TCC [LUCAS M. S. MELO] DIVERSÃO NUNCA É DEMAIS: Um estudo acerca dos clubes sociais de Aracaju no século XX

May 29, 2017 | Autor: Lucas Melo | Categoria: Leisure, Lazer, Aracaju, Clubs, clubes sociais
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

LUCAS MARTINS SANTOS MELO

DIVERSÃO NUNCA É DEMAIS: Um estudo acerca dos clubes sociais de Aracaju no século XX

São Cristóvão 2013

LUCAS MARTINS SANTOS MELO

DIVERSÃO NUNCA É DEMAIS: Um estudo acerca dos clubes sociais de Aracaju no século XX

Trabalho de conclusão de curso apresentado como exigência para obtenção do grau de Bacharelado em Ciências Sociais na Universidade Federal de Sergipe. Orientador: Prof. Dr. Ulisses Neves Rafael

São Cristóvão 2013

LUCAS MARTINS SANTOS MELO

DIVERSÃO NUNCA É DEMAIS: Um estudo acerca dos clubes sociais de Aracaju no século XX

Trabalho de conclusão de curso apresentado como exigência para obtenção do grau de Bacharelado em Ciências Sociais na Universidade Federal de Sergipe. Orientador: Prof. Dr. Ulisses Neves Rafael

Aprovado em 20 de novembro de 2013.

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________ Prof. Dr. Ulisses Neves Rafael (Orientador) DCS

__________________________________________________ Prof. Dr. Luiz Gustavo Pereira de Souza Correia DCS

__________________________________________________ Prof. Dr. Antonio Lindvaldo Sousa DHI

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho aos meus pais, Zacarias e Maria Angélica, que mesmo sabendo das dificuldades e atribulações da vida universitária sempre me apoiaram.

AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus familiares, sobretudo, a minha irmã, Ana Carolina, que sempre foi prestativa e me ajudou quando necessário, e ao meu tio, Antônio Carlos, que me mostrou os primeiros passos na vida acadêmica e que nunca negou esforços para o meu desenvolvimento intelectual. À minha namorada, Mariana, e aos meus amigos, Mateus, Thales, Julio (Juninho), Icleuton, Felipe, Natalia Arroyo e família, que sempre foram muito importantes para mim nessa árdua jornada. Aos meus colegas e amigos da AIESEC, que me ajudaram a me desenvolver tanto pessoalmente quanto profissionalmente ao agregar novos conhecimentos. Aos funcionários do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe e do Arquivo Público Municipal, que sempre foram solícitos comigo. Por último, mas não menos importante, ao meu orientador, Prof. Dr. Ulisses, que desde o início me auxiliou bastante, sempre me indicando o melhor caminho a ser seguido. E também aos professores que compuseram a banca examinadora, Prof. Dr. Luiz Gustavo e Prof. Dr. Lindvaldo, por terem aceitado o convite para participar.

RESUMO

O lazer como foi pensado, pioneiramente, por Dumazedier (1979) era o contraponto ao trabalho. Era concebida como a atividade exercida no tempo livre do trabalho do indivíduo, independentemente se ele o desfrutava ou não. Com o advento da teoria do processo civilizador de Elias (1994), isso muda: o lazer, grosso modo, passa a ser reconhecido como uma atividade onde as emoções que são cerceadas durante a rotina são permitidas e liberadas para a satisfação individual e coletiva. O presente trabalho tem como objetivo o estudo das instituições sócio-espaciais que fomentam o lazer na capital sergipana: os clubes. A escolha deste tipo de instituição se dá devido às reminiscências de boa parte dos aracajuanos, que tem a partir dos 35 anos de idade mais ou menos, têm acerca dos momentos vividos nos clubes e que, apesar do rápido crescimento da cidade, tanto no sentido demográfico quanto no econômico, declinaram. Alguns, inclusive, a beira da falência. A decadência dos clubes não é uma exclusividade de Aracaju, é um fato que ocorre em todo o Brasil. Aracaju é uma cidade que foi projetada para ser a capital do Estado e que teve um súbito crescimento durante a década de 60 em virtude da chegada da Petrobrás a Sergipe. E foi a partir desse mesmo período que os clubes estiveram no auge, ou seja, era o local patente de lazer na cidade, onde crianças, jovens e adultos se divertiam. Mas, o que houve com tais instituições? Dado o objeto de pesquisa a intenção é a de investigar os elementos que propiciaram o declínio de tais espaços, além de: pesquisar o contexto nos quais eles surgiram e suas razões para tal, qual a sua especificidade e analisar se existe uma incompatibilidade entre o modelo dessas instituições com a sociedade atual.

Palavras-chave: Lazer, Aracaju, Clubes sociais.

ABSTRACT

The leisure as was thought pioneered by Dumazedier (1979) was based on labour. It was conceived as an activity performed in the free time of the individual's work, independently whether he or she would enjoy or not. With the advent of the Elias' (1994) theory of civilizing process, it changes: the leisure, in a certain way, now recognized as an activity where the emotions are curtailed during routine are released and allowed to individual and collective satisfaction. The present research aims to study the socio-spatial institutions that foster leisure in the Sergipe’s capital city: the clubs. The choice of this kind of institution is due reminiscences that most of inhabitants of Aracaju those who has from 35 years old, more or less, has about the moments at the clubs and that despite the fast growth of the city, both in a demographic and in economic terms, such spaces have declined. Some even to the verge of bankruptcy. The decay of the clubs is not an exclusive case in Aracaju; it is a fact that occurs throughout Brazil. Aracaju is a city that was projected to be the capital of the state and had a sudden growth during the 60s due to the arrival of the Petrobras in Sergipe. It was from this same period that the clubs were at the peak, in other words, was the site patent leisure in the city, where children, youngsters and adults had fun. Nevertheless, what happened to these institutions? Given the object of research is intended to investigate the factors that led to the decline of such spaces, plus: find the context in which they arose and reasons thereof, which is its specificity, and examine whether there is a mismatch between the model of these institutions to current society.

Keywords: Leisure, Aracaju, Clubs.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES FIGURA 1 – Arruamento do centro de Aracaju em 1865...............................................25 FIGURA 2 – Mapa de Aracaju........................................................................................30 FIGURA 3 – Gráfico do crescimento populacional de Aracaju no século XX...............33 FIGURA 4 – A fachada mediterrânea do Tubarão da Praia............................................44 FIGURA 5 – Visita da diretoria e alguns sócios ao terreno da futura sede em foto de 17/09/61; e na imagem ao lado, a sede e campo já construídos em 1970.......................45 FIGURA 6 – Sede da Atlética.........................................................................................47 FIGURA 7 – Vista aérea do ICAJU no ano da sua fundação em 1953..........................48

Sumário

INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 8 CAPÍTULO 1 – O PROCESSO DO LAZER .................................................................... 12 CAPÍTULO 2 – A BARBOSÓPOLIS SOB A ÓTICA DO LAZER .................................. 21 2.1. O DESENVOLVIMENTO URBANO DA CIDADE ...................................................... 21 2.2. O LAZER NA CIDADE ........................................................................................ 27 2.3. OS CLUBES E SUA RELAÇÃO COM A CIDADE ...................................................... 31 2.4. FESTEJOS PÚBLICOS E A VIDA NOTURNA DA CIDADE.......................................... 35 CAPÍTULO 3 – A TRAJETÓRIA DOS CLUBES SOCIAIS .......................................... 39 3.1. A IMPORTÂNCIA SOCIAL DOS CLUBES ............................................................... 39 3.2. UM POUCO DA HISTÓRIA DOS CLUBES ARACAJUANOS ....................................... 42 3.3. AS FESTAS RESTRITAS (O APOGEU)................................................................... 49 3.4. OUTROS USOS DOS CLUBES .............................................................................. 57 3.5. O DECLÍNIO..................................................................................................... 59 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 63 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 66 OUTRAS FONTES DE PESQUISA ................................................................................. 69 JORNAIS DE SERGIPE ....................................................................................... 69 FONTES ORAIS .................................................................................................. 72 ANEXO .............................................................................................................................. 73

INTRODUÇÃO

O lazer surgiu como um fenômeno a ser estudado pelas ciências sociais atrelado às sociedades modernas incorporadas no bojo da Revolução Industrial. Um intervalo de tempo onde as pessoas descansavam para mais tarde retornarem ao trabalho exaustivo daquele período. No entanto, o entretenimento e a diversão já ocorriam antes desse momento histórico e em outras sociedades. Com isso, não significa dizer que o homem só passou a se divertir a partir do instante que ele começou a ter um emprego regular. Dito isto, convém indagar acerca de que maneira poderíamos compreender o fenômeno do divertimento numa cidade erguida somente na segunda metade do século XIX composta, em sua maioria por migrantes provenientes do interior, como é o caso de Aracaju, já que somente após de cerca de 50 anos da fundação da cidade é que começaram as manifestações de um lazer mais urbanizado como o teatro, o comércio, os restaurantes, as sorveterias e, logo depois, os primeiros clubes. Uma diversão que seguia a corrente das metrópoles brasileiras em que novos valores culturais eram agregados ao modo de vida citadino, como reflexo do que ocorria, principalmente, na Capital Federal. Dessa forma, a fruição dos habitantes da cidade era o resultado de um processo de urbanização com práticas importadas de localidades economicamente mais pujantes que a nova capital sergipana. Práticas que se adaptaram às condições nas quais a cidade se constituiu. Posto isto, a pesquisa que realizamos esteve voltada para a investigação dos célebres espaços de sociabilidade da capital sergipana, no caso, os clubes sociais. Instituições que, com o passar do tempo foram acumulando enorme prestígio junto à sociedade aracajuana, mas que de alguns anos para cá sofrem com a falta de público e de sócios. Os primeiros clubes surgem ainda no final da primeira década do século XX, como coqueluche na nova capital naqueles novos tempos republicanos, e se consolidam com a fundação de outros ainda na década de 1930. O auge se dá nas décadas de 1960 e 1970 e perdura ainda na década seguinte quando Aracaju recebe um maior fluxo migratório de pessoas oriundas do interior do próprio Estado, bem como da Bahia e Alagoas. Isto ocorre devido às políticas desenvolvimentistas do governo federal e estadual, com construções em áreas onde a cidade estava se expandindo. Uma pergunta que permeou toda a pesquisa e para qual buscamos encontrar as respostas é: por que os clubes em Sergipe estão em decadência? Fazemos essa indagação porque os clubes, especialmente na cidade de Aracaju, fazem parte da memória nostálgica da 8

cidade, por se tratar de um espaço que concentrava parte significativa da fruição local, associada às relações sociais, afetivas, profissionais; o que Baechler (1995) definiu como redes. Usamos o termo especialmente, porque em um determinado período, entre as décadas de 1960 e 1980, tais instituições eram praticamente as únicas onde o lazer era usufruído, pelo menos por parte das camadas mais abastadas da população; além, é claro, da utilização dos banhos de mar, hábito esse que só muito lentamente foi se incorporando às práticas de entretenimento do aracajuano. Afora isso, uma ou outra casa noturna, de vida curta, juntamente com alguns festejos pontuais na rua, como o São João e a festa de Bom Jesus dos Navegantes, complementavam o acervo de divertimentos na capital, no período. Assim sendo, o objeto desta pesquisa foi o de investigar e caracterizar os elementos, sejam objetivos e/ou subjetivos, que propiciaram o declínio das instituições citadas, além de: analisar o contexto nos quais elas apareceram e as razões para tal; se a conjuntura local diverge da de outras cidades e qual a sua especificidade, e, por fim, observar se existe uma incompatibilidade entre o modelo desses espaços com a sociedade atual. Escolhemos empreender tal pesquisa sobre os clubes sociais a fim de desenvolver o viés do entretenimento no cenário aracajuano, pois trata-se de um tema muito caro às ciências sociais, e muito escasso na produção acadêmica local. Temos conhecimento da existência de poucos textos acadêmicos relacionando os espaços de lazer e a cidade onde estão localizados. Há o trabalho de conclusão de curso de graduação da Karinne Oliveira Lopes, Festejos populares e migração em Aracaju nas primeiras décadas do século XX, que trabalha o lazer produzido pelos migrantes nas festas populares de Aracaju; a monografia da Lídia Fontes, Espaço, Disciplina e festividades numa cidade considerada moderna; e a dissertação de mestrado do Néviton Felipe da Silva, Um retrato em preto e branco da Associação Atlética de Sergipe, cujos trabalhos servirão como referências para esta pesquisa. Além desses, há a dissertação de mestrado da Márcia Maria Marinho, Natal também civiliza-se, que nos foi muito útil por abordar tema igual ao nosso e em um período não tão bem caracterizado em Aracaju, como foi a Belle Époque. Acreditamos que estes sejam os trabalhos que mais se aproximam do nosso tema e objeto até agora encontrados. Portanto, o tema e o objeto desta pesquisa, tiveram como escopo caracterizar os elementos que condicionaram o declínio no uso dos espaços dos clubes sociais na cidade de Aracaju a partir dos anos 90 do século XX. Esmiuçando esse objetivo intentamos decifrar porque um espaço que era muito frequentado quando Aracaju não tinha os indicadores socioeconômicos da atualidade, declinou quando a cidade começou a crescer, tanto 9

demograficamente quanto economicamente. Dessa forma, esta pesquisa foi útil para desvendar esse fenômeno que inquieta, até certo ponto, as pessoas que teem a partir de 30 e 40 anos, por ter sido um espaço tão célebre para a sociedade sergipana. Para tanto, este trabalho buscou dar essa contribuição, somando-se aos trabalhos sobre a história social da cidade, que apesar de ter mais de 150 anos de fundação, ainda não possui, sequer, uma coletânea de trabalhos sobre si de tamanho que faça jus à sua dimensão e pujança atual no cenário brasileiro. No que concerne à metodologia procuramos fazer uma abordagem empírica baseada na antropologia reflexiva de Clifford Geertz que nos propõe a realização do trabalho de campo, marcado por um diálogo entre os pontos de vista do pesquisador e do pesquisado. A abordagem empírica foi de natureza qualitativa, com base em uma perspectiva fenomenológica, isto é, pretendemos compreender este fato social pelo ponto de vista dos dirigentes e ex-dirigentes dos clubes, bem como dos sócios e ex-sócios. Decidimos inserir essa parte do universo por se tratar de indivíduos que estão ou estiveram mais próximos do clube e que vivenciaram o dia-a-dia desses espaços. Também, utilizamos bibliografia disponível que se aproxima do tema ou do objeto trabalhado. A seguir fizemos o levantamento de dados relevantes a pesquisa em notícias de jornais, revistas, nas colunas sociais e, eventualmente, documentos fornecidos pelos próprios clubes, como estatutos, por exemplo, sempre recorrendo às três principais festas que eram empreendidas nos clubes durante o ano: o Carnaval, a principal delas; o São João; e o Réveillon. Acreditamos que, a utilização desses métodos nos trouxe uma melhor relação de pesquisador e objeto de estudo. Posteriormente, passamos às fases de entrevistas abertas semi-estruturadas com os partícipes desse objeto, como os sócios e dirigentes, do presente e do passado, de modo a buscar compreender a situação desses espaços hoje. Após as entrevistas e a análise dos documentos, analisamos as informações coletadas juntamente com o orientador da pesquisa para que pudéssemos atingir o objetivo do trabalho. E para finalizar, a redação do trabalho final. Procuramos dissecar sobre tal objeto de pesquisa em três capítulos, mais as considerações finais. No primeiro, O processo do lazer, escrevemos sobre o fenômeno do lazer e os seus desdobramentos nas ciências sociais. Ou seja, além do lazer em si, como ele foi explicado por Dumazedier (1979), Parker (1978) e Elias (1985; 1994; 2001), tratamos também dos conceitos atrelados a ele, como redes, espaços de lazer e fatos de lazer, bem como, a história do surgimento, na civilização ocidental, do hábito de pessoas se reunirem em 10

uma pequena comunidade, além da família, da igreja e do Estado. E como esse hábito aportou no Brasil. No segundo, A Barbosópolis sob a ótica do lazer, olhamos destacadamente a cidade sob o viés da diversão. Inicialmente, comentamos como se deu o desenvolvimento urbano da capital, que explica em parte como a fruição foi se dividindo em zonas específicas, distinguindo ricos e pobres. E o “problemático” período da Belle Époque em Aracaju. Problemático por ser sui generis, atrasado, mas da mesma forma que ocorreu em outras capitais, importante para o desenvolvimento. A seguir, a fruição na cidade compartilhada por zonas, onde cada uma tinha seu divertimento, mas que não impedia do cidadão se deslocar de uma para a outra em busca de entretenimento. Esse zoneamento vai influir também no surgimento dos clubes da capital, que vão ser específicos a cada área. E finalizando o capítulo, tratamos dos seus festejos públicos e da vida noturna, que começa a ser explorada, inclusive por alguns clubes. No terceiro capítulo, A trajetória dos clubes sociais, onde tratamos do percurso histórico e do desenvolvimento das associações recreativas; a importância social deles como destacado difusor do esporte e do hábito de se exercitar atleticamente. Neste capítulo, em que salientamos o surgimento, o ápice e o declínio dos clubes na capital sergipana, mostramos ainda as características e o contexto que levaram a cada uma dessas etapas. Também lembramos dos outros usos dos clubes, que iam além das festas rotineiras do ano. E por último, a nossa conclusão dos dados colhidos durante toda a pesquisa onde fazemos um apanhado geral, destacando os principais pontos do trabalho.

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Capítulo 1 – O processo do lazer

Durante muito tempo o lazer foi considerado um fenômeno à margem das pesquisas sociais, enquanto um elemento secundário, sem muita importância para a compreensão dos aspectos socioculturais do homem. O lazer como fenômeno social específico só foi percebido na modernidade, consequência da Revolução Industrial. No início dos estudos deste fenômeno sempre, ou pelo menos na maioria das vezes, era creditado como um contraponto ao trabalho. Isto é, o lazer era a atividade exercida em todo e qualquer espaço de tempo livre do indivíduo fora do trabalho, genericamente. Era assim, por exemplo, que Joffre Dumazedier pensava o lazer. No entanto, não devemos nos esquecer de que o lazer, entretenimento, fruição, já faziam parte do contexto cotidiano dos indivíduos; até porque, estes elementos são características inerentes aos seres humanos. Como Huizinga (1993) escreveu no prefácio da sua magnum opus: “... é no jogo e pelo jogo que a civilização surge e se desenvolve”. Ou seja, pelo lúdico, pela fruição. O lazer não deve ser apenas relacionado com o trabalho, mas também com as outras atividades de não-lazer, de tempo livre. Como bem escreveu Elias (1992), toda atividade de lazer é uma atividade de tempo livre, porém nem toda atividade de tempo livre é lazer. O fenômeno em questão é fruto de um processo longo e contínuo, que por vezes, sofre com idas e vindas nem sempre de forma linear. Lembrando que, tais fenômenos não são estáticos, delimitados do início ao fim, são, na verdade, flexíveis, modificando-se constantemente cabendo aos cientistas sociais investigar seus diferentes processos de formação, estruturação e/ou declínio, como é este caso específico que estamos pesquisando. Para Dumazedier (1979), e também Stanley Parker (1978), contemporâneo do colega francês, embora, com uma influência menor na academia brasileira, o cerne analítico dos sociólogos no que tange ao lazer é a interação entre o comportamento individual e a estrutura social, ou seja, a relação que o agente tem com o lazer e o contexto social. Dessa forma, quer queiramos, quer não, o lazer ainda assim é influenciado pela estratificação social. Isto é, classe e/ou renda têm certo influxo no lazer despendido pelo indivíduo, ocasionando diferenciações, seja de qual lazer se trate, de que maneira é realizado ou o porquê é realizado. As escolhas de qual lazer fazer, por exemplo, reflete o estágio da busca de uma identidade que se deseja a atingir. E esses espaços de lazer não somente prestam um serviço, como também têm importância na criação e de como atende a um lazer específico.

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Ainda de acordo com Parker (1978), o lazer não deveria ser quantificado e diminuído a números de horas. Esse autor, crítica muitos trabalhos produzidos até então que se propunham a mensurar simplesmente o lazer das pessoas tendo em vista apenas o tempo livre delas. Fez ainda críticas a algumas concepções de lazer existentes na época dialogando com Dumazedier. Desse modo, observamos que nas últimas décadas o lazer ocupar espaço significativo nos jornais, periódicos de informação geral e no mundo acadêmico como um todo, com destaque para a organização de grupos de pesquisa congregando as mais diversas áreas de conhecimento. Algumas das razões dessa visibilidade ascendente são: a compreensão entre cultura e lazer, ponto central nessa área; o desenvolvimento de uma forte e crescente indústria do lazer e do entretenimento, apontada como uma promissora fonte de negócios; aumento das iniciativas governamentais, como exemplo, os re-usos de centros urbanos geralmente voltados ao lazer; e os questionamentos acerca da assepsia da sociedade atual, construída a partir da centralidade e valorização extrema do trabalho. Isso tudo denota um sentido de sofisticação no lazer atual. Por tudo isso, seguimos mais pela teoria da sociologia eliasiana que pensou tal fenômeno fora das amarras do trabalho. Um fenômeno de extrema importância para o indivíduo contemporâneo no qual durante espaços regulares (ou não) de tempos pode expelir seus sentimentos de satisfação e alegria. Poucas sociedades humanas existem, se é que existe alguma, que não possuam um equivalente às nossas atividades de lazer, que não tenham danças, confrontos simulados, exibições acrobáticas ou musicais, cerimônias de invocação dos espíritos – em resumo, sem instituições sociais que proporcionam, por assim dizer, a renovação emocional por meio do equilíbrio entre os esforços e as pressões da vida ordinária, com as suas lutas a sério, os perigos, os riscos e os seus constrangimentos (ELIAS; DUNNING, 1985, p. 73-74).

Assim sendo, após as leituras das obras O processo civilizador (1994), A sociedade de corte (2001) e A busca da excitação (1985), todos escritos por Norbert Elias, observamos que o lazer é a busca por uma excitação agradável, algo breve, com clara ausência de obrigação, usado para revigoramento do “corpo e da alma” como diziam os antigos, ou seja, físico e mental. E onde o indivíduo pode encontrar essa “estimulação emocional” que é o lazer na contemporaneidade? Uma das opções é o clube. Espaço de lazer reservado onde é possível empreender relações sociais particulares enquanto os indivíduos estão em seu tempo livre. E o 13

clube se configura como uma instituição civilizadora? De certa forma sim. Nas sociedades industriais contemporâneas em que vivemos a forte excitação (raiva, alegria, choro, medo, entre outros) somente é compreendida, sendo no restante dos casos tolhida, em duas situações: quando envolve indivíduos que estejam inseridos em categorias marginais, como crianças, deficientes mentais, torcedores (Cf. ELIAS; DUNNING, 1985)1; ou em períodos previamente estabelecidos, como datas comemorativas, festejos. É até compreensível esse cerceamento das emoções, pois quando uma pessoa está carregada de euforia, excitação, pode se tornar difícil o seu controle. A própria palavra portuguesa lazer vem do latim licere que significa algo lícito, algo que é permitido. É nesse espaço que entra a função do clube como um espaço de lazer, fechado, para ser o locus do "descontrole" controlado das emoções dos indivíduos. Este isolamento das funções naturais da vida pública, e a correspondente regulação ou moldagens das necessidades instintivas, porém, só se tornaram possíveis porque, juntamente com a sensibilidade crescente, surgiu um aparelhamento técnico que solucionou de maneira muito satisfatória o problema de eliminação dessas funções na vida social e seu deslocamento para locais mais discretos (ELIAS, 1994, p. 144).

É nesse espaço que ocorre o que Elias denomina de fatos de lazer que são nada mais que atividades recreativas com intuito de descanso e descontração; ações fruitivas que são mais preponderantes na hora da escolha de qual atividade participar para satisfação própria do indivíduo; ao contrário de outras situações do cotidiano, no qual a pessoa prefere, ou ainda pondera, a satisfação do seu próximo ao invés da sua. Uma situação que exemplifica isso, a preocupação com o outro em detrimento de si, é quando nas atividades do

... trabalho profissional, tal como ele está estruturado nas nossas sociedades, as decisões das pessoas no sentido de fazerem isto ou aquilo são sempre tomadas, em grande medida, tendo em consideração outros de quem se possa dizer „eles‟, (...), embora, na verdade, o aspecto „eu‟ nunca se encontre ausente por completo (ELIAS; DUNNING, 1985, p. 139).

E é nessa situação pública, única por sinal, que as decisões individuais são levadas em conta antes das decisões coletivas. Tais fatos dependem das oportunidades construídas previamente, sendo que são habitualmente formadas por fortes necessidades de estimulação social, podendo ser diretamente ou em convivência com o lazer. Um exemplo disso são as redes de sociabilidades formadas através das idas aos clubes. Estas atividades de tempo livre 1

Outro material que discute esse tema específico é a obra de Bill Buford, Entre os vândalos.

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que são realizadas nos clubes, são denominadas “miméticas” 2, por se tratar de um tipo de participação com um elevado nível organizativo, como membro de uma organização, com o objetivo de “destruição” de rotina, de descontrole, de experiências emotivas compartilhadas voluntariamente, geralmente alcançadas por meio de movimentos corporais ou por meio da sociabilidade que é inerente, como em festas, por exemplo. Inclusive, a questão da quebra de rotina é um modo particular de “risco” que o lazer engendra no seu rastro. Ele desafia a ordem rotineira, mas sem colocar em risco os meios de subsistência. O autocontrole exercido pelos indivíduos, seja em espaços públicos ou privados, é assegurado pelos tabus impregnados pelas sociedades. Então o lazer se torna um instante da produção de situações agradáveis liberando as tensões produzidas pela vida cotidiana. Um fenômeno que produz excitações espontâneas e elementares “inimigos” da vida ordeira.

A sociedade está, aos poucos, começando a suprimir o componente de prazer positivo de certas funções mediante o engendramento da ansiedade ou, mais exatamente, está tornando esse prazer 'privado' e 'secreto' (isto é, reprimindo-o no indivíduo), enquanto fomenta emoções negativamente carregadas como os únicos sentimentos aceitáveis em sociedade (ELIAS, 1994, p. 147).

Chega a ser natural a necessidade da liberação de tais tensões para o bem da pessoa. Como os fatos de lazer que proporcionam tais sentimentos estão a margem das rotinas individuais, o seu role não é apenas o de libertação de tensões, mas o da renovação das mesmas como um ingrediente vital à saúde psicológica da pessoa (ELIAS, 1992). É na atividade de entretenimento onde se produzem sentimentos fortes tais como a produção de endorfina e adrenalina, consequências do bem-estar sentido, da alegria, da exaltação, da euforia. Quanto maior o grau de intensidade de situações que provocam tais elementos, maior será a sensação de satisfação. Talvez deva ser por isso que prazer e lazer tenham suas semelhanças morfológicas e sonoras, e não apenas na língua portuguesa, mas também no inglês (pleasure e leisure) e no francês (plaisir e loisir), por exemplo. Curiosamente, seguindo este viés morfológico, a palavra loucura na língua francesa significa folie, quase como folia no português, com a diferença de apenas uma vogal. Como podemos notar, o nosso foco com o presente trabalho é o entretenimento em um lugar específico: o clube. Esta entidade se define como uma coletividade de pessoas reunidas 2

Mimética no sentido eliasiano significa tipos de fatos e experiências no lazer experimentados de maneira artística em relação com a realidade. Não significa linearmente representações de acontecimentos da vida real, uma imitação simplesmente; mas sim emoções desencadeadas por fatos de lazer relacionados com as que se vivenciam na realidade.

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com interesse compartilhado, com o objetivo de lazer, entretenimento, descanso, recreação, que possui um espaço físico determinado, comumente denominado de sede, e os indivíduos que desejam frequentar as suas dependências e atividades têm que pagar, obrigatoriamente, uma mensalidade. Trata-se do sócio do clube. Essas instituições são de caráter privado, algumas declaradas de utilidade pública, normalmente sendo geridas por estatuto, conselhos e diretores específicos para cada área. Esse modo de aglomeração coletiva teve como embrião os grupos de convivialidade, como é o caso das lojas maçônicas, durante os séculos XVI e XVII. Grupos de adesão voluntária que não estavam ligados diretamente à corte, fora do controle governamental de então, e estava acima das classes populares; nestes grupos de pequenas sociedades eram praticados conversações, leituras em voz alta e comentavam tais leituras. Segundo Ariès (1991), estes encontros poderiam ocorrer em locais mais íntimos, mais afastados ou até próximo ao leito de uma mulher, já que, diferente da Inglaterra, elas tinham uma maior participação nessas pequenas sociedades na França e na Itália. Nesses grupos de sociabilidade seiscentistas e setecentistas, as pessoas além das atividades já mencionadas, discutiam, cantavam, tocavam músicas e praticavam jogos de tabuleiros permitindo se isentar tanto da multidão, quanto da solidão. Tratava-se de reuniões mais privativas do que as da comunidade em seu conjunto, como a vila ou bairro, da condição social ou da ocupação profissional, embora, claro, mais amplas que as famílias. Isto é, deixa-se de ter uma sociabilidade pública, nas ruas e nas praças, para ocorrer uma sociabilidade restrita, privada. O privado fomenta uma situação no qual o indivíduo escolhe o tipo de companhia com a qual quer desfrutar o tempo livre, para fazer algo que fuja à rotina diária, consentindo uma intimidade convivial que seria proibida dentro das relações familiares, embora, corriqueiramente se faça menção a uma irmandade (brotherhood) simbólica entre os pares de uma mesma associação, uma vertente igualitária da terminologia familiar que essas entidades privilegiam (AYMARD, 1991). Por exemplo, sócios confabulam entre si usando termos, como: “irmão de alma” ou “irmão de espírito”. Os primeiros locais de reunião exterior à casa dos pequenos grupos setecentistas mencionados eram as tabernas, bares e cafeterias. No século XIX esses lugares também serviriam de reunião dos grupos de aglutinação coletiva que depois se transformariam na instituição moderna, dos futuros clubes tal como nós conhecemos nos dias atuais. O clube, cujo significado inglês vem de for clubbing, significa “para reunir-se”, foi também o salão literário (salon) dos séculos XVII e XVIII, uma criação britânica e burguesa que reflete as 16

características sociais da época, quais sejam, disponibilidade para o lazer, laicidade, igualdade e masculinidade, pelo menos em um primeiro momento da trajetória dessa instituição. Além da diferença dos locais de criação entre clube e salão, este criado na França e aquele na Inglaterra, há também a distinção quanto ao local de encontro que é sempre exterior a casa em um local fechado onde só os membros filiados têm acesso. Outra dessemelhança é que enquanto para entrar em um salon bastava ser convidado pelo dono da residência; no clube para ser aceito, a pessoa tinha que ser aprovada por um conselho de membros, ou seja, havia o risco de a pessoa, mesmo com vontade de participar do clube, ser vetada por não reunir as qualidades requeridas. O objetivo desse modelo novo de associação é o da sociabilidade genérica que se especializa para um fim político, literário ou esportivo, por exemplo. Agora, sob uma perspectiva mais racionalizada e institucionalizada do que antes, sendo regidas por regulamentos e estatutos, interiorizando regras de convívio social, perdendo assim a espontaneidade e a informalidade, tendo, inclusive, penalidades fixadas para desvios e infrações nas condutas verificadas conforme as normas aceitas da instituição. Nas palavras de Baechler (1995) o clube é “uma das expressões sociais mais características da modernidade” do século XIX3. Um reflexo do que foi aquele momento, substituição das classes aristocráticas pelas classes burguesas, dos profissionais liberais, e isso também ocorreu no espaço de sociabilidade da classe dirigente da época. Será só na segunda metade do século XIX que surgirão na Europa associações nos mesmos moldes só que com outro fim: o sócioesportivo. Convém ressaltar que a nossa pesquisa recai apenas sobre os clubes sociais, os quais têm como características principais a recreação e a sociabilização, distinguindo-se, assim, dos clubes de futebol profissional, por serem instituições com outro tipo de interesse, ainda que em alguns casos, eles possam também reunir atividades associativas. O associativismo no Brasil teve suas dificuldades iniciais por ter sido a Terra Brasilis a colônia de uma metrópole europeia. Assim sendo, a Coroa portuguesa procurava coibir a convivialidade associativa entre os brasileiros e entre os imigrantes que para os trópicos vieram. As primeiras associações foram aquelas vinculadas à Igreja, que tinha como objetivo a caridade, a assistência médica e a funerária. Outra instituição associativa inicial no Brasil foram os quilombos, extremamente coesos devido à localização estratégica e pelo grande número de contingente. Maria Cristina Wissenbach destaca esse aspecto associativo do negro, 3

No capítulo escrito por Baechler (1995), a tradução do francês para o português para a palavra cercle ficou círculo, mas no próprio texto ele destaca que o equivalente inglês a esse termo é a palavra club.

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algo que o sociólogo Artur Ramos já havia salientado na obra O espírito associativo do negro brasileiro, que “... obrigados a restaurar noções e valores lesados pela experiência da escravidão, os escravos e ex-escravos recompunham o sentido de família em direções amplas, estendendo-a das células nucleares para o contexto de grandes parentelas, mobilizadas por meio de hierarquias” (RAMOS apud WISSENBACH, 1998, p. 123); uma noção de pertencimento que foi fundamental para o processo de reorganização social do negro, culminando no surgimento das religiões de matrizes africanas no Brasil. Só com a chegada da família real lusa ao Brasil em 1808 houve uma renovação e abertura do país, com o aparecimento da imprensa, um dos exemplos, que começou a difundir os costumes da corte e da elite4 do velho continente. A partir de então associações com outras características poderiam ser fundadas, como as comerciais, beneficentes, literárias, científicas e outras que reuniam imigrantes específicos de cada país. Com o passar do tempo, o processo de industrialização e a urbanização do final do século XIX foram criando brechas para a modificação da capacidade de satisfazer os indivíduos. Curiosamente, durante a segunda metade do oitocentos, as associações, independente do seu fim, para serem fundadas e reconhecidas pelo Estado deveriam pedir autorização à delegacia de polícia mais próxima; após o que, o chefe de polícia, delegado e subdelegado se encarregariam de tomar as medidas cabíveis para a realização das reuniões para que tudo ocorresse dentro da ordem estabelecida. O controle se mantinha através das atas e estatutos das agremiações que deveriam ser enviadas à Seção dos Negócios do Império do Conselho de Estado para que fossem analisadas as propostas e definir se seriam deferidas ou não, ou até, indicar alterações legais na instituição (DE JESUS, 2007). As primeiras associações sócio-esportivas só aportarão no Brasil no final do século XIX, mas será após a Primeira Guerra e ao longo dos anos 20 e 30 do século XX, que a febre esportiva, tanto qualitativa quanto quantitativa, tomará de vez as elites brasileiras; primeiro, pelos esportes náuticos, como o remo, e depois pelos esportes britânicos, como críquete, futebol, rúgbi e tênis. Tais associações representaram na época uma alternativa de entretenimento e lazer numa sociedade ainda fechada e repressora. Por sinal, o caminho de transmissão de valores e condutas sempre foi da Europa para o Brasil, nunca o inverso. Para se ter uma ideia da “cópia febril” dos brasileiros aos europeus no século XIX, as elites brasileiras meio que habitaram “sob a obsessão dos „olhos dos estrangeiros‟. Preocupada(s) 4

Neste trabalho usaremos o termo elite para designar o conjunto de homens e mulheres privilegiados pela condição financeira, política e/ou intelectual.

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com esses olhos como outrora vivera(m) sob o terror dos olhos dos jesuítas ou dos da Santa Inquisição. E os „olhos dos estrangeiros‟ eram os olhos da Europa. Os olhos do Ocidente. Do Ocidente burguês, industrial, carbonífero” (FREYRE apud MELLO; NOVAIS, 1998, p. 604). Quanto à finalidade, o que move uma pessoa a se filiar a alguma entidade, seja ela sindical, lúdica ou política, é o desejo de participar de algo coletivo, em comum com outros que têm o mesmo objetivo. Uma característica importante do associativismo é o interesse em comum que determinadas pessoas tem em participar de uma agremiação, sobretudo, recreativa, ou até alguma necessidade específica que a pessoa procura satisfazer ao ingressar em um clube; que pode ser a busca de descontos nos festejos oferecidos pela instituição ou a prática de um esporte que só aquele clube proporciona, por exemplo. Ao se associar voluntariamente a um clube, o indivíduo aumenta a rede de sociabilidade através de relações interpessoais entre aqueles que se conhecem ou não, a sociabilidade ocorre através dos canais proporcionados pelos clubes direta ou indiretamente, como: festas, bailes, feijoadas, encontros celebratórios. Há certa homogeneidade de comportamentos dos sócios de clubes, ou seja, ocorre uma aglutinação de pessoas que convivem umas com as outras possuindo um certo nivelamento social, político e/ou econômico. E se por ventura não se encontrar essa homogeneidade entre os sócios, pelo menos, é possível detectar certa tolerância entre os associados, já que esse agente educativo é encontrado em todas as possibilidades associativas. “A própria característica do associativismo de pressupor participação, gera necessariamente relacionamento entre as pessoas, o que é fator educacional fundamentado nas relações sociais” (CARVALHO, 2009, p. 41). Os clubes que investigaremos são definidos como espaços de lazer por se tratarem de locais onde é possível empreender relações sociais particulares enquanto os indivíduos estão em seu tempo livre. Estes espaços são determinados pelas especificidades dos seus partícipes e tem como objetivo, evitar o tédio social preenchendo uma lacuna do tempo livre no cotidiano (DUMAZEDIER, 1979). Tais relações são conhecidas como redes, conexões mais ou menos sólidas e exclusivas nas quais um agente social estabelece com um outro, que liga a outro, sucessivamente, criando sociabilidades, que são definidas como “capacidade humana de estabelecer redes, através das quais as unidades de atividades, individuais ou coletivas, fazem circular as informações que exprimem seus interesses, gostos, paixões, opiniões” (BAECHLER, 1995, p. 65-66). O tema do lazer, acreditamos, vem adquirindo uma maturação no seio das ciências sociais brasileiras. Já que desde a década de 1970 veem sendo criados núcleos e grupos de 19

pesquisa a seu respeito nas universidades nacionais, além de artigos em língua estrangeira traduzidos para o português. Trata-se, portanto, de um fenômeno de fundamental importância na compreensão desse “mundo” a parte da rotina do cidadão, onde se pode desfrutar do entretenimento, relaxar e se divertir. É como se fosse um território socialmente permitido, cujo objetivo é a satisfação pessoal, em cujo percurso pode acontecer de tudo contanto que se atinja a meta final do êxtase. "Reconhecidamente, essas emoções de fato têm, em forma 'refinada', racionalizada [grifo nosso], seu lugar legítimo e precisamente definido na vida cotidiana da sociedade civilizada. E isto é muito característico do tipo de transformação através do qual se civilizam as emoções" (ELIAS, 1994, p. 200). É na paisagem urbana da cidade que pretendemos averiguar o lazer dos clubes. A cidade é um elemento que compreende em si uma amplitude exacerbada de signos dos mais variáveis níveis e sentidos às obras materiais e imateriais, sendo que essa divisão é muito subjetiva, não é tão perceptível, pois, há inúmeros grupos de pessoas que circulam pela cidade, diferentes entre si e, que dão diversos significados às construções físicas da urbe (ruas, praças, prédios, estátuas). Podendo perpetuar tais significados que, consequentemente, ajudam a “tatuar” na memória coletiva do grupo que utiliza aquela determinada instalação lembranças, recordações e desejos fazendo com que tais sentimentos sejam tão palpáveis e reais quanto o concreto e a pedra da construção material. (MARINHO, 2008). Entendemos que esta investigação sobre os clubes se mostra pertinente no nosso modo de ver porque os clubes tiveram uma característica particular na cidade de Aracaju. Como nos mostra o próprio título da presente pesquisa, Diversão nunca é demais, mas por que essa diversão específica que marcou época em nossa cidade parou no tempo e ficou apenas na retina dos seus entusiastas, apesar dos crescimentos da cidade e da renda per capita? É esta a principal pergunta que intentaremos responder com este trabalho. E a hipótese que levantamos é que, devido as novas formas e valores incorporados ao cotidiano da boa parte dos habitantes, os clubes “perderam território” como prioridade de espaço de lazer; e isso atrelado aos novos modelos de condomínios residenciais que possuem internamente verdadeiros clubes e do surgimento de espaços de entretenimento mais dinâmicos. Veremos, portanto, se essa hipótese se comprova.

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Capítulo 2 – A Barbosópolis sob a ótica do lazer

2.1. O desenvolvimento urbano da cidade Antes de falarmos dos clubes propriamente, vamos discorrer sobre o lugar onde eles foram instalados e a sua relação com o lazer. Tais como os eventos festivos e suas localidades, ou seja, o que havia de lazer durante o ano na capital sergipana. Mas antes, contextualizaremos a história da cidade em si para depois relatar os seus eventos de sociabilidade. Aracaju, cidade projetada e não planejada5, situada entre rios e o mar, mangues e pântanos, foi uma obra que reflete o momento moderno urbanístico da segunda metade do século XIX6 e que soube superar as adversidades geográficas do solo e continuar se desenvolvendo passados mais de 150 anos da sua construção. A capital foi elevada à condição de cidade por decreto provincial para ser importante entreposto comercial, situado às margens do principal rio do Estado, o rio Sergipe, que viria a se constituir na porta de entrada dos instrumentos necessários ao desenvolvimento da economia local, bem como a saída dos principais itens produzidos no interior, sobretudo para a exportação do açúcar oriundo da faixa de terra compreendida entre os rios Real ao sul e o São Francisco ao norte. Porém, como a mudança da capital só se deu na década de 50 do século XIX, este tipo de comércio em volta do açúcar, o carro-chefe da economia provinciana, já estava declinando no Brasil. Em 1888 caiu ainda mais devido à abolição da escravatura, de modo que a mão-deobra utilizada nos canaviais teria que ser substituída pela de trabalhadores livres ou pelos eventuais imigrantes sertanejos fugidos das secas. A partir do início do século XX com os esforços do governo federal direcionados à economia cafeeira no centro-sul do país, o Nordeste se viu encolhido, perdeu força nas relações de poder no Estado brasileiro. O açúcar ficou em segundo plano no contexto nacional e com o novo cenário, esse setor perdeu a posição hegemônica, inclusive na região tendo que disputá-la com a produção algodoeira e pecuarista do agreste e do sertão. Em Sergipe, não foi diferente, o açúcar também perdeu sua hegemonia, afetado também pela nova condição da mão-de-obra livre e pela pecuarização de alguns antigos engenhos (SOUSA, 2005). Com isso, os habitantes das cidades produtoras de açúcar do Vale do Cotinguiba, a região que contava 5

Projetada porque foi pensada antecipadamente e porque houve um projeto para a cidade. Mas, não é planejada, pois não se preparou para o futuro da mesma. Cf. NOGUEIRA, 2006. 6 “Aracaju seria um símbolo da idéia de progresso liberal disseminada pelo Império, embora numa sociedade escravista” (CARDOSO apud VILAR, 2006, p. 47).

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com o maior número de engenhos de açúcar da província, mudaram-se para a nova capital em busca de novos empregos7, onde a indústria, sobretudo a têxtil8, começava a se instalar, o que concorreu para que se verificasse o boom do proletariado urbano em Aracaju9. A nova capital, por si só, atraiu grande contingente populacional por oferecer novas oportunidades de emprego10. O fascínio pela nova capital se dará por se tratar de “... uma cidade-polvo, que aos tabaréus tem como poderosos tentáculos, a forma do seu progresso. Todo habitante do interior do Estado alimenta o sonho dourado de vir fixar-se na praia aprazível, onde há passeios e novidades” (SILVA apud SANTOS, 2002, p. 144). Um dado que comprova esse fascínio é que a cidade de Aracaju foi a segunda capital nordestina em crescimento populacional na primeira década republicana (1889-1899) (SOUZA, 1985). Atrelado à novidade da capital, talvez esteja o fato de São Cristóvão conter muitos elementos de estética barroca, reminiscências do período em que Sergipe estava sob domínio de Salvador, os quais, nas palavras do próprio Inácio Barbosa, revelavam a “decadência e miséria” da antiga capital (SANTIAGO, 2005); o que muda com a fundação da nova capital que tem como inspiração a ideia de progresso liberal, de novo, de moderno. Tem-se a impressão que Aracaju é uma cidade que anseia por modernidade, ou pelo menos, os seus administradores e a parte mais afortunada da cidade anseia por isto, faz o possível para esquecer, apagar, o seu passado “tabaréu”. Modernidade, no sentido de comportamentos, sensações e expressões que exprimem o sentir e agir das pessoas que vivenciam aquele processo de mudança. Modernizar uma cidade seria dotar de estruturas materiais aspectos correspondentes aos modelos tecnológicos atualizados com a época em questão. Ser moderno é “ser do seu tempo", “ser atual”. O ponto contra a modernidade é que, apesar do seu poder de atração, ela repele os contemporâneos que tem a sensação de ter suas convicções ultrapassadas. Porém, no período inicial da cidade, além dos pescadores já existentes no local, os primeiros habitantes da nova cidade eram os comerciantes e funcionários públicos. Ou seja, Aracaju, de imediato já foi jogada em um contexto urbano-industrial, sem que houvesse uma maturação deste espaço 7

“Com o advento das leis abolicionistas os escravos libertos saiam dos engenhos, na zona rural e vinham para Aracaju buscar novas oportunidades de trabalho” (FRANÇA; FALCÓN, 2005, p. 96). 8 Entre 1914 a 1924 houve um aumento extraordinário de 700% no preço do tecido, para se ter uma ideia (SOUSA, 2005). 9 A fábrica Sergipe Industrial foi fundada ainda no final do século XIX, em 1884. Enquanto a sua concorrente, a Confiança, em 1907, curiosamente fundada por um usineiro, Sabino Ribeiro, que procurou diversificar seus negócios. 10 "A população pobre foi atraída pela nova capital a procura de emprego e pela primeira fábrica de tecidos do estado de Sergipe, instalada em 1884". (FRANÇA; FALCÓN, 2005, p. 45).

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como cidade. Sai da situação de um povoado de simples pescadores para a condição de capital de uma província do Nordeste brasileiro 11. Ou seja, a cidade nasceu livre e, ao mesmo tempo, pobre. Apenas alguns oligarcas investiram na capital logo que ela passou a essa condição, o principal deles e o mais notável foi João Gomes de Melo, o Barão de Maruim. É somente no final das primeiras décadas do século XX que Aracaju começa a tomar corpo como capital de um estado brasileiro, uma das consequências é o aumento da produção industrial que chegou em 1920 à marca de 237 empresas do ramo manufatureiro (DANTAS apud BARBOZA, 1992). A partir dessa época a cidade já possuía uma infraestrutura básica composta de água encanada, energia elétrica (1913), saneamento, rede telefônica (1919), obras urbanísticas e estruturação comercial do centro. Como exemplo disso, tem-se a edificação do Mercado Antônio Franco em 1926. Aracaju foi um exemplo da visão modernista na política brasileira. As cidades na transição do século XIX para o XX eram pensadas de modo a não haver lugares para exageradas aglomerações e, principalmente, para os resquícios do passado rural brasileiro (WISSENBACH, 1998). O único espaço tolerado seria, justamente, o mercado, local de trabalho de muitos dos imigrantes rurais e das classes populares. Fora dali, o interiorano estaria atrapalhando o projeto de modernização das cidades (WISSENBACH, 1998). Na década de 1930, a cidade já contava com pouco mais de 45 mil habitantes 12, os quais necessitavam de espaços de lazer onde fosse possível confraternizar-se, bem como despender o tempo livre do trabalho. Porém, desde o início da sua formação a capital sofria com a segregação espacial. Os negros e pobres se estabeleceram ao norte e a oeste do Quadrado de Pirro13, enquanto que a classe alta, composta pela incipiente burguesia da agricultura e indústria e por funcionários públicos do alto escalão, em sua maioria ocupou o centro e a zona sul da nova capital. O Quadrado que leva o nome do engenheiro que projetou a nova capital foi “útil” nessa intenção de segregar elementos que não eram desejados pela elite, pois a cultura popular iria de encontro com os padrões de civilidade e modernidade da época. Esse modelo inicial de planejamento não considerou a existência das camadas populares na cidade, o que contribuiu com a divisão social de Aracaju. Dessa forma, na 11

"De fato, a civilização que se desenvolveu no Aracajú [sic] não tinha, como as demais, compromissos com a terra e os seus senhores" (PORTO, 1945, p. 21). 12 Cf. IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo demográfico. Rio de Janeiro, 1936. Disponível em . Acesso em 1 ago. 2012. 13 O Quadrado de Pirro é como ficou conhecido o traçado em formato de tabuleiro de xadrez no centro histórico da capital projetado pelo engenheiro Sebastião Basílio Pirro, o qual era regido por um rígido código normativo, o Código de Postura, sancionado em 1856, para regular a construção de casas em seu interior.

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cidade foi proliferando a ideia de espaços específicos para cada classe social14. Encontrandose fortuitamente no centro da cidade. Foi nessa região, que se verificaram os primeiros eventos voltados para o entretenimento da capital. O primeiro local de interação sociocultural, construído em Aracaju foi o que nós denominamos atualmente como centro histórico. Espaço compreendido pelas praças Fausto Cardoso, Almirante Barroso e Olímpio Campos, ligadas entre si por alamedas, bem como pelas ruas do perímetro de Pirro, que com elas formam o entorno do lazer da capital. Trata-se de um tipo de centralidade que congrega múltiplas funções: política, administrativas e religiosas da capital; representadas pelos palácios do governo provincial/estadual e municipal, assembleia legislativa, câmara municipal, prédio da delegacia fiscal e pela catedral ali presente. A proximidade desses elementos simbólicos hierárquicos uns aos outros denota a coesão da classe dominante na cidade. Um sistema de signos que reflete a visão europeia que influenciava os projetos urbanísticos no Brasil na passagem dos séculos XIX e XX (SEGRE apud BARBOZA, 1992).

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A noção de classe que pretendemos trabalhar é a explicitada por Aron (1991) que se traduz em um grupo social inserido na sociedade que comungam dos mesmos interesses, pelo cumprimento de determinada função ou pelo posicionamento de certo ponto de vista. Sendo, no entanto, segundo o próprio autor, impossível de se precisar a quantidade de classes que se dividem.

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Figura 1 - Arruamento do centro de Aracaju em 1865. Fonte: Revista de Aracaju, n. 2, 1944.

Temos que levar em consideração também esse período em que a capital teve o estímulo demográfico natural por se tratar de uma capital, no caso, a Belle Époque, período cultural cosmopolita no qual tivemos novas intervenções nos âmbitos social, cultural e tecnológico. Uma cultura de entretenimento que era fundamentalmente urbana incentivada pelos meios de comunicação, como jornais, telefone, telegramas, telégrafo, e pela existência dos meios de transporte, como bondes elétricos, carros populares, aviões, trens, que diminuíram a distância entre as cidades menores e as metrópoles, embora se verifiquem posições contrárias, como a da autora Maria Nely Santos (2002) a qual afirma que Aracaju no início do século XX estava na contramão das inovações do período. Sua indagação ainda nas primeiras páginas do artigo atesta essa afirmação: “... teria a cidade de Aracaju mergulhado na onda das metamorfoses urbanísticas, aderido ao progressismo, assimilando modas, comportamentos e sistemas de valores da belle époque carioca?” (SANTOS, 2002, p. 144). Ora, a fase em questão perdurou no país desde o final do século XIX, mais precisamente desde 1898 até o início da Primeira Guerra Mundial em 1914 (NEEDELL, 1993), embora alguns autores chegam a concluir que esse período foi um pouco mais longe no Brasil, indo 25

até 1922 com o advento da Semana de Arte Moderna em São Paulo; e não apenas durante os cinco primeiros anos do século XX que foi o período por ela pesquisado para escrever o texto Aracaju na contramão da “Belle Époque”. Ao contrário do que a autora afirma, os fatos nos mostram, sim, que a nossa capital foi influenciada por esse período efervescente, porém, obviamente, com um pouco de atraso quando comparada a cidades como Rio de Janeiro, São Paulo e Recife, por exemplo. Era “uma temporalidade diferente do Velho Mundo, e mesmo da Capital Federal” como Márcia Marinho (2008) escreveu sobre o mesmo período, em relação à cidade de Natal. Nessa época, e talvez ainda atualmente, Aracaju procurava se espelhar nos modos e costumes dos cariocas, que por sua vez, se espelhavam nos comportamentos dos parisienses e dos londrinos. Essa incessante procura por estar “atualizado com a modernidade” é decorrente da intensificação da influência europeia na conjuntura da Revolução Científico-Tecnológica e de maneira peculiar na América Latina de acordo com o historiador Eric Hobsbawm. Por essas terras, segundo ele, a trajetória desse modelo de “ocidentalização” teve seus moldes mais burgueses e liberais, até com certa brutalidade de forma mais virtual do que qualquer outra parte do mundo, exceto o Japão (SEVCENKO, 1998). Na capital sergipana também houve desapropriações seguindo o Código de Posturas do município excluindo os mais pobres e as suas respectivas casas de palha do centro da cidade (SOUSA, 2005); além do dito “embelezamento urbano”, essa reforma estrutural na cidade cria uma imagem de capital moderna e que disciplina os usos sociais da urbe. Chegando a ser comparadas, ações desse tipo, com as que foram verificadas nas grandes metrópoles do início do século passado. A modéstia relativa dessa obra se a quiséssemos comparar com as que realizaram Haussmann, em Paris, Lauro Muller, Pereira Passos e Paulo Frontin, no Rio – o que é impossível – transforma-se, todavia, em grande admirável quando a consideramos em face dos diminutos recursos com que Sua Excelência o Dr. Pereira Lobo a empreendeu e a realizou (CORREIO DE ARACAJU, 25/09/1920 apud SOUSA, 2005, p. 291).

Até 1914, a Tabarôa vestida de chita e calçada de tamancos, como o jurista Gumercindo Bessa se referia à capital, já tinha hábitos e comportamentos dignos de cidade ambientada com a Belle Époque, como: cinemas (1909), teatros (1903), uma linha de bonde elétrico (1908), eletricidade (1913), carro na rua (1913)15, e o nosso foco aqui, os clubes 15

Ano em que se tem notícia do primeiro carro em solo aracajuano, um Ford.

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sócio-esportivos já estavam estabelecidos. E quer queira, quer não, a inserção de tais elementos tecnológicos e de novos modelos de comportamento fizeram crer aos aracajuanos de então que a cidade estava no rumo da modernidade, no caminho do progresso e a filosofia desse modelo sócio-cultural combinou-se muito bem com a dita “ansiedade pela modernidade” do aracajuano, ou seja, um rápido desenvolvimento tecnológico aliado à recusa da herança e do passado colonial visto como retrógrado pelos membros da elite local. O advento da modernidade durante o período da Belle Époque abrangeu, direta e indiretamente, boa parte do planeta. Ainda no século XIX se percebia uma nova sensibilidade que parecia reflexo da quantidade imensa de mudanças que ocorreram de forma rápida e corriqueira resignificando as formas tradicionais de postura e comportamentos.

2.2. O lazer na cidade A centralidade urbana tem como premissa ser o lugar com o maior significado simbólico e o de melhor acessibilidade em uma cidade, isto é, um espaço público por natureza, desenvolvido para incentivar os habitantes a interagir entre si, e também para servir de convergência de todos os caminhos. O chamado centro histórico de Aracaju é um espaçoterritório16 dotado de simbolismo e sensibilidades, cujo maior exemplo consiste no fato da praça central levar o nome de Fausto Cardoso, político que foi assassinado naquele lugar e ficou lembrado na história como defensor do povo sergipano, da liberdade e da democracia, criticando os oligarcas de então, um momento que ficou registrado na historiografia da cidade com um fato revolucionário; e de ser, desde então, local privilegiado para realização de comícios, de manifestações populares e trabalhistas reivindicando toda sorte de garantias e direitos, por exemplo. Não é à toa que no centro desta praça há uma estátua do político sergipano de frente para as águas do rio Sergipe 17, dando à centralidade um elemento icônico e emblemático para a identidade urbana de Aracaju, a qual se torna tão significativo que é a partir dessa área composta de duas praças, além da Fausto Cardoso, que a cidade se divide: ao norte dela há o comércio, os bancos, o porto, os mercados, a outrora estação ferroviária e a antiga Maçaranduba; enquanto ao sul do centro, se encontrava as casas das classes média e alta, as praias Formosa e a longínqua Atalaia; e a oeste, os bairros populares, como Getúlio 16

Expressão usada por Pesavento (2007). Curioso notar a ambigüidade do simbolismo da centralidade urbana em Aracaju, pois na mesma praça em que se evoca a memória de Fausto Cardoso se encontra também uma homenagem ao seu rival político, Olímpio Campos, que dá nome ao palácio ali instalado. Palácio que fora por muito tempo a sede do governo do Estado de Sergipe e que agora virou museu. 17

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Vargas e Siqueira Campos. As três praças acomodaram as primeiras funções de sociabilidade e fruição, nelas ocorrendo as principais festas populares, como, Ano Novo, Carnaval (a partir da década de 1980, há uma festa provida pelo Estado, o Clube do Povo), Natal e Bom Jesus dos Navegantes; também os desfiles militares e posses de governo que denotam a representatividade deste espaço na conjuntura de Aracaju. Além das festas específicas, o centro era o local de outro evento particular da capital que pode ser demasiado provinciano para uns, mas que marcou época para outros, que foi a chegada de um brinquedo, conhecido como Carrossel do Tobias, por conta de um realejo no qual continha a figura de um negro apelidado com este nome. Tratava-se de uma aparelhagem construída nos Estados Unidos ainda no século XIX e que chegou à cidade em 1904, após estadias no Recife e Maceió, tendo perdurado aqui durante 80 anos sempre sendo montado no período dos festejos natalinos. O que espantava os citadinos inicialmente era a pujança da máquina que era movida à vapor e iluminada eletricamente, tendo capacidade para 300 pessoas. Curioso notar o anúncio de jornal de 1904 sobre a tal engenhoca às vésperas da sua instalação na Praça Teófilo Dantas, quando se destacou o sentido de modernidade do brinquedo: “Este mesmo apparelho já tem sido montado em várias localidades civilisadas [grifo nosso], como em Pernambuco e outros centros, merecendo sempre os melhores aplausos do público”18 (Gazeta de Sergipe, 28/12/87). Portanto, o centro tem o seu valor por ser um espaço referencial e original de uma localidade, primeiro, por adquirir funções de poder e onde se manifestam relações de sociabilidade; e segundo, por ser lugar de onde a cidade nasceu no seu sentido urbano. O centro seria como o coração da capital. Com o crescimento da municipalidade, as outras regiões citadinas foram criando seus espaços de lazer e fruição, seja por meio dos festejos ou por meios esportivos, como a prática do futebol, basquete, vôlei e remo. Além destes espaços que serão discutidos mais adiante, havia os cinemas e os teatros. A década de 1930 ficou conhecida como a era de ouro do cinema no mundo, e logo, o Brasil e Sergipe já estavam incluídos no roteiro dessa “avalanche” cinematográfica, muito influenciado pelo modelo hollywoodiano de fazer cinema. Chegou-se a ter na cidade mais de 10 cinemas à disposição da população, em sua grande maioria se concentrando no centro. O endereço na Rua João Pessoa, número 182, foi de um valor imenso para o entretenimento da nova capital, pois foi nessa rua que se construiu

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Neste trabalho optamos por manter as citações ipsis litteris.

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o primeiro teatro, o Carlos Gomes, em 1904, pelo italiano Nicolau Pungittori 19 que tinha a capacidade de 700 espectadores. Com o seu falecimento foi instalado nas dependências do teatro o Cinema Sergipe, em 1909, a primeira sala de cinematografia do Estado, que depois foi substituído pelo Cinema Ideal e por último pelo Cineteatro Rio Branco, em 1913, que sob a administração de Juca Barreto atingiu o seu auge. Sendo que, os que mais se destacaram, seja por localização privilegiada ou por melhores condições tecnológicas, eram os cinemas Palace, Vitória, Rio Branco, Aracaju, Vera Cruz e Rex. Além da tarefa inicial de servir como salas cinematográficas, tais locais eram usados também como casas de shows de artistas nacionais que vinham a Aracaju fazer suas apresentações numa época em que a cidade ainda não gozava de lugares específicos para essa atividade. E também servia como espaço para bailes de máscara, concursos de fantasia e maxixe durante o carnaval. O hábito de ir “assistir uma fita”, ao menos uma vez na semana, era tido quase como uma obrigação do cidadão que se dizia moderno, para estar atualizado com que se passava nas metrópoles e também para manter o reconhecimento social. No que tange aos teatros da capital, o primeiro foi o Teatro São José inaugurado nos primeiros anos do século XX, que com as mudanças de direção culminou na transformação do Cineteatro Rio Branco. Nessa época, mesmo um theatro já era um acontecimento de fundamental importância, porque isso significava o “carimbo” de civilidade que a localidade recebia, um bem necessário que ingressava na cidade simplesmente por meio da música e das artes cênicas. É importante destacar também outro espaço de lazer público de muita relevância para a cidade na primeira metade do século XX: o estádio Adolpho Rollemberg. Além do futebol, esse espaço também servia como palco dos discursos políticos dos governantes, festas públicas fomentadas pelo Estado, recreação das escolas próximas. Foi inaugurado em 1920 graças à doação de um terreno do empresário que dá nome ao estádio, e ficou-se decidido que os dois decanos do esporte sergipano é que seriam donos do espaço, a metade para o Sergipe e a outra metade para o Cotinguiba. O terreno, destacado na imagem, em questão se localizava entre as ruas Campos, Vila Cristina (atual Doutor Leonardo Leite), Monsenhor Silveira e Duque de Caxias, atualmente é uma quadra residencial e comercial próxima à Praça Getúlio Vargas na Treze de Julho.

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Nicolau (ou Niccolò, como nome é em italiano) foi um imigrante que chegou à terra do cacique Serigy provavelmente em 1841 e teve um papel destacado na sociedade sergipana como comerciante e também por ter ocupado o cargo de tesoureiro da ACESE (Associação Comercial e Empresarial de Sergipe) em 1890 e 1891. Falecendo em 1909.

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Figura 2 – MAPA de Aracaju. GOOGLE. Disponível em . Acesso em 10 out 2013.

Com essa construção temos mais uma prova da expansão da cidade em direção à zona sul. Um estádio que facilitava também a locomoção dos sócios do Sergipe e Cotinguiba, os dois principais clubes da cidade, em detrimento dos clubes que se localizavam ao norte. No dia da inauguração, 07 de março, a festividade contou com a presença de duas mil pessoas, além das presenças ilustres do governante do Estado, Pereira Lôbo, e família, e do bispo da capital, Dom José Thomaz, que inclusive abençoou o campo antes da partida inaugural entre os dois teams proprietários. “O match de ante-hontem foi o primeiro com que se estreou o ground «Adolpho Rollemberg», que affirmamos sem receio de errar, ser o melhor campo de foot-ball no norte do Brasil” (Correio de Aracaju, 09/03/1920). O destaque da nota fica para o entusiasmo do jornalista. Pensamos ser muito difícil que um campo na Aracaju de 1920 seja melhor do que os estádios de Belém, ou do Recife, ou ainda de Salvador; haja vista que o estádio durante décadas contava “com arquibancadas [feitas] de tábuas de madeira, cobertura de zinco, algumas vigas, [e] um gramado que não resistia as chuvas” (BARRETO, 2009, p. 20). O estádio homônimo atual, que se localiza no bairro José Conrado de Araújo, foi uma singela homenagem àquele que por quase 30 anos foi a principal praça esportiva da capital até a construção do estádio Estadual de Aracaju, que se localizava onde atualmente se encontra o Baptistão. O Baptistão é, ao lado do edifício Estado de Sergipe, um dos exemplos da pujança da economia estadual, no qual ambos marcaram a paisagem da capital. A construção do estádio 30

em 1969, também conhecido como o Colosso da Praia 20, e do edifício inaugurado em 1970, comumente chamado de Maria Feliciana em homenagem à sergipana que foi por um determinado tempo a mulher mais alta do mundo, localizado no Centro, chegando a ser considerado o maior prédio do Nordeste durante três anos, são considerados até os dias atuais como cartões-postais da cidade. Só pelos apelidos dados a essas duas obras tem-se a percepção do seu impacto na capital que era tida como pequena, diminuta, ingênua e tudo mais. Um conhecido como Colosso e a outra como o nome da mulher mais alta do mundo naquela época. Isso ocorreu quando a capital já tinha deixado de ser uma cidade portuária, devido ao declínio da exportação do açúcar e da indústria têxtil, para se tornar uma cidade político-administrativa com outras aspirações. O fluxo migratório desse período trouxe à capital novos valores culturais, estéticos e técnicos.

2.3. Os clubes e sua relação com a cidade De acordo com Vilar (2006), na primeira metade do século XX, Aracaju contava com quatro zonas com características específicas, eram elas: a norte, onde se localizavam as fábricas têxteis (Sergipe Industrial e Confiança) e que deram a esta zona um molde prioritariamente operário, as quais basearam-se na região conhecida por Chica Chaves, posteriormente denominada Bairro Industrial, onde inclusive, os empresários do ramo viabilizaram a moradia dos seus funcionários próximos aos respectivos locais de trabalho; a zona sul, onde se instalaram as melhores casas da época, pertencentes à classe dominante; a oeste, a zona em expansão da cidade até meados dos anos 50 do século XX, onde se localizava a população de baixa renda e/ou vinda do interior e da zona rural, com um espaço específico no bairro Siqueira Campos, inicialmente denominado bairro do Aribé; e por último, a zona do centro da cidade, com a particularidade de ser a região do comércio, administrativa e, também, residencial. Elas começam a se formar entre a década de 20 e 30 do século XX, auxiliadas por todo aparato tecnológico que vinham aportando na capital. Como podemos notar temos quatro regiões delimitadas, específicas, cujos habitantes, com o passar dos anos foram criando vínculos sociais em torno de clubes localizados em cada uma delas. Na zona norte, foi criada a Associação Desportiva Confiança (1936), com seu espírito operário e corriqueiramente evocando o discurso do proletariado. Na zona sul, o 20

Os mais jovens ou as pessoas recém chegadas à cidade podem estranhar a priori o apelido do Baptistão como Colosso da Praia. Isso se deve a localização do estádio no bairro da Treze de Julho, anteriormente chamado de Praia Formosa, a praia mais frequentada e mais próxima da cidade anteriormente.

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Cotinguiba Esporte Clube (1909), o clube social da elite e o mais antigo da cidade, tendo inclusive como sócios-fundadores integrantes das famílias mais tradicionais do Estado, como os Francos, os Leites, os Rollembergs, os Garcez e os Vasconcelos (ALENCAR FILHO, 1984), e que foi perdendo essa característica elitista com o passar dos anos. Esta zona mais tarde acomodaria mais dois outros espaços de lazer, a Associação Atlética de Sergipe (1925), conhecida popularmente como a Atlética ou Tricolor da Rua Vila Cristina, e o Iate Clube de Aracaju (1953), também conhecido simplesmente como Iate ou ICAJU, que passou a ser considerado o clube da classe alta aracajuana. Na zona oeste, o Club Sportivo Sergipe (1909), que inicialmente se localizava na Rua da Frente (atual Avenida Ivo do Prado), mas que se transferiu a oeste pegando carona no intenso movimento de expansão para aquele lado da cidade e o qual atraiu para os seus quadros uma boa parcela da população proveniente do interior que morava na capital (BARRETO, 2009), e, por fim: na zona do centro, o Vasco Esporte Clube (1931), clube mais frequentado pelos comerciantes e funcionários públicos, até porque foi fundado por integrantes desses dois segmentos. A fundação desses principais clubes, em sua maioria a partir das primeiras décadas do Século XX, vem ao encontro da ânsia, por parte da sociedade aracajuana por novos hábitos, inspirados em costumes importados, inclusive do exterior, e o desejo de seguir pari passu as tendências e condutas que se desenvolviam em outros países, afinados com os princípios do progresso e da modernidade. Nessa ação modernizadora, as elites faziam de tudo para esconder o passado provinciano, a vergonha das condutas dos tempos dos engenhos de Sergipe Del Rey, do açúcar que ano após ano perdia importância econômica, dos vestígios barrocos e baianos de comportamentos da nova identidade urbana da capital sergipana. Esses são os clubes que por mais tempo duraram. Além deles, uma boa quantidade de outros que há muito tempo se extinguiram, funcionaram por pouquíssimo tempo, geralmente até a década de 1950, como o Industrial, o Recreio, o Atlético, o Aracaju, o Brasil, o Flamengo, o Passagem, o Paulistano, o Esperanto, o Lux, o Sergipe Country Club21. Devemos salientar que a chegada desses novos espaços de lazer e das novas formas sociabilidades por eles encetadas, consideradas modernas para os habitantes, não comprometeu a realização e nem a participação dos aracajuanos, pelo menos de alguns, nas antigas formas de entretenimento, quase sempre relacionadas ao calendário religioso. 21

Este foi um clube aracajuano muito efêmero. Não há muitos dados sobre ele, sabe-se que a sua localização era afastada, na região do Mosqueiro e era voltado prioritariamente à classe alta.

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Agora em nossa capital, existem a A.D. Brasil, C.S. Sergipe, Cotinguiba, Aracaju F.C., e a novel Associação Athletica, podemos tratar da filiação de nossa liga à Confederação Brasileira de Desportos. Por que não podemos concorrer ao grande certâmen, que se realisa anualmente em disputa do título de campeão brasileiro de foot-ball? Trabalhemos! Sem esforço nada se consegue sportista (Gazeta do Povo, 21/08/1925 apud SILVA, 2013, p. 104).

Como Aracaju era uma cidade recém-fundada que sempre estava recebendo imigrantes, essa gente nova na cidade precisava se integrar o mais rápido possível ao cotidiano da capital. E uma das formas de se fazer isso era associando-se a um ou vários clubes existentes. Os primeiros surgem ainda no final da primeira década do século XX como coqueluche na nova capital naqueles novos tempos republicanos, e se consolidam com a fundação de outros ainda na década de 1930. O auge se dá nas décadas de 1960 e 1970 e perdura ainda na década seguinte quando Aracaju recebe um maior fluxo migratório de pessoas oriundas do interior do próprio Estado, bem como da Bahia e Alagoas.

Figura 3 - Gráfico do crescimento populacional de Aracaju no século XX.

Corroborado por este gráfico 22 do crescimento demográfico da capital sergipana podemos notar uma elevação no crescimento quase próximo aos 60% durante as décadas de 1970 e 1980. Se compararmos Aracaju com outras capitais brasileiras durante o mesmo período observaremos quase o mesmo resultado do boom demográfico: por exemplo, de 1950 22

Fonte: IBGE apud PREFEITURA MUNICIPAL DE ARACAJU. Geografia: clima quente durante todo o ano. Disponível em: . Acesso em: 10 de jun. 2013.

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a 1980, tivemos uma porcentagem de crescimento de 284% que chega a ser superior ao registrado durante o mesmo período numa megalópole como o Rio de Janeiro que foi de 275% “apenas”; e chega próximo à porcentagem contabilizada no Recife e em Salvador que foram de 300%, cada uma. Esse crescimento extraordinário é explicado pelas transformações assombrosas sofridas pelo Brasil durante esse espaço de 30 anos marcado pelo Golpe Militar de 1964. Esse contingente é formado por pessoas que saíram da zona rural para o novo mundo urbano, o qual foi sendo construído em muitas ocasiões pelas mãos dos próprios exlavradores, que acorreram à cidade, utilizando-se das vantagens do progresso, como a popularização de veículos, como carros, e caminhões, e a utilização das novas estradas de rodagem, para fugir da miséria e da seca do campo, em direção às novas oportunidades de trabalho nas zonas urbanas. Neste período, localmente, ocorre um salto extraordinário devido às políticas desenvolvimentistas do governo federal e estadual que fazem movimentar a capital, como a construção do Distrito Industrial de Aracaju (D.I.A.), a fundação da Universidade Federal de Sergipe (UFS) – ambas as construções desenvolvidas em áreas da cidade que então estavam se expandindo: o D.I.A. na zona sul, e a UFS na zona oeste na divisa dos municípios de Aracaju e São Cristóvão; a instalação da Petrobrás e de projetos habitacionais viabilizados pelo Banco do Nordeste, Banco Nacional da Habitação e da SUDENE. Ainda durante esse período, entre as décadas de 1960 e 1970, houve uma maior expansão da capital em direção à zona sul, onde atualmente se encontram os bairros Salgado Filho e Treze de Julho. Inicialmente, essa não era uma região incorporada ao Quadrado de Pirro, e leva esse nome desde 1930 como referência ao levante militar tenentista liderado, em Sergipe, por Augusto Maynard, que posteriormente foi governador do Estado dando nome a uma das mais importantes avenidas dessa região. O declínio dos clubes sociais se dá no final da década de 1990, quando a cidade continua a crescer, porém, sem que esses espaços acompanhem a nova ordem de interesse da população, começando daí a perder seus sócios23, assunto que iremos tratar no capítulo seguinte.

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É bom salientar que excluiremos do nosso campo de investigação os clubes ligados a empresas estatais, como: o CEPE, conhecido como Petroclube, o clube dos funcionários da Petrobrás; a APCEF, clube dos servidores da Caixa Econômica Federal; a AABB, Associação Atlética Banco do Brasil; e AAB, Associação Atlética do Banese. Estes ficarão à margem da pesquisa por se tratar de instituições que não estão abertas ao público em geral, só aqueles que são sócios e funcionários das respectivas empresas, além de ter um suporte financeiro das respectivas empresas. Por isso se perde o caráter da livre associação a instituição de lazer.

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2.4. Festejos públicos e a vida noturna da cidade Agora vamos discorrer mais detalhadamente sobre alguns dos festejos que mais prendiam a atenção dos aracajuanos, com destaque para o carnaval e os festejos juninos. Uma festa profana e outra sagrada, teoricamente, mas que na prática não é o que ocorre. Já que como é bem conhecido nas ciências sociais, as festas sagradas no Brasil eram dotadas de um catolicismo lírico, medieval de tradição ibérica, que na verdade eram festejos para incentivar a catequese dos ditos infiéis de outrora. No carnaval aracajuano ocorria o desfile de ranchos, do corso, das escolas de samba e blocos (principalmente, o Mercuriano e o Cardovínico, ambos ainda fundados no final do século XIX) na Avenida Rio Branco. Entre a década de 1920 e 1940 era comum o festejo de Momo no centro da cidade.

A guarda da frente, compunha a comissão que promoveu o carnaval deste anno, e que vinha montada em bellos cavallos de raça. O itinerário percorrido foi o das ruas de Pacatuba, Barão [atual Rua João Pessoa], Laranjeiras, Avenida Rio Branco, praça do Palácio, Coronel José de Faro e da Matriz, ruas de Santo Amaro, Laranjeiras, Avenida Rio Branco, Largo do Palácio, rua do Barão, demorando-se em frente do palacete da Assembléa (Correio de Aracaju, 19/02/1920 apud ANDRADE; BRITO FILHO, p. 05).

Porém, não duravam os quatro dias com o mesmo entusiasmo porque na "segundafeira em Aracaju não consegue ser alegre, mesmo em dia de carnaval. O comércio abre, é dia de feira no mercado, todos trabalham, a não ser os foliões mais felizes que poderão descansar para começar de novo” (Correio de Aracaju, 03/02/40). Na década de 1970, o carnaval em Aracaju era aberto por um desfile de carros velhos, durante a tarde, na Praça Fausto Cardoso, a chamada Passeata (ou Desfile) dos Calhambeques, que tempos depois passou a ser na Avenida Barão de Maruim. Quatro ou cinco jovens, geralmente da classe alta e média, juntavam certa quantia dinheiro e compravam um carro velho, extremamente usado, que mal andava, ornamentavam com spray de tinta e tecidos, também convidavam algumas amigas e saiam em desfile buzinando e jogando confetes, serpentinas e pó de arroz, tudo isso por pura diversão e até um certo exibicionismo, porque gastava-se dinheiro para algo frívolo. Para se desfazer dos calhambeques, os jovens se reuniam na quarta-feira de cinzas numa avenida deserta próxima a praia de Atalaia para realizar um “racha”, disputa de velocidade entre carros; após o certame, abandonavam os carros ali mesmo e voltavam às respectivas casas de caronas ou depois de uma ligação aos pais. Este tipo de pontapé inicial nos festejos momescos durou até a década de 1980, quando o 35

DETRAN-SE começou a impor empecilhos atestando ausência de segurança dos veículos antigos. Mas não apenas isso, atestando também uma certa tabaroíce do aracajuano, como sugere o diretor do órgão em 1985 em uma entrevista a um jornal: “Desfile de calhambeques é coisa de província porque nas grandes capitais ninguém vê isso” (Gazeta de Sergipe, 17, 18, 19 e 20/02/85). Curiosamente, nenhum evento do carnaval de rua durou por muito tempo, sempre houve interrupções. Já tivemos o Clube do Povo na Praça Fausto Cardoso, na década de 1980; o Carnaju que depois de alguns anos, em 2013 mudou de nome para Carna Caju, os quais não caíram no gosto da população. Em 2000 o Clube do Povo mudou de localização e foi ser realizado no espaço do estacionamento do Mercado Albano Franco, mudou também o nome oficial do evento para Praça do Povo. O Clube (ou Praça) do Povo foi um evento criado por iniciativa da Prefeitura Municipal. Era um espaço onde todos aqueles que não podiam participar dos bailes nos clubes por conta dos preços cobrados, iam brincar no espaço público gratuitamente. Era localizado no centro da capital com direito a orquestras musicais e trios elétricos. A partir de 1990, esse mesmo Clube do Povo foi transferido para o balneário da praia de Atalaia. No entanto, o fato é que nenhuma dessas atividades “pegou no gosto” do aracajuano, ao contrário das metrópoles vizinhas, como Salvador e Recife, onde há um carnaval de rua imensamente divulgado e costumeiro por parte dos seus respectivos cidadãos. Talvez porque esse modelo de festejo do carnaval aracajuano era mal visto pela elite local, que não permitiria a ida dos filhos, principalmente das filhas, a um ambiente desse tipo. Ao contrário do carnaval, os festejos juninos e de final de ano estavam em um patamar abaixo da festa momesca na questão de importância e arrecadação para os clubes. Apesar de que, como já mencionado, havia as festas particulares nos clubes. Até porque, o São João de rua é mais movimentado na cidade, nos bairros populares principalmente, como no Aribé, Santo Antônio e Bairro Industrial24. A comemoração dos santos do mês de junho ocorre desde 1910 na Rua de São João, por exemplo. Mas mesmo assim, até meados da década de 1970 ainda havia nos clubes a festa junina típica, como conhecemos no Nordeste, com direito a casamento caipira, concurso de quadrilhas, forró do caboclo, brincadeiras à moda caipira, show pirotécnico e corrida de jegue, inclusive com a exigência de uma indumentária apropriada para as moças, de preferência, vestidas com tecido de chita, mais humilde para

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Cf. Correio de Aracaju, 23/06/40.

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representar os matutos do interior, e aos moços cabia o uso de camisas quadriculadas, botas e, eventualmente, o uso de chapéu de couro. Em 1990, o São João da capital sergipana recebe uma nova casa de espetáculo, dedicada especialmente aos festejos juninos, o Gonzagão, que tem capacidade para quatro mil pessoas, tida como a maior casa de forró do Nordeste. Algo que alavancou esse período festivo na cidade, excluindo de vez os clubes. E a partir do século XXI, dotada de um dos maiores festivais de forró do Nordeste, o Forró Caju, que Aracaju consolida-se como modelo de entretenimento junino, aspecto impulsionado pela maciça divulgação da cidade e do estado como país do forró fomentado pelo Estado. Outro evento importante para a cidade era a festa de Bom Jesus dos Navegantes que ocorre sempre no primeiro dia do ano. Ainda nos tempos quando o remo era o principal esporte no Brasil, os clubes de regatas participavam dos festejos com os seus respectivos barcos. Os remadores do Sergipe participaram dos festejos de 1910 com a primeira embarcação do clube, o Nereyda. A vida noturna da capital só foi se estruturando na década de 1960 quando surgem as primeiras boates: a Segredo, da Atlética; a Top Som; a do Bar Cacique Chá, no Parque Teófilo Dantas; a danceteria da Fugase; a Ôxente, do Cotinguiba. A boate do Tricolor da Vila era um espaço de diversão de tamanho pequeno, contava com área especial para piano e nos dias de quarta-feira e sábado à noite eram quando “fervia o pedaço”. A Segredo mudaria o nome tempos depois para Catavento. Essa boate era muito frequentada, principalmente nas matinês. Além de se tratar de um espaço bem localizado, na Rua Senador Rollemberg, decorada pelo artista plástico Leonardo Alencar, contava com aparatos tecnológicos, como uma iluminação melhor e mais adequada, e uma sonoplastia que agradava mais aos jovens. Enquanto que, a Top Som, era uma boate localizada em um dos espaços da galeria do Hotel Palace, um lugar compacto dirigido por José Alfredo Mendonça, mais conhecido como Alfredinho. A proposta inicial do local era de ser um inferninho para os executivos, um “inferninho genérico”, segundo o próprio dono, mas que era também frequentado pelas mulheres. Acabou se tornando na boate preferida da juventude pertencente à elite aracajuana. A diversão geralmente durava até às 7 horas da manhã do dia seguinte. Com o aumento crescente do número de frequentadores, Alfredinho decide arrendar um espaço no Cotinguiba, adotando um novo nome: Ôxente, que contava, de acordo com o anúncio com um jogo de luzes inédito na região do Norte-Nordeste. A boate do Cacique Chá é a mais antiga e a mais “familiar” e se estabeleceu sob o comando de Pirricha, alcunha de Manoel Felizardo, que 37

inseriu esse novo modelo de divertimento na capital sergipana. O termo “familiar” tem que se destacado porque o dono, juntamente com os seus frequentadores, fazia questão que assim o fosse. Havia uma rígida seleção para entrar na boate, somente os que possuíam convite e estivessem vestidos à caráter entravam. Fazia-se a seleção da seguinte maneira: começava a vender as mesas somente a partir da sexta-feira e quando via que o sujeito não atendia aos requisitos, informava-o que já estava lotada a casa. Geralmente abria nos finais de semana, começando às 22 horas e terminando às 2 horas da manhã. Por último, a danceteria da Fugase sobre a qual não obtivemos muitas informações, talvez porque fosse frequentada por integrantes das classes inferiores, geralmente: funcionários públicos de baixo escalão, empregadas domésticas e comerciários 25.

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LÔBO, Paulo. Entrevista concedida ao autor. Aracaju/SE, 08 de agosto de 2013; SANTOS, Osmário. Entrevista concedida ao autor. Aracaju/SE, 26 de agosto de 2013.

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Capítulo 3 – A trajetória dos clubes sociais

3.1. A importância social dos clubes A vida urbana era muito diferente da vida rural no início do século XX mesmo em uma cidade considerada pequena, que contava com pouco mais de 20 mil habitantes levandose em conta o recenseamento de 1900. Era um estilo de vida que obedecia a um novo ritmo, muito mais rápido do que a vida no campo, isso ocorria devido aos novos elementos tecnológicos que diminuíam as distâncias entre as pessoas, como o telefone e o telégrafo. Já havia uma rede de interdependência mundial que incluía também as pequenas cidades, vilas e até a própria zona rural à procura de mercados consumidores novos, expandindo também novas formas comerciais e culturais originárias das grandes cidades. Isso era a modernidade – no sentido dos novos recursos tecnológicos e dos novos hábitos e costumes – que adentrava pelo porto, pelas praças, pelas ruas, pelas calçadas da nova capital. Esse processo que ocorreu no Brasil foi diferente do que ocorreu na Europa. Aqui o ser moderno estava atado à ânsia de se distanciar do passado colonial e imperial, o moderno era fazer footing, beber cerveja, falar alguma coisa de francês ou inglês, visitar o Velho Continente sempre que possível, isso tudo faria a pessoa parecer moderna. O afastamento gradativo dos hábitos provincianos fazia parte desse processo, pois os valores da modernidade eram fundamentalmente urbanos. Apesar de que, vez ou outra, parte da elite ainda se aprazia com hábitos considerados arcaicos, como cheganças, entrudos, paus de sebo, quermesses com práticas interioranas. E provavelmente, o modo de festejar o carnaval até a primeira metade do século XX seja um dos casos mais ilustrativos desse conflito entre antiguidade e modernidade, essas idas e vindas, como lembrou Elias (1985) no que tange ao processo nãolinear do lazer na sociedade; o carnaval festejado através dos cordões, que era parte da herança africana na cultura brasileira que envergonhava as elites amantes da Europa26. A fundação dos clubes faz parte desse novo processo de criação de espaços de lazer exclusivos e restritos que filtrasse o ingresso dos usuários adequados aos novos padrões de conduta. Quem desobedecesse tais padrões estaria sujeito aos agentes públicos do Estado que historicamente sempre sustentaram a posição das elites, vide os Códigos de Postura do século 26

“... esa antigua costumbre de las procesiones báquicas [os cordões]. Creo que de todas las ciudades civilizadas, Río de Janeiro es la única que tolera esa exhibición vergonzosa (...) es indignante que esas orgias invadan las calles, en procesiones eróticas...” (BILAC apud NEEDELL, 1985, p.132).

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XIX. Nesse caso, falamos da polícia que sempre prezou pela ordem e moral pública, inclusive, exercendo um papel pedagógico de educar àqueles que desconheciam as novas regras de conduta nesse novo Brasil republicano. Desse modo, as elites se diferenciavam do povo, tendo seus hábitos legitimados e corroborados pelos seus pares, ao contrário das práticas consideradas popularescas. Os clubes serviriam não apenas como locus de entretenimento e fruição, mas também como porta de entrada para os não-nativos nas cidades irem se integrando às relações sociais próprias daquela urbe. Eles exerciam um papel como civilizador e inclusivo. Temos como semelhança dessa ação, as sociedades de ajuda mútua aos estrangeiros que acolhiam os patrícios no Brasil. A exemplo disso há os casos do Sport Club Germânia (1899), da Associação Portuguesa de Desportos (1920), ambos na capital paulista; do Clube de Regatas Vasco da Gama (1898) no Rio de Janeiro; da Società Palestra Italia em São Paulo (1914) e em Belo Horizonte (1921); da Associação Atlética Portuguesa (1917) e do Hespanha Foot Ball Club (1914) ambos em Santos; da Sociedade Alemã de Ginástica (1867) em Porto Alegre; do Clube Português do Recife (1934) e da Tuna Luso Brasileira (1903) em Belém. Estas agremiações ainda perduram como centros esportivos e sociais. Boa parte delas teve que modificar o seu nome de fundação devido a um decreto do então presidente Getúlio Vargas na década de 1940 que proibia nomes de estabelecimentos sociais que faziam referência à países considerados inimigos do povo brasileiro já que à essa altura o país estava entrando na Segunda Guerra Mundial. Temos que levar em consideração também a difusão dos esportes pelos clubes. Os mesmos preceitos científicos que ajudaram a difundir o uso da praia e as benesses do banho de mar, também foram úteis na divulgação do quão benéfico eram para a saúde do homem moderno as atividades físicas regulares. Era o tempo de um novo olhar sobre o corpo humano que influenciou, sobretudo, a juventude, ávida por estratégias de embelezamento e fortalecimento dos próprios corpos. A imagem de um corpo atlético denotava saúde e beleza, e essa era uma questão importante que estava em vigor na República Velha considerada como obrigação para o desenvolvimento do país. E nesse contexto, o esporte mais difundido no Brasil na Belle Époque foi o remo. Foi ao redor dele que surgiram os clubes mais tradicionais do país, inclusive em Sergipe. A primeira regata organizada aqui ocorreu na tarde de 11 de junho de 1910 entre os remadores do Cotinguiba e Sergipe referente à homenagem ao 45º aniversário da batalha naval do Riachuelo, promovida pela Marinha do Brasil. Formaram o segundo páreo da regata, chamada Rio Branco, compostas pelas canoas de quatro remos 40

guarnecidos: a canoa Cotinguiba, chefiada por Nelson Vieira e a canoa Nereyda, comandada por Jocelyn Menezes, percorrendo os 1200 metros da disputa ocorrida no estuário do rio Sergipe e vencida pela equipe rubra 27. Porém, foi o futebol que se tornou o carro-chefe dos clubes. O esporte bretão teve uma história curiosa nas plagas sergipanas, ele foi trazido pelo major Crispim Ferreira, do 26º Batalhão de Infantaria, que organizou uma demonstração pública do esporte com a ajuda de soldados e recrutas na Praça general Valadão em setembro de 1907. No entanto, o esporte não “caiu no gosto” do aracajuano naquele momento. Só em 1916 com o imprescindível auxílio e insistência do almirante Aminthas Jorge, Sergipe e Cotinguiba incluíram o futebol na lista de esportes praticados. A resistência prévia se deu pelos sócio-remadores que discriminaram o esporte britânico e o enxergavam como sport para desocupados, “não-civilizado” nos termos da época. O primeiro match realizado entre as equipes citadas foi em 24 de outubro no campo de football, àquela época, a Praça Pinheiro Machado, atual Tobias Barreto, e terminou, assim como no remo, com vitória rubra pelo score de 3 tentos a 2. Temos aí um exemplo da lentidão da sociedade aracajuana em aceitar algo novo, o que é normal. Apesar do futebol em 1907 já ser praticado pelas elites nas cidades do Sudeste, não foi praticado logo de cara pela elite citadina de Aracaju, visto como algo estranho e dando-se preferência ao remo. O que atraía o público a assistir tais esportes era o espetáculo em si, o entretenimento, a curiosidade de conhecer os novos hábitos oriundos dos centros desenvolvidos; diferente da lógica que atraía os atletas, que era a da ação, da saúde e da força física, mas, ambos convergindo para um mesmo fim. E isso também contribuiu para divulgação dos clubes e aumento dos seus quadros associativos. A pessoa que estivesse indecisa a qual clube se associar poderia levar em consideração qual deles era o mais vitorioso em um determinado esporte. Com isso, foi se criando uma rotina para os habitantes da cidade e para os sócios que foram participando dos eventos, ou como atletas ou como espectadores. Então aparece uma nova lógica, a da competitividade, com o surgimento dos campeonatos regulares e organizados por órgãos normativos, logo em seguida, tanto no remo (1911), quanto no futebol (1918). Os esportes também foram abrindo espaço nos jornais, primeiro, na seção de “variedades” e depois numa seção exclusiva para os desportos que se organizavam na capital, a qual abarcava quase todos os esportes praticados na cidade, não apenas o futebol, mas também o remo, o voleibol, o

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Cf. O Estado de Sergipe, 10/06/1910.

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basquetebol, o xadrez, o futebol de salão e o tênis, que tem sua difusão em Aracaju promovida por iniciativa da Atlética. Outro fator importante na difusão do uso cotidiano dos clubes foi a publicidade nos jornais. Anúncios de festas, bailes, escolas de práticas esportivas, tudo isso contribuiu para a curiosidade e/ou desejo de usufruir de suas instalações. Em contrapartida, os clubes demarcavam espaços específicos para os jornalistas, como por exemplo, no São João da Atlética era disponibilizadas mesas exclusivas para os colunistas sociais com o objetivo de noticiar, registrar, os acontecimentos nos eventos sociais no clube. “A publicidade, nesse período [início do século XX] de rápidas transformações sociais, „abrandava a dificuldade de adaptação causada, em parte, pela inexistência de memória e tradição referentes a práticas recentes da vida urbana‟” (PADILHA apud MARINHO, 2008, p. 77). Os anúncios não apenas atraiam novos sócios, mas também ajudavam a criar hábitos urbanos na população. No período em questão, o que se discutia nas ruas e o que era relevante para a sociedade se divulgava nas páginas dos diários de notícias, razão pela qual, os jornais se tornaram fontes primordiais para esta pesquisa, no sentido de compreender o que se passava em Aracaju e qual o pensamento da opinião pública com relação aos clubes. Os jornais que nos serviram como base para os dados expostos aqui foram: a Gazeta de Sergipe, Jornal da Cidade, Correio de Aracaju, O Estado de Sergipe, Jornal de Sergipe e Sergipe-Jornal. O lazer que era divulgado por tais periódicos antes dos anos 30 do século XX, restringia-se à divulgação dos filmes em cartaz nos cinemas. A partir desse período nota-se uma maior atenção às atividades desportivas e aos espetáculos cênicos em geral.

3.2. Um pouco da história dos clubes aracajuanos Os seis clubes investigados nesta pesquisa teem história distintas, cada qual com seu público-alvo e características particulares. No entanto, também é possível identificar algumas similaridades, como, o desenvolvimento da educação física em várias modalidades e o fomento de reuniões e diversões de cunho social, artístico ou cívico para o quadro de associados, inclusive patrocinando cursos e palestras; a divisão societária é outra semelhança, geralmente divididos em fundadores, beneméritos, honorários, remidos e proprietários. As diferenças recaem sobre o grau de restrição à inserção de novos sócios, que iam além do valor monetário da mensalidade, que por si só já demonstra uma barreira e exclusão social. O Iate e a Atlética prezavam pela rigidez na admissão de novos filiados, levava-se em conta elementos 42

como retidão, idoneidade e isenção, que para esses dois clubes eram essenciais. Tudo isso para reforçar o respeito e a credibilidade da entidade. Art. 22 – Para ser admitido como sócio da ASSOCIAÇÃO são necessários os seguintes requisitos: (...); II)- ter nível social compatível e gozar de bom conceito; III)- haver sempre exercido atividade lícita; IV)- ter condições físicas e psíquicas que permitem uma convivência social sem constrangimento; (...); VI)- prestar as informações complementares julgadas necessárias pela Diretoria; VII)- ter a proposta aprovada pela Diretoria (Estatuto da Associação Atlética de Sergipe, 02/04/1949 apud SILVA, 2013, p. 108).

Fatos curiosos permeiam a fundação desses clubes, que, geralmente, tiveram políticos, empresários, industriários, médicos e advogados como sócios fundadores e aos quais os organizadores recorriam nos momentos de maior necessidade. A história dos clubes sócio-esportivos se inicia na capital sergipana com o Cotinguiba, das cores azuis e brancas, que, por exemplo, meio que demorou a ter quórum suficiente que agradasse aos seus fundadores para a criação de um clube. Durante uma semana, em dias intercalados, foram emitidas notas de aviso no jornal Correio de Aracaju divulgando a intenção de fundar um clube na capital aracajuana, tal qual já havia no Rio de Janeiro, Salvador e Recife, as metrópoles inspiradoras desse movimento lúdico na cidade banhada pelo rio Sergipe. Houve uma convocação feita por uma comissão promotora para os “senhores distintos interessados”. Contavam nesta comissão os senhores: Arsenio de Araújo (que inclusive, era o dono da residência onde foi feita a reunião de fundação), Francisco Bastos Coelho, José Carneiro de Mello, Epaminondas Torres, Dacio Mello, Nelson Vieira, Mario Passos (primeiro presidente da agremiação), João Vieira de Andrade, coronel Francisco Mello, doutor Benício Freire e Antônio Cabral 28.

Reuniram-se no dia 11 do corrente [mês] no edifício da Associação Comercial desta capital, diversos moços empregados no comércio para deliberarem sobre a fundação de um Club Esportivo de Regatas, tendo ficado definitivamente assentada uma reunião para domingo próximo ao meio dia, no mesmo edifício, para a eleição da Diretoria, única discussão dos Estatutos e eleição da mesma Diretoria, devendo neste dia ser também instalada a sociedade (Correio de Aracaju, 13/10/1909 apud BARRETO, 2009, p. 8).

28

Cf. Correio de Aracaju, 15/10/1909.

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Na década de 1940, o Cotinguiba tem um ápice na administração de Clóvis Cardoso que convidou o engenheiro alemão Hermann Von Altenesch 29 para idealizar a reforma da nova fachada da sede. Ele assim o fez marcando-a com feições mediterrâneas que perduram até os dias atuais.

Figura 4 - A fachada mediterrânea do Tubarão da Praia. FONTE: BARBOSA, Thiago. Sede do Cotinguiba Esporte Clube. Disponível em . Acesso em 18 set. 2013.

Fazendo uma analogia, que muitos podem considerar ousada ou até sem cabimento, o Tubarão da Praia30, a alcunha do clube, teve um papel em Aracaju tal qual o Clube de Regatas do Flamengo, na cidade do Rio de Janeiro, a então capital federal: o de abrir as portas ao culto ao corpo bem delineado e a veneração ao hábito esportivo. Primeiro ao remo, depois ao futebol e, por conseguinte, aos outros esportes. Subjacente a tais práticas esportivas restava a conviviabilidades dos sócios, no cotidiano do clube e, principalmente, nos festejos e bailes ali realizados. A partir desse, foram surgindo os outros clubes na cidade. O Sergipe, por exemplo, de cores vermelha e branca, foi fundado uma semana após. Reza a lenda que foi por causa de uma dissidência interna ao grupo do Cotinguiba, insatisfeito por conta do nome escolhido, tudo por causa de uma confusão que se fez sobre qual o nome de fato do rio que banha a capital. As reuniões para fundação do novo clube também ocorreram na sede da ACESE. Curioso notar que o primeiro nome completo do rival rubro do 29

Altenesch foi um dos estrangeiros que deixaram marcas em Aracaju. Ele foi arquiteto do Estado Novo em Sergipe e o homem que projetou o prédio do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, o edifício Serigy, a sede da Atlética, além de dezenas de residências espalhadas pelas ruas de Estância, Pacatuba, Itabaiana, Maruim e Barão de Maruim. 30 Vemos aqui outra referência à Praia Formosa, atual Treze de Julho.

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Cotinguiba foi Sport Club Sergipe, não se sabe se isso se deve a uma falha do jornal responsável pela divulgação da sua fundação, o Correio de Aracaju, ou se foi de fato o nome que os fundadores queriam. A formação da primeira diretoria foi composta por Tancredo Souza Campos (presidente); José Victor de Matos (vice-presidente); José Couto de Farias (primeiro secretário); Adalberto Ribeiro Monteiro (segundo secretário); José Fernandes Oliveira (tesoureiro); Hemetério Gouveia (orador); coronel Lourenço Pinto Monteiro (presidente honorário); Américo Silva (diretor de regatas); e a comissão fiscal formada pelo coronel Terêncio Sampaio, doutor Alexandre Lobão e coronel Jucundino de Souza Filho. Além desses, também participaram da fundação: Euclides Porto, Adalgiso Rosal e Francisco Bessa (BARRETO, 2009). O clube teve a sua primeira sede, que também contava com garagem para os barcos do remo, na Avenida Ivo do Prado graças ao auxílio de vários colorados ilustres, exatamente onde atualmente se encontra o edifício residencial Olímpio Campos, a poucos metros da sede do seu co-irmão alviceleste. Em 1970 agraciado com a doação de um terreno no antigo Aribé, do empresário e ex-presidente do clube João Hora de Oliveira se constrói a nova sede juntamente com o seu próprio campo de futebol.

Figura 5 - Visita da diretoria e alguns sócios ao terreno da futura sede em foto de 17 de setembro de 1961; e na imagem ao lado, a sede e campo já construídos em 1970. Fonte: RODRIGUES, Zoroastro. Acervo digital. Disponível em . Acesso em 01 out 2013.

A Associação Atlética de Sergipe, fundada em 24 de maio de 1925, se consagrou logo como o clube da elite tomando do Cotinguiba esta posição. Era o clube dos ex-sócios do Recreio Club31, os quais inclusive, eram “protegidos” pelo estatuto, cujo artigo 5º preconizava: “Serão considerados sócios Fundadores os antigos sócios do Recreio Club e os que constarem da ata de fundação da sociedade bem como, as pessoas admitidas como sócios 31

Foi um clube social que se localizava na Praça Olímpio Campos, Centro, fundado em 1916 e que acabou encerrando suas atividades em 1941 (MELINS, 2013).

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nos trinta (30) dias subseqüentes à fundação, os quais gozarão de regalia de sócios beneméritos” (Estatuto da Associação Atlética de Sergipe, 02/04/1949 apud SILVA, 2013, p. 107). A estirpe dos membros do Tricolor era do mais alto escalão da sociedade sergipana, onde não constavam apenas as pessoas de classe alta, de famílias tradicionais e empresários e latifundiários bem sucedidos profissionalmente, mas também boa parte da classe política do Estado de Sergipe. Para se ter ideia encontramos alguns exemplos de gente como Gentil Tavares (que chegou a ser presidente da instituição), José Rollemberg Leite (ex-governador do Estado), Sebastião Celso de Carvalho (ex-governador do Estado), Joaquim Sabino Ribeiro (dono da fábrica Confiança), Walter do Prado Franco (ex-senador e deputado federal), Carlos Firpo (ex-prefeito de Aracaju), Augusto Leite (médico importante na história de Sergipe), Luiz Garcia (ex-governador e deputado federal), Antônio Tavares de Bragança (ex-diretor do Instituto de Tecnologia e Pesquisas de Sergipe – ITPS), Augusto Franco (ex-governador e senador), Manoel Ferreira da Silva Neto (ex-presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe – IHGSE), Benjamim de Carvalho (médico, ex-deputado estadual e secretário de governo), João de Andrade Garcez (ex-governador), Franco Freire (professor e ex-diretor da Escola Normal), José Machado de Souza (médico e ex-vice-governador do Estado), Eronides de Carvalho (ex-governador), entre outros. Inclusive, lá também se realizavam recepções festivas aos representantes políticos de outros estados quando chegavam à Sergipe (SILVA, 2013). Vemos aí o quão próximo era o campo político do ambiente das agremiações da elite. A sede do clube foi construída numa área de mais de 4 mil metros quadrados, na Rua Vila Cristina (atualmente Rua Doutor Leonardo Leite) esquina com Rua Senador Rollemberg, no Bairro São José, um terreno doado por João Quintiliano da Fonseca, Heráclito de Araújo Barros e Heráclito Rocha. Estes homens eram comerciantes e industriários de alto escalão, sendo, inclusive, proprietários de muitos imóveis das áreas centrais da capital. As instalações da sede começaram a ser construída em 1933 e originalmente o prédio seria localizado na Rua Campo do Brito, mas fizeram uma troca com a Prefeitura de Aracaju e a Atlética acabou se instalando na rua que faz parte da sua alcunha, o Tricolor da Vila Cristina. Antes de possuírem a sede, os dirigentes atleticanos faziam suas reuniões periódicas na Biblioteca Epifânio Dória.

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Figura 6 - Sede da Atlética. FONTE: MELINS, Murillo. Aracaju romântica que vi e vivi: anos 40 e 50. 3. ed. Aracaju: UNIT, 2007.

O ICAJU foi construído inicialmente para incrementar a prática do esporte náutico a vela em Aracaju, em 25 de agosto de 1953, graças a um sonho levado a efeito por onze homens amantes do esporte; ainda vivos estão Carlos Morais, Arivaldo Carvalho e Rodrigo Lima. A primeira reunião aconteceu na antiga sede do Sergipe, ainda na Avenida Ivo do Prado, quando foi assinada a ata de fundação, que teve como seu primeiro comodoro Alcebíades Vilas Boas. As cores foram decididas em função do “espírito desportista” em aglutinar elementos dos outros clubes da cidade, o vermelho do Sergipe, o azul do Cotinguiba e o branco do Aracaju Clube do Remo, clube do bairro Industrial. Em 1958 foi construída a sede onde atualmente se encontra no qual teve um apoio decisivo de Leandro Maciel, governador da época; de João Aragão, homem influente na administração de Patrimônio da União, e; de Carlos de Carvalho, diretor do Departamento de Estradas e Rodagens (MELINS, 2007), pois antes da sede, ali se encontrava um depósito de inflamáveis; contou também com uma doação de parte do terreno da DNPVN32 (Departamento Nacional de Portos e Vias Navegáveis). Com pouco tempo de fundação o clube já “roubou” a posição da Atlética como o clube preferido da elite. Uma prova disso é que no final da década de 1960, o governador, Lourival Baptista, transferiu a sede do governo para o Iate por um dia (MELINS, 2007).

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A DNPVN era uma entidade que tratava, como o próprio nome já revela, de supervisionar e fiscalizar os portos, rios e lagos navegáveis. Em 1975 ela é extinta e substituída pela PORTOBRÁS S.A., que por sua vez, também é extinta mediante decreto federal em 1993.

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Figura 7 - Vista aérea do ICAJU no ano da sua fundação em 1953. Fonte: FOTOS antigas de Aracaju. Disponível em: . Acesso em: 04 ago. 2013.

Em 1971, foi inaugurado o salão Tennyson Freire (ex-comodoro do Iate), com mil metros quadrados, com o objetivo de realizar eventos para os sócios da agremiação e alugá-lo para eventos da sociedade aracajuana. Sua primeira festa aconteceu com muita pompa e grande participação da elite sergipana, no réveillon daquele mesmo ano. Outro grande impulso do ICAJU foi a inauguração da piscina no ano 1973, na administração do comodoro Ronaldo Calumby Barreto, muitos anos após a consolidação do parque aquático da Atlética. Essa iniciativa trouxe vários associados ao convívio do clube, o qual conta ainda com uma sede náutica localizada no Mosqueiro, que foi inaugurada em 26 de abril de 1987, iniciativa que veio beneficiar ainda mais o esporte à vela e os sócios proprietários de barcos 33. Os outros clubes, Confiança e Vasco, teem material precário quanto à sua história, principalmente devido à falta de memória escrita. Encontramos poucos elementos acerca do Dragão do Bairro Industrial, o qual foi fundado por Isnard Cantalice e Epaminondas Vital que procuraram o dono da fábrica têxtil de mesmo nome para apoiar essa ideia e assim Joaquim Sabino Ribeiro o faz fundando o clube em um sugestivo Dia do Trabalho de 1936. Enquanto a fábrica existiu, a associação desportiva pode se beneficiar do apoio recebido, inclusive financeiro, em contrapartida, todos os funcionários e seus dependentes tinham livre acesso às suas instalações e à prática do lazer em seu interior, que ia desde as atividades esportivas até a exibição de filmes. Excluía-se da lista de usuários do espaço de lazer o próprio patrão que preferia aproveitar as instalações da Atlética, onde, inclusive, integrava o conselho fiscal. Suponhamos que isso ocorresse porque a agremiação tricolor contasse com as 33

SOBRAL, Fernando. Entrevista concedida ao autor. Aracaju/SE, 16 de setembro de 2013.

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melhores instalações do Estado atrelado ao fato do “proletário” 34 Sabino Ribeiro não querer se misturar com os seus empregados nas horas de lazer. Essa relação, diríamos “umbilical”, da fábrica/clube durou, pelo menos publicamente, até 1955 quando o proprietário da fábrica pressionado pela indignação popular, por conta de uma atitude da Federação Sergipana de Desportos que interferiu na escolha do local da final do campeonato estadual de futebol, foi a público e declarou que “como é para o bem de todos e felicidade maior do Confiança, o Confiança fica e a fábrica sai, porque o Confiança não pertence mais à fábrica, o Confiança agora é do povo" (RIBEIRO; PIRES, 2005, p. 9); frase esta que está gravada na memória dos mais antigos aracajuanos. E a partir da segunda metade do século passado, o clube se concentra apenas nas questões esportivas e abandona outras espécies de lazer, isso ocorreu também pela decadência vertiginosa pela qual passou a fábrica. Quanto ao Vasco Esporte Clube também sempre foi um clube de origem popular desde a sua fundação em 15 de agosto de 1931. O clube, composto por comerciários e bancários, foi fundado na casa do professor Abdias Bezerra, pai do sociólogo Felte Bezerra. Sua primeira sede era nos fundos do antigo prédio dos Correios, à época localizada próximo a Praça Fausto Cardoso; depois Félix D‟Ávila 35 conseguiu o primeiro andar do Edifício Teixeira Chaves, de onde saiu tempos depois e permaneceu na sede definitiva na Avenida Antônio Cabral desde 1968 (ALENCAR FILHO, 1984). Sempre teve a característica de ser frequentado pela classe popular. No ranking informal de clubes privilegiados pela elite, o Clube da Cruz de Malta era sempre o último, isso se deve à sua localização que sempre rondou a zona central da cidade. Também, sempre cobrou os menores preços dos associados e das mesas e ingressos que vendiam quando da realização de festas. E juntamente com o Cotinguiba ainda mantinha o time de futebol profissional e as atividades recreativas para os sócios, ao contrário de Sergipe e Confiança.

3.3. As festas restritas (o apogeu) Para empreendimento da presente pesquisa, de modo a perceber a profundidade da importância dos clubes para a vida social da cidade, decidimos investigar três principais festas que os clubes promoviam bailes, sobre as quais eles se debruçavam, a ponto de suspender outras atividades sociais para se concentrar nesses períodos específicos com o fim de 34

Usamos esse termo por ser assim que é denominado, ironicamente, o estádio do Confiança. O professor D‟ávila (1928-2013) teve importante contribuição ao desenvolvimento e solidificação do ensino da Educação Física no estado de Sergipe, sendo, inclusive, professor emérito da UFS. 35

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arrecadar dinheiro suficiente para a sua própria manutenção e despesas, além do objetivo de reforçar o sentido de convivialidade entre os associados e dirigentes. Os bailes em destaque são o do Réveillon, o do Carnaval e dos festejos juninos. Além dessas datas específicas, os clubes tinham outros bailes e festejos considerados de menor importância, como os de Natal, dos Reis e as matinês infantis. Tais eventos, sobretudo as comemorações de final de ano (Natal, Réveillon e Festa de Reis, que apesar de ser comemorado dia 6 de janeiro celebra o fim do período cristão), que foram incluídos no calendário festivo das associações recreativas foram redimensionadas esteticamente e simbolicamente por serem celebradas em um círculo mais amplo do que o do ambiente familiar.

Andou acertadamente a diretoria do prestigioso Clube de Tenis [a Atlética], resolvendo levar a efeito no dia de Reis duas festas, uma infantil que terá início às 16 horas, e outra, para nossa alta sociedade [grifo nosso], às 20 horas. A Associação seguiu o exemplo dos grandes clubes das principais cidades do país, que promovem festas infantis para creanças, filhas dos seus associados. O desfecho brilhante que tiveram a festa de Natal e Réveillon é uma segurança dos sucessos das reuniões dansantes do dia de Reis. Este jornal deseja aos dignos dirigentes do Clube Tricolor, felicitações pelas realizações constantes de seus grandes empreendimentos (Folha da Manhã, 04/01/1943 apud SILVA, 2013, p. 118).

Os clubes eram o espaço de lazer dedicado à classe média e alta; e em menor grau à classe popular. Aqueles que podiam pagar mais na mensalidade escolhiam entre o Iate Clube ou a Atlética, este em um patamar um pouco abaixo do ICAJU. Já o Cotinguiba, o qual caiu no ranking de preferência da classe alta, apesar de ter sido fundado por membros de famílias mais destacadas do estado, e o Vasco, este sempre o mais popular de todos, o que se localizava bem no centro da capital, próximo aos mercados, o que concentrava integrantes da classe trabalhadora que tinham um poder aquisitivo um pouco maior que os seus pares, cobravam preços mais reduzidos nessas ocasiões. Para se ter uma ideia, os ingressos nos bailes de carnaval da Atlética custavam o dobro dos preços cobrados no Vasco 36. Com a difusão dos clubes sociais pela cidade de Aracaju já a partir dos anos 30 do século passado, tais espaços de lazer proporcionaram, talvez não deliberadamente, uma reconfiguração no modo de festejar. Isto é, além da rua, que foi re-significada, existia o salão do clube para “entrar na folia”. A rua foi re-significada porque foi “cedida” para aqueles que não podiam pagar o ingresso em um clube, pois com a febre dos festejos restritos o interesse da população, em geral, para as festas na rua acabou diminuído, exceção feita aos festejos 36

Cf. Jornal da Cidade, 23/02/79.

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juninos. Ou seja, Aracaju em um dado momento deixou de comemorar as suas festas democraticamente, para celebrá-las segregadamente, restritivamente. E isto já era demonstrado publicamente através de crônicas nos jornais. Acordem Rapazes Precisamos fazer algo pelo carnaval aracajuano. A canseira está demais. Temos tido notícia da folia no interior do estado, onde há mais vibração do que aqui. Em Propriá, segundo soubemos, o Rei Momo já apareceu gordalhudo como, fazendo jus à sua fama de glutão e emérito bebedor. No entanto, em Aracaju, na capital esta pasmaceira. Ora bolas! Que pessoal do sangue de caranguejo é esse [o] nosso? Dizem que os “paladinos” estão treinando um bom cordão, que o outro, “o amanhã tem mais”, também está ensaiando. Mas, são gotas d‟água no oceano. Sessenta mil pessoas só dão amostras de carnaval? A Nota, por enquanto, está sendo dada pelos nossos clubes. Recreio Club, Associação Atlética de Sergipe, Cotinguiba, Sergipe, paladinos estão organisando ótimas noitadas dansantes para os seus associados. [grifo nosso] A prefeitura, zelosa, incansável, estabeleceu prêmios para as músicas carnavalescas escritas entre nós, “cadê” porém, o carnaval das ruas? Vamos deixar de tanta fraqueza, acordem rapazes, que a vida é curta e precisa ser compensada com a alegria das suas trabalheiras e fracassos! Viva a pagodeira! Alô, boys! (Folha da Manhã, 17/02/1934 apud SILVA, 2013, p. 114).

Na década de 1950 vai começando a se afirmar os festejos promovidos pelos clubes como a grande tônica do carnaval da capital sergipana, mas ainda disputando a preferência dos foliões com o carnaval de rua. Os quatro dias eram recheados pela folia nos clubes, as pessoas iam fantasiadas levavam suas crianças para elas se divertirem à tarde, enquanto os adultos à noite. Eram prestigiados pela visita “real” de Momo e seu séquito anunciado por clarins. A animação ficava por conta de bandas musicais, como: a de Luiz da Anunciação, o Pinduca, e sua Rádio Orquestra, Orquestra de Nelson Ferreira, Luna Orquestra, Orquestra de Eutímio, Continental Jazz Band e Eronildes & Orquestra (MELINS, 2007). De acordo com as entrevistas concedidas, isso tem duas razões que verificamos satisfatória: a primeira, é o abandono por parte da elite aos festejos na rua, como forma de prevenção à própria segurança, alegadamente; a segunda, é que com a compra de mesas e ingressos, a classe superior poderia gastar a quantia financeira que bem entendesse em prol da sua própria diversão sem preocupações futuras. O carnaval privativo foi uma lacuna que os clubes ofereceram diante do falta de incentivo do poder público à festa na rua. Nos anos 60 do século passado, os bailes de carnaval nos clubes geralmente se iniciavam às dez horas da noite e terminavam obrigatoriamente às quatro da manhã, por determinação da Secretaria de Segurança Pública. Em tal período, ainda havia muito do 51

cerceamento das emoções por parte do Estado, consequência da lógica ordeira que se impunha no Brasil nos primeiros anos do regime militar. Numa cidade onde praticamente não existe o carnaval de rua que atraia um grande número de pessoas, os clubes concentravam quase toda a animação da capital. Se de dia, o folião aproveitava para descansar, passear com a família, ir à praia, à noite nos clubes era diferente: “... a noite, a folia pega fogo, com a cobertura dos bailes nos clubes, ponto alto do reinado de Momo na capital sergipana [grifo nosso]” (Jornal de Sergipe, 24/02/79). Ou seja, o clube era um local para ver e ser visto na sociedade, onde se concentravam todas as atenções da cidade no período festivo. E na manhã da quarta-feira de cinzas, ocorria um encontro de foliões do Iate com os do Cotinguiba, entre cinco e seis horas da manhã, na principal avenida de acesso ao bairro Treze de Julho, com direito a orquestra, e percorrendo as ruas adjacentes com o intuito de coroar o carnaval que passou; e também como forma de “dar uma colher de chá” para aqueles que não tiveram condições financeiras para pagar a entrada nos clubes citados. O carnaval nos clubes era altamente divulgado nos jornais, não só pela crônica social, mas também com anúncios publicitários nos diários de notícias, isso no período áureo, repetindo-se ano após ano, a partir de 1965. “Animação nos clubes é uma tônica que se repete e se acentua a cada ano” (Jornal da Cidade, 07/02/73). Entre as décadas de 1960 e 1970, não sabemos precisar o ano exatamente, apenas os clubes do Sergipe e do Confiança, desses que estão na nossa alça de pesquisa, não aparecem mais como locus de festividades. Isso ocorreu porque já estavam desviadas suas atividades primárias somente para o esporte, deixando para “escanteio” o lado festivo. Os bailes carnavalescos nos clubes, na década de 1970 e 1980, eram abertos pelo Baile dos Artistas, criado pelo colunista social João de Barros (Barrinhos), uma festa protagonizada pelas fantasias exóticas dos foliões travestis e homossexuais. Discriminados durante o ano todo, porém naquele momento festivo eram aplaudidos e as pessoas que não entravam no baile, ao menos iam para a porta dos clubes para vê-los exibindo suas fantasias extravagantes. Eram realizados ou no Vasco ou no Cotinguiba, clubes que toleravam a condição sexual da maior parte dos partícipes do baile; ao contrário do Iate e da Atlética que negavam seus espaços para esse tipo de baile. Alguns deles chegaram a contar com a participação de personalidades nacionais como Elke “Maravilha”, Clóvis Bornay, Clodovil, Roberta Close e Jorge Lafond (mais conhecido através do personagem Vera Verão). Na década de 1990, não 52

tendo mais condições de continuar a coordenar o baile, Barrinhos o passou para João Lisboa, que mudou o nome para Baile das Atrizes37. Após essa festa prévia do carnaval, os clubes se preparavam para os seus próprios festejos, os quais eram altamente produzidos, com elevados investimentos e esmero por parte dos organizadores. Havia apresentação de orquestras de fora de Sergipe, principalmente vindas do Recife. No Vasco e Cotinguiba quando não dispunham de muito dinheiro sobrando, contratava-se alguma orquestra do interior da Bahia. Outra solução utilizada para animar os bailes de carnaval era contratar algumas bandas que geralmente tocavam em trios elétricos, por exemplo, o Tapajós; ou contratar os trios Irakitan ou Tabajara, ou a banda Los Guaranis. Alguns clubes chegavam a firmar contratos longos de exclusividade com os grupos musicais para que houvesse essa identificação banda/clube/sócio, como a Atlética fez com a banda Estação da Luz38. Junte-se a isso a preocupação, entre os clubes mais abastados, com a questão da segurança privada e com a presença de médicos contratados exclusivamente para a ocasião dos festejos, o que acirrava a competitividade entre eles. Havia o concurso para saber quem era o mais animado, o mais organizado, o de melhor orquestra e etc. “Vasco e Cotinguiba: vão botar prá esbuguelar [sic]. Estivemos verificando „in loco‟ os preparativos de ambos os clubes e tudo faz crer que tanto o Cotinguiba como o Vasco estão bem credenciados a realizar um carnaval bastante animado. Vamos aguardar!” (Jornal de Sergipe, 23/02/79). Para se ter uma ideia do tamanho desses bailes na capital, a expectativa de público no carnaval de 1990, de acordo com os jornais, era de 12 mil pessoas por noite39. Com esse dado tem-se a noção exata de quão grande e importante era o carnaval nos clubes para a vida social da cidade. E a partir de 2000 fica constatado o declínio desse modelo de entretenimento, o carnaval nos clubes. Os únicos que ainda tentaram resistir foram o clube do Banese (que, como explicado não entra na nossa alça de pesquisa) e a Atlética, mesmo assim sem o brilho, glamour e sucesso de outros tempos. Torna-se tão notório tal queda que o fato foi motivo do editorial do Jornal da Cidade da edição de 04 de março de 2000, no qual destaca a decadência do carnaval de Aracaju (o próprio título do texto em questão é “Carnaval decadente”). A crítica recai sobre “a mudança dos tempos, aliada à perda da identidade sergipana – invadida pelo axé music”. E prossegue nostalgicamente: “os grandes bailes carnavalescos, que criavam

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LÔBO, Paulo. Entrevista concedida ao autor. Aracaju/SE, 08 de agosto de 2013. Cf. Jornal de Sergipe, 15/02/85. 39 Cf. Gazeta de Sergipe, 21/02/90. 38

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uma disputa acirrada e saudável entre Iate Clube, Cotinguiba, Vasco Esporte Clube e Associação Atlética, estão apenas na memória daqueles que alcançaram os bons carnavais de Aracaju”. E conclui: “Entendem os dirigentes dos clubes que os bailes não foram extintos, apenas deixaram de ser realizados porque não há público”. O editorial em questão só fez externar o que já era percebido nas ruas, bares, praças e mercados da cidade, que os clubes estavam definhando, pois se nem no principal evento do ano, onde se costumava arrecadar os maiores capitais financeiros, estava-se conseguindo reunir recursos para a manutenção da estrutura dos clubes, imagine-se no resto do ano. Desde 1995 não há nem nos jornais o que havia antes, que era o burburinho e fofocas das celebridades da sociedade aracajuana em torno do carnaval nos clubes. No último ano do século XX também ocorre uma tentativa de revitalização do carnaval de rua da capital. No que tange ao São João dos clubes, havia uma disputa com outros espaços. Era comum na cidade que cada bairro montasse seu arraiá com direito a quadrilha, trio de forró e todos os elementos típicos de uma festa junina. A festa pública mais tradicional da cidade é a Festa da Rua São João que há mais de 100 anos é celebrada, que inclusive desde a década de 1980 tem incentivo e divulgação fomentada pelo poder público visando o turismo. Era hábito o cidadão ir ver as quadrilhas na Rua de São João e depois ir aos clubes às 10 horas da noite 40. Na década de 1930 ainda tinha a participação de outros dois clubes, o Recreio e o Paladinos Democráticos. Recreio Clube: o baile do dia 27 Continua despertando grande atração nos círculos de nossa elite social, o baile do próximo dia 27, no „Recreio Clube‟. Os cavalheiros trajarão branco, a rigor, enquanto as senhoras e senhorinhas usarão original vestido de baile, confeccionado em chita. O intuito da diretoria do simpático centro de reunião de nosso mundo elegante é oferecer uma festa capaz de exceder qualquer expectativa. (O Estado de Sergipe, 23/06/1936). Paladinos democráticos: O sarau de hoje À noite, o futuroso clube recreativo cujo nome epigrafa apresente nota, abrirá o seu amplo salão, á rua João Pessoa, para realizar o anunciado baile caipira. Numerosos brindes serão oferecidos aos que mais se destacarem na maneira de trajos à sertanejos. Muita animação é o que esperam os membros promotores da interessante noite dansante dos Paladinos Democráticos (O Estado de Sergipe, 23/06/1936).

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Cf. Gazeta de Sergipe, 23/06/1979.

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A partir da década de 1940, nos clubes seguia-se uma certa padronização: traje de passeio completo para os cavalheiros e roupa de chita para as damas. Comemorava-se a noite de São João, no dia 23, e igualmente a noite de São Pedro, no dia 28, ambas iniciando às 22h, com direito a matinê infantil no dia seguinte ao dia do primeiro Bispo de Roma às 16 horas. O ingresso era o recibo da mensalidade paga de maio ou junho, dependendo do clube. E mesmo nos clubes chic da cidade procurava-se destacar a elegância e a sofisticação do espaço de lazer na festa caipira. “Os „bailes da chita‟ que hoje e 28 se realizarão na Associação Atlética prometem ser a nota „chic‟ do São João deste ano [grifo nosso]” (Correio de Aracaju, 23/06/1942). Outro exemplo que destaca a mesma situação: “As festas joaninas da ASSOCIAÇÃO ATLÉTICA DE SERGIPE proporcionarão à sociedade aracajuana noites de elegância, de fino gosto, de alegria, em ambiente de verdadeira cordialidade [grifo nosso]” (Diário de Sergipe, 23/06/1945). Também era comum, já que a população aproveitava mais a rua do que o ambiente privado nesse período, a realização de bingos e ginkanas como formas de atração. No São João de 1953, a Atlética realizou um bingo cujo prêmio principal era um refrigerador (Diário de Sergipe, 23/06/1953). Além do fato do São João público ser mais prestigiado do que o privado, a partir da década de 1980 começa a ser propagado nos jornais os grandes festejos no interior do Estado, sendo assim mais um competidor para o São João nos clubes. E nos anos 90 do século passado, com a inauguração do Gonzagão e com os incentivos públicos cada vez maiores nos festejos abertos é que o São João dos clubes se esgotou de vez. O réveillon, por outro lado, também anunciado como Noite de São Silvestre, era uma festa mais prestigiada pelos sócios em comparação com os festejos juninos, teve uma “vida mais longa” dentro dos clubes. Era uma época que não havia a moda de celebrar os últimos momentos do ano na praia e ver os estouros dos fogos de artifícios. No tempo em que a Atlética era o clube com o maior prestígio social na cidade, o réveillon dessa associação era demasiadamente concorrido. Para se ter ideia, no réveillon de 1936 foram disponibilizadas 70 mesas, sendo que 54 já estavam reservadas para os “ilustres cavalheiros”. Lá se faziam presentes quase toda a elite política e econômica do Estado, como o governador Eronides de Carvalho; os prefeitos de Estância, Gonçalo Prado; de Laranjeiras, Heráclito Diniz; de Itabaiana, Sílvio Teixeira; de Capela, Ariovaldo Barreto; o então tenentecoronel Augusto Maynard, que já havia sido governador entre 1930 e 1935 e que ocuparia esse cargo novamente entre 1942 e 1945; o senador Leandro Maciel, que também seria governador entre 1955 e 1959; os deputados Carvalho Barroso, Alfredo Leite, Manuel 55

Rolemberg, Leite Neto e Luiz Garcia, que também seria governador entre 1959 e 1962; além da classe jurídica e militar, como os desembargadores Edison Ribeiro e Hunald Cardoso; o inspetor Oscar Jucá; o coronel Antonio Mendonça; o comandante Rivaldo Brito; os capitães Portugal Ramalho e Ulisses Andrade. Inclusive nesse ano, a diretoria do clube fez questão em receber o governador e a sua família separadamente, enquanto os outros convidados foram recebidos por uma comissão composta por sete pessoas. Quando ainda não havia sido terminada a construção da sede, alguns festejos se realizavam no pavilhão do teatro do Jardim de Infância, localizado nas proximidades, espaço cedido graças à intermediação do governador do Estado. Curioso perceber que essa notícia do festejo de final de ano do Tricolor da Vila saiu na primeira página do jornal O Estado de Sergipe do dia 31 de dezembro de 1936, talvez por se tratar de um evento deveras prestigiado socialmente. Detalhe para o último parágrafo, destacando que nenhum incômodo seria permitido naquela noite: “o serviço de policiamento externo será reforçado e o presidente do clube fará retirar da festa qualquer pessoa que venha a ter mau comportamento” (O Estado de Sergipe, 31/12/1936). A música tocada nos réveillons dos clubes era basicamente o mesmo gênero, se tratavam de orquestras big bands que no repertório continham valsas de operetas, foxtrotes de Mistinguete e Bataclan, os sambas e marchas de carnaval do ano seguinte. Detalhe importante, apesar das atenções dos clubes estarem concentradas para o festejo daquele mês, a festa que importava no ano para a vida social dele era o carnaval: “depois das 20 horas de hoje, na Praça Tobias Barreto, segundo nos foi informado, haverá uma animada batalha de lança perfume [que] será o primeiro brado em prol do carnaval de 1936” (O Estado de Sergipe, 31/12/1935), “batalha” fomentada pela Atlética. Celebrar a passagem de ano nos clubes era algo muito comum na capital sergipana, tanto é que a edição da Gazeta de Sergipe do último dia do ano de 1965 destacava: “Hoje à noite será realizado mais um tradicional réveillon, todos os clubes abrirão suas portas para recebendo seus associados, comemorarem a passagem deste ano que finda”. Apesar das nossas pesquisas nos jornais da cidade, o réveillon continuou a ser celebrado nos clubes, sempre com notas de colunistas anunciado os eventos, mas nada que se destacasse a ponto de nos despertar o interesse para escrever neste trabalho. Usualmente exigia-se pelo menos dois elementos: primeiro, o traje de passeio completo, exceção feita ao

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Vasco que nunca estabeleceu exigências quanto à indumentária 41, e; segundo, o recibo de número 12 da mensalidade paga para ingressar no evento. Continuou sendo assim até os anos 80 do século passado quando se inicia um outro tipo de réveillon privado, o dos hoteis próximos à Praia de Atalaia, como exemplo o do Hotel Parque dos Coqueiros42. Mas ainda havia o festejo dos clubes, como o caso do Iate, a essa época já consagrado como clube da elite, de maneira que realizava os festejos com muita pompa e garbo, sempre contando com orquestras bem conhecidas na região Nordeste, como a Paladium, por exemplo, que animou a festa de 1986, com a ceia sendo servida somente a partir das 3 horas da manhã e com direito a um champanhe em cada mesa (Gazeta de Sergipe, 31/12/1986).

3.4. Outros usos dos clubes Essas associações recreativas também serviram de palcos para shows e concertos em um tempo que ainda não havia em Aracaju espaços específicos para esse tipo de evento. Tivemos a presença de artistas nacionais, como: Beth Carvalho, Clara Nunes, Chico Buarque, Novos Baianos, Ataufo Alves, Sílvio Caldas, Orlando Silva, Nelson Gonçalves, João Gilberto, Cauby Peixoto, Ângela Maria, que se apresentaram no Iate ou na Atlética. Era uma época em que os espetáculos eram realizados nos clubes ou no ginásio Constâncio Vieira. Ainda não existia na capital sergipana uma casa de shows específica. Os clubes foram descobrindo novas formas de se movimentarem durante o ano, e uma das maneiras foi a criação de festas regulares. Um desses exemplos eram as matinées, eventos realizados todos os finais de tarde do domingo direcionado para o público jovem, geralmente os filhos dependentes dos associados. Sempre com música ao vivo ao fundo ou com algum disc jockey para animar o ambiente. Nesse tipo de evento se davam as primeiras relações afetivas, as paqueras, as paixões, algo que sempre foi relembrado em todas as entrevistas feitas. No Iate havia o Chá Dançante, que rivalizava com as matinês dansantes da Atlética, que ocorria no mesmo dia e horário. Um evento realizado aos domingos e que começava às 19h e ia até a meia-noite ou 01h do dia seguinte. Em meados da década de 1970, este Chá Dançante geralmente contava com a apresentação do grupo sergipano The Tops, que mesclava o rock com elementos brasileiros ou tocava músicas de bandas estrangeiras. Para aqueles que 41 42

Pelo menos nos dados investigados não aparece nenhuma referência a essa questão. Cf. Gazeta de Sergipe, 31/12/1986.

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não eram sócios do clube, havia a possibilidade de entrar no salão como “penetra”. Aproveitava-se a maré baixa do rio Sergipe para ir andando de calças levantadas e sapatos na mão, tendo o cuidado para não se molhar e depois não ser notado como um “penetra”, pela beirada até chegar à porta da garagem dos barcos do ICAJU, lá se ajeitavam e esperava-se o melhor momento para entrar no salão. Havia um detalhe curioso nessa empreitada: não poderia ir de roupa branca ou clara, para não ser percebido em meio à penumbra. Na Atlética, essa “domingueira”, como era também conhecida popularmente, aglutinava pessoas da classe média. A aquisição dessas entradas se dava através da apresentação do recibo de pagamento do mês vigente, era uma forma de cobrar o associado o pagamento regular e em contrapartida fidelizá-lo e presenteá-lo com um domingo de festa e lazer. Continua a despertar o maior interesse em nossos círculos sociaes, o chá dansante que será oferecido a Associação Atlética de Sergipe, no próximo dia 14 do corrente, às 16 horas em sua sede social à Rua de Vila Cristina. Traje: Smoking ou Branco a Rigor. Mesas Reservadas: Na Casa Vivinha43. Ingresso: O recibo nº 8. (Folha da Manhã, 05/08/1938 apud SILVA, 2013, p. 109).

Um outro exemplo, é a agregação de novos elementos à estrutura das associações, como foi o caso da Atlética que em meados de 1960 e 1970 contratou o maître holandês Thomas Van Dyck (ou Dick) para trabalhar no restaurante do clube, o qual inovou a cozinha sergipana ao adicionar novos elementos trazidos da Europa. Uma amostra disso foi a implementação do daiquiri, que na verdade é uma bebida caribenha mas que fez um estrondoso sucesso, principalmente durante o carnaval do Tricolor da Vila. Ainda nesse mesmo clube, a implantação da prática do tênis foi outra novidade na cidade. Por possuir uma das poucas quadras no Estado, os tenistas, que àquela época era um esporte caracterizado por ser praticado por pessoas pertencentes à elite, procuravam a Atlética para se desenvolver nesse esporte. Também se realizavam eventos beneficentes com a finalidade de apoiar instituições de caridade, hospitais, asilos, espaços literários e com o dinheiro arrecadado financiava alguns serviços que estas instituições necessitavam com mais urgência, como aquisição de medicamentos, reformas de prédios ou até pagamentos de dívidas. Esse tipo de evento era muito importante para os clubes que realizavam, pois era uma publicidade a mais. Os

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A Casa Vivinha era uma loja de diversos artigos de vestuário, localizada na Rua João Pessoa, cuja proprietária era Vivete Freire, conhecida como Vivinha. O marido e ela faziam parte, inclusive, das comissões organizadoras dos festejos da associação. (SILVA, 2013).

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colunistas davam grande destaque à participação filantrópica da agremiação aumentando sua exposição pública, marcando-os como lugares “bem vistos” pela sociedade local. Estava sendo esperado, com grande anciedade [sic], o chá dansante [sic] que realizar-se-á hoje no esplêndido salão de festas da Associação Atlética, em benefício do Hospital de Cirurgia. Segundo nos informaram não se registrou devolução de convites. A sociedade aracajuana terá uma tarde encantadora na Associação Atlética e, com isso concorrerá para a reforma do Cirurgia, que tantos benefícios tem feito à coletividade (Folha da Manhã, 08/01/1944 apud SILVA, 2013, p. 121).

3.5. O declínio São marcantes, principalmente para as pessoas que vivenciaram as décadas de 1960, 1970 e 1980, as festas propiciadas por esses espaços de lazer, as relações sociais que foram construídas e estabelecidas nesses lugares, do tipo profissional ou afetiva; nos bailes de carnavais, nas festas juninas e em outros eventos celebratórios, por exemplo, reforçando os laços de sociabilidade horizontal, a irmandade entre os sócios, e a sensação de pertencimento comunitário, que são estas algumas das características dos clubes. Só que o número de realização desses eventos foi-se escasseando com o passar do tempo. Até mesmo os clubes, que viam na realização de eventos um modo de angariar recursos para a sua própria manutenção, deixaram de fazê-lo com a periodicidade de antes devido à baixa participação dos seus sócios. É comum se ouvir das pessoas que viveram esse período o discurso nostálgico, sobretudo quando comparado com o momento atual, marcado pela decadência dessas agremiações. Um declínio que não se explica através de fatores externos e que penetrou o cotidiano da capital. Esses clubes são espaços de sociabilidade por excelência, um lugar que facilita a sociabilidade dos indivíduos que ali se encontram justamente pelo interesse em comum e de ser sociável com os seus pares. A situação dos clubes atualmente é praticamente a mesma do final do século XX, ou seja, continuam quase estancados. Aracaju saiu de um período em que dezenas deles fervilhavam na sociedade nos seus momentos festivos, para conservar apenas alguns poucos continuadores dessa tradição: o Sergipe e o Confiança, no momento, desativaram até o cargo de diretor social, mas, ambos ainda têm planos para resgatar os eventos sociais; o Vasco está praticamente extinto, no entanto, ainda há o espaço da sede; a Atlética, já se extinguiu totalmente, inclusive com a demolição da parte construída e atualmente alguns sócios 59

entraram na justiça para processar o último presidente que se desfez do patrimônio, segundo eles ilegalmente. Apenas o Iate e o Cotinguiba prosseguem nessa árdua trajetória de manter-se em funcionamento. Além disso, todos sofrem ou sofreram (verbo no passado para os clubes que não mais existem) o assédio das grandes corporações imobiliárias para que os clubes vendam suas sedes devido às excelentes localizações deles. Pelas entrevistas que realizamos com os presidentes de clubes que procuram promover eventos no setor social, Iate e Cotinguiba, se tem ideia da situação em que eles se encontram. O ICAJU, que já teve 3500 adimplentes e 408 sócios remidos na década de 1990, atualmente tem em torno de 3 mil sócios, desses 1.134 pagando uma taxa de R$ 90 mensais. E no início da gestão do atual mandatário era pior a situação, contavam-se apenas com 498 sócios adimplentes em 2007. O comodoro Fernando Sobral explica como gere o clube: “Tem que ser trabalhado como clube-empresa. Se tem um espaço onde pode fazer locação, nós fazemos. O Iate Clube de Aracaju não anda no „vermelho‟, anda no „azul‟. Temos condições de oferecer aos associados um clube com bastante saúde”

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. O que prejudicou o clube no

passado foram as dívidas trabalhistas e dívidas com a União, por ser um terreno da Marinha onde se localiza a sede. As principais despesas do clube são com folha de pagamento de funcionários e eventualidades, enquanto que as principais receitas são provenientes

do

aluguel do salão, mensalidade dos sócios, e aluguel dos espaços, como por exemplo, restaurante, academia de ginástica, sala de massagem, academia de dança de salão e taxa de garagem dos barcos. É importante salientar que o clube ainda realiza o seu baile momesco, o Baile do Hawai, sempre na semana anterior ao carnaval. Para alavancar o número de sócios a direção do clube tem projetos de recuperação do ginásio em parceria com o poder público. Ele ainda explica que a situação do ICAJU é muito superior a de outros Iate Clubes do Nordeste. O Decano da Fundição, uma das alcunhas do Cotinguiba, por sua vez já contou com mais de 7 mil sócios, mas apenas 2 mil contribuíam, pois nessa soma contava também com os sócios remidos, sócios atletas e dependentes, isso na década de 1980. Atualmente, o clube conta com mais de mil sócios, embora, apenas 110 sócios adimplentes. Para sobreviver, a associação é o locador de uma pequena parte do terreno para a instalação de uma antena telefônica, faz parceria com sindicatos e associações de classe para uso das instalações do clube em troca de uma quantia financeira e arrenda o bar da sede. Tem como projetos resgatar o baile carnavalesco de modo a aumentar o número de sócios. Já chegou a promover dentro

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SOBRAL, Fernando. Entrevista concedida ao autor. Aracaju/SE, 16 de setembro de 2013.

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do espaço alviceleste serestas, tertúlias literárias, apresentação de peças teatrais e, até, criação de um círculo filosófico com a presença de intelectuais sergipanos, como: José Silvério Leite Fontes, Ofenísia Freire, Antônio Garcia Filho, José Rosa de Oliveira Neto, Eduardo Garcia, entre outros. Detalhe curioso, os presidentes entrevistados têm uma relação com os clubes que administram como se fosse uma segunda casa. O atual comodoro do Iate, por exemplo, tem uma vida inteira dedicada ao clube, pois o frequenta desde os 6 anos de idade, além do que, o próprio irmão também já foi comodoro; o pai de Wellington Mangueira, por exemplo, já ocupou diversos cargos internos, além de ter sido atleta de remo, já foi conselheiro, presidente do conselho deliberativo, presidente do clube, tesoureiro. Ambos citaram como razões para o declínio da festa de carnaval e da ausência do uso cotidiano dos clubes o Pré-Caju (a prévia carnavalesca da cidade, considerada a maior do Brasil), que acontece a poucas semanas do carnaval, questão, na qual, ambos os dirigentes fazem severas críticas ao poder público por ser conivente com esse festejo; a “descoberta” pela elite das praias do Mosqueiro, da Caueira, do Saco, Abaís, e ainda relataram as disputas com os novos modelos de condomínios, que constroem verdadeiros clubes internos. Ou seja, fatores externos à vida social aracajuana, como o carnaval baiano e o modelo de vida nos condomínios fechados têm sido responsávels pelo esfacelamento de uma das práticas mais características da aracaju provinciana de antigamente. Concordamos que o direcionamento do lazer para outros espaços, como os condomínios residenciais, que contam com piscinas, quadras esportivas, academias próprias, salões de festa e de jogos, além da maior exploração da praia como modalidade de lazer, impulsionada, principalmente após os investimentos na urbanização da Orla da praia de Atalaia, edificada em meados dos anos 90 do século XX, que é um espaço de lazer de outro tipo, mais aberto, público, e não privado, restrito, como é em um clube. Há, também, a demasiada importação de modelos vindos dos centros urbanos mais dinâmicos culturalmente, que a originalidade das inovações no lazer em relação à globalização cultural, alimenta-se, sobretudo, da tradição. Que, inclusive, só teve uma continuidade, até porque a instalação dos clubes foi um desses modelos importados. Então, existe, de fato, uma incompatibilidade desse modelo de clube social – que pode parecer arcaico para algumas pessoas, um modelo restritivo – com a atual formação da sociedade? Verificamos que sim, há essa incompatibilidade. O clube atualmente tem um modelo de gestão estagnado que não atrai o público da classe alta, nem da classe média e, muito 61

menos, da classe baixa; nem o jovem e nem o adulto. Através das entrevistas com os dirigentes fica claro que o modelo passado de direção das associações tem que ser modificadas para não ocorrer o que o ocorreu com a Associação Atlética, a qual ficou “atolada” em dívidas até se extinguir, tal qual a estrutura concreta de sua sede, que se encontra hoje em ruínas. Ocorreu uma especialização, digamos, dos meios de entretenimento, hoje podemos encontrar: casas de espetáculos, bares, restaurantes, segmentados às particularidades coletivas, por exemplo, espaços para pessoas que gostam de rock ou samba ou choro ou jazz. Nos usos do lazer atualmente se tem o avanço dos meios de comunicação de massa, urbanização e industrialização acentuadas que estandardizam os modos e meios de usufruir o tempo livre. Quando, antigamente, todos estes lugares poderiam ser encontrados nos clubes. E essa reformulação da maneira como se usufrui o lazer também acontece de norte a sul do país, não é uma exclusividade aracajuana como comprova matérias jornalísticas investigando a causa do definhamento dos clubes sociais no Brasil. Percebemos que os clubes pesquisados já deixaram há muito tempo, lamentavelmente, de estar no cotidiano dos aracajuanos. Os clubes já não fazem parte dos códigos e preferências entre as classes da cidade, se tornou ultrapassado, deixou de ser moderno. Isto é reflexo do novo modo de lazer do aracajuano que também se refletiu nos cinemas, com a extinção das antigas e tradicionais casas de exibição de filmes; atualmente Aracaju é dominada, como boa parte do Brasil, pelas salas de cinema multiplex somente encontrados nos shoppings. O que se pôde depreender da pesquisa é que foram através desses espaços de lazer que Aracaju entrou no mundo “civilizado” do século XX ao criar o “hábito e um local específico da diversão”. O clube é um espaço restrito que no decorrer do seu desenvolvimento e das suas práticas distinguiam os sócios do restante da camada populacional da cidade, e ao mesmo tempo em que permitia uma identificação maior entre eles confiantes de compartilharem uma cultura exclusiva.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A cidade de Aracaju, que foi construída pelos governantes de Sergipe para que a província acompanhasse a modernidade, parece que ficou impregnada pela vontade daqueles homens. Sempre que possível a elite fez questão de se esquecer do passado colonial, ou ao menos, naqueles momentos em que tal passado não lhe convinha. E a cidade foi crescendo com o passar do tempo, despertando o interesse de estrangeiros e tabaréus. Com os primeiros vieram também os novos hábitos e costumes, a Belle Époque à sergipana, presente em traços tão sutis e, às vezes, quase imperceptíveis. O hábito de pegar bonde para se locomover, comunicar-se através do telefone ou telégrafo, escutar rádio, ir ao cinema, e, também, de se exercitar, embelezar e fortalecer o próprio corpo praticando alguma atividade física. Foi nesse contexto que surgiram os primeiros clubes, no bojo da moda atlética, do remo e do entretenimento. Nessa época ainda, eles dividiam com a Praça Fausto Cardoso a preferência dos habitantes pelos tipos de entretenimento, sobretudo em ocasiões festivas como o carnaval, o São João e o Réveillon. Os clubes tinham “áreas de atuação” delimitadas, divididas, entre zona norte, central, oeste e sul, levando-se em consideração como ponto orientador desses limites o Quadrado de Pirro; mas mesmo assim, não era impedimento uma pessoa que morasse no Aribé ir se divertir no Chica Chaves, ou vice-versa. Graças aos recursos minerais da terra do Cacique Serigy, esse crescimento se acelerou ainda mais com a descoberta do ouro negro na cidade de Carmópolis na década de 1960, o que permitiu um grande desenvolvimento econômico do Estado e, por conseguinte, da capital, atraindo para ela, um grande contingente populacional, sobretudo a partir da década de 1970, época que coincide com a chegada a Aracaju da Petrobrás. Foram se aglutinando por essas terras gente de outras partes do Brasil e do mundo, sendo mais comum encontrar não-nativos. Com eles também vieram novos valores culturais que foram acrescentados aos costumes da capital sergipana. Nessa época, os clubes já estavam mais do que consagrados como instituições integradoras da sociedade sergipana. Uma pessoa da classe média, por exemplo, não pensava em brincar o carnaval em outro lugar a não ser no Vasco, no Cotinguiba, no Iate ou na Atlética. É importante, inclusive para a história da cidade, sempre que possível lembrar-se da importância que essas associações tiveram na construção identitária do aracajuano mais antigo. Ora, devemos nos lembrar que o Cotinguiba e o Sergipe, por exemplo, persistem a 63

duras penas no círculo da sociedade da capital a mais de 100 anos, ambos são umas das instituições civis mais antigas ainda em atividade do estado. Eles são anteriores à Diocese de Aracaju, a principal instituição eclesiástica, por exemplo, que é de 1910. São, de fato, instituições civilizadoras, no sentido eliasiano, pois se trata de entidades que disciplinaram o uso das emoções fortes no entretenimento e por muito tempo, foram a “válvula de escape” do descontrole para as pessoas que precisavam extravasar nos períodos de folga. Se essas instituições não fossem importantes para esse disciplinamento da fruição, as pessoas com mais de 30 anos de idade não estariam, ainda nos tempos atuais, relembrando os fatos e as situações que as marcaram e nem lamentando o momento atual dessas instituições. O que não podemos deixar de notar é a re-significação das manifestações festivas promovida pelos clubes, os quais não apenas modificaram padrões sociais, com o florescer dos bailes em datas específicas, mas também, um novo tipo de identidade cultural. Esse fato social, em seu sentido durkheimiano, faz parte do contexto da sociedade aracajuana notadamente desde a segunda metade do século XX, contando com um nível decente de publicidade, modificando a cidade nas suas datas festivas e através do cotidiano. O problema que abordamos neste trabalho foi a da transformação de um espaço típico de lazer, que teve seu auge durante 30 anos, entre as décadas de 1960 e 1980, foram responsáveis pela popularização do lazer da população, impulsionados pelo intenso crescimento demográfico da cidade e pelo crescimento econômico do Estado. Por exemplo, o pai poderia jogar tênis, a mãe fazer aeróbica, a filha natação, o filho futebol de salão, e no final do dia todos se encontrariam no restaurante do clube para comer alguma coisa. E foi se desvanecendo esse espaço em razão de outras novas formas de lazer, de uso mais amplo como a praia e os condomínios residenciais, cujos serviços supriram aqueles que eram oferecidos pelos clubes. Atrelado a isso, houve a má administração de alguns dirigentes e o modelo arcaico da gestão das associações. Devemos lembrar que a construção de todo esse material não foi fácil, porque ao se tratar do passado podemos nos deparar com a inexatidão e a ambiguidade das palavras e dos textos. Mesmo nos procurando assegurar, de maneira cuidadosa, das informações verídicas que nos foram sendo expostas seja através da oralidade do entrevistado ou das letras dos jornais e livros, foi algo exigente. Portanto, vimos que a nossa hipótese sobre a decadência dos clubes, acabou se comprovando e através das entrevistas com pessoas envolvidas com o meio e de conversas informais com alguns sócios fomos mais além das razões da queda dessas instituições. Além 64

do surgimento de novos espaços de lazer mais dinâmicos e da inclusão de aparelhos, antes quase que exclusivos aos clubes, agora também em condomínios residenciais, há as disputas de preferência com as praias do litoral norte e sul do Estado. Outro fato que prejudica os clubes é a conivência do poder público com a realização do Pré-Caju a poucas semanas do carnaval que divide o folião em qual festejo empregar seu dinheiro. Também foi constatado que o modelo de gestão dos clubes tem que ser modificado para acompanhar a dinamicidade dos novos elementos de entretenimento que vão surgindo. O modelo passado de se sustentar através de sócios e algumas festas no salão da instituição não são mais auto-sustentáveis, por isso, os dirigentes atuais fazem empréstimos bancários45 e parcerias de locação de espaços internos para se manterem vivos 46.

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MANGUEIRA, Wellington. Entrevista concedida ao autor. Aracaju/SE, 16 de setembro de 2013. SOBRAL, Fernando. Entrevista concedida ao autor. Aracaju/SE, 16 de setembro de 2013.

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Jornal Correio de Aracaju 23/06/1915 Jornal Correio de Aracaju de 31/12/1915 Jornal Correio de Aracaju de 23/06/1920 Jornal Correio de Aracaju de 29/12/1926 Jornal Correio de Aracaju de 18/02/1930 Jornal Correio de Aracaju de 25/06/1930 Jornal Correio de Aracaju de 31/12/1930 Sergipe-Jornal de 15/02/1935 Jornal Correio de Aracaju de 28/06/1935 Jornal O Estado de Sergipe de 31/12/1935 Jornal O Estado de Sergipe de 23/06/1936 Jornal O Estado de Sergipe de 31/12/1936 Jornal Correio de Aracaju de 03/02/1940 Jornal Correio de Aracaju de 23/06/1940 Jornal Correio de Aracaju de 23/06/1942 Sergipe-Jornal de 29/12/1943 Jornal Correio de Aracaju de 08/02/1945 Jornal Diário de Sergipe de 23/06/1945 Jornal Diário de Sergipe de 31/12/1950 Jornal Diário de Sergipe de 23/06/1953 Jornal Diário de Sergipe de 21/06/1956 Jornal Gazeta de Sergipe de 24/06/1959 Jornal Gazeta de Sergipe de 26/02/1960 Jornal Gazeta de Sergipe de 23/06/1960 Jornal Gazeta de Sergipe de 30/12/1960 70

Jornal Gazeta de Sergipe de 25/02/1965 Jornal Gazeta de Sergipe de 23/06/1965 Jornal Gazeta de Sergipe de 31/12/1965 Jornal Gazeta de Sergipe de 31/12/1970 Jornal da Cidade de 07/02/1973 Jornal de Sergipe de 20/06/1975 Jornal Gazeta de Sergipe de 31/12/1975 Jornal Gazeta de Sergipe de 21/02/1977 Jornal de Sergipe de 23/02/1979 Jornal de Sergipe de 24/02/1979 Jornal Gazeta de Sergipe de 23/06/1979 Jornal Gazeta de Sergipe de 08/02/1983 Jornal Gazeta de Sergipe de 03/03/1984 Jornal de Sergipe de 03/03/1984 Jornal da Cidade de 08/03/1984 Jornal de Sergipe de 15/02/1985 Jornal Gazeta de Sergipe de 17, 18, 19 e 20/02/1985 Jornal Gazeta de Sergipe de 31/12/1986 Jornal Gazeta de Sergipe de 21/02/1987 Jornal Gazeta de Sergipe de 28/12/1987 Jornal Gazeta de Sergipe de 21/02/1990 Jornal da Cidade de 24/02/1995 Jornal da Cidade de 04/03/2000

71

FONTES ORAIS LÔBO, Paulo. Entrevista concedida ao autor. Aracaju/SE, 08 de agosto de 2013. MANGUEIRA, Wellington. Entrevista concedida ao autor. Aracaju/SE, 16 de setembro de 2013. MELINS, Murillo. Entrevista concedida ao autor. Aracaju/SE, 13 de agosto de 2013. SANTOS, Osmário. Entrevista concedida ao autor. Aracaju/SE, 26 de agosto de 2013. SOBRAL, Fernando. Entrevista concedida ao autor. Aracaju/SE, 16 de setembro de 2013.

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ANEXO

Figura 8 - Baile carnavalesco no C.S. Sergipe em 1938. Fonte: BARRETO, Armando. Cadastro industrial, comercial, agrícola e informativo de Sergipe. [s.l.]: [s.n.], 1938.

Figura 9 - Baile de Carnaval realizado na antiga sede do C.S. Sergipe localizada na Avenida Ivo do Prado, com a presença do Rei Momo, da Rainha e princesas do Carnaval (infelizmente, não foi encontrado o ano desse baile). Fonte: RODRIGUES, Zoroastro. Acervo digital. Disponível em . Acesso em 01 out 2013.

73

Figura 10 - Baile de carnaval no Cotinguiba, na década de 60. Em destaque, a banda do maestro Eutímio. Fonte: FERREIRA, Mesmer. Acervo. Disponível em . Acesso em 10 out 2013.

Figura 11 - Baile momesco no Iate. Fonte: IATE CLUBE DE ARACAJU. Arquivo. Disponível em . Acesso em 10 out 2013.

74

Figura 12 - Baile de Carnaval no Iate Clube de Aracaju em 1975. Fonte: CHAVES, Rubens. Aracaju pra onde você vai? Edição do autor, 2004.

Figura 13 - Um veículo participante do desfile dos calhambeques em 1977. Fonte: Jornal Gazeta de Sergipe de 21/02/1977.

75

Figura 14 - Foliões na Praça do Povo no carnaval de 1983. Fonte: Jornal Gazeta de Sergipe de 08/02/1983.

76

Figura 15 - Foliões na Praça (Clube) do Povo no carnaval de 1984. Fonte: Jornal da Cidade de 08/03/1984.

77

Figura 16 - Decoração do salão do Cotinguiba no carnaval de 1984. Fonte: Jornal Gazeta de Sergipe de 03/03/1984.

Figura 17 - Anúncio do carnaval de 1984 na Atlética. Fonte: Jornal de Sergipe de 03/03/1984.

78

Figura 18 - Salão decorado do ICAJU no carnaval de 1984. Fonte: Jornal Gazeta de Sergipe de 03/03/1984.

Figura 19 - Calhambeque participante, desta vez do desfile de 1987. Fonte: Jornal Gazeta de Sergipe de 21/02/1987.

79

Figura 20 - Baile carnavalesco no Cotinguiba. FONTE: MELINS, Murillo. Aracaju romântica que vi e vivi: anos 40 e 50. 3. ed. Aracaju: UNIT, 2007.

80

Figura 21 - Encontro de foliões do Iate e do Cotinguiba. FONTE: MELINS, Murillo. Aracaju romântica que vi e vivi: anos 40 e 50. 3. ed. Aracaju: UNIT, 2007.

Figura 22 - Réveillon na Atlética. FONTE: MELINS, Murillo. Aracaju romântica que vi e vivi: anos 40 e 50. 3. ed. Aracaju: UNIT, 2007.

81

Figura 23 - Fachada da Atlética. FONTE: MELINS, Murillo. Aracaju romântica que vi e vivi: anos 40 e 50. 3. ed. Aracaju: UNIT, 2007.

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