TCC Fabio Etnomusicologia Capoeira Ensino

June 15, 2017 | Autor: Fábio Souza | Categoria: Music, Music Education, Etnomusicology, Etnomusicologia
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA DEPARTAMENTO DE ARTES LICENCIATURA EM MÚSICA

FÁBIO BARBOSA DE SOUZA

O ENSINO/APRENDIZAGEM DA MÚSICA DA CAPOEIRA: EXPLANAÇÕES ETNOMUSICOLÓGICAS SOBRE A TRANSMISSÃO MUSICAL EM CASOS DE CURITIBA E CAMPOS GERAIS

PONTA GROSSA 2014

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FÁBIO BARBOSA DE SOUZA

O ENSINO/APRENDIZAGEM DA MÚSICA DA CAPOEIRA: EXPLANAÇÕES ETNOMUSICOLÓGICAS SOBRE A TRANSMISSÃO MUSICAL EM CASOS DE CURITIBA E CAMPOS GERAIS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado para obtenção do título de Licenciado em Música na Universidade Estadual de Ponta Grossa.

Orientador: Prof. Ms. Carlos Eduardo de Andrade Silva e Ramos

PONTA GROSSA 2014

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Agradecimentos

À Deus, que me deu força pra seguir em frente mesmo quando me via atolado de coisas para fazer e prestes a desistir. À meu Pai e minha Mãe, que me ajudaram nos momentos difíceis durante o curso. À minha Vovó, que me mostrou o que é ser um exemplo de perseverança. À Daniela, que me deu forças e me apoiou e soube entender a minha ausência durante os compromissos da pesquisa e do curso. Você sabe que me ajudou muito nessa caminhada e se esse trabalho hoje é uma realidade, foi porque você me apoiou imensamente. Ao professor e grande amigo Carlos, que, sem medir esforços, me ajudou na produção desse trabalho. À galera da sala, Cassiano, Evelton, Leonardo, Barbara, Karis e Jessé, que são amigos que guardarei para vida toda. Aos malucos, Twigy, Jeferson e Gilson, que me acompanharam nas jantas mais engraçadas da minha vida. À galera do metropolitano, Ana, Aline, Karine, Silvely e Samara, que me aturaram por todos esses anos. À tia do R.U., que sempre colocou uma porção de carne a mais pra mim. Ao Nilson, que me ensinou as primeiras notas e me inseriu no mundo da música. À galera da Banda Marcial do Colégio Marista PIO XII, Schimidtão, Rauski, Fornazari, Bola, Hycaro, Leonardo, e todos os outros, sem exceções, que contribuíram imensamente com minha formação musical. A todos os professores entrevistados, principalmente ao Monitor Gaspareto, o Carlão, meu professor de capoeira e amigo.

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“Eu sou Maluco” (Turma de Música de 2011).

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Resumo

Considerada por Silveira (2012) como a maior expressão de liberdade do povo brasileiro, a capoeira é uma mistura de luta, dança, religião e música desenvolvida pelos negros trazidos ao Brasil destinados a se tornar escravos, que sobrevive desde a época escravocrata até a atualidade (ABIB,2004). Essa arte, assim como a música que a acompanha, chegou aos dias de hoje através da comunicação oral que ocorre entre mestres de capoeira e alunos (ABIB, 2004). Esse trabalho objetivase em analisar processos de ensino/aprendizagem das práticas musicais da capoeira em Curitiba e Campos Gerais, sob as teorias de pensadores do campo da etnomusicologia. Foi usada a entrevista com professores de capoeira como instrumento de coleta de dados. Por fim, vemos que questões como ‘linhagem’ e ‘graduação’ são diretamente ligados à aprendizagem musical nesse contexto. Palavras-Chave: Música, Capoeira, Etnomusicologia, Ensino Informal..

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Sumário 1 – Introdução ...........................................................................................................8 2- A Capoeira: Surgimento e Desenvolvimento ........................................................12 2.1 – Capoeira Regional ................................................................................17 2.1.1 – Mestre Bimba e suas influências ............................................17 2.1.2 – A metodologia do ensino de Mestre Bimba ............................19 2.2 – A Capoeira Angola ...............................................................................22 2.2.1 – Mestre Pastinha e suas Influências ........................................22 2.2.2 - A metodologia de ensino da Capoeira Angola .......................24 2.3 – A Capoeira Contemporânea ................................................................25 3 – A presença da música na capoeira ...................................................................27 3.1 – Instrumentação.....................................................................................27 3.1.1 – Berimbau ................................................................................27 3.1.2 – Atabaque ................................................................................28 3.1.3 – Pandeiro .................................................................................29 3.1.4 – Acessórios ..............................................................................30 3.2 – Ritmos ..................................................................................................30 3.2.1 – São Bento Grande de Angola ................................................32 3.2.2 – São Bento Pequeno de Angola ..............................................33 3.2.3 – Angola ....................................................................................33 3.2.4 – São Bento Grande de Bimba (Regional) ................................34 3.2.5 – Iúna .........................................................................................35 3.2.6 – Santa Maria ou apanha a Laranja no Chão (Tico-Tico)..........36 3.2.7 – Cavalaria .................................................................................37 3.3 – Cânticos.................................................................................................37 4 –Metodologia..........................................................................................................40

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4.1 – Revisão de Literatura.............................................................................40 4.2 – Coleta de Dados ..................................................................................40 5 – Fundamentação Teórica ....................................................................................42 5.1- Etnomusicologia......................................................................................42 5.1.1 – O que é Etnomusicologia .......................................................42 5.1.2 – História da Etnomusicologia ...................................................44 5.1.3 – Etnomusicologia no Brasil ......................................................45 5.1.4 – Etnomusicologia e Educação Musical.....................................46 5.2 – Funções Sociais da Música segundo Merriam ....................................47 5.2.1 – As categorias de Merriam sobre a Função Social da Música..47 5.3 – O ensino ‘etnomusical’ .........................................................................49 5.3.1 – O conceito de ensino informal ................................................50 6 – Resultados..........................................................................................................52 7 – Conclusão ..........................................................................................................62 Referências ..............................................................................................................65 Anexos ................................................................................................................... 68 Apêndices ................................................................................................................ 79

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1 - Introdução

O presente trabalho se propõe a explanar sobre o processo de ensino aprendizagem da música no ambiente da capoeira. Em um primeiro momento, será feito uma breve explanação histórica da capoeira. Essa contextualização histórica será aprofundada posteriormente, mas é necessário um breve resumo para que o leitor possa se localizar primariamente no assunto. Com a vinda dos escravos ao Brasil destinados ao trabalho escravo, foram importados ao Brasil diversos costumes e bagagens culturais que esses os negros traziam, entre elas a dança e a música. Ao chegar a solo brasileiro, os escravos precisavam de algum modo de defender-se da opressão que o ‘homem branco’ empunhava a ele. Essa necessidade de defender-se, somado com as bagagens culturais trazidas da África, foram os principais responsáveis para o surgimento da Capoeira, como veremos com maior aprofundamento ao decorrer do trabalho. Essa música, que veio em tal bagagem cultural com os negros destinados ao trabalho escravo, acompanhou e desenvolveu-se junto com a prática da tal ‘arte marcial’ através dos tempos, desde os primórdios, passando pelos momentos de pós – abolição, proibição em lei, criação da Capoeira Regional e Capoeira Angola, legalização, até a atualidade. Durante todos esses momentos da história da capoeira, a música foi transmitida através da oralidade (ABIB, 2004). Zorzal (2011) fala sobre o processo de transmissão musical entre os afro-brasileiros: “[Negros] Libertos, povoaram as periferias das grandes cidades que começavam a surgir e mantiveram a transmissão de sua música na oralidade” (ZORZAL,2011, p. 76, chaves nossas). Merriam (1964) fala que a música é o resultado final de um processo dinâmico, que contempla aspectos conceituais e comportamentais. Para o autor, esses conceitos e modos comportamentais devem ser, obviamente, ensinados. Esse processo de ensino deve ser de acordo com os moldes culturais para que esteja de acordo com os valores e os ideais de e cada cultura (idem, p. 145).

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Atualmente podemos encontrar a capoeira em diversos locais do mundo e em diversas regiões do Brasil, inclusive em Curitiba e nos Campos Gerais1, (SILVEIRA ,2012) e consequentemente o ensino de música de capoeira também ocorre nesses espaços. Então, em meio a essa linha de pensamento surge a problematização central dessa pesquisa que será realizada: Como ocorre o processo de ensino/aprendizagem na capoeira em Curitiba e Campos Gerais? Já existem algumas pesquisas locais dos processos de transmissão da música de capoeira, porém essa pesquisa, além do fato de ser feito em um campo novo, tem a peculiaridade de fundamentar – se em teóricos etnomusicológicos como Rice (2003), Szego (2002) e Merriam (1964). Minha história pessoal foi fundamental para a idealização desse problema. Quando criança, comecei a fazer aulas de música na ‘escolinha da banda’ de minha cidade, e na mesma época, matriculei – me em aulas de capoeira2, onde frequento até hoje. Eu via essas duas atividades como distantes entre si. Ao ingressar no curso superior de música, eu visava outro campo de pesquisa, mas ao descobrir a etnomusicologia, vi a possibilidade de ligação entre as duas e visei um campo de estudos no qual pudesse dedicar meus estudos. Berague (2005) cita o objetivo primordial da etnomusicologia (...) o objetivo primordial da etnomusicologia era o de procurar entender e penetrar as práticas e pensamentos musicais percebidos pelos próprios participantes. (BÉHAGUE, 2005, p.44, grifo nosso).

Minha vivência como participante do processo de transmissão e prática musical na capoeira me permite ter um ponto de partida concreto mesmo antes do início das atividades de pesquisa. Mas mesmo com vivência no campo, após leituras e diálogos sobre etnomusicologia, comecei a me atinar a pequenas coisas que não reparava enquanto apenas participante. Então por esses motivos fui aguçado a tal problemática. Compreender a música da capoeira é uma ferramenta de compreender a história afro-brasileira. Santos (2002) fala a música de capoeira é uma “música de protesto” do povo negro, onde são retratadas as opressões vividas pelos mesmos, 1

Campos Gerais é o nome dado à região do Paraná referente às proximidades de Ponta Grossa, Palmeira, Telêmaco Borba, Piraí do Sul, Castro, Ipiranga, entre outros 2 Ver Certificados em Anexo

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onde fala que alguns aspectos “são vestígios decorrentes principalmente do desdobramento da escravidão brasileira” (pág. 70), então a transmissão dessa música é fundamental para a preservação da memória afro – brasileira. Zorzal (2011) faz um questionamento sobre o processo de transmissão musical afro-brasileira (...) Terreiros de umbanda, rituais de candomblé e irmandades congadeiras difundiam-se e empregavam diversas maneiras de ensino musical a seus integrantes. Quais práticas de ensino eram adotadas nesses ambientes e como essas práticas se transformaram com o passar do tempo? (ZORZAL, 2011,p.74)

Essa citação nos instiga a pensar sobre o ensino musical na cultura afro– brasileira, na qual está inserida a capoeira, com isso, essa pesquisa pode contribuir para uma compreensão dessas transmissões musicais de origem afro–brasileira e suas contribuições para a música brasileira em geral.

Durante a revisão de literatura, deparei – me com alguns trabalhos que tratam o ensino musical dentro da capoeira em alguns lugares do Brasil, porém com focos e fundamentação teórica diferente da qual idealizei para meu trabalho. Então esse trabalho pode contribuir para que se possa futuramente fazer um estudo da transmissão dessa música em âmbito nacional, além de enriquecer a discussão sobre o tema, abordando conceitos de etnomusicólogos, a primeira explanação, novos no que concerne aos meios de transmissão musica na capoeira. O presente trabalho iniciará apresentando uma contextualização sobre o surgimento e desenvolvimento da capoeira, desde os primórdios, influências, passando pelos períodos de pré-abolição da escravatura, pós-abolição, proibição de tal manifestação por lei, divisão entre Capoeira Angola e Regional, chegando até a atualidade. Tal aprofundamento histórico feito pelo autor é justificado pela sua hipótese de que a história da capoeira influencia as práticas musicais e consequentemente os modos de ensino aprendizagem dessa música. Essa hipótese foi levantada ao refletir a sua história pessoal na capoeira3.

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Ver Certificados em Anexos

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No capítulo seguinte, será abordada a presença da música na capoeira. Essa presença aparece na revisão de literatura do presente trabalho como dividida em basicamente três categorias: Instrumentação, toques e cânticos. Uma vez exposta essa presença da música no ambiente da capoeira, passaremos a expor a metodologia usada para a coleta de dados para o presente trabalho. Iremos falar sobre a importância da revisão de literatura, escolha dos entrevistados, modo de registro dos dados, entre outros. Após falarmos sobre a metodologia de coleta de dados, iremos tratar os conceitos que serviram de fundamentação teórica para análise das respostas obtidas nas entrevistas. Entre esses conceito, iremos promulgar sobre ‘ O que é Etnomusicologia?’, Ensino Informal, entre outros, que nos ajudarão a refletir sobre as respostas obtidas. Tendo essa fundamentação teórica já consolidada, passaremos a discutir as respostas obtidas dos entrevistados, traçando paralelos e fazendo apontamentos, articulando tais com a fundamentação teórica. Por fim, o trabalho apresenta sua conclusão, onde apresenta perspectivas para continuidade da pesquisa na área, e comentários sobre o trabalho.

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2- A Capoeira: Surgimento e Desenvolvimento Para melhor entender o lugar e a função da capoeira na cultura brasileira, o presente trabalho expõe brevemente o processo histórico que a constituiu tal como ela se apresenta hoje. Nessa revisão sobre sua história, também será necessário buscar como a música fez parte desse processo. A Capoeira é uma das maiores formas de expressão do povo afro-brasileiro, que sobrevive desde a época do regime escravocrata até os dias de hoje (ABIB, 2005). Foi criada através de uma junção das bagagens culturais desses negros que vinham ao Brasil, destinados a se tornar escravos. Nessa bagagem cultural podem ser considerados como elementos que participam do surgimento da capoeira: a religião, a dança, a música, e a necessidade de desenvolver uma arte marcial como defesa, como resistência cultural contra a violência a qual estavam submetidos (ABIB, 2005). Logo, capoeira e escravidão estão intimamente ligados. Tal como foi visto acima, a capoeira surge como fenômeno de resistência que se reflete também em sua música. No ambiente musical da capoeira, podemos encontrar canções que falam sobre os diversos momentos da capoeira no Brasil. Entre elas, algumas falam justamente sobre sua condição de raptados e escravizados, tal como no exemplo abaixo: Feitor maldito, AGORA VOU LHE MATAR, com o pé e com a mão, AGORA 4 VOU LHE MATAR, com armada e rasteira, AGORA EU VOU LHE MATAR .

No período colonial brasileiro, quando surge a capoeira, os colonizadores precisavam de mão de obra para impulsionar o crescimento da economia lusobrasileira. Para tanto, importaram negros da África para realizar os serviços de natureza braçal. (ALBUQUERQUE; FILHO, 2006). De acordo com os pesquisadores Arnt e Banalume Neto (1995, p. 36) o sistema escravocrata já era estabelecido na África. Os escravos eram vendidos por chefes de tribos inimigas, porém no caso do Brasil, os escravos vinham de Angola que também era uma colônia portuguesa (idem). Rego (1968) confirma que Angola era origem dos primeiros escravos que vinham ao Brasil, seguido de Benguela. Ele faz uma metáfora: “Angola foi para o Brasil, o que o oxigênio é para os seres vivos”. Santos (2002) coloca que o Brasil foi o país que mais importou e traficou escravos 4

Música Usada nas Rodas de Capoeira

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de origem africana. Como no exemplo acima, existem músicas que ilustram essa importação de escravos de Angola, tal como a letra abaixo: Que navio é esse que chegou agora, é o navio negreiro com os escravos de 5 Angola (d.p.).

Outro aspecto importante encontrado na revisão bibliográfica se refere à investigação historiográfica do regime escravocrata no Brasil, pois esse campo de pesquisas sofre algumas dificuldades próprias. O início da importação dos escravos africanos é uma época confusa, já que a maioria dos documentos relacionados a tais práticas escravocratas foram incinerados segundo ordens de Ruy Barbosa, Ministro da Fazenda do governo do Marechal Deodoro da Fonseca, em 1890 (SIQUEIRA,2012; SANTOS, 2002). A prática escravocrata era vista pelos republicanos como um passado condenatório da história do Brasil. Entretanto, de acordo com Petta (1996) os escravos começaram a chegar ao Brasil em meados de 1550. Os escravos no Brasil não eram considerados cidadãos e, no início da importação, não tinham direitos. Santos (2002) escreve sobre isso em seu trabalho: [...] o negro dentro da sociedade brasileira sempre viveu na diferença com relação à classe dominante. Esta situação era facilmente percebida através dos trabalhos forçados e castigos que lhes impostos pelos seus “senhores”. Cada uma das formas de opressão significava, ou a diferenciação existente entre a classe livre e escrava, ou a visão do opressor de que todos os escravos eram iguais, independente do sexo, idade ou procedência étnica. [...] Precedendo as diferenças culturais que representavam, os escravizados construíram, ao longo do tempo, semelhanças para reindivicar, com sua coesão, uma força que lhes permitisse serem considerados como seres humanos iguais a qualquer outra raça. (SANTOS, 2002, p. 25)

A partir da citação acima, é importante perceber que a matriz cultural africana se constituiu no Brasil através de uma mistura cultural artificial, provocada pela violência dos portugueses ao misturarem povos de etnias diferentes com o intuito de desarticulá-los. Slenes (1995) corfirma que os negros eram capturados em regiões diferentes da África e consequentemente de diferentes matrizes culturais. Quando chegavam ao Brasil, eram propositadamente misturados para dificultar a comunicação e a articulação política para provocar uma revolta. Com essa mistura de etnias africanas, nasce uma identidade afro-brasileira que recebeu o nome de identidade Bantu (ABIB, 2005).

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Cântico usado nas rodas de capoeira.

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A despeito da queima de arquivos citada anteriormente, sob comando do Marechal Deodoro, alguns documentos sobreviveram a essa queima e são citados por Vieira (1995). O mesmo autor fala que o surgimento da capoeira se deu em meados do século XVII, no nordeste. Ribeiro (1992) confirma essa aparição, e sendo ainda mais específico, fala que surgiu a partir do ano de 1624, que foi o ano das invasões holandesas no nordeste. Os holandeses, de acordo com o autor, primeiramente atacaram a sede do Governo Geral, em Salvador, de onde saíram sem sucesso, logo após foram atacar regiões que hoje correspondem à Pernambuco.

Essas confusões,

em

ambos

os

lugares,

propiciaram

uma

oportunidade de negros e índios fugirem para as matas, assim formando os quilombos (RIBEIRO, 1992). Santos (1990) fala sobre como a capoeira agia nesse contexto: [...] os escravos africanos não possuindo armas suficientes para se defenderem dos inimigos, senhores de engenho, e movidos pelo instinto natural de preservação da vida, descobriram no próprio corpo a essência da sua arma: a arte de bater com o corpo, tomando como base as brigas dos animais, suas marradas, coices, saltos e botes, aproveitando ainda as suas manifestações culturais trazidas da África para criarem e praticarem a capoeira. (SANTOS,1990,p18)

Então com essa citação, vemos a importância da capoeira como arma contra a opressão do povo dominante, tanto no quilombo, quanto fora dele. Tudo que vimos até o momento, confirma que a capoeira surge como fenômeno de resistência ao ‘homem branco’. A capoeira aparece em diversos tipos de registros históricos, através de cartas, documentos e registros visuais. Na iconografia encontramos por exemplo o pintor e desenhista alemão Johan Moritz Rugendas. Entre os anos de 1822 a 1835, esteve no Brasil retratando vários aspectos de nosso país através de pinturas. Algumas obras retratam a prática da capoeira naquela época. O quadro “Jogar Capoeira”6 (1835) é uma das obras que melhor retrata a prática de tal luta no período e é considerado um dos primeiros registros iconográficos da capoeira (CONDE, 2007). Na obra pode-se vislumbrar a prática da Capoeira dos negros escravos da época da pintura. É possível verificar a presença da música em tal época, onde é retratado por um negro do lado inferior direito, tocando um instrumento que lembra o 6

Ver Figura em Anexos

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atabaque. Essa pintura ilustra a prática da capoeira e a presença musical no período pré-abolicionista. Nesse período pré-abolição, os praticantes se propagavam e ganhavam mais força, consequentemente as autoridades adotavam medidas de prevenção contra os capoeiristas, que eram chamados de rebeldes. Essa medida se acentuou com a vinda da Família Real de Portugal, em 1808 (VIEIRA, 1995). Após a abolição do trabalho escravo, Vianna (1970) e Capoeira (1999) dizem que os escravos ficaram sem ocupação. Vieira (1995) comenta que o número de escravos repentinamente afastados de qualquer ocupação e sem meio de subsistência foi enorme. O resultado foi que tais ex-escravos circulavam entre a legalidade e a ilegalidade. Existem alguns registros desses negros libertos que retratam o uso indevido da capoeira, como foi noticiado em 23 de maio de 1888, no jornal Província de São Paulo. Fizeram mais uma vítima na corte os terríveis capoeiras(...) É necessário extinpar essa cáfia de vagabundos e assassinos denominados capoeiras.(…) Ante ontem às 7 e meia da noite, no pátio de S. Bento deu-se o assassinato” de um preto libero de nome Innocêncio. Ao que consta os dous actores do triste drama estando a Jogar Capoeira por mero gracejo azedaram-se sendo Innocêncio inesperadamente assassinado (SCHWARCZ 1987, apud VIEIRA,1995, ênfases no original).

No Rio de Janeiro também teve ocorrências desse ‘mau uso da capoeira’ (VIEIRA, 1995) onde aparece retratado em algumas anotações, o qual Pires (1996) cita Plácido de Abreu (1886) para descrever o comportamento dos capoeiristas cariocas do século XIX O rapaz que os havia interrogado levantou se de um salto, bambeou o corpo em frente do de Biju e num movimento rápido como o relâmpago, abaixou-se e estendeu-se novamente, como se fosse impelido por uma mola, indo bater com a cabeça de encontro aos queixos de Biju. O coruja e o Lagathé fizeram-lhe frente, ambos armados de navalha, o adversário procurou encostar-se a uma parede e ali esperou pelo ataque, havia um sorriso irônico em seus lábios. O Coruja adiantou-se para ele, o corpo curvado para frente (...) Ele compreendeu o jogo, fez uma investida para os tapear, bambeou o corpo frente aos dois caiu rapidamente sobre as mãos arrastando com violência a perna direita de encontro as pernas do Coruja e segurando –se na perna esquerda em curva, dando por essa forma o mais famoso caçador que até ali se tinha visto. (ABREU,1886 apud PIRES, 1996)

Devido a rotineiras ocorrências de cunho ilegal envolvendo a capoeira ou até mesmo seus praticantes, em 1890, a capoeira adquire uma na visão legislatorial.

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Segundo o Código Penal da República dos Estados do Brasil, Decreto n °487 de outubro de 1890, estabelecia em seu Capítulo XIII: Dos vadios e Capoeiras Art.402.Fazer nas ruas e praças públicas exercícios de agilidade e destreza corporal conhecidos pela denominação capoeiragem; andar em correrias com armas ou instrumentos capazes de produzir uma lesão corporal, provocando tumulto ou desordens, ameaçando pessoa certa ou incerta, ou incutindo temos de algum mal: Pena – De prisão celular de dois a seis meses Parágrafo Único. É considerada circunstância agravante pertencer o capoeira a algum bando ou malta. Aos chefes ou cabeças se imporá pena em dobro. (…) Art.404.Se nesse exercícios de capoeiragem perpetrar homicídio, provocar lesão corporal, ultrajar o pudor público e particular, e perturbar a ordem, a tranquilidade e a segurança pública ou for encontrado com armas, incorrerá cumulativamente nas penas culinadas para tais crimes” . (REIS, 2000, p. 30).

Santos (2002) fala sobre trabalhos publicados que tratam a capoeira como objeto de pesquisa, enquanto ainda a capoeira era ilegal. O autor cita obras como Ginástica Nacional (Capoeiragem), de Anibal Burlamaqui publicado em 1902, e o livro Guia da Capoeira, de um escritor anônimo, de quem temos apenas suas iniciais O.D.C., do ano de 1907. Santos cita que esses trabalhos influenciaram a aceitabilidade popular como consequência do conhecimento sobre as teorias e práticas da capoeira. Até agora vimos o caráter marginalizado da capoeira. No entanto, nos dias de hoje essa arte passou por um processo de legitimação, o que permite que qualquer cidadão possa praticar sem ter impedimentos de ordem legal. Trataremos agora como se deu esse processo de descriminalização e legitimação da capoeira. Muitos autores, como Abib (2005), consideram um momento histórico como crucial para o processo de descriminalização da capoeira. Em meados de 30, com a iniciativa do Mestre Bimba, houve a construção de uma nova capoeira, que foi denominada de Capoeira Regional (ABIB, 2005, VIEIRA, 1995, SANTOS, 2002). Essa nova vertente do movimento desenvolveu uma visão da capoeira que contrariava, em alguns aspectos, a capoeira praticada na época. Então, em contrapartida ao surgimento da Capoeira Regional, e como forma de preservação das tradições frente às mudanças trazidas pela mesma, um grupo de capoeiristas

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liderados por mestre Pastinha, montaram outra união que pretendia combater o “esbranquecimento” da capoeira. Nessa iniciativa de Mestre Pastinha, levava-se mais em conta a tradição do que o aprendizado de uma luta. Esse movimento ficou conhecido como Capoeira Angola (ABIB, 2005). A seguir trataremos separadamente aspectos metodológicos do ensino na Capoeira Regional e na Capoeira Angola. Durante a revisão de literatura foi constatado um delineamento metodológico de ensino em ambas as modalidades de Capoeira (Regional e Angola) que surgiram em Salvador. Cada uma dessas duas ‘escolas’ tem suas especificidades e seus modos de ensinar a capoeira. É importante salientar que essas metodologias de ensino são o espaço das práticas onde a música está sendo transmitida. 2.1- Capoeira Regional

2.1.1 - Mestre Bimba e suas influências Como forma de combater o preconceito contra a capoeira, o estilo regional foi criado por Manoel dos Reis Machado, conhecido no ambiente da capoeira por Mestre Bimba7 (VIEIRA, 1995). Teve desde cedo contatos com as artes marciais brasileiras, já que seu pai era adepto de uma luta chamada “batuque”, de origem afrobrasileira, que se desenvolveu no nordeste. Ela se assemelha com a capoeira no modo como era praticada, ao som de berimbaus e outros instrumentos que embalavam essa luta cujo objetivo é derrubar o adversário com o uso de golpes de perna, rasteira e joelhadas. (VIEIRA, 1995). Mestre Bimba começou a ensinar a capoeira graças a um grupo de universitários baianos, que influenciou o modo de Bimba sistematizar os ensinamentos (VIEIRA,1995). Com esses estudantes, Bimba conseguiu inserção na sociedade considerada burguesa da época. Esse contato com o “povo branco” da época foi fundamental para a implantação da capoeira como arte marcial sistematizada. A influência “acadêmica” absorvida pelo Mestre é constatada na

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Tal como se verifica nas referências aos mestres, na capoeira é rotineiro o costume de apelidar os seus membros.

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instauração das formaturas de capoeira, e na nomenclatura de respectivas etapas desse processo de formatura (idem). Esse contato com os universitários também fez com que Mestre Bimba tivesse o aporte político necessário para legitimação da capoeira diante da sociedade branca (ABIB, 2005). Essa legitimação passou também por um processo de sistematização do ensino da capoeira (idem). Na época, como era ‘proibido’ a prática da capoeira, este estabelecimento, segundo Abib (2005), foi denominado como “Centro de Cultura Regional”, onde deixa a palavra capoeira subentendida no nome. No entanto, Vieira (1995) diz que o nome da primeira academia é “Centro da Cultura Física e Capoeira Regional” e cita que essa academia recebeu a primeira licença para ministrar aulas de capoeira em 1937, ano de decreto do Estado Novo. Por isso que se denominou a capoeira de Mestre Bimba como Capoeira Regional. Assim sendo, é importante salientar que a revisão de literatura identificou diferenças importantes nas informações trazidas por Vieira (1995) e Abib (2005) no que diz respeito ao Centro de Capoeira de Mestre Bimba. Mestre Bimba recebeu o título de professor de Educação Física pela Secretaria de Educação, Saúde e Assistência Pública do estado da Bahia, que abriu as portas para ele ministrar aulas de capoeira sem nenhum tipo de preconceito das autoridades (VIEIRA, 1995). Graças a tais reconhecimentos, Mestre Bimba foi chamado a ministrar aulas de capoeira no quartel do Centro de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR), onde ministrava cursos que abrangiam o ensino da capoeira e luta com e sem armas. Tal passagem pelo exército também contribuiu com influencias na metodologia de ensino de Bimba, de forma em que seus procedimentos a partir de então passaram a ser mais rigorosos e ‘militaristas’ (idem). Entre 1940 e 1970, Bimba realizou apresentações em diversos estados brasileiros em quartéis, universidades e palácios governamentais, (VIEIRA, 1995). Vieira (1995) cita uma apresentação ocorrida na presença de Getúlio Vargas, presidente do Brasil em exercício na época, o qual cujo regime incentivava o nacionalismo. Vargas diz a Bimba: “A capoeira é o esporte verdadeiramente nacional” (idem). O fim da vida de Mestre Bimba na capoeira se deu de forma súbita. Com uma proposta de melhores condições de trabalho, Mestre Bimba vai até Goiânia, em

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1973, onde falece em 5 de fevereiro de 1974, por causa de um derrame cerebral. (VIEIRA, 1995).

2.1.2- A metodologia do ensino de Mestre Bimba Segundo Vieira (1995), Bimba estabeleceu um modo de ensinar que coubesse em um tempo de seis meses a um ano, onde os alunos tinham acesso às aulas uma hora por dia e três vezes na semana. Ao fim desse tempo o aluno, se apto, recebia o título de formado através de uma formatura parecida com a formatura acadêmica (VIEIRA, 1995, REIS, 2000). Esse método de instrução da capoeira na academia de Mestre Bimba consistia no ensino-aprendizagem de oito sequências básicas, de dificuldade crescente, golpes de ‘cintura desprezada’ que são golpes onde o executante deve lançar o adversário ao chão e consequentemente ajudar o aluno a desenvolver um reflexo para cair de melhor maneira no chão. (VIEIRA,1995, SANTOS,2002, CAPOEIRA,1999). Antes do início do curso o aluno deveria aprender a ginga, que consiste na movimentação básica da capoeira onde são feitas pequenas séries de movimentação combinando pernas e braços. O aluno passaria a aprender os golpes apenas depois de dominar essa movimentação. Primeiramente o aluno executava as sequências sem a ajuda dos instrumentos musicais até que criasse fluência nos golpes, só então era permitido aos calouros8 que treinassem e jogassem ao som do berimbau (BOLA SETE, 2003). 9

Observamos aqui como era inserida a música de capoeira na vida do aluno de

Capoeira Regional. A inserção dos golpes de ‘cintura desprezada’ na capoeira gerou polêmica entre os capoeiristas tradicionalistas da época e alterou o modo chamado de original de jogar capoeira que consistia em movimentação constante onde os jogadores alternavam entre ataque e esquiva (VIEIRA,1995). Mesmo que os alunos de Mestre Bimba neguem, Vieira (1995) fala que a capoeira regional absorveu elementos de 8

Como bimba chamava os iniciantes. Mais uma evidência da influência acadêmica. (VIEIRA, 1995) Como vimos na nota de rodapé Número 3, no ambiente da capoeira e costume chamar os membros por apelidos. Alguns escritores que tratam esse tema têm apelidos no meio e os usams para assinar seus livros. BOLA SETE nesse caso se trata de OLIVEIRA referenciado no fim desse trabalho. 9

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outras lutas, como o judô e o jiu-jitsu, já que a capoeira tradicional não continha elementos descritos pelo autor como agarramentos. Outra inovação já citada acima, porém não difundida, é a questão da formatura ao final de cada curso desses. Influenciado pela convivência com os estudantes de Salvador, ele desenvolveu uma cerimônia que assemelhava com a formatura acadêmica, onde continham formandos, paraninfo de turma e diploma, além de momentos próprios do âmbito ‘capoeirístico’ como rodas entre os formandos e de formandos contra os formados. Após essas rodas, cada formando recebia de sua madrinha um lenço de seda de cor azul e uma medalha. Esse lenço significava que o capoeirista tinha que ser respeitado no meio, além de propiciar ao portador do lenço algumas honrarias, como jogar ao toque da Iúna10, ritmo executado apenas pelo berimbau. Observando o tratamento da Iúna como um ritmo em que só os mais graduados podem jogar, vemos que essa música de capoeira, e seus ritmos, tem uma significação ritualística. Mesmo depois de formado o aluno não se tornava mestre em capoeira, e deveria continuar a treinar em cursos que se chamavam ‘especializações’. Existiam duas especializações após a formatura, onde eram ampliados os conhecimentos da capoeira. Em entrevista com alunos de Mestre Bimba, Vieira (1995) fala que não havia diferenças significativas entre as duas especializações, em ambos eram mostrados novos movimentos, mas a principal característica dos cursos de especialização eram os treinamentos de combate real. O curso durava aproximadamente três meses, sendo dois na academia e um nas matas da Chapada do Rio Vermelho, onde Bimba preparava algumas emboscadas para ver como os alunos reagiriam. Nessa fase dos ensinamentos de Bimba, o aluno tinha aulas de defesa com armas como facas, navalhas, revólveres, entre outros. Ao final de cada curso de especialização, o aluno passava por uma nova formatura, onde recebia um lenço de nova cor para simbolizar seu status. Após a primeira especialização a cor do lenço era vermelho, e após a segunda o lenço era amarelo (VIEIRA, 1995). Essa prática tem reflexo até hoje no sistema de graduações e troca de cordões de cores diferentes ao final de cada etapa concluída. (SILVEIRA, s.d.). Essa noção de graduação implantada por Bimba tem ligação direta com o ensino de 10

Ver ‘ 3.2. 5 – Iúna’

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música dentro da capoeira, como vimos durante a revisão de literatura e constatado durante experiência pessoal do autor no meio, e verificado na análise das entrevistas. Outra questão interessante sobre a metodologia de ensino de Mestre Bimba era o processo de admissão de novos alunos em sua academia. Como ele lutava contra a discriminação da capoeira, que era grande na época, e queria que o estereótipo do capoeirista não fosse mais de uma pessoa considerada vadia, passou a adotar alguns critérios para selecionar os novos calouros. Primeiramente o candidato ao ingresso à academia deveria “provar que não é vadio”, apresentando uma prova de que trabalha ou estuda, podendo ser a carteira de trabalho ou a carteirinha de estudante. Mestre Itapoã, aluno de Mestre Bimba, em entrevista à Vieira (1995) afirma que Se botasse marginal lá dentro dava problema. Aí quando o cara chegasse ele (Mestre Bimba) perguntava: ‘Você trabalha? Onde? Você estuda? Onde’. Aí se criou o preconceito de que Mestre Bimba não gostava de negros (VIEIRA, 1995, p. 145)

Além dessa exigência, para que o aluno fosse apto a treinar com ele, deveria se mostrar com uma pré-disposição natural para ser capoeirista do estilo regional. Para verificar tal pré-disposição, ele mostrava ao candidato alguns movimentos que lhes exigisse um pouco de força, resistência e flexibilidade. (VIEIRA, 1995). Ainda na entrevista feita à Mestre Itapoã por Vieira (1995), é citado um teste denominado ‘teste da gravata’, que consistia em estrangular o candidato por alguns minutos, para segundo Itapoã “ (...) ver se o cabra é homem” (idem), ou seja, para ver se o candidato aguentava o estrangulamento sem reclamar. Em oposição ao rumo que a capoeira de Mestre Bimba tomava, alguns capoeiristas tradicionalistas uniram-se para manter as raízes culturais da capoeira, fazendo com que surgisse uma nova modalidade de capoeira mais preocupada com a tradição, com o nome Capoeira Angola (CONDE, 2003). Trataremos dela logo a seguir. A música é permitida aos como uma honraria aos alunos, cuja qual caracteriza uma ascensão de nível de dentro da capoeira. Quando o aluno pode treinar ao som do berimbau, é sinal que ele está realmente apto tal feito, e quando o

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aluno pode jogar ao som da Iúna, é outro sinal de que ele ascendeu de nível dentro da capoeira.

2.2 – A Capoeira Angola Em oposição ao movimento “capoeira regional”, os tradicionalistas se reuniam para jogar capoeira em rodas que pregavam a preservação da capoeira e dos rituais que descendiam dos escravos, visando a preservação dos “fundamentos” ensinados pelos “velhos mestres” (CONDE, 2003). Entre os mestres que cultivavam a capoeira “original”, podemos citar Aberrê, Cobrinha Verde, Totonho da Maré, João Grande e João Pequeno, além de citar o nome mais reconhecido no ambiente da capoeira para a difusão da capoeira angola, Mestre Pastinha, que foi a pessoa que soube administrar a capoeira tradicional, com intuito de tirá-la da marginalidade.

2.2.1- Mestre Pastinha e suas influências O principal nome da capoeira angola, citado por vários autores que tratam esse assunto, como Bola Sete (2003), Abib (2003), Conde (2003), Vieira (1995), é Vicente Ferreira Pastinha, conhecido na capoeira apenas como Mestre Pastinha. Ele iniciou seus treinamentos de capoeira como um negro africano chamado Benedito, que lhe resolveu ensinar capoeira para Pastinha, ainda criança, com intuito de ele poder se defender das crianças maiores, que sempre judiavam dele por sem pequeno e franzino (ABIB, 2004). Com o tempo, ele se tornou uma pessoa muito conhecida no meio da capoeira, e com isso apareceram pessoas interessadas em aprender capoeira com ele, sendo assim que começou a ensinar. Em 1922, fundou o Centro de Capoeira Angola, primeira academia de capoeira do Brasil, nome dado em homenagem ao país Angola, principal fornecedor de escravos para o Brasil. Esse centro foi a primeira academia de capoeira do Brasil, porém a primeira a ser reconhecida e legalizada foi a academia de Bimba. (BOLA SETE, 2003).

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Alguns autores da revisão de literatura traz em comum a inserção de Mestre Pastinha no meio dos Mestres tradicionais de capoeira de Salvador. Um de seus alunos, (Mestre) Aberrê um dia o convidou a ir a uma roda de capoeira muito conhecida em Salvador conhecida como a

roda da Gengibirra (CONDE,

2003;ABIB,2004; BOLA SETE,2003). Quando chegou a tal lugar, foi recepcionado por um guarda civil chamado Amorzinho (idem), que mediava a roda de capoeira no lugar. Devido a sua fama de capoeirista em Salvador, Pastinha foi escolhido para ser o sucessor de Amorzinho no comando daquela roda. Pastinha inseriu se no meio de mestres como Aberrê, Totonho da Maré, Noronha e Livino, que pregavam a preservação da capoeira tradicional em oposição à Capoeira Regional de Bimba (ABIB, 2005, p. 155). Então, com o apoio dos capoeiristas “tradicionalistas” o Centro de Capoeira Angola ganhou mais força no que diz respeito à prática de capoeira em Salvador. Para fortalecer-se politicamente em Salvador e conseguir aporte sociopolítico para dar de aulas de capoeira, fez amizades com intelectuais da sociedade baiana da época. Entre essas amizades, podemos eleger como a mais influente na Bahia, a sua relação com o escritor Jorge Amado (BOLA SETE, 2003). Devido a tais contatos com algumas pessoas influentes na cidade, o Centro de Capoeira Angola tornou-se famoso em Salvador, sendo até ponto de parada de turistas que geralmente lotavam o centro em suas famosas rodas de domingo. (ABIB, 2005). Abib (2005) fala que a partir da construção do Centro, mestre Pastinha teve um responsabilidade de diferenciar a capoeira Angola da capoeira ‘de rua’, que era praticado por “indivíduos de mal caráter que se valem dela para praticar agressões e desordens” (ABIB, 2005, p. 156). Assim como Mestre Bimba, Pastinha queria o fim da discriminação com a capoeira na sociedade, porém diferente de Bimba, buscava isso em princípios que se aliavam às tradições de origens africanas, a prática da capoeira com elementos ritualísticos e cênicos e o comportamento ético e ‘amoroso’ da capoeira. A capoeira é amorosa (...) a capoeira entre as lutas, é a mais amável que existe no mundo (...) Eu reservei um lugar no Centro ‘pra’ aqueles que desejar conquistar maior evolução (sic) (DECÂNIO FILHO, 1996 apud ABIB, 2005)

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Após alguns anos de funcionamento, o Centro passou por algumas crises de funcionamento e foi fechado a mando do governo do Estado da Bahia, sob alegação da reforma do prédio, porém eles nunca devolveram o espaço ao Mestre, que acabou morrendo pouco tempo depois, aos 92 anos, cego e em situação financeira decadente. A contribuição de Pastinha para a capoeira foi de suma importância para a preservação dos valores culturais do povo negro. Seu legado mantém a memória das relações entre a capoeira e a opressão do negro africano durante o período da escravidão.

2.2.2- A metodologia de ensino da Capoeira Angola O capoeirista que fosse adepto a prática da capoeira angola na Bahia, se inseria em um mundo permeado de rituais, filosofias de vida, tradições e preceitos que deveriam ser fielmente seguidos (BOLA SETE, 2003). Então o mestre de capoeira deveria ser a pessoa que apresentaria e o conduziria para esse mundo. Era rotineiro encontrar discípulos herdar a profissão que o mestre de capoeira exercia para manter-se, como engraxate, marceneiro, entre outros, o que ilustra a profundidade dessa relação Mestre-Discípulo (ABIB, 2005). Outro acontecimento que auxiliou a formação da metodologia da capoeira Angola foi a paixão de Pastinha por futebol (ABIB, 2005, BOLA SETE, 2003). Essa paixão fez com que fossem importados alguns fundamentos do futebol para a capoeira, como a utilização do termo ‘esporte’, a elaboração de regras para a prática da capoeira, a inserção de juízes nas rodas de capoeira para desenvolver a melhor fruição do jogo na roda de capoeira, e a criação de uniformes inspirados em clubes de futebol (ABIB, 2005), principalmente no uniforme de seu ‘time de coração’, o Ypiranga, (BOLA SETE, 2003). Os movimentos eram passados conforme o mestre achasse melhor para o desenvolvimento do aluno e que fosse mais eficaz na roda e na vida, segundo a sua experiência na capoeira. O mestre sempre respeitava as particularidades de cada

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aluno em seus movimentos e modos se expressar na roda de capoeira (BOLA SETE, 2003). Com a popularização das duas modalidades de capoeira discutidas acima, surgiu uma nova modalidade no Rio de Janeiro, que uniu essas duas anteriores, e ficou conhecida como Capoeira Contemporânea. Trataremos em seguida dessa vertente.

2.3 – A Capoeira Contemporânea Em meados da década de 60, começou a apareceu na zona sul do Rio de Janeiro, indícios de uma nova tendência no que diz respeito à capoeira moderna no Brasil. Surge o Grupo Senzala, que foi a união de jovens de diversas classes sociais com intuito de aprender e treinar a capoeira (MACUL, 2008). O Grupo Senzala fez com que filhos de madame da zona sul do rio, se relacionassem com “neguinho” da favela, não menos importante naquela ocasião (LEMLE, 1993 apud MACUL, 2008).”

O Grupo Senzala eram seguidores do estilo Regional de Mestre Bimba no início de suas atividades, porém, segundo Macul (2008) eles tiveram contatos com diversos mestres e capoeiristas experientes do Brasil. Devido a esse contato com diversos mestres, o Grupo Senzala optou por unir os estilos de capoeira que eram muitos distantes na Bahia. Conde (2003) diz que em períodos regulares eles iam à Bahia para aprender a Regional de Bimba, porém eles começaram a utilizar o “jogo de Angola não como um estilo de capoeira, mas como um ritmo do berimbau” (p. 61), fazendo com que seu estilo inovador, seja uma mistura das duas escolas da Bahia. Mestre Camisa, segundo Conde (2003), um dos antigos integrantes do Grupo Senzala, denomina tal estilo de capoeira como “contemporânea”. Devido ao sucesso do novo estilo de capoeira do Grupo Senzala, Capoeira (1999) diz que ao desenvolver um estilo próprio, influenciou vários outros grupos ao longo do Brasil e ao redor do mundo. Macul (2003) cita uma afirmação de Lopes que diz que “a própria capoeira Regional da Bahia só ganhou dimensão nacional e internacional em função do sucesso do Grupo Senzala...” (LOPES, 2002 apud MACUL, 2008).

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Vale comentar nesse momento do texto que a maioria dos professores entrevistados seguem esse estilo de capoeira “contemporânea”, que é o estilo mais comum na região do Paraná. Como já foi citado, o estilo contemporâneo criou um novo estilo que misturava a Capoeira Regional e Angola, e ao misturar acabou resumindo as duas escolas a toques de berimbau, os quais resumiam e compactavam toda a metodologia de prática de seus respectivos estilos e procurava ultrapassar a dualidade Angola/Regional (VIEIRA,1995).

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3 – A presença da música na capoeira Como já observamos antes, a música é aliada a capoeira desde os seus primórdios africanos. Na pintura “Jogar Capoeira” de Rugendas11, podemos ver a presença da música na prática da capoeira retratada no personagem no canto inferior direito na pintura, que aparece tocando um instrumento de percussão, enquanto dois escravos praticam a capoeira. Nesse capítulo, serão explorados os elementos que compõem a música da capoeira, sistematizados em: Instrumentação (SANTOS,2002), Ritmos (idem) e Cânticos (VIEIRA, 1995; ABIB, 2005).

3.1 – Instrumentação Para a música da capoeira, são usados alguns instrumentos de origem africana. Entre eles os mais usados são o Berimbau, o Atabaque e o Pandeiro. (SANTOS, 2002) 3.1.1 – Berimbau Para vários autores como Conde (2003) e Santos (2002), o berimbau é o instrumento principal e símbolo da capoeira, e Conde (2003) ainda fala que no som do berimbau é “depositada a ‘alma do jogo’” (p. 83). Downey (2002) diz que “o berimbau é o primeiro professor12” para os ingressos e reforça a importância deste para a prática da capoeira. O berimbau assume uma representação simbólica tão forte na capoeira que em muitos momentos parece se transformar num objeto encantado. Assim, [...] é nele que se credita, igualmente a ‘energia’ da roda. É comum se ouvir ‘ o berimbau é a alma da capoeira’, um berimbau bem tocado mexe com qualquer um’(CONDE, 2003).

O berimbau é constituído por uma madeira, chamada verga, de formato levemente curvado, um arame que une as duas extremidades da madeira e uma cabaça seca que faz a função de caixa de ressonância do instrumento, que é amarrada à presilha, que é onde a cabaça tem o contato com o arame, em mais ou menos onde se calcula ¼ da verga de baixo para cima. O executante utiliza uma 11 12

Ver imagem em anexos “The berimbau is the first teacher”

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baqueta pequena feita de madeira, um dobrão, que em contato com o arame produz variação na altura do som, e um caxixi, uma espécie de chocalho que o executante usa na mão direta enquanto toca.13 Nas rodas de capoeira, geralmente são usados de um a três berimbais, sendo mais rotineira a formação com três, onde cada um recebe um nome específico (SILVEIRA, 2012). O primeiro berimbau chama-se Berra Boi14, que é o berimbau com a cabaça maior e consequentemente o que soa as frequências mais graves, ele é geralmente executado pelo mestre ou pelo mais antigo capoeirista do local e tem a função de comandar a música na roda de capoeira, o segundo se chama Gunga 15, que é o berimbau que soa nas frequências médias devido à sua cabaça de tamanho médio, e o terceiro e o berimbau Viola ou Violinha, que tem uma cabaça de tamanho pequeno e soa as notas mais agudas, esse berimbau tem a função de acompanhar e ornamentar o ritmo dado pelo Berra Boi. Silveira (2012) diz em seu livro que os berimbais podem ser afinados variando a altura da cabaça na verga, indicando que o ideal seria construir com isso uma tríade de Dó Maior entre os três berimbais. Por outro lado, o mesmo autor diz que é muito complicado firmar esse conceito tendo em vista que a maioria dos capoeiristas não tem formação musical. 3.1.2 – Atabaque O atabaque é um tambor de origem africana feito de madeira e pele de animal, que é usado em diversas manifestações africanas e afro-brasileiras, como no camdomblé, no maculelê, entre outros. Seu formato é cilíndrico pouco afunilado na extremidade inferior, lembrando o formato de um cone com a ponta para baixo, na extremidade superior, é colocada uma pele esticada e amarrada onde o executante do instrumento percute levando as mãos ao seu encontro.16 Esse instrumento é abolido na pratica da capoeira regional de Bimba, que fala que sua bateria de instrumentos é composta por um berimbau (médio) e dois pandeiros. 13

Vide figura em Anexos Alguns professores chamam esse berimbau de Gunga 15 Os professores que chamam o Berra Boi de Gunga, chamam esse berimbau de médio 16 Ver Figura em Anexos 14

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Contrariando os professores e mestres de capoeira citados acima, Silveira (s.a.) considera o atabaque como instrumento mais importante de capoeira, por proporcionar uma ligação entre os capoeiristas do presente e os ancestrais africanos, indígenas e afro – descendentes. Ao mesmo tempo, Vieira (1995) fala que os mestres mais antigos condenam o uso do atabaque nas rodas de capoeira, pelo fato de que o atabaque “produz um som alto, que impede o capoeirista distinguir o toque que está sendo executado pelo berimbau” (p. 106). Entre as entrevistas feitas por Viera (1995) ele cita uma de um mestre de Santo Amaro da Purificação, que diz: Capoeira antigamente era dois pandeiros e dois berimbaus e um agogô. Hoje em dia é que tem timbau em capoeira. [...] O timbau esconde o 17 instrumento”. (VIEIRA, 1995).

E ainda traz mais uma citação de Mestre Canjiquinha que fala A capoeira autêntica mesmo é dois berimbaus e dois pandeiros. Aí ‘prá’ atrapalhar, ‘prá’ fazer zoada, colocaram o atabaque. Eu tenho um aqui na 18 academia, mas é pra ensinar maculelê. (VIEIRA, 1995)

Constata-se assim uma contradição no uso do atabaque na capoeira. Porém nas entrevistas foi comum aparecer o atabaque entre os instrumentos mais influentes da capoeira.

3.1.3- Pandeiro Assim como o atabaque, o pandeiro e um instrumento que produz som através do contato da mão do executante diretamente no instrumento. O pandeiro é usado em outros tipos de música no Brasil, tal como no samba, por exemplo (SANTOS, 2002). O pandeiro usado na prática da capoeira geralmente é feito por um aro de madeira, revestido em um dos lados por uma pele de animal esticada, que atualmente vem sendo substituída por pele de plástico. Em suas laterais tem pequenas platinelas que completam o som do instrumento. É muito usado na prática da roda por seu tamanho pequeno e fácil deslocamento.19

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Timbau é um nome alternativo para o atabaque usado pelos mestres antigos, segundo Vieira (1995). Maculelê é um ritmo usado no ambiente da capoeira que simula uma luta com bastões, que utiliza apenas o atabaque como instrumento. Ver “A presença da música na capoeira”. 19 Vide Figura em Anexos 18

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3.1.4 – Acessórios Além dos principais instrumentos utilizados na produção da musica da capoeira, ainda temos uma gama de instrumentos que podem ser usados para incrementarão da música, como o agogô20 , e o reco – reco21, ambos de origem africana (SANTOS,2002). Para a complementação do instrumental da roda de capoeira ainda são usados palmas, que tem uma função de acompanhamento da bateria e o coro, que são trechos cantados por todos os participantes da roda. Geralmente, o coro é algo que serve como refrão para a canção da capoeira, podendo esse ser constituído de uma à quatro frases. 3.2 – Ritmos Nessa parte apresentarei os ritmos mais usados nas rodas de capoeira, citados por alguns autores como Conde, (2003), Bola Sete (2003), Santos (2002) entre outros. Vemos no trabalho de Santos (2002) que o berimbau é o instrumento que dita as intenções de jogo, e Conde (2003) ainda afirma que é a partir do berimbau que se “determina de forma objetiva, o tipo de jogo a ser jogado, o começo e o fim da roda, [...], e também a ‘energia’ da roda” (p. 83). Lobo da Silva (2008) ainda reafirma tal pensamento com a afirmação que “o modo de tocar berimbau intervém diretamente no jogo [...]” (p. 58), afirmação que Downey (2002) reforça, falando que “[...] o berimbau distingue o estilo de jogo22”. Cada ritmo de berimbau, segundo Conde (2003),tem sua “estrutura rítmica básica” que estabelece uma fixa célula rítmica que se repete várias vezes estabelecendo um pulso para a pratica dos jogadores. Existem ainda alterações nessa célula chamada “virada” ou “improviso” (CONDE, 2003), onde o executante improvisa com base no toque sem deslocar o pulso. Para melhor visualização dos toques usados na capoeira, foi feita uma transcrição de alguns deles para a partitura ocidental, onde o autor do trabalho

20

Vide Figura em Anexos

21

Vide Figura em Anexos “The berimbau distinguishes playing stiles”

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31

utiliza grafias alternativas para simbolizar cada som diferente que se pode tirar do berimbau que estão expostos na tabela a seguir: Tabela 1

Grafia

Posição da nota

Som produzido

Nota escrita abaixo da linha

Som grave e aberto. Produzido sem interferência da pedra encostada no arame.

Nota escrita acima da linha

Som agudo e aberto. Produzido com a interferência

da

pedra

friccionada

firmemente contra o arame Nota acima da linha com a Som cabeça em ‘X’

chiado.

interferência

Produzido da

pedra

com

a

levemente

colocada contra o arame

Nota abaixo da linha com a Som grave e fechado. Produzido sem cabeça

em

formato a interferência da pedra contra o

retangular

arame, porém com a abertura da cabaça encostada contra a barriga, produzindo um efeito de ‘surdina’ no som.

Nota acima da linha com a Som agudo e fechado. Produzido com cabeça

em

formato a interferência da pedra friccionada

retangular

firmemente contra o arame, porém com a abertura da cabaça encostada contra a barriga, produzindo um efeito de ‘surdina’ no som.

Nota abaixo da linha com Nota ‘mute’, geralmente executada cabeça em formato em ‘X’

apenas pelo caxixi ou percutida abaixo do cordão que segura a cabaça.

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Além dessas notações, serão usadas as figuras de notação rítmica tradicional.

3.2.1 – São Bento Grande de Angola Toque usado por capoeiristas adeptos da capoeira angola. Segundo Santos (2002) como um jogo competitivo, onde o jogador deve mostrar – se bem preparado em todos os sentidos para aplicar seus golpes e esquivar – se em altura baixa, média, e alta, assim como usar de golpes de bloqueio e golpes que desequilibram o adversário. Sendo assim, o autor fala que é um jogo em que se poupa ‘floreios’ 23 e elementos coreográficos.

Transcrição do Autor

Na transcrição, optou-se por transcrever também a divisão usual dos instrumentos mais usados como o atabaque, pandeiro, agogô e palmas. Alguns mestres e professores de capoeira, como Silveira (2012) não são adeptos da palma para toques de origem da capoeira angola, pois para eles, as palmas remetem à

23

Floreio é uma expressão usada por capoeiristas para denominar os movimentos que mostram mais capacidade corporal do que efetividade em aplicação contra o adversário.

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capoeira regional e caracterizam uma mistura de tradições não interessantes para a preservação dos conhecimentos.

3.2.2 – São Bento Pequeno de Angola Santos (2002) diz que esse toque remete a um jogo educativo, onde utiliza golpes em todas as alturas e pode ser executado em uma velocidade média e rápida, dependendo do estado momentâneo do jogo.

Transcrição do Autor

3.2.3 – Toque de Angola Esse toque, segundo Santos (2002), propõe um jogo de golpes baixos e médios. Conde (2003), por sua vez, ainda complementa que o toque de angola “orienta um jogo mais lento, jogado mais próximo ao chão, com maior dramatização” (p. 84).

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Conde (2003) ainda complementa que os adeptos da capoeira regional (ou contemporânea) “reduzem essa forma de jogar a um dos jogos possíveis, enquanto os seguidores da Capoeira Angola fazem desse estilo quase a única forma de jogar” (p.84).

3.2.4 – São Bento Grande de Bimba (Regional) Toque usado por Mestre Bimba para a prática do estilo de jogo São Bento Grande, já citado. Porém é executado essencialmente por um berimbau e dois pandeiros.

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3.2.5 – Iúna A Iúna é um ritmo executado apenas por berimbais, podendo somente um ou mais de um, mas sem acompanhamento de outro tipo de instrumento. É executado para jogo entre Mestres ou Formados. Também é usado para cerimônias fúnebres. (SANTOS, 2002). A origem desse nome para determinado toque vem, segundo Downey (2002), do nome de uma ave do interior da Bahia. Esse ritmo tem uma célula rítmica base composta por um compasso em 4/4 que se repete em um ciclo de 4 compassos, podendo conter variações em seus ciclos. Transcrevi as duas variações mais usadas por um dos entrevistados.

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3.2.6 – Santa Maria ou Apanha a Laranja no Chão (Tico-tico) Segundo Downey (2002), esse toque é “geralmente reservado para o ‘jogo do dinheiro’ onde os capoeiristas pegam dinheiro com a boca enquanto jogam” 24. Santos (2002) cita que esse toque também é usado para se praticar um estilo de “jogo” onde se usa armas brancas, geralmente facas usadas nas mãos ou navalhas colocadas entre os dedos do pé.

24

“ is often reserved for the “Money game” in which capoeiristas vie to pick up Money with their mouths while playing”

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3.2.7 – Cavalaria Para Santos (2002), esse toque é importante para a história da Capoeira. Ele servia de aviso aos capoeiristas à aproximação da polícia, que os repreendia (idem).

Existem outros toques usados para guiar estilos de jogo, tais como o Amazonas, Samango, Idalina, Ave Maria, Samba de Angola, Benguela, entre outros, que completam a gama de ritmos para a simbologia do jogo. Além desses toques existem ainda os toques para práticas aliadas à capoeira como o Maculelê (VIEIRA, 1995).

3.3 - Cânticos Juntamente com os ritmos usados na roda e nas reuniões sociais que envolvem a capoeira, são entoados cânticos cujas letras merecem que dediquemos algum aprofundamento. Hummes (2013) cita traz uma citação de Merriam (1964) que compreende a letra da música como um dos fundamentos para compreensão da música enquanto função de representação simbólica. Hummes (2013) traz outros autores, principalmente etnomusicólogos, para fundamentar sua compreensão de que a letra da música é um dos fundamentos para a compreensão da música enquanto função de representação simbólica. Abib (2005) fala sobre a importância desses cânticos da capoeira no processo de preservação dos conhecimentos As músicas e ladainhas presentes no universo da capoeira são também elementos importantíssimos no processo de transmissão dos saberes, pois é através delas que se cultuam os antepassados, seus feitos heroicos, seus

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exemplos de conduta, fatos históricos e lugares importantes para o imaginário dos capoeiras, o passado de dor e sofrimento dos tempos da escravidão, as estratégias e astúcias presentes nesse universo, assim como também mensagens cifradas, que existem uma certa ‘iniciação’ para poderem ser compreendidas (ABIB, 2005 p. 98)

O autor considera as canções da capoeira como ferramentas para manutenção da memória sobre as vivências passadas por capoeiristas ancestrais, através da oralidade. No fim da citação, aparece uma menção à uma ‘iniciação’ no mundo da capoeira, o que remete à questão da hierarquia que ocorre nos espaços onde se prática a capoeira, seguindo a divisão por graduação. Podemos verificar então as vias pelas quais se dão a passagem de conhecimentos dos mais velhos para os mais novos, ou, dentro da hierarquia, dos mais graduados para os menos graduados. Vieira (1995) divide as funções da canção da capoeira em três: função ritualística, mantedor das tradições e uma ferramenta para pensar a história do negro na sociedade. A primeira função consiste em uma função ritualística, que embala a prática da capoeira, fornecendo a animação e riqueza simbólica. Além da função ritualística, as canções ainda exercem uma função de elemento mantenedor das tradições, devido aos conteúdos das letras, que reavivam a lembrança dos capoeiristas e seus grupos, referindo-se aos momentos históricos que os envolveram, a luta pela libertação, os quilombos, a ida dos capoeiristas à Guerra do Paraguai, entre outros, além de citar os nomes importantes no meio capoeirístico. As

canções

ainda

atuam

como

uma

ferramenta

para

repensar

constantemente a história do elemento negro na sociedade. É possível dizer que entre os simbolismos da roda de capoeira, as canções constituem a representação dos conflitos sociais e raciais envolvidos com a tradição da capoeira. Com essas funções citadas por Vieira (1995), podemos situar melhor a inserção da canção no ambiente de capoeira. Segundo Silva (2002) existem diferentes tipos de cânticos usados no ritual da roda de capoeira, entre eles, a ladainha, o corrido e as quadras. As ladainhas são musicas que tem uma função ritualística que é executada antes da roda iniciar. Ela tem a função de (ligar o mundo sobrenatural com o

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natural). Geralmente são canções compridas, que o solista canta longas trechos sem a interferência do coro. Elas geralmente terminam com uma saudação a Deus e/ou outros elementos do universo místico da capoeira (SANTOS, 2002). O mundo de Deus é grande; Deus traz numa mão 25 O pouco com Deus é muito; E o muito sem Deus é nada (d.p.).

fechada

Os corridos são as músicas em que o coro responde o solista imediatamente após o termino de uma frase. Vo dizer pra minha mulher, Paraná; Capoeira me venceu, Paraná; Paranauê, Paranauê Paraná (d.p.).

26

E as quadras são músicas onde o solista ‘chama o coro’ à responder após cantar uma estrofe de 4 versos aproximadamente. Quando a maré baixa, Vá lhe visitar, Vá fazer devoção, Vá lhe presentear. 27 No mar, MORA IEMANJA, no mar, MORA IEMANJA (d.p..)

Nesse capítulo é possível observar como a música intervém na prática da capoeira, o significado de cada componente usado para sua composição, e ainda a importância na preservação da manutenção do aspecto de resistência social dos negros, em relação à opressão imposta a eles. As canções geralmente trazem uma mensagem de representação simbólica que remete a um ideal do povo negro, que são perpetuados em suas letras (SANTOS, 2002). Segundo Abib (2005), é por meio da música da capoeira que ocorre a ritualística da roda, ou seja, que é por meio dela que se faz a ligação do mundo físico com o mundo sobrenatural, pensamento confirmado por Silveira (2012). Vê-se também que cada instrumento usado na produção da música da capoeira tem seu significado dentro de um código de conduta, e contribui é parte constitutiva das rodas de capoeira, assim como os ritmos, que também tem seus significados específicos e agem como condutores do andamento do ‘jogo’28. Assim sendo, é possível compreender o papel do professor de capoeira como um agente mantenedor das tradições afro brasileiras, já que ele é quem passa seus saberes aos seus alunos, que consequentemente passam aos seus alunos, 25

Música usada nas rodas da capoeira. Idem 16 27 Idem 16 28 Jogo diz respeito a prática entre dois lutadores dentro de uma roda de capoeira. 26

40

formado uma rede de conhecimentos que vai sendo ampliada de maneira informal através da oralidade (ABIB, 2005).

4 – Metodologia A metodologia utilizada para a efetivação desse trabalho ocorreu em dois momentos: Revisão de Literatura e Coleta de Dados. 4.1 – Revisão de Literatura A revisão de literatura foi primordial para que se fosse possível fazer uma primeira explanação histórica sobre a capoeira, onde foi possível observar questões que afetam diretamente nosso problema de pesquisa, como: significado histórico da música, divisão entre Capoeira Angola e Regional, entre outros. Para as transcrições dos ritmos, foi utilizada a experiência pessoal do autor nos toques usados, com a ajuda de um dos entrevistados, que conferiu e executou cada toque para que fosse possível verificar a autenticidade de cada toque. Um levantamento importante para a realização do presente trabalho foram as leituras sobre etnomusicologia, matéria acadêmica que estuda a “música na cultura” (MERRIAM, 1964,p.6). O aprofundamento nessa vertente acadêmica ainda não é sólida o suficiente para se concluir algo profundo, mas na continuidade da pesquisa,pretende-se aprofundar ainda mais em tal matéria. 4.2 – Coleta de Dados Para o levantamento de dados desse trabalho foram realizadas entrevistas com professores que são titulares em suas academias, de diversas cidades próximas da cidade de Ponta Grossa – PR. São elas: 

Academia de Capoeira Praia de Salvador – Curitiba – (3 professores)



Academia de Capoeira Praia de Salvador- Fazenda Rio Grande – (1 professor)



Grupo Xangô – Castro - (1 professor)



Academia de Capoeira Praia de Salvador - Piraí do Sul – (1 professor)



Grupo Guerreiro de Palmares - Telêmaco Borba – (1 professor)

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Como podemos observar, foram entrevistados cinco professores da ACAPRAS29 propositadamente, para comparar as respostas deles e analisar as concepções da musica da capoeira passada em tal ‘linhagem’, e dois professores de grupos distintos, Grupo Xangô e Grupo Guerreiro de Palmares, para observar possíveis conceitos convergentes e divergentes entre as diferentes ‘linhagens’. O roteiro de entrevista continha sete questionamentos divididos em três grupos: HISTÓRIA, que se efetuava em traçar uma linha histórica do entrevistado e algumas questões relevantes para o problema de pesquisa, como ‘linhagem’, tempo de docência, tempo de graduação hábil, formação, MÚSICA NA CAPOEIRA, que trazia questionamentos sobre como ocorre e qual a importância da prática musical no ambiente da capoeira, que continha questões como ‘existe música sem capoeira?’, ‘ existe um instrumento principal para a capoeira?’, entre outras, e APRENDIZADO DA MÚSICA NA CAPOEIRA, onde era tratado as vivencias de ensino musical que o professor foi submetido, e suas metodologias de ensino musical para/com seus alunos.30 O registro das entrevistas foi feito com o auxílio de um caderno que serviu para registrar os pontos relevantes das respostas dadas pelos professores. As entrevistas ocorreram entre 25/07 e 19/08 de 201431. A experiência pessoal prévia do autor na capoeira, o coloca em um lugar privilegiado para compreender vários hábitos e costumes desse ambiente. Outro pesquisador sem experiência na área precisaria fazer algumas observações, mas essas observações foram dificultadas em relação ao prazo de realização do Trabalho de Conclusão de Curso, mas essa vivência pessoal supriu a necessidade de familiarização com a capoeira.

29

Sigla para Academia de Capoeira de Salvador Roteiro de Entrevistas disponível em Anexos. 31 Registro das Entrevistas em Anexo. 30

42

5 – Fundamentação Teórica Nesse capítulo dialogaremos com as ferramentas teóricas da etnomusicologia na tentativa de uma análise das respostas obtidas pelos entrevistados e daquilo que a experiência prévia do pesquisador observou. As obras principais que permeiam essas discussões serão o livro The Antropology of Music, de Allan Merriam (1964), e o artigo The Ethnomusicology of Music Learning and Teaching de Timothy Rice (2003). 5.1 - Etnomusicologia Nesse momento, será abordado o tema etnomusicologia, onde será abordado as definições, o histórico no mundo e no Brasil, além de suas ligações com as práticas de educação musical. Para o presente trabalho,compreender as ferramentas teóricas de pensamento da etnomusicologia é necessário para poder pensar sobre o tema ‘ensino da música na capoeira’, e tentar responder a pergunta de pesquisa. 5.1.1 - O que é Etnomusicologia? O dicionário Grove (2001, p. 367, tradução nossa) define etnomusicologia como “o estudo dos aspectos sociais e culturais da musica e da dança em contextos locais e globais32”. Na revisão de literatura, encontrou-se diferentes modos de definir a disciplina, entre eles Blacking (1974, p. 3) explana que “Etnomusicologia é uma palavra relativamente nova, amplamente usada para referir-se ao estudo dos diferentes sistemas musicais do mundo”33, Ruiz (2000) escreve que a etnomusicologia é o espaço que possibilita investigar e estudar todas as músicas. Merriam (1964, p.6) cita que o objeto de estudo da etnomusicologia “é a musica tradicional e os instrumentos musicais de todos os grupos culturais da

32

The study of social and cultural aspects of music and dance in local and global contexts. ETHNOMUSICOLOGY is a comparatively new word which is widely used to refer to the study of the different musical systems of the world. 33

43

humanidade, (...)34”, e cita uma definição de etnomusicologia apresentada por Mantle Hood para a Sociedade Musicológica Americana35 [Etno] musicologia é um campo do conhecimento, que tem como objeto de estudo a investigação da arte da música como um fenômeno físico, psicológico, estético e cultural (MANTLE HOOD,1957 apud MERRIAM, 36 1964, p. 6)

Para concluir, Merriam (1964, p.6) escreve que, partindo das varias definições de etnomusicologia, é possível definir etnomusicologia como “o estudo da música na cultura37”, e posteriormente Queiroz (2004, p.100) fala que Merriam usa a definição de “música como cultura” (grifo nosso). Piedade (2006) cita uma definição de etnomusicologia de Nettl, onde ele a define como: (...)‘a disciplina que busca o conhecimento da música do mundo, com ênfase na música que está fora da cultura do pesquisador, a partir de um ponto de vista descritivo e comparativo. ’ (NETTL, 1964 apud PIEDADE, 2006, p. 63).

Ainda sobre a presença do pesquisador no meio estudado, Siqueira (2013) diz que os primórdios da etnomusicologia, da década de 1950, tinham a tendência de “ocidentalizar” a música “não ocidental” que na época, era o principal objeto de estudo. Porém ele diz que essa situação começa a mudar a partir dos anos 1980, onde traz uma citação de Berague (2005). De um modo geral, foi quando houve um consenso de que o objetivo primordial da etnomusicologia era o de procurar entender e penetrar as práticas e pensamentos musicais percebidos pelos próprios participantes. (BÉHAGUE, 2005 apud SIQUEIRA, 2013, p. 73).

Segundo essa citação, o objetivo da etnomusicologia é entender as percepções musicais dos participantes a partir das práticas e pensamentos musicais, então a experiência do autor desse trabalho na capoeira pode ser

34

“is the traditional music and musical instruments of all cultural strata of mankind,(…).” American Musicological Society 36 "[Ethno] musicology is a field of knowledge, having as its object the investigation of the art of music as a physical, psychological, aesthetic, and cultural phenomenon. 37 “the study of music in culture” 35

44

considerado um fator positivo para a pesquisa etnomusicológica, já que o mesmo já teve um papel de participante nas práticas musicais já citadas.

5.1.2- História da Etnomusicologia Segundo Queiroz (2004), os estudos sobre a música relacionados à cultura e à diversidade humana sempre estiveram presentes na antropologia, mas a partir da metade do século XX, se estabeleceu um “campo [mais] específico para o estudo música e suas relações com o homem e o contexto onde vive” (QUEIROZ, 2004, p. 100). Merriam (1964) escreve que a etnomusicologia surge entre 1880 e 1890, apontando os Estados Unidos e a Alemanha como lugares de origem. Segundo Piedade (2006), a etnomusicologia alemã teve seu prólogo na criação do Berlins Phonogramm Archiv, composto por um grupo de pesquisadores que, por convenção, acabaram sendo chamados de escola de Berlim. Ainda segundo o autor, as práticas investigativas desse grupo tendia aos estudos comparativos entre as sensações em relação aos sons em diversas culturas. Para Natiez (2004, p.5), a escola “estabelecia comparações entre as escalas e as estruturas dos novos sistemas musicais que descobria” Essa prática ficou conhecida como “Musicologia Comparada”, nome dado pelo pesquisador Guido Ackler. (TRAMONTINA, 2011) que futuramente se estabeleceria como etnomusicologia (PIEDADE, 2006; TRAMONTINA,2011) Queiroz (2004, p.100) cita que a primeira aparição do termo ‘etnomusicologia’ na literatura científica é usado por Jaap Kunst em 1950, ao utilizá-lo no subtítulo do seu livro “Musicology: a Study of the Nature of Ethno-Musicology, its Problems, Methods, and Representative Personalities (1950)” A Segunda Guerra Mundial exilou da Alemanha a ‘nascente’ etnomusicologia (PIEDADE, 2004), que migrou então para os Estados Unidos, onde se institucionalizou e se desenvolveu academicamente (PIEDADE, 2004). Nos Estados Unidos, Nattiez (2004) fala que os primeiros pesquisadores da musica étnica começaram a interessar-se pela música dos índios da America do Norte, buscando descrições de contextos musicais e traços estilísticos da música.

45

Uma importante ruptura no que concerne à instituição da etnomusicologia como área cientifica, consistiu na publicação, segundo Nattiez (2006), dos renomeados livros ‘The Antropology of Music’, de Alan P.Merriam (1964), e ‘How musical is man?’ de John Blacking (1973). Ambos os livros citados por Siqueira (2013) sintetizam o percurso histórico da etnomusicologia. Pìedade (2004) cita a obra de Merriam como prenunciador da “célebre definição da disciplina como ’o estudo da música como cultura” (PIEDADE, 2006, p. 62, sublinhado no original), e fala que o livro de Blacking (1973) foi uma importante ‘lanterna teórica’ da etnomusicologia. Curiosamente, Blacking (1973) cita a importância do livro de Merriam (1964) como defensor do estudo da música na cultura, e Merriam (1964) cita algumas vezes em seu livro algumas obras publicadas antes de 1964 de John Blacking. A partir desses dois livros, Piedade (2004) cita alguns trabalhos que se desenvolveram no decorrer do tempo com diversas ramificações dentro do campo da etnomusicologia, evidenciando a importância do campo como disciplina acadêmica.

5.1.3 - Etnomusicologia no Brasil Sandroni (2008) comenta sobre os primeiros professores com doutorado em etnomusicologia no Brasil, como Manuel Veiga, que obteve tal titulação no ano de 1981 na UCLA. Na sequência, cita outros doutores de importância histórica para a etnomusicologia no Brasil, entre eles José Jorge de Carvalho, Rita Laura Segato, ambos orientados por John Blacking, Marcos Branda Lacerda,

Angela Lühning,

Tiago de Oliveira Pinto. Em meados da década de 90, o Brasil contava com 12 doutores em etnomusicologia, porém apenas uma havia se formado no Brasil, Kilza Setti, enquanto que os primeiros mestrados em etnomusicologia datam da década da 80 (SANDRONI, 2008). Para Sandroni (2008), a etnomusicologia brasileira teve duas etapas no seu processo de estabilização e crescimento nacional. O primeiro ocorre na década de 90, com a presença de doutores brasileiros em cursos de etnomusicologia fora do país, até a metade da década, e o surgimento dos primeiros cursos de doutorado em

46

território brasileiro. E o segundo que se trata de uma expansão do campo consequente da criação da Associação Brasileira de Etnomusicologia em 2001, a realização de encontros nacionais e a criação de um periódico científico reconhecido na área. (SANDRONI, 2008). O autor ainda fala das perspectivas para a etnomusicologia no âmbito acadêmico.

5.1.4 - Etnomusicologia e Educação Musical Segundo Pereira (2011b), entende-se educação musical como “todos os processos onde acontecem ensino e aprendizagem musical, em diferentes contextos, em ambientes regulares ou não” (PEREIRA, 2011b, p. 54). O autor ainda trás uma citação de Arroyo falando sobre o termo Educação Musical O termo Educação Musical abrange muito mais do que a iniciação musical formal, isto é, é educação musical aquela introdução ao estudo formal da música e todo o processo acadêmico que o segue, incluindo a graduação e pós-graduação; é educação musical o ensino aprendizagem instrumental e outros focos; é educação musical o ensino aprendizagem informal de música. Desse modo, o termo abrange todas as situações que envolvam ensino e/ou aprendizagem de música, seja no âmbito dos sistemas escolares e acadêmicos, seja fora deles. (ARROYO, 2000 apud PEREIRA, 2011b, p. 54).

Seguindo essa linha de raciocínio, Queiroz (2010) fala que educação musical ”abrange o estudo de qualquer processo, situação e/ou contexto em que ocorra transmissão de saberes, habilidades, significados e outros aspectos relacionados ao fenômeno musical” (QUEIROZ, 2010, p. 116). Rice (2003, p.65) fala que ao olharmos para a educação musical com as lentes da etnomusicologia percebe-se que a música tem um papel de transmitir os conhecimentos estéticos de uma cultura para os membros ingressos, além de ser um ponto crucial na “criação e manutenção dos sistemas cultural, social político e econômico em que essas atividades [musicais] estão inseridas38” (tradução nossa). Por sua vez, Merriam (1964) contribui nesse ponto de vista, apontando que o aprendizado musical é parte do processo de socialização, e através do aprendizado, são transmitidas as concepções e os conhecimentos dentro de uma sociedade.

38

creation and maintenance of the cultural, social, political, and economic systems in which these activities are embedded

47

5.2 - Funções Sociais da Música segundo Merriam Merriam (1964) inclui em seu trabalho um capítulo chamado ‘Uses and Functions’, que relaciona a música com seus empregos e funções sociais. O autor traz uma categorização das funções sociais da música, que segundo Hummes (2013), são “o referencial para a análise das possibilidades que cercam o universo musical” (p. 22), onde está inserida a educação musical. O conhecimento dessas funções foi fundamental para compreender algumas respostas dos entrevistados, como veremos em um próximo momento. 5.2.1 - As categorias de Merriam sobre a Função Social da Música 

Função de expressão emocional: trata-se de um ‘desabafo’ emocional através da música (HUMMES, 2013). Essa função se trata da descarga dos “pensamentos e ideias, a oportunidade de alívio e, talvez, a resolução de conflitos, bem como a manifestação da criatividade e a expressão das hostilidades” (MERRIAM 1964).



Função do prazer estético: Segundo Merriam (1964), essa função abrange os conceitos estéticos do ponto de vista do criador e do comtemplador.



Função de comunicação: Essa função refere-se ao fato da música comunicar algo. Nesse tópico, Merriam (1964) fala que “a música não é uma linguagem universal, porém ela é moldada nos termos da cultura da qual ela faz parte39” (p. 223, tradução nossa). Hummes (2013) fala que nas letras musicais é diretamente comunicado “informações [...] àqueles que entendem a linguagem que está sendo expressada” (p.23).



Função de divertimento: Função ligada ao entretenimento ‘puro’ ao ato de tocar e cantar. Merriam (1964) fala que essa função deve ser confundida com o divertimento interligado com outras funções sociais, como o divertimento provocado pela função da comunicação.



Função de Representação Simbólica: Merriam (1964) diz que a música tem a função de exercer “uma representação simbólica de outras coisas, ideias e concepções40” (p. 223, tradução nossa).

39

40

Music is not a universal language, but rather is shaped in terms of the culture of which it is a part. a symbolic representation of other things, ideas, and behaviors.

48



Função de Reação Física: Essa função concerne nos estímulos físicos provocados pela música que são moldados por convenções sociais. Merriam (1964) que a música pode influenciar no comportamento de grupos, como por exemplo, “encorajar reações físicas de guerreiros e caçadores41” (p. 224, tradução nossa).



Função de impor conformidade às normas sociais: Segundo Merriam (1964), “a imposição das conformidades às normas sociais é uma das maiores funções da música42” (p.224, tradução nossa). Essa função de controle social adverte o que seria um perfil indesejável a um sujeito de sociedade, assim como delineia indiretamente o comportamento desejável para a mesma.



Função de validação dos rituais religiosos e das instituições sociais: Segundo Hummes (2013) essa função é bastante semelhante com a função de impor conformidade às normas sociais. A validação das instituições sociais se da através da “música que enfatiza o adequado e o impróprio na sociedade, bem como aquelas que dizem às pessoas o que e como fazer”(MERRIAM 1964 citado por HUMMES, 2013, p.24), e em sistemas religiosos, em músicas que ressaltam princípios de mesma natureza.



Função para estabilidade e continuidade da cultura: Essa função é da música enquanto veículo de conhecimentos históricos e culturais. Ela usa aqui a educação como controlador dos ‘membros errantes’ da sociedade, dizendo ‘o que é certo ou errado’. Hummes (2013) cita Merriam (1964) onde ele diz que a música é o “[...] caminho por onde o coração de uma cultura é exposto sem muitos daqueles mecanismos protetores que cercam as outras atividades

culturais

que

dividem

suas

funções

com

a

música”

(MERRIAM,1964 apud HUMMES, 2013, p. 24). 

Função de Contribuição para a Integração da Sociedade: Aqui a música funciona como centro de convergência entre os membros da sociedade. Merriam (1964, p.227) diz “(...) todas as sociedades tem ocasiões marcadas

41 42

encourages physical reactions of the warrior and the hunter The enforcement of conformity to social norms is one of the major functions of music.

49

por música que atrai seus membros e o recorda de sua unidade 43” (tradução nossa). Para Hummes (2004), essa categorização pode requerer uma condensação ou expansão, mas em geral, ela resume o papel da cultura humana. Como já vimos no item 5, metodologia, na entrevista feita pelo autor do presente trabalho, há uma divisão das perguntas em três tópicos: HISTÓRIA (pessoal), MÚSICA NA CAPOEIRA e APRENDIZADO DA MÚSICA NA CAPOEIRA respectivamente. A explanação sobre essas funções é importante para abordarmos uma primeira compreensão das respostas da bateria de perguntas referente ao 2º tópico, como veremos na análise dos dados levantados. 5.3 – O ensino ‘etnomusical’ Merriam (1964) fala que a música é o resultado final de um processo dinâmico, que contempla aspectos conceituais e comportamentais. Para o autor, esses conceitos e modos comportamentais devem ser obviamente, ensinados. Esse processo de ensino deve ser acordo com os moldes culturais para que esteja de acordo com os valores e os ideais de e cada cultura (idem, p. 145). Ainda, segundo Merriam (1964), se diz praticamente impossível falar sobre o processo de acumulação de conhecimento musical, já que para isso teria que se conhecerem todos os processos de aprendizado da sociedade, porém se podem discutir “quais informações são avaliáveis para referir-se a esses processos segundo o qual musica enquanto som, bem como comportamentos comuns entre músicos, são transmitidos de geração para geração, ou entre indivíduos da mesma geração 44” (MERRIAM, 1964, p. 145, tradução nossa). Em algumas sociedades se tem notado a falta de instituições de ensino formal, isto não é sinal de que não existam sistemas educacionais. Para Merriam (1964), a falta de lugares formais para a educação, não significa que não exista educação.

43

(...)every society has occasions signalled by music which draw its members together and reminds them of their unity. 44 What information is available to us concerning those processes whereby music as sound, as well as musicianly behavior, arc transmitted from generation to generation, or between individuals of the same generation.

50

Para Rice (2003) os métodos de ensinar música podem ser divididos entre métodos de ensino formal e pelo aprendizado informal. O autor fala que através da sua perspectiva, a literatura tem dado mais atenção ao ensino informal, já que os etnográficos têm geralmente uma formação musical formal, e o ensino informal para eles é um método misterioso e que precisa ser explanado e analisado. Szego (2002) também cita essa divisão no campo da educação entre formal e informal. 5.3.1 – O conceito de ensino informal Strauss, citada por Szego (2002) fala que “no campo da educação, o paradigma do ensino formal é o estilo de escolarização desenvolvido na industrialização ocidental45” (p. 723, tradução nossa). E , segundo a autora citada por Szego (2002), “ensino informal refere-se a educação que acontece ‘no contexto’ enquanto crianças participam todos os dias das atividades adultas46” (idem, tradução nossa). Segundo Strauss, esse método de transmissão de conhecimento informal “é a forma predominante em muitas sociedades não industrializadas47” (STRAUSS 1984 apud SZEGO, 2002, p. 723, nossa). Rice (2003, p.74), por sua vez, compartilha e aprofunda essa mesma noção dizendo que o ensino informal é “o mais comum modo de aprendizagem da música ao redor do mundo48” (tradução nossa). Ele ainda comenta que alguns etnomusicologos verificam que o ensino informal é mais eficaz ao ensino formal no que concerne ao ensino-aprendizado de músicas de tradição oral. Rice (2003) cita uma caracterização do ensino informal A outra [metodologia], típica das crianças, mas de modo algum limitado a eles, é a aprendizagem informal que consiste em observar os adultos e crianças mais velhas fazendo música e a autoinstrução possibilitada pela

45

In the Field of education, “the paradigm is the style of schooling developed in the industrialization west. (…)” 46 Informal education refers to education that takes place ‘in context’ as children participate in everyday adult activities. 47 Is the predominant form in many no industrialized societies 48 The most common mode of music learning around the world

51

notação da música e do som gravado nossa, grifo nosso).

49

(RICE ,2003, p.72-73., tradução

Então, Rice (2003) concorda com o fato de que a observação é uma ferramenta básica nos processos de ensino aprendizagem. Ramos (2011), que em seu trabalho tentou dialogar psicologia e etnomusicologia do ensino/aprendizagem, verificou que a observação, a imitação, e a participação em atividades comunitárias são primordiais para todo e qualquer aprendizado no desenvolvimento humano. No que concerne à imitação, Merriam (1964) comenta que a mesma é uma parte fundamental parte do processo de aprendizagem, assim como destaca a possibilidade de ser o primeiro passo desse processo. Rice (2003) ao abordar essa importância da observação e da imitação entre os aspectos fundamentais no processo de ensino aprendizagem escreve: Muitas tradições musicais são “aprendidas porém não ensinadas" em um processo que poderia ser chamado de “aural-visual-tátil”. Estudos sobre a aprendizagem informal enfocam os aspectos cognitivos e comportamentais da observação e imitação; o uso de gravações; a aquisição de conceitos abstratos sobre música; e as vantagens da aprendizagem informal sobre a 50 instrução formal para muitos tipos de música de tradição oral (RICE, 2003, p.77, tradução nossa).

Szego (2002) cita Strauss, onde fala que o ensino informal pode ser dividido em dois: intencional, onde o professor intencionalmente ensina algo ao aluno, e acidental, onde o aluno aprende ‘sem a intenção de aprender’. O uso de gravações citado acima e a ideia de ensino ‘acidental’ são fundamentais para alguns aspectos da análise dos dados mostrados posteriormente. Mesmo ainda dentro de lugares de educação musical informal existe, uma metodologia de ensino. Pereira (2011a) fala A aprendizagem informal tem seus próprios métodos, no entanto eles não se fazem tão explícitos quanto aqueles organizados pelo ensino normatizado. O fato destes métodos não serem explícitos não significa que não existam e nem que não sejam regidos por normas. Para o

49

The other, typical of children but by no means limited to them, is informal learning that consists of observing adults and older children making music and of self-tutoring made possible by music notation and recorded sound

52

esclarecimento destas variáveis o trabalho etnográfico é de fundamental importância, uma vez que, viabiliza uma maior compreensão do funcionamento deste tipo de saber (PEREIRA, 2011ª,p.99).

Vendo o conceito que fala que o processo de aprendizado tem como base, ideais e valores de cada cultura (MERRIAM, 1964, p.146), esses métodos de ensino citados por Pereira (2011a) são delineados segundo o professor achar melhor. Tendo em vista esses conceitos vistos nesse capitulo, podemos analisar as respostas

submetidas

às

perguntas

feitas

aos

professores

de

capoeira

entrevistados. 6 - Resultados Nesse capítulo iremos observar as respostas obtidas nas entrevistas e dialogar com os dados levantados para fundamentação teórica desse trabalho. Como já foi discutido no item 5, metodologia, a coleta de dados do presente trabalho foi feito através de entrevistas com professores de capoeira de Curitiba e Campos Gerais, onde foram questionados sobre a presença e o ensino da música de capoeira. As perguntas foram divididas em três tópicos, HISTÓRIA, MÚSICA DA CAPOEIRA e APRENDIZADO DA MÚSICA DE CAPOEIRA. Para cada tópico, foi elaborada uma tabela que permite melhor visualização das respostas. A primeira parte da entrevista foi referente a história pessoal de cada professor na capoeira. Número da Entrevista

Linhagem Citada

Entrevista nº1

‘Mestre Olímpio’

Entrevista nº2

Mestre Xangô – Mestre Martins Artur Emídio Mestre Painho

Entrevista nº3

Não cita

Entrevista nº4 Entrevista nº5

Mestre Silveira Mestre Limão Mestre Padeco

Entrevista nº6

Não Cita

Entrevista nº7

Mestre Limão

Informações Importantes

Preocupa-se com a formação do aluno “Para mim, a criança não pode olhar e escutar apenas, ela precisa produzir.”

Aulas em escolas e penitenciarias

Raizes Indígenas

53

Durante a formulação das perguntas para a primeira parte da entrevista, foi inserida uma questão51 com intuito de verificar a história pessoal do aprendizado da capoeira de cada professor. Entretanto, não esperávamos que surgisse de maneira tão contundente a questão de linhagem e sucessão dos mestres. Dos sete professores entrevistados, seis citam com ênfase sua linhagem. No caso dos entrevistados 2,4 e 7 a questão da linhagem ainda insistiu em ressurgir na pergunta 6, como veremos posteriormente Outro fato levantado pelos professores é a importância de sua graduação no meio da capoeira e alguns relacionam a aquisição de graduação com o inicio a docência da capoeira Comecei a ensinar capoeira a partir da 5ª graduação (Cordão Verde Amarelo). Em 2008 eu me formei na capoeira e em 2012 me tornei monitor (E.1, Entrevista em apêndice).

Comecei a dar aulas após pegar meu cordão de Estagiário (E.4, Entrevista em apêndice).

Tendo em vista que esse trabalho tem um caráter introdutório ao problema de pesquisa, seria necessário investigar melhor como os capoeiristas compreendem que o aluno está apto a ensinar, ou que habilidades é necessário que o aluno possa ensinar, mas podemos ver nessas respostas o fator ‘graduação’ é importante para esse início da docência da capoeira. O segundo tópico de perguntas destinadas aos professores tinha o título ‘música da capoeira’, onde eram feitas perguntas referentes à presença e a importância da música na capoeira Ent revi sta

Existe Capoeira sem Música?

Porquê?

1

Não

“(...) sem música, acaba se perdendo no jogo” - cita o histórico dos escravos " Desde os escravos, eles treinavam com música, gingavam para disfarçar.”

51

Qual o instrumen to Mais Important e da Capoeira? Atabaque

Porquê?

- Então, quais são os instrumentos essenciais para a música da capoeira?

É o primeiro instrumento usado na capoeira

“O Atabaque, porque ele é o primeiro instrumento usado na capoeira, depois o berimbau, que é o símbolo, depois os demais, pandeiro, recoreco, afoxé,agogô ...” “ Pode ser apenas palma

A pergunta era : ‘Conte um pouco da sua história pessoal na capoeira.’ Vide roteiro de entrevistas em anexo.

54

e coro, porque na verdade o que é importante é o RITMO” 2

Não

“Apenas em casos de toques sem canto”

Berimbau

Simbolo da capoeira

CAPOEIRA SEM BERIMBAU NÃO EXISTE!

3

Não

“Meio de contar a história dos Escravos”

Berimbau

Instrumento de comunicação

4

Não

Conta História

Berimbau e Atabaque

“O símbolo da capoeira é o Berimbau atualmente, porém o mais antigo é o atabaque.”

Nenhum instrumento é indispensável, senão a roda fica ‘chôcha’ “Vendo a capoeira como a maior forma de expressão do povo brasileiro, vemos que a roda de capoeira possa ser feita apenas com palmas e voz, sem problemas. Porém é importante a presença da bateria.”

5

Não

Berimbau

Simbolo

Bateria Padrão mas pode faltar instrumentos

6

Sim

É um Chamarisco para a capoeira - agrega pessoas “os escravos treinavam a capoeira sem a música para despistar os opressores. A música era apenas para momentos de lazer”

Atabaque

Primeiro usado

“O Atabaque, agogô, berimbais (Berra Boi, Gunga e Viola), e dois pandeiros, podendo substituir um dos pandeiros por um afoxé ou um reco- reco. Se não tiver instrumentos, pode ser feito apenas nas palmas o até com o silêncio, pois é uma expressão de liberdade.”

7

Depende

Dualidade Dança/Luta Dança – precisa Luta – não

Depende

Momento da história “Antes de 1888, o atabaque era o instrumento mais importante por causa de seu poder de ligação do mundo físico e espiritual, porém após 1888, a capoeira se tornou ilegal, o berimbau se tornou o mais importante, por sua fácil confecção.”

“a capoeira é a maior expressão de liberdade do povo brasileiro, pode ser praticado com qualquer instrumentação, ou até mesmo sem a presença sonora”

Entre os entrevistados, cinco falaram que não existe capoeira sem música, entre eles, três falam que a música é um meio de contar história dos escravos. Vemos aqui que a função social que Merriam (1964) nomeia de Representação Simbólica, onde são retratadas a história, as ideias e as concepções desses negros. Essa Representação Simbólica vai de encontro com as funções da canção da capoeira segundo Vieira (1995), onde aparece a canção como mantedor da tradição,

55

Além de comentar sobre a história dos escravos, o entrevistado 1 ainda fala sobre a influência da música no corpo: “(...) o treino é na base da música. Sem música, acaba se perdendo no jogo” (E.1, Entrevista em apêndice). Vendo essa influência musical no comportamento físico, podemos relacionar essa resposta com a função social da música no que concerne a Reação Física. Merriam (1964) fala que essa função concerne nos estímulos físicos provocados pela música que são moldados por convenções sociais. Esses estímulos físicos podem ser vistos na ginga já citada, feita pelos praticantes. O entrevistado 5 comenta que a música da capoeira é o que liga as pessoas: A música serve como um chamarisco para a capoeira. É ela que chama e agrega as pessoas. Ela é imprescindível para a prática da capoeira (E 5, Entrevista em apêndice).

Vendo essa descrição feita pelo entrevistado 5, podemos constatar outra função social de Merriam (1964) na música de capoeira, que é a Função de ‘Contribuição para a Integração da Sociedade’, onde Merriam (1964,p.227) cita que “(...) todas as sociedades tem ocasiões marcadas por música que atrai seus membros e o recorda de sua unidade52” (tradução e grifo nossos). Com esse termo chamarisco citado pelo Entrevistado 5, pode-se supor um paralelo com essa função social de Merriam (1964). Contrariando o pensamento da maioria dos entrevistados, dois professores falaram que é possível a prática da capoeira sem música. O primeiro (E.6) justifica sua posição fundamentando – se na história do negro, onde fala : “os escravos treinavam a capoeira sem a música para despistar os opressores. A música era apenas para momentos de lazer” (E.6, Entrevista em apêndice). O segundo professor a falar sobre a existência da capoeira sem música (E.7,Entrevista em apêndice) tem em vista a dualidade da visão da capoeira como dança e como luta, ocorrida pela junção das bagagens culturais já citadas: Primeiramente temos que ver a sua posição sobre o que é capoeira. Se a capoeira for dança, precisa de música, porém se a capoeira for luta não precisa (E.7, Entrevista em apêndice).

A segunda pergunta desse tópico é sobre o instrumento mais importante para a capoeira, onde há um equilíbrio entre as respostas. Três colocam que o 52

(...)every society has occasions signalled by music which draw its members together and reminds them of their unity.

56

instrumento principal é o berimbau, dois falam que é o atabaque, dois respondem ambos. Entre os entrevistados que colocam o berimbau como mais importante, o entrevistado 2 é enfático ao afirmar “Capoeira sem Berimbau não existe!” (E.2, Entrevista em apêndice). O entrevistado 3, faz uma colocação sobre a importância e a função do berimbau na capoeira Todos os instrumentos são importantes para a música da capoeira, porém eu vejo que hoje a maioria das pessoas trata o berimbau como o principal, já que ele era usado na antiguidade como um instrumento de comunicação. O berimbau avisava que a polícia chegava com o toque de Cavalaria. (E.3, Entrevista em apêndice).

Essa função citada pelo E.3, pode ser analisada com a citação de Conde (2003), já usada nesse trabalho, onde fala que o berimbau se “determina de forma objetiva, o tipo de jogo a ser jogado, o começo e o fim da roda, [...], e também a ‘energia’ da roda” (p. 83), e reforça a ideia de função social de comunicação da música através da relação entre o berimbau e o praticante. Os professores que optam pelo atabaque como sendo instrumento principal, falam sobre a função que o instrumento faz na ligação do presente com o passado. Os que falam de ambos também citam essa função, mas contextualizam a situação em que cada um sobressai ao outro, mas não mudam as concepções vistas até aqui. Um fato interessante a ser analisado nas entrevistas é que todos os professores que responderam o atabaque como o instrumento principal da capoeira, assim como os que respondem ambos, são membros da linhagem ACAPRAS, cujo patrono é Mestre Silveira, que escreve os livros ‘A Capoeira Contemporânea’ (s.d.) e ‘A Luta que Venceu’ (2012), onde fala sobre a importância do atabaque para a capoeira. A última pergunta dessa parte refere-se aos instrumentos essenciais para a música de capoeira. A maioria dos professores falou que são necessários todos os instrumentos para música de capoeira, mas após serem instigados a pensar, eles falam que podem ser feito com menos instrumentos. O E.3, E.6, E.7, da mesma linhagem, usam na resposta exatamente a mesma expressão: [a capoeira é] a maior expressão do povo brasileiro.

57

Após falar sobre a presença da música na capoeira, o próximo tópico referese ao aprendizado da música de capoeira. Para melhor visualização, a tabela foi dividida em duas Entrevista 1

2 3 4 5 6 7

Entrevista

Como você Aprendeu? Palmas e Coro Observação DVDs Cds “Tocando Berimbau” - Teste de Troca de Cordão Começo pelo berimbau ... Esaa ordem varia da LINHAGEM Contusão e a vontade de não distanciar-se da capoeira Aprendeu Para ensinar NO DIA A DIA, coro, CDs Pressão de um aluno Para executar em rituais

Como seu Mestre Aprendeu? Com o Mestre Dele ‘“Metodologias’ inventadas pelo mestre para ‘não se perder” Cita toda sua linhagem Tocando Berimbau Cita Linhagem O mestre ensina como aprende Situação social onde o mestre dele aprendeu “ do mesmo modo que eu” Cita LINHAGEM

Como ensinam a música? Passandos os toques como meu mestre me ensinou

Quais instrumentos domina?

Fontes de contato de seu aluno com a música

“Pandeiro, Atabaque, Berimbau, Agogô, Afoxé, Canto, coro, palma usada apenas em falta de instrumentos”

“Rodas, aulas, internet, Cds, cursos, treino ( caixa de som), palestras encontros.”

2

Percussão Corporal RITMO ‘Instrumentos de Brinquedo’ Sequencia Pedagógica

“Berimbau, Pandeiro, Atabaque [...], o professor tem o dever de dominar os instrumentos não só para ensiná-los, mas também para utilizados para ensinar os diversos movimentos aliados a capoeira. Por exemplo :o professor deve dominar o atabaque, para poder ensinar com segurança o maculelê.”

Pen Drive com Músicas passadas pelo professor - Escutar em casa - pesquisa ao maiores na internet pededa pelo professor

3

Começamos pelo toque de Angola, e vamos desenvolvendo outros toques Sem preferência, mas sempre tem os alunos que preferem a música. Escrever musicas para decorar PRATICAR Cita importância histórica aqui “No dia a dia. Temos aulas de instrumentos – onde ensino os toques e músicas para os alunos. Ensino o ritmo e vamos encaixando.” “Na academia é

Todos. Berimbau. Atabaque, pandeiro, reco-reco-agogô

Passo letras de músicas

Todos, mas prefiro o Berimbau

DVDs Cds de fonte nossa ( da linhagem)

Todos Berimbau, pandeiro,atabaque, voz “Todos. Berimbau, atabaque, pandeiro, reco-reco, agogô, afoxé...”

Ensino ‘ao-vivo’, não uso Cds

“Eu tive uma oportunidade de

“Como venho de origem indígena e honro minhas

1

4

5 6

7

“- Com o mestre. Além disso, eu mando eles pesquisarem musicas, CDs ....”

58

obrigatório a execução da musica da capoeira a partir do 3º cordão, 4ª graduação, o cordão azul. “

estudar música então eu componho e escrevo partituras. Eu domino todos. Além de também tocar teclado.”

tradições, eu não acredito na internet.Transmito todos os meus conhecimentos musicais através da oralidade.

A primeira pergunta questiona sobre como o professor aprendeu a música de capoeira. O E.1 fala Comecei pelas palmas e respondendo o coro, logo passei a ter aulas de berimbau, pandeiro ..., observei os mestres mais antigos, Cds e DVDs, cursos de instrumentos de percussão (E.1, Entrevistas em Anexos, grifo nosso).

Ele coloca a observação aos mais velhos como um fator importante para o seu aprendizado da música de capoeira, onde podemos relacionar esses ‘mestres antigos’ com os adultos citados por Rice (2003). O E.6 cita o uso de registros fonográficos como fonte de autoinstrução. “No dia a dia, cantando e respondendo coro, pesquisando, se eu gosto de uma música de um cd, eu aprendo e trago para a roda.” (E.6, Entrevista em apêndice, grifo nosso). Esse ‘aprender no dia a dia’ remete ao conceito de aprendizado ‘acidental’ falado por Szego (2002) em seu artigo, onde o aluno aprende músicas de capoeira mesmo sem ter a intenção de aprender de fato, aprendendo respondendo o coro, batendo palmas, entre outros. Outra resposta interessante de ser relevada aqui é a do E.3, que fala: “Aos poucos. Indo passo- a passo. Comecei pelo berimbau, depois o pandeiro, atabaque. Essa ordem varia da ‘linhagem’. Cada grupo tem o seu procedimento” (E.3, Entrevista em apêndice, grifos nossos). Aqui o professor traz uma particularidade do ensino informal, onde estabelece que tem uma linha metodológica para o ensino da música dentro da capoeira, porém deixa explícito que a usa como ele (ou seu grupo) acha mais adequado. Outros professores ou outras academias elaboram linhas metodológicas particulares para o ensino da música baseado em valores e ideais próprios de cada grupo. A próxima pergunta feita aos professores foi ‘ como o seu mestre aprendeu?’. Os entrevistados E.2, E.4 e E.7 falaram os precedentes de suas linhagens. O

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professor E.4 faz uma colocação relevante ao momento: “(...) ele passa os ensinamentos como ele aprendeu” (E.4,Entrevistas em Anexos). O entrevistado E.6.,nesse mesmo pensamento fala: “(...) do mesmo moda que eu” (E.6, Entrevista em apêndice). Retomando a questão levantada anteriormente sobre a importância da sucessão e da linhagem na maneira como os próprios capoeiristas compreendem o processo de aprendizado.O entrevistado 2 fala: Eu venho de uma linhagem de Mestres Cariocas. Meu mestre é Mestre Xangô, que foi aluno de Mestre Martins, que foi aluno de Artur Emídio, que foi aluno de Mestre Paínho. (E.2, Entrevista em apêndice).

Essa preocupação em falar sobre a origem do seu aprendizado na capoeira vem de encontro com a ideia de transmissão de conhecimentos entre as gerações de capoeiristas. Abib (2005) fala sobre a relação próxima entre Mestre e discípulo: “A convivência entre mestre e aprendiz era (...) um fator que auxiliava muito o processo de aprendizagem da capoeira” (ABIB, 2005, p.179) O entrevistado E.1, cita uma metodologia que seu mestre criou para ensinar a música de capoeira para ele: “Ele passou, tocar instrumentos conversando com alguém para não se perder. Com músicas com mais refrões (corridos)” (E.1, Entrevista em apêndice), e ainda comentou uma possível linha metodológica:” Ele começou pelo ritmo da Angola, São Bento Pequeno, São Bento Grande, Cavalaria, Santa Maria, Samba de Roda, ensinou também a Regional” (idem). Essa resposta dada pelo E.1 pode ter relevado um ‘sistema educacional’ criado pelo mestre. Uma das questões mais importantes para a investigação do problema de pesquisa, onde é perguntado diretamente aos professores: Como ensinam a música da capoeira na academia? O professor E.7 mostra a relação entre ensino da música relacionado com o conceito de graduação, quando fala: “Na academia é obrigatório a execução da musica da capoeira a partir do 3º cordão, 4ª graduação, o cordão azul” (E.7, Entrevista em apêndice). Com essa resposta, vemos uma imposição ao aluno aprender a música de capoeira para ‘crescer’ hierarquicamente no mundo da capoeira, então, se misturam entre si música e luta, para desenvolver atributos necessários para ser capoeirista. O entrevistado E.6, coloca o ensino da música da capoeira relacionado com o ensino dos toques, onde ele ensina o ritmo base e, segundo ele, “vai encaixando”.

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Ele não explica o modo em que ele vai “encaixando” o ritmo, mas, tendo em vista essa resposta, podemos supor que o processo de participação na educação musical dos alunos enquanto se constroem a música da capoeira. O E.1 coloca que ele ensina a música de capoeira passando os toques do mesmo modo que o mestre dele ensinou, já colocado acima, e o E.3 fala que começa o ensino da música passando o toque de angola. Podemos perceber que os dois professores optam por começar com o ritmo de angola no berimbau, podemos assim, ver o ritmo de angola como toque inicial no ensino do berimbau. No que diz respeito ao ensino da música de capoeira para crianças, vemos que o professor E.2, introduz ao aluno antes do aprendizado efetivo com instrumentos reais: Para o ensino aprendizado da música na capoeira aqui na academia fazemos primeiramente um iniciação ao aluno. É trabalhado com percussão corporal e ritmos com contagem, o famoso 1,2,3. Passo os ritmos para ser executado no corpo, logo usamos outros artifícios para desenvolver o ritmo dos alunos. Pegamos caixinhas de fósforo, colocamos arroz e damos para o aluno fazer música. Para ensinarmos o pandeiro, primeiramente é ensinado o movimento na mão. As etapas de ensino devem ser respeitadas. Os alunos não podem tocar e cantar sem estar firme em fazer as duas coisas. Primeiro é firmado as duas coisas isoladamente. É importante não atropelar a sequência pedagógica (E.2, Entrevista em apêndice, grifos nossos).

Vemos a preocupação que o professor tem estabelecer uma linha metodológica com o aluno, trabalhando primeiramente com materiais alternativos e com percussão corporal. Merriam (1964, p.148) coloca em seu trabalho o uso de instrumentos alternativos feitos para crianças no processo de ensino aprendizagem, relacionando o uso do brinquedo com o processo de imitação. Ao perguntar aos professores sobre quais instrumentos eles dominam, quase todos respondem com confiança que dominam todos, a seguir, o autor instiga os professores a falarem quais são os instrumentos, e todos que seguiram essa linha de resposta falaram primeiro o berimbau, em seguida falaram os mais usados citados anteriormente, atabaque e pandeiro, não necessariamente, e alguns citaram os acessórios. Essa ordem confirma o que a revisão de literatura traz no que concerne aos instrumentos que integram música de capoeira. O professor E.7 é o único dos entrevistados que traça uma resposta diferente, falando que teve a oportunidade de estudar teclado e com isso ele escreve partituras e compõem músicas de capoeira.

61

A última pergunta do questionário feito aos professores concerne em ver os meios de contato dos alunos dos professores em questão com a música.

Os

professores E.1, E.2, E.4, e E.6 utilizam recursos fonográficos, como Cds, Dvds, Pen Drives, etc., para aumentar o contato da música com seus alunos, o E.4 opta por apresentar Cds e Dvds de sua linhagem. O uso desses recursos gravados, segundo Rice (2003), sugere uma autoinstrução musical. Essas gravações também são usadas

ao

decorrer

do

treino

de

capoeira,

onde

os

alunos

aprendem

‘acidentalmente’ música de capoeira, como é o caso do E.1, que fala do uso de caixa de som durante o treino. Negando o uso das mídias e das gravações para o ensino musical na capoeira, o E.5 fala que prefere ensinar música, no que ele diz de ensino ‘ao-vivo’. O E.7 também fala que não usa os meios tecnológicos para a transmissão, justificando-se em suas raízes e tradições. Esse pensamento é importante de ser relevado no que concerne a preservação das tradições, em frente ao que o entrevistado chama de ‘mundo branco’, onde relacionando com a revisão de literatura, podemos ver que o professor E.7 encara o uso das tecnologias como um ‘esbranquecimento’ da música da capoeira. Vale resaltar que E.7 é aluno de um mestre que tinha raízes na Capoeira Angola.

62

7 – Conclusão Mesmo tendo em consciência o caráter introdutório da presente pesquisa, podem-se verificar algumas características do processo de ensino/aprendizagem da música da capoeira e sobre questões inerentes ao problema de pesquisa. Ao início da pesquisa, o autor já tinha um conhecimento prévio da divisão entre Capoeira Regional e Capoeira Angola, mas o que foi observado e descrito superficialmente no corpo do trabalho foi a presença de metodologias de ensino diferentes entre as duas vertentes. A Capoeira Regional de Mestre Bimba com uma metodologia inovadora para seu tempo, e a Capoeira Angola, com seu tradicionalismo, foram escola de ensino de capoeira até opositoras entre si em alguns momentos da história, como pudemos ver nos itens 2.1.2 e 2.2.2. Temos uma lacuna na revisão de literatura no que concerne ao tratamento da música em cada uma dessas vertentes da capoeira. Com a criação da Capoeira Contemporânea, estilo que abrange as duas escolas em um estilo novo criam toques que, segundo Conde (2003), resumem todo o estilo e a metodologia a um toque de berimbau. Supomos que por uma questão geográfica, o estilo Contemporâneo é mais comum entre os professores da região investigada, então não foi possível estabelecer diferenças e aproximações do tratamento da música nos dois estilos, mas na continuidade da pesquisa pretendese investigar essa questão ao redor do ensino da música nas diferentes vertentes da capoeira. Ainda nesse trabalho, constatamos também a questão da função da oralidade presente na capoeira em geral (ABIB, 2005, p.97) e consequentemente, no ensino musical. O E.7 fala diretamente em sua ultima resposta: “Transmito todos os meus conhecimentos musicais através da oralidade” (E.7, Entrevista em apêndice). Uma questão não esperada foi a questão da ênfase dos entrevistados em citar sua linhagem. Abib (2005) comenta que a figura do mestre de capoeira assume uma importância básica na identificação, no meio da capoeira. O autor define ‘linhagem’ como sendo um “termo que se refere à manutenção da herança de um determinado mestre” (idem, p.98). Ele ainda coloca no seu trabalho

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Uma pergunta muito comum nesse meio é: “Quem foi seu mestre?” (...). Ou seja, no universo da capoeira (...), a identificação com determinada linhagem é fundamental para o respeito e reconhecimento daquele capoeira que chega a uma roda ou a um lugar estranho. Não se pergunta,nem tampouco de onde veio. Pergunta-se somente: “quem é seu mestre?”(ABIB, 2005, p.98).

Pode-se supor, por conta de tal definição e exemplificação de Abib (2005) citada acima, que os professores entrevistados falaram sobre suas linhagens como forma de se identificar no meio. Esse modo, como vimos nos resultados, tem inferência direta no modo de ensino/aprendizagem da música da capoeira, o entrevistado E.3, como já foi citado, fala que o modo de ensino da música varia conforme

a linhagem, então pode-se supor que variando a linhagem, pode-se

mudar o modo de ensino musical dentro da capoeira. Outra questão levantada no decorrer do trabalho foi o sistema de graduações implantado na capoeira. Nas entrevistas E.1 e E.4, é citado diretamente a relação entre a graduação e o começo da prática docente na capoeira. O entrevistado E.7, comenta

que

a

partir

de

uma

determinada

graduação,

o

aluno

deve,

obrigatoriamente, dominar a prática da capoeira. O ensino musical não ocorre necessariamente com crianças no meio da capoeira, mas a relação entre criança e adulto no processo de ensino informal, difundidas por Rice (2003), pode ser comparada com a relação entre o professor de capoeira e seu aluno. Em relação a essas noções de graduação, podemos supor superficialmente, que conforme o aluno vai trocando e subindo de graduação, vai se tornando mais ‘adulto’ no mundo da capoeira. Como esse trabalho tem um caráter introdutório, essa relação é ainda é imatura, porém pode ser promissora no que concerne ao estudo da transmissão musical na capoeira. Sobre o método de coleta de dados, a entrevista, se mostrou durante o andamento do trabalho, ineficiente para uma explanação mais ampla do objeto de pesquisa, mesmo levando em conta a situação privilegiada do autor frente ao problema de pesquisa. Essa situação de vivência pessoal do autor na capoeira apenas pode ajudar na percepção de alguns apontamentos importantes citados pelos entrevistados.

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Para um aprofundamento da pesquisa, poderia ser mais adequado um método etnográfico para estudar tal objeto de pesquisa, mas tendo em vista o curto tempo de confecção do trabalho, optou-se pela entrevista pela maior viabilidade no momento. Para concluir, essa pesquisa fez uma primeira explanação sobre o ensino musical no ambiente da capoeira em algumas academias da região de Curitiba e dos Campos Gerais, com bons resultados e boas perspectivas para futuras pesquisas inerentes ao campo.

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Anexos

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Anexo 1 – Imagens

Figura 1 - Quadro Jogar Capoeira

RUGENDAS, J.M. Jogar Capoeira ou “Danse de La Guerra. Óleo sobre Tela. Disponível em http://imagenshistoricas.blogspot.com/2009/08/escravos.html, acesso em 05/06/2014.

70

Figura 2 – Berimbau Disponível em: http://www.capoeira.bielsko.pl/38.html. Acesso em 18/07/2014

71

Figura 3 – Atabaque Disponivel em :http://ofensivanegritude.blogspot.com.br/2010_11_01_archive.html acesso em 23/07/2014

Figura 4- Pandeiro

Disponível em : http://www.oocities.org/southbeach/jetty/2688/capoeira.html Acesso em 23/07/2014

72

Figura 5 – Agogô Disponível em http://www.capoeira-roda.net/de/musik/ Acesso em 24/07/2014

73

Figura 6 - Reco-reco Disponível em http://minhacapoeira.blogspot.com.br/p/instrumentos-da-capoeira.html acesso em 24/07/2014

74

CERTIFICADOS

75

76

77

78

Apêndices

-

79

Carta de Apresentação

80

Termo de Concordância

81

Entrevistas

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Entrevista nº1 – Professores Entrevistado – Carlos Alberto Gasparetto Bueno – Monitor Gasparetto Academia de Capoeira Praia de Salvador – Piraí do Sul- PR HISTÓRIA - Conte um pouco da sua história pessoal na capoeira. Iniciei meus treinamentos no ano de 2001 com o Mestre Olímpio, em 2006 ele foi embora da cidade no ano de 2006, onde eu assumi a frente da academia. Comecei a ensinar capoeira a partir da 5ª graduação (Cordão Verde Amarelo). Em 2008 eu me formei na capoeira e em 2012 me tornei monitor. Hoje atuo como professor de capoeira na prefeitura municipal de Piraí do Sul e sou presidente da Associação de Cultura Afro Brasileira de Piraí do Sul (ACABPS) - MÚSICA NA CAPOEIRA - Existe capoeira sem a música? Não, porque a música é [...] (pausa de aproximadamente 35 segundos) (...) o treino é na base da música. Sem música, acaba se perdendo no jogo. Desde os escravos, eles treinavam com música, gingavam para disfarçar. - Existe um instrumento mais importante para a prática da capoeira? O Atabaque, porque ele é o primeiro instrumento usado na capoeira, depois o berimbau, que é o símbolo, depois os demais, pandeiro, reco-reco, afoxé,agogô ... - Então, quais são os instrumentos essenciais para a música da capoeira? Os mesmos que já foram falados. Sem atabaque, uma roda pode ser regional. É possível apenas palma e canto, porque na verdade o que é importante é o ritmo, na roda, o canto e o coro. APRENDIZADO DA MÚSICA DE CAPOEIRA

- Como você aprendeu a música da capoeira? Comecei pelas palmas e respondendo o coro, logo passei a ter aulas de berimbau, pandeiro ..., observei os mestres mais antigos, Cds e DVDs, cursos de instrumentos de percussão ... - Como seu mestre aprendeu? - Aprendeu com o Mestre dele. Ele tocava tudo, porque ele era mestre. Ele aprendeu na penitenciaria, onde ficou aproximadamente 20 anos. Formou-se Mestre lá dentro. Ele passou, tocar instrumentos conversando com alguém para não se perder. Com músicas com mais refrões (corridos). Ele começou pelo ritmo da Angola, São Bento Pequeno, São Bento Grande, Cavalaria, Santa Maria, Samba de Roda, ensinou também a Regional. Insistia na formação [...] “jogo de fora de angola” (Mestre Silveira Falava). ”A gente é angoleiro, jogamos angola”. - Como vocês ensinam a musica da capoeira na academia? Passando os toques na ordem de que o mestre me ensinou, por letras de música que falo para eles decorarem, nosso “clã” orienta que não use a palma. Oriento como formar a

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disposição dos instrumentos em uma roda. “Ladainha – São Bento Pequeno-São Bento Grande”

- Quais instrumentos você domina? Pandeiro, Atabaque, Berimbau, Agogô, Afoxé, Canto, coro, palma usada apenas em falta de instrumentos

- Como são as fontes de contato do seu aluno com a música? (Música tocada durante o treino, CDs,Internet) - Rodas, aulas, internet, Cds, cursos, treino ( caixa de som), palestras encontros.

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Entrevista nº2 – Professores Entrevistado – Jadisson dos Santos Oliveira – Contra Mestre Já Academia de Capoeira Xangô – Castro- PR

HISTÓRIA - Conte um pouco da sua história pessoal na capoeira. Comecei a treinar com 12 anos de idade com o Mestre Xangô no estado de Rio de Janeiro. Tenho contato com a música desde o começo da minha vida na capoeira, onde meu mestre me avaliava nos três instrumentos (Berimbau, Atabaque e Pandeiro) e meu desempenho cantando com um desses. Se não tocasse, não passaria de graduação. Comecei a ensinar capoeira em 1999 no estado do Rio Grande do Sul, me formei professor em 2003, mesmo ano que vim ao Paraná para dar aulas de capoeira. Minha principal preocupação no ensino da capoeira consiste na metodologia de ensino que vou aplicar com meus alunos, Quando eu me formei, não queria ser como esses “mestres velhos” que dão aula por aí sem nenhum embasamento teórico sobre o corpo ou sobre a teoria da capoeira. Queria fazer diferente, ser um exemplo para meus alunos. Para mim, a criança não pode olhar e escutar apenas, ela precisa produzir. Sou formado em Licenciatura em Educação Física pela Faculdade Sant’anna. Leio bastante sobre capoeira para embasar minha prática docente.

- MÚSICA NA CAPOEIRA - Existe capoeira sem a música? NÃO! Apenas em casos de toques sem canto para que se possa concentrar mais no jogo em casos de maior tensão, como por exemplo na Iúna, que é um jogo de mestres e a Santa Maria, que é o jogo de navalhas. Pode-se também incluir aqui a Cavalaria, que era um toque para alertar a aproximação da polícia.

- Então, quais são os instrumentos essenciais para a música da capoeira? Todos são importantes, porem o BERIMBAU53 é o mais importante para a prática da capoeira. Para demonstrações de capoeira, sempre levo, no mínimo, um berimbau médio, pois é o meio termo entre os berimbaus usados.

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Optou – se por escrever em transcrever em caixa alta representando as repetições que o entrevistado fez a cerca da importância do berimbau

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Pode se fazer uma roda, na brincadeira, com o pandeiro ou outros instrumentos de percussão. Mas não tem a mesma graça sem um berimbau. O pandeiro você encontra em sambas, pagodes e em diversos ritmos brasileiros, o atabaque você encontra em rituais afro brasileiros, como em terreiros, agora o berimbau você só consegue aliar com a prática da capoeira, por isso que seu uso é tão importante nas rodas. CAPOEIRA SEM BERIMBAU NÃO EXISTE!

APRENDIZADO DA MÚSICA DE CAPOEIRA

- Como você aprendeu a música da capoeira? Tocando Berimbau ... Nos testes de troca de cordão, o meu mestre exigia a execução dos três instrumentos mais usados na capoeira, o berimbau. Atabaque e o pandeiro , sendo que em um deles eu devia cantar enquanto tocava. Aprendi uma música para canta nos testes “Quem vem lá, sou eu Quem vem lá, sou eu Berimbau bateu Capoeira sou eu”

- Como seu mestre aprendeu? - Eu venho de uma linhagem de Mestres Cariocas Meu mestre é Mestre Xangô, que foi aluno de Mestre Martins, que foi aluno de Artur Emídio, que foi aluno de Mestre Paínho. A sede da academia fica no Rio de Janeiro. - Como vocês ensinam a musica da capoeira na academia? Para o ensino aprendizado da música na capoeira aqui na academia fazemos primeiramente um iniciação ao aluno. É trabalhado com percussão corporal e ritmos com contagem, o famoso 1,2,3. Passo os ritmos para ser executado no corpo, logo usamos outros artifícios para desenvolver o RITMO dos alunos. Pegamos caixinhas de fósforo, colocamos arroz e damos para o aluno fazer música. Para ensinarmos o pandeiro, primeiramente é ensinado o movimento na mão. As etapas de ensino devem ser respeitadas. Os alunos não podem tocar e cantar sem estar firme em fazer as duas coisas. Primeiro é firmado as duas coisas isoladamente. É importante não atropelar a sequência pedagógica.

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- Quais instrumentos você domina? Berimbau, Pandeiro, Atabaque [...], o professor tem o dever de dominar os instrumentos não só para ensiná-los, mas também para utilizados para ensinar os diversos movimentos aliados a capoeira. Por exemplo :o professor deve dominar o atabaque, para poder ensinar com segurança o maculelê. - Como são as fontes de contato do seu aluno com a música? (Música tocada durante o treino, CDs,Internet) Quando o aluno vem para a academia, peço para que o responsável por ele traga um CD, onde eu gravo algumas músicas e peço para que o pai faça a criança escutar algumas vezes em casa. Logo mais, eu escolho algumas letras,imprimo e canto com eles. Tenho um material muito bom para o ensino de capoeira para crianças que contém algumas quadras muito boas para passar aos alunos menores. Para os alunos maiores, eu indico fontes para pesquisa na internet, não só com a música. Perto aqui do espaço da academia, tem uma Lan House, onde eu peço para os alunos pesquisarem assuntos referentes a capoeira e trazer para mim, como a História de Bimba e Pastinha. Acho importante que eles conheçam além dos golpes.

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Entrevista nº3 Entrevistado – Eleandro Sebastião Dias – Professor Graveto Grupo Guerreiro dos Palmares– Telêmaco Borba- PR HISTÓRIA - Conte um pouco da sua história pessoal na capoeira. Iniciei meus treinamentos em 1992, por motivos de saúde e no início via como uma brincadeira, onde estou até hoje. À dois anos atrás me formei professor. - MÚSICA NA CAPOEIRA - Existe capoeira sem a música? NÃO. Porque a musica é um meio de se contar a história dos escravos. - Existe um instrumento mais importante para a prática da capoeira? Todos os instrumentos são importantes para a música da capoeira, porém eu vejo que hoje a maioria das pessoas trata o berimbau como o principal, já que ele era usado na antiguidade como um instrumento de comunicação. O berimbau avisava que a polícia chegava com o toque de Cavalaria. - Então, quais são os instrumentos essenciais para a música da capoeira? Nenhum instrumento pode faltar na roda, senão a roda fica ‘chôcha’. Pode ser que falte algum instrumento, mas a roda fica sem graça. APRENDIZADO DA MÚSICA DE CAPOEIRA

- Como você aprendeu a música da capoeira? Aos poucos. Indo passo- a passo. Comecei pelo berimbau, depois o pandeiro, atabaque. Essa ordem varia da ‘linhagem’. Cada grupo tem o seu procedimento. - Como seu mestre aprendeu? Aprendemos juntos. Tocando berimbau juntos.

- Como vocês ensinam a musica da capoeira na academia? Começamos a ensinar com o toque da Angola, assim vamos desenvolvendo outros toques. - Quais instrumentos você domina? Todos. Berimbau, atabaque, pandeiro, reco-reco, agogô. - Como são as fontes de contato do seu aluno com a música? (Música tocada durante o treino, CDs,Internet) - Passo letras de música aos meus alunos para que eles peguem e aprendam a música.

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Entrevista nº4 Entrevistado – Carlos Alberto Sena – Mestre Sena Academia de Capoeira Praia de Salvador - Curitiba- PR HISTÓRIA - Conte um pouco da sua história pessoal na capoeira. Comecei a treinar capoeira com 7 anos de idade, porém dei uma pausa de treinar para servir ao exercito. Quando sai do exercito, retomei meus treinamentos com o Mestre Silveira em 1992. Comecei a dar aulas após pegar meu cordão de Estagiário (Cordão Amarelo-Azul). Fui o primeiro professor do projeto Pia da Capoeira. No ano de 2000, consegui meu diploma de Mestre de Capoeira. Dou aulas em Curitiba (PR). Tenho projetos de capoeira em escolas e em uma penitenciária. - MÚSICA NA CAPOEIRA - Existe capoeira sem a música? NÃO. Quando alguém chega a minha academia, eu não pergunto nada para ele, nem de onde veio, nem seu nome. Eu apenas dou um berimbau em suas mãos e falo ‘conte sua história’. Ele deve contar a história dele através de uma música. A música da capoeira conta a história de algo. É necessário prestar atenção em que a música fala, pois a música dita o jogo da roda. Quando tem dois homens jogando capoeira e o puxador começa a cantar, por exemplo, “leva morena, me leva. Me leva pro seu bangalô”, eu não entro na roda. Que pouca vergonha, dois ‘barbados’ jogando e a música falando isso. Se tem alguém ali se achando , já começo “ Se você faz um jogo ligeiro, dá um pulo pra lá e pra cá, não se julgue tão bom capoeira, porque a capoeira não é tão vulgar”.

- Existe um instrumento mais importante para a prática da capoeira? O símbolo da capoeira é o Berimbau atualmente, porém o mais antigo é o atabaque. - Então, quais são os instrumentos essenciais para a música da capoeira? Vendo a capoeira como a maior forma de expressão do povo brasileiro, vemos que a roda de capoeira possa ser feita apenas com palmas e voz, sem problemas. Porém é importante a presença da bateria.

APRENDIZADO DA MÚSICA DE CAPOEIRA - Como você aprendeu a música da capoeira? Minha história é um pouco curiosa sobre como eu comecei a tocar. Eu estava jogando capoeira com um graduado e ele me deu uma chapa54, logo eu fui revidar o golpe e tomei uma quebra de perna55. Com isso, precisei ficar parado dos treinamentos físicos, 54

Chapa é um golpe usado nas rodas de capoeira que consiste em lançar a perna horizontalmente em direção ao seu adversário, geralmente objetivando-se em acertar o peito, de forma em que o atingido projete-se para trás. 55 Quebra de perna é um golpe que assemelha-se a uma chapa, porém é intencionado em atingir o joelho, de forma em que, literalmente, quebre a perna do adversário.

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então para não ficar longe da capoeira, eu ia até a academia para tocar, escrevia letras de música para aprender. Prometi para mim mesmo que o dia que encontrasse o graduado que meu aquele golpe, eu ia ‘pega-lo’, mas quando eu o encontrei, eu estava em ótima forma física, e ele estava acabado por causa das drogas, então me deu dó dele e lhe contei essa história e lhe agradeci, porque se não fosse ele, eu não seria um dos melhores tocadores de berimbau da região. Sei mais de 20 toques.

- Como seu mestre aprendeu? Com Mestre Limão, ele passa os ensinamentos como ele aprendeu.

- Como vocês ensinam a musica da capoeira na academia? Não tem preferido, porém sempre tem alunos que tem preferência pela música. Eu mando meus alunos escreverem músicas, ladainhas, para aprenderem a cantar, Se eles escrevem 2,3 vezes, eles decoram a letra. Eles precisam escutar o berimbau. Ensino a tocar na prática. O Aluno pode ter o dom , mas sem praticar, não tem como evoluir.

- Quais instrumentos você domina? Todos. Mas tenho uma preferência pelo berimbau. Me tornei um dos melhores tocadores de berimbau da região. Domino mais de 20 toques. Cada toque tem o seu significado, por exemplo a cavalaria, que era usado para avisar a chegada da polícia. Para que o aluno troque de graduação, é necessário que domine a música. Não existe capoeirista que só joga ou que só toca. O capoeirista deve ser completo. - Como são as fontes de contato do seu aluno com a música? (Música tocada durante o treino, CDs,Internet) - DVDs e CDs, de preferência de fonte nossa. A música deve contar o que acontece Não se pode sair da ordem. Para a capoeira, o mestre é a pessoa que pega na mão de seu aluno e o conduz na vida dentro da capoeira. O Mestre de Capoeira é com o um Pai. Eu sofri influências fortes do meu mestre.

Entrevista nº5 Entrevistado-Emerson Cesar da Silva – Contra Mestre Pastor Academia de Capoeira Praia de Salvador – Curitiba- PR HISTÓRIA - Conte um pouco da sua história pessoal na capoeira. Comecei em 1992, atraído pela arte da capoeira. A questão da saúde também foi relevante para minha inserção. A música me encantou também. Comecei na ACAPRAS com o Mestre Padeco. Em 2009, eu peguei a minha graduação de Contra Mestre. Sou

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psicoterapeuta, estou cursando direito e sou formado em bacharelado em admistração eclesiástica.

- MÚSICA NA CAPOEIRA - Existe capoeira sem a música? NÃO. A música serve como um chamarisco para a capoeira. É ela que chama e agrega as pessoas. Ela é imprescindível para a prática da capoeira. - Existe um instrumento mais importante para a prática da capoeira? O Berimbau como Símbolo - Então, quais são os instrumentos essenciais para a música da capoeira? A bateria padrão, porém pode estar incompleto.

APRENDIZADO DA MÚSICA DE CAPOEIRA - Como você aprendeu a música da capoeira? Comecei a aprender a tocar os instrumentos para ensinar meus alunos, após a minha formação. Com a minha formação teológica, eu aprendi a música da capoeira para contar histórias aos meus alunos.

- Como seu mestre aprendeu? A capoeira era um dos esportes que eram praticados no presídio, e foi lá que meu mestre aprendeu.

- Como vocês ensinam a musica da capoeira na academia? A música faz parte da capoeira, através dela eu ensino a história da capoeira através da música.

- Quais instrumentos você domina? Todos. Berimbau, pandeiro, atabaque, voz. - Como são as fontes de contato do seu aluno com a música? (Música tocada durante o treino, CDs,Internet) Eu ensino Ao Vivo, não uso Cds.

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Entrevista nº6 Entrevistado – Waldomiro Story Venancio – Mestre Waldomiro Academia de Capoeira Praia de Salvador – Fazenda Rio Grande - PR HISTÓRIA - Conte um pouco da sua história pessoal na capoeira. Treino Capoeira desde abril de 1978, do aulas desde 1990, me consagrei mestre em 3 de janeiro de 2008. - MÚSICA NA CAPOEIRA - Existe capoeira sem a música? EXISTE. Pois os escravos treinavam a capoeira sem a música para despistar os opressores. A música era apenas para momentos de lazer

- Existe um instrumento mais importante para a prática da capoeira? O Atabaque, pois ele é o 1º instrumento usado para a prática. Ele faz a ligação entre o mundo físico e o mundo espiritual, logo, vem o berimbau como instrumento símbolo da capoeira, por causa de sua facilidade de manuseio. Se a polícia quebrava um atabaque, demorava 10 dias para construir outro, o berimbau poderia ser feito no dia. - Então, quais são os instrumentos essenciais para a música da capoeira? O Atabaque, agogô, berimbais (Berra Boi, Gunga e Viola), e dois pandeiros, podendo substituir um dos pandeiros por um afoxé ou um reco- reco. Se não tiver instrumentos, pode ser feito apenas nas palmas o até com o silêncio, pois é uma expressão de liberdade. APRENDIZADO DA MÚSICA DE CAPOEIRA

- Como você aprendeu a música da capoeira? No dia a dia, cantando e respondendo coro, pesquisando, se eu gosto de uma música de um cd, eu aprendo e trago para a roda.

- Como seu mestre aprendeu? Do mesmo modo que eu, e é assim que eu passo para os meus alunos.

- Como vocês ensinam a musica da capoeira na academia? No dia a dia. Temos aulas de instrumentos – onde ensino os toques e músicas para os alunos. Ensino o ritmo e vamos encaixando.

- Quais instrumentos você domina?

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Todos. Berimbau, atabaque, pandeiro, reco-reco, agogô, afoxé... - Como são as fontes de contato do seu aluno com a música? (Música tocada durante o treino, CDs,Internet) - Com o mestre. Além disso, eu mando eles pesquisarem musicas, CDs ....

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Entrevista nº7 Entrevistado – Gideoni Silveira – Mestre Silveira Academia de Capoeira Praia e Salvador SEDE – Curitiba PR HISTÓRIA - Conte um pouco da sua história pessoal na capoeira. Eu venho de descendência indígena, eu sou índio, e aos 11 anos de idade, por motivos sociais, tive que mudar – me para a cidade. Ao chegar na cidade, deparei-me com um “mundo branco”. Entrei para a capoeira em 1973 e nunca mais parei. Formei – me em junho de 1980, dia 24 de novembro de 1980, foi a primeira vez que abri a as portas para ensinar capoeira. Dia 24 de agosto consagrei-me Mestre e a partir daí formei vários seguidores em várias regiões.·.

- MÚSICA NA CAPOEIRA - Existe capoeira sem a música? Depende do ponto de vista. É relativo. Primeiramente temos que ver a sua posição sobre o que é capoeira. Se a capoeira for DANÇA, precisa de música, porém se a capoeira for LUTA não precisa. O opressor era contra as culturas diferentes Falam que a capoeira é afro-brasileira, porém acho que as ladainhas cantam os feitos dos povos nativos. Houve um enegrecimento do índio. Nós vemos a história de 1888, porém existiu 388 anos antes em que índios e negros eram oprimidos pelo povo branco. Em 1888 o negro adquiriu uma pseudoliberdade, onde eles eram levados até as cidades, sem emprego, sem dinheiro, e até sem nome.

- Existe um instrumento mais importante para a prática da capoeira? Isso é relativo. Depende do momento da história. Antes de 1888, o atabaque era o instrumento mais importante por causa de seu poder de ligação do mundo físico e espiritual, porém após 1888, a capoeira se tornou ilegal, o berimbau se tornou o mais importante, por sua fácil confecção. Os policiais, ao se aproximarem de uma roda de capoeira, quebravam os instrumentos, vendo que o atabaque era mais difícil de construir, o berimbau tornou-se o principal. Entre 1980 e 1930, a capoeira viveu na marginalidade.

- Então, quais são os instrumentos essenciais para a música da capoeira? A capoeira é a maior expressão de liberdade do povo brasileiro.

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- Resistência, Libertação, expressão (de modo em que o entrevistado deixa-se subentender que, como a capoeira é a maior expressão de liberdade do povo brasileiro, pode ser praticado com qualquer instrumentação, ou até mesmo sem a presença sonora).

APRENDIZADO DA MÚSICA DE CAPOEIRA

- Como você aprendeu a música da capoeira? Eu sabia cantar, depois tocar, mas não conseguia fazer os dois, então um aluno meu chamado Carú me pressionou contra a parede para que eu aprendesse a tocar e cantar, então eu passei dias inteiros tocando e cantando. Dificilmente você me verá cantando em uma roda de capoeira, apenas em formaturas pela questão ritualística. - Como seu mestre aprendeu? - eu venho de uma linhagem que vem de Antônio Rufino ABERRÊ, conhecido como ABERRÊ DE SANTO AMARO, porém não era o mesmo aluno de Pastinha. Mestre Aberrê de Santo Amaro ensinou Mestre Caiçara, que foi professor de Mestre Limão, que foi Meu mestre, e depois de mim vieram muitos alunos.... - Como vocês ensinam a musica da capoeira na academia? Na academia é obrigatório a execução da musica da capoeira a partir do 3º cordão, 4ª graduação, o cordão azul. - Quais instrumentos você domina? Eu tive uma oportunidade de estudar música então eu componho e escrevo partituras. Eu domino todos. Além de também tocar teclado.

- Como são as fontes de contato do seu aluno com a música? (Música tocada durante o treino, CDs,Internet) Como venho de origem indígena e honro minhas tradições, eu não acredito na internet.Transmito todos os meus conhecimentos musicais através da oralidade. Você nunca vai me ver com muitos alunos.

- Uma questão curiosa no decorrer dessa entrevista foi a presença de alunos cercando o Mestre para ouvir o que ele tinha a falar, como se sua figura ali fosse a de um ‘contador de histórias’. Comportamento que pode ser observado ao longo do evento.

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