Surdez unilateral e reserva de vagas em concurso público

September 26, 2017 | Autor: Ricardo Perlingeiro | Categoria: Concursos Públicos
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Nº CNJ RELATOR APELANTE ADVOGADO APELADO ADVOGADO ORIGEM

: 0014571-21.2011.4.02.5101 : DESEMBARGADOR FEDERAL RICARDO PERLINGEIRO : ANDRE RODRIGO PEREIRA DA SILVA : PEDRO HENRIQUE RODRIGUES DA COSTA E OUTRO : CASA DA MOEDA DO BRASIL - CMB : LUCIANA PEREIRA DIOGO E OUTROS : DÉCIMA OITAVA VARA FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (201151010145717) RE L AT ÓRIO

Cuida-sede, na origem, de Ação Ordinária ajuizada por ANDRE RODRIGO PEREIRA DA SILVA em face da CASA DA MOEDA DO BRASIL. No caso, o Demandante concorreu às vagas destinadas aos portadores de deficiência para o cargo de auxiliar de produção, tendo sido aprovado na prova objetiva. Após ser submetido à perícia médica, verificou-se que possuía surdez unilateral (anacusia em ouvido direito), mas não foi considerado deficiente por não se enquadrar no Decreto 3.298, art. 4º, alínea II, que exige a surdez bilateral para caracterização da deficiência (fl. 106). Então, o Demandante ajuizou a presente Ação Ordinária objetivando, em sede liminar, a reserva de vaga no processo seletivo para posterior admissão, e a declaração de anulação do ato administrativo que o eliminou do certame. Postulou, ainda, a condenação da Casa da Moeda ao pagamento de indenização por danos morais (fls. 2/10). A tutela antecipada foi indeferida às fls. 22/33 e a sentença julgou improcedentes os pedidos formulados, acolhendo o laudo pericial que considerou não estarem preenchidos os critérios legais para enquadramento na legislação que ampara os portadores de deficiência (fls. 155/158). Em suas razões de Apelação, o Demandante alega, em síntese, que: a) o requisito da bilateralidade tem sido rechaçado pela doutrina e pela jurisprudência para configuração de deficiência auditiva em concursos públicos; b) não é razoável equiparar uma pessoa com perda de mais de 50% da audição a um concorrente que possua 100% da capacidade auditiva; c) a conduta administrativa gerou enorme frustração que merece ser amparada a título de danos morais; d) caso não haja reforma da sentença,

requer a exclusão da condenação em honorários advocatícios por ser beneficiário de gratuidade de justiça (fls. 161/170). A Apelação foi recebida no duplo efeito e as contrarrazões foram apresentadas às fls. 186/205. Parecer do Ministério Público Federal opinando pelo parcial provimento do recurso, reconhecendo a surdez unilateral como deficiência auditiva, mas afastando a condenação por danos morais (fls. 6/7v). É o relatório. Peço dia para julgamento. RICARDO PERLINGEIRO Desembargador Federal VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL RICARDO PERLINGEIRO: (RELATOR) Consoante relatado, cuida-se de Apelação interposta por ANDRE RODRIGO PEREIRA DA SILVA em face de sentença que julgou improcedentes os pedidos de anulação de ato de exclusão de concurso público e de indenização por danos morais (fls. 65/79). Inicialmente, o Decreto n. 3.298/99, que regulamenta a Lei 7.853/1989, não possuía restrições quanto à surdez unilateral ou bilateral, fixando apenas os limites de variação sonora. Eis a redação original do dispositivo: Art. 4º É considerada pessoa portadora de deficiência a que se enquadra nas seguintes categorias: [...] II - deficiência auditiva – perda parcial ou total das possibilidades auditivas sonoras, variando de graus e níveis na forma seguinte: a) de 25 a 40 decibéis (db) – surdez leve; b) de 41 a 55 db – surdez moderada; c) de 56 a 70 db – surdez acentuada; d) de 71 a 90 db – surdez severa; e) acima de 91 db – surdez profunda; e f) anacusia;

Posteriormente, a norma teve sua redação alterada pelo Decreto n. 5.296/2004, restringindo o conceito de deficiente ao portador de surdez bilateral, nos seguintes termos: Art. 4º É considerada pessoa portadora de deficiência a que se enquadra nas seguintes categorias: [...] II - deficiência auditiva - perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500HZ, 1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz; A propósito, o STJ reformulou seu entendimento para se restringir aos termos do Decreto n. 3.298/99 e excluir os surdos de apenas um ouvido da concorrência às vagas destinadas a deficientes, conforme se verifica no seguinte julgado: ADMI NI S T RAT I VO. P ROCE S S UAL CI VI L . CONCURSO PÚBL I CO. CONCE I T O DE DEFICIENTE AUDITIVO. DECRETO 3.298/99 AL T E RADO P E L O DE CRE T O 5 . 2 9 6 / 2 0 0 4 . AP L I CAÇÃO AO E DI T AL COM AMP ARO NORMATIVO. JURIDICIDADE. PRECEDENTE DO STF. DIVERGÊNCIA FÁTICA QUE DEMANDARIA DI L AÇÃO P ROBAT ÓRI A. P RE CE DE NT E S . AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. 1. Cuida-se de writ of mandamus impetrado contra o Ministro Presidente do Superior Tribunal de Justiça e o Diretor Geral do Centro de Promoção de Eventos da Universidade de Brasília (CESPE - UnB), no qual candidata em concurso público, portadora de surdez unilateral, alega que deveria ser enquadrada na qualidade de deficiente físico, por interpretação sistemática dos arts. 3º e 4º do Decreto n. 3.298/99 em cotejo com a Constituição Federal e convenções internacionais. 2. O Decreto n. 5.296/2004 alterou a redação do art. 4º, II, do Decreto n. 3.298/99 e excluiu da qualificação "deficiência auditiva" os portadores de surdez unilateral; a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal frisou a validade da referida alteração normativa. Precedente: AgRg no MS 29.910, Relator Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, Processo Eletrônico, divulgado no DJe 146 em 29.7.2011 e

publicado em 1º.8.2011. 3. A junta médica tão somente emitiu laudo técnico em sintonia com as previsões do Edital 1 - STJ, de 8.2.2012, cujo teor meramente remete ao Decreto n. 3.298/99 e suas alterações, que foi o parâmetro do ato reputado coator, em verdade praticado sob o pálio da juridicidade estrita. 4. Para apreciar qualquer argumento no sentido de que haveria alguma incapacidade diversa da impetrante em prol de a alocar na qualidade de deficiente auditiva seria imperioso realizar contraditório e dilação probatória, providências vedadas em sede de rito mandamental. Precedente específico: AgRg na AO 1622/BA, Relator Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em 21.6.2011, publicado no DJe - 125 em 1º.7.2011 e no Ement. vol. 2555-01, p. 1. No mesmo sentido: AgRg no RMS 33.928/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 27.10.2011. Segurança denegada. (STJ, Corte Especial, MS 18966, Rel. Min. CASTRO ME IRA, Rel. p/ Acórdão Min. HUMBE RT O MARTINS, DJe 20.3.2014). Reconhecendo-se a correção do ato que excluiu o Demandante do certame, não há que se falar em dano moral a ser indenizado. Por fim, o Demandante requer a isenção da condenação em honorários advocatícios por ser beneficiário de justiça gratuita. A esse respeito, a Lei nº 1.060/1950 dispõe que "a parte beneficiada pela isenção do pagamento das custas ficará obrigada a pagá-las, desde que possa fazê-lo, sem prejuízo do sustento próprio ou da família, se dentro de cinco anos, a contar da sentença final, o assistido não puder satisfazer tal pagamento, a obrigação ficará prescrita". Assim, em princípio, aquele que litiga com gratuidade de justiça pode ser condenado ao pagamento das despesas processuais, mas sua obrigação será extinta se não tiver condições de pagar a quantia após cinco anos. Dessa forma, não merece ser acolhido o pedido de isenção de honorários, sendo correta a condenação ao pagamento de honorários imposta na sentença. No entanto, saliente-se que a execução dos valores fica suspensa pelo prazo de 5 anos, ao fim do qual será extinta, caso o Demandante ainda não tenha condições de adimplir a obrigação sem prejuízo de seu sustento ou de sua família. Nesse sentido, confira-se: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL.

IMÓVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE (POSSESSÓRIA). PAR. INADIMPLÊNCIA. ESBULHO POSSESSÓRIO. CUMULAÇÃO DE PEDIDOS. PERDAS E DANOS. [...] 5. Se a parte goza do benefício da justiça gratuita é beneficiada com a isenção. Porém a lei prevê a possibilidade de pagamento desses valores, se no prazo de 05 (cinco) anos a beneficiada tiver a condição financeira modificada, podendo satisfazer o pagamento, sem prejuízodo sustento próprio ou da famíia, ex vi do art. 12, da Lei nº 1.060/50. (T RF2, 6ª T urma E specializada, AC 200751010222848, Rel. Juíza Fed. Conv. CARMEN SILVIA LIMA DE ARRUDA, E-DJF2R 8.8.2014) EMBARGOS À EXECUÇÃO. EXCESSO. SENTENÇA EXEQUENDA CITRA PETITA TRANSITADA EM JULGADO. ANULAÇÃO DO ATO QUE SUSPENDEU O PAGAMENTO DE VANTAGEM PECUNIÁRIA. OMISSÃO QUANTO AO PEDIDO DE RECEBIMENTO DOS VALORES ATRASADOS ATÉ O SEU RESTABELECIMENTO. GRATUIDADE DA JUSTIÇA DEFERIDA NOS AUTOS PRINCIPAIS. CONDENAÇÃO DO EMBARGADO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. POSSIBILIDADE. LEI 1.060/50. DEDUÇÃO DOS HONORÁRIOS DO VALOR DA EXECUÇÃO. [...] 8. A gratuidade de justiça deferida não impede a condenação da parte vencida ao ônus da sucumbência, mas apenas a suspensão do pagamento enquanto persistir o estado de carência econômico-financeira verificado no momento do deferimento, nos termos da Lei nº 1.060/50. Na hipótese dos autos, a suspensão não se mostra necessária, uma vez que a verba honorária poderá ser descontada do valor principal devido à parte exequente, sem prejuízo do seu próprio sustento ou de sua família.

[...] (T RF2, 7ª T urma E specializada, AC 201350010063902, Rel. Des. Fed. JOSÉ ANTONIO NEIVA, E-DJF2R 7.7.2014) Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO À APELAÇÃO. É como voto. RICARDO PERLINGEIRO Desembargador Federal EMENTA AP E L AÇÃO CÍ VE L . CONCURS O P ÚBL I CO. S URDE Z UNILATERAL. RESERVA DE VAGAS PARA DEFICIENTES. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. GRAT UI DADE DE JUS T I ÇA. 1. A per da auditiva unilater al ( Decr eto n. 3. 298/99, ar t. 4º, I I ) não car act er i za def i ci ênci a par a f i ns de r eser va de vagas em concur so públ i co. P r ecedent e: S T J, Cor t e E speci al , MS 18966, Rel . Mi n. CAS T RO ME I RA, Rel . p/ Acór dão Mi n. HUMBE RT O MART I NS , DJe 20. 3. 2014. 2. É possí vel condenar o venci do benef i ci ár i o de j ust i ça gratuita ao pagamento de custas e honorários advocat í ci os. No ent ant o, a execução dos val or es f i ca suspensa pel o pr azo de 5 anos, ao f i m do qual ser á ext i nt a, caso a par t e ai nda não t enha condi ções de adi m pl i r a obr i gação sem pr ej uí zo de seu sust ent o ou de sua f am í l i a. P r ecedent es: T RF 2, 6ª T ur m a E speci al i zada, AC 200751010222848, Rel . Juí za F ed. Conv. CARME N S I L VI A L I MA DE ARRUDA, E - DJF 2R 8. 8. 2014; T RF 2, 7ª T ur m a E speci al i zada, AC 201350010063902, Rel . Des. F ed. JOS É ANT ONI O NE I VA, E - DJF 2R 7. 7. 2014. 3. Apelação não pr ovida. ACÓRDÃO

Vi st os, r el at ados e di scut i dos est es aut os, em que são par t es as aci m a i ndi cadas, deci de a Qui nt a T ur m a E speci al i zada do T r i bunal Regi onal F eder al da 2ª Região, por unanimidade, negar pr ovimento à Apelação, na f or m a do r el at ór i o e do vot o, const ant es dos aut os, que f i cam f azendo par t e do pr esent e j ul gado. Ri o de Janei r o, 9 de set em br o de 2014 ( dat a do julgamento) . RI CARDO P E RL I NGE I RO Desem bar gador F eder al

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