e mulheres que sorriem quando se veem representadas naquilo que amam.

AGRADECIMENTOS A produção deste trabalho seria impossível sem o empurrão de várias pessoas em minha volta. Agradeço primeiramente aos meus pais, Tanira e Luiz Fernando, que sempre apoiaram minhas escolhas, me abraçaram e me ouviram quando eu precisei e me criaram como uma feminista mesmo sem saber a nominação – eu quero ser como vocês quando crescer, trabalhadores e admirados por todos que os conhecem. Agradeço meu irmão, Otávio, que foi minha companhia pra jogar Super Mario World, Donkey Kong, Pokemon e Mario Kart – além de assistir todos os filmes da Marvel (no meu caso pela segunda ou terceira vez) comigo. Aos 7, amigos que eu nunca pensei que encontraria na minha vida. Bira, Carol, Cássia, Deds, Nico e Zaukinho – eu sou quem sou graças a vocês, mesmo que ocorra o ocasional afastamento sempre seremos as mesmas pessoas extremamente diferentes que se encontraram em uma amizade que vai durar, se os deuses permitirem, para sempre. Também: Malu, Arthur, Matheus, Gabi, Lucas, Nath, Marrí, Bee, Pah, Mands, Carol, Kamilla, Camila, Bells, Anna, Clau, Pam e todo mundo que me perguntou “como vai o TCC” – que junto com os 7 me fizeram rir e me falaram que ia ficar tudo bem quando eu achei que não ia dar tempo. As palavras de carinho e os emojis de coração fizeram demais por mim, devo demais a vocês todos. Se eu esqueci de alguém desculpa, eu tenho coração de mãe mas memória de avó. Meu muito obrigada a Raquel Recuero, que não só orientou este trabalho como é minha orientadora desde o ano passado e abraçou esse tema diferente – também por aguentar a minha mania de deixar as coisas para última hora. Meu agradecimento também a professora Margareth Michel pela orientação no projeto de pesquisa e a Letícia Schinestsck e Pricilla Soares pela ajuda na banca do mesmo. Por fim, a Angie pela tradução dos comentários em inglês e a Genny pela formatação deste trabalho – meu muito obrigada! Ao Google Tradutor, os Sinonimos.com.br, ao café, ao chá de menta da Twinnings, ao Brasil pela ótima temporada. A ti, __________, que está lendo esse trabalho – por obrigação ou por que quer. Obrigada e boa leitura!!

The past is gone, and cannot harm you anymore. And while the future is fast coming for you, it always flinches first, and settles in as the gentle present. This now, this us, we can cope with that. We can do this together, you and I. Drowsily, but comfortably. (Welcome to Night Vale – episódio12)

RESUMO O presente trabalho tem como objetivo observar e analisar a representação do gênero feminino na história em quadrinho Thor (2014). Para tal, foi trabalhado o histórico da HQ e seu papel perante a sociedade como um meio de comunicação de massa – especialmente a Marvel, que publica a história analisada. Também é teorizado gênero e feminismo, assim como a participação da mulher na mídia e em histórias em quadrinho – tal qual sua relação com a violência simbólica e a dominação masculina. Por fim, a análise de Thor é apresentada em três partes: a observação da história em si, como a mídia cobriu as oito edições da revista e a reação dos leitores perante a situação. Assim, relacionando o referencial teórico com a análise geral de Thor, foi possível a resposta do problema do presente trabalho: qual a importância da representação do gênero feminino e das temáticas feministas nas histórias da Marvel Comics? Palavras-chave: Feminismo, Gênero, História em Quadrinho, Marvel Comics.

LISTA DE ILUSTAÇÕES Figura 1: Hogan’s Alley de Outcalt. ................................................................................. 15   Figura 2: Primeira aparição de Super-Homem. ............................................................... 17   Figura 3: Primeira aparição de Capitão América. ............................................................ 18   Figura 4: Selo de Aprovação do CCA.............................................................................. 19   Figuras 5 e 6: Fantastic Four #1 e The Avengers #1. ..................................................... 23   Figura 7: Maioria dos títulos do MCU. ............................................................................. 27   Figura 8: Exemplo de como a mulher é tratada na mídia e como, no esporte, a abordagem da mulher pela mídia tradicional parte da perspectiva da aparência dela. .. 41   Figura 9: Exemplo de reação da propaganda da Risqué. ............................................... 42   Figura 10: Cena onde a Vespa é agredida por seu marido, Homem Formiga. ............... 45   Figura 11 e 12: Comparação entre os trajes da heroína Ms. Marvel em 1977 e 2014. .. 47   Figura 13: A crítica de Benes e o exemplo da reação de seus fãs. ................................ 49   Figura 14: Momento que Thor ouve o sussurro que faz com que ele não seja mais digno de usar Mjolnir. ................................................................................................................ 55   Figura 15: A mudança da inscrição no martelo. .............................................................. 55   Figura 16: Última cena da edição mais recente, com Jane Foster terminando............... 58   Figuras 17 e 18: Comparação entre as duas vezes que Jane Foster foi Thor. ............... 62   Figura 19: O traje de Titania na 5a edição de Thor. ........................................................ 63   Figura 20: Diálogo de Odin com Freyja na primeira edição. ........................................... 63   Figura 21: Dialogo entre Odin e Cul e a violência deste com as mulheres. .................... 64   Figura 22: Momento que o Homem Absorvente afirma que as feministas estão estragando tudo. .............................................................................................................. 67   Figura 23: Assinatura da notícia no site Jovem Nerd. ..................................................... 70   Figura 24: The Guardian utilizando reencarnada para falar da troca de personagem. ... 72   Figura 25: Chamada da matéria do site Tecmundo. ....................................................... 73   Figura 26: Comentário de apoio a Thor. .......................................................................... 75   Figura 27 e 28: Comentários argumentativos sobre Thor. .............................................. 76   Figura 29: Usuário argumentando contra a mudança. .................................................... 77   Figura 30, 31, 32 e 33: Exemplos de comentários violentos. .......................................... 78   Figura 34 e 35: Comentários de apoio a situação. .......................................................... 79   Figura 36 e 37: Argumentações tanto positivas quando negativas. ................................ 80   Figura 38 e 39: Exemplos de violência nos comentários. ............................................... 81   Figura 40 e 41: Leitores satisfeitos com a história. ......................................................... 82   Figura 42 e 43: Leitores que apoiam Thor mas questionam certas partes de sua história. ......................................................................................................................................... 83   Figuras 44 e 45: Comentários exemplificando a situação citada acima. ......................... 84   Figura 46, 47, 48 e 49: Leitores que reproduzem a violência de gênero com a personagem. .................................................................................................................... 85

LISTA DE QUADROS Quadro 1: Modelo de comunicação na teoria feminista segundo Van Zoonen. .............. 40   Quadro 2: Personagens por edição. ................................................................................ 59   Quadro 3: Aparição dos personagens por edição da história.......................................... 60   Quadro 4: Porcentagem de personagens femininas e masculinos ................................. 66   Quadro 5: Categorização dos comentários analisados. .................................................. 74  

SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................................9 1 HISTÓRIAS EM QUADRINHOS E SUPER-HERÓIS .......................................................12 1.1 Histórias em Quadrinhos ................................................................................................12 1.1.1 Timely, Atlas e Marvel Comics ....................................................................................20 1.2 Histórias em quadrinho como meio de comunicação de massa ....................................28 2 GÊNERO, MÍDIA E HISTÓRIAS EM QUADRINHOS .......................................................32 2.1 Gênero e Sexo ...............................................................................................................32 2.1.1 Gênero, Violência Simbólica e Sistêmica....................................................................34 2.2 Feminismo ......................................................................................................................36 2.2.1 As ondas do movimento feminista ..............................................................................37 2.3 Gênero, Feminismo e a Mídia ........................................................................................40 2.3.1 Gênero, Feminismo e Histórias em Quadrinhos .........................................................43 3 ESTUDO DE CASO ..........................................................................................................51 3.1 Metodologia ....................................................................................................................51 3.2 Thor ................................................................................................................................53 3.2.1 Dados e Análise ..........................................................................................................58 3.3 Análise da Repercussão ................................................................................................68 3.3.1 Notícias .......................................................................................................................69 3.3.2 Comentários ................................................................................................................74 3.4 Análise geral...................................................................................................................86 CONCLUSÃO .......................................................................................................................88 REFERÊNCIAS ....................................................................................................................91 ANEXOS ..............................................................................................................................95 ANEXO I ...............................................................................................................................96 ANEXO J ..............................................................................................................................97 ANEXO K .............................................................................................................................98 ANEXO L ............................................................................................................................100 ANEXO M ...........................................................................................................................101 ANEXO N ...........................................................................................................................108

INTRODUÇÃO

Alan Moore, autor da aclamada história em quadrinho Watchmen, afirmou que "todas as histórias em quadrinho são políticas" (apud MCALLISTER, SEWELL, GORDON, 2001, p. 1). Desde o principio, o desenho e texto, separadamente, foram utilizados para relatar histórias - sua adição abriu possibilidades tanto de comunicação quanto para entretenimento. Sua importante participação na sociedade se mostra desde o inicio, especialmente com aqueles que trouxeram notabilidade para o meio de comunicação - Hogan's Alley, por exemplo, que é reconhecida tanto por seu pioneirismo quanto pela pobreza das personagens que ela mostrava. A partir de então, com a criação o advento de histórias em quadrinho, sua importância se acentuou - nomes como Super Homem, que deu voz ao homem comum durante a Grande Depressão; Capitão América, criado em plena Segunda Guerra Mundial em resposta à Alemanha Nazista1; Watchmen, com enredo sobre a corrida nuclear durante a Guerra Fria; X-Men, uma história que constantemente falou e ainda fala sobre preconceito e Ms. Marvel, uma heroína adolescente e de origem muçulmana mostram como as histórias em quadrinhos, mesmo sendo consideradas apenas entretenimento, podem ser extremamente importantes para reforçar ou contradizer ideologias (MCALLISTER, SEWELL, GORDON, 2001). Partindo desse pressuposto, da importância e influência que os quadrinhos exercem na sociedade, a representação de lutas e minorias sociais é um tema essencial. Por isso, o presente trabalho vai tratar com a representação do gênero feminino e da pauta feminista nas histórias em quadrinho - especialmente hoje, com o estudo de gênero e feminismo muito presentes na sociedade que, em casos recentes, foram temas de questão e redação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM)2 e de protestos por todo Brasil3. Com a representação da mulher na mídia em geral como uma das pautas do feminismo atual e a crescente venda de histórias 1

Os oponentes na guerra estavam muito bem organizados. Nós queríamos ter nossa voz também” Joe Simon, criador do Capitão América em entrevista para o livro Comic Book Nation: The Transformation of Youth Culture in America (WRIGHT, 2001). 2 O ENEM de 2015 trouxe uma questão sobre gênero, citando Simone de Beauvoir e sua famosa obra O Segundo Sexo (1949), além de ter como tema da redação a violência contra a mulher. Disponível em http://goo.gl/2f3oL1 e http://goo.gl/UFNhiC. Acesso em: 11 nov. 2015. 3 Protestos contra o presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, autor do projeto de lei 5069, que dificulta o aborto legal em casos de estupro. Disponível em http://goo.gl/KmCNsb. Acesso em: 11 nov. 2015.

10 em quadrinho4 – assim como a liderança da franquia de filmes da Marvel na lista daquelas que mais faturaram na história – a análise da mulher nas histórias em quadrinho se mostra necessário, especialmente ao tomar conhecimento de como a indústria tem problemas neste quesito. A escolha de utilizar a Marvel para a análise deu-se por ela ser conhecida por utilizar temas polêmicos da sociedade para construção de seu universo fictício – acabando assim surpreendendo seus fãs. Em episódio recente, que inspirou a temática do presente trabalho, um dos seus personagens mais reconhecidos perdeu seu posto de Deus para uma mulher: Thor não é mais digno de utilizar seu martelo de guerra, Mjolnir, que faz dele o Deus do Trovão e uma mulher misteriosa – que na última edição publicada até então descobrimos ser Jane Foster, conhecida por ser par romântico e personagem secundária das histórias de Thor – é escolhida pelo martelo como digna de seus poderes. Tal mudança gerou revolta de fãs, com direito a petições online partindo de fãs pedindo que a empresa mantenha o personagem como homem5. Assim, a importância do presente trabalho se encontra especialmente na resposta do problema: qual a importância da representação do gênero feminino e das temáticas feministas nas histórias da Marvel Comics? Afim de responder ao problema, o objetivo geral do trabalho é analisar o gênero feminino e o feminismo nas histórias em quadrinho, em especial aqueles publicados pela Marvel Comics. Isto é o que vai moldar o referencial teórico e análise, além de quatro objetivos específicos: entender a importância das histórias em quadrinho na sociedade, especialmente a Marvel; compreender a construção e violência de gênero e a importância do feminismo na sociedade; observar a representação da mulher e do feminismo na mídia; e por fim, considerar as personagens do gênero feminino dentro das histórias em quadrinho. No primeiro capítulo, vou apresentar a história geral das histórias em quadrinho, especialmente aquelas que tem super-heróis como personagem – que irá utilizar Silva e Autran (2007), Anselmo (1975), Senna (1999), Wright (2001) para a construção do referencial. Além disso, será apresentado como a Marvel veio a ser o que é hoje, sua criação e o caminho galgado pela empresa utilizando Howe (2013) como referência. Por fim, será exposto o que é um meio de comunicação de massa 4

Segundo o site ComiChron, o top 300 de histórias em quadrinho por mês vendeu quase 80 milhões de cópias, 5% a mais que em 2014 e 26% a mais comparado aos dados de 15 anos atrás. Disponível em http://goo.gl/1yIEx9. Acesso em: 11 nov. 2015. 5 Exemplos disponíveis em https://goo.gl/pf2JWL e http://goo.gl/KCSDRi. Acesso em: 11 nov. 2015.

11 e o papel das histórias em quadrinho como um, que será construído com base em Wolf (2003), Tubella (2005), Anselmo (1975), Martino (2011), Teixeira e Schlögl (2013). Vou trazer a relação entre mídia, gênero e histórias em quadrinho no segundo capítulo, iniciando ele com a diferenciação entre sexo e gênero – aqui vou utilizar Humm (1995), Shapiro (1981), Butler (1990), Jesus (2012), Beauvoir (1970) e Piscitelli (1997) afim de explanar acerca da construção do gênero na sociedade. Para explanar acerca de violência de gênero vamos usar Bourdieu (1989), Zizek (2008) e Soares (2013) para falar de violência simbólica e sistêmica, que constroem o sexismo. O feminismo e suas ondas serão teorizados a partir dos estudos de Humm (1995), Messa (2008), Offen (1988), Valdívia (1995), hooks (2000), Wollstonecraft (2010), Snyder (2008), Hinsey (2013), Koller e Narvaz (2006). Por fim, o referencial teórico será finalizado com a relação entre gênero, feminismo e mídia/histórias em quadrinho – que será estabelecido a partir de Van Zoonen (1994), Araújo (2008), Ghilardi-Lucena (2010), Wright (2001), Landsbaum (2015), Parker (2011) e Hickey (2014). Por fim, o estudo de caso que vai complementar a análise vai ser realizada em três vias: a observação da história em quadrinho Thor, a cobertura da mídia perante a HQ e a reação dos fãs com a mudança e história – utilizando o referencial teórico construído durante todo o trabalho. A escolha desta história dá-se principalmente pelo debate que gerou ao ser anunciada, mas também por motivo pessoal da autora que tem Thor (2014-) como a história em quadrinho que fez com que ela se interessasse pelo gênero. A partir de então, o presente trabalho buscará explorar uma temática de difícil entendimento e fora daquilo que a sociedade, normalmente, tem domínio. Com esperança de disseminar a importância da representação da mulher nas histórias em quadrinhos, a autora vai trazer dados, histórias e teorias, interpreta-las e repassar aqueles que irão ler o trabalho.

1 HISTÓRIAS EM QUADRINHOS E SUPER-HERÓIS

O primeiro capitulo deste trabalho trata sobre o nascimento das histórias em quadrinho, como os super-heróis distinguiram-se dentro deste produto cultural e a sua influência na sociedade. O foco será mantido na história de indústrias de quadrinhos americanas, já que a análise será realizada sobre uma empresa americana, a Marvel Comics. Para obter uma compreensão geral acerca do assunto, inicia-se com a história e definição das histórias em quadrinho. Posteriormente, a dedicação de um subcapítulo apenas para a Marvel Comics dá-se para o aprofundamento do conhecimento acerca da empresa, seus títulos mais famosos e o caminho que a fez chegar onde está agora. Ao fim, ao falar de histórias em quadrinho como um meio de comunicação, será reiterado o importante papel deste produto cultural. Anselmo (1975), Howe (2013), Jarcem (2007), Martino (2011), Senna (1999), Silva e Autran (2007), Teixeira e Schlögl (2013), Tubella (2005), Wolf (2003) e Wright (2001) foram os principais autores utilizados para a construção do referencial teórico presente neste primeiro capítulo, que procura consolidar a importância das histórias em quadrinhos e as temáticas que elas adotaram atualmente na construção da sociedade.   1.1 Histórias em Quadrinhos

O conhecimento do nascimento e desenvolvimento de histórias em quadrinhos durante os anos é necessário para o iniciar a compreensão da presente pesquisa, da causa do problema de representação do gênero feminino e da importância da mudança que vem sendo realizada acerca do tema. Também, o entendimento de histórias em quadrinho como uma ferramenta política e ideológica na sociedade ajuda na compreensão do papel do feminismo nas produções culturais.   A adição de uma sequência de imagens com a narração de uma história formam as histórias em quadrinhos. É um meio de comunicação que agrega o “código linguístico e pictórico” para a transmissão de uma mensagem (VERGUEIRO,

13 1998 apud SILVA, AUTRAN, 2007, online), onde o leitor lê imagens e palavras invés de apenas ver e lê-las (PASCAL, 1970 apud ANSELMO, 1975). As HQ são, de acordo com Klawa e Cohen, "um conjunto e uma sequência" (apud ANSELMO, 1975), já que agregam a comunicação escrita com a visual e sua continuidade traz sentido a história num todo.   O uso de imagens para contar histórias é uma prática pré-histórica (SENNA, 1999) que continuou sendo utilizada mesmo após a criação da linguagem escrita. A evolução da linguagem não significou o fim da comunicação por ilustração, uma vez que “a representação imagética permitia uma qualidade de comunicação que não exigia um nível avançado de conhecimento” (SENNA, 1999, p. 20), o que traz a tona uma das características6 das HQs como arte popular segundo Bogart (1956 apud ANSELMO, 1975), que é a exigência de um baixo nível de concentração ou esforço do público leitor. Outra característica única e interessante das histórias em quadrinhos é a criação de um código próprio para transpassar o ruído do papel. A utilização de símbolos – pontos de interrogação para demonstrar dúvida ou de exclamação para ilustrar espanto, por exemplo – e onomatopeias – "zzzz" para mostrar sono ou "boom" para explosão – constroem o estilo das HQ.   A autora Zilda Anselmo (1975, p. 47) dividiu a evolução cronológica das histórias em quadrinhos em seis partes: Pré-história (1820 a 1895), Período Inicial (1895 a 1909), Período de adaptação (1910 a 1928), Período dos anos 30 - a explosão das HQ (1929 a 1939), Período da crise dos anos 20 (1940 a 1948), Período da renovação das HQ (1949 até nossos dias)7. Para comparação, é interessante também analisar a divisão mais coloquial8, a qual foca mais na história em quadrinho de super-heróis: Era de Ouro (meados dos anos 30 até início dos anos 50), Era de Prata (meados dos anos 50 até o inicio da década de 70), Era de Bronze (inicio dos anos 70 até metade dos anos 80), Era Escura (metade dos anos 80 até inicio da década de 90), Era Barroca (inicio ao fim da década de 90), Era Dinâmica (fim dos anos 90 até meio dos anos 2000), Era Moderna (meados dos 6

As outras características definidas pela autora são: o público da HQ é enorme e heterogêneo; há uma falta de contato direto e critica entre o artista e o público; submete-se a critérios de sucesso absolutamente comerciais; usa temas e conservadores e elementos humanos representativos com os quais o público pode se identificar imediatamente (BOGART, 1956 apud ANSELMO, 1975, p. 22,). 7 É necessário prestar atenção que a divisão realizada pela autora é apenas até 1975, ano de publicação do livro utilizado como referência. 8 Coloquial por ter sido idealizada por Richard A. Lupoff, escritor americano, primeiro a utilizar o termo “Era de Ouro” em um artigo publicado na fanzine Comic Art em abril de 1960 (QUATTRO, 2004). Disponível em https://goo.gl/mnFuby. Acesso em: 16 nov. 2015.

14 anos 2000 até hoje)9. A comparação entre a divisão acadêmica e a que foi idealizada por fãs é interessante de ser notada, uma vez que cada uma foi feita com uma visão diferente – como os fãs valorizam mais a época que os super-heróis estavam em alta, por exemplo.   Anselmo, entre outros autores, retrocedem até a pré-história para explicar o principio das histórias em quadrinho – as imagens gravadas em cavernas que mostram a vida na época são o testemunho da época. Posteriormente, com hieróglifos, mistura de letras e desenhos, os egípcios gravaram seu momento na história do mundo. Outro antecedente citado é a tapeçaria de Bayeux, feita na Inglaterra e datada do século XI, um relato sequencial da epopeia dos cavaleiros normandos que é considerada "a maior banda desenhada do mundo" (ANSELMO, 1975, p. 40).   Durante o século IX, graças ao progresso de impressão de ilustrações, houve uma aproximação maior de gravuras e texto, iniciando assim o período da PréHistória dos quadrinhos – entre 1820 e 1895. Imagens que ilustravam sequência de fatos publicadas em jornais e revistas são considerados como o principio do gênero quadrinista – títulos como As Aventuras do Sr. Vieuxbois, do Sr. Cryptogame, do Sr. Jabot do suiço Topffer, Max und Moritz do alemão Busch e La Famille Fénouillard do francês Georges Colomb (que assinava sob o pseudônimo de Christoph) são alguns exemplos dados por Anselmo (1975) para fundar a base do que é conhecido atualmente como história em quadrinhos.   A criação de títulos como Hogan's Alley de Oultcault (fig. 1) e Katzenjammer Kids de Dirks, que povoavam os jornais americanos mostrando a vida doméstica e interações sociais das personagens de um modo satirizado e engraçado10, pode ser considerado o principio da história em quadrinho como ela é conhecida hoje. No fim do século IXX, Pullitzer e Hearst iniciaram a publicação de ilustrações coloridas (além de manchetes chamativas, artigos sensacionalistas, entre outros) a fim de tirar o New York World e o Morning Journal da decadência. Posteriormente, Hearst atraiu Oultcault e passou a publicar os dois títulos em seu jornal. A briga entre Pullitzer e Hearst “deu às HQ o apoio que necessitavam na fase inicial de indecisão e 9

BURGAS, Greg. Disponível em: http://goo.gl/jwgKnq. Acesso em: 20 out. 2015. Por isso, elas ficaram conhecidas como tira cômica – do inglês comic strips, nome continuou sendo usado mesmo para histórias em quadrinhos ou comic books (mesmo se seu conteúdo não seja "cômico"). Além das tirinhas, as revistas pulp também foram grandes influenciadoras, se não as principais, das histórias em quadrinho (WRIGHT, 2001).

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15 segurança” (ANSELMO, 1975, p. 46), o que impulsionou o crescimento da indústria. A partir de então, diversas histórias surgiram: Little Nemo in Slumberland, Kin-derKids, Mutt and Jeff, entre outro. A briga que também deu origem ao primeiro grande sindicato distribuidor das HQ, um passo decisivo para as histórias em quadrinho.  

Figura 1: Hogan’s Alley de Outcalt. 11 Fonte: http://cartoons.osu.edu .

Foi apenas em 1929, ano que as HQ com temáticas de aventura começaram a tomar conta da indústria e quando Anselmo (1975) considera a explosão dos quadrinhos, que uma empresa experimentou com a produção de uma revista de

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Disponível em http://goo.gl/84sJRw. Acesso em: 20 out. 2015.

16 quadrinhos semanal, que era distribuída em bancas de jornal. A Dell Publishing publicou por cerca de um ano a revista The Funnies, que foi cancelada após cerca de um ano. Porém, a empresa inspirou outros empreendedores a explorar o mercado. Foi assim que, em 1935, a companhia que viria a ser conhecida como DC Comics a partir de 1937, foi criada – empresa que até hoje configura como uma das principais do ramo ao lado da Marvel Comics. Foi, a partir de então, que os superheróis viraram o personagem principal das histórias em quadrinho. Anteriormente conhecida como National Comics, a empresa teve seu nome trocado após o lançamento bem sucedido de seu terceiro título Detective Comics, que no futuro teria a estreia de um dos heróis mais famosos da indústria até hoje: Batman, que teve sua primeira aparição na revista número 27, em 1939. A DC foi precursora na área, já que foi ela que mudou a formula dos quadrinhos, "humor deu espaço à luta contra o crime" (WRIGHT, 2001, p. 5).   O primeiro super-herói famoso foi publicado pela DC. Após 4 anos tentando publicar sua história, Jerry Siegel e Joe Shuster venderam a ideia e enredo para a empresa. Em 1938, Super-Homem fez sua estréia na primeira edição de Action Comics (fig. 2), logo no ano seguinte ganhando uma revista em quadrinhos própria – o primeiro título dedicado a um super-herói único. Sem sua reconhecida fantasia azul e vermelha, Super-Homem era apenas o jornalista Clark Kent, um homem com características normais e até tediosas. Em época que o país vivia as consequências da Grande Depressão nos Estados Unidos, onde o homem comum era exaltado, um personagem como o Homem de Aço tornou-se o "campeão dos oprimidos", como seus criadores o definiram (apud WRIGHT, 2001, p. 11). O sucesso do personagem deu-se justamente por ele ter se tornado a voz daqueles que, na época, não tinham força pra se expressar. Ainda em 1939, após o triunfo do Homem de Aço, a DC seguiu com a fórmula de sucesso e pediu para Bob Kayne, um jovem cartunista, criar outro herói – nascendo assim Batman, um dos principais personagens da indústria até hoje.  

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Figura 2: Primeira aparição de Super-Homem. 12 Fonte: http://cinezencultural.com.br .  

Foi também em 1939 que a maior oponente durante anos da DC foi fundada. A Timely Publications, que viria a ser renomeada como Marvel Comics, entrou no mercado com dois personagens: Tocha Humana e Namor. A empresa ainda demoraria algumas décadas para alcançar ou até ultrapassar o sucesso da DC, tornando-se a principal rival dela até os dias de hoje.   É possível acompanhar a relação de quadrinhos com a sociedade – tanto histórico quanto ideologicamente. Enquanto os anos de Depressão pediram pelo ‘homem comum’ os de guerra imploravam por super-heróis patrióticos. As revistas em quadrinhos se tornaram um lugar de propaganda durante a Segunda Guerra, especialmente graças à criação e publicação do Capitão América (fig. 3), pela Marvel. Em 1940, um ano antes do Ataque a Pearl Harbor que culminou na entrada dos Estados Unidos na Guerra, os quadrinhos entraram na guerra. Wright diz que o motivo desse posicionamento foi o fato de muitos dos artistas que trabalhavam na

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Disponível em: http://goo.gl/6IJfL3. Acesso em: 20 out. 2015.

18 indústria eram liberais e judeus, e isto ia de encontro com a ideologia nazista (2001). Capitão América, criado por Joe Simon e Jack Kirby, se tornou o título mais vendido da Marvel, com a premissa patriota e com a capa de sua primeira edição contendo o super-herói acertando um soco em Adolf Hitler. Enquanto a guerra se tornava mundial, tanto a DC quanto a Marvel continuavam a estabelecer suas histórias neste cenário, utilizando seus heróis para estimular o povo americano para apoiar suas tropas em solo europeu.  

Figura 3: Primeira aparição de Capitão América. 13 Fonte: http://marvel.wikia.com. .  

Após a guerra, a indústria sofreu um baque. A HQ foi acusada de causar delinquência juvenil, preguiça mental e de "tornar coisas demasiadamente fáceis" (ANSELMO, p. 58, 1975). Em 1954, Frederic Wertham se tornou o principal nome da cruzada contra as histórias em quadrinho, que culpava-as pelo aumento da delinquência juvenil nos Estados Unidos após a II Guerra. A publicação do livro The Seduction of the Innocent – estudo que generalizava a HQ como "a fonte de todos 13

Disponível em: http://goo.gl/vt1lUl. Acesso em: 20 out. 2015.

19 os problemas americanos" (ANSELMO, 1975, p. 59) – marcou a época. No verão do mesmo ano, 15 editoras que publicavam histórias em quadrinho fecharam as portas (HOWE, 2013). Por conta do movimento, no mesmo ano foi criado o Association of Comics Magazine Publishers (ACMP), que criou um código14 de "auto-regulação" (fig. 4), submetendo os desenhistas e autores a uma rígida censura – o que acentuou a crise da indústria, que já sofria graças ao advento e popularização da televisão.  

Figura 4: Selo de Aprovação do CCA. 15 Fonte: http://en.wikipedia.org .  

Após a criação do código, a crise parecia insuperável. Porém, em 1956, a DC lançou o Flash – o primeiro super-herói de sucesso após a guerra. O triunfo fez com que a editora trouxesse de volta personagens famosos como Super-Homem, Mulher Maravilha, Batman, Lanterna Verde, Aquaman, entre outros – o que impulsionou a criação da Liga da Justiça, dando inicio ao fenômeno de histórias de grupo de superheróis tanto na DC quanto na Marvel, que viria a publicar Fantastic Four logo depois. A Marvel, novamente, seguiu a linha de inserir acontecimentos de grande relevância social em suas histórias, inserindo a corrida espacial e a Guerra Fria na história d’O Quarteto Fantástico. Alguns dos personagens mais conhecidos da Marvel, grande parte dos utilizados na construção de seu universo cinematográfico – que será discutido a seguir, foram criados nesta época. Entre a década de 50 e 60 ocorreu a

14 15

O Comics Code Authority, conhecido como CCA. Disponível em: https://goo.gl/2BjrmV. Acesso em: 20 out. 2015.

20 criação de Thor, Homem Aranha, Hulk, X-Men e Homem de Ferro – e ainda a criação d’Os Vingadores.   A mudança do tom das revistas marca as histórias em quadrinho na década de 70 e 80, com temática mais sombria e o resgate da preocupação com temas sociais (HOWE, 2013). O uso de minorias e assuntos como alcoolismo, drogas, racismo e homofobia estão muito presentes. Dois dos títulos mais marcantes da época são Watchmen, criado por Moore e Gibbons, e The Dark Knight Returns, de Miller, que trazem um estilo diferenciado e acabou criando e popularizando o estilo de graphic novel16 (JARCEM, 2007).   Até hoje, as histórias em quadrinho acompanham assuntos de importância mundial, a Ms. Marvel: uma menina adolescente de origem paquistanesa e que pratica a religião islãmica. O advento da Internet e a distribuição digital de HQ é uma das características mais marcantes hoje, além de ser um dos motivos do aumento de vendas na indústria17. Também, o investimento em produções audiovisuais se mostra como o futuro da indústria – o que já ocorre e será explanado mais profundamente na próxima sessão.  

1.1.1 Timely, Atlas e Marvel Comics

Existe uma divergência grande de datas quando se fala na Marvel. Portanto, foi utilizado o livro Marvel Comics: The Untold Story, escrito pelo jornalista e escritor americano Sean Howe e publicado em 2013. Além disso, a página da Marvel Comics18 e Marvel Cinematic Universe19 na Wikipedia como apoio para informações e datas adicionais.   Filho de imigrantes russos, Martin Goodman fundou a empresa que viria a ser a Marvel Comics em 1933, sob o nome de Newsstand Publications. Nono filho de uma família de 13 crianças, transformou sua paixão por leitura e revistas em trabalho após voltar de uma viagem pelo território americano de trem. Após quase falir e perder seu sócio, Goodman conseguiu sobreviver o Crash da Bolsa e a crise 16

Romance visual, tradução literal. É voltado, em geral, para o público adulto. Segundo dados de 2014 do site ComiChron, que diz que as vendas tiveram um aumento de 7% em comparação com 2013 – que se deve em parte a entrada dos quadrinhos no meio digital. Disponível em: http://goo.gl/yEUc8T. Acesso em: 14 jul. 2015. 18 Disponível em: https://goo.gl/2k4se1. Acesso em: 14 jul. 2015. 19 Disponível em https://goo.gl/BplGMv. Acesso em: 14 jul. 2015. 17

21 de 1929 que antecedeu os anos de Grande Depressão. Em 1939, a empresa já havia trocado de nome algumas vezes e publicava mais de duas dúzias de revistas, entre elas os títulos pulp Western e Marvel Science Stories.   Sob o nome de Timely, Goodman publicou, em 1939, Marvel’s Comics #1, contendo as histórias de Tocha Humana de Calr Burgos e Namor de Bill Everett. Um homem sintético criado dentro de um tubo de ensaio gigante que explodiu em chamas ao ter contato com oxigênio e o filho da herdeira do trono de Atlantis com um humano venderam 80.000 cópias apenas em setembro de 1939 e eventualmente 800.000 edições (HOWE, 2013). Na segunda edição, com a mudança do título para Marvel Mystery Comics, Tocha Humana seguiu os passos do famoso herói publicado pela DC e adotou um alter ego e um emprego como policial, enquanto Namor reforçou seu papel de anti-herói. A história se passava em Nova Iorque e o mundo dos dois primeiros nomes da empresa que viria a ser a Marvel era conectado por Betty Dean, humana que Namor se apaixonou e colega de trabalho de Jim Hamond, pseudônimo do Tocha Humana.   A temática da II Guerra Mundial entrou na pauta dos quadrinhos. Namor batalhou com os nazistas e Marvel Boy lutou contra um ditador chamado Hiller. Porém, o nome que mais chamou atenção foi o do super-soldado patriota Capitão América de Simon e Kirby. Vestindo azul, vermelho e branco – as cores da bandeira norte-americana – e empunhando um escudo estrelado, o herói teve sua primeira aparição em Captain America #1, em dezembro de 1940, aparecendo na capa acertando um soco no rosto de Hitler. Howe escreveu:   Enquanto Super-Homem, Batman e outros heróis continuavam batalhando contra alienígenas, vilões fantasiados e ladrões; a energética, brava e gritante Timely arregaçou suas mangas para combater os vilões da vida real da II Guerra Mundial (HOWE, 2013, p. 17).  

A primeira edição de Capitão América vendeu um milhão de cópias, um número “à la Super-Homem” (HOWE, 2013), o que excedeu as expectativas da empresa. O patriota não foi nem o primeiro e muito menos o último super-herói a ir para guerra, mas com ele é considerada a definitiva entrava dos quadrinhos na guerra (Wright, 2001, p. 30).   Enquanto Captain America estava sendo impresso, a Timely contratou o adolescente Stanley Lieber, quem hoje é conhecido como Stan Lee, que em 1941 tomou a posição de editor das publicações, onde permaneceu até 1972 - sans os

22 três anos entre 1942 a 1945, quando serviu no exercito durante a II Guerra Mundial. Até os dias de hoje, figurando como vice-presidente da empresa e editor, Stan Lee concebeu o universo da Marvel como ele é conhecido hoje – em conjunto com Jack Kirby e Steve Dikto criou nomes como Homem-Aranha, O Incrível Hulk, Homem de Ferro, Thor, Os X-Men e Quarteto Fantástico.   Na década de 50, já sofrendo com a crise que atingiu toda a indústria, Timely vira Atlas Comics - procurando a renovação da marca após o cancelamento de títulos como Namor e Capitão América. Howe representa a crise dentro da empresa com a seguinte passagem, quando Goodman   pediu a Lee que fizesse cortes na equipe. Pouco antes do Natal de 1949, instalou-se um sistema de caixas de som na sala dos artistas. Os artistas chamavam de “caixa resmungo”. “A gente ouviu com frequência o Stan berrar ‘fulano da silva, minha sala’ e sabia que o fulano ia ser demitido”, lembrou um dos funcionários. “Era a voz da perdição.” Lee não tinha apenas que dizer aos artistas que eles estavam sem emprego; tinha de explicar que era porque Goodman queria usar o arquivo que ele mesmo havia estocado. Até fevereiro, quase todos com exceção de Lee estavam na rua. (HOWE, 2013, p.28)  

A saída da Marvel da crise deu-se com a publicação da história d'O Quarteto Fantástico. A lenda conta que, em um jogo de golfe entre Goodman e Jack Liebowitz (co-proprietário da National Comics), este falou sobre o sucesso que A Liga da Justiça trouxe para a empresa que viria a ser conhecida como DC Comics (HOWE, 2013). Goodman então repassou a informação a Stan Lee, que em conjunto com Kirby, criou o primeiro grupo de super-heróis da empresa - já sob o selo de Marvel Comics   The Fantastic Four #1 (fig. 5) chegou ao público em agosto de 1961, durante plena Guerra Fria, e – pela primeira vez em anos – a Marvel tinha "algo especial em mãos" (HOWE, 2013). A primeira edição mostra como o Quarteto Fantástico obteve seus poderes e como foi decidido a utilização deles para o bem. Também, novamente, o tema político foi o trunfo da editora, que substituiu os nazistas por comunistas como os vilões ou rivais de seus personagens principais. O Incrível Hulk, Thor e Homem de Ferro – que, junto com a Vespa e o Homem Formiga, viriam a formar os Vingadores (fig. 6), outro grupo de super-heróis de sucesso da Marvel além de Homem Aranha e X-Men vieram logo depois, títulos que são publicados até hoje e constituem o Universo Cinematográfico da Marvel. A cada participação de um personagem na história de outro, como quando o Homem-Aranha tentou se juntar ao

23 Quarteto Fantástico ou a participação do Tocha Humana em Amazing Spiderman, a Marvel criava o seu universo e a ideia que a ação de um personagem pode influenciar a história de outro - cada história era apenas uma ramificação de uma narrativa muito maior.

Figuras 5 e 6: Fantastic Four #1 e The Avengers #1. 20 21 Fonte: http://marvel.wikia.com e http://www.comicvine.com/ .  

No fim dos anos 60, em 1968, Martin Goodman vendeu sua editora - que incluía, além do setor de quadrinhos (Marvel), o departamento de revistas masculinas famosas. Com isso, Stan Lee acabou assumindo uma parte mais comercial enquanto Roy Thomas tomou conta do universo de super-heróis da Marvel. Howe (2013) diz que isto foi o início do fim de uma geração na Marvel, em conjunto com saída de nomes como Steve Ditko, Sol Brodsky, Stan Goldberg e John Severin. Outra mudança importante foi a saída de Kirby, que se demitiu após entregar sua última história d'O Quarteto Fantástico em março de 1970 - "O Rei estava indo embora" escreveu Howe (2013) - o que, para muitos estudiosos, marca o fim de uma era na Marvel (HOWE, 2013). No vai-e-vem da indústria, Jack Kirby acabou voltando à Marvel por alguns anos no fim da década de 70, porém, desta vez, quando saiu não voltou mais.   20 21

Disponível em: http://goo.gl/642hOs. Acesso em: 20 out. 2015. Disponível em: http://goo.gl/5ZzlSK. Acesso em: 20 out. 2015.

24 Foi nos anos 70 que os quadrinhos começaram a tratar de assuntos sensíveis para a sociedade, iniciando com Stan Lee publicando uma história do Homem Aranha que discutia o uso e abuso de drogas do colega de quarto da faculdade de Peter Parker, alter ego do Aranha. A história acabou mudando a indústria, uma vez que colaborou com a atenuação do Código de Ética dos Quadrinhos, abrindo espaço para discussões mais "polêmicas". Apesar disso, havia o rumor que Stan Lee estava apenas esperando seu contrato acabar para deixar o seu cargo na Marvel – era possível notar sua frustração com passagens como "a indústria dos quadrinhos é o pior mercado na face da Terra para talentos criativos e os motivos são infinitos" (apud HOWE, 2013, p. 111). Ele foi, aos poucos, deixando de escrever alguns títulos - passando eles para Roy Thomas, Archie Goodwin, Gary Friedrich e Gerry Thomas - até que deixou o posto de editor em 1972 para focar na produção de roteiros de filmes e levar a Marvel para o cinema. A década de 70 também contou com uma dança das cadeiras na editoria da Marvel. Após a saída de Stan Lee em 1972, outros seis nomes ocuparam o lugar que havia sido de Lee por trinta anos: Roy Thomas, Len Wein, Marv Wolfman, Gerry Conway, Archie Goodwin e Jim Shooter, que ficou até 1986 no cargo. Foi no início de 1970 também que a Marvel se consolidou como a editora de quadrinhos número um do mundo. O grande triunfo da Marvel na época foram as histórias com os mutantes do X-Men, revista que ficou cancelada durante muito tempo e outros títulos importantes como os quadrinhos da banda Kiss e de Star Wars.   Em 1980, Frank Miller inicia sua carreira na Marvel, e ficaria conhecido como um dos principais nomes da época e de toda a indústria, com o título de sucesso Demolidor - personagem criado na década de 60 por Stan Lee e Bill Everett. O estilo expressionista de Miller trouxe vida nova aos quadrinhos, sendo ele um dos maiores influenciadores do estilo que viria a tomar a indústria nos próximos anos - histórias mais violentas, com um estilo mais sombrio e desprovidos de inocência. Ainda, XMen era o principal título da empresa e continuava a tratar de assuntos polêmicos: no inicio dos anos 80, foi revelado que Magneto, o primeiro e mais famoso vilão do X-Men, havia sido prisioneiro do campo de concentração nazista Auschwitz quando criança, além de mostrar cada vez mais o crescente preconceito contra os mutantes (apelidados pejorativamente como "mutties") – o que era uma relação direta a homofobia e racismo (HOWE, 2013). No meio da década, a Marvel começou a sofrer com problemas que viriam a levar à empresa a concordata. A crise começou dentro

25 do bullpen22, pela pressão que Shooter, editor-chefe da época, impunha a seus empregados. As opiniões acerca dele eram divididas, muitos o consideravam conservador e outros diziam que ele dava abertura a inovação. A pressão para a entrega de histórias, como ocorreu com Secret Wars23, em conjunto com o já nutrido desgosto pelo editor e a nova natureza corporativa adotada após a venda da empresa para New World Pictures culminou na saída de Shooter, que seria substituido por Tom DeFalco em 1986.   A New World Pictures não tinha interesse nas histórias em quadrinho, focando seu investimento nas produções audiovisuais. A empresa garantiu a produção de 65 animações de meia hora dos X-Men e iniciou a produção do filme O Justiceiro, durante 1988 - lançado no ano de 1989. Este foi o terceiro filme inspirado nos personagens da Marvel e estaria longe de ser o último. As consequências da venda dos direitos de diversos personagens para o cinema na década de 70 podem ser observadas até hoje – existe cerca de 70 filmes24 de estúdios diferentes com personagens das histórias em quadrinhos da Marvel.   No fim dos anos 80, a Marvel foi vendida e mudou de mãos de novo. A década de 90 iniciou com a empresa tendo alta nas vendas, investindo principalmente em edições e capaz especiais – o que acabou se tornando um problema maior quando Homem Aranha comemorou 30 anos de criação e desencadeou um calendário de comemorações e edições especiais, o que custava muito caro e fazia com que a empresa perdesse leitores.   Cada vez que a gente fazia uma dessas capas imbecilodes, que faziam o preço subir 33% – digamos que na edição n. 475 -, a gente tinha uma queda de 20% na 474 à 476. Os números tinham pico de novo na n.475, mas na verdade a gente perdia leitores do n. 474 ao n.476. Era assim em todos os casos. (HOWE, 2013, p. 341)  

Apesar disso, a Marvel continuou a se expandir agressivamente, contraindo uma dívida de US$240 milhões – o que provava que a queda da empresa era inevitável. Em conjunto com os problemas econômicos, a concorrência acirrada com a DC, a independente Dark Horse a Image Comics - empresa criada por roteiristas e desenhistas (Jim Lee, Todd McFarlane, Rob Liefeld) que saíram da Marvel pela falta de retorno em comparação ao desgaste que a empresa causou a eles – colaborou 22

Apelido dado a sala de artistas da Marvel Comics. Arco que tinha como intuito realizar um big bang no universo da Marvel, “dando uma conclusão dramática e permanente a todos os títulos” (HOWE, 2013, p. 273). 24 Lista disponível em: https://goo.gl/lXGbw7. Acesso em: 19 nov. 2015. 23

26 para a queda da Marvel do topo da indústria. Em 1993, os títulos da empresa caíram do TOP5. Pouco tempo depois, ela tinha apenas um título no TOP20 de vendas. A crise estava presente na indústria também, que durante o período de menos de seis meses milhares de lojas de quadrinhos fecharam as portas nos Estados Unidos. Em 94, a Marvel cancelou mais de 20 títulos, demitiu diversos colaboradores e arcava com uma dívida aberta de US$1,2 milhões.   Em meio a crise, a Marvel Films – que viria a ser Marvel Studios no futuro - foi fundada e, alguns anos mais tarde, foi nela que a Marvel encontrou a saída da eminente falência ao perceber, com o lançamento de Blade em 1998, que os personagens da empresa e o cinema combinavam muito bem. No início dos anos 2000, os X-Men, Homem-Aranha, Demolidor e O Incrível Hulk chegariam aos cinemas com sucesso - realizando o sonho antigo de Stan Lee de ver os personagens criados por ele e sua equipe nas telonas. No bullpen, Joe Quesada assumiu o cargo de editor e realizou uma série de mudanças: a inclusão de recapitulação a cada revista lançada, a demarcação do inicio e fim de cada arco, além de detalhes técnicos. Foi também criada a linha MAX – que contava com histórias mais violentas e sem o selo de aprovação do Código – e o universo Ultimate, que possibilitou a criação de versões mais jovens de personagens já conhecidos sem a necessidade da realização de outro reboot.   Os anos 2000 e 2010 foram e são até hoje focados na produção audiovisual. Em 2008, Iron Man é o primeiro filme lançado pela Marvel Studios, marcando o inicio do Universo Cinematográfico da Marvel, conhecido pela sigla em inglês MCU25, resultado de um plano que foi pensado, planejado e praticado durante anos: produzir, possivelmente, filmes de dez personagens com orçamento de US$45 milhões até US$165 milhões.   A estratégia era acossar o mercado com filmes sobre cada integrante dos Vingadores; eles recuperariam os direitos sobre Homem de Ferro da New Line; lançariam Capitão América e Thor; iam até refazer Hulk, que fora uma decepção para a Universal em 2003. O golpe final seria construir familiaridade com a marca Vingadores e combinar as franquias num mega filme com todos os personagens. (HOWE, 2013, p.204).  

A cena pós créditos – que acabou virando marca registrada dos filmes do MCU – de Iron Man, com Nick Fury abordando Tony Stark para a "iniciativa Vingadores" foi o link para os próximos filmes. The Incredible Hulk (2008), Iron Man 25

Oriundo de Marvel’s Cinematic Universe, que é traduzido para Universo Cinemático da Marvel.

27 2 (2010), Thor e Captain America: The First Avenger (2011), The Avengers (2012), Iron Man 3 e Thor: The Dark World (2013), Captain America: The Winter Soldier e Guardians of the Galaxy (2014), Avengers: Age of Ultron e Ant-Man (2015) foram lançados pela Marvel Studios - mais dez filmes deste universo já foram anunciados, com datas de lançamento até 2019 (fig. 7). O investimento em séries para complementar o MCU também foi grande: tanto na televisão com Marvel's Agents of S.H.I.E.L.D (2013-), Marvel's Agent Carter (2015) e Marvel's Demage Control (sem data de estréia), quanto no Netflix26 com Marvel's Daredevil (2015-), Marvel's Jessica Jones (2015-), Marvel's Luke Cage (2016), Marvel's Iron Fist e Marvel's The Defenders (sem data de estréia).

Figura 7: Maioria dos títulos do MCU. 27 Fonte: http://411mania.com/ .  

A transmídia é a marca registrada dos anos 2000 e 2010 na Marvel, uma vez que ela se utiliza de diversos meios para estabelecer o Universo. Os filmes se relacionam com quadrinhos, jogos e curtas28. Tal inovação rendeu o posto de franquia de filmes com maior sucesso no mundo29 para o Universo Cinematográfico da Marvel, ficando a frente de clássicos da cultura pop como Harry Potter, Star Wars 26

Empresa que realiza o serviço de vídeo on-demand, disponibilizando um catálogo de produções audiovisuais para os usuários mediante um pagamento mensal. 27 Disponível em: http://goo.gl/WL66Qj. Acesso em: 20 out. 2015. 28 Chamados pela empresa de one shot, que são episódios curtos utilizados para explorar certo ponto da história. Eles são normalmente disponibilizados na internet e nos DVDs dos filmes como conteúdo extra. 29 Segundo a Forbes. Disponível em: http://goo.gl/J0aDhM. Acesso em: 13 out. 2015.

28 e James Bond. Em 2009, a Walt Disney Company comprou a Marvel Entertainment por US$4 bilhões, terminando, por ora, as dificuldades da empresa - dando estabilidade para que ela tenha liberdade de criação.   Hoje, sob editoria de Alex Alonso, as histórias em quadrinho passarão por outro reboot, com mais uma Secret Wars, com todos os seus títulos começando pelo #1 novamente além de mudanças, como o fim da criação de novos mutantes na história X-Men. A temática política sempre se mostrou como uma receita de sucesso na Marvel – a luta de Capitão América contra os nazistas, a rivalidade dos capitalistas com os comunistas mostrada com o Quarteto Fantástico e o Incrível Hulk, a inserção de personagens negros no universo ficcional da empresa como Pantera Negra, a relação dos X-Men com a luta pelos direitos civis nos Estados Unidos e, hoje, a criação de uma personagem islâmica de origem paquistanesa como novo rosto da Ms. Marvel em meio a discussões xenófobas. Uma vez que o big bang do Universo de quadrinhos da empresa ainda não ocorreu até o momento que esta pesquisa foi realizada, não há como tecer algum comentário e muito menos previsão do que pode ocorrer editorialmente ou economicamente com a Marvel.   Em uma correspondência privada com um fã durante os anos 60, Stan Lee resumiu a história da Marvel quando disse "parece que nós saímos de uma crise para outra" (apud HOWE, 2013, p. 43). As demissões, dança das cadeiras de editoria e a empresa passar de mão a mão de magnatas da economia americana construíram um dos maiores fenômenos culturais da história americana – e quiça mundial. Sendo assim, a importância das histórias em quadrinhos como um meio de comunicação fica em evidência – ainda que exista certa resistência a considerá-la como tal. A seguir é exposto o que é um meio de comunicação de massa e o papel da HQ como um MCM.  

1.2 Histórias em quadrinho como meio de comunicação de massa

As histórias em quadrinho são consideradas, primariamente e normalmente, como entretenimento e arte popular - como já foram discutidas as características anteriormente. Tal definição não é errada, uma vez que as HQ são trabalhos de

29 ficção escritos para o lazer do público, apesar de ter se transformado em uma ferramenta ideológica. Como confirma Pfromm Netto  

 

Raramente, por exemplo, alguém trata os MCM como instrumentos de educação e, simultaneamente, como artes ou divertimento de massa. [...] Assim, vários artigos e obras foram escritos apenas numa linha de abordagem da HQ como arte popular. (NETTO, 1972 apud ANSELMO, 1975, p. 24).  

As histórias em quadrinho ainda não são vistas pela maioria dos autores como meio de comunicação, apesar de ser possível observar como os atributos que os quadrinhos adquiriram ao passar do tempo o caracteriza, de fato, como um meio de comunicação de massa.   Os meios de comunicação de massa são aqueles que disseminam uma mensagem partindo de um único emissor para uma grande quantidade de receptores ao mesmo tempo, sendo que eles têm grande influência na sociedade em geral. O modelo apresentado por Harold Lasswell, proposto em 1948 (WOLF, 2003), diz que uma forma adequada de descrever o ato de comunicação é responder às seguintes perguntas:   QUEM !DIZ O QUÊ !ATRAVÉS DE QUE CANAL !COM QUE EFEITO?   Sendo este modelo ligado diretamente ao sistema comunicativo da teoria hipodérmica, que defende a relação direta entre a exposição às mensagens e o comportamento da sociedade. De outras diversas teorias exploram os meios de comunicação de massa, pode-se destacar, principalmente, a agenda-setting. Shaw (1979) diz que “o pressuposto fundamental do agenda-setting é que "a compreensão que as pessoas têm de grande parte da realidade social lhes é fornecida, por empréstimo, pelos mass media” (apud WOLF, 2003, p. 62) – ou seja, a mídia tem o poder de “agendar” a pauta pública. Apesar de existir discussões que explicitem como o modelo comunicacional mudou graças ao advento da internet, que permitiu uma comunicação de “muitos para muitos” invés de “um para muitos” (TUBELLA, 2005), por consequência deixando evidente como o público também agenda a mídia, o meios de comunicação de massa continuam como uma das maiores ferramentas de difusão de estruturas dominantes de poder (WOLF, 2003).   Entre as características que definem os meios de comunicação de massa, segundo Anselmo (1975) estão: o envolvimento de máquinas de mediação da comunicação, permitindo a multiplicação da mensagem; a capacidade de atingir uma

30 vasta audiência simultaneamente; a construção da mensagem ser feita a partir de uma organização ampla, complexa e com grande número de profissionais; o papel de espelho que "reflete a qualidade da educação de um povo" (p. 23); apesar de ser um sistema de comunicação num só sentido, dispõe de vários feedbacks; a difusão instantânea da mensagem; a expansão da informação, diversão e ensino do cidadão comum. As propriedades citadas reforçam a colocação da HQ como um MCM – já que seu alcance é ainda maior hoje, com o advento da venda de histórias de quadrinho digitalmente e por consequência a multiplicação instantânea da mensagem e facilidade de receber feedback; além de ela ser feita a partir de uma ampla organização e envolver as máquinas de mediação da comunicação, como chama Anselmo, para sua distribuição. As histórias em quadrinho se encaixam como um meio de comunicação de massa na sua totalidade já que se encaixa nos pontos citados acima. Apesar disso, as histórias em quadrinho ainda são consideradas majoritariamente como entretenimento na sociedade.   Uma justificativa plausível pelo motivo que as histórias em quadrinho ainda não são consideradas como um meio de comunicação, especialmente no Brasil, é pelo teor infantil que ela é percebida. Teixeira e Schlögl exemplificam esta situação citando como a produção nacional se resume a histórias da Turma da Mônica e quadrinhos educativos ou publicitários (2013). Isso faz com que haja uma “exportação” de artistas brasileiros que trabalham com temas mais diversos e adultos na indústria de quadrinhos – nomes como Will Conrad, Renato Arlem, Mike Deodato Jr. e Luke Ross já apareceram em quadrinhos renomados da Marvel e DC, porém não são conhecidos no Brasil.   Além disso, como foi citado anteriormente, as histórias em quadrinho são trabalhos de ficção e, portanto, vistas como entretenimento – o que não deveria denegrir a imagem de nenhuma produção cultural que entra no padrão de meio de comunicação. Martino, em diálogo com John Street (1986, 1997, 2001), escreve que “longe de ser simples diversão associada à alienação ou ao domínio político, o entretenimento pode ser pensado como um instrumento de ação política, inclusive para construção de resistências a um sistema hegemônico” (MARTINO, 2011, online) – como foi mostrado em diversos exemplos anteriormente e também será possível observar no estudo de caso realizado na presente pesquisa.   A dificuldade da classificação das histórias em quadrinho, e outras produções culturais, como meio de comunicação de massa dá-se pela prenoção que a

31 comunicação é apenas informativa, jornalística. Mesmo que a HQ se encaixe nas características de um MCM e que diversas teorias da comunicação possam ser aplicadas no seu caso, é possível observar com apoio dos autores citados anteriormente como a população ainda vê essas produções puramente como diversão. Mesmo que elas se encaixem nas características que moldam o meio de comunicação de massa, o imaginário que a informação deve ser passada apenas com seriedade fere as produções que o fazem com entretenimento. Tomando as informações explanadas nas sessões anteriores – sobre como a HQ é um elemento político e assim foi utilizado após o Crash da Bolsa de Valores de Nova Iorque ou sua capacidade como instrumento ideológico como com Capitão América na Segunda Guerra Mundial – sua posição como meio de comunicação de massa é irrefutável.   Neste capitulo discutimos a história de criação e desenvolvimento das histórias em quadrinho, o foco no percurso galgado pela Marvel Comics e justificamos o papel da HQ como meio de comunicação de massa. Isto cria base para a discussão do trabalho, acerca de representação de gênero e sua importância. No capitulo a seguir vamos apresentar a discussão sobre o conceito de gênero e feminismo e aplicá-los a este universo.  

2 GÊNERO, MÍDIA E HISTÓRIAS EM QUADRINHOS

A compreensão de gênero, feminismo e como eles são representados na mídia é um passo importante para o entendimento básico do que a presente pesquisa irá mostrar no estudo de caso. A questão de como eles se relacionam e da importância da significação de um em outro – como o feminismo ajuda na compreensão de gênero e vice-versa – também é necessária para a compreensão geral do assunto. A diferenciação de sexo e gênero será abordada inicialmente, uma vez que esses termos são normalmente utilizados equivocadamente e confundidos ainda, a questão de desigualdade e violência de gênero será discutida. Em sequência, o feminismo será explanado, desde sua definição até as ondas do movimento e o que elas conquistaram para as mulheres em todo planeta – além de escrever brevemente sobre a pauta feminista nas histórias em quadrinho. Por fim, as definições serão problematizadas com a mídia: como gênero e feminismo são representados na mídia e, mais especificamente, nas HQ. Entre os autores que foram utilizados para a realização do referencial teórico estão Beauvoir (1970), Bourdieu (1989), Butler (2015), Hinsey (2013), hooks (2000), Humm (1995), Jesus (2012), Offen (1988), Shapiro (1981), Snyder (2008), van Zoonen (1994), Wright (2001) e Zizek (2008).

2.1 Gênero e Sexo

Para realizar o estudo de representação proposto nesta pesquisa é preciso inicialmente ser capaz de distinguir sexo e gênero – especialmente compreender o que constrói e define o segundo. Além disso, obter a noção da significação do assunto é importante também para a problematização da "guerra dos sexos"30 – o que, graças a mídia jornalística, tornou-se uma discussão cada vez mais presente na sociedade e está presente neste trabalho.

30

Expressão aqui utilizada para definir como a sociedade a disputa entre o masculino e o feminino, seja na vida real ou em produções culturais. Por exemplo, um jornal reconhecido utilizar a expressão para falar que um filme com uma atriz principal teve melhor bilheteria que um filme com um ator principal. Exemplo disponível em: http://goo.gl/4Cwh3D. Acesso em: 11 jul. 2015.

33 Judith Shapiro, caracteriza sexo como diferença biológica entre macho e fêmea e gênero como "construções sociais, culturais, psicológicas que se impõem sobre essas diferenças biológicas" (1981, p. 449). Humm (1995), cita Sex and Temperament in Three Primitive Societies de Margaret Mead (1935) como a base que as teóricas feministas contemporâneas utilizaram para diferir sexo como biológico e comportamento de gênero como uma construção social. A definição de Humm diz que gênero é um grupo de atributos e comportamentos, formado culturalmente, e designado à mulher ou ao homem. Butler (1990) caracteriza o comportamento como agente principal da criação da identidade de gênero, além de explanar que o gênero é composto de atos, gestos e desejos, que são entendidos como performativos – sugerindo que “a essência ou identidade que por outro lado pretendem expressar são fabricações manufaturadas e sustentadas por signos corpóreos e outros meios discursivos” (1990, p. 235). Jesus (2012), diferencia sexo como biológico e gênero como uma construção social, a autora ainda diz que “entende-se que a vivência de um gênero (social, cultural) discordante com o que se esperaria de alguém de um determinado sexo (biológico) é uma questão de identidade, e não um transtorno” (JESUS, 2012, p. 9). Simone de Beauvoir (1970) segue a mesma linha de pensamento, podendo ser observado no dizer "ninguém nasce mulher: torna-se mulher" (p. 9). Um bom exemplo da construção social do gênero é a pratica ainda comum na sociedade ao descobrir o sexo do bebê na barriga da mãe, interpretar ele/ela de acordo com a noção binária31 do gênero: enxoval rosa e bonecas para menina, enxoval azul e bonecos para menino – para a sociedade em geral a “polaridade é essencial para a construção de gênero” (HUMM, 1995, p. 106) uma vez que um é construído como oposto do outro. Como disse Donna Haraway (apud PISCITELLI, 1997, p. 52) "o corpo é apenas uma página em branco para inscrições sociais, incluindo as do discurso biológico", interpretando assim como uma critica à ideia de gênero como uma concepção social previamente definida. As teorias descritas acima ajudam a criar a ideia que será utilizada nesta pesquisa, no caso, que a identidade de gênero do ser humano é uma construção social assim como pessoal. A concepção de gênero perante a sociedade dá-se como uma construção social e cultural – como grande parte das autoras citadas 31

Segundo Humm (1995) são dois termos que são opostos, que a sociedade acaba criando uma hierarquia sobre o sentido das palavras – por exemplo, homem/mulher e branco/preto.

34 anteriormente indicam – e perpetuada pela mesma. Ainda, quando Butler (2015) diz que o gênero é performativo, é possível também compreender o gênero como uma construção pessoal, já que “esses estilos nunca são plenamente originais, pois os estilos têm uma história, e suas histórias condicionam e limitam suas possibilidades” (p. 240), sendo “estilos” os corpos marcados pelo gênero, como a autora nomeou de “estilos da carne”. A partir desta concepção, é também possível legitimizar e discutir os outros termos além do binarismo de gênero – como agenêro32, genderfluid33 e transgênero34 – construções que a sociedade no geral não tem costume de observar. é necessário observar como as duas construções dependem uma da outra para ter sua concepção, podendo assim concluir que a identidade de gênero é construída a partir das vivências, criação e concepção social de cada indivíduo e tudo isso é influenciado pela construção cultural da sociedade. A partir da estruturação do que é gênero, fica visível a luta do dominante contra dominado, a violência e descriminação que ocorre na relação de poder entre os dois. Para tal discussão, é necessário compreender o que cria esse atrito: os tipos de violência e suas consequências.

2.1.1 Gênero, Violência Simbólica e Sistêmica   As definições de violência simbólica e sistêmica são essenciais para a compreensão das consequências que ocorrem com a opressão do gênero feminino na sociedade, que se mostram mais preponderantes do que a violência física, que pode ameaçar mais, mas não se torna perene como as outras citadas. O tipo de violência a ser tratado no momento é aquela que foi construída socialmente, que é construída a partir daquilo aparenta ser invisível. O poder simbólico diz respeito ao tipo de dominação que uma cultura dominante exerce sobre a dominada. Ele é, segundo Bourdieu, "um poder de construção da realidade" (1989, p. 9) que estabelece um sentido imediato ao mundo, 32

Segundo nonbinary.org, é um individuo que ou não acredita ter uma identidade de gênero ou considera ela neutral. Disponível em http://goo.gl/MYVgCE, acesso em 4 nov. 2015. 33 Segundo nonbinary.org, alguém que tem diferentes identidades de gênero em diferentes momentos. Disponível em: http://goo.gl/STA7GE. Acesso em: 4 nov. 2015. 34 Segundo glaad.org, termo para aqueles que a identidade de gênero difere daquela que normalmente é associada ao sexo que lhe foi atribuído no nascimento. Disponível em: http://goo.gl/U3wft1. Acesso em: 4 nov. 2015.

35 em especial ao social. Sua construção dá-se por meio de símbolos, que são os instrumentos de integração social e, por consequência, também de dominação – já que a produção de tais símbolos "estabelece formas de se levar uma cultura que vai predominar perante outras" (SOARES, 2013, p. 67), legitimizando a dominação de um perante o outro. Tal situação de dominação imposta simbolicamente gera a violência simbólica – que se impõe, fortalece e enfraquece, dependendo da relação e grupo social que se está inserido (SOARES, 2013). Zizek (2008) divide a violência em duas principais categorias diferentes: subjetiva e objetiva. A primeira é aquela mais visível e palpável, que o autor exemplifica com atentados e revoltas. A objetiva está presente de modo mais intangível, sendo parte da sociedade sem que seja percebida – é nesta categoria que está presente a violência simbólica e sistêmica. O autor dialoga com Bourdieu para a definir o primeiro, adicionando mais a segunda divisão: ela é decorrente do sistema político-econômico e está presente nas estruturas sociais. A violência simbólica pode ser interpretada como consequência desta, uma vez que a sistêmica está presente na raiz da sociedade, faz parte da formação dos grupos sociais. Os dois autores creditam a linguagem como a base da construção da violência, uma vez que ela é o principal agente da construção dos símbolos. Bourdieu (1989) diz "o que faz o poder das palavras e das palavras de ordem, poder de manter a ordem ou de a subverter, é a crença na legitimidade das palavras e daquele que as pronuncia" (p. 15) - as palavras dão significado aos símbolos de dominação, especialmente por sua participação natural no cotidiano. No presente trabalho, toma-se como cultura/classe dominante a masculina e a feminina como oprimida. Tal situação de violência "invisível" contra mulheres criou a cultura patriarcal35 (HUMM, 1995), que depende diretamente da violência sistêmica. Como Beauvoir (1949) nota como o termo “fêmea” é pejorativo enquanto o “macho” é motivo de orgulho – ser mulher é ser menos, o feminino é ofensa. O sexismo, também chamado de machismo, é a forma mais perceptível dessa violência, já que ela engloba a violência subjetiva – 3 em cada 5 mulheres já sofreram violência de parceiro36, entre 2009 e 2011 foram registradas mais de 17 mil

35

Sistema de autoridade masculina que oprime mulheres em instituições sociais, políticas e economicas (HUMM, 1995). 36 Disponível em: http://goo.gl/ekVXBG. Acesso em: 14 out. 2015.

36 mortes por conflito de gênero (femicídio)37, o Brasil registrou um estupro a cada 11 minutos em 201438 – e a objetiva – homens recebem salário 30% maior que mulheres no Brasil39, 89% dos homens acha inaceitável que a mulher não mantenha a casa em ordem40, 84% reconhecem que o corpo da mulher é utilizado para a venda de produtos na publicidade41. Assim, com os dados apresentados, é possível notar a relação de poder entre o dominante e dominado, além de justificar a luta das mulheres por seus direitos e por igualdade entre os gêneros. O movimento feminista nasceu desta relação e será exposto a seguir.

2.2 Feminismo

A construção da teoria feminista é confusa, uma vez que os teóricos têm vivências diferentes – seja pela raça, classe, gênero, preferência sexual e até cultura em que eles estão inseridos. Por exemplo, uma teórica feminista marxista identifica a divisão sexual do trabalho como causa da opressão da mulher, além de focar em uma revolução econômica (HUMM, 1995), enquanto uma teórica feminista negra, ou de outra etnia que não seja a dominante, cruza o sexismo com o racismo. Além disso, o feminismo foi criado fora da academia - ou seja, ele nasceu "nos contextos sociais, educacionais e políticos" (MESSA, 2008, p. 41), tornando difícil sua aceitação no meio acadêmico. Sendo assim, a compreensão do que é feminismo deve nascer a partir da concepção de mais de uma teórica. O feminismo é a ideologia que reconhece que homens e mulheres, com experiências de vidas diferentes, sejam tratados como equivalentes perante a sociedade (KOLLER; NARVAZ, 2006). Ainda, Offen (1988) afirma que o movimento tem como princípios a promoção do direito das mulheres e empoderamento42 feminino. Valdivia (1995) caracteriza o feminismo como o estudo teórico da opressão da mulher e a base que dá capacidade de criar modos estratégicos e políticos com 37

Disponível em: http://goo.gl/DW7WEg. Acesso em: 14 out. 2015. Disponível em: http://goo.gl/RD4vwC. Acesso em: 14 out. 2015. 39 Disponível em: http://goo.gl/VAdrHg. Acesso em: 14 out. 2015. 40 Disponível em: http://goo.gl/n93DD9. Acesso em: 14 out. 2015. 41 Disponível em: http://goo.gl/FLhjNK. Acesso em: 14 out. 2015. 42 O ato de dar poder para uma mulher e à capacidade das mulheres de terem controle sobre suas próprias vidas, também sobre seus corpos (KOLLER; NARVAZ, 2006). 38

37 os quais pode-se terminar com tal opressão. Humm (1995) diz que a definição incorpora tanto a doutrina de direitos iguais entre os gêneros, além de creditar a diferença entre os sexos para opressão sofrida por mulheres. Para hooks (2000), o feminismo é simplesmente um movimento que procura terminar com sexismo, exploração sexista e opressão contra mulheres. Ser feminista é adotar a ideologia de igualdade entre os gêneros, sob uma perspectiva centrada na mulher (HUMM, 1995). Offen afirma que ser feminista é reconhecer a interpretação das experiências vividas por mulheres, além de necessidades e valores que elas declaram como delas com relação ao seu "status na sociedade em relação com o do homem" (OFFEN, 1988, p. 152) – também, atesta que exibem consciência, desconforto e até raiva perante a desigualdade e injustiça que é direcionada às mulheres, e defendem a eliminação de tal injustiça. Sendo assim, é possível concluir que o feminismo é um movimento que busca igualdade entre os gêneros, que também promove os direitos das mulheres e o empoderamento feminino. O total entendimento acerca do feminismo é difícil de se obter. Por se tratar de um movimento social43, fazer parte do grupo é o modo mais eficaz de entender seu nascimento e atuação. Ainda, buscando informações acerca do tema, as ondas do movimento feminista são importantes já que é possível observar os direitos conquistados no decorrer dos anos graças ao movimento.

2.2.1 As ondas do movimento feminista

É difícil definir exatamente quando começa e termina certa onda do movimento feminista, mas existe um consenso geral para algumas datas entre os autores. Ainda, ter o conhecimento do que foi obtido em cada onda é necessário para a compreensão do que foi, é e será o feminismo. Mesmo antes do movimento sufragista44 na América e Europa, que marcou o início da primeira onda feminista, a luta das mulheres por direitos iguais aos homens já ocorria. Conhecido como protofeminismo, o termo é cunhado para atentar às 43

Uma ação de um grupo que tem como foco certo problema social ou político. Segundo Montaño, movimento social caracteriza uma “organização, com relativo grau de formalidade e de estabilidade, que não se reduz a uma dada atividade ou mobilização” (2013, p. 199). 44 Movimento que pedia direito a voto para mulheres durante meados do século IXX.

38 ações em prol dos direitos das mulheres antes do fim do século XIX e início do século XX – o começo da primeira onda. Offen (1988) critica o uso do termo por autores que o fazem vagamente e imprecisamente, questionando "como pode alguém decidir o que é pré e o que é proto [...] sem antes estabelecer o que é 'feminismo'?" (OFFEN, 1988, p. 131). O termo é utilizado no presente trabalho para discutir pelo que as feministas de certas épocas lutavam, além de ajudar a compreender o por que da divisão das épocas ou ondas do feminismo e mostrar a evolução dos direitos das mulheres. As principais lutas das mulheres era por direitos básicos do ser humano, que homens tinham e elas não: Direito a divórcio, ao acesso à educação básica e incentivo a uma maior participação da mulher na sociedade estão entre as súplicas de escritoras como Cristina de Pisano, quem Beauvoir (1949) cita como a primeira mulher a denunciar a misoginia em seus escritos no início do século XV. Outra defensora dos direitos das mulheres, Mary Wollstonecraft, também defendia que as mulheres não eram inferiores aos homens. Sua principal obra, A Vindication of the Rights of Woman (1792), é uma das primeiras e considerada uma das principais obras do feminismo. Wollstonecraft defendia que a mulher deveria ter educação proporcional a do homem já que elas educavam os filhos. A autora argumenta também que o motivo de muitas mulheres serem ‘superficiais’ é por que homens negaram à elas acesso à educação (WOLLSTONECRAFT, 2010). O discurso de Wollstonecraft e outras protofeministas, como por exemplo a sufragista americana Elizabeth Stanton, era ainda muito ligado aos homens e ao papel de mãe da mulher perante a sociedade (OFFEN, 1988). A primeira onda tem como marco o movimento sufragista na América e Europa, como foi explanado anteriormente. Segundo Humm (1995), o movimento iniciou em 1880 e foi até a década de 20 do século XX, apesar de, segundo a autora, existir um "movimento organizado" durante os 40 anos que antecederam esta data. As principais considerações da luta das mulheres durante primeira onda feminista continuavam centradas na educação, além do sufrágio feminino e leis a ver com casamento e emprego. Foi no século XIX que a primeira onda teve seu inicio no Brasil também, sendo seu grande nome a escritora Nísia Floresta, com as mesmas reivindicações. Em 1922, Bertha Lutz, conhecida como maior líder na luta pelos direitos políticos das mulheres brasileiras, fundou a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino – que tinha como objetivo lutar pelo sufrágio feminino e o direito

39 ao trabalho sem a autorização do marido. O movimento teve sucesso nas suas instâncias: o direito a voto foi concedido às mulheres em 1934, assim como o direito ao acesso à instituição de ensino. A segunda onda teve seu início na década de 60 e teve um caráter político, além de reivindicar "a igualdade, o fim da discriminação e a intervenção das mulheres na política" (KOLLER; NARVAZ, 2006 apud CUNHA e VERAS, 2010, p. 6). Ocorrendo em grande parte entre os anos 60 e 80, em conjunto com o movimento hippie e contracultura, o feminismo levantou também a bandeira da liberdade sexual e do "direito ao prazer" (RIBEIRO, 2015), além de também manifestar a ideia que a mulher não é um objeto. Um bom exemplo é o protesto realizado por um grupo feminista durante o Miss América em 1968, que apontava, entre outros: como o concurso era degradante para mulheres, seu preconceito velado e a opressão das mulheres julgadas45. Humm (1995) aponta os direitos reprodutivos da mulher como uma das pautas da segunda onda do movimento feminista e, por consequência, a luta contra violência doméstica e sexual também. A partir da terceira onda, que teve seu inicio em 1990, que entrou em pauta como o feminismo tinha um "discurso excludente" (RIBEIRO, 2015, online). Sendo assim, o foco dela é nas mulheres queer46 e de raças diferentes, podendo ser observado algumas diferenças em comparação com a segunda onda, principalmente que "a terceira onda põe em primeiro plano narrativas pessoas que ilustram uma versão interseccional e multiperspectivacional do feminismo" (SNYDER, 2008, p. 175). Além disso, a importância da representação da mulher é uma pauta discutida entre feministas – uma vez que "nossa cultura saturada pela mídia pede por atenção na crítica social" (SNYDER, 2008, p. 178). É também uma onda marcada pelo advento da internet como uma ferramenta popular, o que Klein (apud HINSEY, 2013, p. 28) considera um "privilégio que as gerações anteriores de meninas e mulheres não tiveram". Ainda que essas tecnologias possam "excluir quem não é usuário e dividir o mundo em 'ricos e pobres de informação'" (ELM 2007 apud HINSEY, 2013, p. 28), a internet é, com certeza, uma das responsáveis pela proliferação do feminismo.

45

Retirado do manifesto realizado por Robin Morgan, uma das organizadoras do protesto. Disponível em: http://goo.gl/hsvJ7C. Acesso em: 12 jul. 2015. 46 Termo utilizado para definir aqueles que não seguem o padrão heterosexual ou binário do gênero.

40 O entendimento acerca do que se trata o feminismo e de como ele evoluiu é necessário para o que pretendemos discutir neste trabalho. Também, para entender gênero é preciso compreender feminismo e vice-versa, assim como nota-se a importância do estudo das duas definições para o estudo de representação que está presente a seguir. Antes disso, a participação de gênero e feminismo na mídia e em histórias em quadrinhos é um tema necessário para a conclusão deste capítulo.

2.3 Gênero, Feminismo e a Mídia

O meio de comunicação de massa é uma das maiores ferramentas ideológicas do mundo graças a seu alcance e dominação. Sendo assim, ela tem uma grande influência na construção do pensamento na sociedade e é considerada como "agente de controle social" (VAN ZOONEN, 1994, p. 27). Portanto, ter conhecimento de tal situação é um dos pilares para a análise de representação da mulher perante o público. Com esta questão, é possível interpretar mídia como transmissora da ideologia dominante - neste caso, é aquela que é sexista, como foi analisado na sessão anterior. Van Zoonen (1994) dialoga como, na teoria feminista, os meios de comunicação servem para transmitir valores sexistas, patriarcais e capitalistas afim de manter a “ordem social” (p. 27). A autora apresenta o modelo de comunicação dentro da teoria feminista, mostrando como o processo de dominação ocorre, utilizando o estereótipo, a pornografia47 e ideologia como agentes de violência com as mulheres:

Quadro 1: Modelo de comunicação na teoria feminista segundo Van Zoonen. Fonte: VAN ZOONEN (1994, p. 29).

47

A autora argumenta que a pornografia prejudica as mulheres em diversos casos, como suas oportunidades por direitos iguais, cria assédio e degrada elas.

41 A construção da violência, no caso apresentado, se dá com a difusão dos valores dominantes da sociedade que depreciam as mulheres de dois modos: ou não dando espaço a ela na mídia ou retratando-as em funções estereotipadas. O apagamento da mulher também se dá nos bastidores da produção midiática e jornalística. Por exemplo, segundo pesquisa realizada em 2012, apenas 36% dos jornalistas no Brasil eram mulheres e apenas 31,9% dessa totalidade ganhavam mais do que 5 salários mínimos48 por mês – já entre os homens, 46% se encontravam neste grupo49. A disparidade entre os gêneros pode ser observada não apenas no menor número de jornalistas do gênero feminino, mas também no fato conhecido que as mulheres ganham salários menores que os homens, como já foi exposto anteriormente com dados. Perante os dados acerca da divisão dos gêneros no jornalismo, é possível demonstrar o discurso que a mídia as vezes adota quando fala-se na mulher – tratando-a como objeto para vender seus produtos "apontando, necessariamente, para um padrão estético o qual é recomendável que seja seguido pelos indivíduos" (ARAÚJO, 2008, ONLINE). Portais de notícias e propagandas são bons exemplos de como essa manifestação se forma e como ela se propaga graças aos meios de comunicação de massa, conforme é mostrado na figura 8.

  Figura 8: Exemplo de como a mulher é tratada na mídia e como, no esporte, a abordagem da mulher pela mídia tradicional parte da perspectiva da aparência dela. 50 Fonte: http://dibradoras.com.br . 48

Valor de R$ 622 na época. Disponível em http://goo.gl/sdJ6an, acesso em 1 nov. 2015. Disponível em: http://goo.gl/EZY2zS. Acesso em: 1 nov. 2015. 50 Disponível em: http://goo.gl/pG5tSU. Acesso em 6 nov. 2015. 49

42 A resposta do público, hoje, é palpável graças a participação nas redes sociais51. A teoria feminista explanada anteriormente e como o movimento se propagou na internet mostram como as mulheres se sentem ao ver tal mensagem sendo difundida. Por exemplo, a empresa produtora de esmaltes Risqué lançou uma coleção em março de 2015 que, para "homenagear as mulheres", exaltava atitudes de homens. O anúncio da companhia no Facebook (fig. 9) foi recebido com críticas por outras mulheres, chamando a campanha de sexista.

Figura 9: Exemplo de reação da propaganda da Risqué. Fonte: http://facebook.com/RisqueOficial.

No caso da presente pesquisa, onde o foco se encontra em produções culturais, as pesquisas realizadas pelo Centro para Estudo de Mulheres em Televisão e Filme52 trazem dados interessantes. Dois estudos especialmente se destacaram – um deles sobre a representação das mulheres nos programas televisivos e na produção deles nos Estados Unidos53 e outro sobre as mulheres que fizeram parte da produção dos 250 filmes com maiores bilheterias no ano de 201454. Nos programas televisivos, 42% do total de personagens analisados entre 2014 e 2015 são mulheres, um crescimento de 3% em 18 anos – em 1997-98 a proporção era 39%. Além disso, as personagens femininas "continuam sendo retratadas como 51

Definido como “uma estrutura de grupo que não parte de laços sociais entre seus membros, mas que permite que as pessoas interajam e que eles sejam construídos” (RECUERO, 2009, p. 97). 52 Disponível em: http://goo.gl/kAvai0. Acesso em: 1 nov. 2015. 53 Disponível em: http://goo.gl/6P9g1d. Acesso em: 1 nov. 2015. 54 Disponível em: http://goo.gl/wKNdrK. Acesso em: 1 nov. 2015.

43 mais novas" (LAUZEN, 2015, p. 2) do que aqueles masculinos, 60% das mulheres tem entre 20 e 40 anos enquanto 55% dos homens estão entre 30 e 50 anos – o que mostra o problema de como as mulheres são representadas como mais novas (VAN ZOONEN, 1994), problematizando o ato de envelhecer quando se é do gênero feminino. Durante a mesma época, o número de mulheres trabalhando nos bastidores cresceu de 21% para 27%, o que continua sendo um número baixo – a quantidade diminuta se faz presente também nos grandes filmes de 2014, sendo apenas 17% do total mulheres e 9% do todo no papel de diretoras. Com apoio dos números e exemplos citados, é possível observar o tratamento da mulher na mídia em geral – que desempenha um "papel fundamental na produção e na circulação dos sentidos que determinam o modo como os gêneros – feminino e masculino – são vistos pelos indivíduos” (GHILARDI-LUCENA, 2010, ONLINE). A situação segue a mesma com as HQ: existe um crescimento, mas não é o bastante – tanto no papel quanto na produção. Na sessão a seguir, a situação das super-heroínas é analisada em conjunto com a importância da representação feminina nesse produto cultural.

2.3.1 Gênero, Feminismo e Histórias em Quadrinhos

Assim como na mídia no geral, as histórias em quadrinho tratam as mulheres como inferior. A participação das personagens femininas, desde o princípio da HQ, é defasada, tanto no seu número quanto na real representação delas. Os números mostram que as mulheres estão recebendo mais espaço – por exemplo, há cinco anos atrás, a Marvel tinha zero títulos com personagens femininas como personagem principal, atualmente são 17 histórias em quadrinhos lideradas por mulheres55. Além disso, Homem Formiga e a Vespa será lançado em 2018 – o primeiro filme do Universo Cinematográfico da Marvel com uma super-heroína como nome principal do filme – e no ano de 2019 Capitã Marvel chega as telas56. Na televisão, tanto a Marvel quanto a DC têm séries com super-heroínas: a primeira conta com uma já lançada e outra não, Agent Carter e Jessica Jones, já a DC lançou

55 56

Disponível em: http://goo.gl/4kWW4k. Acesso em: 4 out. 2015. Notícia. Disponível em: http://goo.gl/VHTsx0. Acesso em: 4 out. 2015.

44 no mês de outubro de 2015 Supergirl. Em 2017, a Mulher-Maravilha57 também vai ganhar um filme solo. Para chegar até o presente, o caminho das super-heroínas foi longo e para entender sua totalidade é necessário analisá-lo desde o principio. Junto com o lançamento de Super-Homem, o super-herói que criou a indústria dos quadrinhos em 1938, ocorreu também a primeira aparição de Lois Lane – que não tem super poderes na história convencional. A jornalista investigativa, considerada por Wright (2001) como uma personagem protofeminista, colocava sua carreira a frente de sua vida amorosa. Apesar disso, sua função principal na história era ser capturada e aguardar para ser resgatada por Super-Homem – tal característica em conjunto com resistir a investidas amorosas da identidade secreta e desejar o super-herói formavam as principais funções das mulheres nas histórias em quadrinho. Foi em 1941 que a DC estreou a primeira super-heroína a ficar reconhecida mundialmente: Mulher Maravilha, quando começou a relação conturbada entre mulheres e quadrinhos. Apesar de ser louvada por feministas e de ser uma “imagem de gênero progressiva para jovens mulheres” (WRIGHT, 2001, p 21), Mulher Maravilha não é uma imagem tão saudável quanto se imagina: mesmo sendo uma super-heroína, sua identidade humana - Diana Prince - era uma secretária; e sua imagem era sexualizada. Suas histórias eram “incoerentes e bobas” (WRIGHT, 2001, p. 185), o que mostrava como os escritores homens se sentiam desconfortáveis para criar histórias estrelando mulheres. A primeira super-heroína conhecida da Marvel foi apresentada ao público em 1961, com o lançamento de Fantastic Four. Susan Storm, alter ego da Mulher Invisivel, era uma personagem que se esforçava demais e com inclinação a desmaios – assim como a Vespa, criada em 1963 por Stan Lee e Jack Kirby. A personagem viria a ser uma das fundadoras e quem deu a ideia do nome da equipe d’Os Vingadores, além de ser parte de uma grande polêmica dentro do universo da Marvel. Na edição 213 de The Avengers, lançada em 1981, a Vespa é agredida por seu marido, o Homem Formiga (fig. 10) – o que Jim Shooter, editor chefe da época, escreveu no ano de 2011 no seu site oficial58 que o ocorrido era para ter sido acidental e o desenhista fez daquilo uma agressão direta. O fato ficou eternizado no universo da Marvel, especialmente na coleção Ultimate, que conta a história de 57 58

Notícia. Disponível em: http://goo.gl/uEzmyJ. Acesso em: 4 out. 2015. Disponível em: http://goo.gl/9d1zk2. Acesso em: 5 nov. 2015.

45 personagens já conhecidos mas que tiveram sua origem modificada afim de moderniza-los,

onde

o

Homem

Formiga

realmente

agride

sua

esposa

frequentemente. Isto é condenado por outros personagens e mostra como a Marvel se atêm a problemas do “mundo real” em suas histórias.

Figura 10: Cena onde a Vespa é agredida por seu marido, Homem Formiga. 59 Fonte: http://thewire.com .

A atenção a problemas sociais da empresa pode ser notada em X-Men, lançado também em 1963. Apenas nos anos 70, como resposta para a crescente do movimento feminista, que uma super-heroína que tinha um papel primário e igualitário ao de homens foi apresentada. A Tempestade, uma princesa africana que controlava o clima, ganhou companhia nos anos 80: Fênix, Lince Negra e Vampira – as quatro formaram o núcleo da equipe. As histórias do X-Men, que além de ter um enredo que tratava sobre diversos tipos de preconceito, era um dos únicos títulos que tinha personagens femininas fortes (WRIGHT, 2001).

59

Disponível em: http://goo.gl/nzEIOm. Acesso em: 6 nov. 2015.

46 Apesar do exemplo citado acima, na mesma época, foram criadas personagens que retratavam a mulher feminista como radical. Tundra e Man-Killer60 são personagens que desprezam todos os homens. Também, na edição de número 83 de Avengers, publicada em 1970, cinco super-heroínas (Valquíria, Feiticeira Escarlate, Vespa, Viúva Negra e Medusa) criam um grupo chamado Lady Liberators61 e lutam contra os personagens masculinos d’Os Vingadores, chamandoos de “porcos machistas”. No fim as super-heroínas descobrem que a vilã Encantor se passou como Valquíria, que enganou e manipulou elas. O movimento feminista poderia ter sido um grande momento para a DC, com a Mulher Maravilha. Porém, a super-heroína perdeu seus poderes – o que foi feito esperando encorajar leitoras a procurar sua independência (PARKER, 2011), o que foi questionado por Gloria Steinem, uma das mais famosas feministas americanas, jornalista e fundadora da revista Ms., como sendo um ato anti-feminista. Ela disse que, ao remover os poderes da Mulher Maravilha “eles diminuíram o impacto da personagem, rebaixando ela de uma deusa para uma moça normal vivendo em um mundo dominado por homens” (apud PARKER, 2011, online), criticando assim a mudança da heroína que havia sido capa da primeira edição da revista que criou. Os anos 90 e 2000 mostraram como a caracterização sexualizada da mulher nos quadrinhos estava, aos poucos, diminuindo – sendo substituído por uma representação mais longe do estereótipo tradicional de beleza. Tank Girl, um famoso quadrinho feminista dos anos 90 mostra isso – a personagem principal é uma mulher careca com uma vestimenta no estilo punk, que dirigia e morava num tanque de guerra. A história ficou tão famosa que inspirou um filme homônomo, lançado no ano de 1995, com Lori Petty como Tank Girl. Apesar disso, ainda existiam problemas, em especial com as editoras líderes de mercado como Marvel e DC. Isto levou Gail Simone a criar, em 1999, o site Women in Refrigerators62, título alusivo ao evento ocorrido com Lanterna Verde, na edição 54 de Green Lantern em 1994, quando ele encontrou sua namorada morta dentro da geladeira da sua casa. Simone, que viria a ser escritora de HQ, compilou o nome das personagens femininas que sofreram algum tipo de violência ou que tiveram seu superpoder retirado, mostrando como as mulheres ainda eram tratadas na história em quadrinho. Existem exceções, com 60

Assassina de Homens, tradução livre da autora. Liberadoras das Mulheres, tradução livre da autora. 62 Disponível em: http://goo.gl/7MjGBb. Acesso em: 5 nov. 2015. 61

47 personagens sendo tratadas como aqueles do gênero masculino são, invés de um objeto ou uma ferramenta para mudança no enredo do super-herói (LANDSBAUM, 2015). Além disso é possível observar uma mudança nas próprias personagens, em seus trajes e ações, como pode ser notado na comparação da figura 11 e 12.

Figura 11 e 12: Comparação entre os trajes da heroína Ms. Marvel em 1977 e 2014. 63 64 Fonte: http://en.wikipedia.org e http://comicbookresources.com .

Dentro dessas ressalvas, é interessante observar como alguns desses títulos, que são louvados pela boa representação da mulher, foram ou estão ainda sendo escritos e desenvolvidos por escritoras: na DC Comics, Gail Simone escreveu Batgirl de 2011 a 201465, em 2015 Marguerite Bennett escreve DC Comics: Bombshel66; na Marvel Comics, Kelly Sue DeCronnick escreve Captain Marvel67 desde 2012 e Captain Marvel and the Carol Corps68 a partir deste ano, G. Willow Wilson escreve

63

Disponível em: https://goo.gl/TLc6Cz. Acesso em: 5 nov. 2015. Disponível em: http://goo.gl/YXSe4b. Acesso em: 5 nov. 2015. 65 Disponível em: https://goo.gl/0b7J13. Acesso em: 5 nov. 2015. 66 Disponível em: https://goo.gl/qX7FFJ. Acesso em: 5 nov. 2015. 67 Disponível em: https://goo.gl/SLxecK e https://goo.gl/yPzj8X. Acesso em: 5 nov. 2015. 68 Disponível em: https://goo.gl/GZrL4q. Acesso em: 5 nov. 2015. 64

48 Ms. Marvel69 desde 2014 e A-Force70 – lançado neste ano – com Bennett; na Image Comics, DeConninck escreve Bitch Planet71 e Pretty Deadly72 desde 2014. Outros títulos como Thor73, Sex Criminals74, Rat Queens75, Saga76, Lumberjanes77, The Wicked + The Divine78 também figuram em listas que prezam pela representação da mulher79. Em recente pesquisa do site Graphic Policy, foi divulgado que as mulheres são 53% da totalidade de leitores de quadrinhos80, e mesmo assim o cenário atual da indústria, tanto na questão das personagens quanto nos bastidores, ainda não é o ideal. Em julho de 201581, as super-heroínas da Marvel estrelaram em 65,7% das histórias, tanto como principais quanto como secundárias, número que ano passado era 49,1% – porém, apenas 10% dos títulos são apenas delas. Já na DC, 53,6% das HQ estrelam super-heroínas, sendo 16,9% solo. Já o número das mulheres que trabalham na produção de histórias aumentou exponencialmente do ano passado para este, na Marvel Comics foi de 9,8% para 16,8% e na DC de 9,5% para 16,1%82. Os números citados mostram uma evolução do papel da mulher nas histórias em quadrinho e na indústria, mas ainda existe um problema na representação como será discutido mais na análise do presente trabalho. Com o movimento feminista e a figura da mulher na mídia como pauta da luta, a imagem das personagens se tornou um ponto importante para as fãs das HQ e motivo de reclamação de alguns fãs criadores e fãs masculinos. O desenhista brasileiro Ed Benes, conhecido por trabalhar tanto com a Marvel como com a DC Comics, exprimiu sua opinião em sua página pessoal no Facebook (fig. 13) sobre como atualmente não é um bom momento para lidar com títulos femininos – e seus fãs concordam com ele. É normal 69

Disponível em: https://goo.gl/GuFC6W. Acesso em: 5 nov. 2015. Disponível em: https://goo.gl/nmgxq2. Acesso em: 5 nov. 2015. 71 Disponível em: https://goo.gl/keW1On. Acesso em: 5 nov. 2015. 72 Disponível em: https://goo.gl/DtEQKQ. Acesso em: 5 nov. 2015. 73 Disponível em: https://goo.gl/8l2dnv. Acesso em: 5 nov. 2015. 74 Disponível em: https://goo.gl/csbpdD. Acesso em: 6 nov. 2015. 75 Disponível em: https://goo.gl/OOIj9J. Acesso em: 6 nov. 2015. 76 Disponível em: https://goo.gl/JDtgrb. Acesso em: 6 nov. 2015. 77 Disponível em: https://goo.gl/NLbFaV. Acesso em: 6 nov. 2015. 78 Disponível em: https://goo.gl/Mx8VPi. Acesso em: 6 nov. 2015. 79 As HQ foram citadas em matérias da ozy.com, vulture.com, hypeble.com e minasnerds.com.br que falam sobre mulheres e quadrinhos. Disponíveis em: http://goo.gl/LdZIzp e http://goo.gl/kt7TXa http://goo.gl/lWXuxJ http://goo.gl/2tRVtI. Acessos em: 5 nov. 2015. 80 Disponível em: http://goo.gl/RaDIYD. Acesso em: 5 nov. 2015. 81 Pesquisa disponível em: http://goo.gl/VoOvpH. Acesso em: 5 nov. 2015. 82 Últimos dados divulgados no site bleedingcool.com, que faz uma pesquisa mensal acerca do número de mulheres trabalhando na indústria de quadrinhos. Disponível em: http://goo.gl/4OI5Y9. Acesso em: 5 nov. 2015. 70

49 encontrar opiniões assim, reclamando do “politicamente correto”83, na internet vinda de fãs – de criadores nem tanto. Vale a pena notar o ultimo comentário da figura abaixo, que é exatamente este tipo de pensamento que as feministas procuram mudar colocando a representação da mulher em pauta, para que a haja a diminuição e, um dia a terminação, do estereótipo causado graças a distorção do corpo da mulher (VAN ZOONEN, 1994).

Figura 13: A crítica de Benes e o exemplo da reação de seus fãs. 84 Fonte: http://facebook.com/ed.benes.9 .

O conhecimento da indústria acerca do fato que existe um público feminino muito grande na audiência das histórias em quadrinho ainda é difícil. Em um episódio ocorrido neste ano, com o lançamento de Avengers: The Age of Ultron, diversos produtos oficiais foram lançados e ocorreu um apagamento de personagens femininas – assim como ocorreu com Guardians of the Galaxy. Além disso, no caso de um brinquedo inspirado em uma cena onde a Viuva Negra sai andando de moto de um jato em movimento, a super-heroína foi substituída pelo

83

Ideologia contraria e que tenta acabar com o politicamente incorreto, ou seja, procura uma linguagem neutra e sem discriminação contra minorias sociais.

84

Disponível em: http://goo.gl/rydGpZ. Acesso em: 6 nov. 2015.

50 Capitão América, o que gerou críticas a empresa85. Tal questão mostra que a indústria produz histórias em quadrinho que são “feitas por homens, para homens e sobre homens” (HICKEY, 2014, ONLINE). Os dados e referências apresentados nessa sessão mostram como, mesmo que exista um avanço das mulheres na criação e participação nas HQ, ainda existe espaço para mudança na indústria. No presente capitulo, foi teorizado gênero e feminismo afim de entender a violência sofrida por aquelas que se identificam com o gênero feminino. Com isso, foi explanado o papel da mulher e da pauta feminista na mídia e nas histórias em quadrinho, consolidando a base para a análise a ser realizada no próximo capítulo. A crítica sobre Thor e a reação dos fãs perante a mudança ocorrida com o personagem será realizada para consolidar o que vem a ser a conclusão final do presente trabalho.

85

Disponível em: http://goo.gl/mcWA6w http://goo.gl/4pi7UF e http://goo.gl/AHFjrt. Acessos em 6 nov. 2015.

3 ESTUDO DE CASO

Neste capitulo analisaremos o ponto central do trabalho: a representação de personagens do gênero feminino em Thor e como se deu a discussão na mídia com a mudança ocorrida na posse do martelo de guerra que dá o título de Thor. Tal troca gerou certa polêmica entre os fãs, que não gostaram do fato que uma mulher está empunhando Mjolnir e o título de Deusa do Trovão. Por se tratar de uma história em quadrinhos considerada feminista pela mídia86, houve uma contagem e uma classificação quanto a importância das personagens e sua relação com outras, além de análise de imagem, fala e discurso.

3.1 Metodologia

O estudo de caso foi realizado a partir da análise de conteúdo, que pode ser explicado como “um conjunto de técnicas de análise das comunicações” (BARDIN, 2009), uma técnica que traz diretrizes e não regras. A autora ainda explana que utiliza-se procedimentos sistemáticos para a descrição do conteúdo que foi analisado. Ela é um método adaptável ao campo de aplicação e as necessidades do pesquisador, por isso a opção de utilizá-la. O estudo de caso é dividido em três partes: a análise das personagens em Thor, a cobertura da mídia perante a história e a reação dos fãs. A presente análise estudou a história em quadrinho Thor (2014) – também conhecida como Thor Vol. 4. As oito edições publicadas até então, desde dezembro de 2014 até julho de 2015 fizeram parte da observação que foi focada em três instâncias diferentes. A primeira, chamada aqui de “imagem” observou a representação das personagens a partir de seus trajes; a segunda, “falas”, mostra como as personagens são tratadas e o seu discurso; por fim, no “conteúdo” foi feita uma análise de modo geral, como a observação da história e a aplicação do teste de Bechdel-Wallace. A prova foi popularizada em 1985 e diz que o objeto em questão deve passar em três critérios para ser um bom retrato da representação feminina: é 86

Exemplos disponíveis em: http://goo.gl/fx3Y8L, http://goo.gl/Ek7r9s, http://goo.gl/w4RCWc e http://goo.gl/RMgZVR. Acessos em: 26 out. 2015.

http://goo.gl/CGCJZU,

52 preciso, no mínimo, duas mulheres; que conversem entre si; sobre algum assunto que não seja homens (LAWRENCE, 2013). Tal regra é um modo prático de analisar as personagens do gênero feminino em produções ficcionais e é utilizado por críticas feministas para julgar produções culturais no geral (STEIGER, 2011). A análise das notícias deu-se naquelas que informam ocasiões diferentes da história, ou seja, três duplas – uma em inglês e outra em português - de notícias sobre três momentos importantes para a história. A primeira relata acerca da revelação da mudança da personagem, então a análise deu-se primeiramente no site oficial da Marvel e no Jovem Nerd, blog brasileiro que aborda sobre pop culture87 em geral. Posteriormente, foi observada a cobertura da mídia após o lançamento da 5a edição da história, quando a personagem principal quebra o maxilar de um vilão que reclamou de feministas – as notícias analisadas se encontram no The Guardian e no Huffpost Brasil. Por último, a revelação da identidade secreta da personagem, onde a história parou já que foi realizada na última edição publicada até novembro de 2015, foi o último momento que a história chamou atenção do público – as notícias escolhidas foram publicadas no IGN e no TecMundo. A escolha das notícias foi feita de forma aleatória, levando em conta a importância do site (por exemplo, no caso de analisar o site da Marvel) e a necessidade de haver comentários para a realização do resto da análise. Ainda, a observação dos comentários foi realizada a partir a análise de conteúdo. Foi feita a leitura geral de 807 comentários nas seis notícias – sendo quatro delas com a sua totalidade de conversações e em duas os 300 primeiros comentários. Assim, a impressão geral da reação dos fãs foi observada e foi mostrada a partir de exemplos classificados em: comentários violentos, que são contra as mudanças e exprimem seu descontentamento com a reprodução de violência simbólica; comentários argumentativos, que podem ser contra ou a favor, mas questionam aspectos da situação; comentários de apoio, aqueles que gostaram da mudança ocorrida com a personagem. Por fim, com foi utilizado a referencial teórico nas três análises para interpreta-las.

87

Termo utilizado para falar sobre música, cinema, programas televisivos, jogos no geral e etc.

53 3.2 Thor

A história em quadrinho utilizada para a análise conta sobre o evento mais chocantes ocorrido na história do trio mais famoso da Marvel88 – o fato que Thor não é mais digno de utilizar o martelo de guerra que lhe dá o título de Deus do Trovão, passando para as mãos de uma heroína desconhecida. Thor contém a seguinte sinopse: Quem é a nova e misteriosa mulher empunhando o martelo Mjolnir? Deixe ela que é digno possuem o poder do Trovão Poderoso! Apresentando uma Thor que o Universo Marvel nunca encontrou antes. Mas é esta nova Thor é Asgardiana, ou de Midgard? A HQ tem 8 edições e uma que é Marvel Annual89, que foram lançadas ao público em: dezembro/2014, janeiro/2015, fevereiro/2015, março/2015, abril/2015, maio/2015, junho/2015, julho/2015 e a edição Annual foi lançada em abril de 201590. As edições que contém enredo são as que serão analisadas, ou seja, Thor Annual (2015) #1 não será contado no estudo – apenas observado e, eventualmente, citado. A classificação indicativa é T+, ou seja, é adequado para adolescentes de 13 anos em diante. A série está dividida em dois volumes até o presente momento, Thor Vol. 1: The Goddess of Thunder e Thor Vol. 2: Who Holds the Hammer?. Todas as edições analisadas foram compradas e lidas digitalmente91 pelo aplicativo de leitor de histórias em quadrinho da Marvel Comics. Também, é importante registrar como a equipe produtora da HQ é toda masculina, em – quase – todas as edições, que foi notado durante a leitura das histórias e realização da análise. Isso traz a tona o problema da disparidade entre gêneros na produção dos quadrinhos, que foi discutido já, evidenciando que quadrinhos ainda são feitos por homens e para homens. A única edição que tem participação de mulheres na produção é o Thor Annual (2015) #1, que não tem ligação importante com a história da série no geral. A parte da história acerca da

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Segundo a própria Marvel, como é possível observar no anúncio do lançamento da HQ. Disponível em: http://goo.gl/o2f8ln. Acesso em: 24 out. 2015. 89 Edições mais longas e sem ligação com o enredo da série. Thor Annual (2015) #1 conta a história de três Thor diferentes: o Rei Thor - que se passa no futuro, a Thor do presente e o Thor Jovem – do passado distante. 90 Disponível em: http://goo.gl/iEqk9x e http://goo.gl/jTyGEW. Acessos em: 28 out. 2015. 91 Disponível em: https://goo.gl/8l2dnv. Acesso em: 26 out. 2015.

54 Thor atual foi escrita e desenhada por uma dupla de mulheres, porém elas são apenas duas entre um total de onze pessoas que trabalharam na edição. Thor dá continuidade ao evento que ocorreu durante a HQ Original Sins (2014), que conta sobre a investigação de vários super-heróis acerca da morte de Uatu O Vigia92. A história inicia com a citadela de Uatu sendo atacada pelos vilões Doutor Midas, Exterminatrix, o Orbe e os Acéfalos. Enquanto o Vigia batalhava contra os Acéfalos, Exterminatrix e Midas roubavam o arsenal de Uatu. O Olho invejava o poder e sabedoria do guardião, por isso atira nele – que ficou apenas inconsciente enquanto o Olho roubou um de seus olhos, local onde seu conhecimento e tudo o que ele viu na vida como guardião do sistema solar está armazenado. Em seguida, Nick Fury93 encontrou Uatu se recuperando do ataque e exigiu que ele contasse quem eram os culpados, o que o Vigia não quis dizer por causa de seu juramento de não interferir em assuntos dos humanos. Após perceber o poder que o olho de Uatu tem e que o único modo de parar os criminosos era obter o olho restante – para descobrir a identidade deles, Fury matou o Vigia e levou o olho. Ele foi encontrado na Lua - onde a citadela se encontra – por Thor e, a partir de então, se inicia uma investigação que conta com a participação de diversos heróis da Marvel. Após algumas edições acompanhando as buscas de diferentes grupos atrás de quem assassinou o Vigia, na sétima edição, Fury sussurra algo para Thor (fig. 14), no meio de uma batalha realizada na Lua, que faz com que ele não seja mais digno de usar Mjolnir, seu martelo de guerra.

92

Personagem que posava de "guardião" do sistema solar que a Terra faz parte. É da espécie mais antiga do folclore da Marvel, que é comprometida a observar e compilar o conhecimento adquirido acerca do Universo sem interferir em seu desenvolvimento. Disponível em: http://goo.gl/4X2EGM. Acesso em: m 4 nov. 2015. 93 Personagem criado por Stan Lee e Jack Kirby famoso por ser diretor da S.H.I.E.L.D. (em inglês “Strategic Homeland Intervention Enforcement Logistics Division”, traduzido pela editora Abril para “Superintendência Humana de Intervenção, Espionagem, Logística e Dissuasão”), uma organização fictícia de espionagem e proteção da lei, que conta com ajuda de super-heróis para batalhar contra vilões. O personagem ficou conhecido por juntar os heróis para a iniciativa d’Os Vingadores nos filmes do Universo Cinematográfico da Marvel.

55

  Figura 14: Momento que Thor ouve o sussurro que faz com que ele não seja mais digno de usar Mjolnir. 94 Fonte: http://hqonline.com.br .

Nas primeiras páginas da primeira edição de Thor (anexo A), já é possível observar Thor – ou Odinson, como vai vir a ser chamado – ainda na Lua, tentando dominar o martelo novamente - sem sucesso - assim como Odin, que também não conseguiu empunhar a arma que mandou fazer, encantou e que utilizava no passado. O único motivo que fez Odinson levantar-se foi ouvir que a Terra estava em perigo após a invasão de Gigantes de Gelo e de Malekith, que foi atrás do crânio de Laufey, o Rei dos Gigantes de Gelo. Armado com seu antigo machado de guerra, Jarnbjorn, Thor vai à Terra e acaba perdendo uma luta contra o Rei dos Elfos Negros –

e seu braço esquerdo. É apenas no fim da edição que os leitores

conhecem Thor, que aparece sem explicação na Lua, e ergue Mjolnir, quando é possível ver a mudança de “ele” para “ela” na inscrição do martelo (fig. 15).

  Figura 15: A mudança da inscrição no martelo. 95 Fonte: http://hqonline.com.br 94

Disponível: em http://goo.gl/T3p5Jo. Acesso em: 10 nov. 2015.

56 Na segunda edição (anexo B), Thor está se acostumando com os poderes que Mjonir trouxe a ela, utilizando o que ela observou o antigo dono do martelo fazer para aprender. Ela sente que a Terra está em perigo e vai até ela – lá encontra o Oceano Pacífico congelado, assim como outros heróis que responderam aos pedidos de socorro. Os Gigantes de Gelo e Malekith estão ainda a procura do crânio de Laufey nas dependências da empresa Roxxon. É também nesta edição que Dario Agger, o dono da empresa, aparece pela primeira vez na história, tanto como humano quanto como Minotauro. Thor batalha com os Gigantes enquanto Agger se tranca em um de seus cofres. A terceira edição (anexo C) mostra, inicialmente, Malekith reafirmando seu acordo com os Gigantes de Gelo para encontrar o crânio de seu Rei há muito morto. Ele descobre que a caveira está nas mãos de Agger e que Odinson perdeu a capacidade de utilizar Mjolnir, por isso crê que seja a melhor hora de ir atrás do crânio. Thor continua lutando com os Gigantes enquanto Malekith e Agger estão no cofre, também lutando. No fim, ela acaba quebrando o crânio falso que Agger utilizava para manter o verdadeiro seguro e Odinson aparece – dando gancho aos acontecimentos da próxima edição. Thor vs. Thor é o nome dado a 4a edição (anexo D) da história, que inicia mostrando as consequências da luta de Odinson, que adota oficialmente este nome nesta publicação, e Malekith. Thor e Odinson batalham, já que ele ainda não crê que ela é digna de utilizar Mjolnir – ele apenas acredita após tentar novamente dominar o martelo e ele ir direto para as mãos da nova Thor. Odinson comenta que nunca viu o martelo com tanta vida quanto naquele momento. O fim da edição mostra Agger e Malekith iniciando sua negociação acerca da caveira. A polêmica edição número 5 (anexo E) inicia com Odin procurando descobrir a face por baixo da máscara de Thor, que está na Terra tentando impedir um assalto de banco realizado por Crusher Creel e Titania96. A luta entre a heroína e o vilão rendeu discussões fora dos quadrinhos, com direito a cobertura de portais de notícias97, que será melhor explanada na análise da história. É nesta edição que Cul Borson, irmão de Odin, é apresentado e que Odinson inicia sua investigação de qual

95

Disponível: em http://goo.gl/T3p5Jo. Acesso em: 10 nov. 2015. Dupla de vilões criados por Lee e Kirby, Shooter e Zeck nos anos 60 e 80, respectivamente. 97 Exemplos Disponíveis em: http://goo.gl/4VtX01, http://goo.gl/aDpPJ6, http://goo.gl/PEOthu e http://goo.gl/WgICBG. Acesso em: 4 nov. 2015. 96

57 é a identidade secreta de Thor. No fim, ela e Freyja conversam acerca da responsabilidade que é empunhar Mjolnir e carregar o nome de Deusa do trovão. A história de origem de Dario Agger como Minotauro abre a 6a edição da HQ (anexo F), que conta com a primeira aparição de Jane Foster – enfraquecida graças a um câncer de mama que ela resiste em tratar com qualquer coisa que não seja medicina humana. É apresentada outra personagem, a Agente Roz Solomon, que Odinson incluiu em sua lista de prováveis identidades secretas para Thor, que continua em sua busca para impedir Agger e Malekith. Esses firmaram um acordo: o CEO da Roxxon deu o crânio em troca dos direitos sob todos os minerais presentes nos reinos que o elfo conquistar. A última página da história mostra o Destruidor, controlado por Cul, que virá a ser outro obstáculo no caminho de Thor. Roz Solomon aparece logo no início da 7a edição (anexo G), na Lua observando Mjolnir. A luta entre Thor e o Destruidor é o evento principal da publicação, além da aparição do exercito que Freyja formou apenas com superheroínas para ajudar na batalha. Nomes como Sif, Angela, Brunilda, Feiticeira Escarlate, Hildegard, Kelda, Karnilla, Viúva Negra, Idunn, Capitã Marvel e MulherAranha formam o exercito, além de Odinson. Por fim, na última edição (ANEXO H) publicada até outubro de 2015, a luta com o Destruidor continua e apenas termina quando Odin manda Cul desistir após Freyja, em batalha, falar com ele e mostrar o que ele causou com toda aquela luta. Após isso, Odinson diz a Thor que sabe quem ela é apenas para ser interrompido por Roz, quem ele acreditava estar por baixo da máscara. Enquanto isso, em Jotunheim, lar dos Gigantes de Gelo, o rei Laudey é ressuscitado por Malekith. A história termina com Thor mandando Mjolnir para a Lua e se transformando em sua identidade secreta enquanto tem um monólogo acerca da necessidade de haver um Thor, especialmente um que compreenda o que significa ser mortal. A última página mostra o alter-ego de Thor, Jane Foster, dizendo que não vai deixar de empunhar Mjolnir mesmo que aquilo esteja matando ela (fig. 16).

58

  Figura 16: Última cena da edição mais recente, com Jane Foster terminando seu discurso sobre ser Thor. Fonte: http://hqonline.com.br98.

A história ainda está em andamento, mesmo que a data de lançamento da próxima edição ainda não tenha sido divulgada. A partir dos dados e resumo da história apresentados, uma análise mais aprofundada foi realizada.

3.2.1 Dados e Análise A coleta de dados e análise foi realizada nas 8 edições da história em quadrinho. Após acompanhar o lançamento e ler as publicações, foi contado o número de personagens com apoio do site Marvel Database99 na presente história e realizada a divisão entre personagens que se identificam com o gênero feminino e masculino perante os pronomes utilizados e conhecimento anterior dos personagens citados. Também foi enumerado o número de edições que todos os personagens aparecem, seja com participação importante ou apenas cameo100 na história. Levando em conta que é uma história que tem uma personagem do gênero feminino como central, os números decepcionam: de um total de 43 personagens, 18 são mulheres, enquanto 22 são homens e 3 são indefinidos – enquanto, as personagens femininas têm uma frequência de 46 aparições e os masculinos de 64. Abaixo pode ser observado quais personagens participam de cada edição, sendo aqueles em negrito grupos de personagens que separados não tem a mesma 98

Disponível em: http://goo.gl/T3p5Jo. Acesso em: 10 nov. 2015. Disponível em: http://goo.gl/hGGAzu.  Acesso  em:  26 out. 2015. 100 Participação breve de um personagem reconhecido. 99

59 influência na história – e por isso foram contatos como únicos nos personagens também. Em parênteses está o nome da “identidade secreta” da personagem, caso seja descoberto ou a personagem adote um alter ego, o nome foi adicionado na tabela na edição que isto ocorreu. As personagens em vermelho são aquelas que se identificam com o gênero masculino e as em verde se identificam com o feminino – os em branco são os grupos que contém de ambos os gêneros ou não é possível Identificar.

  Quadro 2: Personagens por edição. Fonte: autora

60 A divisão das personagens em aparição por edição deu-se da seguinte forma:

  Quadro 3: Aparição dos personagens por edição da história. Fonte: autora.

A partir da contabilização do número de personagens e sua frequência é possível observar a disparidade entre aqueles que se identificam com o gênero feminino e masculino. Tratando-se de uma história com temática feminista, os números desapontam. Apenas três personagens aparecem em metade ou mais das histórias, enquanto sete personagens do gênero masculino aparecem na mesma

61 quantidade. Grande parte da participação de personagens femininas se concentra nas duas últimas edições, sendo que na 7a o exercito de mulheres reunido por Freyja aparece apenas na última página e dialogam pouco. O baixo número de mulheres demonstra o “apagamento” das personagens femininas na mídia, o que, segundo Van Zoonen (1994), reflete os valores dominantes da sociedade. A análise de conteúdo da história tem base nesses números, além de ser dividida em: ● Imagem: a representação das personagens do gênero feminino de acordo com as roupas que utilizam; ● Falas: como as personagens são tratadas por outros; ● Conteúdo: análise de modo mais geral, onde entra o teste de Bechdel e observação da história em si. A primeira impressão que pode-se analisar é a roupa utilizada pelas personagens femininas na história. Já no princípio, é possível notar que o traje utilizado pela Thor não é revelador ou com adereços e detalhes supérfulos, problemas que pode ser observado em outras heróinas e até mesmo em Thordis – nome adotado por Jane Foster quando empunhou Mjolnir em What If #10101 em 1978. Na comparação entre as figuras 17 e 18 é possível observar a mudança da ideia que envolvia uma Thor do gênero feminino, o que comprova a evolução do pensamento apresentado com a discussão sobre gênero, feminismo e histórias em quadrinho, que as mulheres nas HQ estão ali apenas como seres sexuais e para agradar os olhos masculinos.

101

Série de histórias em quadrinho que explora como o universe da Marvel seria caso certos acontecimentos não ocorressem e outros sim. A edição citada conta o que ocorreria se Jane Foster tivesse encontrado Mjolnir.

62

  Figuras 17 e 18: Comparação entre as duas vezes que Jane Foster foi Thor. 102 103 Fonte: http://marvel.wikia.com e http://nerdpride.com.br ,

Outras personagens como Roz Solomon, Freyja e aquelas que compõe o Exercito de Mulheres também utilizam trajes práticos e que não é revelador. Porém, a intenção não segue com uma das personagens. Titania, que aparece na quinta edição da história, é retratada com uma fantasia extremamente decotada e imprática, sexualizando a vilã (fig, 19). Assim, a comparação entre os casos apresentados mostra que existe um caminho a ser galgado no assunto de objetificação da mulher, o que é uma das principais pautas da terceira onda do feminismo – especialmente em uma produção cultural voltada, segundo sua classificação indicativa, para adolescentes – uma vez que, como já foi explanado anteriormente, a sociedade é saturada pela mídia. Tal comportamento de sexualizar a mulher acaba causando sexismo e opressão, como Van Zoonen (1994) interpretou. Ainda, é preciso validar o avanço realizado pela Marvel, ainda que existam problemas na empresa e principalmente indústria, como já foi explanado. Ainda, todas as personagens seguem o estereótipo de beleza imposto socialmente, assim reproduzindo um padrão estético imposto pela mídia em geral, como foi dito por Araújo (2007).

102 103

Disponível em: http://goo.gl/KRBEuM. Acesso em: 10 nov. 2015. Disponível em: http://goo.gl/PQQMl1. Acesso em: 10 nov. 2015.

63

  Figura 19: O traje de Titania na 5a edição de Thor. 104 Fonte: http://hqonline.com.br .

A seguir, a análise recorre às falas das personagens para observar o tratamento com as personagens. É preciso inicialmente compreender que Asgard – o reino que é lar de Odinson e grande parte daqueles que fazem parte da história – tem uma construção social sexista. Várias vezes na história, “mulher” é utilizado como uma ofensa. Pode-se tomar como exemplo Odinson, que diz em sua primeira interação com Thor na 3a edição “largue meu martelo, mulher. Ou conheça a ira de Thor”. Em outro exemplo, na primeira edição da história, Odin diz para Freyja lembrar do lugar dela, conforme é possível ver na figura 20.

  Figura 20: Diálogo de Odin com Freyja na primeira edição. 105 Fonte: http://hqonline.com.br . 104 105

Disponível em: http://goo.gl/sLFfIc. Acesso em: 10 nov. 2015. Disponível em: http://goo.gl/kgFJT6. Acesso em: 10 nov. 2015.

64 As duas passagens podem ser relacionadas com o que ocorre no mundo real, como Beauvoir nota em O Segundo Sexo (1970) como o termo “fêmea” e ser mulher é pejorativo, enquanto o “macho” é motivo de orgulho. Relacionando a isto, pode-se observar a violência simbólica de Bourdieu (1989) e Zizek (2008). Também, na última edição publicada até então, enquanto Cul luta com o Exercito de Mulheres, ele utiliza este termo mas de modo desdenhoso. Ele ainda faz um comentário acerca de como Freyja e “suas impetuosas amigas” estão desafiando a dominância de Odin como Pai-de-Todos em Asgard (fig. 21).

Figura 21: Dialogo entre Odin e Cul e a violência deste com as mulheres. 106 Fonte: http://hqonline.com.br

Na discussão de fala, é importante ressaltar como Freyja e Thor têm um discurso feminista e procuram desconstruir o sexismo intrínseco de Asgard e da Terra. Desde o início, a Mãe-de-Todos e a Deusa do Trovão não se deixam intimidar por aqueles que tentam diminuí-las por elas serem mulheres – inclusive Freyja reúne um exercito apenas com outras super-heroínas afim de auxiliar Thor, que na 5a edição da história dá um soco em um vilão por falar mal de feminismo. Os dois 106

Disponível em: http://goo.gl/G6sH8c. Acesso em: 10 nov. 2015.

65 momentos podem ser considerados aqueles mais empoderadores, dando poder para as super-heroínas tanto no sentido físico quanto emocional, como Koller e Narvaz (2006) indicam ao falar sobre a capacidade das mulheres de obter controle sobre suas vida e corpos – o que, graças ao papel das histórias em quadrinho como meio de comunicação de massa, transmite tais valores para seus leitores. Por fim, a análise de conteúdo procura generalizar o estudo da representação da mulher para completar a observação da história em quadrinho. Utilizar o teste de Bechdel, ou Bechdel-Wallace, é um “interessante ponto de pensamento” (LAWRENCE, 2011, ONLINE) e modo prático de notar como as personagens que são identificadas com o gênero feminino são representadas numa totalidade. Entre as 8 edições, apenas duas passam no “experimento”: a 5a e 8a, apenas estas têm duas ou mais personagens nomeadas que conversam entre si sobre algo que não seja um homem, cada uma com duas passagens. Na primeira, a cena com a vilã Titania e a discussão com Freyja acerca da responsabilidade de empunhar Mjolnir; na segunda, grande parte da edição conta com a batalha do exercito formado por Freyja e Odinson de super-heroínas e no fim a Agente Roz Solomon encontra e conversa com Thor. Apenas um quarto das edições passam no teste e isto é um número baixo, especialmente considerando o tom feminista da história em quadrinho. Tal problema traz a tona a situação de como as mulheres nos quadrinhos estão presentes apenas como “enfeites”, assim como Conoway – escritor de histórias em quadrinho – disse sobre Gwen Stacy, reconhecida namorada do Homem Aranha nas histórias “Ela era uma ninguém. Um rostinho bonito e só. Ela não contribuía em nada” (apud HOWE, 2013, p. 136). Também mostra como, apesar do aumento da participação das personagens femininas – tal foi apresentado no capítulo anterior – a representação das personagens não condiz com tal número. Para facilitar a visualização, foi montada uma tabela com a porcentagem de personagens femininos e masculinos em cada edição, podendo assim observar a discrepância entre os dois.

66

Quadro 4: Porcentagem de personagens femininas e masculinos 107 por edição . Fonte: autora.

Outra discussão importante é a que ocorre na 5a edição da HQ, quando Thor impede Crusher e Titania de assaltar um banco e entra em batalha com eles. O Homem Absorvente critica a heroína e diz que “Thor (Odinson) é um CARA. Um dos últimos caras machos que ainda restam”. Ele também critica as feministas, dizendo que as “malditas” estão em todos os lugares (fig. 22). O vilão durante a luta mantém um diálogo rebaixando a super-heroína, considerando-a mais fraca que ele – a linguagem escolhida em sua fala, como diz Bourdieu (1989), constrói a violência simbólica perante a personagem. Quando o Homem Absorvente fala para Thor, por exemplo, que ela “escolheu o cara errado para brincar de boneca” ou a chama de “sininho”, o escritor da história mostra como a violência e, por consequência, a dominação ocorre.

107

A primeira e sétima edições contam com personagens que não são identificados como um dos gêneros.

67

  Figura 22: Momento que o Homem Absorvente afirma que as feministas estão estragando tudo. 108 Fonte: http://hqonline.com.br .

A cena traz a tona a polêmica criada com o que parte dos fãs está reclamando, sobre como as histórias em quadrinho estão se rendendo ao “politicamente correto”. Este grupo compara a situação criada atualmente de maior diversidade em produtos culturais e a comemoração daqueles que estão ganhando representação neles com o que Wertham109 fez quando pediu a censura das histórias em quadrinho. Thor termina a discussão dando um soco na cara de Creel por “dizer feminista como um palavrão”, o que inclusive foi pauta em portais de notícias e será analisado na próxima sessão do presente trabalho. Para a conclusão da análise, é necessário reunir todos os dados apresentados na presente sessão e compará-los. O discurso claramente feminista de Thor e Freyja, assim como os momentos de empoderamento – tal Koller e Narvaz (2006) apontam como um dos objetivos do feminismo – que as duas passam e como o escritor Jason Aaron conseguiu trazer as discussões criadas pelos fãs para a 5a edição da história são pontos importantes para a representação da mulher e da temática feminista nas histórias em quadrinho. Pensando nas HQ como uma indústria dominada por homens, tal foi citado no segundo capítulo que apresentou como 90% dos títulos da Marvel Comics publicados em julho são centrados em 108

Disponível em: http://goo.gl/T3p5Jo. Acesso em: 10 nov. 2015. Por exemplo, a criação de uma categoria, ou subreddit, no site reddit.com, um site de rede social criado em 2005, que tem como característica principal seu estilo de fórum: usuários fazem uma postagem e outros comentam, chamada /r/WerthamInAction (disponível em: http://goo.gl/75CYYy – acesso em 9 nov. 2015). O nome traz referência a Frederic Wertham, psiquiatra alemão que defendia a ideia que quadrinhos eram nocivos para jovens, o que começou a discussão de censura em quadrinhos na década de 1950 (WRIGHT, 2001). Os usuários deste subreddit relacionam o crescimento da diversidade de gênero, raça e sexualidade em quadrinhos com o aumento da discussão de “politicamente correto” – o que eles consideram algo ruim e tóxico.

109

68 personagens masculinos, as situações citadas com Thor e Freyja mostram como a dominação sexista da indústria de histórias em quadrinho está diminuindo, mas está longe de terminar. Assim, em oposição a tais informações, o baixo número de personagens identificadas com o gênero feminino e como a participação delas é baixa em comparação aqueles do gênero masculino em conjunto com o fato de ainda haver alguma personagem que é objetivada por seu corpo (apesar de grande parte delas não ser sexualizadas) e a falta de interação e criação de laços entre as personagens são pontos que demonstram o apagamento que Van Zoonen (1994) cita. Além disso, a reprodução de tais situações de violência simbólica, como Bourdieu (1989) e Zizek (2008) reitera ainda a cultura patriarcal (HUMM, 1995), especialmente dentro das histórias em quadrinho – o que mostra como a indústria ainda tem os homens como seu foco, tal qual Hickey (2014) escreveu. Tudo isso mostra como Thor é superficialmente, um bom exemplo de representação da mulher. Infelizmente, ao analisar profundamente o produto cultural, nota-se que existem diversos problemas, entre eles a falta de personagens femininos e o fato que toda a equipe de criação e produção da história é masculina – o que pode ser considerado a raiz de todo o problema de representação. Apesar dos problemas apresentados, a repercussão da história deu visibilidade ao problema de representação da mulher. Sendo o Thor “original” um dos três personagens mais famosos da Marvel, como a própria colocou, uma mudança tão radical chamou atenção, com direito a cobertura jornalística da mídia. Com as matérias publicadas é possível a realização da análise da reação do público, podendo assim compreender em totalidade a polêmica em cima da mudança de personagem no papel de Thor, a importância da história em quadrinho e da representação da mulher na indústria no geral.

3.3 Análise da Repercussão

Na realização da análise da repercussão da mídia com a mudança ocorrida com Thor e o que sucedeu, optou-se pela utilização de 5 notícias: o anúncio oficial no site da Marvel e outras quatro notícias – duas brasileiras e duas do exterior –

69 encontradas avulsamente em redes sociais durante a produção do trabalho. As únicas condições para a escolha das quatro notícias foi conter comentários para estudo e que elas tivessem relação entre si, ou seja, uma brasileira faz “par” com uma do exterior. Elas são explanadas a seguir em maiores detalhes, em conjunto com a análise.

3.3.1 Notícias

A cobertura da mídia e reação dos fãs é observada a partir das notícias publicadas a cerca do assunto e dos comentários realizados nos portais de notícias pelos leitores. A presente análise conta com a observação de seis notícias de momentos importantes da HQ Thor: o lançamento da história em quadrinho, o momento que Thor deu um soco em um vilão por afirmar que as “malditas feministas estão estragando tudo” e quando a personagem principal mostrou sua identidade secreta – dividindo as matérias em três duplas, por assuntos. As notícias foram publicadas tanto em sites brasileiros quanto americanos, afim de comparar o modo que foi noticiado, e sua escolha tinha um pré-requisito – haver discussões nos comentários

para

complementar

a

análise.

Os

sites

são:

marvel.com

e

jovemnerd.com.br, theguardian.com e brasilpost.com.br, ign.com e tecmundo.com.br – sendo elas elegidas aleatoriamente dentro das características citadas. A fonte principal de informações da Marvel110, seu site, foi o primeiro a ser considerado. A revelação da troca de personagem a empunhar Mjolnir foi publicada em 15 de julho de 2014 - apresentando a capa da primeira edição de Thor por Russell Dautterman assim como duas artes por Esad Ribic tanto uma capa alternativa quanto o antigo Thor indigno, agora chamado de Odinson. O texto, escrito em inglês e traduzido pela autora (anexo I) anuncia de forma entusiástica sobre a mudança, utilizando adjetivos como “animada” quando fala do anúncio e “crescente e longa” ao comentar sobre a lista de títulos centrados em personagens femininas – o que, como é possível interpretar a partir dos dados apresentados anteriormente, não é algo exatamente verdadeiro. Com apenas 10% de seus títulos com super-heroínas como personagem central, ficando atrás da DC

110

Disponível em: http://goo.gl/EThUJK. Acesso em: 9 nov. 2015.

70 por 6%, o que não condiz com o que Will Moss - editor da Marvel - diz ao afirmar em entrevista para construção da matéria que “a nova Thor continua a orgulhosa tradição de personagens femininas fortes”. Além disso, a notícia enfatiza como esta personagem é a única Thor, também afirma como esta história procura falar diretamente com uma audiência que “por muito tempo não foi alvo de histórias em quadrinho na América: mulheres e meninas”. O texto tem característica informativa e utiliza as citações do editor e autor, Jason Aaron, para falar bem da empresa assim como para enfatizar como Odinson perdeu seus poderes e o papel da personagem como “a THOR do Universo Marvel”. É possível notar a diferença entre o texto da Marvel com outro noticiando a mesma situação, da revelação da mudança da identidade de Thor. O site brasileiro Jovem Nerd111 (ANEXO J) anunciou, em 16 de julho de 2014, de modo mais imparcial que o site oficial da empresa, mas com o mesmo conteúdo. O único momento que o site expressa o que pode ser interpretado como opinião é no momento de assinatura do autor do texto, que diz o nome dele seguido por “não sabia que ‘Thor’ era um cargo” (fig. 23). Além disso, a única informação adicional é sobre como o diretor executivo da Marvel, Ryan Penagos, explicou em seu Twitter como ela “não terá adjetivos como Lady Thor, ou She112 Thor, ela será simplesmente Thor”.

  Figura 23: Assinatura da notícia no site Jovem Nerd. 113 Fonte: http://jovemnerd.com.br .

Após a divulgação da super-heroína, o evento mais comentado acerca da história em quadrinho foi no lançamento da 5a edição, quando ocorre a interação entre Thor e o Homem Absorvente e a discussão sobre feminismo – que já foi apresentada. As notícias escolhidas foram publicadas no site The Guardian114

111

Disponível em: http://goo.gl/bP2hxN. Acesso em: 9 nov. 2015. Pronome feminino, tradução literal é ela. 113 Disponível em: http://goo.gl/bP2hxN. Acesso em: 9 nov. 2015. 114 Disponível em: http://goo.gl/DIULeW. Acesso em: 9 nov. 2015. 112

71 (anexo K) e no Huffpost Brasil115 (anexo L) em 23 e 25 de fevereiro, respectivamente. Aquela em inglês comenta sobre a mudança de mãos que empunham Mjolnir, como isto causou polêmica com o público e como o escritor Jason Aaron rebateu as críticas dos fãs – acusando-o de ser “politicamente correto”. Além disso, ela relaciona o ocorrido com uma informação acerca da rival da Marvel, DC, também sobre a representação da mulher em histórias em quadrinhos.

O

veículo de comunicação escreve “a super-heroína da Marvel Comics Thor, recentemente reencarnada como uma mulher, deu uma resposta definitiva aos críticos que atacaram sua nova identidade, quebrando a mandíbula do vilão que disse a ela que as ‘malditas feministas estão estragando tudo’”116 utilizando erroneamente o termo ‘reencarnação’ (fig. 24) quando fala sobre a mudança, o que pode colaborar com a polêmica – já que é uma informação errada, dando a entender que o personagem em si foi substituído e que o antigo Thor não existe mais. Tal situação pode não ter sido criada de propósito pelo site, porém é necessário lembrar como os meios de comunicação detém o poder de agendar o público e, por consequência, obtendo um controle social (VAN ZOONEN, 1994). Eles também colocam o diálogo de Thor e Homem Absorvente na íntegra em texto e as imagens da edição. A notícia publicada por Huffpost Brasil tem uma linguagem mais informal que as outras, chamando a cena que foi motivo para a matéria de “espetacular”. Ainda, o jornalista faz piada com o nome do vilão, explicando que ele não é um absorvente mas altera sua estrutura molecular para imitar a de qualquer personagem. Além disso, o site apenas reproduz a cena dos quadrinhos, traduzindo-a. Ela é, de fato, mais superficial em comparação àquela publicada no The Guardian, que dá uma visão geral da situação e ainda relaciona ela com outro acontecimento que envolve também a mulher em histórias em quadrinho.

115

Disponível em: http://goo.gl/L7wIIY. Acesso em: 9 nov. 2015. Texto original lê-se: the Marvel Comics superhero Thor, newly reincarnated as a woman, has given a definitive answer to those critics who attacked her new identity, breaking the jaw of the villain who tells her that “damn feminists are ruining everything”.

116

72

  Figura 24: The Guardian utilizando reencarnada para falar da troca de personagem. 118 Fonte: autora

117

Por fim, a análise da ultima dupla de notícias deu-se com aquelas escritas acerca da revelação da identidade secreta de Thor. Os sites escolhidos para tal foram o IGN119 (anexo M) e o Tecmundo120 (anexo N), sendo as matérias publicadas em 19 de maio e 19 de julho, respectivamente. As duas dissertam acerca de Jane Foster, a identidade secreta de Thor, além de trazer explicações sobre o assunto ditas pelo escritor da série. A notícia do site IGN, escrita logo após o lançamento da 8a edição de Thor fala sobre Jane empunhando o martelo de guerra e como a personagem tinha um papel secundário e de “interesse amoroso” do antigo Thor. Também, é recapitulado como a história chegou até então, além de contar com uma entrevista completa com o escritor da série. Jason Aaron diz que a única personagem que ele considerou ser digna de segurar Mjolnir, desde o início, foi Jane – e como a ideia de mostrar uma mulher empunhando um martelo mágico e lutando contra o crime era algo que ele achou interessante e que nunca tinha sido visto antes no Universo da Marvel. O autor da história respondeu ainda a uma pergunta sobre a polêmica criada pelos fãs que não gostam do fato de Thor ser uma mulher ou que ela deveria escolher outro nome, falando sobre ele não quer “fazer algum tipo de afirmação por feminismo em histórias em quadrinhos”, mas que ele ficou feliz em ver que a discussão sobre mulheres nas HQ e na indústria foi realizada a partir da história. A site realizou o seu papel de comunicar a situação sem dar opinião, ainda utilizando a entrevista com Aaron para complementar a informação e explicar a mudança e o futuro da personagem. Assim como na matéria do site IGN, o Tecmundo também comentou sobre a participação de personagens mulheres em histórias em quadrinho, escrevendo como a presença de super-heroínas no universo Marvel “é uma questão que tem ganhado 117

Tradução da figura 24: A super-heroína da Marvel Comics Thor, recentemente reencarnada como uma mulher, deu uma resposta definitiva aos críticos que atacaram sua nova identidade, quebrando a mandíbula do vilão que disse a ela que as “malditas feministas estão estragando tudo. 118 Disponível em: http://goo.gl/DIULeW. Acesso em: 9 nov. 2015. 119 Disponível em: http://goo.gl/QuUMnx. Acesso em: 9 nov. 2015. 120 Disponível em: http://goo.gl/PkZNCF. Acesso em: 9 nov. 2015.

73 destaque nos últimos tempos – assim como a falta de personagens femininos nesse meio”. Este texto, publicado cerca de dois meses depois da revelação do rosto por trás da mascara de Thor, traz uma visão geral da descoberta de Jane Foster como aquela digna de empunhar Mjolnir, além de mencionar sobre como a personagem está careca três vezes no texto – colocando já no título do texto, chamando atenção do leitor (fig. 25).

Figura 25: Chamada da matéria do site Tecmundo. 121 Fonte: autora .

É possível observar, após analisar as três duplas de notícias, como a mídia vem tratando a mudança de personagem e o resto da publicação de Thor. Inicialmente, os portais de notícia abordaram a situação bem, com exceções – como falar que Thor “reencarnou” como uma mulher. Apesar disso, o fato que foi noticiado é considerável, uma vez que as histórias em quadrinho podem não ser consideradas algo de grande importância – ainda que eles estejam mais presentes na mídia após o lançamento e fama dos filmes inspirados neles, como foi apresentado no primeiro capítulo. Sendo assim, o motivo que a mídia realizou tal cobertura da história em quadrinho pode ser pela polêmica criada acerca da troca de personagem que utiliza o nome Thor. Assim, evidencia a teoria que o público também agenda a mídia, especialmente em tal época onde o modelo de comunicação pode ser interpretado como “muitos para muitos” invés de “um para muitos” (WOLF, 2003). Conclui-se então, a partir da observação das notícias, que não foi possível encontrar evidências de sexismo na cobertura da mídia e sem grandes problemas no sentido do modelo de comunicação da teoria feminista, como Van Zoonen (1994) explana e como foi apresentado no segundo capítulo. Para completar a análise, 121

Disponível em: http://goo.gl/PkZNCF. Acesso em: 9 nov. 2015.

74 também foi observada a reação dos fãs nas três duplas de notícias a partir dos comentários nos portais de notícia, que será apresentada a seguir.

3.3.2 Comentários

Afim de observar a reação do público perante a história, foi realizada a análise de conteúdo dos comentários dos portais observados. Para tal, foi feita a leitura geral de 807 comentários das seis notícias analisadas anteriormente122 para a compreensão geral da impressão dos fãs acerca dos três momentos da HQ que a mídia cobriu, sendo sua maioria em inglês e traduzidos para o presente trabalho. Quatro das seis notícias tiveram seus comentários analisados em sua totalidade, enquanto em duas foram analisado 300 – de 2727, no caso do site da Marvel, e 928 que foram postados no IGN. A partir de então, os comentários foram contabilizados e categorizados e os exemplos da reação dos fãs foram divididos perante a seguinte classificação: •

Violentos: aqueles que são contra a mudança e reproduzem a violência simbólica em seus comentários, utilizando sexismo e/ou termos ofensivos;



Argumentativos: podem ser contra ou a favor, mas questionam certos aspectos da situação;



Apoio: aqueles que apoiaram e gostaram da mudança ocorrida com a personagem;

  Quadro 5: Categorização dos comentários analisados. Fonte: autora

122

Disponíveis em: http://goo.gl/EThUJK, http://goo.gl/bP2hxN, http://goo.gl/DIULeW, http://goo.gl/L7wIIY, http://goo.gl/QuUMnx e http://goo.gl/PkZNCF. Acessos em: 9 nov. 2015.

75 Assim, notou-se como o público reagiu negativamente a mudança, com um total de 288 comentários negativos em comparação a 195 positivos. Enquanto isso, é possível observar que aqueles que apoiam a história e aqueles que são violentos perante a substituição de Thor para uma personagem do gênero feminino são em grade parte parelhos – o que mostra que houve uma grande animação por parte de alguns, outros explicitaram o seu desgosto com comentários violentos acerca do gênero da personagem. Sobre o conteúdo dos comentários, é possível perceber que quando foi apresentada a personagem que hoje empunha Mjolnir houve muita confusão, pois até então a Marvel nunca havia determinado que era o martelo que dava o nome ao super-herói. Além disso, as opiniões foram diversificadas: existe aqueles que gostaram assim como os que não – seja por não gostar que o personagem foi substituído ou por achar que a Marvel optou por isso apenas para agradar as mulheres e o movimento feminista. Entre os comentários de apoio a personagem, vê-se aqueles que estão interessados no que pode vir a acontecer com a história com Thor sendo uma personagem feminina. Declaração como a da figura 26, que diz é um bom exemplo dentro dessa categoria, com o autor do comentário falando como ele estranhou de inicio mas achou ‘incrível’ e está interessado para ver como será a história. O usuário asofterbucky escreveu “Isto é meio que incrível, haha. Eu estava estranhando no início – ‘mas, mas os mitos! E Loki não apenas ajudou Thor com a coisa toda sobre sua

dignidade há alguns meses atrás?’, mas não, eu estou

totalmente bem com isso e interessado em ver onde vai. (E o quanto isso vai durar... Esperemos que isso seja legal :D)”123 .

Figura 26: Comentário de apoio a Thor. 124 Fonte: http://marvel.com

123

Texto original: This is kind of awesome, haha. I was weirded out at first - "but, but the myths! And didn't Loki just help Thor out with the whole worthiness thing a few months ago?" but nah I am totally cool with this and interested to see where it goes. (And how long it lasts . hopefully it turns out cool :D) 124 Disponível em: http://goo.gl/EThUJK. Acesso em: 15 nov. 2015.

76 Há também aqueles que apoiaram a mudança e questionaram certos aspectos, como o fato de que a matéria disse como a história procura falar diretamente com meninas e mulheres. O comentário mostrado na figura 27 mostra alguém que se diz animado com o título e diz “Não gosto dessa parte ‘destina-se a falar diretamente com um público que há muito não era o alvo para quadrinhos de super-herói na América: as mulheres e meninas’. Sou um cara e gosto de personagens femininas. Não vise os gêneros específicos. Escreva histórias que todos apreciam como a personagem se encaixa. A ideia de uma mulher segurando o Martelo de Thor é impressionante e um grande passo na direção certa quando se trata de igualdade entre os sexos, mas acho que no momento que você escrever que aponta este livro para as leitoras você tira essa igualdade por insinuar que ‘é para as mulheres’ e os homens não gostam tanto, o que eu duvido muito que vindo de Jason Aaron. De qualquer forma eu estou realmente ansioso para ver isso”125 . Outro comentou acerca do clamor de como a mudança não condiz com a mitologia Nórdica, a qual Thor pertence – reclamações que alguns fãs fizeram. Na figura 28 pode se observar como o autor do comentário escreveu sobre a situação e disse que acha ‘legal’ a mudança.

  Figura 27 e 28: Comentários argumentativos sobre Thor. 126 Fonte: http://marvel.com e http://jovemnerd.com.br

125

Texto original: i dont like this "aims to speak directly to an audience that long was not the target for super hero comic books in America: women and girls." part. im a guy and i like female characters. dont aim at specific genders. write stories everyone enjoys with the character that fits. the idea of a woman taking up thors hammer is awesome and a really big step in the right direction when it comes to gender equality, but i think the moment you write that you aim this book at female readers you take away some of that equality by insinuating that "its for women" and men wont like it that much. which i very much doubt coming from jason aaron. anyways im really looking forward to this. 126 Disponível em: http://goo.gl/EThUJK e http://goo.gl/bP2hxN. Acessos em: 15 nov. 2015.

77 Assim como houve aqueles que argumentaram a favor, também há aqueles que são contra a mudança. Argumentando como o personagem perdeu seus poderes e nome foi ‘desrespeitoso’ com um personagem tão bem estabelecido e com seus fãs – além de mostrar descontentamento com a tendência da Marvel de trocas de personagens127 e como a empresa tenta ‘forçar sua agenda social’ nos fãs. Na figura 29, observa-se um leitor comentando seu descontentamento com a mudança, explicitando que não sei importa com o gênero da personagem.

  Figura 29: Usuário argumentando contra a mudança. 128 Fonte: http://marvel.com e http://jovemnerd.com.br

Por outro lado, é observado aqueles comentários violentos. Eles dizem que o personagem Thor foi destruído – como escreve LeeT44 “Nojento como você destruiu um personagem lendário e traiu décadas de fidelidades dos fãs. Arruinou Thor, para ganhar dólares femininos”129 na figura 30 – e castrado, como fala Malachan com seu comentário na figura 31 “ei, Jason Aaron, esteve na loja de quadrinhos ultimamente? Você viu muitas meninas consultando a seção de super-herói? Se você quer dar a entender que possa existir uma heroína, dar-lhes o Sif, esposa de Thor! Ela é muito forte, habilidosa e você não tem que castrar o filho de Odin!”130. Também, é possível notar leitores comentando acerca do corpo da personagem,

utilizando

uma

linguagem

violenta

para

mostrar

seu

descontentamento. DirtySquirties, na figura 32, escreveu “se você e vai pular uns dois mil anos de mitologia estabelecida, o mínimo que poderia fazer era dar seus 127

Por exemplo, trocar Steve Rogers por Sam Wilson como Capitão América como foi noticiado pela Marvel. Notícia disponível em: http://goo.gl/i2b55d. Acesso em: 15 nov. 2015. 128 Disponível em: http://goo.gl/EThUJK e http://goo.gl/bP2hxN. Acessos em: 15 nov. 2015. 129 Texto original: Disgusting how you've destroyed a legendary character and betrayed and decadeslong loyal fan base. Ruined Thor, for sake of gaining female dollars. 130 Texto original: Hey Jason Aaron, have you been in Comic store lately? Have you seen many girls browsing the superhero section? If you want give the handful that might exist a heroine, give them Sif, Thor's wife! She's plenty strong, skilled and you don't have to neuter Odin's son!

78 peitos maiores faze-las balança-los como um par de martelos”131 assim como Ty_Tansel na figura 33, falando que “as tetas de Thor são muito pequenas”132 .

  Figura 30, 31, 32 e 33: Exemplos de comentários violentos. 133 Fonte: http://marvel.com

Com a história já em andamento, as opiniões continuaram divididas. Quando a 5a edição foi lançada e a mídia cobriu a discussão acerca da cena onde Thor quebra o mandíbula de um vilão que fala mal de feminismo, os leitores já tinham um conhecimento maior sobre a história – assim, sua opinião tem, em teoria, maior embasamento que quando o título foi recém divulgado. A história foi elogiada, sendo chamada de ‘sensacional’ (fig. 34) e ótima, como escreveu Scarpe na figura 35, elogiando o autor “O livro é ótimo. Aaron é um grande escritor. E, parafraseando Paul Cornell ‘pessoas que estão chateadas por Thor ser mulher são exatamente o tipo de pessoas que nós deveríamos tentar perturbar’. Espero que dure para sempre. E espero que as pessoas ridículas de mente pequena, continuem a odiá-la. Eu gosto de pensar em sua raiva impotente”134.

131

Texto original: If you are going to flip the bird to a couple thousand years of established mythology, the least you could have done was give her bigger boobs and have her swing them around like a pair of hammers. 132 Texto original: Thor’s tits are too small. 133 Disponível em: http://goo.gl/EThUJK. Acesso em: 15 nov. 2015. 134 The book is great. Aaron is a great writer. And, to paraphrase Paul Cornell "People who are upset by Thor being a woman are exactly the type of people we should be trying to upset". I hope it lasts

79

  Figura 34 e 35: Comentários de apoio a situação. 135 Fonte: http://brasilpost.com.br e http://theguardian.com

Também, é possível observar aqueles comentários que argumentam a favor e contra a situação. Eles contêm um conteúdo parecido com aqueles da mesma categoria apresentados anteriormente, falando sobre como tal tipo de mudança acontece e é interessante – apesar de ainda haver descontentamento com o fato de a Marvel dizer que está fazendo histórias “para meninas”, ou seja, focando em um certo gênero invés de na história no geral (fig. 36), tal qual escreveu Kirstie English “Não há nada errado com Thor sendo uma mulher. Têm diferentes personagens, assumindo o papel de diferentes do papel do herói o tempo todo. Sim, eu concordo com o argumento de que eles devem fazer personagens mais originais. No entanto, os mais populares são aqueles dão dinheiro então é compreensível que eles, e eu meio que gosto do fato de que, fizeram de um herói popular uma mulher porque há mais personagens femininas em quadrinhos mainstream. A Marvel também tem feito personagens mais originais como nova Miss Marvel (que é incrível). Embora o comentário sobre como fazer ‘quadrinhos para meninas’ tenha pegado mal para mim. As mulheres não leem apenas quadrinhos sobre outras mulheres e homens leem só quadrinhos sobre homens. Entendo que eram provavelmente queriam dizer quadrinhos para as meninas como algo mais inclusivo, o que é ótimo, mas acho que dizer isso poderia ser problemático. Não há que nenhuma necessidade de dar gênero aos quadrinhos, os caras podem ler o que quiserem e meninas pode ler.

forever. And I hope small minded, ridiculous people continue to hate it. I enjoy the thought of their impotent anger. 135

Disponível em: http://goo.gl/L7wIIY e http://goo.gl/DIULeW. Acessos em: 15 nov. 2015.

80 Quadrinhos não são apenas para um gênero”136 . Há também quem fale que a crítica não é no feminismo e sim na falta de imaginação dos produtores da história, como Ryan McCourt comentou na figura 37 “Crítica a uma Thor feminina não é sobre feminismo: é sobre pessoas tidas como criativas tendo uma embaraçosa falta de imaginação, tal que eles têm de reciclar as mesmas ideias repetidamente ao ponto do absurdo”137.

Figura 36 e 37: Argumentações tanto positivas quando negativas. 138 Fonte: http://theguardian.com .

Ainda, existem aqueles comentários violentos. No caso da repercussão do ocorrido na 5a edição da história, o feminismo foi o alvo da violência. Na HQ, a Thor dá um soco no vilão e diz para si mesma que o soco foi por ‘dizer feminista como um palavrão’, frase utilizada por bananamanrules para escrever que “ah, mas isso é 136

Texto original: There is nothing wrong with Thor being a woman they have different characters taking the role of different hero's all the time. Yes I agree with the argument that they should make more original charters. However the more popular ones are the ones that make money so it's understandable why they don't and I kinda like the fact they have made a popular hero a woman because it's getting more female characters into the comic mainstream. Also Marvel has been making more original characters such as the new Miss Marvel (who is awesome). Though the comment about making " comics for girls" did sit with me the wrong way. Women don't just read comics about other women and men don't just read comics about men. I get that they were probably meaning comics for girls as in its more inclusive which is great but I think saying it that would could be problematic. There is no need to gender comics guys can read whatever they want and can girls a comics isn't just for one gender. 137 Texto original: Criticism of a female Thor is not about feminism: it's about so-called creative people having an embarrassing lack of imagination, such that they have to re-hash the same ideas over and over to the point of absurdity. 138 Disponível em: http://goo.gl/DIULeW. Acesso em: 15 nov. 2015.

81 realmente como um palavrão”139 (fig. 38). Além disso, um leitor comparou o feminismo e os ‘cavaleiros do politicamente correto’ ao Talibã, um movimento fundamentalista islâmico (considerado terrorista por diversas nações ao redor do globo), falando na figura 39 que “o talibã explodiu Budas de 2000 anos e as feministas/cavaleiros do politicamente correto destroem um super-herói masculino que é um deus nórdico?”140.

Figura 38 e 39: Exemplos de violência nos comentários. 141 Fonte: http://theguardian.com

Por fim, as últimas reações encontradas ocorreram após a publicação da última edição até então, quando foi revelado que Jane Foster é Thor. Parte do público gostou a história, elogiando o autor, como escreveu Kanbe (fig. 40) “Thor tem sido um dos melhores livros da Marvel desde que JMS o trouxe de volta, mas Jason Aaron o levou para outro nível. É um dos melhores quadrinhos sendo publicados hoje. Aaron nasceu para escrever Thor e quanto mais tempo ele fizer isso, mais eu vou ser feliz. Estou realmente ansioso para Thor, parece que será um grande sucesso”142 na figura 43. Ainda, os fãs estão ansiosos pela continuidade da história, como é possível observar no comentário de playcube2 “gostei muito desta série e espero que retorne depois de Secret Wars143”144 , reproduzido na figura 41. 139

Texto original: oh but it really is like a four letter word Texto original: The Taliban blow up 2000 year old Buddhas and feminists/SJW's destroy a male Norse god super hero? 141 Disponível em: http://goo.gl/DIULeW. Acesso em: 15 nov. 2015. 142 Texto original: Thor has been one of Marvels best books since JMS brought it back, but Jason Aaron took it to another level. Its one of the best comics being published today. Aaron was born to write Thor and the longer he stays on the title the happier I'll be. I'm really looking forward to Thors, sounds neat as all hell. 143 Evento que, assim como a história homonima que ocorreu em 1984, pretende zerar o universo da Marvel. 140

82

Figura 40 e 41: Leitores satisfeitos com a história. 145 Fonte: http://ign.com .

É possível notar um descontentamento com o desvendamento da face por baixo da máscara, mas curiosidade e admiração sobre como os produtores da história estão tratando com o câncer e humanidade da personagem, como escreve Drakon_Guard1 (fig. 42) “não colou totalmente Jane sob o capacete, mas ainda estou curioso sobre onde isso vai depois de guerras secretas. Eu sou fascinado em ver como eles lidam com o câncer. No entanto, como mais cedo ou mais tarde eles vão ter que lidar com isso e com a saúde dela. Especialmente como quadrinhos frequentemente giram em torno da 'ilusão de mudança' não consigo ver uma solução a não ser culpar alguém por algo. Só, por favor, não devolvam o martelo ao filho de Odin, ao menos porque ele tem um caminho MUUUUITO longo antes que ele mesmo possa considerar pegar Mjolnir”146. A história foi elogiada e foi comentado o desejo que Odinson não receba seu martelo ainda, que ele tem um longo caminho ainda para ser digno novamente. Além disso, foi dito como a história espelha o cenário atual, onde as mulheres ganham mais espaço e que as histórias atualmente estão mais inteligentes (fig 43).

144

Texto original: I've really enjoyed this series and hoping it returns post Secret Wars. Disponível em: http://goo.gl/QuUMnx. Acesso em: 15 nov. 2015. 146 Texto original: Not really sold on Jane under the helmet but still curious on where it goes after secret wars. I'm fascinated to see how they handle her cancer however as sooner or later they'll have to deal with that and her health. Especially as comics often revolve around the 'illusion of change' I can't help but see a cop out coming. Just please don't give the hammer back to odinson, not least because he has A LOOOONG way to go before he can even consider picking up Mjolnir. 145

83

Figura 42 e 43: Leitores que apoiam Thor mas questionam certas partes de sua história. 147 Fonte: http://ign.com e http://tecmundo.com.br

Também existem aqueles leitores que continuam não assentindo com a situação. Eles ainda argumentam que Thor é o nome do personagem, não um título, como HonorablePeasant diz com “Thor é o nome maldito do Thor, não um manto ou título. O nome dele é Thor Odinson. Quando Dick Grayson foi temporariamente batman, ele não chamava a si mesmo de ‘Bruce’”148 (fig. 44). Ainda, entre aqueles que comentaram, houve argumentos que é estranho ela utilizar o nome mas que a situação em si, do personagem ser indigno e ser substituído por Jane, é interessante – como escreveu tmsprague (fig. 45) “Na verdade, eu não teria problemas com Jane substituindo Thor como a Deus/Deusa do Trovão. A situação em si é realmente muito interessante. Usando seu primeiro nome, embora... isso é um pouco estranho. Apenas use um nome diferente, sabe?”149

147

Disponível em: http://goo.gl/QuUMnx e http://goo.gl/PkZNCF. Acessos em: 15 nov. 2015. Texto original: Thor is Thor's freaking name not a mantle or title. His name is Thor Odinson. When Dick Grayson was temporarily batman, he didn't call himself "Bruce." 149 Texto original: I would actually have zero problems with Jane replacing Thor as the God/Goddess of Thunder. The situation itself is actually really interesting. Using his first name, though... that's a little weird. Just use a different name, you know? 148

84

Figuras 44 e 45: Comentários exemplificando a situação citada acima. 150 Fonte: http://ign.com

Por fim, ainda existem comentários com traços violentos. Por exemplo, comentários questionando como é “meio chato” de aceitar a troca de um Deus do Trovão por uma mulher (fig. 46) e como um Deus tem que “impor respeito” (fig. 47) – o que o autor do comentário acha que a Thor não faz. Ainda, há aqueles que questionam a dignidade da personagem a partir da ideia que ela fez sexo antes do casamento, como Wookie4k escreve (fig. 48) “Então, tecnicamente, sexo antes do casamento ainda faz com que a pessoa seja ‘digna’... Legal”151 – que é respondido por Ace2896, defendendo a personagem e falando que o antigo “Thor fez sexo antes do casamento e e era digno, isto não é diferente”152. Ainda, tem aqueles que estão decepcionados por Thor ser o nome da personagem feminina, como snk89 que diz “uma Thor mulher. Isso é uma vergonha. SMH153”154 (fig. 49).

150

Disponível em: http://goo.gl/QuUMnx. Acesso em: 15 nov. 2015. Texto original: So technically, premarital sex still allows one to be "worthy".. sweet. 152 Texto original: Thor had premarital sex and was wothy, this is no different. 153 Acrônimo para shaking my head, que é traduzido para ‘balançando minha cabeça’ – termo que demonstra como o usuário está decepcionado. 154 Texto original: A female Thor. What a shame. SMH 151

85

Figura 46, 47, 48 e 49: Leitores que reproduzem a violência de gênero com a personagem. 155 Fontes: http://tecmundo.com.br e http://ign.com

Assim, é possível notar a reação perante a mudança com Thor como dividida. Percebe-se que o público não pareceu satisfeito com a constante utilização de temas sociais (HOWE, 2013) nas histórias, reclamando que a empresa quer forçar uma agenda social e ser politicamente correta. Assim, é possível perceber que houve muita confusão da parte dos leitores com a mudança. Alguns justificam a sua discordância com o fato que a Marvel nunca deixou explicito que aqueles que empunhassem o martelo obteria o nome de Thor – já que outros personagem tiveram Mjolnir em mãos e continuaram conhecidos por seus nomes de sempre. Além disso, nota-se aqueles comentários reproduzindo apenas a violência de gênero – falando como fazer de Thor uma personagem feminina arruinou e castrou o personagem, deixando implícito que ser mulher é ser ‘menos’ (BEAUVOIR, 1970), deixando aparente como a mulher é vista pela sociedade patriarcal – aquela que 155

Disponível em: http://goo.gl/PkZNCF e http://goo.gl/QuUMnx. Acessos em: 15 nov. 2015.

86 oprime a mulher socialmente, politicamente e economicamente (HUMM, 1995, p. 200). Os comentários violentos confirmam a situação de violência invisível que aquelas do gênero feminino sofrem, aquela que é construída a partir da linguagem (BOURDIEU, 1989) e que reproduz a situação da mulher como um ser inferior, o feminino como ofensa (BEAUVOIR, 1970). Ainda assim, leitores comentaram da importância de uma personagem do gênero feminino na posição de Thor, espelhando assim a situação atual onde a mulher está ganhando espaço nos quadrinhos, o que é uma das pautas do feminismo da terceira onda – a importância da representação do feminino na mídia em geral (SNYDER, 2008). A reação perante a 5a edição, a qual cita acerca do feminismo, mostra como parte do público leitor das histórias em quadrinho é reprodutor do discurso sexista, ainda que não haja um número expressivo de comentários a cerca do corpo da personagem. Ainda, o discurso opressivo que o feminismo luta contra (VALDÍVIA, 1995; HUMM, 1995; HOOKS, 2000) está presente.

3.4 Análise geral

A partir da análise apresentada é possível confirmar o que foi escrito no segundo capítulo: a mulher está melhor representada nas histórias em quadrinho, porém ainda é um meio dominado pelos homens – mesmo que, como já foi apresentado, mais da metade de seus leitores sejam do gênero feminino. A história em quadrinho observada para o presente estudo mostra isto, Thor tem poucas personagens mulheres com importância na história, com apenas Thor e Freyja com participação em metade ou mais das HQ – enquanto a maioria das mulheres aparece em duas ou uma edição. Também, as personagens dialogam entre si apenas durante dois exemplares, o que mostra a dificuldade de escrever uma história acerca de personagens femininas desde a época da primeira super-heroína famosa, que também tinha grandes problemas em suas histórias (WRIGHT, 2001). Aquelas personagens que tem participação contundente no enredo utilizam um discurso feminista, o que se mostra importante para apresentar o movimento em um momento que existe uma grande violência dirigida às feministas – tal fala pode ser notada com o questionamento de Freyja perante a reprodução da violência simbólica por parte de seu marido, Odin, ou na edição onde Thor dá um soco em um vilão que

87 fala mal do feminismo, uma passagem polêmica mas que espelhou (de modo exagerado, como ocorre normalmente na mídia) a reação dos fãs perante a história. Tais situações se cruzam com as características do movimento, como busca do término da opressão (VALDÍVIA, 1995), estar consciente e demonstrar desconforto com tal e a busca pelo empoderamento (OFFEN, 1988), que é possível perceber na 7a e última edições quando Freyja junta um exercito de super-heroínas para ajudar Thor. Por outro lado, na cobertura da mídia sobre a história num geral não foi possível encontrar evidências de sexismo ou violência de gênero. Vale questionar até qual ponto a reação do público com a história em quadrinho agendou a pauta dos sites de notícia, como Wolf (2003) escreveu sobre o poder a mídia de fazê-lo com o público, uma vez que este não é um tema que normalmente é noticiado – a não ser em sites especializados sobre o assunto. Assim, com as notícias, notou-se a reação do público com a história. A contabilização e categorização dos comentários mostrou opiniões divididas, apoio, discordância e violência com a personagem. Assim, notou-se como alguns fãs veem a mudança de Thor para uma personagem feminina como ofensiva, o que mostra a ideia de Beauvoir (1970) sobre a ‘fêmea’ ser pejorativo. Também, houve muita discussão acerca do ‘politicamente correto’ na HQ, uma tendência que a Marvel sempre teve (HOWE, 2013) e que parte dos leitores não aprovaram e reclamaram nos comentários. Apesar disso, outros se mostraram interessados na personagem e no que pode vir a acontecer – já que a história está ainda em andamento.

CONCLUSÃO O presente trabalho procurou mostrar a relação da mulher com a mídia, em especial com as histórias em quadrinho. Expomos o referencial teórico buscando criar uma base para a análise – estudar a criação e caminho seguido pela HQ, o foco na própria Marvel e a história em quadrinho como meio de comunicação de massa – afim de justificar o por que de estudar a temática. Ele também apresentou a importância da história em quadrinho na sociedade em geral, como um MCM e, por consequência, um agente social. Sua participação social foi explicitada com teoria e exemplos, assim com foi apresentada a ligação da Marvel Comics com o assunto de lutas sociais – que foi relacionado posteriormente na análise. A construção do gênero, violência simbólica e sistêmica, feminismo, além do papel da mulher na mídia e nas histórias em quadrinho reforçaram a questão da importância do assunto: a representação das personagens de gênero feminino em Thor. Novamente, apresentamos teoria e dados procurando mostrar a situação de violência com a mulher e a participação dela no histórico da HQ. Tal foi apresentado finalizando o referencial teórico e, assim, trazendo o debate acerca da relação problemática da mulher com as histórias em quadrinho, o que foi evidenciado na análise. Ainda, realizamos a análise da mulher em Thor e sua repercussão na mídia e entre os fãs. A revisão das edições da HQ foi dividida na imagem, fala e conteúdo na história em quadrinho. Podemos concluir que ela tem, superficialmente, bons exemplos de personagens femininas: individualmente, em sua maioria, o gênero é bem representado, porém suas relações se mostram defasadas – por exemplo, procuramos debater como apenas duas edições passam no Teste de Bechdel. A aplicação da regra se mostrou um modo eficaz de chegar a tal conclusão, já que notou-se como em apenas duas edições duas mulheres conversavam – acerca de algo que não fosse sobre homens. Assim, cruzando com o que foi escrito no referencial teórico, percebemos como o papel da mulher na HQ está em maior evidência, mas ainda não é igualitário ao dos homens. Também, procuramos analisar como foi a cobertura da mídia em três momentos diferentes da publicação da história – com a divulgação da mudança com a personagem, na edição que Thor dá um soco em um vilão que diz que as

89 “feministas estão estragando tudo” e na revelação de Jane Foster como aquela que empunha Mjolnir. A conclusão extraída da observação de seis sites de notícias foi que não houve evidências de algum tipo de violência simbólica com a situação – sendo ela noticiada claramente pela mídia analisada. Também, dentro das notícias foi possível perceber a reação dos fãs. Foi notado opiniões diversas acerca do assunto, porém sua maioria foi contrária a mudança. Tal foi observado a partir da contabilização e categorização dos comentários, que também foi como percebemos um número maior na categoria de apoio que na de violência – ainda assim, o número daqueles comentários negativos sobre o gênero da personagem ainda é alto. A partir de então, também foi possível trazer a discussão de como a questão do feminismo ‘explícito’ nas histórias em quadrinho criou discordância entre os leitores. Os objetivos específicos apresentados na introdução foram respondidos durante o texto e concluídos na presente sessão, sendo eles: entender a importância das histórias em quadrinho na sociedade, especialmente a Marvel; compreender a construção e violência de gênero e a importância do feminismo na sociedade; observar a representação da mulher e do feminismo na mídia; e por fim, considerar as personagens do gênero feminino dentro das histórias em quadrinho. Assim como também foi o geral, que instigou a analise das personagens do gênero feminino nas histórias em quadrinho, em especial aquelas da Marvel Comics. Por fim, fechamos o presente trabalho com o problema apresentado na introdução: afinal, qual a importância da representação da mulher e da temática feminista nas histórias em quadrinho da Marvel Comics? A partir do que foi procuramos discutir, foi possível notar o papel da mulher na mídia: inferior ao homem, assim como na sociedade em geral. É uma posição marcada pela dominação masculina, que é proveniente da violência simbólica, tal qual Bourdieu (1989) e Zizek (2008) abordam. O avanço da igualdade entre os gêneros alcançado durante as ondas do movimento feminista é palpável, porém notamos que a mulher nas histórias em quadrinho – uma mídia tão influenciadora como suas companheiras de comunicação de massa – ainda é defasada nesse sentido. O fato que houve a polêmica e que leitores discordaram com a mudança de personagem pelo fato de que é uma mulher que tem o poder de Thor no momento mostra a importância da criação de outras personagens no papel de principais dentro do universo dos quadrinhos. Uma quantidade de 10% de mulheres como personagens principais de

90 histórias em um espaço que tem mais da metade de seus leitores do mesmo gênero mostra a questão de apagamento (VAN ZOONEN, 1994) dentro deste momento – onde a sociedade é saturada pela mídia e pede por bons exemplos de representação (SNYDER, 2008). O número de super-heroínas com seus próprios títulos está aumentando, o que é um avanço, assim como os números e representação da mulher em outras produções culturais. Assim, é preciso lembrar que Thor ainda está sendo publicada – portanto, consideramos que a análise está em aberto e que uma conclusão final acerca das personagens que nela se apresentam deve esperar até sua publicação finalizar.

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94 WOLF, Mauro. Teorias da comunicação. Lisboa: Presença, 2003. ZIZEK, Slavoj. Violence – Six Sideways Reflections. Nova Iorque: Picador, 2008.

ANEXOS

96 ANEXO I

MARVEL ORGULHOSAMENTE APRESENTA THOR156 Conheça a nova heroína que irá empunhar Mjolnir e veja uma imagem exclusiva do indigno antigo Deus do Trovão! A Marvel está animada para anunciar uma nova era para o Deus do Trovão em uma série nova, THOR, escrita por Jason Aaron complementada com a arte de Russel Dauterman. Neste outubro, Marvel Comics evolui novamente em uma das mudanças mais chocante e emocionante a atingir um dos “três grandes” – Capitão América, Homem de Ferro e Thor. O clássico Deus do Trovão não é mais capaz de utilizar o poderoso martelo, Mjolnir, e uma nova heroína emerge digna do nome THOR. Quem é ela? De onde ela veio e qual é sua conexão com Asgard e o Universo da Marvel? “A inscrição no martelo de Thor diz ‘Aquele que empunhar este martelo, se DIGNO for, possuirá o poder de Thor.’ Bom, já é tempo de atualizar essa inscrição,” disse o editor da Marvel Will Moss. “A nova Thor continua a orgulhosa tradição de personagens femininas fortes como Capitã Marvel, Tempestade, Viúva Negra e mais. E esta nova Thor não é uma substituta temporária – ela é agora a única Thor, e ela é digna!” O escritor da história, Jason Aaron, enfatiza, “Ela não é Thora. Ela não é Lady Thor. Ela não é Thorita. Ela é THOR. Ela é a THOR do Universo da Marvel. Mas é diferente de qualquer Thor que nós já vimos.” THOR é a mais recente na ainda crescente e longa lista de títulos centrados em personagens femininas, que continuam convidando novos leitores para o Universo da Marvel. THOR será o 8a título a apresentar uma personagem protagonista feminina e procura falar diretamente com uma audiência que por muito tempo não foi o alvo de histórias em quadrinho na América: mulheres e meninas.

156

Texto original disponível em: http://goo.gl/EThUJK. Acesso em: 9 nov. 2015.

97 ANEXO J

MARVEL ANÚNCIA QUE PRÓXIMO “THOR” SERÁ UMA MULHER A Marvel revelou ontem, que sua nova edição da revista Thor irá mostrar uma mulher no lugar do Deus do Trovão. Na história, Thor será considerado indigno para carregar o Mjölnir, assim uma mulher irá portar o martelo se tornando Thor. O editor da Marvel, Will Moss, disse o seguinte sobre a nova heroina: “A frase no martelo de Thor diz que quem empunhar o martelo, se ELE for digno, terá o poder de Thor. Bem, é hora de mudar esse texto. O novo Thor continuará a tradição da editora de fortes personagens femininas como Capitã Marvel, Tempestade, Viúva Negra, entre outros. E a nova Thor não é uma substituta temporária – ela é a única deusa do trovão, e é digna do título!” A identidade da portadora do martelo não foi revelada, temos apenas duas imagens mostrando o visual da Deusa do Trovão. O diretor executivo da Marvel Digital, Ryan Penagos, também explicou no twitter que ela não terá adjetivos como Lady Thor, ou She Thor, ela será simplesmente Thor. Essa nova fase de Thor será escrita por Jason Aaron e desenhada por Russell Dauterman.

98 ANEXO K

THOR,

PERSONAGEM

DA

MARVEL,

ATACA

CRÍTICOS

QUE

DIZEM

‘FEMINISTAS ESTÃO ESTRAGANDO TUDO’157 Última edição aborda diretamente críticas contra os criadores da história depois que a Marvel introduziu a encarnação feminina do super-herói que empunha o martelo A super-heroína da Marvel Comics Thor, recentemente reencarnada como uma mulher, deu uma resposta definitiva aos críticos que atacaram sua nova identidade, quebrando a mandíbula do vilão que disse a ela que as “malditas feministas estão estragando tudo”. A Marvel causou polêmica no último verão quando anunciou que o Deus Nórdico seria remodelado como uma mulher. O escritor, Jason Aaron, endereçou as denúncias de “ser politicamente correto” na última edição da história em quadrinho, quando sua personagem luta contra o vilão Homem Absorvente. “Thor? Você está brincando comigo? Eu devo chamar você de Thor? Malditas feministas estão estragando tudo,” ele diz. “Você quer ser uma super-heroína? Tudo bem. Quem diabos se importa? Mas tenha sua própria identidade. Thor é um homem. Um dos últimos homens machos que sobraram. O que você fez, mandou ele para um treinamento sensitivo para que ele parasse de chamar as meninas da Terra de ‘meretrizes’?” Ele ainda pergunta: “Que diabos de Thor é você?”, antes da deusa quebrar sua mandíbula. “Isso é por falar ‘feminista’ como um palavrão, verme,” ela pensa consigo mesma. “É um ótimo momento, um que é exagerado quando fora de contexto, mas hilário quando você tem noção do criticismo que o time criativo de Thor está recebendo pela história,” escreveu Joshua Rivera sobre a edição na Entertainment Weekly. A rival da Marvel também foi notícia, quando a DC Comics respondeu a uma carta escrita por uma menina de 11 anos sobre como ela estava “chateada por que não 157

Texto original disponível em: http://goo.gl/DIULeW. Acesso em: 9 nov. 2015.

99 têm muitas super-heroínas na DC”. Rowan Hansen de Illinois escreveu: ”Eu amo seus quadrinhos, mas eu amaria eles muitos mais se tivesse mais meninas. Por favor faça algo sobre isso. Meninas leem quadrinhos também, e elas importam.” A carta foi retwitada milhares de vezes no Twitter. DC inicialmente respondeu, falando para Hensen: “Nós concordamos, nós realmente estamos trabalhando para criar mais super-heroínas para meninas.” Agora, a empresa criou um rascunho de uma super-heroína de 11 anos, voando sobre um campo de dentes-de-leão.

100 ANEXO L

Feminismo: nos quadrinhos, versão feminina de Thor dá surra em vilão machista A Marvel é conhecida por, entre outros motivos, ser uma editora inclusiva, que contempla minorias em sua histórias. Exemplos são Thor, o Deus do Trovão, ganhar uma versão feminina nos quadrinhos e, nos cinemas, a possibilidade de o Homem-Aranha ser negro e latino. Neste mês, a edição de Thor tem uma cena espetacular. A super-heroína enfrenta o Homem-Absorvente – cujo poder não é ser um absorvente, mas alterar sua estrutura molecular para imitar a de qualquer objeto –, que toma a infeliz atitude de fazer um comentário machista para Thor. E sobre ela mesma. O vilão diz: "Eu devo chamá-la de 'Thor'? As malditas feministas estão arruinando tudo!" E depois: "Você quer ser Thor? Eu vou te tratar como Thor". Veja: Na página abaixo, o Homem-Absorvente pergunta: "Que tipo de Thor você é?". A protagonista responde: "Do tipo que vai quebrar seu queixo!" Ela diz em pensamento: "Isso é por ter dito 'feministas' como se esta palavra fosse merda! E também... Você sabe... Por ter roubado!" Recado dado.

101 ANEXO M

HAVIA APENAS UMA OPÇÃO PARA A IDENTIDADE DA THOR MULHER158 Jason Aaron discute tudo sobre Thor O escritor Jason Aaron, junto com o artista Russell Dauterman, vem construindo por oito edições a revelação da identidade da Thor mulher, e semana passada aprendemos que é ninguém mais que Jane Foster, que foi interesse amoroso de Thor e, há muito tempo, personagem secundária. Para aqueles que precisam de uma recapitulação, lembre que Nick Fury sussurrou algo no ouvido de Thor ano passado durante Pecado Original, e o que for que ele tenha dito fez com que Thor seja indigno de empunhar seu martelo místico Mjolnir. Agora conhecido como Odinson, ele se locomove via uma biga sendo puxada por carneiros voadores, utiliza uma capa vermelha esfarrapada e usa o machado matador-de-deuses Jarnborn como arma. Seu martelo foi levantado por uma mulher misteriosa, que recebeu seus poderes e adotou o nome Thor. Não apenas Thor deu sua benção para ela utilizar o nome, mas o martelo escolheu ela para ser a nova Thor. Enquanto Odinson e o grande Universo da Marvel ainda não sabem quem ela é, na edição número 8, da semana passada, foi revelado para a audiência que o rosto atrás da máscara é de Jane. Ela está há muito de cama lutando contra um câncer de mama, então foi uma grande surpresa que ela é a nova Thor. Nós conversamos com Aaron pelo telefone sobre a quanto tempo ele vem planejando a grande revelação, as diferenças entre os dois Thors, o difícil assunto do câncer, o futuro de Thor, e sua série – que está para estrear – dentro do evento Guerras Secretas chamada Thors. IGN Comics: Como vem sendo trabalhar com o artista Russell Dauterman nessa nova série de Thor?

158

Texto original disponível em: http://goo.gl/DIULeW. Acesso em: 9 nov. 2015.

102 Jason Aaron: Sim, eu acho que o Russell foi uma das minhas partes favoritas de fazer este mais recente volume de Thor. Eu não conhecia muito de suas coisas antes disso, mas eu acho que ele realmente virou um superstar durante essas sete edições. Eu estou completamente apaixonado com o que ele fez no livro – ele e [o colorista] Matt Wilson juntos, eu acho, são um time incrível. IGN: A quanto tempo você vem planejando fazer a Thor mulher? Aaron: Bem, eu sabia que em algum ponto no volume anterior, em Deus do Trovão, que eu estava a caminho de fazer o Thor indigno. Eu brinquei bastante com a ideia de ser indigno e “o que é um Deus digno no Universo da Marvel?” – todo esse tipo de coisa. Eu sabia que eu queria que ele acordasse um dia e não fosse mais capaz de levantar seu martelo. Então, claro que isso abriu as portas para outra pessoa chegar e pegar ele. O único personagem que eu realmente considerei foi a Jane. Eu não lembro exatamente a qual ponto iria acontecer, mas eu acho que você pode ver, se você observar tudo o que ocorreu anteriormente, como algumas pistas e sinais apontam o caminho, no último volume do livro. IGN: Jane como Thor é bem diferente do que o Thor original – o martelo inclusive se comporta diferentemente com ela. Você pode descrever o relacionamento dela com Mjolnir e seu novo comportamento? Aaron: É, não é tão ultrajante comparado ao que a gente já viu antes, não é? Antes, o cara jogava e o martelo voava e voltava para ele. Parece que é um pouco diferente agora, mas parte disso é apenas o simples fato que, se nós vamos mudar Thor, os poderes dela precisam ser um pouco diferentes. Só pra deixar as coisas interessantes e excitantes. Nós queríamos que ela tivesse um relacionamento diferente com o martelo. Parte disso é o fato de é por isso que ela está aqui, né? É o que ela disse: o martelo a escolheu. Então, eu gosto de envolver o encantamento nele e os poderes do martelo. Até Odin não conseguiu levanta-lo, e Odin foi o que colocou os encantamentos no martelo. Ninguém conseguiu levantar ele, a não ser Jane.

103 Sobre o que está diferente com o martelo – tem algo de diferente? – é algo que será explicado nas próximas edições. Existem diferentes histórias sobre como o martelo nasceu, então talvez nós nunca descobrimos a história completa. Então, em algum momento eu gostaria de contar esta história. IGN: Interessante. Então, não é tão simples como ser construído por anões? Aaron: Bom, se você observa a história de publicações de Thor, existem algumas diferentes lendas sobre como o martelo surgiu – se foi feito por anões ou elfos, se foi Odin que o construiu, se Odin empunhou ele mesmo ou se ele fez apenar para Thor? Assim como com muitas coisas, quando você está falando sobre mitologia nórdica, existem lendas conflitantes. Então talvez em algum ponto nós vamos contar a história real. IGN: É divertido ver como Jane trata o martelo – ela até o beija. Nunca se viu o Thor original fazer isso. Aaron: É, mas nós vemos o outro cara falar com o martelo as vezes. Teve uma grande cena – eu esqueci em qual edição – no meu terceiro arco onde nós vemos Thor tendo uma conversa bem longa com o seu martelo. Eu sempre gostei disso, para ele, o martelo era mais que um pedaço de metal. Para ela, parece ser do mesmo jeito. É tipo seu - não seu companheiro - mas meio que seu guia nessa nova jornada de Jane. Você pode perceber que ela está sendo meio que aconselhada pelo martelo. IGN: Quando a identidade de Jane é finalmente revelada, ela diz que ser Thor está matando-a. Você poderia nos explicar o que isso quer dizer? Aaron: Bom, eu não quero dizer muito além do que isso. Nós vimos em cenas anteriores que Jane vem lidando com câncer de mama. A ultima vez que nós vimos ela, ach que na 6a edição, nós queríamos que a condição dela parecesse pior, nas ultimas semanas. No por que disso, de novo, vai ser um grande tema, de onde ela vai a partir daqui, uma grande parte de sua história.

104 Esta sempre foi a história que eu quis contar, a história que eu queria chegar. A razão pela qual eu quis fazer isso tudo era contar essa história com Jane – não apenas para brincar com o mistério de quem é Thor ou lidar com a surpresa de trocar de Thor e ter outra pessoa empunhando seu martelo. Foi tudo por essa história em particular. IGN: Obviamente, o tópico de câncer de mama significa muito para muitas pessoas. Qual foi o motivo de sua decisão de contar uma história sobre um personagem com câncer? Aaron: Bom, foi uma posição que eu meio que impus a ela, por que eu gostei da ideia de mostrar Jane não apenas como alguém morrendo de câncer e não usar o câncer como uma desculpa para apenas escrever sua saída do livro, mas para mostrar ela como uma mulher lidando com isso, o que é algo que provavelmente todo mundo que está lendo a história conhece alguém que passou pela mesma coisa. Então, quando eu tibe a ideia de fazer ela Thor, tudo meio que se desenvolveu naturalmente a partir dali. A ideia de mostrar uma mulher lutando contra câncer de mama que também empunha um martelo magico e luta contra o crime é algo que, eu achei, é interessante e não é algo que nós vimos antes na Marvel. De novo, isso será grande parte de onde ela vai chegar a partir de então. IGN: Você estabelecei essa nova Thor nas histórias em quadrinho, mas ainda existem aqueles que contrariam isso. O que você diz para essas pessoas que não gostam que Thor é uma mulher ou acham que ela não deveria se chamar Thor por que isso é o nome do outro personagem e não o dela? Aaron: Eu não sei. Acho que já superei todos esses argumentos ha muito tempo [risos]. Eu tinha diferentes respostas para isso, tanto na coluna de cartas quanto no próprio livro. Então, eu não sei. Eu não tenho muito a dizer para essas pessoas que insistem nos mesmos pontos. EU acho que nós já passamos disso e a história continuou. Para mim, as pessoas reclamando sobre o fato que Thor é uma mulher ou falando sobre a nova “Lady Thor” como se fosse um tipo de conspiração feminista, como se

105 eu fosse o porta-voz de alguma organização secreta feminista, isso me faz rir todos os dias, ouvindo essas pessoas online. É ótimo ter esse tipo de conversa, chamando atenção para o aumento do papel da mulher nas histórias em quadrinho e como criadoras. Todas essas são conversas ótimas para se ter. Se Thor ajuda a iniciar elas, ótimo, mas eu só estou tentando contar esta história deste personagem em particular. Ainda bem, muitos leitores responderam a isso, seja aqueles que já liam Thor há algum tempo ou, todo mês quando eu fazia a coluna das cartas/leitores, eu ouvia de várias pessoas que nunca tinham lido o livro até então. Muitos desses acabam sendo mulheres e meninas, o que é ótimo. Mas eu não estou tentando fazer uma declaração para o feminismo nas histórias em quadrinho. Claramente, eu me diverti com a 5a edição, eu acho, quando Thor encarou o Homem Absorvente, que falou o mesmo tipo de coisa para ela que as pessoas falavam para mim online.

Então, eu me diverti cutucando eles, mas esta não é a minha

“dissertação” em prol do feminismo nos quadrinhos. Isto sou eu contando a história de Thor e a história tem, coincidentemente, uma mulher como principal. Isso não muda a natureza do que é o livro ou qual a história. Ainda é sobre Thor. IGN: Sobre o Thor homem – “Odinson”, vamos chamar assim para evitar confusão – nós vimos um grande avanço para ele fora de sua série, nas páginas do Avengers de Jonathan Hickman. Nós vimos ele virar digno e aparentemente morrer. Estes são dois grandes avanços para seu personagem principal, você teve alguma contribuição no que ocorreu? Aaron: [Risos] Bom, o que Jonathan vem construindo visando Secret Wars, em algum ponto alguns meses atrás, pulou oito meses. Então, ele está oito meses a frente de tudo o que está acontecendo no Universo da Marvel – o que foi uma boa ideia pois deu a ele a chance de pegar todos os personagens e coloca-los em diferentes posições e construir em direção a história que ele está contando em Secret Wars, o que – é claro – é uma história enorme. Se você ler a primeira edição, todo mundo está morrendo, né? Então, Jonathan é um escritor incrível e um cara que eu tenho grande respeito. Eu estive na mesma

106 sala para todas essas conversas sobre Secret Wars, eu não tenho nenhum problema com isso. De novo, não é como se todos os Thors se foram. Como você pode ver em Secret Wars #2 e em todos os livros do Thors que eu estou fazendo, tem mais Thors em Secret Wars que nós jamais vimos. Então eu ainda tenho muitos Thors para escrever sobre. IGN: Bom, parece que você está construindo a revelação do motivo que Odinson é indigno no seu livro solo de Thor, mas para ele virar digno em uma série diferente meio que estraga isso, não? Quando nós vermos Odinson novamente, será ele ainda dígno? Aaron: Acho que você vai ter que esperar para ver. Uma coisa para manter em mente é que tudo o que nós vimos ser construído em Secret Wars, todos aqueles personagens morreram. Tudo explodiu. Então eu acho que, por definição, nós estamos em um território desconhecido agora. IGN: Agora que já lemos Secret Wars #2, a série Thors que você anunciou há algum tempo faz mais sentido. Nós veremos a Thor feminina do universo 616 ou Odinson em sua história? Aaron: Sim, você vai ser praticamente todo mundo. Quase todos os Thor que eu consegui imaginar estarão lá uma hora ou outra. O personagem principal na maior parte do tempo é a versão Ultimate do Thor, aquele do Universo Ultimate. Mas sim, eu acho que você pode perceber pelas capas que nós vamos ver vários Thor diferentes. IGN: Você ainda vai escrever Thor após o fim de Secret Wars? Você planejou por quanto tempo mais vai escrever Thor? Aaron: Nós vamos ter que esperar e ver o que vai existir após Secret Wars. Mas eu já falei que eu amo escrever Thor, e eu não planejo ir a lugar algum. Isto deveria ser óbvio pelas coisas que eu venho fazendo, até mesmo pela oitava edição. Ela revela

107 o mistério de quem está embaixo da máscara, mas até no fim daquela edição eu ainda estou plantando o que irá vir a acontecer. Então, sim, eu ainda planejo ficar envolvido com esse personagem por muito tempo. IGN: Ultima pergunta, o que você falaria para os fãs que estão lendo Thor sobre o que vai acontecer? Aaron: Bom, o que eu posso falar sobre o que vem a seguir? Agora é Secret Wars e eu estou fazendo Thors, o que é uma história sobre Thor bem diferente mas não é um desvio completo do que eu venho fazendo. Então, eu posso falar que esta história vai ter um grande impacto no papel de Thor no Universo da Marvel no futuro.

108 ANEXO N

Universo Marvel: 'novo Thor' é uma mulher, tem câncer e está careca?

Os fãs provavelmente já sabem, mas muitos que não acompanham de perto os lançamentos da Marvel no universo dos quadrinhos nem imaginam. No novo arco narrativo batizado de "Guerras Secretas" ("Secret Wars", no inglês), Thor Odinson, o Deus do Trovão, é substituído por uma mulher. Até o começo de maio, a identidade desse "novo Thor" ainda era um mistério, mas a oitava edição da série esclareceu a questão. Aquele que agora empunha o martelo Mjölnir e é considerado o Deus do Trovão é ninguém menos que a parceira do antigo Thor, tanto nos quadrinhos como nos cinemas: a doutora Jane Foster. Interpretada por Natalie Portman nas telonas, ela recebeu os poderes de seu amado e foi a escolhida para ser a super-heroína na nova saga da Marvel.

Por que a Jane Foster? Na época da revelação, Jason Aaron – responsável por escrever o novo arco narrativo – explicou o motivo de ter escolhido a doutora para ser a Deusa do Trovão: “Jane Foster tem sido uma parte importante das histórias em quadrinhos e da mitologia de Thor desde o começo, praticamente. O fato de ela pegar o martelo, de ser Thor, está matando-a. A história começa agora, de onde vamos a partir daqui”, disse ao The New York Times. Aaron também introduz uma questão muito importante que envolve a vida da personagem. No atual momento da série, Jane está lutando contra um câncer de mama e, quando deixa o poderoso martelo de lado, volta a sua forma mortal e sofre com a doença. Esse é o motivo pelo qual o "novo Thor" está careca.

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Mas logo uma mulher? Sim, uma mulher! A presença de super-heroínas no universo Marvel é uma questão que tem ganhado destaque nos últimos tempos – assim como a falta de personagens femininos nesse meio. A própria interpretação que o estúdio deu para a Viúva Negra – Scarlett Johansson – nos cinemas com o seu envolvimento com o Hulk (Mark Ruffalo) em “Os Vingadores: Era de Ultron” é a prova disso. Atores do elenco, como Robert Downey Jr. e o próprio Ruffalo, demonstraram apoio a essa "mudança". Aaron também mostrou não estar desconfortável com essa proposta: “A maior parte dos novo leitores parece ser mulheres e garotas, o que é ótimo. Estamos vendo cada vez mais quadrinhos com apelo para essa audiência”, afirma. E você, o que achou dessa revelação? Já sabia da identidade no "novo Thor"? E o que você pensa sobre a proposta de dar maior destaque para os personagens femininos nas histórias? Vale lembrar que, das 45 capas vazadas sobre o futuro da Marvel, muitas delas apresentavam super-heroínas nos quadrinhos.

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