Tácito. In: Parada, Maurício (org.) Os Historiadores: Clássicos da História. Rio de Janeiro: PUC-Rio/Vozes, 2012, v. 1, p. 88-106.

June 30, 2017 | Autor: J. Bastos Marques | Categoria: Historiografia, Historiografia antiga, Latim
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MARQUES, Juliana Bastos. Públio (Gaio) Cornélio Tácito. In: Parada, Maurício. (Org.). Os Historiadores: Clássicos da História. Rio de Janeiro: PUC-Rio/Vozes, 2012, v. 1, p. 88-106.

TÁCITO Juliana Bastos Marques1 1.

O historiador e o seu tempo

Tácito foi o maior historiador do mundo romano. A afirmação é consenso entre a maioria dos estudiosos em História, Filologia e Política que tenham lido suas obras. É também talvez o autor latino de linguagem mais complexa e sofisticada, o que demanda do leitor do texto original um conhecimento profundo de latim e do tradutor a missão quase impossível de reproduzir um imenso espectro de sutilezas, ironias e análises altamente perspicazes da realidade humana. Os temas da obra de Tácito se revelaram universais e transcenderam seu tempo: a liberdade de expressão e a tirania que a oprime. Se por tantos séculos a História teve como principal objetivo fornecer exemplos de vida a imitar e a evitar, como anunciado desde Heródoto, o objetivo de Tácito é apresentado de maneira categórica: como se portar e manter a virtude sob o governo dos tiranos? Este foi um dilema que o próprio historiador vivenciou com o imperador Domiciano e que transparece nas ações de dezenas de seus personagens, sejam eles senadores proeminentes ou reles escravas torturadas pelos crimes de seus senhores. As questões levantadas por sua obra responderam de uma forma ou de outra aos dilemas dos diversos momentos políticos dos autores que o tiveram como influência, desde o Renascimento até os dias de hoje, e é por isso que a pertinência da obra de Tácito continua tão viva agora como o foi em seus próprios dias2. Em uma de suas cartas, Plínio, o Jovem escreveu para seu amigo e colega de senado dizendo “suas histórias serão imortais” (Epístolas, 7, 33). Porém, por motivos que não conhecemos, as obras de Tácito quase caíram no esquecimento após o século II d. C. Quase nenhum historiador romano posterior o menciona diretamente3, e autores cristãos e judeus dos séculos seguintes o condenam pela sua postura hostil a esses grupos; Tertuliano chega a acusá-lo de ser “o mais eloquente dos mentirosos”

(Apologia, 16). Outra evidência de que sua leitura tenha caído no esquecimento está na biografia do imperador Tácito (275-276), parte do conjunto de breves biografias de imperadores da História Augusta: um dos primeiros decretos do novo imperador, que se apresentava como descendente do historiador, foi ordenar a confecção de novas cópias para que “sua obra não se perdesse por causa da negligência dos leitores” (SHA, 10.3). Durante o período medieval, praticamente não se tem notícia da leitura de Tácito, até surgir no século IX, vindo do mosteiro de Hersfeld, o primeiro dos manuscritos que chegaram até nós – uma parte do Agrícola. Chega a ser irônico que obras de tamanho impacto para o pensamento ocidental como as Histórias e os Anais tenham vindo de apenas dois manuscritos: no próprio séc. IX surge o manuscrito dos livros I a VI dos Anais em Fulda, na Alemanha, conhecido como Codex Mediceus I, e na segunda metade do século XI aparece o Codex Mediceus II no mosteiro beneditino de Monte Cassino, na Itália, contendo o resto dos Anais e os livros I a V das Histórias. Dada essa situação, o estado dos textos de Tácito é emblemático da dificuldade de leitura e interpretação do que sobreviveu do mundo antigo: sem outros manuscritos para comparação, os compiladores dos manuscritos se viram sem referências para trechos confusos ou destruídos do texto – e muitas das dúvidas de interpretação nos estudos taciteanos se devem a essas dificuldades até agora insolúveis. Não se sabe exatamente as datas de nascimento e morte de Tácito, e as conjecturas a respeito de sua carreira são baseadas em alguns poucos indícios em seu texto e outras esparsas ocorrências. Plínio, o Velho cita na sua História Natural um certo Cornélio Tácito, da ordem equestre, que atuava como procurador na Gália Bélgica; como o nome é incomum, acredita-se que seja provavelmente o pai do historiador. Essa evidência, combinada com o tom moralizante típico dos “homens novos” das províncias que vemos no texto de Tácito, aponta que seu local de nascimento deve ter sido fora da cidade de Roma, muito provavelmente na Gália Narbonense ou Cisalpina. Essas regiões, entre o norte da Itália e o sul da França, já eram de colonização romana antiga e consolidada na época de Tácito, e os autores provenientes dessas províncias – ou mesmo do norte da Itália, como no caso de Plínio, o Jovem – apresentam a ideia em comum de que a valorização dos costumes romanos antigos se mantinha mais preservada entre eles do que entre a dissoluta aristocracia oriunda da capital4. Tácito afirma (Anais, XI, 11) que em 88, durante o principado de Domiciano, foi responsável pela organização dos Jogos Seculares enquanto pretor e quindecênviro, este

um cargo religioso que configurava alta honraria na carreira pública. A partir disso, baseando-se no típico cursus honorum de um senador romano, ou seja, a sequência padrão de cargos públicos que um senador poderia ocupar em sua vida, é possível inferir que ele tenha nascido entre 55 e 57, portanto sob os primeiros anos do principado de Nero. O próprio Tácito reconhece que sua ascensão se deveu às promoções recebidas pelos Flávios: Domiciano provavelmente foi o responsável pela sua nomeação como cônsul suffectus5, cargo que foi ocupado logo após o assassinato do imperador e a ascensão de Nerva, em 97. Tal confissão do historiador revela o dilema que perpassa toda a sua obra, refletindo os acontecimentos de sua própria vida nos dilemas de seus personagens. Ao creditar aos Flávios seu sucesso na vida pública, Tácito se vê na necessidade de professar explicitamente por que deverá ser isento: “de fato, admito que minha carreira (dignitas) começou sob Vespasiano, cresceu com Tito e com Domiciano se desenvolveu mais ainda. Mas todo aquele que professa fidelidade incorrupta deve falar sem amor nem ódio” (Histórias I, 1). Ou seja, o historiador não pode se mostrar ingrato ou injusto ao criticar os imperadores que o favoreceram, mas ao mesmo tempo deve também dizer a verdade. A questão se coloca sobre qual seria a melhor maneira de se comportar sob os tiranos: com servidão e covardia, ou com rebeldia e impropriedade? Sobreviver a uma tirania demonstra virtude e mérito ou revela a inevitável, mas indigna subordinação dos sobreviventes? Sabemos mais alguns poucos detalhes sobre a carreira de Tácito através de outras fontes. Uma carta de Plínio, o Jovem revela que o historiador conquistou renome em Roma pelas suas habilidades oratórias no funeral de Vergínio Rufo enquanto era cônsul (Epístolas, II, 1) e outra trata do caso contra Mário Prisco, procônsul da Ásia, em que Tácito atuou junto com Plínio. Uma inscrição com data posterior (112 ou 113) revela que o próprio Tácito também se tornou procônsul da Ásia, um dos cargos mais prestigiosos do fim da carreira senatorial. É possível que tenha vivido até os primeiros anos do principado de Adriano, mas tal interpretação é baseada apenas em conjecturas indiretas nos últimos livros dos Anais. Esses detalhes da carreira de Tácito nos ajudam a compreender muitas das nuances de seu texto e sua opinião perante a situação política do principado. Tácito começou a escrever e publicar suas obras apenas após a morte de Domiciano, afirmando que só com Nerva e Trajano se teria finalmente a “rara felicidade de uma época na qual podemos pensar o que queremos e dizer o que pensamos” (Histórias I, 1). Segundo afirma no prefácio de sua primeira obra, a biografia de Júlio Agrícola, “o imperador

Nerva reuniu duas coisas antes incompatíveis, o principado e a liberdade” (3, 1) otimismo tal que fez Tácito prometer que escreveria em seguida sobre esses “bons” imperadores. No entanto, ele nunca cumpriu sua promessa: preferiu escrever sobre a dinastia Flávia e a guerra civil que a precedeu (Histórias) e depois retrocedeu mais uma vez no tempo para explicar as raízes do principado através do período dos imperadores Júlio-Cláudios (Anais). Os estudos taciteanos têm mantido a pergunta: teria Tácito se desiludido com Nerva, Trajano (e talvez Adriano), percebendo que a liberdade de expressão dos senadores propagandeada até por esses “bons” imperadores seria mais retórica do que real? Teria sido então para ele impossível escrever sobre seu próprio tempo, pois o modelo da autocracia do principado inviabilizaria a crítica contemporânea? Em última instância, seria de fato possível um “bom imperador”, dado que o principado por si só já pressupõe a tirania? As obras menores de Tácito, publicadas antes de suas obras históricas e entre 98 e provavelmente 102, oferecem os primeiros indícios dessas questões. Sua primeira obra, publicada logo após o assassinato de Domiciano e a ascensão de Nerva, é o Agrícola, misto de biografia, elogia laudatória, história e até mesmo etnografia. O propósito da obra é narrar a vida virtuosa de Cneu Júlio Agrícola, seu sogro, cujo ápice da carreira foram as conquistas militares obtidas enquanto governador na Britânia. Boa parte do texto vai além dos elementos biográficos, narrando os acontecimentos da província, exercendo as tradicionais regras da retórica latina através de pares de discursos e caracterizando também os povos da região, sendo que neste último sentido a obra é uma referência crucial para os estudos sobre a Grã-Bretanha na Antiguidade. Agrícola conseguiu apaziguar as revoltas das tribos locais e conquistou toda a ilha, subjugando os belicosos povos da Caledônia (Escócia). No entanto, segundo Tácito, as conquistas militares e a administração exemplar do sogro teriam talvez trazido inveja a Domiciano e o temor de que homens mais virtuosos se sobressaíssem, ainda mais considerando-se a atuação pífia do imperador como general na Dácia. Essa sutil dúvida sobre a motivação de Domiciano é a crucial para a complexidade da retórica taciteana: o que é declarado com certeza é que, sendo por isso ou por razões mais neutras, Agrícola foi chamado de volta a Roma pelo imperador e forçado a se afastar da carreira pública. No entanto, a questão final é clara: “Saibam aqueles cujo costume é admirar o ilícito que podem existir grandes homens até mesmo sob maus imperadores, e que a obediência e a modéstia, se conjugadas ao engenho e ao vigor, podem chegar ao mesmo nível de reconhecimento que muitos conquistaram por caminhos perigosos, pois

que se tornaram famosos por uma morte ostentosa que nada acrescentou ao Estado.” (Agrícola, 42) No mesmo ano de 98, mas já após a morte de Nerva e a ascensão de Trajano, é também publicado o Germânia, um tratado etnográfico sobre a região dividido em duas partes: a primeira trata dos costumes dos povos germânicos, comparados com os dos romanos, e a segunda é uma descrição geográfica dos diferentes povos da região. A princípio, Tácito parece ter como principal objetivo conclamar indiretamente os romanos a uma volta aos costumes virtuosos do passado, pois caracteriza os germanos como puros, incorruptos e livres do comportamento dissoluto e degenerado de Roma, quase como figuras idealizadas, “bons bárbaros”. Porém, como tudo o que Tácito escreve mostra sutilezas dos dois lados do argumento, nem sempre seus germanos são tão puros, pois revelam a barbárie em muitos de seus costumes. Como todo tratado etnográfico da Antiguidade, o texto segue a regra de apresentar as características geográficas das regiões, seguidas da descrição das instituições e dos costumes da vida cotidiana, como o casamento. Por isso, juntamente com o valor descritivo da segunda parte da obra, o Germânia tem sido uma obra altamente importante na Alemanha, não só pelo estudo das tribos do passado com também até mesmo para os discursos sobre pureza e superioridade da raça nos séculos XIX e XX6; até hoje o Germânia é utilizado como texto padrão para o aprendizado do latim nas escolas alemãs. O outro principal ponto que os estudos taciteanos ressaltam sobre a obra é a reflexão no parágrafo 33 sobre a força e a fraqueza dos germanos, quase prevendo que esse será o fator crucial do ocaso do Império Romano: “Oxalá permaneça e endureça entre os povos se não o amor por nós, pelo menos o ódio entre si, pois, enquanto urge o destino do império, a fortuna não pode nos fornecer nada melhor do que a discórdia entre nossos inimigos.” Seria essa uma ilustração do pessimismo de Tácito quanto ao futuro? O que ele quis dizer exatamente com “urge o destino do império” (“urgentibus imperii fatis”)? O contexto da publicação pode sugerir o contrário: o novo imperador era um general vitorioso contra os bárbaros e o governo parecia prenunciar uma retomada dos virtuosos costumes ancestrais, tal como Tácito afirma no Agrícola. Nesse sentido, o Germânia funcionaria como um panfleto político para a expansão do império, que seria posta em prática por Trajano nos anos seguintes. De fato, como tantas outras questões em Tácito, esta ainda segue inconclusiva. Passados alguns anos, Tácito publica uma obra de formato muito diferente, o Diálogo dos Oradores. Não sabemos a data precisa da publicação, que parece ter sido

em alguma data entre 102 e 107, e por muito tempo o próprio estilo do texto fez com que os estudiosos acreditassem que não se tratava uma obra escrita por ele7. O texto é um diálogo escrito no estilo ciceroneano, com sintaxe e vocabulário muito distintos das formas típicas taciteanas, e reconstitui uma discussão que Tácito afirma ter testemunhado em sua juventude entre quatro personagens, todos reais, a respeito da decadência da oratória depois do fim da República. A posição do próprio autor sobre o tema não está explícita, mas geralmente se assume que o argumento de Curiácio Materno seja correspondente ao seu próprio: a oratória havia atingido seu ápice durante as guerras civis da República porque a habilidade de convencimento das multidões era crucial para defender as ideias das diferentes correntes políticas, mas com a calmaria do principado, em que todas as decisões eram tomadas pelo imperador, não haveria mais sentido ou necessidade para grandes oradores. No entanto, esse argumento está em contradição com toda a carreira do próprio Tácito, que, como vimos, teve como maior marco de distinção exatamente sua habilidade oratória. O que torna o Diálogo dos Oradores um texto tão complexo é exatamente que a resposta de Materno para o problema da oratória não é a palavra final, e os argumentos contrários apontados pelos outros personagens também aparecem como explicações plausíveis. Sendo assim, resta a Tácito buscar as raízes do presente não mais em questões pontuais, mas sim na análise dos desenvolvimentos políticos do passado e na escrita da história propriamente dita. 2. Percursos As Histórias e os Anais passaram para a posteridade como duas partes de uma obra única: São Jerônimo afirma que a obra de Tácito perfazia 30 livros. Os títulos que usamos não são os originais - dos quais não se tem registro - e começaram a ser usados durante o Renascimento a partir das descrições que constavam nos inícios dos manuscritos medievais. A divisão tradicional entre as duas obras admite catorze livros para as Histórias e dezesseis para os Anais, embora a teoria proposta por Sir Ronald Syme seja de doze e dezoito livros, respectivamente. Essa teoria defende que ambos os livros foram planejados e distribuídos em grupos de seis (hêxades): um bloco para Vespasiano e outro para Tito e Domiciano nas Histórias e três blocos nos Anais, para Tibério, Calígula e Cláudio, e Nero8. A primeira das duas obras foram as Histórias, que tratam do período entre a guerra civil de 69 e o fim do principado de Domiciano, em 96. Dos doze ou catorze

livros, restam hoje os quatro primeiros e 26 parágrafos do livro V, trecho com uma característica única na historiografia antiga, já que apresenta um período muito curto, de monos de dois anos. O relato do ano da guerra civil, ou “dos quatro imperadores” e do princípio do ano seguinte oferece um ritmo denso e acelerado, com detalhes altamente precisos e fatos se sucedendo em dias ou às vezes em horas. Após o prefácio, que examinaremos adiante, Tácito começa a narrativa de uma maneira a princípio um tanto incomum. Em 68, o exército de Júlio Víndice na Gália havia se revoltado contra Nero e este, desesperado, comete suicídio antes mesmo da vitória de suas tropas contra os insurgentes. No entanto, com o imperador morto e sem herdeiros, o caos se instaura e logo as legiões de Sérvio Galba na Hispânia declaram-no o novo governante do império. Galba marcha com seu exército para a capital e conclui o ano como imperador, não sem enfrentar forte oposição em grupos políticos de Roma. É exatamente com esse estado de coisas, já no burburinho do golpe que irá assassinar Galba, que Tácito abre sua narrativa, no primeiro dia de janeiro de 69. A escolha da data não está relacionada à narrativa em si9, mas é sim um indicador do formato específico em termos de gênero literário que a historiografia assumiu no mundo romano. Conservando os princípios do modelo grego, com busca pela verdade e da confrontação de testemunhos diretos e indiretos que dessem verossimilhança à narrativa, a historiografia romana se baseava também no formato dos registros feitos pelos pontífices que citavam os acontecimentos ano a ano começando com a eleição dos cônsules e magistrados – formato esse conhecido, portanto, como analística. Logo nos primeiros parágrafos Tácito apresenta os grandes fracassos de Galba como imperador: seu caráter austero e sua disciplina férrea não combinavam mais com o mundo dissoluto a que Nero havia acostumado a cidade, e a escolha de seu protegido Pisão como sucessor também não cativou o exército e os grupos políticos mais influentes do Senado. É interessante apontar um paradoxo da caracterização taciteana de Galba, que o autor considera como homem “capaz de governar, se apenas não tivesse governado” – construção estilística esta típica de seu texto. Tácito atribui a Galba um longo discurso ao apresentar seu sucessor às tropas, e as ideias que defende são emblemáticas da importância da escolha do homem mais capaz, e não da continuidade de uma dinastia como no caso dos Júlio-Cláudios e dos Flávios. Nesse sentido, os argumentos de Galba podem muito bem ter ecoado os apresentados por Nerva na escolha de Trajano. Porém, o fato do próprio Galba não ser um exemplo virtuoso assim como Nerva mostra muito bem como Tácito se recusa a criar personagens

unidimensionais, vilões ou heróis absolutos. Muito tem se procurado entre os estudiosos ler a “verdadeira” opinião de Tácito dentro dos seus discursos e caracterizações ao longo dos textos, mas o fato é que seu grande domínio dos artifícios retóricos e uso refinado e extenso da ironia trazem também aqui diversas complicações interpretativas. Galba logo é assassinado pelos partidários de Oto, um antigo amigo de Nero que havia retornado de um longo período como governador na Lusitânia (Portugal). Tomando o poder, Oto tem poucos meses de domínio sobre o império, já que logo as legiões germânicas aliadas a Vitélio declaram guerra mais uma vez. Oto é para Tácito um exemplo de homem de caráter dissoluto que se reabilita no último instante de vida, pois resolve se matar no acampamento antes da primeira batalha de Bedriaco contra as forças de Vitélio, sacrificando-se para evitar o prolongamento da guerra fratricida entre os romanos. A guerra, tal como apresenta o historiador, é a mais indigna de todos (II, 38): enquanto os soldados dos tempos antigos da república lutavam entre si para defender a liberdade em nome de grandes homens, não há virtude alguma em lutar por Oto ou por Vitélio, homens degenerados que só trazem ignomínia para o império. A vitória das tropas vitelianas assinala a ascensão da figura mais baixa e degenerada dentre os imperadores caracterizados por Tácito. Apesar da sua origem nobre, filho de um distinto senador, Vitélio aparece no texto como um homem incapaz de se ocupar com algo mais do que comida e bebida, um nome qualquer elevado ao posto de imperador apenas para impor a supremacia das tropas germânicas de seus generais, Cecina e Valente – estes dois sim os personagens realmente atuantes no campo de batalha. É com Vitélio que Tácito utiliza um dos seus mais reveladores recursos retóricos, ainda que seja, como sempre, algo muito sutil: o imperador não tem voz própria no texto, não tem discurso algum ou qualquer expressão verbal de sua vontade ou opinião – quem fala por ele são seus generais e às vezes grupos anônimos de partidários. O mesmo recurso será usado em menor escala para Nero nos Anais, para que a construção desses personagens revele sua fraqueza de caráter e ausência de virtudes. As grandes batalhas pelo controle de Roma terminam com o livro III, onde Vitélio é morto de maneira absolutamente indigna, capturado em trapos, linchado e jogado ao rio Tibre. Vespasiano, o grande redentor do império, já havia aberto o livro II com sinais de que o triunfo estaria logo por vir, fosse por conta do sucesso estratégico de seus partidários, pelo destino que os deuses teriam determinado ou mesmo porque ele próprio acreditava cada vez mais nessa mensagem da fortuna. Vespasiano e seu filho

Tito estão na Judéia, contendo a revolta que se inicia em 66 e que em 70 culminará na ocupação total de Jerusalém pelos romanos e na destruição do Segundo Templo10. Cauteloso, ele resolve permanecer no Oriente e enviar para Roma os exércitos comandados pelos seus generais, Licínio Muciano e Antônio Primo, personagens que irão fazer um contraponto com os generais de Vitélio até os últimos momentos da guerra civil. É no livro III que o estado das coisas em Roma chega a seu ponto mais grave, que é simbolizado pela destruição e incêndio do Capitólio. Aqui a habilidade retórica de Tácito chega a seu auge: os exércitos estão fora de controle, o povo romano perde totalmente a dignidade e assiste os combates como se fosse entretenimento, e o símbolo máximo da grandeza de Roma, lugar mais sagrado de todos, arde em chamas por conta do descaso com o bem comum e a ambição tresloucada. A passagem abaixo, do parágrafo 72, é emblemática da importância do momento, pois Tácito personifica o Capitólio e lhe dedica um obituário tal como para todos os outros personagens principais: “Este foi o crime mais triste e vergonhoso que o Estado romano jamais sofreu. Mesmo sem inimigos externos, mesmo com o favor dos deuses enquanto nossos costumes permitissem, mesmo assim o santuário de Júpiter Ótimo Máximo, fundado sob os auspícios por nossos ancestrais como um símbolo do império - que nem Porsena, quando a cidade se rendeu a ele, nem os gauleses, quando a capturaram, conseguiram violar - foi destruído pela fúria dos imperadores. O Capitólio havia sim ardido antes, na guerra civil, mas por crime privado. Agora, era publicamente assaltado, publicamente queimado, e por quais bélicas razões? Qual foi o preço pago por tal desastre? Enquanto lutamos por nossa pátria, ele esteve intacto. O rei Tarquínio Prisco o consagrou na guerra contra os sabinos e lançou suas fundações mais para a esperança de uma grandeza futura do que pelos recursos, ainda modestos, do povo romano. Depois, Sérvio Túlio o erigiu com a ajuda dos aliados, e ainda Tarquínio, o Soberbo, o complementou com o espólio dos inimigos na captura de Suessa Pomécia. Mas a glória de completar a obra estava reservada para a liberdade: depois da expulsão dos reis, Horácio Pulvilo a dedicou no seu segundo consulado, e sua magnificência era tão grande que as riquezas adquiridas posteriormente pelo povo romano mais adornaram do que

aumentaram seu esplendor. O templo foi reconstruído no mesmo lugar depois de um intervalo de quatrocentos e cinquenta anos, após ter sido incendiado durante o consulado de Lúcio Cipião e Caio Norbano. O vitorioso Sila se encarregou do trabalho, mas ainda não o dedicou: esta foi a única felicidade que lhe foi negada. O nome de Lúcio Catulo [que dedicou o templo em 69 a. C.] foi mantido entre todas as obras dos Césares, até os tempos de Vitélio. Eis o templo que foi cremado.” A paz interna finalmente volta no livro IV, que assinala o início da reconstrução física e moral do império – é nesse sentido que se explica a presença bem mais expressiva de debates senatoriais e casos jurídicos. No entanto, Tácito aguarda o fim do relato da guerra civil para narrar a grave revolta dos povos gauleses sob o comando de Júlio Civilis, líder local que havia servido no exército romano. Essa revolta começou ainda pequena, no fim do principado de Nero, mas acabou tomando grandes proporções com o desequilíbrio político da guerra civil e com as sucessivas derrotas militares romanas perante os gauleses. Seu clímax, no fim do livro, se dá com a vitória do general Petílio Cerialis e funciona como uma prévia da vitória de Tito sobre os judeus, que se daria no livro seguinte. O discurso de Petílio Cerialis aos povos locais antes da batalha final contra Civilis é tido como um dos textos mais emblemáticos jamais escritos no mundo antigo na defesa dos benefícios do imperialismo romano, contribuindo para gerar um vasto corpus de estudos sobre o assunto que se relaciona também com as formas mais modernas de imperialismo11. “Sempre houveram na Gália déspotas e guerras até que ela passou ao nosso controle. Nós, apesar de tantas provocações, impusemos a vós pelo direito da conquista apenas o fardo necessário para a manutenção da paz. A tranquilidade das nações não pode ser preservada sem exércitos, nem os exércitos sem pagamento, nem pagamento sem impostos. Tudo o mais é dividido igualmente entre nós. Vós mesmos muitas vezes comandais nossas legiões, e governais estas e outras províncias - não há segregação ou exclusão. Os imperadores benquistos vos beneficiam assim como a nós, embora viveis tão longe, mas os tiranos forçam sua vontade apenas aos mais próximos. (...) Pela boa fortuna e disciplina de oitocentos anos a trama do império tem se consolidado, e ele não pode ser destruído sem condenar também aqueles que o

destruíram. Mas vossa situação será mais perigosa, pois tendes as riquezas e recursos que são as principais causas das guerras. Portanto, devotem seu amor e respeito à causa da paz, e à cidade onde nós, conquistadores e conquistados, demandamos direitos iguais. Aprendam as lições da fortuna em ambas as suas formas para não preferir a rebelião e a ruína à submissão e à segurança.” Embora não tenhamos o texto das Histórias além do início do livro V, podemos ter uma ideia do que esperar dos trechos perdidos a partir do que Tácito relata no prefácio. É também ali, conforme as regras da tradição historiográfica antiga, que ele apresenta uma interpretação mais ampla da história de Roma e principalmente os motivos profundos que em sua opinião ajudaram a moldar a situação política do império em seus próprios dias. Sendo assim, embora o prefácio inteiro seja muito extenso para ser citado na íntegra, é fundamental analisar suas características principais. O texto que abre o prefácio trata especificamente do que os historiadores produziram no passado sobre a história romana. Segundo Tácito, nos 820 anos desde a fundação de Roma, os relatos se dividem em três períodos. O primeiro era a República, quando se podia escrever “com iguais eloquência e liberdade”. Como o autor cessa rapidamente as menções sobre esse período, tudo o que se segue de Augusto a Domiciano pode ser interpretado logicamente como sendo seu oposto - ou seja, não há mais obras de mérito e muito menos liberdade para escrevê-las. Quais as razões para que isso tivesse acontecido? Em um primeiro momento, como afirma o prefácio, pela falta de consciência da nova realidade política do Principado, e depois pela adulação irrestrita ou pelo ódio. O terceiro momento, onde se encontra o autor, seria a superação da necessidade de adulação ou ódio e a retomada das “iguais eloquência e liberdade” de antes, o período de liberdade atual. Portanto, Tácito delineia um esquema cíclico na história romana, ainda que partindo da historiografia: 1. República (bom), 2. Augusto a Domiciano (ruim), e 3. Nerva e Trajano (tempo presente – bom). O que é interessante notar é que a decadência da historiografia romana é para Tácito reversível, já que ele anuncia que retomará os padrões antigos de mérito do trabalho do historiador. Isso também significa que não é o Principado em si como sistema político que determina essa decadência, mas sim a postura dos historiadores no seu primeiro momento, ou seja, até Domiciano, que não compreenderam ou aceitaram a verdadeira natureza da nova situação e se comportaram inadequadamente (sem

eloquência), aliado ao fato de serem governados por imperadores que tolheram sua possibilidade de legítima expressão (sem liberdade). A segunda parte do prefácio, nos parágrafos 2 e 3, se dedica a apresentar o tema que será desenvolvido e anuncia a situação em que se encontra o tempo inicial narrado (o ano de 69), o que formalmente é um topos destinado a justificar a magnitude do assunto e a importância da obra. O primeiro dos parágrafos descreve as grandes e diversas tragédias que se abateram por todo o império, nas províncias e depois na Itália e em Roma. Elas ocorreram não só através das diversas guerras e revoltas, em particular a guerra civil, mas especialmente pela série de colapsos sem precedentes na história romana. Tácito menciona a ocorrência de novos desastres juntamente com outros que há muitos séculos deixaram de ocorrer, e em seguida os enumera. Os novos acontecimentos são a erupção do Vesúvio, com o desaparecimento de Pompéia e Herculano, e o incêndio do Capitólio, que, embora já tivesse sido atacado em épocas anteriores, nunca antes fora alvo da fúria caótica, desordenada e insana dos próprios cidadãos romanos. A seguir, ele descreve genericamente exemplos da degradação moral nas províncias, e atrocidades antes impensáveis em Roma, com todo tipo de crime, traição e corrupção superando a prática da virtude. Apesar disso há esperança, pois a virtude não se extinguiu de todo. As primeiras menções de Tácito são relativas a indivíduos de status inferior e/ou determinadas por relações de parentesco (mães, esposas, parentes, escravos). Apenas depois aparecem os cidadãos eminentes, cuja dignidade se mostra principalmente em sua morte, não nos atos em vida, aproximando-se assim da glória dos antepassados. Sua conclusão é bastante curiosa e aparentemente pessimista, pois ele afirma que nem qualquer tipo de premonição, positiva ou negativa, foi mais indicadora dos desastres do que a própria atitude moralmente degenerada do povo Romano: “Ao lado das mais diversas calamidades que se abateram sobre a humanidade, prodígios ocorreram no céu e na terra, avisos dados pelos raios, profecias sobre o futuro, felizes ou tristes, duvidosas ou claras. Pois nunca antes foi tão evidentemente provado por catástrofes terríveis para o povo romano ou por claros sinais que os deuses não se importam com a nossa segurança, mas sim com nosso castigo.” Essa menção sobre o papel dos deuses12 também traz outros elementos para a

análise. Em primeiro lugar, ele se afasta da tradição consolidada de que Roma era protegida pelo favor divino, e o sentido de inevitabilidade é marcante. Este é um dos elementos mais claros que demonstram seu ceticismo em relação à religião, pois nem a punição dos deuses é tão ou mais determinante do que o movimento inexorável de decadência provocado pelos próprios indivíduos – como, por exemplo, no caso dos próprios imperadores Galba, Oto e Vitélio. No terceiro e último bloco do prefácio (4-11), Tácito descreve a situação da capital e das províncias quando do início do ano de 69, justificando o contexto do conflito inicial da obra. Tanto em Roma quanto em todos os outros lugares sobre os quais trata, o foco principal da atenção de Tácito será o clima no exército e a comparação das forças políticas e de manobra de seus principais comandantes. Assim, junto a um breve excurso sobre as diferentes reações na capital perante a morte de Nero, ele enuncia o tema que irá determinar, explícita ou implicitamente, toda a situação política do império no decorrer da narrativa: o fundamento militar do sistema do Principado: “o segredo do império havia agora sido revelado, que um imperador podia ser feito fora de Roma”. O significado da frase é claro: em primeiro lugar, qualquer um poderia ser imperador, não mais havendo a ilusão de que uma determinada dinastia, a dos descendentes de Augusto, seria a única legítima fornecedora de governantes. Além disso, poderia ser imperador qualquer um fora de Roma; ou seja, homens novos das províncias, parvenus como Vespasiano também tinham suas chances, desde que – em segundo lugar – controlassem o exército mais poderoso. A legitimidade do poder não era determinada pela vontade do Senado, do povo ou pela antiguidade das magistraturas, mas sim, tal como nas lutas no fim da República, simplesmente pela força das armas. As tropas da capital, a Guarda Pretoriana, também se revelaram muito menos determinantes do que as das províncias distantes, como a Germânia, Panônia ou Judeia. Eram os primeiros indícios do que chegaria ao cúmulo na crise militar do século III. Com a escrita dos Anais, a promessa de escrever sobre os tempos de Nerva e Trajano dá lugar a outra preocupação, que pode ter surgido exatamente das reflexões sobre a situação política do império nas Histórias, culminando na tirania de Domiciano. Como se configuram os mecanismos de funcionamento do principado, desde seu estabelecimento por Augusto? Daí aparece uma questão muito debatida nos estudos taciteanos no século XX, relacionada com o tema que vimos no Diálogo dos Oradores, que procura estabelecer se Tácito teria sido um pessimista em relação ao principado e

nostálgico dos anos da República. Porém, estudos mais recentes têm procurado interpretar a análise ferrenhamente crítica do autor através dos artifícios retóricos amplamente utilizados na historiografia romana, indicando que a sua conformidade com a situação política não é necessariamente contraditória em relação às críticas, e que as guerras civis no fim da República também não significavam para ele um período ideal para o Estado. 3. Conceito-chave Os Anais representam o ápice da obra de Tácito e são talvez o texto mais emblemático de toda a historiografia romana. Também dessa obra temos apenas blocos de fragmentos, que totalizam provavelmente pouco mais do que a metade do texto original. Os livros que sobreviveram vão do I ao começo do V e parte do livro VI, narrando a morte de Augusto e o principado de Tibério, recomeçando com a segunda parte do livro XI até talvez a metade do XVI, narrando dos últimos anos de Cláudio até 66, o que abarca quase todo o período de Nero. Após o prefácio, Tácito escolhe para o início do seu relato os últimos momentos de Augusto, um ponto que revela a grande importância para ele dos mecanismos de sucessão do principado como objetivo da obra, mais do que apenas a narrativa dos governos dos imperadores em si. A sucessão de Augusto por Tibério, incerta pela nebulosidade dos critérios de escolha, consolida pacificamente o novo sistema político, apenas porque “a nova geração havia nascido após a vitória em Ácio [31 a. C.], e até muitos dos homens mais velhos haviam nascido durante as guerras civis. Quão poucos então ainda restavam dos que haviam visto a República!” (I, 3). Aliada ao esquecimento, vemos no texto a necessidade de sobrevivência da aristocracia que se convertia rapidamente na adulação escancarada tão condenada por Tácito e desprezada pelo próprio Tibério. A ascensão de Tibério consolida essas características, com o assassinato de Agripa e a submissão cada vez maior do senado, mesmo apesar da manutenção das aparências constitucionais em que o novo imperador insiste a princípio. De certa forma, tal estado das coisas é também característico da guerra civil, com a diferença fundamental que no Principado estabelece-se a ordem e a paz. No entanto, os mecanismos de garantia do poder, através da coerção e da violência, são essencialmente os mesmos, pois motivados pela ganância e pela ambição pessoal, e estarão presentes em toda a extensão dos Anais. O elemento novo dentro dessa continuidade é que as

decisões são agora transferidas do domínio público para a esfera privada, a dos rumores e maquinações da corte real, e o texto enfatizará daqui em diante tal paradoxo ao se focar em primeiro plano no ambiente privado dos Júlio-Cláudios, tornado público. Assim, enquanto que nos primeiros livros das Histórias o que se destaca é a desenfreada sucessão de fatos, a grande característica da narrativa nos Anais é a construção de personagens. Tibério é considerado o mais complexo personagem da historiografia antiga, talvez de toda a literatura latina: quieto, acanhado, cauteloso ou simplesmente arrogante, ardiloso e dissimulado – a linha entre a descrição objetiva e a crítica subjetiva é constantemente ressaltada por Tácito, muitas vezes de forma irônica. O governo de Tibério é a construção de antíteses entre o caráter cada vez mais aberto de sua natureza nefasta e outros grandes personagens que o contrapõem diretamente, sejam heróis dos exércitos, como seu sobrinho Germânico, ou vilões mais ardilosos ainda, como o prefeito do pretório Sejano, que irá dominar a narrativa após a morte de Germânico. É nessa virada, a partir do livro III, que o governo de Tibério irá adquirir características mais negativas, em uma mudança de ares que também será vista com Nero e reflete o topos da visão antiga sobre o caráter pessoal, fixo no nascimento e que tende a se revelar progressivamente com a diminuição das amarras externas a que a pessoa está sujeita. Eis o final do obituário de Tibério (VI, 51): “Seu caráter também teve fases distintas. Enquanto era um cidadão privado ou comandante sob ordens de Augusto, sua vida e reputação eram excepcionais; Enquanto Germânico e Druso estavam vivos, manteve segredo e fabricou virtudes de maneira enganosa. Durante a vida de sua mãe [Lívia, esposa de Augusto], havia nele tanto bondade quanto maldade, e enquanto amou – ou temeu – Sejano, sua crueldade era detestada, mas seus vícios disfarçados. Por fim, irrompeu em crimes e degradação quando sua vergonha e temor desapareceram e ele passou a contar apenas consigo mesmo.” Não temos preservado o texto dos Anais relativo a Calígula, que deve ter ocupado os livros VII a IX, nem os primeiros anos de Cláudio. Quando o texto é retomado, no ano de 47, o imperador Cláudio é apresentado como um homem fraco, dominado pela bebida, por sua esposa infiel, Messalina (epítome da devassidão na tradição moderna), e pelos libertos que atuam como funcionários da corte. Tácito destaca os interesses antiquários e assuntos tangenciais a que o imperador se dedicou,

tal como a invenção de novas letras para o alfabeto, para ressaltar a pouca relevância política do personagem perante a corte e o Senado. É no texto relativo a Cláudio que temos o único exemplo de adaptação feita por um historiador de um discurso imperial, fundamental para compreendermos como funcionam os mecanismos retóricos da historiografia antiga envolvidos na recriação de discursos proferidos no passado. O problema suscita a pergunta: dado que não havia formas de se registrar um discurso por testemunhas oculares e transcrevê-lo fielmente, o quão fiéis ao fato são os discursos que encontramos nos textos históricos? No livro XI, Tácito apresenta um discurso de Cláudio relativo à admissão ao Senado de homens novos vindos da Gália, defendendo a ideia de que deveriam ser reconhecidos tal como os senadores romanos. Existe também uma versão do mesmo discurso escrita em uma tabuleta de bronze encontrada em Lyon, na França, o que permite que seja feita uma comparação direta entre o texto taciteano e a versão oficial. Esta última se mostra mais prolixa e imprecisa; Tácito parece ter ordenado e enxugado os mesmos argumentos utilizados originalmente por Cláudio, resumindo com mais eficiência e elegância de estilo as ideias contidas na argumentação do imperador. De fato, a técnica está em conformidade com as regras antigas de retórica, que pressupõem domínio da ordenação lógica dos argumentos e da verossimilhança em relação ao caráter do orador, sem jamais perder de vista a importância do estilo elevado13. Quando o principado de Nero começa, abrindo o livro XIII, Tácito faz um paralelo explícito com o início do principado de Tibério, usando a mesma linguagem e o mesmo tema. Mas Nero definitivamente não é como Tibério, pois é muito mais cruel, devasso e descontrolado. Tal como este, Nero começa seu governo de maneira positiva, guiado pela competência do prefeito do pretório, Afrânio Burro, e de seu tutor, o filósofo Sêneca. Sua mãe, Agripina, também exerce uma considerável influência no jovem imperador, e é exatamente a eliminação progressiva desses três personagens que leva Nero a exibir cada vez mais seu caráter degenerado. Apavorado com as ameaças da mãe e com o controle que ela exerce sobre os bastidores do poder, Nero resolve conceber um elaborado plano para que ela sofresse um acidente fatal – mandando construir um navio para um banquete noturno, que a um sinal rachasse e a derrubasse ao mar. O plano acaba dando errado e o que resta a Nero é ordenar a execução da própria mãe, crime o mais hediondo possível para Tácito. Essa situação leva ao afastamento de Burro e Sêneca do poder e abre caminho para a licenciosidade do imperador. Tácito caracteriza essa torpeza de caráter através da impropriedade absoluta dos maiores

interesses de Nero, inaceitáveis dentro da visão taciteana da figura pública virtuosa: cada vez mais, Nero passa a se dedicar à música, ao teatro, à poesia e às corridas de cavalos, promovendo espetáculos grandiosos e participando ele mesmo de competições artísticas, encorajando – cúmulo da infâmia – senadores e matronas dispostos a fazer o mesmo. É durante essa parte da narrativa que Tácito mostra suas observações mais agudas sobre a ironia do poder tirânico, com o público forçado a aplaudir as performances do imperador sob a mira dos soldados dispostos nas arquibancadas, metáfora da submissão do povo romano tal como a escravidão aparece para o Senado. Em 65 foi descoberta uma conspiração contra Nero, conhecida como a conspiração de Pisão - Caio Calpúrnio Pisão seria o senador escolhido pelo grupo para se tornar imperador. Alguns dos mais eminentes representantes do Senado foram prontamente julgados e executados ou forçados a se suicidar, como Sêneca. Daí até o fim do texto que temos dos Anais, Tácito sublinha constantemente os horrores da perseguição política e da supressão da liberdade de expressão, provavelmente em paralelo com a narrativa dos últimos anos de Domiciano nas Histórias, que ele mesmo viveu. Nesse sentido, é emblemático que o texto preservado dos Anais seja interrompido justamente no relato do suicídio do maior opositor de Nero, o senador Trásea Peto – a “virtude em pessoa” segundo qualifica Tácito. Trásea Peto aparece como o opositor ideal, pois defende suas opiniões mesmo que contra o imperador, como no caso da morte de Agripina, mas nunca pretende elevar seus interesses pessoais acima do bem estar comum. Assim como nas Histórias, todo o plano temático dos Anais já aparece delineado no prefácio, que aqui é bem mais breve e objetivo: o texto se transforma gradualmente no próprio corpo da narrativa sobre o principado de Tibério, e não é uma simples descrição da situação corrente. Não há nenhuma menção de caráter pessoal de Tácito a não ser a promessa do relato “sem rancor ou partido”, que é na verdade um topos estilístico. O primeiro parágrafo, de inspiração salustiana, traz uma rápida descrição da história da República até Augusto. A aparente objetividade na abertura sobre o período dos reis contrasta com o estabelecimento do consulado e da liberdade com Lúcio Bruto, comparando um período de tirania com um de liberdade e associando diretamente esta com a instituição da República. Porém, tal associação não é tão simples e automática, pois há várias fases de tirania dentro do próprio período republicano. Dois instantes diferentes se destacam, sendo o primeiro marcado por exceções breves e dentro das

possibilidades legais. O segundo instante, com os dois triunviratos, é marcado pelo aspecto militar e ilegal da tirania, que no entanto acaba gradualmente consolidado até o ponto da estabilidade trazido por Augusto. Assim, diferentemente das Histórias, onde a liberdade é enfatizada como tema, aqui o processo primordial é a consolidação da tirania, num ciclo que retorna em última instância à primeira época da história de Roma, com a tirania dos reis. As duas outras seções, que tratam do período de Augusto e de sua sucessão, trazem uma característica importante, representando a consolidação do caráter do principado, e portanto a natureza do poder imperial para Tácito, refletida em toda a extensão da obra. A narrativa enfatiza o caráter violento e opressor da tomada do poder, a eliminação sistemática da oposição, o aliciamento através do dinheiro ou a submissão pelo medo, ou mesmo pela acomodação em troca do fim do estado de guerra. A paz, enfim, consolida um mundo de valores invertidos, onde todas as atenções estão voltadas para a autoridade do imperador: “Era na verdade um mundo alterado, e nada restou do antigo e íntegro caráter romano: todos, finda a igualdade, esperavam pelas ordens do imperador” (4,1). Tal pessimismo, ou a princípio um “pendor para a decadência” e valorização de um passado ideal, não é característico apenas de Tácito, mas sim da historiografia romana como um todo e em especial de Salústio, historiador republicano que mais o influencia quanto ao tema e ao estilo14. Herdeiros dos pressupostos gregos para a escrita da história, tais como imparcialidade, autoridade e busca de testemunhos fidedignos para o estabelecimento da verdade, os historiadores romanos também apresentam como característica específica a preocupação com o desenvolvimento do Estado romano, focado primariamente no destino da própria cidade de Roma. Tal objetivo se reflete no formato analístico, derivado, como vimos, dos registros pontificiais feitos desde a República, e também na comparação dos valores morais do presente com as virtudes idealizadas do passado, já que um dos objetivos da História é ensinar através dos exemplos de vida. Nesse sentido, a historiografia romana se mostra como um recorte das preocupações da classe senatorial, de onde vem a maioria de seus autores, o que em Tácito fica evidente a partir de seu foco nas questões da liberdade e tirania. 4. Considerações finais É também por isso que a influência e relevância de Tácito após sua redescoberta

no Renascimento se faz de maneira tão poderosa em vários pensadores, embora a princípio ele tenha sido menos popular do que Tito Lívio dentre os pensadores humanistas. Seu estilo complexo, muitas vezes dúbio pela riqueza de artifícios retóricos, serviu tanto para criticar governos tirânicos quanto para justificar comportamentos resignados. Leonardo Bruni já o utilizava como exemplo na crítica à monarquia, precedendo Maquiavel na questão da autonomia florentina. O próprio Maquiavel utiliza muitas das ideias de Tácito sobre como se comportar perante o governo de tiranos, onde se deve temê-los para garantir o desejo da estabilidade. Outras leituras posteriores inverteram o foco principal do autor, adaptando-o às suas próprias circunstâncias políticas; assim, surgem várias obras que utilizam Tácito como manual sobre como construir um estado despótico – aqui muitas vezes Tibério se destaca como governante ideal. No período iluminista, no entanto, Tácito ressurge como representante máximo dos ideais republicanos e contrários à tirania, e é bastante utilizado tanto pelos revolucionários franceses quanto pelos americanos – Thomas Jefferson o considerava como a melhor fonte de exemplos instrutivos para a conduta moral; não é de se admirar que Napoleão o detestava. A leitura de Tácito não se esgota no século XXI, mostrando-se na verdade tão relevante e atual como nas questões sobre as quais o autor refletiu. Tiranias continuam existindo pelo mundo e calando vozes dissidentes; muitas vezes, ainda se faz necessário resignar-se para sobreviver. No entanto, os que lutam e são perseguidos e mortos por defender suas ideias, tais como Trásea Peto, sobrevivem através da memória de seu exemplo e mostram, hoje tal como no mundo romano, que não há tirania que consiga sufocar para sempre a voz da liberdade. Bibliografia 1. Edições da obra de Tácito Em português: TÁCITO. Anais. Tradução de J. L. Freire de Carvalho. W. M. Jackson, 1949. (Coleção Clássicos Jackson). ______. Anais. Tradução de Leopoldo Pereira. Ediouro, 1967. ______. As Histórias. Tradução de Berenice Xavier. 2 vols. Athena, 1937. ______. Germânia. Ed. Nacional, 1941.

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Notas 1

Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo (USP) e professora de História Antiga na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). 2 Infelizmente faltam traduções da obra de Tácito na língua portuguesa que sejam recentes e de qualidade, tanto no Brasil quanto em Portugal. Os Anais podem ser encontrados na tradução de J. L. Freire de Carvalho para a coleção Clássicos Jackson, de 1949. Já a tradução brasileira das Histórias, de Berenice Xavier, é de 1937. Em inglês, francês e espanhol, as edições da Loeb, Belles Lettres e Gredos são referência, mas a nova tradução de A. J. Woodman para os Anais é mais precisa (vide bibliografia). 3 Amiano Marcelino, historiador do século IV, escolheu iniciar sua narrativa com o ano de 96 d. C., com o objetivo evidente de continuar a história de Roma quando terminam as Histórias de Tácito. Porém, não o cita em nenhum momento do texto que chegou até nós. 4 Tal ideia transparece explicitamente na caracterização da virtude de Vespasiano nos Anais, III, 55, em comparação com a elite romana sob Tibério, ou mesmo na discrepância entre o comportamento “dissoluto” dos senadores da capital e as conservadoras elites provinciais durante os festivais artísticos de Nero (Anais, XVI, 5). 5 O consulado era a mais alta magistratura romana, desde os tempos da República, e conservou seu prestígio durante o principado. Cada mandato durava um ano, mas o cônsul regular (“ordinarius”) era geralmente substituído pelo cônsul suffectus na metade do ano. 6 Tanto que Arnaldo Momigliano caracterizou o Germânia como um dos textos mais perigosos jamais escritos. Para uma análise sobre o assunto, ver KREBS, C. B. “A dangerous book: the reception of the Germania”. In: WOODMAN, A. J. The Cambridge Companion to Tacitus. Cambridge: Cambridge University Press, 2009, p. 280-299. 7 Seu nome não consta do manuscrito medieval que conservou o texto. 8 SYME, 1958, p. 686-687. A teoria é aceita pela maioria dos estudiosos mas refutada por Goodyear, 1970, p. 17-19. 9 Muitos estudiosos presumem que o período entre a morte de Nero e o início de 69 sequer tenha sido tratado posteriormente nos Anais, já que a ênfase de Tácito nesta obra está na dinastia Júlio-Cláudia. 10 O mesmo do qual hoje resta apenas o Muro das Lamentações. 11 Seria Tácito um defensor incondicional do imperialismo ou estaria ele consciente dos males deste? A questão se coloca ao compararmos o discurso de Cerialis com o poderoso libelo do líder bretão Calgaco no Agrícola (parágrafos 30 a 32), fonte da famosa frase: “Roubar, trucidar, saquear, a isso [os romanos] dão o falso nome de império; eles criam o deserto e chamam isso de paz.” A divergência de opiniões não reflete posturas contraditórias do autor, mas sim a sua habilidade retórica para convencer a audiência com ambos os lados de uma questão. Sobre o tema, ver GUARINELLO, N. L. O imperialismo greco-romano. São Paulo: Ática, 1987 e HINGLEY, R. O imperialismo romano: novas perspectivas a partir da Bretanha. São Paulo: Annablume, 2010. 12 O trabalho de Davies (2006) é um excelente estudo, comparando a visão religiosa de Tácito com a de Tito Lívio e de Amiano Marcelino. 13 A tendência mais recente dos estudos sobre historiografia antiga, que ressalta essa importância da retórica, tem como trabalho pioneiro a obra de A. J. Woodman, Rhetoric in Classical Historiography. Four Studies. London and Sydney: Croom Helm, 1988. 14 Embora Tácito mencione algumas de suas fontes, como Plínio, o Velho, Clúvio Rufo e Fábio Rústico, muitas de suas influências diretas são para nós apenas nomes, já que a maioria das obras historiográficas romanas se perdeu.

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