Tafonomia como Ferramenta para Interpretações Paleoambientais

June 2, 2017 | Autor: Renato Ghilardi | Categoria: Taphonomy
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Descrição do Produto

RENATO PIRANI GHILARDI - EDITOR

Tafonomia como Ferramenta para Interpretações Paleoambientais

2015

RENATO PIRANI GHILARDI

TAFONOMIA COMO FERRAMENTA PARA INTERPRETAÇÕES PALEOAMBIENTAIS

1a. edição

Bauru Faculdade de Ciências - Campus de Bauru 2015 i

Tafonomia como Ferramenta para Interpretações Paleoambientais Copyright© 2016 – Faculdade de Ciências - Bauru Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio ou sistema, sem prévio consentimento da Faculdade de Ciências – Bauru Todos os direitos reservados à Faculdade de Ciências – Bauru Av. Engenheiro Luiz Edmundo Carrijo Coube, 14-01 – Bauru – São Paulo – 17033-360 www.fc.unesp.br Dados Internacionais de Catalogação de Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasileira

____________________________________________________________________

Tafonomia como Ferramenta para Interpretações Paleoambientais/ Editor Renato Pirani Ghilardi – 1. ed. – Bauru, São Paulo: Faculdade de Ciências – Bauru – UNESP, 2016 ISBN 978-85-99703-87-8 1. Tafonomia : histórico 2. Tafonomia: aplicações 3. Tafonomia: paleinvertebrados 4. Tafonomia: paleovertebrados Índice para catálogo sistemático: 1. Tafonomia: Paleontologia 99703

PREFÁCIO Os textos dos autores desse pequeno livreto são frutos recolhidos pela disciplina de pósgraduação “Tafonomia como Ferramenta para Interpretações Paleoambientais” realizada pelo programa de pós-graduação em Biologia Comparada da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras do Campus de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Essa disciplina, ministrada pelo Prof. Dr. Renato Pirani Ghilardi, ocorreu durante o segundo semestre de 2014 e teve sua dinâmica metodológica totalmente diferenciada. De início, estabeleceu-se que as discussões seriam em temas propostos pelo professor em uma página criada em uma rede social (Facebook). Além de dinamizar o contato com os alunos, uma vez que eles poderiam se posicionar com suas colocações no momento mais pertinente, inclusive após o estudo do tema da maneira mais adequada a cada indivíduo. As discussões foram norteadas por provocações acadêmicas feitas pelo professor e culminou com os textos que cada um deles produziu, de forma individual, durante o semestre. Pretende-se em breve publicar as ações didáticas dessa conduta em revista especializada. Independentemente disso, os alunos também tiveram pela primeira vez em sua vida acadêmica, a oportunidade de refletir so-

bre questões paralelas ao seu tema principal de estudo acadêmico e cristalizar o processo de pensamento científico tão necessário ao acadêmico. Todos os seus orientadores estiveram a par desse trabalho e puderam também, quando possível, complementar suas ideias. Por fim, a Mestra Juliana Stuginski Barbosa proporcionou a capacitação logística para a realização dessas atividades tão distantes ainda do meio acadêmico engessado e não mergulhado na realidade dos meios de comunicação atuais. Suas colocações, provocações e ideias certamente abrilhantaram todo o processo. Espera-se que a confecção desse tipo de material seja constante nos próximos oferecimentos da disciplina demonstrando que há possibilidades diferenciadas de ensino e aprendizagem no meio acadêmico que necessita cada vez mais do encontro ao dinamismo e à realidade virtual a qual vivemos.

Renato Pirani Ghilardi

Professor Doutor do Departamento de Ciências Biológicas, Faculdade de Ciências UNESP, Campus de Bauru [email protected]

iii

Autores Capítulo 1 Pedrita F. Donda Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto, USP, Avenida Bandeirantes, 3900, Ribeirão Preto, SP, CEP: 14040-901.

Capítulo 2 Andrea Thays Paganella*, Renato Pirani Ghilardi** *– Laboratório de Paleontologia, Departamento de Biologia, Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto, USP, Avenida Bandeirantes, 3900, Ribeirão Preto, SP, CEP: 14040-901. ** – Laboratório de Paleontologia de Macroinvertebrados, Departamento de Ciências Biológicas, Faculdade de Ciências, UNESP, Av. Eng. Luiz Edmundo Carrijo Coube, 14-01, Bauru, SP, CEP 17033-360.

Capítulo 3 Marcos César Bissaro Júnior*, Renato Pirani Ghilardi**, Annie Schmaltz Hsiou*, Bruno dos Santos Francisco**, Fernando Soares Adorni*

iv

*– Laboratório de Paleontologia, Departamento de Biologia, Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto, USP, Avenida Bandeirantes, 3900, Ribeirão Preto, SP, CEP: 14040-901. ** – Laboratório de Paleontologia de Macroinvertebrados, Departamento de Ciências Biológicas, Faculdade de Ciências, UNESP, Av. Eng. Luiz Edmundo Carrijo Coube, 14-01, Bauru, SP, CEP 17033-360.

Capítulo 4 Silvio Yuji Onary Alves*, Annie Schmaltz Hsiou* *- Laboratório de Paleontologia, Departamento de Biologia, Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto, USP, Avenida Bandeirantes, 3900, Ribeirão Preto, SP, CEP: 14040-901.

Capítulo 5 Paulo Ricardo Lopes*, Annie Schmaltz Hsiou*, Edson Guilherme** *- Laboratório de Paleontologia, Departamento de Biologia, Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto, USP, Avenida Bandeirantes, 3900, Ribeirão Preto, SP, CEP: 14040-901. **- ² Laboratório de Pesquisas Paleontológicas, Universidade Federal do Acre (campus Rio Branco), BR 364, Km 04, 69.915-900 Rio Branco, Acre, Brasil.

Capítulo 6 Júlio Cesar de Almeida Marsola Laboratório de Paleontologia, Departamento de Biologia, Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto, USP, Avenida Bandeirantes, 3900, Ribeirão Preto, SP, CEP: 14040-901.

v

1 Ivan Antonovich Yefremov e a ‘Tafonomia’ (1940)

Pedrita F. Donda

Introdução

Desde o século XVII os estudos mineralógi-

(1729-1799) propôs uma hipótese que se

cos e geológicos vinham mostrando a exis-

baseava na dinâmica das forças que modi-

tência de uma sucessão regular de estra-

ficavam o estado da Terra após a criação

tos na Terra. No entanto, seu significado

divina (1).

era ainda muito discutido. No final do século XVIIII, não havia um consenso sobre as causas dos estratos geológicos; as fases pelas quais a Terra teria passado (história geológica); a existência de seres vivos diferentes no passado e a possibilidade de

Em sua obra Hydrogéologie, Lamarck enfatizou que havia uma semelhança entre as conchas fósseis coletadas e os tipos marinhos atualmente existentes. A seu ver, os fósseis eram importantes indicadores

transformações dos seres vivos.

de que a crosta terrestre havia sofrido mo-

Durante os séculos XVII e XVIII os fósseis

suas palavras:

dificações, assim como as espécies. Em

eram vistos por alguns estudiosos como sendo meros “brinquedos da natureza” enquanto outros os consideravam como verdadeiros seres marinhos. Por outro lado, naturalistas como George Louis Leclerc, Conde de Buffon (1707-1788), antes de Lamarck, havia comentado sobre a existência de fósseis de animais marinhos no alto de montanhas. Muitos autores como Thomas Burnet (1635-1715) atribuíam isso ao dilúvio universal, conforme a tradição bíblica. Havia autores que concordavam com Aristóteles (384 a.C-322 a. C.) que explicava este fato pelo movimento natural dos mares. Nesse sentido, Lazzaro Spallanzani

[...] Nada permanece constantemente no mesmo estado na superfície do globo terrestre. Tudo, com o passar do tempo, está sujeito a mutações diversas, mais ou menos rápidas, conforme a natureza dos objetos e circunstâncias. Os lugares elevados constantemente se degradam, e tudo o que se destaca é arrastado para os lugares mais baixos. Os leitos dos rios, dos córregos, mesmo os mares mudam de lugar, assim como os climas; em uma palavra, tudo na superfície terrestre muda pouco a pouco.” (2). 7

palmente nas descrições das espécies fósPara Lamarck, as mudanças seriam gradu-

seis.

ais e contínuas, e não uma sucessão de al-

No tratado sobre invertebrados Histoire na-

terações bruscas, como as grandes revolu-

turelle des animaux sans vertèbres, La-

ções admitidas por Georges Cuvier (1769-

marck intercalou espécies fósseis e vivas,

1832). Elas teriam causas naturais, e não

insistindo na importância de se conhecer

sobrenaturais, como no caso dos que se-

as conchas fósseis. Para reparar algumas

guiam uma interpretação bíblica literal.

omissões consagrou a esse ponto um su-

Nesse sentido, ele chamou a atenção para

plemento de 50 páginas ao sétimo e últi-

a necessidade de diferenciar conchas pelá-

mo volume (4).

gicas de litorâneas e que os fósseis desses dois tipos deveriam pertencer a camadas inicialmente diferentes em um mesmo banco ou montanha, mas que podiam se encontrar misturados devido ao movimento das águas oceânicas, ação dos vulcões

Lamarck também se referiu ao caso de Trigonia, um gênero que havia sido estabelecido por Bruguière, a partir do exame de um fóssil. Na época eram conhecidas somente as formas fósseis: Trigonia scabra;

etc.

Trigonia crenulata; Trigonia áspera;Trigonia

Embora Lamarck tivesse utilizado os fós-

marck indicou que havia sido encontrada

seis para mostrar que a Terra sofreu mu-

em Grignon e em Plaisance, próximo à Itá-

danças; o movimento da bacia oceânica e

lia, uma forma atual de Trigonia, a Trigonia

defender uma visão uniformitarista, não uti-

margaritacea, “a única forma viva conheci-

lizou os mesmos exemplos para corrobo-

da” (5). Em suas diversas obras, embora

rar sua teoria de transformação dos ani-

Lamarck tivesse relacionado formas atuais

mais, apresentando formas fósseis, for-

e fósseis, não mencionou formas interme-

mas intermediárias e formas atuais. Nas

diárias entre as espécies fósseis e as atu-

diversas memórias que publicou (3) sobre

ais.

os fósseis encontrados nos arredores de Paris, descreveu detalhadamente os diferentes gêneros e espécies encontrados. Porém, nessas memórias se deteve princi-

daedalea; Trigonia costata. Porém, La-

Apesar de maior parte das informações contidas nas Mémoires sur les fossiles ser descritiva, Lamarck chamou a atenção para a importância de se relacionar os fós-

8

seis às espécies atuais no sentido de per-

das encontramos os primeiros vestígios de

ceber a ocorrência de uma transformação

criaturas animadas” (6).

e não extinção. Na Histoire naturelle des animaux sans vertèbres Lamarck chamou a atenção para as semelhanças entre formas de conchas fósseis e atuais. O conhecimento geológico aumentou rapi-

O objetivo deste artigo é inicialmente apresentar uma visão histórica sobre o estudo dos fósseis e estratigrafia, nos séculos XVIII e XIX. A seguir, trazer algumas informações relacionadas à proposta do termo

damente na segunda década do século

“Tafonomia” por Ivan Efremov discutindo o

XIX, graças aos trabalhos de John Smith

artigo de sua autoria “Tafonomia: Novo

(1850-1831) e outros. Em 1844 Robert

ramo da Paleontologia” (1940) no século

Chambers (1802-1871) (6) utilizou os co-

XX (8).

nhecimentos sobre o registro fóssil da época para corroborar a transformação das espécies. Procurou documentar que o registro fóssil mostrava uma progressão dos seres vivos. A disposição dos organismos encontrados em várias camadas se harmonizava com a ideia de progresso dos seres vivos. Em estratos constituídos por rochas mais antigas se encontravam as formas mais simples de vida e à medida que se aproximava dos estratos constituídos por rochas de formação mais recente se podia deparar com formas mais complexas de seres vivos. Apresentou algumas formas intermediárias entre as fósseis e atuais (7). Procurou mostrar a partir de evidências do registro fóssil que nem sempre houve vida na Terra. Em suas palavras: “A hipótese da relação das primeiras camadas de calcário com a vida orgânica em nosso planeta é sustentada pelo fato de que nessas cama-

9

Desenvolvimento

Em 1859 no Origin of species Charles

A filogenia dos diferentes grupos de orga-

Darwin (1809-1882) sugeriu vários tipos de

nismos, a interpretação da biologia das for-

estudo que poderiam trazer esclarecimen-

mas já extintas, a influência do ambiente

tos sobre a origem das espécies. Dentre

externo sobre o organismo no decorrer do

eles destacou a sucessão geológica

tempo, paleozoogeografia. Todos esses

(Darwin, 1872, Introduction). Desde então

problemas são comumente abordados

muitos estudiosos fizeram investigações

pelo menos em todas as pesquisas paleon-

neste campo.

tológicas consideradas. Para o melhor des-

Em seu trabalho publicado em 1940 intitulado “Tafonomia: Novo ramo da Paleontologia”, Ivan Antonovich Efremov (1908-1972) inicialmente discutiu sobre o significado do termo “paleontologia”. Considerou que este estudo passou no decorrer do tempo por uma fase que reuniu dados e depois para uma outra fase em que os documen-

envolvimento desta parte "teórica" da paleontologia, subdividimo-la em diferentes sub-partes: Bioestratigrafia, paleoecologia (Paleobiologia), paleopatologia, e outras; cada subparte reúnem uma série de diferentes problemas, sendo que nenhum dos quais pode ser facilmente resolvido (Efremov, 1940).

tos iconográficos foram substituídos por uma grande quantidade de artigos em que se procurou apresentar a teoria evolutiva

Posteriormente o autor considerou lamen-

com base em dados paleontológicos.

tável que muitos paleontólogos não te-

Efremov discutiu sobre as subdivisões da

registro geológico ser incompleto. Dessa

paleontologia e sobre quais os tipos de es-

maneira, as correlações feitas entre os da-

tudo ela deveria ser encarregada. Em suas

dos paleontológicos obtidos e o que real-

palavras:

mente ocorreu no passado são equivoca-

nham levado em consideração o fato de o

das. Sendo assim, muitas das teorias filogenéticas a das leis gerais foram formadas

10

tendo como base dados obtidos em fós-

rém, ele pode ser empregado apenas para

seis como se esses representassem uma

objetos que estiverem bem preservados.

completa e verdadeira imagem da vida do

O estudo de formas ancestrais também

animal em estudo durante as eras geológi-

não informa de modo preciso sobre a vida

cas passadas.

da fauna uma vez que os restos são preser-

Efremov também mencionou algumas dificuldades em estudar os restos fossilizados de organismos terrestres uma vez que

vados em tanatocenoses. Desse modo, a análise de desvio adaptativo do indivíduo não é suficientemente autêntica.

estes são encontrados em áreas muito pe-

O autor admite que, além do estudo de ob-

quenas e desconexas. Desse modo o re-

jetos fossilizados em si, existe um outro

gistro geológico das faunas terrestres é

método que também leva ao conhecimen-

muito mais incompleto do que da fauna

to do mundo dos animais em eras passa-

marinha. A precisão da dedução teórica

das. Este consiste, no estudo das condi-

para insetos e vertebrados, que são alta-

ções nas quais os registros paleontológi-

mente organizados e passaram por um lon-

cos foram preservados, comparando as lo-

go período de desenvolvimento evolutivo,

calidades onde os restos mortais foram en-

não é grande, já que o material disponível

contrados.

é muito incompleto.

De acordo com Efremov, muitos trabalhos

Para o autor, o estudo da fauna terrestre é

sobre esse assunto foram publicados na

mais significativo. Por esse motivo ela foi

época. Porém, o maior problema desse

melhor estudada e teve maiores desenvol-

ramo da ciência é o estudo da transição

vimentos em sua metodologia. Comparan-

(com todos os seus detalhes) dos restos

do as formas terrestres com as marinhas

de animais da biosfera para a litosfera.

Efremov considera que a reconstrução das

Essa passagem da biosfera para a litosfe-

primeiras pela biocenose seria mais sim-

ra resulta de muitos fenômenos geológi-

ples, enquanto que para as últimas isso se-

cos e biológicos relacionados. É por isso

ria quase impossível.

que, quando esse processo é analisado, o

O método mais preciso da paleontologia, consiste no estudo morfológico detalhado

fenômeno geológico deve ser estudado na mesma medida em que o biológico.

seguido de uma análise comparativa. Po-

11

Em 1859 no Origin of species (9) Charles

problemas são comumente abordados

Darwin (1809-1882) sugeriu vários tipos de

pelo menos em todas as pesquisas paleon-

estudo que poderiam trazer esclarecimen-

tológicas consideradas. Para o melhor des-

tos sobre a origem das espécies. Dentre

envolvimento desta parte "teórica" da pa-

eles destacou a sucessão geológica (9).

leontologia, subdividimo-la em diferentes

Desde então muitos estudiosos fizeram in-

sub-partes: Bioestratigrafia, paleoecologia

vestigações neste campo.

(Paleobiologia), paleopatologia, e outras;

Em seu trabalho publicado em 1940 intitulado “Tafonomia: Novo ramo da Paleontologia” (8), Ivan Antonovich Efremov (1908-

cada subparte reúnem uma série de diferentes problemas, sendo que nenhum dos quais pode ser facilmente resolvido (8).

1972) inicialmente discutiu sobre o significado do termo “paleontologia”. Considerou que este estudo passou no decorrer do tempo por uma fase que reuniu dados e depois para uma outra fase em que os documentos iconográficos foram substituídos por uma grande quantidade de artigos em que se procurou apresentar a teoria evolutiva com base em dados paleontológi-

Posteriormente o autor considerou lamentável que muitos paleontólogos não tenham levado em consideração o fato de o registro geológico ser incompleto. Dessa maneira, as correlações feitas entre os dados paleontológicos obtidos e o que realmente ocorreu no passado são equivoca-

cos.

das. Sendo assim, muitas das teorias filo-

Efremov discutiu sobre as subdivisões da

tendo como base dados obtidos em fós-

paleontologia e sobre quais os tipos de es-

seis como se esses representassem uma

tudo ela deveria ser encarregada. Em suas

completa e verdadeira imagem da vida do

palavras:

animal em estudo durante as eras geológi-

genéticas a das leis gerais foram formadas

cas passadas. A filogenia dos diferentes grupos de organismos, a interpretação da biologia das formas já extintas, a influência do ambiente externo sobre o organismo no decorrer do tempo, paleozoogeografia. Todos esses

Efremov também mencionou algumas dificuldades em estudar os restos fossilizados de organismos terrestres uma vez que estes são encontrados em áreas muito pequenas e desconexas. Desse modo o re-

12

gistro geológico das faunas terrestres é

O autor admite que, além do estudo de ob-

muito mais incompleto do que da fauna

jetos fossilizados em si, existe um outro

marinha. A precisão da dedução teórica

método que também leva ao conhecimen-

para insetos e vertebrados, que são alta-

to do mundo dos animais em eras passa-

mente organizados e passaram por um lon-

das. Este consiste, no estudo das condi-

go período de desenvolvimento evolutivo,

ções nas quais os registros paleontológi-

não é grande, já que o material disponível

cos foram preservados, comparando as lo-

é muito incompleto.

calidades onde os restos mortais foram en-

Para o autor, o estudo da fauna terrestre é

contrados.

mais significativo. Por esse motivo ela foi

De acordo com Efremov (8), muitos traba-

melhor estudada e teve maiores desenvol-

lhos sobre esse assunto foram publicados

vimentos em sua metodologia. Comparan-

na época. Porém, o maior problema desse

do as formas terrestres com as marinhas

ramo da ciência é o estudo da transição

Efremov considera que a reconstrução das

(com todos os seus detalhes) dos restos

primeiras pela biocenose seria mais sim-

de animais da biosfera para a litosfera.

ples, enquanto que para as últimas isso se-

Essa passagem da biosfera para a litosfe-

ria quase impossível.

ra resulta de muitos fenômenos geológi-

O método mais preciso da paleontologia, consiste no estudo morfológico detalhado seguido de uma análise comparativa. Porém, ele pode ser empregado apenas para

cos e biológicos relacionados. É por isso que, quando esse processo é analisado, o fenômeno geológico deve ser estudado na mesma medida em que o biológico.

objetos que estiverem bem preservados.

Em relação à concentração de restos de

O estudo de formas ancestrais também

animais pode-se dizer que ela depende do

não informa de modo preciso sobre a vida

número de espécies, ou outras formas, da

da fauna uma vez que os restos são preser-

rapidez com que os indivíduos morreram

vados em tanatocenoses (agrupamento ca-

ou do período de tempo durante o qual as

sual de indivíduos sendo que o local em

carcaças dos animais se encontram em

que se encontram não é o mesmo em que

um dado lugar. Por esse motivo, são as es-

de fato viveram). Desse modo, a análise

pécies mais numerosas que são mais fre-

de desvio adaptativo do indivíduo não é su-

quentemente incorporadas em um dado

ficientemente autêntica.

local, onde as condições são favoráveis

13

para a conservação e fossilização dos res-

Para isso, primeiramente, deve-se investi-

tos mortais. Sendo assim, quase todas os

gar os processos geológicos da transição

leitos de restos fossilizados representam

de restos de animais da biosfera para a li-

apenas uma seleção (acidental), não refle-

tosfera, e em primeiro lugar, analisando as

tindo a composição real da fauna no local

localidades em que a fauna terrestre é en-

de sua formação.

contrada. Em segundo lugar, buscar as

Outra ideia defendida pelo autor é de que os processos responsáveis pela formação dos sedimentos também são favoráveis

leis que regem os processos contemporâneos de incorporação de restos de animais.

para a seleção na incorporação. Os restos

Segundo o autor em sua maior parte, nem

dos animais se encontram localizados me-

os problemas nem os métodos são novos.

canicamente de acordo com a resistência

Investigações já vinham ocorrendo não só

de fluxo. Os restos menores são carrega-

por parte dos geólogos e paleontólogos se-

dos para mais longe do que os restos mai-

paradamente, mas também pelas institui-

ores. Assim, a extensão dos restos encon-

ções científicas, parques e reservas nacio-

trados dependerá do fluxo. Ele comentou:

nais. Estes últimos permitem o registro da fauna terrestre contemporânea e o estudo da sua dinâmica. O trabalho é de grande

A razão pela qual diferentes formas são incorporadas nesta ou naquela localidade depende do tipo de seus alimentos, do caráter de sua adaptação, e sua relação com as características físico-geográficas gerais da região, onde as condições de sedimentação são favoráveis para a incorporação (8).

importância para a análise comparativa dos processos de incorporação. No entanto, toda essa investigação é será deficiente do ponto de vista da paleontologia, se não houver um plano geral ou uniformidade nos métodos. Sendo assim, Efremov propõe um novo ramo da paleontologia capaz de unir todas as “inclinações” e direções separadas no estudo dos processos de incorporação,

Segundo Efremov o estudo dos processos

que denomina “ciência da incorporação”.

de incorporação pode elucidar muitas

Ele propõe para esta parte da paleontolo-

questões quando se estuda os fósseis.

gia o nome “Tafonomia”, que é a ciência

14

das leis de incorporação. Não constitui uma ciência separada, unindo-se tanto com a geologia como com a biologia podendo ser estudada por um método geral geo-biológico histórico. As pesquisas tafonômicas permitem olhar para a profundida de idades a partir de um outro ponto de vista do que aquele que está em uso geral na paleontologia. Portanto, essas pesquisas também são de importância para outras áreas como a geologia, paleogeografia, faciologia e sedimentologia. Tafonomia produz um método para guiar as reconstruções numa base evolucionária, e assim ajuda a conferir a precisão que está faltando nessas construções.

15

Conclusões

O estudo dos fósseis possibilitou a obten-

dos processos que ocorreram nos corpos

ção de evidências sobre a evolução da fau-

dos organismos enquanto estes estavam

na e flora na biosfera. Eles constituem

expostos e a segunda o estudo dos pro-

uma ferramenta útil para os geólogos e bió-

cessos sofridos pelos organismos, uma

logos modernos que tem permitido a iden-

vez enterrados.

tificação do paleoambiente gerador das rochas sedimentares bem como sua idade relativa, o movimento dos continentes, a variação do clima da Terra dentre outros. Entretanto, como vimos, de forma breve e incompleta, este estudo tem uma história. Esta nos mostra diferentes interpretações sobre o que eram os fósseis e seu significado, registro e sua gradual utilização nos estudos evolutivos. Entre as abordagens para o estudo dos fósseis no século XX uma é genuinamente paleontológica e chama-se “tafonomia”, termo cunhado por Efremov em 1940. Como vimos, a tafonomia é uma área dentro da paleontologia que estuda os organismos em decomposição, ao longo do tempo, e como ocorreu a fossilização destes. De acordo com Renzi et al. (10), em um estudo tafonômico deve-se distinguir duas partes principais: a primeira seria o estudo

Estudos tafonômicos são relevantes para o entendimento de contextos deposicionais em sítios paleontológicos e arqueológicos, podendo ser uma ferramenta muito útil para que ocorra a correta interpretação desses registros. A tafonomia é importante não somente para paleontologistas como também para arqueólogos, que estudam os restos orgânicos, tornando-se parte do registro arqueológico (11). Efremov e outros chamavam de fossilização a etapa do processo de formação de sítios fósseis em que ocorre a mineralização de restos orgânicos, uma vez incorporados a litosfera (12). Porém, de acordo com esse mesmo autor, atualmente especialistas consideram a tafonomia como o estudo dos processos pós-morte e atribuem um significado mais amplo ao termo fossilização. 16

Efremov (1940) seja creditado como sendo o criador da palavra tafonomia, os primeiros contribuidores mais óbvios e influentes para o termo são os vários pesquisadores alemães que publicaram no período entre a primeira e a segunda guerra mundiais (13). Porém isso não significa que estes foram os primeiros a fazer deduções sobre preservação de fósseis mas sim que foram os primeiros a realizarem observações sistemáticas (14). Os estudos tafonômico assumiram maior proeminência na década de 1970, com o rápido crescimento da área da paleoecologia. Estudos terrestres mudaram de puramente observacionais assumindo uma dimensão temporal (13).

17

Referências

(1) Prestes, Maria Elice Brzezinzki; Faria, Frederico Felipe Almeida. Discussões de Lazzaro Spallanzani sobre a origem dos fósseis. Filosofia e História da Biologia 5 (1): 73-95, 2010. (2) Lamarck, Jean Pierre Antoine de Monet, Chevalier de. Recherches sur l’organisation des corps vivants.[1802]. Paris: Fayard, 1986. (3) Lamarck, Jean Pierre Antoine de Monet, Chevalier de. Mémoires sur les fossiles des environs de Paris. Annales du Muséum d’ Histoire Naturelle, 1802-1806. (4) Martins, Lilian A.-C. P. A teoria da progressão dos animais de Lamarck. Rio de Janeiro: BookLink. São Paulo:FAPESP/GHTC/Unicamp, 2007. (5) Lamarck, Jean Pierre Antoine de Monet Histoire naturelle des animaux sans vertèbres.7 vols.Paris: Verdière, 1815-1822. (6) Chambers, Robert. Vestiges of the natural history of creation. London: John Churchill, 1844. (7) Hueda, Marcelo Akira; Martins, Lilian A.-C. P. As concepções evolutivas de . Robert Chambers no Vestiges of the natural creation (1844). Filosofia e História da Biologia 9 (1): 39-57, 2014. (8) Efremov, J. A. Taphonomy: a new branch of palaeontology. Pan-American

Geologist.

vol. 74, n. 02. 1940. (9) Darwin, Charles. On the origin of species by means of natural selection. 6th edition. London: John Murray, 1872. (10) Renzi, M. de; Martinell, J.; Reguakt, S. Bioestratigrafía, tafonomía y paleoecologia. Acta Geologica Hispanica 10 (2): 80-86, 1975.

18

(11) Lyman, R. L. Vertebrate Taphonomy. Cambridge: Cambridge University Press. 1994. (12) Fernández – Lópes. Tafonomía de micromamíferos del yacimiento. Galeria de Atapuerca (Burgos), p. 95-128. 1999. (13) Allison, P. A. Bottjer, D. J. Taphonomy: Bias and process throught time, Topics in Geobiology 32. Springer Science + Business Media B.V. 2011. (14) Cadee, G. C. The history of taphonomy. In: S. K. Donovan (Ed.). The processes of fossilization. New York: Columbia, 1991.

19

2

Actuopaleontologia em diferentes condições energéticas: um breve comparativo entre os litorais do Paraná e São Paulo

Andrea Thays Paganella Marcondes Renato Pirani Ghilardi

Introdução

A actuopaleontologia é o ramo da Paleon-

momentos de pré-soterramento, o que per-

tologia que visa aperfeiçoar o nosso enten-

mite a interpretação dos processos e ambi-

dimento sobre os acontecimentos do pas-

entes de fossilização, tendo, por isso, gran-

sado geológico registrados na forma de

de potencial como ferramenta para inter-

fósseis, através do estudo dos padrões e

pretações (paleo)ambientais e (paleo)ecoló-

processos atuantes no presente. Esses es-

gicas (2,3).

tudos são de grande importância para a paleontologia, pois podem melhorar significativamente a confiabilidade das interpretações paleoambientais e paleobiológicas

O uso de ferramentas metodológicas para se realizar esses tipos de análises é imprescindível, sendo a interpretação de assi-

(1).

naturas tafonômicas uma das mais fidedig-

Apesar de ser de grande valia para a pa-

nos causados ao material biogênico mor-

leontologia, a actuopaleontologia possui

to, como: fragmentação, desarticulação,

várias limitações. Uma delas seria que as

incrustação. São facilmente quantificáveis,

observações obtidas no presente nem

e muito úteis para interpretar ambientes se-

sempre podem ser aplicáveis, ou direta-

dimentares de deposição (4).

mente aplicáveis, ao registro fóssil, porque elas existem apenas no momento atual (recente), e muitas vezes não são preservadas no processo de fossilização. No entanto, através de uma característica específica, ou determinados tipos de alterações, esses dados podem ser indiretamente úteis, como na identificação das tafofácies a que estão inseridas (1). De fato, as tafofáceis refletem as histórias de acumulação dos corpos rochosos, especialmente nos

nas. As assinaturas tafonômicas são da-

Assim, diversos grupos de invertebrados marinhos recentes têm sido alvo de estudos tafonômicos. Entre eles, destacam-se as conchas bivalves, pois apresentam uma ampla diversidade de assinaturas tafonômicas que podem ser quantificadas (e.g., abrasão, desarticulação, fragmentação, bioerosão, incrustação, corrosão) (2,3). Os estudos tafonômicos para o reconhecimento das condições ambientais com bi21

valves marinhos têm sido conduzidos em

moluscos bivalves no Complexo Estuarino

ambientes sedimentares do Holoceno, par-

de Paranaguá (fig. 2), com alguns dados

ticularmente no Hemisfério Norte (5).

verificados por Rodrigues (3) para as en-

No Brasil, investigações similares são ainda incipientes, sendo a maioria dos estu-

seadas de Ubatuba e Picinguaba, São Paulo

dos em actuopaleontologia com bivalves marinhos conduzidos no litoral norte do estado de São Paulo (3,6,7,8). Esses estudos realizaram a análise tafonômica de moluscos bivalves e braquiópodes coletados em diferentes ambientes energéticos, em variadas profundidades, nas enseadas de Ubatuba e Picinguaba (fig.1). O litoral do estado do Paraná possui feições fisiográficas distintas das encontradas no litoral norte do Estado de São Paulo, onde os trabalhos de actuopaleontologia têm sua predominância (3,6,7,8). Assim, o desenvolvimento de estudos no litoral do Paraná é de fundamental importância para gerar dados comparativos entre diferentes regiões da costa brasileira. Isso possibilitará uma melhor compreensão dos processos de gênese de concentrações de bioclastos em diferentes subambientes.

Nesse sentido, este trabalho pretende

traçar um breve comparativo entre diferentes situações energéticas, contrastando estudo recente de actuopaleontologia com

22

Desenvolvimento

Fundamentação teórica

A enseada de Picinguaba possui geometria retangular, com abertura voltada para SW, é a área de menor ocupação e ativida-

O litoral de São Paulo possui uma extensão de aproximadamente 622 km. As enseadas de Ubatuba e Picinguaba (fig. 1) situam-se na costa norte do litoral de São Paulo, que caracteriza-se como ambiente de baixa a média energia, onde processos de maior energia são eventuais (9). Possui acentuada taxa de pluviosidade e constitui região de transição entre clima subtropical e tropical, com pouca participação de massas polares e, por tanto, menos fria (3). A abertura da enseada de Ubatuba é voltada para E, com área de, aproximadamente, 8 km², e largura de 4,5 km, decrescente no sentido continente. Quatro rios (Indaiá, Grande, Lagoa e Acaraú) drenam a costa ao redor da enseada, carreando nutrientes e contribuindo para a diminuição da salinidade junto às desembocaduras. A temperatura média da água é de 23,8ºC, a salinidade é de 33,2‰ e oxigênio dissolvido de 5,11 mg.l-1 (10).

de antrópica na região (9). O litoral paranaense possui uma costa de pequena extensão e características oceânicas, sendo uma ampla planície costeira caracterizada por longas praias arenosas expostas (11), separadas por dois estuários bem desenvolvidos, a Baía de Guaratuba e o Complexo Estuarino de Paranaguá (CEP). O Complexo Estuarino de Paranaguá (fig.2) está situado na porção centro-norte do litoral do Paraná, com 612 km², é composto por dois eixos principais (7): eixo NS, Baía dos Pinheiros e das Laranjeiras (200 km²), e eixo L-O, a Baía de Paranaguá e Antonina (260 km²). Este complexo estuarino apresenta duas desembocaduras para o Oceano Atlântico, Norte e Sul, de acordo com a sua posição geográfica em relação à Ilha do Mel (12,13). A área interna do CEP é margeada por manguezais, marismas e planícies de maré, enquanto a área oceânica adjacente 23

e as áreas de desembocadura são com-

De maneira geral, areias finas são os sedi-

postas por extensas praias arenosas e cos-

mentos de fundo que predominam na pla-

tas rochosas (14). É uma região profunda-

taforma rasa do litoral paranaense. Os sedi-

mente recortada e composta por numero-

mentos da baía de Paranaguá são compos-

sas ilhas: Ilha Rasa da Cotinga, Ilha das

tos por siltes finos a areias finas (12), sen-

Cobras, Ilha das Peças, Ilha do Mel, Ilha

do mais finos e pior selecionados para o

do Superagui e Ilha do Teixeira, entre ou-

interior da baía (11). Na desembocadura

tras (14).

sul predominam areias finas a médias, e,

As áreas de águas calmas e correntes fracas favorecem a deposição de sedimentos e a formação de baixios e planícies de maré. Os baixios ou fundos rasos não ultra-

na norte, areias finas a grossas, sendo moderadamente a bem selecionados na sul, e moderadamente a pobremente selecionados na norte (14).

passam 2 m de profundidade, podendo ficar emersos em marés baixas. Alguns baixios de grande extensão são o Baixio do

Assinaturas Tafonômicas

Perigo, Baixio do Bagre e o Baixio do Saco do Limoeiro (14). A média de precipitação durante a estação chuvosa é mais de três vezes mais elevada do que a taxa da estação seca. A salinidade e temperatura média da água no verão e inverno são de 12-29 e 23-30ºC e 20-34 e 18-25ºC, respectivamente (12).

Ondas, vindas principalmente do su-

deste, exercem efeito importante apenas na entrada do Estuário, onde variam de uma altura média de cerca de 0,5 m (períodos de 3-7 s), a uma altura máxima de 2-3 m durante eventos de tempestade (12).

Para fins de comparação de diferentes situações energéticas, vamos apresentar os resultados tafonômicos obtidos nas análises de conchas de moluscos bivalves provenientes de dois ambientes distintos do CEP, e compará-los com alguns resultados obtidos para o litoral de São Paulo (3). As amostras provenientes do CEP foram coletadas em parceria com o Laboratório de Oceanografia Geológica (LOGeo – CEM/UFPR), via pegador de fundo do tipo Petersen.

24

Fig.1. Enseadas de Ubatuba e Picinguaba indicando os pontos amostrados (fonte: 3).

Fig. 2. Área do Complexo Estuarino de Paranaguá, no litoral do Paraná, com as estações de coleta 696 e 472 indicadas nos círculos em vermelho (adaptada de 15).

As assinaturas tafonômicas abordadas

organismos causadores, e porcentagem

aqui levaram em conta:

da área afetada, podendo ser classificada

(1) articulação, considerando-se estado inarticulado (presença de uma valva) ou articulado (duas valvas); (2) tipo de valva, esquerda ou direita, quando possível; (3) fragmentação, presença de quebras, devidas tanto a processos físicos, químicos e/ou biológicos; (4) abrasão, considerando-se a presença de orifícios e o estado de ornamentação

em três estados: nenhuma, baixa ou intensa incrustação; (8) textura superficial da concha, quando sua textura superficial apresentar novas conformações devido a processos biológicos, físicos e químicos. Análise tafonômica dos bioclastos do Complexo Estuarino de Paranaguá e das enseadas de Ubatuba e Picinguaba

da concha, determinando-se graus de intensidade de abrasão (processo físico, agentes mecânicos);

O primeiro ponto de coleta a ser abordado aqui, ponto 472 (fig. 2), está localizado em

(5) dissolução, considerando-se a presen-

uma porção interna da área do CEP, na Ba-

ça de orifícios e o estado de ornamenta-

ía de Guaraqueçaba, próximo ao mangue.

ção da concha, determinando-se graus de

Durante a maré baixa, a profundidade des-

intensidade de dissolução (processo quími-

ta área pode ser inferior a 4m, dependen-

co);

do do ciclo da maré.

(6) bierosão, conchas analisadas nas por-



ções interna e externa, em termos de orga-

tada, é a estação 696 (fig. 2), encontra-se

nismos causadores, e porcentagem da

próxima a Desembocadura Sul do Estuário

área afetada, podendo ser classificada em

e a um grande banco de areia, o Saco do

três estados: nenhuma, baixa ou intensa

Limoeiro. Por esse motivo, apresenta me-

bioerosão;

nor profundidade. A pesar deste fato, esta

(7) incrustação, conchas analisadas nas porções interna e externa, em termos de

A segunda estação de coleta apresen-

é uma das regiões que possui as maiores profundidades associadas às velocidades

26

mais rápidas de correntes de maré do



Complexo Estuarino de Paranaguá. As on-

não diferem muito em termos de dissolu-

das que entram por essa região, possuem

ção, abrasão e corrosão. A maioria dos me-

alturas inferiores a 0,5 m, fazendo com

xilhões da estação 472 exibem abrasão na

que o fluxo seja turbulento, o que dá maior

região do umbo, o que pode ser resultado,

poder de ressuspensão e transporte de se-

também, da atividade do pé em vida, mais

dimentos. Somado a isso, este ponto loca-

do que fatores físicos e/ou químicos pós-

liza-se próximo a rota de grandes embarca-

morte.

ções com destino ao Porto de Paranaguá, além de embarcações que realizam o trans-

As duas estações analisadas no CEP

Corrosão, modificação da margem, bioero-

porte de turistas até a Ilha do Mel.

são e incrustação são assinaturas que



Para as duas estações do CEP, incrus-

ambientes estudados (3). Assim, como

tação e bioerosão não foram muito fre-

não houve diferença entre as frequências

quentes nem variáveis. Na estação 472,

dessas assinaturas nos moluscos e bra-

20% dos bioclastos apresentaram bioero-

quiópodes das estações amostradas, es-

são, sendo causada apenas por algas, en-

sas assinaturas não refletem as diferenças

quanto que na estação 696, apenas 7%

hidrodinâmicas existentes entre as ensea-

dos bioclastos encontravam-se bioerodi-

das de Ubatuba e Pinciguaba.

dos, por algas e por esponjas. Já com relação a incrustação, a estação 472 apresentou 35,3% dos bioclastos incrustados por algas, briozoários e crustáceos (cracas). 20% dos bioclastos do ponto 696 apresentaram incrustação, devida a algas, briozoá-

mostraram distribuição homogênea nos

Segundo a autora, isto pode ser devido ao fato dos bioclastos estarem submetidos a uma complexa história tafonômica, envolvendo prolongado tempo de residência na zona de soterramento final, com exposi-

rios, bivalves e crustáceos (cracas).

ção ou re-exposição à zona tafonomica-

No litoral de São Paulo, espongiários (Clio-

temente expostos aos processos físicos,

na sp.), poliquetas (Polydora sp.) e ataque

químicos e biológicos (predação), antes de

de algas e fungos foram os principais orga-

sua completa destruição ou provável incor-

nismos causadores de bioerosão nos bio-

poração final ao substrato (3).

mente ativa. Assim, eles estariam constan-

clastos.

27



Nos bioclastos do CEP, fragmentação

gação dos trens de ondas energéticas (vin-

e desarticulação das valvas foram mais fre-

das de SW), a enseada de Picinguaba tam-

quentes na estação 696 (82,7% e 92,9%,

bém é caracterizada como ambiente de

respectivamente), assim como a disparida-

baixa energia (9).

de na ocorrência dos tipos de valva (valvas direitas (30,7%) são quase duas vezes mais frequentes que as valvas esquerdas (19,3%)), o que pode ser atribuído ao fato desta estação apresentar níveis energéti-

Neste caso a fragmentação e desarticulação das valvas não são resultado apenas do nível de energia do ambiente (3). Para ela, o tempo de residência na zona de so-

cos mais intensos.

terramento final e sua exposição e re-expo-

A fragmentação presente nos bioclastos

fatores importantes para a desarticulação

das estações 696 e 472, difere pelo fato

das valvas. Segundo a autora, o tempo

de que, a fragmentação presente nos mexi-

prolongado de residência no substrato

lhões da estação 472 pode estar mais rela-

pode contribuir para a desarticulação, em

cionada a ação de predadores durófagos,

associação com outros fatores físicos (atu-

e não apenas aos fatores físicos e quími-

ação de ondas e correntes) e biológicos

cos. As marcas desta fragmentação estão,

(predação).

principalmente, na região ventral das con-

sição à zona tafonomicamente ativa são

chas dos mexilhões.

Apesar da homogeneidade verificada na

Assim como verificado para as associa-

ambientes estudados nas enseadas de

ções do CEP, fragmentação e desarticula-

Ubatuba e Picinguaba, a assinatura textu-

ção das valvas são feições predominantes

ra superficial da concha permite uma me-

em todos os ambientes estudados (3), tan-

lhor interpretação ambiental, já que é pro-

to para a enseada de Ubatuba como para

duto das demais assinaturas tafonômicas.

a de Picinguaba. No entanto, Ubatuba é

A distribuição das assinaturas abrasão,

considerado um ambiente de baixo nível

corrosão e bioerosão entre os ambientes

energético, pois, devido ao posicionamen-

amostrados correlacionou-se bem com as

to de sua abertura (voltada para E), ela en-

frequências das texturas superficiais.

contra-se protegida da ação dos trens de ondas energéticas (16). Apesar de possuir a abertura voltada para o sentido de propa-

distribuição das assinaturas nos diferentes

As conchas que não possuíam alterações da textura eram típicas do ambiente de en-

28

seada de fundo argiloso, onde tanto abra-

trário do observado (3), a pesar de se tra-

são como corrosão e bioerosão foram ra-

tar de um local de sedimento mais lamoso

ras (3).

e menores níveis energéticos, a grande fre-

. Já a textura fosca foi mais comum nos bioclastos do ambiente praial e rara nos demais ambientes. Justamente no ambiente praial, o mais energético dentre os estu-

quência desta textura aqui deve-se a abrasão encontrada nos mexilhões, especialmente na região do umbo, como citado anteriormente.

dados, foram registrados os mais altos ín-

Já na estação 696, há maior diversidade

dices de abrasão.

de texturas superficiais, devido a maior va-

A textura granular foi mais frequente (acima de 50%) nos ambientes de plataforma interna, de fundo arenoso, ambientes nos quais foram registrados os mais altos índices de corrosão (enseadas de baixa energia e fundo arenoso e plataforma interna e fundo arenoso), sendo altos, também, os índices de bioerosão. Altos índices de textura granular também foram observados para os bioclastos de enseada de fundo arenoso, porém, nesse ambiente, predominaram as texturas biogênicas, as quais foram verificadas em todos os ambientes estudados, inclusive no ambiente praial, porém em menor proporção. 96% dos bioclastos da estação 472 do CEP, apresentaram a textura superficial do tipo fosca. Este tipo de textura é identificada quando o bioclasto sofre perdas não

riedade de danos tanto físicos, químicos e biológicos observados. 47,3% das conchas estão em seu estado natural, e 36% apresentam textura do tipo fosca. Foram verificadas, também, as texturas granular (atribuída a causas químicas, como a dissolução), perfurada, em ecthing e em cratera, sendo estas três texturas biogênicas, ou seja, causadas por atividade biológica. Por se tratar de um ambiente com níveis energéticos mais elevados, tanto pelas ondas e eventos de tempestade, quanto pelo movimento causado por diversas embarcações, os bioclastos estão em constante reexposição aos danos físicos e, uma maior exposição a interface sedimento/água, favoreceria também os ataques biológicos, especialmente por ser um ambiente predominantemente marinho, diferente do ocorre na estação 472.

pontuais de suas camadas superficiais, sendo considerado um dano físico. Ao con-

29

Conclusões

Através da comparação de resultados obti-

Assim, essas assinaturas podem ser consi-

dos em dois ambientes diferentes no litoral

deradas como não sendo sensíveis as alte-

de São Paulo e litoral do Paraná, podemos

rações ambientais, não sendo, então, úteis

observar e analisar os danos que diferen-

na diferenciação de diferentes condições

tes condições ambientais causam ao mate-

ambientais. No entanto, quando olhamos

rial biogênico morto, através da análise

a assinatura textura superficial da concha,

das assinaturas tafonômicas.

podemos ter uma melhor interpretação am-

Nos dois ambientes estudados, a maioria das assinaturas mostrou-se com frequências homogêneas, tanto naqueles ambientes mais protegidos como nos ambientes de maior nível energético e de maior influência marinha. Olhando para as duas estações amostra-

biental. Isso se dá ao fato de que essa assinatura é resultado dos demais danos causados ao material biogênico morto, podendo, inclusive, estarem sobrepostas em uma mesma concha, podendo revelar uma história tafonômica mais complexa, com passagem por diferentes condições ambientais.

das no CEP, pode-se perceber que, apesar de apresentarem frequências homogêneas dos danos físicos e químicos, há maior diversidade de danos biogênicos na estação 696. Esta pode ser uma característica esperada para esses bioclastos, dado que a maioria dos organismos causadores de bioerosão e incrustação são de origem marinha. Nos pontos estudados (3), esses danos também foram comuns em todos os ambientes.

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Referências

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31

(8) Rodrigues SC & Simões MG. Taphonomy of Bouchardia rosea (Rhynchonelliformea, Brachiopoda) shells from Ubatuba Bay, Brazil: implications for the use of taphonomic signatures in (paleo)environmental analysis. Ameghiniana. 2010; 47(3):373-386. (9) Rodrigues M; Mahiques de MM & Tessler MG. Sedimentação atual nas enseadas de Ubatumirim e Picinguaba, região norte de Ubatuba, Estado de São Paulo, Brasil. Revista Brasileira de Oceanografia. 2002; 50:27-45. (10) Mantelatto FLM & Fransozo A. Characterization of the physical and chemical parameters os Ubatuba Bay, northen coast of São Paulo State, Brazil. Revista Brasileira de Biologia. 1999. 59:23-31. (11) Bigarella JJ; Becker RD; Matos DJ & Werner A. A Serra do Mar e a porção oriental do Estado do Paraná: um problema de segurança ambiental e nacional. Curitiba: Secretaria de Estado de Planejamento/ADEA. 1978. (12) Lana PC; Marone E; Lopes RM & Machado EC. The subtropical estuarine complex of Paranaguá Bay, Brazil. In: SEELIGER, U.; LACERDA, L. D.; KJERFVE, B. (ed.), Coastal Marine Ecosystems of Latin America. Basel: Springer Verlag. Ecological Studies. 2001; 144:131-145. (13) Lamour MR Morfodinâmica sedimentar da desembocadura do complexo estuarino de Paranaguá – PR. Curitiba: Universidade Federal do Paraná; 2007. (14) Angulo RJ. Geologia da planície costeira do Estado do Paraná. São Paulo: Instituto de Geociências, Universidade de São Paulo; 1992. (15) Rosa LR & Borzone CA. Uma abordagem morfodinâmica na caracterização física das praias estuarinas da Baía de Paranaguá, sul do Brasil. Revista Brasileira de Geociências. 2008; 38(2):237-245. (16) Mahiques MM; Tessler MG & Furtado VV. Characterization of energy gradiente in enclosed bays of Ubatuba region, southeastern Brazil. Estuarine, Coastal and Shelf Science. 1998; 46:431-446.

32

3 Utilização de Estação Total para aquisição de dados de campo em trabalhos paleontológicos

Marcos César Bissaro Júnior Renato Pirani Ghilardi Annie Schmaltz Hsiou Bruno dos Santos Francisco Fernando Soares Adorni

Introdução A aquisição de dados paleontológicos vai além da descrição taxonômica, em laboratório, dos espécimes coletados em campo. Aspectos geológicos / litoestratigráficos e disposição dos fósseis na matriz rochosa são informações que devem, sempre que possível, constar na caderneta de campo de todo paleontólogo. Em (1) há uma compilação dos principais aspectos envolvidos na coleta de fósseis em campo, desde questões logísticas de acesso aos sítios paleontológicos, englobando questões de destruição e recuperação de áreas impactadas pelas escavações, até a aquisição de dados geológicos e tafonômicos de concentrações de macro e micro-

Figura 1. Estação Total (modelo Leica TS06). Imagem retirada de http://dodactruongson.com/san-pham_may-toan-dac-dien -tu/may-toan-dac-dien-tu-leica-ts-06-plus/vn

fósseis. Para evitar a perda de informações tafono-

Em trabalhos arqueológicos é comum, du-

micamente relevantes, que são imprescin-

rante os trabalhos de campo para coleta

díveis para reconstruções paleoambientais

de vestígios, a utilização de um equipa-

e paleoecológicas robustas, a retirada dos

mento eletrônico denominado Estação To-

fósseis da rocha matriz deve ser realizada

tal – ET (4–7). A ET (Figura 1) é um apare-

de maneira a preservar a maior quantidade

lho comumente utilizado em levantamen-

de informações possíveis, como orienta-

tos topográficos, que combina medidas de

ção do espécime na matriz, orientação azi-

ângulos e distâncias, com utilização de

mutal e exata posição do fóssil na área de-

raios infravermelhos, permitindo a aquisi-

limitada de coleta (2,3).

ção de coordenadas x, y e z para cada ponto marcado, permitindo assim, em laboratório, a localização tridimensional de 34

cada elemento em um espaço previamente definido. Em trabalhos paleontológicos raras são as menções à utilização de ET para coletas de fósseis. Os trabalhos de (8–10) são, no entanto, algumas exceções a este cenário. Este trabalho apresenta os resultados de um trabalho de campo piloto, com utilização de uma ET, realizada em rochas da Formação Adamantina (Cretáceo Superior, Grupo Bauru), em afloramento localizado entre os municípios de Presidente Prudente e Pirapozinho (SP). Vale ressaltar que esta metodologia está contemplada no projeto de doutorado do aluno Marcos César Bissaro Júnior (Proc. FAPESP 2014 / 02006-9).

35

Material e Métodos

Estação Total

Caso o aparelho necessite de uma realocação, é importante que o pesquisador siga os passos descritos no manual de utiliza-

Entre os dias 19 e 21 de junho de 2014 foi realizado um trabalho de campo piloto em afloramento localizado entre os municípios de Presidente Prudente e Pirapozinho (UTM: 22K 455376 E 7545923 S) para testar a viabilidade da utilização de uma ET na aquisição de dados tridimensionais dos fósseis coletados. Foi utilizado o aparelho da marca Leica, modelo TS06. O primeiro passo para utilização é a instalação do aparelho no tripé (Figura 2), seguido pelo estacionamento e nivelamento sobre um ponto topográfico (ponto fixo no solo, podendo ser um prego, uma estaca, chapas metálicas, piquetes). Como pode ser visto na Figura 3, a extremidade de uma talhadeira foi utilizado como ponto topográfico. Este passo é imprescindível para que o aparelho seja re-estacionado

ção do aparelho, evitando a perda do trabalho realizado. Em topografia a mudança de local da ET pode ser chamada de ré ou vante (dependendo da direção da realocação), que “informará ao aparelho” um novo ponto topográfico, recalculado automaticamente em relação ao ponto inicial. Para este modelo de ET foi necessária a utilização de um prisma de vidro cujo objetivo é a recepção e reflexão dos raios infravermelhos de volta para o aparelho (Figura 4). Na maioria dos modelos hoje disponíveis para compra ou locação há uma haste metálica que pode servir de suporte para o prisma. Sempre que for utilizada a altura desta haste deverá ser informada nas configurações do aparelho para que haja uma correta medição do ponto de interesse.

no mesmo local sempre que necessário, evitando o comprometimento na aquisição precisa das coordenadas.

36

Figura 2. Instalação da Estação Total sobre tripé.

Figura 3. Extremidade de talhadeira (seta), utilizada como marco topográfico

37

Figura 4. Prisma de vidro alocado em ponto onde foi encontrado um fóssil na quadrícula de coleta.

Quadrículas de coleta A coleta de fósseis no afloramento, seguindo metodologia adaptada de (3), foi feita a partir da delimitação de duas quadrículas com dimensões de dois metros de largura,

Em laboratório, a utilização dos softwares AutoCad e ArcScene permitiram uma reconstrução virtual da quadrícula, com a posição em três dimensões dos fósseis coletados.

por dois metros de comprimento (Figura 5). Todo fóssil coletado teve sua localização aferida pela ET antes da retirada e as coordenadas obtidas anotadas em caderneta de campo e em fichas específicas, que foram guardadas em sacos plásticos juntamente com os fósseis. Cada fóssil recebeu também um número que foi gravado na memória do aparelho.

38

Figura 5. Quadrícula de coleta (2m x 2m) em afloramento da localidade Bolo de Noiva, delimitada por fita plástica.

Resultados

Figura 6. Imagem gerada no programa ArcScene, em que pode ser vista a localização, em três dimensões, de cada fóssil nas duas quadrículas de coleta (traços azuis).

Somando-se os fósseis coletados nas duas quadrículas, foram coletados 18 espécimes (bivalves, dentes de Crocodylomorpha e fragmentos ósseos não identificados). As imagens em três dimensões dos limites das quadrículas e a localização dos fósseis podem ser vistas na Figura 6.

40

Discussão

A coleta de fósseis segundo protocolos ta-

ambientes fluviais é estimada em 102 a

fonômicos previamente estabelecidos,

104 anos.

com a delimitação da área de coleta em arcabouço estratigráfico definido, anotação das principais feições sedimentares, coleta preferencial dos fósseis em blocos de rocha com anotação da orientação azimutal e topo / base, são estratégias de grande importância para evitar a perda de informações paleontologicamente relevantes (veja, por exemplo, o trabalho de (11) em que é proposto um protocolo tafonômico/ paleoautoecológico para trabalhos com pa-

No trabalho de (13), por exemplo, a coleta de fósseis de vertebrados na gruta Cuvieri (MG, Brasil) demonstra a viabilidade de uma coleta minuciosamente realizada. Os autores, por meio de análises granulométricas do sedimento e datação dos fósseis por C14, identificaram que elementos exumados lado a lado pertenciam a momentos deposicionais distintos. Vale ressaltar que as hipóteses de mistura temporal e es-

leoinvertebrados).

pacial levantadas no trabalho de (13) só fo-

Sabe-se que uma coleta minuciosa e deta-

ção na gruta, quando os pesquisadores

lhada pode ajudar a reconhecer e quantifi-

perceberam incongruências nas datações

car a mistura temporal, fenômeno inerente

obtidas, além de mudanças na textura e

à grande maioria dos depósitos fossilíferos

granulometria do sedimento escavado

de organismos compostos por partes du-

(Alex Hubbe com. pessoal). Caso os fós-

ras preserváveis (1,2,12,13). Trabalhos ac-

seis tivessem sido escavados sem o rigoro-

tuopaleontológicos vêm demonstrando

so controle estratigráfico, a mistura tempo-

que em concentrações de conchas (bival-

ral e espacial não teria sido identificada e

ves e braquiópodes) a mistura temporal

interpretada corretamente.

pode ser da ordem de milhares de anos (14). Para vertebrados há o clássico trabalho de (15), em que a mistura temporal em

ram trazidas à tona após anos de escava-

Sabe-se que as cavernas brasileiras são, em grande parte, uma fonte valiosa de informações sobre a megafauna pleistocêni-

41

ca. Hipóteses sobre a convivência destes grandes animais com as primeiras populações humanas são sempre alvo de caloroso debate na paleontologia sul-americana. Infelizmente a grande maioria dos trabalhos que alegam esta contemporaneidade é baseada em fracas evidências no que tange às datações absolutas e aos contextos deposicionais, gerando divergências e indagações que não podem ser respondidas dada à ausência de uma maior precisão na coleta de dados (16–18). Algumas análises geoquímicas vêm sendo utilizadas na tentativa de quantificar a mistura temporal e espacial de depósitos sedimentares fossilíferos, como as análises de Elementos Terras Raras (19). No entanto, um dos requisitos para que este tipo de análise forneça evidências inequívocas da mistura temporal e espacial é a proveniência de cada espécime analisado, dentro de um arcabouço litoestratigráfico rigorosamente definido. Neste sentido, a utilização em campo de uma ET, pode ser uma ferramenta de fundamental importância.

42

Conclusões

O trabalho piloto realizado na localidade

Outras metodologias utilizadas pelos ar-

Bolo de Noiva, demonstrou a viabilidade

queólogos podem também ser adaptadas

de utilização da ET em coletas paleontoló-

para coletas paleontológicas como a esca-

gicas. Esta metodologia, inspirada em ex-

la de cores de Munsell, usadas para padro-

periência prévia do autor com coletas ar-

nizar as diferentes colorações dos sedi-

queológicas, será adaptada e utilizada

mentos, evitando a generalizações e impre-

para coletas de paleovertebrados da For-

cisão na descrição das cores de fácies e

mação Solimões (Bacia do Acre, Mioceno

camadas sedimentares.

Superior). Infelizmente a maioria das coletas paleontológicas, especialmente aquelas realizadas em território nacional, carece de informações detalhadas de campo. Uma vez retirado de seu contexto, sem as devidas anotações de proveniência, todo fóssil perde uma gama de informações que dificilmente vão ser recuperadas. Mesmo que os grupos de pesquisa não possuam o aparelho ET, por questões de custo e logística, sugere-se a utilização de metodologia de coleta com protocolos bem estabelecidos, tendo sempre como objetivo principal minimizar a perda de informações espaciais e de proveniência dos fósseis coletados.

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Referências

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4 Tafonomia de microvertebrados com ênfase em squamata: conceitos, limitações e desafios.

Silvio Yuji Onary Alves Annie Schmaltz Hsiou

Introdução

A ciência da Tafonomia

Em suma o tafônomo busca compreender os processos que culminaram na formação das concentrações fossilíferas, alian-

Tradicionalmente o Paleontólogo é aquele cientista que se preocupa em descrever, analisar e inferir espécies para organismos extintos ao longo do tempo geológico, contudo, a partir do século XX, um dos ramos da Paleontologia começou a se consolidar a partir da subdivisão da Paleoecologia: a Tafonomia (etimologia do grego Tafos= sepultamento e Nomos = leis) (1,2,3). A primeira definição de Tafonomia foi enunciado segundo Efremov (4) “Estudo da transição (em todos os detalhes) dos restos de um animal da biofesra, para a litosfera”, contudo, essa definição se apresenta ampla nos mais diversos aspectos (3). A Tafonomia consiste de uma ciência multidisciplinar e que na sua moderna definição, segundo Behrensmeyer e Kidwell (1985) (1) é caracterizado como a análise e entendimento dos processos que governam a preservação dos fósseis, e como eles podem influenciar no registro fossilífero.

do as mais diversas áreas das ciências (e.g. Geoquímica; Geofísica, Biologia evolutiva, Paleobiologia), assim como, identificando eventuais vieses que podem causar problemas interpretativos tanto do âmbito geológico, quanto paleobiológico (3,5). A partir da consolidação da Tafonomia como uma ciência, diversos ramos se partiram de sua cerne, como o modelo de fácies tafonômicas, tafonomia comparada, tafonomia experimental entre as demais (3). Essas diversas áreas possuem como base inicial os conceitos de Estatigrafia de Sequências, da maneira pela qual, o resgate deposicional sedimentológico se faz indispensável para as análises tafonômicas (5). A Tafonomia abrange diversas áreas específicas, contudo, a análise tafonômica básica se faz primordial para qualquer trabalho: como o organismo morreu? de que maneira ocorreu o transporte e soterramento? O que gerou esse tipo de preserva-

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ção? Esses entre outros questionamentos

uma tafocenose: tendo uma distribuição

são primordiais para início de uma pesqui-

bimodal nas idades, no caso de seletiva

sa (3).

(tendenciada a partir da ocorrência de or-

A análise tafonômica básica consiste do estudo das etapas potencialmente fundamentais que culminam na fossilização de qualquer organismo (3), estes são caracte-

ganismos fósseis de determinadas idades) ou a distribuição representativa das faixas etárias originais da biocenose (no caso de morte catastrófica) (Figura 2) (3).

rizados, pela morte, necrólise, desarticula-

Logo após o processo de morte, a necróli-

ção, transporte, soterramento e diagênese

se se estabelece: gerando a decomposi-

(Figura 1).

ção dos tecidos moles e de conexão, sen-

Essas etapas podem gerar diferentes tipos de fossilização, variando em decorrência do ambiente deposicional e da estrutura biológica e anatômica do organismo em questão, culminando em diferentes padrões de tafocenoses (3,6). O início da história tafonômica ocorre a partir da morte de um ser vivo, a qual varia de maneira seletiva e não seletiva (catastrófica) (3). O primeiro, está intrinsecamente relacionado com fatores biológicos, como a idade avançada, predação e doenças, enquanto o segundo, é regido por fatores estocásticos de grandes catástrofes (e.g. seca, inundações, vulcanismo, entre outros) (3). As concentrações fossilíferas refletem os processos de morte que as populações vi-

do crucial para os processos seguintes nos tipos de preservação (3). O ataque químico decomposicional varia conforme as condições ambientais de clima, temperatura e biológicas de bactérias endógenas (internas ao organismo) e exógenas (presentes no ambiente) (3). A decomposição pelas bactérias usualmente ocorre em meios aeróbios (presença de oxigênio) ou anaeróbios (ausência de oxigênio), e estes se fazem determinantes para o tempo em que o recém-morto permanecerá articulado (3). Em localidades com condições geoquímicas propícias, a decomposição anaeróbia pode gerar a fossilização de animais de corpo mole, uma preservação excepcional, formando as “Janelas tafonômicas” ou “fossil-lagerstätten” (3) (Figura 3).

eram a sofrer no passado, se distinguindo a partir da faixa etária dos indivíduos de 49

Fig.1. Esquema representativo dos prováveis processos envolvidos em uma análise tafonômica básica. Adaptado de: Holz e Simões, 2002.

Fig.2. Distribuição populacional da tafocenose em relação a biocenose original. A distribuição relativa da recuperação, permite inferências dos tipos de mortes ocorridas na paleocomunidade. Adaptado de Holz e Simões, 2002.

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! Fig.3. Preservação excepcional “Fossil-lagerstätten” de espécie de lagarto (Squamata) oriundo da janela tafonômica de Solnhofen (Alemanha). Fonte: Wikimedia Commons. Disponível em
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