TECENDO A HISTÓRIA DO BAIRRO: MEMÓRIA E EXPERIÊNCIA COMUNITÁRIA NO JARDIM BRASÍLIA

June 1, 2017 | Autor: J. Andrade Costa | Categoria: Psicología Social, Memoria, Psicologia Social Comunitaria
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TECENDO A HISTÓRIA DO BAIRRO: MEMÓRIA E EXPERIÊNCIA COMUNITÁRIA NO JARDIM BRASÍLIA No Brasil, e em outros países da América Latina, desde a segunda metade do século XX, a Psicologia Social Comunitária tem assumido um compromisso com o desenvolvimento de comunidades e se orientado para a transformação social. Este trabalho é a síntese de três anos de atividades acadêmicas (pesquisa e extensão) desenvolvidas com, para e na comunidade. Elegeu-se a memória coletiva como recorte temático para conhecer história de um bairro da periferia urbana da cidade de São Paulo, narrada por alguns dos moradores antigos. Para tanto, foi utilizada metodologia de Pesquisa-Ação Participante, de abordagem qualitativa. Foi possível conhecer aspectos da história do bairro, tais como: o desenvolvimento urbano; o papel do futebol na dinâmica comunitária; a presença da religião e; as lutas sociais recentes no bairro. Conclui-se que o processo de recuperação da memória do bairro mostrou-se importante para o fortalecimento comunitário, tal como este conceito vem sendo desenvolvido pela Psicologia Comunitária latino-americana. Por fim, são apresentadas algumas reflexões a respeito da importância da Psicologia Social Comunitária para a formação e atuação profissional de psicólogos(as) em algumas áreas das Políticas Públicas.

Palavras-Chave: Psicologia Comunitária; Fortalecimento Comunitário; Memória Social, Pesquisa Participante.

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CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Curso de Psicologia

José Fernando Andrade Costa

TECENDO A HISTÓRIA DO BAIRRO: MEMÓRIA E EXPERIÊNCIA COMUNITÁRIA NO JARDIM BRASÍLIA

Orientadora: Profa. Dra. Thaís Seltzer Goldstein Examinador: Prof. Dr. Mário de Souza Costa

São Paulo 2013

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1. INTRODUÇÃO

Segundo Costa e Maciel (2009) existem poucos estudos sobre Histórias de Bairro no Brasil, possivelmente em decorrência da tendência da historiografia para privilegiar o geral em detrimento da compreensão do regional. É possível que “a grande lacuna existente com relação aos estudos de bairros urbanos seja decorrente das dificuldades que cercam a multiplicação da experiência analítica de bairros” (COSTA; MACIEL, 2009 p.62). No campo específico da Psicologia Social, o estudo sobre a História de Bairro é importante porque um bairro pode ser considerado tanto como um espaço físico (geográfico) quanto afetivo (relacional) no qual ocorrem relações cotidianas de sujeitos pertencentes a um determinado grupo social historicamente constituído. No imaginário social é comum que alguns bairros sejam considerados “comunidades” (em geral, os “bairros populares”, especialmente aqueles situados nas periferias ou as favelas), sem a devida distinção das relações que compõem cada uma destas noções. Um determinado bairro pode ou não constituir-se como comunidade, ao passo que uma comunidade não necessariamente corresponde unicamente a um bairro. Nesse sentido, a pesquisa em psicologia comunitária direcionada a conhecer as nuances desta relação (comunidade-bairro) deve levar em consideração as dimensões psico-espaciais para o reconhecimento da experiência comunitária (RAMOS & CARVALHO, 2008). A própria definição de comunidade traz complicações teóricas importantes. Segundo Sawaia (2007), “comunidade” é um conceito tão antigo quanto a história das ideias. Na história das ciências humanas, o sociólogo alemão Ferdinand Tönnies foi o primeiro a expressar o debate entre sociedade (Gesellschaft) e comunidade (Gemeinschaft), propondo uma estrutura tipológica da ideia de comunidade. Segundo o autor, Todos os sentimentos nobres como o amor, a lealdade, a honra, a amizade são emoções de Gemeinschaft (Comunidade) sendo que na Gesellschaft (Sociedade) não há nada de positivo do ponto de vista moral. Nela os homens não estão vinculados, mas divididos. Ela aparece na atividade aquisitiva e na ciência racional e sua base é o mercado, a troca e o dinheiro. (TÖNNIES, apud SAWAIA 2007, p.40)

Nesse sentido, o conceito de comunidade comporta todos os aspectos positivos das vinculações afetivas de solidariedade, sendo seu protótipo a família enquanto o conceito de sociedade representa as relações baseadas nos interesses pessoais e na competitividade, sendo seu protótipo o mercado. Esta definição tipológica, elaborada no contexto do final do século XX opõe comunidade e sociedade, idealizando esta primeira como o âmbito mais próximo da vida cotidiana dos indivíduos (micro) enquanto a segunda se refere os aspectos mais distantes

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das ações dos indivíduos (macro). Essa dicotomia dificulta a compreensão da multiplicidade de fatores que dão sentido à comunidade em sua relação dialética com o todo social enquanto esfera de ação e transformação da vida cotidiana. De acordo com Sawaia (2007), a comunidade se apresenta como movimento de recriação permanente da existência coletiva, rompendo com a dicotomia clássica entre coletividade e individualidade, por onde fluem experiências sociais vividas como realidade do Eu e que são compartilhadas intersubjetivamente, capazes de promover a transformação social. O predicado “comunitário” contém valores específicos que permitem o amadurecimento e desenvolvimento das potencialidades humanas, portanto, compreende o substrato ético-político das relações interpessoais. De acordo com Ozório (2007), a noção de comunidade é, sobretudo, práxis, ou seja, um “processo que está sempre em vias de se compreender, de constituir seu conceito, mas que procura, se esforça ao mesmo tempo para ultrapassar todo conceito dado ou fixado em si mesmo, de seu real e de sua realidade” (AGAH, apud OZÓRIO, 2007, p.32). Nesse sentido, a comunidade é um real que tem sua verdade, sua memória e sua história sempre aberta àquilo que é em comum: “comunidade é alguma coisa que resta em aberto (...) que tem uma chance comum de se superar, não se constituindo numa estrutura fechada, como identificação, como fusão (...) e suas tensões, seus conflitos evitam que se caia na mítica da boa comunidade” (OZÓRIO, 2007, p.35). No campo da Psicologia Comunitária latino-americana desenvolvida por Maritza Montero (2004), a noção de comunidade corresponde a um grupo de pessoas que em sua inter-relação gera um sentido de pertencimento e identidade social, a partir do qual seus integrantes tomam consciência de si como grupo e fortalecem-se como unidade e potencialidade social. A autora ressalta que a inter-relação frequente entre os membros da comunidade é marcada pela ação, afetividade e conhecimento construído no cotidiano. Constitui, portanto, um grupo histórico que possui certa organização e pluralidade de possibilidades como parte de sua dinâmica que, inclusive, podem incluir em suas relações internas situações conflitivas. Para o estudo da história de uma comunidade, é importante considerar o caráter coletivo da memória. De acordo com Maurice Halbwachs, a memória é um fato social (BOSI, 2004a, 2004b). A substância da memória está localizada no grupo social. Assim como as pessoas pertencem a diferentes grupos sociais ao mesmo tempo, também a memória de um mesmo fato pode ser localizada em muitos “quadros”, o que resulta em distintas memórias coletivas. Para o autor, o ato de lembrar não é reviver o passado no presente, mas refazer,

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reconstruir, repensar, com imagens e ideias de hoje, as experiências do passado. As possibilidades de recordar estão inextrincavelmente ligadas ao contexto social de cada indivíduo, que constitui a memória coletiva de um grupo. Para Pollak (1992), a memória é um elemento constituinte do sentimento de identidade, tanto individual como coletiva, na medida em que ela é também um fator extremamente importante do sentimento de continuidade e de coerência de uma pessoa ou de um grupo em sua reconstrução de si. A construção da identidade é um fenômeno complexo, que se produz em referência aos outros, aos diversos acordos e negociações que o indivíduo realiza para com o mundo. Desse modo, memória e identidade podem perfeitamente ser negociadas e não são fenômenos que devam ser compreendidos como essências de uma pessoa ou grupo. Pollak propõe que se pense a dinâmica da memória em relação à formação de “identidades coletivas”, ou seja, a todos os investimentos que um grupo deve fazer, ao longo do tempo, para dar a cada membro o sentimento de unidade, de continuidade e de coerência (POLLAK, 1992).

2. OBJETIVO Conhecer a história do bairro Jardim Brasília à luz da memória coletiva e da experiência comunitária de moradores antigos.

3. PROCEDIMENTOS 3.1.

O método utilizado

A partir dos referenciais teórico-metodológicos da Psicologia Comunitária desenvolvida na América Latina (MONTERO, 2006), esta pesquisa procurou conhecer a história de um bairro específico, o Jardim Brasília, por meio de histórias de moradores e moradoras antigos no bairro. Nesse sentido, a realização da pesquisa se deu de forma participativa, reflexiva e crítica, aberta aos agentes internos da comunidade interessados, que foram consultados em diversos momentos. Portanto, o método utilizado nesta pesquisa foi a Pesquisa-Ação Participante1 e os procedimentos de coleta de dados foram trabalhados com a comunidade em três etapas:

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Segundo Montero (2006), este é o método por excelência no campo da Psicologia Comunitária.

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A) Estudo exploratório – participação do pesquisador em duas reuniões da Associação do Bairro, apresentação e ajustes do projeto, levantamento do roteiro de pesquisa e seleção dos sujeitos entrevistados; B) Entrevistas – realização das entrevistas (individual ou em grupo) sobre a história do bairro; C) Avaliação sistemática dos resultados – transcrição e redação dos resultados das entrevistas e apresentação da primeira versão da monografia para avaliação dos membros da comunidade. Esse processo de avaliação sistemática com a comunidade se deu durante uma reunião da Associação de Moradores. 3.2.

Sobre as entrevistas realizadas

Durante duas reuniões da Comissão de Moradores2 conversei com os membros da comunidade sobre como seriam as entrevistas para realização da pesquisa. Inicialmente, seis categorias amplas foram levantadas: 1) infraestrutura e urbanização; 2) esporte, cultura e lazer; 3) religiões; 4); política 5) trabalho, comércio e indústria; e 6) histórias e personagens “folclóricas”3. Essas categorias foram obtidas após conversas sobre histórias ou pessoas interessantes para narrar a história do bairro. No entanto, dados os limites cronológicos para execução deste trabalho, foram abordados diretamente apenas os seguintes temas: 1) urbanização e infraestrutura; 2) times de futebol do bairro; 3) igrejas e 4) associação de moradores. As duas outras categorias (trabalho e histórias folclóricas) não entraram diretamente na pesquisa. Foram realizadas três entrevistas ao todo: duas em grupo e uma individual. Todas as entrevistas foram realizadas no local de trabalho ou na casa dos entrevistados4. A primeira entrevista foi realizada no bar de um morador antigo, indicado como informante-chave para falar sobre “infraestrutura e urbanização” no bairro. A entrevista ocorreu no bar do morador Zé do Caixão5 e contou com a colaboração de três outros

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“Comissão de Moradores” é o nome dado pelo grupo à Associação de Moradores do bairro.

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Essa categoria corresponderia às histórias de pessoas que por algum motivo tornaram-se conhecidas no bairro todo. Por exemplo: o Josias foi o “bandido” mais temido do bairro; quando ele soltava pipa, os outros meninos tiravam as deles, para não “cortá-lo”, e assim evitavam encrenca. Infelizmente não foi possível trabalhar com essa e outras histórias devido aos limites desse trabalho.

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A pesquisa contou com “Carta de Apresentação” e “TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido” devidamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição de Ensino. 5

Apelido decorrente do fato de ter trabalhado por muitos anos fazendo caixões para o serviço funerário. Poucas pessoas no bairro sabem qual é realmente o nome do “Sr. Zé do Caixão”.

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informantes-chave6: Rute, Miro e Zé Vitor. Os resultados desta entrevista orientaram o capítulo de apresentação do bairro (item 4.1 deste trabalho). A segunda entrevista ocorreu na casa do Miro. O tema foi “futebol no bairro” e contou com a presença e participação, além do Miro, do Serginho e do Marquinho, dois diretores de um time de futebol do bairro. O capítulo sobre o futebol no bairro foi elaborado a partir dos resultados dessa conversa (item 4.2 deste trabalho). A terceira entrevista foi individual, com a Rute, na casa dela. Durante a conversa, foram abordados dois temas principais: a “religião no bairro”, especialmente as igrejas evangélicas (item 4.3) e ação política, ou mais especificamente, a “Comissão de Moradores” (item 4.4). Além das três entrevistas e das discussões nas reuniões da Comissão de Moradores, outros dados foram sendo colhidos em ambientes informais. Por exemplo, o depoimento do Wilson foi obtido durante um jogo de campeonato realizado no Centro Esportivo em outro bairro. Fui até esse jogo por convite do Miro. Na descrição sobre a história da igreja católica, os dados foram obtidos a partir de uma publicação da própria igreja, circulada em 2008, com o título “31 anos da comunidade Bom Pastor”. Os capítulos foram escritos com base na sequência e resultados das entrevistas, porém cada capítulo não se restringe unicamente à entrevista a que se refere. Várias intersecções foram consideradas pertinentes e aplicadas na construção do texto. Além disso, foram inseridas algumas fotos ilustrativas de diferentes épocas do bairro no corpo do texto, de acordo com o tema tratado no capítulo. Cabe ressaltar, ainda, que a opção de colocar as fotos no corpo do texto, e não em anexo, se deve ao fato de considerá-las como parte da estrutura argumentativa do trabalho7.

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O termo “informante-chave” é utilizado por Montero (2006) para indicar aquelas pessoas que podem contribuir com depoimentos representativos de algum aspecto da história da comunidade. 7

As fotos foram gentilmente cedidas pelo o Miro e pela Rute, que contribuíram para a escolha e contextualização das figuras, especialmente durante as reuniões de análise/avaliação dos resultados.

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4.

TECENDO A HISTÓRIA DO BAIRRO8

4.1.

Apresentando o bairro

O Jardim Brasília é um bairro residencial, situado no limite do distrito da Brasilândia, Zona Norte de São Paulo, próximo à Serra da Cantareira9. A principal via de acesso do bairro aos centros comerciais da cidade é a Avenida Deputado Cantídio Sampaio, avenida que também o separa de outros bairros e conjuntos residenciais, como o Jardim Vitória-Régia e o Residencial Camélias. O Córrego da Onça completa o contorno do bairro, separando-o da COHAB Taipas e do Recanto das Estrelas, e definindo o limite do Distrito Administrativo da Brasilândia.

Figura 2: Mapa do Jardim Brasília. Fonte: elaboração própria (consulta: Google Maps).

No início do século XX, as áreas do norte da cidade próximas à Serra da Cantareira, que hoje formam o distrito da Brasilândia, eram compostas por sítios e chácaras de cana de açúcar. Com o processo de expansão da região metropolitana a partir da década de 1940, vários bairros começaram a ser loteados e passaram a receber famílias de trabalhadores, principalmente migrantes de outros estados que vinham em busca de “melhorar a vida” na “cidade do progresso”.

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Este capítulo conjuga a apresentação e análise dos resultados das entrevistas e reuniões de avaliação. O Jardim Brasília fica localizado a um raio de aproximadamente 14 quilômetros do centro da cidade (Praça da Sé), segundo o Guia Cartoplam São Paulo, 2008.

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Entre 1940 e 1980, período de maior crescimento demográfico da cidade de São Paulo, a “autoconstrução” de moradias nas periferias foi o modo mais comum da produção do espaço (KOWARICK, 2009). A edificação da maioria das casas nos bairros da periferia acabou sendo fruto do trabalho das próprias famílias que adquiriam os terrenos, fosse pelas próprias mãos ou com a solidariedade de vizinhos e amigos. A construção do imóvel levava vários anos, às vezes várias décadas e, até hoje, não é difícil observar moradias com aparência de incompletude, como se ainda estivessem por ser terminadas. O processo mais comum era o de as famílias ocuparem o terreno recém-adquirido construindo um barraco nos fundos e de lá puxarem toda a estrutura da casa. Esse é o caso, por exemplo, da família do Miro, que chegou ao Jardim Brasília em 1976: “Vim de Adamantina, interior de São Paulo com meus pais e meus irmãos devido as condições de vida que estavam ruins lá no interior (...) Meus tios moravam aqui já, então meu pai veio um mês antes, pra ver se conseguia um terreno. Aí a gente viemos, ele já tinha comprado esse terreno que a gente mora, era um barraquinho, de dois cômodos pra gente morar em sete pessoas. Estava caindo o barraquinho, ele teve (que) dar uma ajeitada pra gente morar. Ficamos morando um bom tempo nesse barraquinho, depois ainda veio minha irmã, o marido dela e minha sobrinha. Eles moraram uns tempos com a gente.” (Miro – Entrevista 1)

Por vezes, a chegada ao bairro era viabilizada solidariamente por outras pessoas, como no caso do Zé do Caixão, que chegou em 1968: “Eu devia ter uns trinta e poucos anos, cheguei aqui no final de 1968, meus filhos eram pequenos. (...) eu vim pra cá e fiz um barraco. O Zé Antônio, que o apelido era Zé Dentão, já tinha feito um poço pra mim. O finado Lerinha já tinha feito o barraco. Já estava meio encaminhado pra mim.” (Zé do Caixão – Entrevista 1)

Os terrenos eram adquiridos a preços baixos, com grandes facilidades de pagamento, mas em contrapartida, não havia infraestrutura básica para se morar (KOWARICK, 2009). Segundo Kowarick (2009), a omissão do Estado em relação às regiões periféricas da cidade foi considerada como um “laissez-faire urbano” regulado pelo enorme aumento da especulação imobiliária nesse período. Esse modo de desenvolvimento do processo urbano foi chamado por Kowarick (1993) de “lógica da desordem”. Esses terrenos ilegais do ponto de vista da legislação urbana representavam a desobrigação dos poderes públicos em realizar investimentos. Contudo, em prazos mais longínquos, significariam enormes custos para urbanizá-los, dado a forma rarefeita e desordenada de ocupação destes locais, que frequentemente pipocavam pelas encostas íngremes e vales alagáveis. Obviamente, a “clandestinidade” ou “ilegalidade” era apenas formal, pois os órgãos públicos não só tinham conhecimento desta modalidade de expansão urbana, como acabaram por aceitar que ela se tornasse a regra dominante no processo de ocupação do solo. (KOWARICK, 2009, p.165)

Na expansão da cidade, o ônus da produção do espaço foi deixado a cargo da própria classe trabalhadora, já explorada pelo processo de reprodução do capital, em uma espécie de

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“mais valia absoluta urbana” (KOWARICK; MARQUES, 2011, p.10). Esse aspecto foi chamado de “espoliação urbana” por Kowarick (1993) em um conjunto de estudos realizados durante a década de 1970. Segundo o autor, o processo de espoliação urbana consiste no “somatório de extorsões que se operam através da inexistência ou precariedade de serviços de consumo coletivo, apresentados como socialmente necessários em relação aos níveis de subsistência, e que agudizam ainda mais a dilapidação realizada no âmbito das relações de trabalho” (KOWARICK, 1993, p.62). O único serviço público garantido pelo Estado era o transporte para que os trabalhadores chegassem aos locais de trabalho. Os primeiros moradores do Jardim Brasília, para terem acesso ao transporte, tinham que caminhar alguns quilômetros até a Parada de Taipas ou ao Largo da Parada, para tomar o ônibus. Zé do Caixão lembra que o apelido do ônibus que passava na Parada de Taipas era “Cata-Louco”10. No final da década de 1960, quando o Jardim Brasília começou a ser desenhado como um bairro habitacional, as primeiras ruas eram a José Gervásio de Souza, Bernardo Pires da Silva e a Monte Alegre do Sul11. As ruas não eram asfaltadas e não havia iluminação pública12. “Quando eu cheguei aqui estrada não existia, só tinha estrada de terra. Nem máquina vinha para passar naquela estrada. (...) Luz aqui não tinha, era na base do lampião.” (Zé do Caixão – Entrevista 1) “A Rua Monte Alegre era um trilho. Não tinha acesso pra entrada de caminhão e para entrega de material de construção. (...) Jardim Brasília naquela época lá era só matagal, não tinha água, não tinha iluminação pública, não tinha esgoto. Era um caos total.” (Zé Vitor – Entrevista 1)

A energia elétrica residencial foi instalada em meados da década de 1970, ao passo que o asfaltamento das primeiras ruas e a iluminação pública só vieram no início da década seguinte, quando o bairro começava a crescer demograficamente. Entre as décadas de 1960 e 2000, fábricas de médio porte, como Yadoia, Ítala e Novatração13, foram responsáveis pela geração de muitos postos de trabalho ocupados por moradores de vários bairros da zona norte, inclusive o Jardim Brasília. Esse fator contribuiu 10

O ônibus era chamado de “cata-louco” porque vinha de Franco da Rocha, cidade do Hospital Psiquiátrico Judiciário Dr. Franco da Rocha, antiga vila de Juqueri. Esse hospital funcionou por muitos anos em um modelo manicomial e gerou no imaginário das vilas ao seu redor o preconceito de ser uma cidade de loucos.

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Ruas em destaque no mapa. Ruas localizadas na parte mais baixa do bairro, paralelas ao córrego.

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No início do loteamento as ruas não possuíam nomes próprios, eram referidas apenas por letras. Quando foram nomeadas, pelo menos na José Gervásio de Souza, lembra o Miro, havia uma placa logo abaixo do nome explicando que se referia a um pintor mineiro do século XVIII.

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Essas fábricas eram de ramos diversos. A Yadoia produzia peças para máquinas, a Ítala fabricava utensílios domésticos como peneiras e arames; a Novatração confeccionava pneus para veículos pesados.

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para o aumento populacional da região. Essas três fábricas não existem mais: a Yadoia tornou-se um conjunto habitacional (COHAB); o terreno da Novatração permanece abandonado; e no terreno da Ítala está prevista a construção do “Parque da Brasilândia”, porém o mesmo espaço foi recentemente ocupado e já conta com centenas de barracos. Na década de 1970, assim como o ponto de ônibus para acesso ao transporte coletivo, a escola mais próxima também ficava localizada na Parada de Taipas. Até hoje, “a Parada”, como é chamada, configura em relação ao Jardim Brasília, um pequeno centro urbano: onde se localizam a maioria das escolas, das lojas, galerias, supermercados, bancos etc., além da delegacia e do Hospital Geral da região. É uma referência para os moradores do Jardim Brasília em relação à cidade14. A escola Brigadeiro Eduardo Gomes, localizada entre o Jardim Brasília e a COHAB Taipas, foi construída em 1984 e a escola Profa. Eulice Silvio M. da Silva (conhecida como “Escola Jardim Brasília”) foi construída somente em 1998. Essa última abre as portas para a comunidade aos finais de semana, oferecendo diversas atividades de lazer, como jogos, ballet, brinquedoteca etc., além de cursos e outras atividades recreativas, como ginástica para idosos. É também nesta escola que ocorrem as reuniões da atual associação de moradores. A primeira entidade de organização política no bairro foi a Associação de Moradores do Jardim Brasília (AMJB), fundada em 20 de abril de 1979, por Zé do Caixão e Lúcio (outra liderança antiga, que não mora mais no bairro), entre outros. Mais tarde, no início da década de 1990, a AMJB foi presidida por Zé Vitor. As reivindicações pleiteavam a consecução de serviços de utilidade pública que eram identificados como necessidades do bairro, tais como: recapeamento/asfaltamento, iluminação e instalação de lombadas nas ruas; a instalação de telefone público comunitário (orelhão); uma agência bancária (na Parada de Taipas e não no Jardim Brasília); construção de espaços de lazer (Playground); a canalização do Córrego da Onça; um posto de saúde; entre outros. A AMJB perdeu força na metade da década de 1990 e praticamente deixou de existir e outras formas de organização associativa surgiram no bairro nas décadas de 1990 e 2000. As principais são os times de futebol e as ONG’s. Em 2008 foi fundado o Centro de Educação Social do Jardim Brasília (CESJAB), por um grupo de pessoas que atuavam na igreja católica do bairro, com intuito de avançar nas reivindicações de equipamentos para o bairro. Enquanto o CESJAB esteve em atividade, entre 2008 e 2010, buscou estabelecer uma rede com outros Centros Comunitários e fortalecer-se enquanto entidade comunitária para lograr melhorias 14

Disse Zé do Caixão: “se uma pessoa quiser vir pra cá (Jd. Brasília), tem que falar logo de Parada de Taipas. Tem que apresentar a Parada de Taipas pra depois chegar no Jardim Brasília”.

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para o bairro, como a implantação de uma creche. No entanto, as ações acabaram se concentrando apenas em poucas pessoas, o que inviabilizou a continuidade da entidade a partir do momento em que essas pessoas não tinham mais disponibilidade para dedicarem-se às tarefas.

Figura 3: foto da Rua Monte Alegre do Sul na década de 1970. Fonte: própria. Crédito: Miro.

O bairro se torna comunidade: cultivando raízes no Jardim Brasília Foi possível observar a partir das entrevistas sobre a história do bairro que hoje muitos moradores antigos se referem ao Jardim Brasília como um bairro “sossegado, pra se morar, pra se viver, pra se criar os filhos” (Serginho), “um bairro família” (Rute). Um lugar em que se vai de casa para o trabalho, mas também onde as pessoas se encontram nas ruas, nos mercadinhos, nas igrejas, nos bares etc. Um lugar em que se construiu um espaço acolhedor e seguro onde é possível a livre organização coletiva, por exemplo, em times de futebol de várzea ou associação de moradores. Essa característica essencialmente comunitária se reflete também na dialética entre mudança e estabilidade: apesar de o bairro ir se transformando com o tempo, as famílias vão crescendo e permanecendo dentro do próprio bairro. Com isso criam-se raízes e as pessoas

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vão se “acomodando”15. Ao mesmo tempo, as pessoas sentem a necessidade de mudanças para melhorar as condições de vida no bairro. “Esse bairro aqui, não tem grande coisa, é um bairro que não cresce, tá sempre igual. Aumentou as casas, mas não tem nada assim, de bem-feitoria pra gente. (...) e eu acho que aqui é um bairro que não vai, que não tem muito progresso por ser um bairro muito longe. Eu costumo dizer que é um bairro esquecido, que as prefeituras não se lembram daqui. Porque aqui fica no final da subprefeitura de Pirituba e no final da subprefeitura da Brasilândia e Freguesia. Então ninguém lembra daqui; eles não lembram. Só lembram em época de eleição para pedir votos. Eu acho também assim, por serem moradores antigos já, são pessoas muito acomodadas, eu acho que precisaria gente pra lutar mais pra conseguir benfeitorias pra esse bairro. As pessoas se acomodaram aqui.” (Rute – Entrevista 1) “Não vou falar que lá16 é um bairro ruim de morar, porque não é. Eu moro lá há muitos anos e vou ficar até não sei quando, mas que falta muita coisa lá. Muita coisa que, a gente fala, muita coisa que não teve Associação Amigos do Bairro pra... um cabeça de frente assim, pra ver as coisas, fazer as coisas, correr atrás.” (Wilson - conversa)

Para Fernandes (2005), o morar (na cidade, no bairro) constitui uma experiência de resistência cultural, carregado de significados ao mesmo tempo gerais e particulares: como na Linguagem, possui uma lógica, uma sintaxe, embora recriada a cada momento pela experiência vivida, é sempre retomada em uma nova ordem. O morar permite o atravessamento de fronteiras, a mobilidade no tempo e os diversos ritmos que constroem a comunidade; permite o enraizamento, o cultivo da cultura transmitida através de símbolos e pelas coisas: favorece a constituição da identidade. Comporta, para isso, “uma transformação para não transformar” (FERNANDES, 2005, p.83). Para alguns, o tempo seria responsável pelo sentido de familiaridade enraizado nas rotinas, nas coisas e na experiência de interioridade. O ambiente físico e o espaço construído e habitado seriam uma espécie de sustentação da memória que, em parte, estabelece quem somos, e de onde viemos. Uma identidade ligada ao passado e ao futuro. (FERNANDES, 2005, p.81)

O trânsito entre o “dentro” e o “fora” do bairro também favorece a construção do sentimento de pertencimento, como pode ser observado nas seguintes falas: “Parece que sempre eu estava fora de casa, quando eu estava fora do bairro. Eu saí algumas vezes do bairro e voltei pra cá. Eu ia (morar em outro lugar) e voltava. E sempre que eu estava em outro lugar – que eu fui morar lá no centro da cidade, numa quitinete quando eu casei, mas eu sempre me sentia fora de casa -, eu sempre 15

Consultando um dicionário, nota-se que o verbo “acomodar” tem um duplo significado: desde “apaziguar, compor, conciliar” e “adaptar, adequar”, o que remete a certa passividade em relação ao objeto (p. ex.: os acomodados no bairro não lutam por melhorias), até “alojar, hospedar (alguém)” e “arrumar, dispor comodamente”, o que remete a uma ação teleológica dirigida para um fim ameno e acolhedor (p. ex.: as pessoas se acomodaram no bairro porque este é um bairro tranquilo, acolhedor). Foi consultada a versão on-line do dicionário Michaelis. Disponível em: . 16

A conversa com Wilson se deu fora do bairro, em um clima informal, no Clube Esportivo Municipal da região, por isso ele se refere ao Jardim Brasília como “lá”. Ele estava assistindo um jogo de campeonato que envolvia times do bairro. Além dele, muitas outras pessoas do bairro foram prestigiar os times que jogavam.

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queria voltar para cá, porque parece que aqui era o meu lugar, meu canto. Eu me sentia fora de casa quando eu não estava no bairro.” (Rute – Entrevista 1) “Ah, eu acho um lugar bom (...) Hoje, eu posso falar, nosso bairro por todas as dificuldades que tem é melhor que muitos bairros por aí. Pelo menos foi um dos primeiros bairros a ter saneamento básico por aqui, água encanada, luz, energia. Hoje você vai em certos bairros, não tem isso. Pode melhorar, né. Lutamos pra melhorar, mas que eu vejo, pelo tempo que eu estou aqui, se eu falar que eu não gosto, eu já tinha mudado. Então pretendo ficar aqui pelo resto da vida, né.” (Serginho – Entrevista 2) “É tão bom que eu já mudei, já voltei. Quer dizer, melhor bairro né, ué, não tem. Eu pelo menos adoro morar aqui. Não tenho intenção nenhuma de sair daqui.” (Marquinho – Entrevista 2)

Para Bosi (2004a, p.74-75) “o bairro é uma totalidade estruturada, comum a todos, que se vai percebendo pouco a pouco, e que nos traz um sentido de identidade”. No caso, o “sentido de identidade” construído no Jardim Brasília vai delimitando os contornos da “comunidade”17. De acordo com Montero (2006), o que caracteriza a comunidade é ela ser um grupo de pessoas em constante transformação e evolução, que em sua inter-relação geram um sentido de pertencimento e identidade social, tomando consciência de si como grupo (como totalidade, por exemplo: morador do Jardim Brasília; ou grupo organizado dentro do bairro: membro do time “Amizade Jardim Brasília”, ou “Arsenal Jardim Brasília”, ou “Comissão de Moradores do Jardim Brasília”) e fortalecendo-se como unidade e potencialidade social. Ademais, a comunidade é um grupo social histórico, que possui uma organização e uma cultura própria; que tem sua própria vida e seu próprio ritmo, nas quais transborda uma pluralidade de formas de inter-relação marcadas pela ação, pela afetividade, conhecimento e informação (MONTERO, 2006). Nesse sentido, o “bairro Jardim Brasília”, enquanto área geograficamente delimitada, parte do distrito da Brasilândia, localizado perto de Taipas etc., se distingue da “comunidade Jardim Brasília”, enquanto trama de inter-relações cotidianas que geram um sentido de identidade, pertencimento e um grupo social historicamente construído.

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Montero (2004) revisando o conceito de comunidade e sentido de comunidade comenta que alguns autores preferem considerar a própria comunidade como um “sentimento” ao invés de um lugar, ou então definem a comunidade pelo sentido de identidade coletiva construído – inclusive às vezes mensurado – nas relações comunitárias.

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4.2.

O futebol no bairro

O futebol mobiliza, direta ou indiretamente, centenas de milhões de pessoas em todo o mundo, seja profissional ou emocionalmente. Sem dúvida é um fenômeno que ocupa um lugar de destaque na história da cidade de São Paulo. Como nos conta Ecléa Bosi, no início do século XX, as várzeas tiveram papel importante na história paulistana. (...) em cada bairro se fazia um campeonato, juntavam dez ou vinte clubes (...) Não tinha ainda estádio, era campo livre, ninguém pagava pra ver. O Pacaembu veio mais tarde (...) Aí começou a massa, antes o pessoal estava espalhado nas várzeas e nos bairros jogando mesmo... Quando foi morrendo o jogo da várzea e o futebol de bairro, começou a se concentrar o público nos estádios. (BOSI, 2004b, p.449)

O futebol penetrou até em lugares insuspeitados, como na psiquiatria argentina, como nos conta Eduardo Galeano: Enrique Pichon-Rivière passou a vida penetrando nos mistérios da tristeza humana e ajudando a abrir as cadeias da incomunicação. No futebol encontrou um aliado eficaz. Lá pelos anos 40, Pichon-Rivière organizou uma equipe de futebol com pacientes do manicômio. Os loucos, imbatíveis nas canchas do litoral argentino, praticavam, jogando, a melhor terapia de socialização. ‘A estratégia da equipe de futebol é minha tarefa prioritária’ – dizia o psiquiatra, que também era treinador e artilheiro do time. (GALEANO, 2010, p.87)

A importância do futebol na cultura brasileira se reflete tanto no jogo profissional como nas histórias dos jogos de várzea. Durante a elaboração dos caminhos dessa pesquisa, o futebol surgiu como um dos caminhos para relatar um pouco da história do bairro18. Com a ajuda de Miro19, em conversas após as reuniões da Comissão de Moradores e nas entrevistas realizadas, foi possível recuperar parte da história dos principais times de futebol do bairro. O primeiro time do bairro foi o “Esporte Clube Jardim Brasília” (ECJB) fundado em 07/09/1976 pela “primeira geração” de jogadores do bairro20. Como campo para os jogos, o ECJB valia-se de um terreno localizado na Avenida Cantídio Sampaio, ao lado da antiga fábrica Novatração, onde hoje se encontra o Residencial Camélias. Por ter sido fundado no dia sete de setembro, todos os anos o time realizava uma festa de comemoração no campo, convidando um time adversário de outro bairro para um jogo festivo. Muita gente comparecia 18

Esse tema surgiu durante as reuniões de planejamento dos rumos da pesquisa com a Comissão de Moradores.

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Miro pode ser considerado o verdadeiro historiador do Jardim Brasília, pois ele guarda fotos de lugares e pessoas do bairro, de várias épocas. De certo modo, foi ele quem inspirou a realização desse trabalho, quando, por vezes, conversávamos após as reuniões da Comissão de Moradores sobre a possibilidade de resgatar a história do Jardim Brasília.

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Por tratar-se de uma rede de times de várzea que engloba várias regiões da cidade de São Paulo e da Região Metropolitana, os jogadores são amadores. Geralmente são trabalhadores que jogam nos finais de semana.

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nesse dia para apreciar e prestigiar os jogadores. Havia torcida com instrumentos (bateria), além de mulheres, crianças e idosos. “Meu primeiro contato com a várzea foi, que eu lembro mesmo... que, assim, eu já ia nos jogos (...) mas de eu entender mesmo, acho que foi o primeiro jogo que eu fui mesmo, assistir o festival. Tinha o que, uns 10 anos? (...) (Fomos) eu e meu pai.” (Serginho – Entrevista 2)

E no festival do dia sete de setembro de 1987, o Miro lembra que estava noivo e jogava no time do ECJB, mas nunca tinha levado sua noiva a um jogo. Nesse dia ele a levou e justamente nesse jogo houve confusão, como lembram no seguinte trecho: “Todo ano tinha um festival o dia inteiro de jogos e o último jogo era o finalista do Jardim Brasília contra um time que eles convidavam de fora. E nesse dia foi convidado o (time) SAAD do Jardim Rincão. E o pessoal do Rincão veio em peso. (...) Eu até hoje não sei bem como começou essa história da briga, porque na hora da briga eu tava jogando. Eu sei que a briga começou com o Edson lá fora não sei com quem...” (Miro – Entrevista 2) “A briga começou do lado de fora e passou pra dentro do campo...” (Serginho – Entrevista 2) “Então, aí passou pro barranco, aí o jogo acabou.” (Miro – Entrevista 2) “Aí deu briga generalizada...” (Serginho – Entrevista 2) “Passou pra rua, um barranco logo acima, pra fora, tiro....” (Miro – Entrevista 2) “Tiro... (...) que eu lembro, só meu pai abaixamos lá. (Ele) Falou ‘nunca mais eu venho’, meu pai do interior né.” (Serginho – Entrevista 2) “É, minha noiva também tava. E eu tava no campo, aí eu subi e catei ela (riso).” (Miro – Entrevista 2) Serginho: “(Tinha) Muita gente, tinha pra mais de duas mil pessoa tinha ali aquele dia. Era muita gente. É que aquela época não tinha filmadora, essas coisas, não é que nem hoje. (...) O jogo nem acabou, tava 0x0 eu acho.” (Serginho – Entrevista 2)

Figura 3: foto do time que jogou no dia da confusão no festival sete de setembro. Ao fundo, a torcida assiste do barranco. Fonte: própria. Crédito: Miro.

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Mesmo assim, apesar de eventuais confusões no campo, a questão do casamento, os estudos etc. tanto Miro como Serginho continuam ligados ao futebol do bairro (ambos são diretores de times). Na década de 1980 houve também um time chamado “Jardim Boa Vista”, sediado na rua José Gervásio de Souza, mas não existiu por muito tempo. Esse time representava o “bairro Jardim Boa Vista” em oposição ao “bairro Jardim Brasília”. No entanto, pouco foi falado sobre a história desse time durante as entrevistas (ano de fundação, encerramento etc.) realizadas. A partir de meados da década de 1980, devido à urbanização da cidade, que avançava nas periferias, o futebol de várzea teve que deixar de utilizar como campo os terrenos vazios estrategicamente reservados pela especulação imobiliária, para adaptar-se progressivamente ao futebol organizado nas quadras, campos e centros esportivos – públicos e particulares. No Jardim Brasília, isso se refletiu com a transformação do campo do ECJB, palco de tantos “Festivais do Dia Sete”, em um condomínio privado. A partir daí outros times começaram a surgir no bairro. O aumento do número de times juridicamente oficializados coincide com o período da redemocratização do Estado brasileiro e subsequente modelo político neoliberal em se observa um crescimento substancial do associativismo civil21. Em 27/03/1987, foi fundado o “Grêmio Recreativo Esportivo Unidos Jardim Brasília” (Unidos), com sede localizada até hoje na Rua Monte Alegre do Sul. Em 03/03/1990, surgiu o “Esporte Clube Monte Alegre” também localizado na mesma rua que o Unidos, rua esta que inspirou o nome do time. Inspiração semelhante teve o time fundado em 20/08/1992 na Rua Manoel Fernandes Leão, chamado “Sociedade Esportiva MAFEL”. A sigla faz referência ao nome da rua: MAnoel FErnandes Leão – MAFEL. O “Amizade Futebol Clube”, time do qual o Miro hoje é diretor, foi fundado em 25/01/1993. Quando o campo do ECJB foi transformado em conjunto residencial, um grupo de jogadores decidiu criar um novo time para o futebol não acabar. Inicialmente a proposta era formar um time para jogar quinzenalmente, mas aos poucos o time foi se fortalecendo e passaram a disputar campeonatos. “Aqueles quinze dias passaram a não ser mais só quinze dias. Passaram a jogar todo final de semana, com um quadro só e sempre jogando fora, porque já não tinha mais o campo. Aí depois com o tempo eu comecei a jogar, joguei uns tempos também. Porque o Amizade era um quadro só: tinha um grupo de diretores, uns quatro ou cinco que bancavam os custos do Amizade. Como o pessoal ia jogar fora, 21

Especialmente ONG’s (organizações não governamentais), de diversas naturezas. Os times de futebol, em certa medida, se enquadram nesta categoria.

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então tinha aquelas pessoas que tinha o carro, então eles fornecia o carro, pra, vamos supor, vai ter um jogo fora, é um grupo de mais ou menos uns quinze, então quatro mais ou menos ia de carro e levava os outros. Quem tinha mais gente com carro, na outra semana revezava. Aqueles que tinham carro levavam e esses outros diretores ajudavam a bancar.” (Miro – Entrevista 2)

Com o tempo Miro passou a fazer parte da diretoria do “Amizade” e aos poucos os jogadores foram parando de jogar, pois já estavam com “idade avançada pra jogar”. Mas o vínculo do Miro com o futebol permaneceu em um trabalho voluntário voltado para as crianças do bairro. “Já tinha surgido a ideia de, quando eu parasse de jogar bola, eu montasse um trabalho com as crianças. Aí eu comecei na escola do Jardim Brasília; fui (lá) e conversei com o diretor se podia usar o espaço de sábado de manhã pra fazer o trabalho com as crianças (...) Ele cedeu o espaço, comecei a usar. No começo tinha poucos meninos, mas foi aumentando...” (Miro – Entrevista 2) “...e hoje tem até um time de meninas.” (Rute22)

Hoje o trabalho inclui crianças e adolescentes de vários bairros, de várias idades, tanto no futebol masculino (que representa a maioria das crianças), como no futebol feminino. Essas crianças e adolescentes vestem a camisa do Amizade Futebol Clube quando disputam campeonatos ou jogos amistosos contra outros times. Assim, o “Amizade” hoje é um time que faz parte da história de muitas crianças que “jogaram bola” no Jardim Brasília, e o Miro é reconhecido como um importante professor de futebol no bairro. Em 15/11/2000 foi fundado o “Arsenal Jardim Brasília Futebol Clube” (Arsenal). A primeira sede ficava na Rua João Correia Castro, próxima à avenida, mas hoje fica localizada na Rua José Gervásio de Souza. A local onde o Arsenal fica sediado, assim como da maioria dos outros times, é um bar (“bar-sede”). Nesse bar se reúnem os jogadores, diretores e torcida antes e após os jogos. E o último time que foi mencionado na entrevista é o “100 Preguiça”, fundado em 02/05/2002 e localizado também na Rua Monte Alegre do Sul. Todos os times, em algum momento, disputam jogos e campeonatos entre si. No entanto, alguns formam “alianças” enquanto outros fomentam a “rivalidade”. Este último aspecto está presente no cotidiano dos times do bairro e merece um destaque especial.

Rivalidade entre os times de futebol

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Esse acréscimo à descrição do trabalho do Miro foi sugerido pela Rute, após ler a primeira versão deste capítulo, discutido entre nós (Rute, Miro e eu) na primeira reunião de avaliação dos resultados. Ela fez questão de reforçar a importância do trabalho do Miro com o time de futebol feminino, pois inclui e fortalece as meninas, além de ser bastante divertido.

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A rivalidade no futebol é um fenômeno comum. Segundo Franco Júnior (2007, p.235) “futebol é guerra simbólica”. Não por acaso que os símbolos dos times de futebol sejam chamados de “escudos”. Como metáfora psicológica, o futebol funciona como “tela de projeção” de sentimentos e emoções dos sujeitos (torcedores) sobre uma mesma entidade (o time, sua história, sua camisa). Os indivíduos estabelecem uma relação afetiva com seus clubes, o que favorece a construção de uma identidade individual ligada às características do clube (sua história, suas cores, sua posição social etc.) e uma identidade coletiva entre os torcedores desse clube. Os seguidores de cada clube praticam ritos próprios (vestes, cantos, hinos etc.) com a finalidade de assegurar a continuidade de certa consciência coletiva que estabeleça sua singularidade enquanto entidade futebolística. Nesse sentido, “torcer por um clube é reforçar ou ganhar certa identidade por oposição a outras” (FRANCO JÚNIOR, 2007, p. 321). No Jardim Brasília, atualmente, há uma grande rivalidade entre dois times: o “Arsenal” e o “Unidos”. “A rivalidade é de passar lá embaixo (no bar-sede do adversário e) o cara provoca. (Ele) Passa aqui, a gente provoca. Não tem jeito. E se trombar a torcida, briga direto, mesmo. Não tem condições. (...) Se jogar amistoso, um festival que seja, não dá. Só se for campeonato.” (Marquinho – Entrevista 2) “A gente jogamos dois anos atrás, na Copa Kaiser, Unidos versus Arsenal.” (Serginho – Entrevista 2) “Foi preciso uma reunião das duas diretorias pra ver se evitava briga.” (Marquinho – Entrevista 2) “A (equipe de organização da) Copa Kaiser mandou o jogo pra Osasco, pra dificultar (de) a torcida ir. Mesmo assim, é comentado até hoje o jogo da segunda divisão da Kaiser com mais torcida. (...) todo mundo que foi lá, viu o espetáculo que foi: bateria, fogos. O jogo foi 3 a 3, todo mundo não acreditava que era dois times de série B. E do mesmo bairro! (...) Essa rivalidade é de anos.” (Serginho – Entrevista 2)

A rivalidade se alimenta da força com que os torcedores defendem seu time. As cores da camisa, o tamanho das bandeiras, o barulho nas arquibancadas e as festas nas ruas são manifestações que reforçam a identidade coletiva do grupo e o tem a função de distingui-lo dos adversários. Interessante notar que, segundo Franco Júnior (2007), as ofensas, as provocações e, muitas vezes, a intolerância (violência) entre times rivais não se referem a grandes diferenças entre eles, mas “àquilo que Freud chamou de ‘narcisismo das pequenas diferenças’. Nesse fenômeno psíquico, a aversão e a inveja são intensificadas e canalizadas contra membros de outro grupo que no essencial se assemelha ao grupo ofensor ou agressor” (FRANCO JÚNIOR, 2007, p.326). Paradoxalmente, a intensidade de uma rivalidade revela que a grandeza de um time só existe em função do reconhecimento da altura de seu adversário.

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Para os diretores do “Arsenal”, um motivo de orgulho é o fato de o time ter sido “revolucionário na várzea”, investindo na autopropaganda e “inovando” a relação entre time e torcida, entre o time e a “comunidade”: “Todo mundo queria saber quem era o Arsenal, tava revolucionando na várzea, com uma ideias novas (...) Aí vem: chinelo, caneca, mousepad, cordão pra você segurar o chaveiro, pendrive, caneca de chopp, adesivo pra moto, pra carro, pra celular. (...) fizemos as bolsas, né. Você comprava a bolsa, vinha um kit dentro: um cortador de unha, um cordão (...), um adesivo pra você por no celular, que virou febre (..) E aí foi indo. Muita gente foi copiando, foi perguntando como que a gente fez. (...) o Valdomiro pintou umas bandeiras, umas faixas assim pra colocar no campo. Naquela época se você chegasse com uma faixa de 10 metros você já era visto com outros olhos. Aí a gente foi fez, conversamos com o Miro, o Miro nem a mão de obra não cobrou, só cobrou as tintas. (...) de cara fizemos (...) (uma) de 15, depois uma de 25 (metros) e hoje tem bandeira de mastro. Instrumento hoje tem. (...) Então, tudo vai crescendo, vai aumentando as coisas. Aí você vai abrindo a mente também, que não é só futebol. Aí vem trabalho social, ajudar. Quem precisava me pedia e a gente corria atrás. E aí a gente foi se envolvendo mais. A própria comunidade aqui começou a ver a gente com outros olhos. O dia que nós recebemos a homenagem no colégio Prígule, tinha muita gente daqui lá e não conhecia o nosso trabalho, pensava que era só, ah, um monte de maloqueiro ali, enche um ônibus de gente e vai pro jogo. (...) a várzea até hoje ainda é meio discriminada, mas aí quando as pessoas começam a entender a participar elas veem com outros olhos. E a ajuda vem mais fácil.” (Serginho – Entrevista 2)23

Esse “trabalho social” se reflete em um grupo criado por um dos membros do “Arsenal” na Escola Jardim Brasília aos finais de semana para ensinar crianças, jovens e adultos a tocarem instrumentos de percussão. No início, o nome desse projeto era “Oficina de Percussão Ninguém Dorme”, nome da torcida do “Arsenal”, mas devido à rivalidade com outros times, o nome foi alterado para “Projeto Jardim Brasília: Oficina de Percussão” para acolher também os simpatizantes dos outros times. A proliferação de projetos e produtos de um time tem por objetivo a divulgação da imagem do time (seu escudo, cores e bandeiras), além de viabilizar o autofinanciamento do time, no caso da venda de camisas e “kits”. E, na medida em que um time se torna conhecido fora do bairro, o nome do próprio Jardim Brasília a ele associado ganha visibilidade. Dentro do bairro, a “comunidade” (nesse caso entendida como totalidade-bairro) reconhece e valoriza quando um time, como no caso do “Arsenal”, realiza um “trabalho social” no próprio bairro. Em meio a essa rivalidade que mobiliza os times a se superarem constantemente, não é raro encontrar pessoas andando pelas ruas do Jardim Brasília vestindo uma camisa amarela e preta do “Arsenal”, ou vermelha e branca do “Unidos” aos finais de semana, ou mesmo perceber o desenho do escudo de um time grafitado em alguma parede pelo bairro. 23

Nesse caso, ao invés de rivalidade, há solidariedade do Miro – diretor do Amizade – para com o Arsenal. Alguns times costumam fazer “alianças” entre si. No caso do Amizade, até por ser um time de categorias juvenis, não há rivalidade com os outros times do Jardim Brasília.

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4.3.

Igrejas e religiosidade

Segundo Marilena Chauí (2000), a religião (do latim: re-ligare) significa uma ligação entre o mundo profano e o mundo sagrado, isto é, entre o mundo objetivo da Natureza (seres humanos, animais, vegetais, água, terra, fogo, ar etc.) e o mundo das divindades que habitam a Natureza ou um lugar separado da Natureza. A religião é um vínculo. Em várias culturas, o momento de ligação entre esses mundos é simbolizado por um ato de fundação: de uma aldeia, vila ou cidade, onde se erige o santuário, ou templo religioso. “A religião cria a ideia de espaço sagrado” (CHAUÍ, 2000, 381). Esses templos, para o cristianismo, são as igrejas: local onde uma comunidade de fiéis se reúne para celebrar o ritual sagrado, ou seja, o “culto” ou “missa”. A prática do culto religioso, de um ethos ou visão de mundo de uma coletividade que compartilha crenças e valores religiosos, sempre esteve presente, em alguma medida, na história da humanidade (DALGALARRONGO, 2008). No Brasil, a religião predominante é o cristianismo e a sua expressão majoritária é o catolicismo, herança da colonização portuguesa por mais de três séculos, apesar de sempre ter havido a prática de rituais tradicionais de culturas nativas ou africanas. A partir dos anos 1850, chegam ao Brasil os primeiros grupos evangélicos: congregacionais, presbiterianos e batistas. Com o advento da República e o crescimento das cidades, passou a ocorrer uma mudança vertiginosa no quadro religioso brasileiro: o catolicismo perdeu força, diminuindo sua representatividade de 98,9%, em 1890, para 73,9% das famílias brasileiras em 2000. Os grupos evangélicos (pentecostais) representam hoje 15,6% e os que se declaram sem religião representam 7,3%. Os demais grupos, formados por outras religiões (mediúnicas, kardecistas, afro-brasileiras

etc.)

representam

cerca

de

3,2%

da

população

brasileira

(DALGALARRONDO, 2008, p.134). Essa expansão pentecostal no Brasil se relaciona, segundo Rolim (1985, apud Dalgalarrondo, 2008) com o fenômeno da urbanização: o fiel humilde, vindo do ambiente rural para as grandes e médias cidades, fixando-se nas periferias, encontra “na esquina de casa, em uma edificação improvisada, uma igreja pentecostal, com irmãos iguais a ele, acessíveis, e que operam com os mesmos símbolos, com a mesma estética, com as mesmas ânsias” (DALGALARRONDO, 2008, p.120). No Jardim Brasília se evidencia a presença dos dois grupos mais representativos: os católicos e os evangélicos. A igreja católica do bairro foi fundada em 1982 com ajuda de missionários e famílias que já praticavam celebrações em uma pequena capela improvisada desde 1977. Hoje, a igreja

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conta com um salão de festas e eventualmente organiza, principalmente em datas religiosas, quermesses, festas do padroeiro etc. Além disso, durante a semana funciona no salão da igreja um Centro para Crianças e Adolescentes (CCA), serviço conveniado com a Prefeitura para oferecer atividades socioeducativa às crianças de baixa renda no período extra-escolar. Outra igreja importante no bairro é a igreja evangélica pentecostal “Congregação Cristã”. Rute começou a fazer parte da “Congregação” em 1993, quando esta ainda se localizava em uma “salinha de oração”, na rua Monte Alegre do Sul (a “rua de baixo”). Naquela época, “era muito complicado porque tinha muito bandido, às vezes entrava bandido dentro da igreja, com revólver e tudo (...) pra intimidar as pessoas. Aí ficava aquela coisa horrível” (Rute – Entrevista 3). No mesmo ano foi construído o prédio atual, localizado na “rua de cima”. A “Congregação”, diferentemente da igreja católica, se caracteriza por ser muito reservada e tradicional. É uma igreja “somente para culto a Deus”, conta Rute. Não são realizadas festas, casamentos ou qualquer tipo de comemoração dentro da igreja. O público que frequenta os cultos é bastante heterogêneo, dos mais tradicionais e rigorosos aos mais liberais em relação aos escritos da bíblia. “Lá você acha pessoas de todos os jeitos. Pessoas que usa saia e não corta o cabelo; pessoas que usa calça comprida corta cabelo (...) Tem pessoas que não tem televisão em casa, (por)que diz que é pecado; não tem um rádio em casa, (por)que fala que é pecado (...) Outros têm rádio, têm televisão, têm computador (...)” (Rute – Entrevista 3)

Além da igreja católica e da “Congregação”, existem pelo menos mais doze igrejas evangélicas no bairro (pentecostais ou neopentecostais)24. Em relação às outras expressões religiosas (espíritas, afro-brasileiras etc.) há pouco conhecimento pelos entrevistados. De acordo com Dalgalarrondo (2008) as religiões afro-brasileiras, como a umbanda e o candomblé, historicamente costumam ser alvo de preconceito por parte dos cristãos (católicos ou evangélicos), por isso é possível que as pessoas acabem não se declarando publicamente como praticantes dessas religiões. 4.4.

Comunidade, psicologia e política

Uma das características da Psicologia Social Comunitária é seu caráter político, uma vez que o desenvolvimento e fortalecimento individual e coletivo das pessoas de uma comunidade tem um horizonte de desenvolvimento e fortalecimento da sociedade civil e da cidadania (MONTERO, 2010). Nesse sentido, a “comunidade” além de se caracterizar pelo 24

O levantamento do número de igrejas foi realizado por Rute e Miro quando elaboraram um trabalho para o curso de capacitação de Conselheiros Gestores em 2012.

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jogo de relações intersubjetivas que formam um sentido comum de pertencimento, deve ser considerada também enquanto espaço público, palco dessas relações e, portanto, fenômeno político. Segundo Zé Vitor, o Jardim Brasília pode ser considerado uma comunidade devido a organização política de seus membros. “Olha, Jardim Brasília eu acho que é uma comunidade, porque tem um povo organizado, tem um povo que cobra, tem um povo que paga seus direitos, então é uma comunidade organizada, certo? Um povo que é idealista, (que) sabe cobrar os seus direitos, então Jardim Brasília é uma comunidade organizada.” (Zé Vitor – Entrevista 1)

Para Montero (2003), toda psicologia comunitária é, em sua base, uma psicologia política, pois lida com processos de organização, desenvolvimento e promoção de cidadãos. A autora defende que os processos de mobilização da consciência dos membros das comunidades são geradores de cidadania, na medida em que as ações desenvolvidas na comunidade têm por objetivo lograr transformações em seu entorno, no modo de vida e na capacidade das pessoas envolvidas no processo. Assim, “estão influindo nas relações de poder, na ordem e na desordem social” (MONTERO, 2003, p.166). Segundo Freitas (2011, p.108), “o trabalho comunitário é, por excelência, um trabalho político, ou seja, um trabalho voltado para a transformação da sociedade”. Esse aspecto corresponde a uma das características da Psicologia Social Comunitária: uma orientação para a “transformação social”. Contudo, temos que constantemente perguntar-nos o que significa tal transformação social. Certamente, não se trata de algo estanque e definitivo, que se pode alcançar uma vez para depois passar à outra coisa, ou que se sobreponha à condição dinâmica da própria sociedade. Transformar algo, nessa perspectiva, “é apenas conseguir dar um passo em um caminho e cada logro transformador mostra que há ainda muito caminho por andar” (MONTERO, 2010, p.52). De acordo com Montero (2003, p. 166), “se por certo não se pode simplesmente planejar revoluções estruturais no nível comunitário, é possível, sim, afirmar que em um nível microssocial, os avanços de certas organizações comunitárias conduzem a transformações nas condições estabelecidas e cristalizadas” que tendem a manter as estruturas de desigualdade.

“Psicologia Social muda vidas” Durante a entrevista, a Rute comentou que, passados mais de 20 anos de ter concluído o Ensino Fundamental, este ano (2013) concluiu o Ensino Médio. Perguntei-lhe, então, quando foi que decidira voltar para a escola. Ela respondeu animada:

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“Pra estudar?! Meu Deus, quando eu digo que Psicologia Social muda vidas, né que eu adoro falar isso, porque é verdade -, porque mudou minha vida. Eu até fiz assim (ela mostrou o caderno): “psicologia social mudando vidas”, porque eu mudei tanto. (Por)que eu comecei a entender que eu tinha que voltar a estudar, que eu tinha que entender mais as coisas, eu tinha que ler algumas coisas sobre lei, estudar, voltar a estudar; me colocar assim, né, na sociedade, porque até então eu tava aqui, dentro de casa, lavando e passando e cozinhando. Isso eu já sei fazer - e bem, né. Mas não, eu queria ser outra pessoa. (...) (A escola) Já terminei. Agora eu quero minha formatura. (...) E eu vou fazer minha formatura, vou tá lá gritando com o diploma na mão. (risos)” (Rute – Entrevista 3)

Rute lembrou-se dessa situação quando cogitava se candidatar pela primeira vez a um Conselho de Saúde. “Lembra que eu te falei que eu fazia parte do Conselho da escola, né? Eu ia no Conselho de escola, eu sabia que vinha o dinheiro... (...) Aí eu falava: de escola eu entendo bastante, porque eu to ali no meio, mas de saúde eu não entendo nada, nada. Mas aí quando eu comecei a frequentar tudo isso, frequentar o Conselho Gestor, (da Saúde), então eu vi que eu não entendo, mas eu posso entender. Tudo bem que eu não sei, mas eu posso saber. Porque aquelas pessoas que tão lá também não sabiam. Eles aprenderam. Isso aí é coisa que eu não pensava antes. (...) E eu entendi também que eu posso, muito bem, conversar com quem for. Eu conversei com o secretário da Saúde (em uma reunião) (...) quando chegou na minha vez (de falar) deu uma pressa doida nele lá, que ele começou a levantar pulando lá, que tava com muita pressa. Eu chamei ele e falei assim: “por favor”, eu falei, “por favor, eu preciso saber, eu preciso saber da sua resposta, porque o senhor pediu o terreno, de mais de mil metros, nós apresentamos mil oitocentos e oitenta e três metros!” Eu comecei a berrar lá: “e o senhor pediu verba federal, nós tamos aqui com a emenda!” (de R$ 800.000,00 de um Deputado Federal). Falando assim, desse jeito (...) Aí ele falou assim: “olha, Cícera (que é a secretária dele), anota tudo isso, anota tudo isso aí, que a senhora tá falando, anota tudo isso que a gente vai ver, porque, olha, é, realmente, a senhora tem razão, mas anota porque eu vou ter que sair...” Desse jeito, acredita? Deu uma pressa doida nele lá. Porque o que ele pediu a gente (da Comissão de Moradores) apresentou, e agora, ele ia falar o quê? Por onde ele ia escapar? (Por)Que eles escapam. De todo jeito eles escapam. Eles jogam sempre pra comunidade, sempre pra comunidade: “não, não dá pra fazer por tal coisa”. Só que a gente aqui no Jardim Brasília não aceita não como resposta. (...) Não tem mais essa conversa aqui. (A)Cabou. Agora é construção (da UBS) no nosso terreno público e só. Aí é assim, e eles tentam sair fora sempre, mas a gente não aceita não como resposta. Nós estamos aí na luta. (Rute – Entrevista 3).

Com base nos elementos apresentados aqui e em outros observados ao longo desses quase três anos acompanhando as atividades da Comissão de Moradores, é possível sugerir que a reivindicação pelo posto de saúde no Jardim Brasília representa um exemplo do processo de fortalecimento comunitário mencionado por Montero (2003). O fortalecimento comunitário25 pode ser definido como o processo mediante o qual os membros de uma comunidade ou um grupo – membros de grupos organizados dentro dessa comunidade ou pessoas interessadas em promover e lograr uma mudança sobre alguma circunstancia que afeta essa comunidade ou grupo – desenvolvem conjuntamente capacidades e recursos para controlar sua situação de vida (em um momento específico); atuando de maneira 25

Essa noção se assemelha ao empowerment presente tanto na literatura internacional como brasileira. No entanto, a autora opta pelo uso do termo “fortalecimento” para melhor designar o trabalho social comunitário. Para uma discussão a esse respeito, ver o capítulo 2 em Montero (2003).

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comprometida, consciente e crítica, para lograr a transformação das condições que julgam negativas ou que devem ser modificadas segundo suas necessidades e aspirações, transformando ao mesmo tempo a si mesmos (MONTERO, 2003, p.72).

Trata-se, portanto, de um movimento contínuo, que precisa permanecer crítico e reflexivo para avançar na desconstrução dos aspectos ideológicos que naturalizam situações de opressão (como a restrição à saúde pública de qualidade) e obscurecem a perspectiva do exercício da cidadania através da reivindicação e luta legítima por direitos públicos que são negados pelo Estado. É preciso observar ainda, como defende Montero (2003), que o fortalecimento comunitário implica no exercício real do controle sobre as condições de vida e sobre os recursos disponíveis para transformá-la coletivamente - e não na ilusão da aquisição de uma benfeitoria fruto de um poder assimétrico, que se exerce quando uma parte subjuga a outra, ou seja, na qual uns têm poder e outros não têm. Essa última acepção do poder (weberiana) conduz à reprodução da opressão. Na perspectiva psicossocial comunitária, o poder se refere à ação dos sujeitos nas relações sociais. A perspectiva relacional (foucaultiana) do poder foi trabalhada por Serrano-Garcia (apud MONTERO, 2003; 2010) no âmbito comunitário e foi chamada de “teoria simétrica do poder”. A teoria da simetria do poder, leva-nos a considerar que tão importante como usar o poder que se tem e que se pode expressar de maneira inesperada, é saber que isso pode ser feito e que as pessoas que buscam certos recursos aos quais tem direito, mas que lhes são negados, precisam desnaturalizar a concepção que os apresentam como totalmente indefesos, débeis e incapazes. Para lutar contra o poder opressor é necessário usar o poder libertador, que reconhece o outro como igual, não como superior (MONTERO, 2010, p.53).

Desse modo, o fortalecimento comunitário orienta-se para a mobilização da consciência26, ou seja, para a construção de novas formas de apreender a realidade e transformá-la, como podemos observar no exemplo da militância de Dona Rute. A impressão que fica para os atores sociais da comunidade ao observar essa e outras situações de exercício da capacidade política de argumentar e lutar por seus direitos, é a de que a “comunidade” tem força. E segue se fortalecendo.

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Montero (2003) refere-se sempre à “mobilização da consciência” ao invés da expressão “tomada de consciência” (comum na literatura brasileira), pois parte do pressuposto de que toda pessoa possui consciência de si e do mundo, porém em níveis reflexivos distintos. Quando mobilizada, a consciência pessoal e coletiva se transforma. Isso remete à orientação freiriana baseada no diálogo e no respeito ao outro.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS O processo apresentado até aqui consiste em um exemplo de investigação e intervenção em Psicologia Social Comunitária. Foi possível comunicar uma pesquisaparticipante construída em diálogo constante com a comunidade, desde a gênese da temática do trabalho às avaliações dos resultados. Os temas que emergiram do campo são complexos. Apesar de não dar conta da totalidade das relações que compõem a história do bairro, esses temas representam parte significativa dessa história, pois os narradores são pessoas fortemente envolvidas na dinâmica do bairro. A primeira entrevista fez conhecer o bairro sob um panorama geral, como foi a chegada das primeiras famílias e as intempéries enfrentadas. Ao mesmo tempo, a análise da história da formação da periferia, de que nos fala a literatura da sociologia urbana, contribui para colocar essa história particular de um bairro dentro da totalidade que é a cidade de São Paulo. Foi possível perceber pelas narrativas, que raízes foram criadas no bairro e, por isso, o que define o Jardim Brasília como uma comunidade não é sua geografia, ou a classe social de seus membros, mas em grande medida as inter-relações e a memória coletiva (e política) construída ao longo dessas quatro décadas pelas pessoas que lhe dão vida. O futebol é, sem dúvida, um tema central da comunidade: há quase 40 anos está presente no cotidiano das pessoas do Jardim Brasília. Envolve relações de “amizade” (sugestivo nome do time fundado por Miro), rivalidade, política etc. Envolve, principalmente, a memória do bairro. Não foram poucas as vezes em que os narradores olharam as fotos dos times e ficaram recordando nomes e histórias... Também a religião oferece elementos para refletir sobre a comunidade: não por acaso, a igreja católica é chamada de “Comunidade” pelas pessoas no bairro. E quando Rute conta como foi construída a Congregação ou quando observamos o número de igrejas evangélicas no bairro (pelo menos 12), é possível perceber que, na religião, materializa-se, com ainda mais força, o sentimento de comunidade, independente da orientação teológica. Foi possível observar o caráter essencialmente político da comunidade, pois esta se refere, em ultima instância, às relações humanas que se dão no espaço (e no tempo) público. E essas relações constroem a memória de um grupo. No caso do Jardim Brasília, uma memória política, diretamente ligada à ação política de seus membros, está sendo construída com vistas à transformação da ordem das coisas. Essa característica foi denominada por Cuellar (2010) de “memória crítica”, pois atua no nível da realidade, dos discursos e dos desejos, como observamos nas três entrevistas, principalmente com Rute.

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Mesmo que essa transformação seja considerada “apenas” a reivindicação de um direito fundamental, como o posto de saúde, o processo de luta política tem um significado pedagógico (e, consequentemente, psicológico) inestimável. Muito diferente do que “receber” uma “benfeitoria” das mãos de um político profissional, é colocar-se no espaço público, carregando a voz coletiva de um grupo social para “conquistar” a mudança desejada. Especular se esse ímpeto participativo continuará ou desaparecerá após a conquista do objetivo parece inadequado, pois o que moveu a organização da comunidade foi a conjugação de fatores históricos específicos, como, por exemplo, a necessidade do posto e o estágio de PSC. O mais importante é que, como um “tesouro”, que aparece e desaparece na história de uma coletividade, o que está ocorrendo no Jardim Brasília situa-se e retoma a ligação entre o passado e o futuro (ARENDT, 2011). *** Para concluir, gostaria de fazer alguns apontamentos sobre a identidade profissional do psicólogo (ou psicóloga) que trabalha com comunidades. Alberto Andery já colocava a questão, em 1984, nos seguintes termos: “quem pode remunerar tais trabalhos comunitários?” (ANDREY, 2004, p.215). É certo que desde então muita coisa mudou no Brasil. O Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas (CREPOP)27 tem realizado um trabalho sistemático de orientação técnica para os profissionais que se inserem em instituições públicas, e muitas delas lidam com comunidades. Não convém entrar na discussão sobre as questões que perpassam a formação e sobre o panorama atual do “mercado” de trabalho para profissionais da Psicologia, mas parece relevante mencionar brevemente algumas reflexões possíveis, a partir desta pesquisa, a respeito da relação entre psicólogos comunitários e Políticas Públicas. Aqueles e aquelas que trabalham na Educação, e têm contato direto com a escola, lidam com todos os desafios próprios dessa instituição. No entanto, a escola não pode fecharse em si mesma. Geralmente, a escola atende a população da região na qual está inserida. Conhecer essa região, saber se - onde e como - há uma “comunidade” e permitir que ela se faça presente dentro da escola e vice-versa parece-me uma tarefa importante para fortalecer e potencializar a escola. No âmbito da Saúde, principalmente na atenção básica, as estratégias de Saúde da Família que atuam junto ao “território” podem contar com um profissional da psicologia. 27

O CREPOP faz parte do Sistema Conselhos de Psicologia e tem por objetivo publicar orientações técnicas para a atuação de psicólogos no âmbito das políticas públicas. Mais informações podem ser conferidas no seguinte endereço eletrônico: .

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Nesse sentido, não basta dominar as técnicas de intervenção da instituição ou da clínica convencional. Ao trabalhar com serviços de saúde que atendem “comunidades”, é preciso conhecê-las para melhor compreender seus representantes. Outras instituições públicas que lidam diretamente com o “território” onde as comunidades se fazem existir são os serviços da Assistência Social. Esses talvez sejam a forma mais efetiva de se trabalhar com comunidades. Talvez a tarefa primordial seja cuidar para não estigmatizar a população da comunidade e, desse modo, não reproduzir as velhas práticas assistencialistas que colocam a comunidade no lugar de ente passivo, “carente”, como se não houvesse ali uma potencialidade transformadora. O estigma e o estereótipo são dois males que podem acometer a prática de um profissional que trabalha em/com comunidades. É claro que os psicólogos(as) comunitários não substituem os psicólogos escolares, de saúde mental ou o assistente social. Mas uma boa formação nessa área certamente contribuirá positivamente para a melhor atuação nas outras esferas (escola, Saúde da Família etc). Por fim, cabe mencionar que, geralmente quem se envereda pelos caminhos da Psicologia Social Comunitária durante a formação encontra um grande desafio para estabelecer os contornos da identidade profissional de psicólogo(a) comunitário. Essa certamente é uma questão importante, e que, no entanto, provavelmente permanecerá sempre em aberto, pois, como sugere Martiza Montero (2004), a identidade é algo que se assemelha aos “objetos fatais” de que fala Baudrillard28, ou seja, algo inapreensível, que sempre escapa à determinação da razão. Em última instância, sendo a Psicologia caracterizada pelo devir, deva-se, por isso mesmo, manter a crítica e a autocrítica como elementos permanentes na ordem do dia. Nós, que trabalhamos com comunidades, devemos ter o cuidado de sempre explicitar e refletir a respeito dos aspectos éticos e políticos que fundamentam nossa práxis. Deve-se ter em mente que o horizonte de mudança social da prática em Psicologia Social Comunitária inclui transformações tanto nos membros da comunidade como nos próprios psicólogos(as). E toda transformação deve ser acompanhada de produção de conhecimento a respeito, pois, como defende Montero (2004), temos o compromisso com pelo menos duas comunidades: aquela com que trabalhamos e a comunidade científica a que pertencemos.

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Baudrillard (1983) apud Montero (2004, p.106). Refiro-me à seguinte passagem: “La identidad es uno de esos objetos que Baudrillard (1983) ha llamado fatales, es decir, aquellos indefinibles, inasibles, impenetrables, insoportables, que escapan a los intentos de quien pretende analizarlos, pues se niegan a descomponerse; que se burlan de quien aspira a sintetizarlos, porque evaden la posibilidad de unificación; y que una y otra vez asaltan, se entrometen, atraviesan e impregnan la labor de investigación.”

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6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. 7ª.ed. São Paulo: Perspectiva, 2011. BOSI, Ecléa. O tempo vivo da memória: Ensaios de Psicologia Social. 2.ed. São Paulo: Ateliê Cultural, 2004a. BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: Lembranças de velhos. 13.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2004b. CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Editora Ática, 2000. COSTA, Samira Lima da; MACIEL, Tania Maria de Fretas Barros. Os sentidos da Comunidade: a memória de bairro e suas construções intergeracionais em estudos de comunidade. Arquivos Brasileiros de Psicologia, v.61, n.1, 2009. CUELLAR, Edgar Barrero. De la memoria ingenua a la memoria crítica: nueve campos reflexivos desde la Psicología de la Liberación. In: CUELLAR, Edgar B. (ed); SALAS, Julio R. J. (comp.); ORTIZ, Claudia G. Memoria, silencio y acción psicosocial: reflexiones críticas sobre por qué recordar en Colombia. Bogotá: Cátedra Libre Ignacio Martín-Baró, 2010. DALGALARRONDO, Paulo. Religião, psicopatologia e saúde mental. Porto Alegre: Artmed, 2008. FERNANDES, Maria Inês Assumpção. Negatividade e vínculo: a mestiçagem como ideologia. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005. FREITAS, Maria de Fátima Quintal de. Construcción y consolidación de la psicología social comunitaria en Brasil: Conocimientos, prácticas y perspectivas. In: MONTERO, Maritza; SERRANO-GARCIA, Irma (Comp). Historias de la psicología comunitaria en América Latina: participación y transformación. Buenos Aires: Paidós, 2011. GALEANO, Eduardo. Futebol ao sol e à sombra. Porto Alegre: L & PM, 2010. KOWARICK, Lúcio. Viver em Risco: sobre a vulnerabilidade socioeconômica e civil, São Paulo: Editora 34, 2009. KOWARICK, Lúcio. A Espoliação Urbana. 2ª. Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra: 1993. KOWARICK, Lúcio e MARQUES, Eduardo. (orgs). São Paulo: novos percursos e atores: sociedade, cultura e política. São Paulo: Editora 34, 2011. MONTERO, Maritza. Fortalecimiento de la ciudadanía y transformación Social: área de encuentro entre la Psicología Política y la Psicología Comunitária. PSYKHE, v.19, n.2, Santiago, 2010, pp.51-63. MONTERO, Maritza. Hacer para transformar: el método en Psicología Comunitaria. Buenos Aires: Paidós, 2006. MONTERO, Maritza. Introducción a la Psicología Comunitaria: Desarrollo, conceptos y procesos. Buenos Aires: Paidós, 2004. MONTERO, Maritza. Teoría y práctica de la Psicología Comunitaria: la tensión entre comunidad y sociedad. Buenos Aires: Paidós, 2003. OZÓRIO, Lúcia. Perspectivas da pesquisa comunitária: comunidade como práxis e seus diálogos com as histórias orais de vida. Estudos e Pesquisas em Psicologia v.7, n.1, UERJ, Rio de Janeiro, 2007.

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POLLAK, Michael. Memória e identidade Social. Estudos históricos, vol. 5, núm. 10, Rio de Janeiro, 1992, pp. 200-212. RAMOS, Conrado; Carvalho, João Eduardo Coin de. Espaço e subjetividade: formação e intervenção em Psicologia Comunitária. Psicologia e Sociedade. v.20, n.2, 2008. SAWAIA, Bader Burihan. Comunidade: a apropriação científica de um conceito tão antigo quanto a humanidade. In: CAMPOS, Regina Helena de Freitas (Org). Psicologia Social Comunitária: da solidariedade à autonomia. 13.ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2007 7. MEMORIAL Esta pesquisa representa mais do que o encerramento de um processo de formação; na verdade, ela significa a materialização de um aprendizado ocorrido parte em sala de aula, e parte na comunidade, pois se a formação compreende ensino, pesquisa e extensão, este trabalho de certa forma articula esses três aspectos. Além disso, os frutos das atividades desenvolvidas na comunidade foram compartilhados em vários espaços acadêmicos29. O diálogo com pares acadêmicos enriqueceu a compreensão dos rumos do trabalho. Foi a partir das aulas de Psicologia Social e Psicologia Social Comunitária (PSC) que surgiu meu interesse em começar um projeto de iniciação científica entre 2009 e 2010. A construção de tal projeto de pesquisa tinha como objetivo estudar as relações interpessoais no cotidiano de um Centro Comunitário localizado em um bairro da periferia e acabou culminando em um estudo participativo sobre a história do bairro, no caso, o Jardim Brasília. Entre outubro e dezembro de 2010, realizei o trabalho de campo da iniciação científica no Centro Comunitário. Em fevereiro de 2011 retornei à instituição com a proposta de formar um grupo com moradores do bairro, como parte das atividades da disciplina chamada “Psicologia em Ações e Organizações Comunitárias” que corresponde a um estágio. A proposta foi aceita e o estágio foi realizado seguindo os fundamentos metodológicos de intervenção em PSC. A escolha do tema dessa pesquisa decorreu da relação estabelecida com o grupo de moradores do Jardim Brasília, com quem trabalhei durante e após esse estágio, entre 2011 e 2013. A expectativa agora é de que este relatório possa ser útil tanto para os moradores e moradoras do Jardim Brasília, quanto para futuros pesquisadores e pesquisadoras que tenham interesse em enveredar por caminhos semelhantes, para que se beneficiem dos acertos e principalmente evitem incorrer nos mesmos erros. 29

Os resultados do estágio foram apresentados em eventos acadêmicos (Encontros, Congressos etc.) nos níveis nacional e regional. Para cada apresentação em espaços acadêmicos era realizada uma conversa sobre o trabalho com o grupo da comunidade.

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