TÃO PERTO E TÃO DISTANTE\". O ENSINO DO CONTEÚDO RELACIONADO A GUERRA DO CONTESTADO NA EDUCAÇÃO BÁSICA DO ESTADO DO PARANÁ: UM ANÁTEMA DA TERRITORIALIZAÇÃO.

July 8, 2017 | Autor: Nilson Cesar Fraga | Categoria: War Studies, Ensino, Guerra, Paraná, Santa Catarina, Guerra Do Contestado
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TÃO PERTO E TÃO DISTANTE". O ENSINO DO CONTEÚDO RELACIONADO A GUERRA DO CONTESTADO NA EDUCAÇÃO BÁSICA DO ESTADO DO PARANÁ: UM ANÁTEMA DA TERRITORIALIZAÇÃO.

Vanessa Maria Ludka – UFPR1 [email protected] Luciana Homczinski – SEED-PR2 [email protected] José Ricardo Teles Feitosa – UFPR3 [email protected] Nilson Cesar Fraga – UEL-DGEO/ UFPR-PPGEO4 E-mail: [email protected]

RESUMO: O presente artigo analisa o ensino do conteúdo relacionado a guerra do contestado na educação básica do Estado do Paraná, buscando um entendimento para a invisibilidade do papel da Guerra do Contestado no território paranaense. A Guerra do Contestado em si foi definidora dos territórios atuais de Santa Catarina e do Paraná, além de constituir aquelas denominadas Região do Contestado Catarinense e Sul Paranaense, que possuem como base para suas territorialidades a guerra em questão. Palavras-chave: Ensino no Paraná, Guerra do Contestado, Território.

1 Licenciada em Geografia pela FAFIUV. Turismóloga pela UNIUV. Especialista em Turismo: Planejamento e Gestão pela FAFIUV. Especialista em Geografia: Gestão Ambiental e Biodiversidade pela FAFIUV. Mestranda em Geografia na UFPR – Bolsista Reuni. 2 Licenciada em Pedagogia pela FAFIUV. Especialista em Educação – Series Iniciais e Educação Infantil pela FAFIUV. Pedagoga da Rede Estadual de Ensino do Estado do Paraná. 3 Licenciado em Geografia e Pedagogia pela UNIR. Mestre em Geografia pela UNIR e Doutorando em Geografia na linha de pesquisa de Território, Cultura e Representação da UFPR – Bolsista Reuni. 4 Produtividade em Pesquisa CNPq. Universidade Estadual de Londrina – UEL-DGEO e Universidade Federal do Paraná – UFPR- PPGEO. Doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento – UFPR.

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A geografia não é primordialmente uma ciência, mesmo que se prolongue em um saber. Ela é uma experiência, melhor: um choque sensível, um reencontro do Ser (...) que retine no homem como uma evocação inesquecível de seu destino, e lhe dá seu colorido. Jean-Marc Besse

INTRODUÇÃO

O conjunto de acontecimentos ocorridos no Sul do Brasil nos anos de 1912 até 1916 (Guerra do Contestado) é de fundamental importância para a formação acadêmico-estudantil da atual geração e da futura, pois se torna necessário o conhecimento geográfico e histórico para entender o processo de formação socioespacial paranaense e catarinense – sem o qual um abismo se abre no entendimento de quem se é e do cotidiano vivido nesta porção do Brasil (FRAGA, IN REZENDE; TRICHES, 2005). Sabe-se que a educação é um processo histórico que foi criado pelo homem para a sociedade e simultâneo a isso, há modificação dessa sociedade para beneficiar o próprio homem e, tem como objetivo uma educação transformadora, voltada para a prática social e que seja também significativa para a vida do aluno e para a sociedade de forma geral, onde partindo do conhecimento adquirido possa exercer sua cidadania e assim vir a transformar sua realidade. Uma educação que propicie ao aluno instrumentos que o leve, a saber, pensar, a apropriar-se do saber científico, político, cultural acumulado pela humanidade no decorrer dos tempos. Os conteúdos disciplinares devem ser abordados de forma contextualizada, estabelecendo relações interdisciplinares, contribuindo assim para a crítica as contradições sociais, políticas e econômicas da sociedade, proporcionando a compreensão da produção científica, a reflexão filosófica, as manifestações artísticas nos contextos em que se constituem (PARANÁ, 2008). A Guerra do Contestado (1912-1916) foi um evento violento com conseqüências para todo o Sul do Brasil. Nele, se sobrepuseram vários níveis de conflitos: divergências entre Argentina e Brasil, questões de posse de terras entre diferentes coronéis, e da divisa entre os Estados do Paraná e Santa Catarina, e os conflitos sociais entre fazendeiros e caboclos. Porém este conteúdo tende a cair no

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esquecimento, visto que a abordagem por professores da rede estadual de ensino está atrelada aos conteúdos estruturantes e conteúdos básicos, onde a realidade local e paranaense deve ser considerada sempre que possível, mas não é. A temática “Guerra do Contestado” é abordada de forma fragmentada, ou apenas citada no conteúdo quando se discute os diversos movimentos sociais e revoluções. O Território do Contestado, seu povo e sua cultura são marcados pela invisibilidade desde o fim da guerra, e o rompimento desse silêncio vem sendo lentamente rompido pelas ciências humanas, mesmo que cada qual atue na sua realidade analítico-metodológica; dessa forma, o fenômeno dos esquecimentos sucessivo tende a ser reduzido (FRAGA, 2011, p. 75) Pretende-se através das discussões realizadas neste artigo levantar questões referentes à abordagem da Guerra do Contestado, negligenciada por muitas escolas paranaenses e até mesmo pelo conteúdo que aparece raramente em texto, apostilas e livros didáticos.

O TERRITÓRIO DO PARANÁ E A GUERRA DO CONTESTADO

O território é o lugar em que desembocam todas as ações, todas as paixões, todos os poderes, todas as forças, todas as fraquezas, isto é onde a história do homem plenamente se realiza a partir das manifestações de sua existência. Milton Santos .

Observa-se que de maneira geral território pode ser uma área, uma aglomeração, uma ocupação e até mesmo o uso do espaço. Entende-se que o conceito de território, que facilita a leitura do nosso objeto de estudo caracteriza as relações sociais, as redes, a cultura e o cotidiano. Dessa forma destacam-se as palavras de Haesbaert que divide em três vertentes básicas as concepções de território (2004 p. 40): 1) política (referida as relações espaço-poder em geral) ou jurídico-politica (relativa também a todas as relações espaço-poder institucionalizadas): a mais difundida, onde o território é visto como um espaço delimitado e controlado, através do qual se exerce um determinado

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poder, na maioria das vezes – mas não exclusivamente – relacionado ao poder político de Estado. 2) cultural (muitas vezes culturalista) ou simbólico-cultural: prioriza a dimensão simbólica em ais subjetiva, em que o território é visto, sobretudo, como o produto em relação ao seu espaço vivido. 3) econômica (muitas vezes economicista): menos difundida, enfatiza a dimensão espacial das relações econômicas, o território como fonte de recursos e/ou incorporado no embate entre classes sociais e na relação capital-trabalho. O mais comum, no entanto, afirma ele, são posições múltiplas, que entendem a partir das interfaces dessas vertentes. A partir dessa discussão, Haesbaert (1997, p. 41) elucida que: [...] o território deve ser visto na perspectiva não apenas de um domínio ou controle politicamente estruturado, mas também de apropriação que incorpora uma dimensão simbólica, identitária e, porque não dizer dependendo do grupo ou classe social a que estivermos nos referindo, afetiva.

Assim leva-se em consideração os atores sociais que vivendo nesse território agem buscando expandir suas fronteiras de atuação através dos grupos culturais e espaços de convivência no intuito de fortalecer sua identidade. Santos corrobora com está ideia ao expor que: O território não é apenas o conjunto de sistemas naturais e de sistemas de coisas superpostas, o território tem que ser entendido como o território usado, não o território em si. O território usado é o chão mais a identidade. A identidade é o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é o fundamento do trabalho; o lugar de residência, das trocas materiais e espirituais e do exercício da vida. (SANTOS, et. al 2007 p. 14)

Na abordagem feita por Santos acima nota-se a dimensão em que se pode ter o conceito de território e de como ele se aplica as realidades aqui estudadas sobre o Contestado. Dessa forma entende-se o território além de um espaço físico e político. Tais sentidos simbólicos sobre o território, no caso do Contestado, são marcados pela consciência e seu pelo valor territorial, pois as lutas travadas entre o povo caboclo e o Estado estavam ligadas, também, ao espaço físico em si, quando aquela natureza era responsável pela subsistência de milhares de pessoas e estas dependiam dela para viver. Assim, aquela natureza, posteriormente territorializada, não era um espaço vazio ou um território do silêncio, mas o testemunho de muitas vidas (FRAGA, 2011 p.77). O território foi um dos principais objetos das batalhas da Guerra do Contestado, segundo Thomé (2002), a região do contestado tem sua configuração geográfica e sua história compartilhadas por cerca de 60 municípios, que

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compartilham também outros fenômenos regionais, como os efeitos da introdução do capitalismo internacional, o domínio político concentrado em poucos coronéis, questões agrárias, bem como o processo de colonização por imigrantes. A Guerra do Contestado, ocorrida no início do século XX em si foi definidora dos territórios atuais de Santa Catarina e do Paraná, além de constituir aquelas denominadas Região do Contestado Catarinense e Sul Paranaense, onde, conforme Eduardo Galeano (1986) verificou-se uma das maiores guerras civis do continente americano, pois o genocídio de milhares de camponeses pobres foi sua principal marca. A Guerra do Contestado é um episódio complexo, pois é alimentado por vários fatores que se entrelaçam, sejam de ordem social, política, econômica, cultural, sejam de ordem religiosa (FRAGA, 2009, p. 17). Esses elementos são os responsáveis pela atual formação territorial das cidades envolvidas no conflito. No dia 20 de outubro de 1916 foi assinado o Acordo de Limites pelo presidente do Paraná, Afonso Alves Camargo, e pelo governador de Santa Catarina, Felipe Schmidt. O Paraná ficou com 20.310 quilômetros quadrados e Santa Catarina com 27.570 quilômetros quadrados. Os paranaenses “cederam” Itaiópolis, Papanduva e Canoinhas, mas recuperaram Palmas e Clevelândia. E a cidade da margem esquerda do Iguaçu, que havia sido fundada por paulistas, acabou sendo dividida: União da Vitória ficou para o Paraná, e Porto União, para Santa Catarina (THOMÉ, 2003). (IMAGEM 1). Todas essas questões são amplamente discutidas e difundidas no lado catarinense

dos

conflitos,

onde

é

possível

encontrar

muitas

referências

documentadas, bem como um número maior de fotos e demais documentos preservados. No lado paranaense, a questão é pouco difundida e trabalhada, tendendo a ser esquecida, nesse sentido, a educação entra como uma ferramenta que possibilita o resgate histórico e cultural.

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Imagem 01 – Localização geográfica – Área Contestada – Palco da Guerra Fonte:Tese de doutorado: Mudanças e permanências na rede viária do contestado: uma abordagem acerca da formação territorial no Sul do Brasil (FRAGA, 2006).

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EDUCAÇÃO FORMAL NO ESTADO DO PARANÁ Pertenço a uma terra que ainda ignora a si mesma. Escrevo para ajudá-la a revelar-se – revelar-se, rebelar-se – e buscando-a me busco e encontrando-a me encontro e com ela, me perco. Eduardo Galeano

A escola é uma instituição da sociedade na qual o aluno atua efetivamente como sujeito individual e social convivendo com a diversidade, é um espaço concreto, fundamental para a formação de significados e para o exercício da cidadania, na medida em que possibilita a aprendizagem de participação crítica e criativa, contribui para formar cidadãos que atuem na articulação entre o Estado e a Sociedade Civil. Conforme afirma Schnorr (2009), a escola constitui-se como território de encontros, de vivências e práticas educativas, que dentro da lógica do capital globalizado, ensina e aprende, pois conhecer é tarefa de sujeitos e não de objetos. Nesse sentido, permite relacionar e integrar diferentes dimensões da vida: pessoal e social; cotidiana e contemporânea; local, nacional e mundial, preocupações, anseios e interesses das pessoas podem ser pensados e analisados no contexto das questões mundiais da sociedade contemporânea. Em suma, a escola enquanto instituição, contém um território fértil para a construção de formas de existência, de práticas políticas e pedagógicas fundadas na horizontalidade, autonomia, participação, democracia, que significa colocar-se na contra-corrente da hegemonia do mercado e a favor da humanidade, da vida. (SCHNORR, 2009). Sabe-se que a sociedade só se transforma pela revolução, pela luta de classes, esta afirmação foi defendida por Freire (2000) em seus diversos trabalhos, bem como, em sua luta em prol da educação. A educação libertadora, difundida por Freire (2000), é a “educação como prática da liberdade”, cujo objetivo é transformar o trabalhador em um agente político, que pensa, que vota, que elege seus pares, para que eles sejam a classe dominante, “a arma do homem é a palavra”. É através da palavra que o homem pode conquistar sua liberdade.

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É preciso salientar até a pouco tempo a socialização não era levada em conta na sala de aula. O mais importante era a memorização e a aprendizagem mecânica dos conteúdos escolares (FREIRE, 2004). Formar cidadãos é formar indivíduos capazes de partilhar a sociedade, suprindo suas necessidades vitais, culturais, sociais e políticas, contribuindo para a construção de uma nova ordem social, ultrapassando as barreiras de preconceitos, estereótipo e discriminação, procurando garantir o reconhecimento, a igualdade e a valorização de todos em especial dos grupos raciais tão discriminados no passado (FREIRE, 1992). Em entrevista concedida a Revista Nova Escola, edição 139, de janeiro/fevereiro de 2001, Aziz Ab’Saber diz que: O papel do professor deve ser de incentivar os alunos a construir o conhecimento da região onde vive, desde os limites territoriais até as características geográficas, econômicas e políticas, essas informações servirão para ele se localizar como cidadão e sempre servirão de base para qualquer estudo dos espaços maiores, as chamadas macro-regiões.

Sendo a escola um dos principais meios da produção e da disseminação do conhecimento, faz-se necessário que a Guerra do Contestado também integre os seus conteúdos e atividades. Nesse sentido, não se defende que a Guerra do Contestado seja um tema restrito à discussão geográfica ou histórica, pois a sua amplitude requer um trabalho escolar interdisciplinar. O documento de Geografia dos Parâmetros Curriculares Nacionais propõe um trabalho pedagógico que visa à ampliação das capacidades dos alunos do ensino fundamental de observar, conhecer, explicar, comparar e representar as características do lugar em que vivem e de diferentes paisagens e espaços geográficos (BRASIL, 1998, p. 15). A educação está diretamente relacionada aos problemas sociais e às questões culturais e políticas, explica Trigo (2002), pois ao longo do processo civilizatório, a educação tem se manifestado de várias formas e com várias mudanças, todas elas relacionadas ao aprimoramento e à melhoria do ser humano, apesar das crises, dos fracassos e dos imensos problemas enfrentados ao longo da história. No âmbito escolar à medida que as contradições do sistema não são explicitadas politicamente, tende-se a vivê-las como problemas individuais,

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o que temos, então, alunos infelizes, professores infelizes, ambos sentemse humilhados, negados (DUBET, 1997, p. 222-31).

Com a aproximação dos 100 anos do início do conflito do Contestado, faz-se necessária uma reflexão sobre a forma como o conteúdo tem sido trabalhado em âmbito educacional e a forma como essas informações tem sido repassadas. Sabese que o Contestado em grande parte foi condenado ao esquecimento, principalmente

em

terras paranaenses, tendo

sido objeto de

estudo

de

pesquisadores e acadêmicos. Não queremos que o Contestado seja visto como um evento

isolado

a

ser

relembrado

em

determinadas

datas

e

esquecido

posteriormente, pois há uma motivação, uma luta, há ideais que foram defendidos naquele momento e que não devem ser esquecidos. As Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná apresentam no atual contexto histórico, o currículo como configurador da prática, produto de ampla discussão entre os sujeitos da educação, fundamentado nas teorias críticas e com organização disciplinar (PARANÁ, 2008). Mesmo o conteúdo da Guerra do Contestado não sendo conteúdo estruturante das Diretrizes Curriculares para o Ensino da Educação Básica no Estado do Paraná, faz-se necessária a abordagem do mesmo, tanto na disciplina de Geografia, bem como na de História, e até mesmo em Arte e Língua Portuguesa. O Contestado é parte do Sul do Paraná, pois através deste conflito se configuraram os territórios. Com base ainda nas definições das DCE’s, a mesma fundamentada nos princípios teóricos expostos:

[...] propõe-se que o currículo da Educação Básica ofereça, ao estudante, a formação necessária para o enfrentamento com vistas à transformação da realidade social, econômica e política de seu tempo. Esta ambição remete às reflexões de Gramsci em sua defesa de uma educação na qual o espaço de conhecimento, na escola, deveria equivaler à idéia de atelier-bibliotecaoficina, em favor de uma formação, a um só tempo, humanista e tecnológica (PARANÁ, 2008, p.20).

A escola é território político-cultural, portanto, é sempre socializadora, mesmo quando não cumpre a função a que se destina, é sempre construção histórica associada à cultura, se a sociedade e a cultura não vão bem a escola não

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vai bem, ou seja, escola e sociedade estão inter-relacionados formando subjetividades (SCHNORR, 2009). O espaço escolar deve ser o espaço político-cultural de formação humana que expresse a necessidade “de um projeto de país, de sociedade e de educação concebidas para uma globalização mais humana” (SANTOS, 2002, p. 85). Que leve em conta, fundamentalmente o povo oprimido, suas culturas e suas lutas por libertação, onde a escola atua com os sujeitos e não para os sujeitos. Temos a escola como o espaço do confronto e diálogo entre os conhecimentos sistematizados e os conhecimentos do cotidiano popular. Essas são as fontes sócio-históricas do conhecimento em sua complexidade. Dessa forma, justifica-se o trabalho com o conteúdo da Guerra do Contestado, tanto nos Anos Finais da Educação Básica, bem como no Ensino Médio, e a sua inclusão nas Propostas Curriculares das Disciplinas visto que, como seleção, tais conteúdos carregam uma marca política, são datados e interessados. A disciplina de Geografia tem como conteúdos estruturantes, a dimensão econômica do espaço geográfico; a dimensão política do espaço geográfico; a dimensão cultural e demográfica do espaço geográfico e a dimensão sócioambiental do espaço geográfico. A disciplina de História tem como conteúdos estruturantes as relações de trabalho; as relações de poder e as relações culturais. Ambas as disciplinas aplicam esses conteúdos nos anos finais do Ensino Fundamental bem como no Ensino Médio. É fato que diante da ampla possibilidade de conteúdos alguns saberes disciplinares, considerados importantes no passado, podem estar excluídos do campo de estudos da disciplina, e isso é relatado nas DCE’s porém cabe ao professor dar ênfase as realidades local e paranaense sempre que possível. (PARANÁ, 2008). Viemos de uma época onde a política do esquecimento dominou, ofuscando detalhes históricos e culturais importantes para a região das terras contestadas. O Contestado não está inserido no currículo escolar da Educação Paranaense, é trabalhando por alguns docentes de forma isolada e transversalizada. Sendo assim, questiona-se o modo como esses conhecimentos referentes a este conflito estão sendo transmitidos, trabalhados e resgatados pelo ensino. O território é marcado por práticas que são materiais e simbólicas – cotidianas e históricas – constituindo-se um processo permanente e mutante de

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definição das subjetividades. Daí a importância do espaço escolar ser espaço político-cultural de formação humana que expresse a necessidade “de um projeto de país, de sociedade e de educação concebidas para uma globalização mais humana” (SANTOS, 2002, p. 85). Que leve em conta, fundamentalmente o povo oprimido, suas culturas e suas lutas por libertação, onde a escola atua com os sujeitos e não para os sujeitos.

CONSIDERAÇÕES

Ao refletir sobre os aspectos dos conflitos do Contestado no Estado do Paraná e o porquê esse fato foi condenado ao esquecimento, mesmo tendo sido tão importante na definição dos territórios, questionam-se a educação e a escola como instrumentos de libertação. Essa postura exige que ampliemos nossas referencias teóricas e culturais, conforme explica Schnorr (2009), exige que superemos a hegemonia de um único marco filosófico: o Europeu e mais recentemente o estadunidense. Essas filosofias monoculturais, são frequentemente incorporadas à prática docente e repassadas aos alunos de forma mecânica, não considerando as realidades local, assim como a de escala paranaense, especificidades da cultura e dos sujeitos que a fazem e que dela vivem. Não se trata de negar o conhecimento filosófico ocidental, mas de questionar seus fundamentos, pressupostos e influências sobre sociedade em que vivemos, de ampliarmos as possibilidades de refletir e buscar novos desafios, gerando assim novos saberes, conhecimentos e práticas. A escola deve incentivar a prática pedagógica fundamentada em diferentes metodologias, valorizando concepções de ensino, de aprendizagem e de avaliação permitindo a professores e alunos a conscientização da necessidade de uma educação emancipadora. O Contestado deve ser conteúdo trabalhado no cotidiano da escola, pois ele faz parte da trajetória e da história do Paraná, mas as discussões não devem ficar restritas apenas a disciplina de história, onde são abordadas as relações de trabalho, poder e cultura, como devem estar presentes na disciplina de geografia que trata das dimensões econômicas, políticas, culturais e demográficas e

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socioambientais do espaço geográfico. O saber não pode e não deve ser fragmentado, as disciplinas precisam dialogar, ampliando a dimensão da totalidade. A escola é espaço de confronto e diálogo entre o científico e o empírico. Além de se caracterizar como conteúdo, o Contestado deve ser realidade trabalhada em sala de aula e fora dela, pois o Contestado representa a própria formação do Paraná, quando por meio do acordo de 1916, os limites do estado com Santa Catarina são estabelecidos por meio da Linha Wenceslau Bráz. Uma linha divisória dura, ereta pelos interesses dos coronéis representantes dos dois estados na época. Tais pressupostos de inclusão deste conteúdo no ensino fundamental, médio e, também, superior, são necessários para que os alunos cresçam com um olhar e leitura crítica da sua realidade sociocultural, pois sem isso, serão seres incompletos no que tange o entendimento da sua participação no mundo em que vivem. Esse conteúdo deve ajudar, ainda, no entendimento da realidade territorial fragmentada do Paraná, um estado dividido em três porções territoriais, sendo o “Paraná Tradicional”, mais voltado ao Contestado em si, o “Paraná do Norte”, mais voltado para São Paulo, Minas Gerais, o Nordeste e outras áreas e, por fim, o “Paraná do Sudoeste e Oeste”, mais voltado para o Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Não acreditamos que o ensino formal, mesmo crítico, venha romper esta construção histórica do território paranaense, mas ajudará as pessoas em se entenderem no espaço geográfico em que vivem, assim como entender as políticas públicas e os joguetes políticos estaduais. Mais especificamente, o que se pode perceber nas cidades do Paraná que foram palco da Guerra do Contestado é a ausência, nos habitantes, de uma identidade ligada à formação do espaço onde a cidade e sua sociedade se constituíram. Seria isso um problema de políticas públicas dos municípios? Ou seria falta de conhecimento da história e da geografia local, muitas vezes negligenciada pela escola? Tal resposta só poderia vir de árduo trabalho de investigação científica nestas comunidades, ou seja, o Contestado ainda é um campo vasto de possibilidades analíticas e de respostas a serem dadas para um povo que vive tão perto do palco da guerra genocida do início do século XX e ao mesmo tempo tão distante do entendimento do seu mundo vivido, ou seja, o Contestado. As(s) Geografias(s) possíveis do Contestado vão para além da ciência, pois elas são um choque entre o saber sistematizado e o mundo real vivido por todos os saberes possíveis, marcados pelas experiências sensíveis dos Seres que vivem o mundo dos

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caboclos, mesmo que os caboclos tenham sido, na sua maioria eliminados pelo destino nada colorido da sua passagem e existência pelas terras dos pinheirais.

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