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May 28, 2017 | Autor: Fabiane Sgorla | Categoria: Visibilidade Midiática
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A “visibilidade midiática” - da “sociedade midiática” à “sociedade midiatizada” Fabiane Sgorla

Resumo Estar visível na esfera social é uma necessidade dos atores sociais, sejam eles individuais ou coletivos. Atualmente, os espaços midiáticos são considerados o cenário principal para se buscar a visibilidade, a qual é entendida como “visibilidade midiática”. O presente artigo objetiva discutir a “visibilidade midiática” que se processa no contexto da “sociedade midiática” e no contexto da “sociedade midiatizada”. Compreende-se que a busca exagerada por espaços de “visibilidade midiática” acaba por gerar a exposição de situações privadas e íntimas – o que aponta para discussões éticas. Palavras-chave: mídia; visibilidade midiática; sociedade midiática; sociedade midiatizada Introdução Os atores sociais, individuais ou coletivos, possuem uma necessidade iminente de se tornarem visíveis na esfera social. Essa visibilidade permite que suas existências sejam reconhecidas e, a partir disso, estabeleçam-se os processos de comunicação, os quais compreendem vários tipos de relações, interações, intercâmbios e trocas entre os atores componentes de diferentes campos sociais. O desenvolvimento tecnológico fez com que o local geográfico em que as práticas sociais se realizam não fosse mais a única circunstância de visibilidade. No decorrer dos tempos, os espaços midiáticos, sejam eles meios de comunicação massivos ou até mesmo os blogs pessoais, passaram a ter papel importante no movimento de buscar por visibilidade. A categoria de visibilidade que perpassa os espaços midiáticos é considerada como “visibilidade midiática”. Com o presente artigo, objetivamos entender o processo de visibilidade dos campos e atores sociais, bem como caracterizar a “visibilidade midiática” que se desenvolve no contexto da “sociedade midiática” e da “sociedade midiatizada”. Para tanto, utilizamos a metodologia da pesquisa bibliográfica. Conforme as pesquisadoras Marina de Andrade Marconi & Eva Maria Lakatos (2006), o aprofundamento bibliográfico é um procedimento sistemático, reflexivo e interpretativo, controlado e crítico, que consente ao investigador encontrar novos conteúdos situados em diferenciadas áreas.



Mestre em comunicação Midiática pela Universidade Federal de Santa Maria e integrante do Grupo de Pesquisa Comunicação Institucional e Organizacional UFSM/CNPq. Jornalista. E-mail:[email protected]

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As várias possibilidades de visibilidade, através de espaços midiáticos, têm gerado implicações nos modos de pensar e agir de todos que compõem o tecido social, em suas formas comunicacionais, bem como na constituição das sociedades na contemporaneidade. Desse modo, o presente estudo colabora com as discussões, caracterizações e análises das transformações percebidas nos processos de “visibilidade midiática”, indispensáveis para o reconhecimento social e comunicação entre os campos sociais. Este artigo está dividido em quatro momentos. Primeiramente, consideramos a visibilidade a partir dos pressupostos de Renann Mafra (2006), John B. Thompson (1998, 2005) e Rousiley Celi M. Maia (2006). No segundo tópico apresentamos o contexto da “visibilidade midiática” que se desenrola na “sociedade midiática”, conforme Adriano Duarte Rodrigues (1997, 1985), Antônio Fausto Neto (1999, 2006a, 2006b), Maria Ivete Trevisan Fossá e Jaqueline Quincozes Silva Kegler (2008) e Thompson (2005). No terceiro tópico trazemos a questão da “visibilidade midiática” que se constitui na conjuntura da “sociedade midiatizada” - reflexão baseada nas acepções de Fausto Neto (2006b, 2007), Pedro Gilberto Gomes (2007), Magda Rodrigues da Cunha (2008), Eugenia Mariano da Rocha Barichello (2008), Fossá e Kegler (2008) e Muniz Sodré (2002).

Os processos de visibilidade Entendemos aqui que o termo visibilidade está conectado à ideia de estar visível, aparente, manifesto e percebível em determinado espaço social, em certo período. Ao estudar os processos de visibilidade dos atores sociais, Mafra (2006, p.46) propõe que “[...] tornar um tema visível é, antes de tudo, conferir-lhe existência. E essa é uma das condições para que um processo comunicativo seja estabelecido”. Tornar um tema visível representaria então “[...] o primeiro passo para o estabelecimento de um processo comunicativo entre os sujeitos” (MAFRA, 2006, p.37). Logo, observamos que é através dos processos de visibilidade que os atores sociais buscam o reconhecimento de sua existência, bem como ativam a comunicação com os demais integrantes da sociedade. As possibilidades de visibilidade estão submetidas a certos recursos, linguagens e às estruturas sociais disponíveis em cada época. Nos antigos regimes, a visibilidade tinha tendência a acontecer em momentos presenciados fisicamente por mais de um ator social. De acordo com Thompson (1998), a visibilidade se registrava exclusivamente no local geográfico onde ocorriam as práticas, no interior do próprio campo social a que pertenciam os atores, sem romper suas fronteiras. O desenvolvimento tecnológico fez com que os espaços midiáticos se tornassem essenciais para o estabelecimento de amplas redes de visibilidade, pois oferecem múltiplas maneiras para a apresentação das práticas sociais – seja a partir de meios de comunicação de massa, como emissoras de rádio de audiência considerável e canais de televisão aberta, seja através dos sites e blogs na Web. Essa ordem específica de visibilidade, a qual é promovida pelas mais diferentes modalidades de espaços midiáticos, é reconhecida como “visibilidade midiática”. Segundo Maia (2003, p.7), o espaço de “[...] visibilidade midiática é constituído por uma complexidade de conteúdos: materiais culturais e artísticos, de entretenimento, jornalismo de diferentes formatos, documentários, peças publicitárias”.

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Thompson (1998) configura a visibilidade nos espaços midiáticos como publicidade (tornar público) ou visibilidade mediada, em que os sujeitos envolvidos não precisam compartilhar o mesmo espaço e tempo. Segundo o autor:

O desenvolvimento da mídia criou novas formas de publicidade que são bem diferentes da publicidade tradicional de co -presença. A característica fundamental destas novas formas é que, com a extensão da disponibilidade oferecida pela mídia, a publicidade de indivíduos, ações ou eventos, não está mais limi tada à partilha de um lugar comum. Ações e eventos podem se tornar públicos pela gravação ou transmissão para outros fisicamente distantes do tempo e do espaço de suas ocorrências. Ações e eventos podem adquirir uma publicidade que independe de serem visto s ou ouvidos diretamente ou por uma pluralidade de indivíduos co -presentes. (THOMPSON, 1998, p.114)

Para Mafra (2006, p.49), temos hoje um “espaço de visibilidade pública” como espaço mediado (através de espaços midiáticos e não midiáticos) ou físico em que um determinado assunto se torna visível e disponível para uma determinada coletividade. Esse “espaço de visibilidade pública” é dividido pelo autor em: a) “espaço de visibilidade midiático massivo” - referente às emissoras de televisão e de rádio, jornais e revistas de caráter massivo, b) “espaço de visibilidade midiático massivo local” - que tem o mesmo caráter do massivo em relação ao tratamento da informação, mas apresenta uma área de abrangência restrita em termos geográficos, c) “espaço de visibilidade dirigido” - gerado por veículos de comunicação, programas de televisão e rádio ou ainda revistas e jornais direcionados para um público específico (nesse espaço o autor inclui as estratégias não necessariamente midiáticas, tais como os eventos, por exemplo), d) “espaço de visibilidade presencial” - caracterizado pela copresença física como, por exemplo, as praças e e) “espaço de visibilidade telemático” - gerado através dos mecanismos da Internet. A seguir, buscamos entender como a “visibilidade midiática” é discutida nos dois cenários sociais contemporâneos que apresentam a imbricação dos meios de comunicação, suas tecnologias e lógicas na vida campos e atores sociais: a “sociedade midiática” e a “sociedade midiatizada”. Distintas estratégias são associadas à ordem da “visibilidade midiática” em cada contexto e repercutem, a partir de suas singularidades, nos processos de reconhecimento e de comunicação recorrentes.

A visibilidade na “sociedade midiática” Em seus estudos, o pesquisador português Rodrigues (1997) apresenta a configuração dos campos sociais. Um campo social é composto por atores sociais individuais e coletivos e comporta saberes específicos de uma determinada área de conhecimento. As competências, as lógicas, as estratégias e os valores dos campos sociais são registrados em protocolos ou gramáticas que se aplicam através de uma forma simbólica exclusiva, garantindo singularidade a cada um deles. São vários os campos sociais que coexistem na esfera social como, por exemplo, o campo político, o campo jurídico, o campo econômico, campo da saúde e o campo da educação. Na modernidade, Rodrigues (1997) observa que o Campo dos Media (campo midiático ou campo das mídias), composto pelos meios de comunicação e seus atores Revista Tecer - Belo Horizonte – vol. 3, nº 4, maio 2010

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individuais, aparece com relativa autonomia frente aos demais campos e situado em posição central. Nas palavras de Rodrigues, o Campo da Media é visto como uma:

[...] instituição de mediação que se instaura na modernidade, abarcando, portanto, todos os dispositivos, formal e info rmalmente organizados, que têm como função compor os valores legítimos divergentes das instituições, que adquirem nas sociedades modernas o direito a mobilizarem autonomamente o espaço público, em ordem à persecução dos seus objetivos e ao respeito dos seu s interesses. (1997, p. 152)

O Campo dos Media passa a ser um importante espaço de representação e mediação das relações entre os campos sociais. A inserção das questões acerca dos campos sociais no Campo dos Media proporcionar-lhes a sobrevivência, tendo em vista que cada campo social necessita se relacionar e realizar trocas, intercâmbios e interações com os outros para permanecer em conexão com o todos. A mídia, então, acaba sendo “[...] esfera obrigatória da visibilidade e da notoriedade” (RODRIGUES, 1985, s/p). Conforme Fausto Neto (1999, 2006b), os meios de comunicação apresentam uma série de singularidades tais como: estruturam-se no espaço público e o estruturam; atuam no espaço público através de suas próprias regras e competências; funcionam como dispositivos de organização e interação entre os campos sociais e garantem a visibilidade aos campos e atores a partir de apresentação de suas práticas. Por sua competência discursiva e seu trabalho simbólico, desencadeados nos processos de mediação e representação, o Campo dos Media é responsável pela produção dos sentidos que circulam nas sociedades, construindo a própria realidade social e organizando a vida coletiva ao seu modo. Esse tecido social peculiar em que os meios de comunicação assumem posição de centralidade é considerado como “sociedade midiática” ou “sociedade dos meios”. Para Fausto Neto (2006b, p.23), na “sociedade midiática”, “os meios se constituem em setores estratégicos, no âmago da vida e da dinâmica tensional dos campos sociais”. Ao encontro disso, Fossá e Kegler (2008, p.252) observam que, de modo prático, “[...] quem “vive” na sociedade midiática considera a mídia como um poder, o meio de comunicação influenciando comportamento e opiniões simplesmente através de seu veículo de mídia: um jornal, um telejornal, uma revista.” Nesse cenário, a visibilidade que se processa nos meios de comunicação tradicionais, e geralmente massivos, acaba sendo considerada como uma espécie de referência para a existência social, tanto que alguns estudiosos chegam a defender a expressão extrema de que “o que existe é o que está na mídia”. Esse entendimento incentiva os campos sociais a desenvolverem estratégias com o objetivo de conquistar os espaços de “visibilidade midiática”, com a finalidade de alcançar os benefícios advindos dessa visibilidade. Entretanto, tornar-se visível através de meios de comunicação não se caracteriza como procedimento meramente espontâneo ou passivo. Os bastidores desse processo revelam que há uma disputa, que envolve estratégias de composição daquilo que se deseja mostrar e de negociação com o campo midiático. Cada estratégia para a busca de determinada forma de “visibilidade midiática” é planejada no interior de cada

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campo social, estabelecidas.

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modo

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se

baseia

em

metas

previamente

Nessa linha de raciocínio, Fausto Neto (2006a, p.55) considera que existe “a produção de um trabalho - de constituir-se e de tornar-se visível - que se faz em função e por conta da existência da cultura midiática”. O autor ancora seu postulado nas argumentações de Thompson, que compreende que a “visibilidade midiática” “[...] não é simplesmente um veículo através do qual aspectos da vida política e social são dados a conhecer às outras pessoas: ela, a visibilidade midiática, tornou-se uma das principais alavancas através das quais as lutas sociais e políticas são conduzidas e articuladas” (THOMPSON, 2005 apud FAUSTO NETO, 2006a, p.56). Como uma apreciação prática das argumentações apresentadas, recorremos ao exemplo dos sistemas organizacionais e empresariais. Independente da área em que atuam, produtos ou serviços que ofereçam, as empresas possuem uma necessidade iminente de se tornarem visíveis e, por meio disso, serem reconhecidas pelos seus públicos, ampliando suas fronteiras. Sendo assim, para ter “visibilidade midiática”, elas se ocupam em desenvolver estratégias para inserir suas questões nos meios de comunicação social, seja através de anúncios pagos em rádios, revistas ou televisão, por exemplo, ou, seja a partir de envio de releases para a redação de jornais e a criação de eventos que chamem a atenção de jornalistas - gerando reportagens que façam referência as suas questões. Logo, na “sociedade midiática”, a “visibilidade midiática” (principalmente a possibilitada por mídias tradicionais e massivas) acabou se tornando uma importante estratégia para que os campos sociais e seus respectivos atores tivessem suas existências reconhecidas na esfera social e despertassem processos de comunicação necessários a sua sobrevivência. No tópico seguinte, apresentamos o panorama da “sociedade midiatizada” em que a maturação tecnológica, concomitante à popularização das tecnologias para a comunicação midiática, acaba por dilatar as possibilidades da “visibilidade midiática”.

A visibilidade na “sociedade midiatizada” A conjuntura contemporânea é delineada pelos processos globalizantes, responsáveis por marcantes transformações econômicas, políticas, culturais e sociais. Concomitante à globalização está o desenvolvimento e a intensificação das convergências de tecnologias de informação e comunicação, principalmente as relacionadas à informática, às telecomunicações e às audiovisualidades. Essas tecnologias, acopladas aos meios de comunicação já existentes (rádio, televisão e imprensa) ou geradoras de novos espaços midiáticos, vêm estendendo consideravelmente as redes de “visibilidade midiática”. O que notamos hoje é que certas tecnologias midiáticas (até então exclusivas do Campo dos Media), bem como suas lógicas, linguagens e estratégias, tornam-se disponíveis para serem utilizadas no perímetro dos demais campos sociais e com isso acabam por ser incorporadas no cotidiano dos diferentes atores, engendrando-se nas dinâmicas recorrentes na esfera social. Esse fenômeno é chamado pelos pesquisadores de “midiatização” e configura a “sociedade midiatizada” (SODRÉ, 2002; FAUSTO NETO, 2006a, 2007).

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Como pontua Fausto Neto (2006b), a “sociedade midiatizada” é um avanço deste momento. Ela se traduziria na complexificação dos processos de comunicação, na medida em que não se restringe ao trabalho de mediação dos meios de comunicação mais tradicionais, mas na existência de toda uma organização e temporalidade que é atravessada pela lógica da “técnico-interação midiática”. Para o autor a “midiatização”:

Trata-se de uma nova ambiência, de uma nova forma de vida que resulta da inscrição crescente das tecnologias nos processos de interação das práticas sociais, que passam a ser organizados pela “sócio-técnica”. Nesses termos, a experiência contemporânea é realizada por novos artefatos, cuja lógica, forma de saber de pensar e de fazer, decorrem menos dos funda mentos clássicos nos quais se produzam os vínculos sociais, e mais e mais da ordem informatividade . (FAUSTO NETO, 2006b, p.23 -24)

Nesse cenário, seriam poucas as práticas sociais que escapariam da ordem da “midiatização” e o próprio "modo de ser" da sociedade em que a “midiatização” se registra estaria sendo afetado. Ao discutir as questões associadas a “midiatização”, Gomes (2007) afirma que a sociedade atual percebe e é percebida a partir da “midiatização” e a posição dos meios de comunicação como palco e a sociedade como platéia, típica da “sociedade midiática”, parece extrapolada. Estaríamos agora em um teatro de arena, em que não mais se pode falar de palco e platéia, “[...] pois é impossível pensar uma realidade sem palco, uma vez que ele tomou tudo. As pessoas não distinguem mais a sua vida separada do palco, sem ele” (GOMES, 2007, p.4). Na “midiatização”, a percepção fixa do ‘emissor’ e do ‘receptor’, típica dos modelos clássicos da comunicação – que se desenrola no âmbito dos meios de comunicação tradicionais e que preza a lógica emissor-mensagem-receptor –, passa a ser mais complexa. O que vemos atualmente é que as funções desses atores são reconfiguradas: o leitor pode assumir características de autor e vice-versa e ambos adquirem o papel de interagentes. Assim, o ‘emissor’ e o ‘receptor’ não são mais vistos como pólos estanques e se tornam híbridos, mestiços, trocando suas atribuições. Nesse viés, Cunha (2008, p.1) conclui que “os papéis assumidos anteriormente por um profissional hoje podem estar nas mãos de um narrador independente, que antes ocupava apenas o espaço de leitor”. Os casos do “Jornalismo Cidadão” e do “Jornalismo Participativo” exemplificam a permutação de posição dos autores e dos leitores. Ao se apropriar das tecnologias midiáticas e suas respectivas técnicas, estratégias e lógicas qualquer ator social tem agora a oportunidade de publicar conteúdos, bem como criar e gerenciar seu próprio espaço midiático na Internet e, a partir daí, tornar visíveis as suas questões. Retornando ao exemplo dos sistemas organizacionais e empresariais, agora no contexto da “sociedade midiatizada”, verificamos que, além de buscar os meios de comunicação tradicionais, eles se ocupam em elaborar seus próprios espaços midiáticos para a sua “visibilidade midiática”. Pelo potencial abrangência de público, possibilidade do controle total das informações publicadas, espaço e tempo ilimitado para publicação de informações, linguagem multimídia, possibilidade de interação, entre outros aspectos, os sites na Internet são utilizados por muitas empresas. Associados aos sites encontrarmos também os blogs, nos quais as empresas abrem espaço para Revista Tecer - Belo Horizonte – vol. 3, nº 4, maio 2010

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a interação com os públicos, provocando um tipo específico de visibilidade, a qual é constituída a partir da participação de muitos e que, por suas especificidades, ainda merece estudos detalhados. Barrichello (2008, p. 240) entende que “a comunicação das organizações cada vez mais utiliza de estratégias provenientes do campo das mídias para articular sua interação com os públicos”. Para Fossá e Kegler (2008), os espaços midiáticos advindos da Internet estendem às organizações (e também empresas) a oportunidade de “autogerenciar” sua visibilidade, de maneira estratégica. Assim sendo, as organizações são hoje responsáveis “[...] pela autogerência de sua visibilidade, através de estratégias de comunicação organizacional, em materialidades que podem ser dispostas diretamente ao público, sem a interferência ou elo determinado pelos meios de comunicação tradicionais” (FOSSÁ; KEGLER, 2008, p.266). Thompson (1998) dá exemplos das mudanças na natureza da publicidade no âmbito do campo político, a partir o surgimento de novos processos de administração da visibilidade política. Com o advento da imprensa, os governantes tiveram de se preocupar cada vez com sua apresentação diante das audiências que não estavam fisicamente presentes. “O desenvolvimento da televisão reenfatizou a importância da visibilidade no sentido estreito da visão (isto é, capacidade de ser visto com os olhos)” (THOMPSON, 1998, p.123). No entanto, não há dúvida de que hoje o maior palco de visibilidade para os políticos são as redes sociais. Nas redes sociais, os políticos se apresentam a seu modo, administrando sua visibilidade e interagindo com o seu eleitor. Por outro lado esta estratégia pode ser um risco para a reputação de alguns, tendo em vista que o eleitor pode dar visibilidade a todo tipo de informação referente aos políticos, até mesmo informações que colocam em xeque a sua reputação, levando a discussões éticas. Ao examinar os discursos sociais (na esfera política, educacional, religiosa e da saúde) na “midiatização”, Fausto Neto (2007, p.1) constata que os campos apresentam “manifestações complexas de operações de apropriação de características midiáticas, redesenhando suas gramáticas e suas estratégias de reconhecimento.” Assim, essa nova configuração das rotinas dos campos e atores sociais no contexto midiatizado – por intermédio da adoção de características da cultura da mídia – passou a compor as principais táticas para a visibilidade social. Nesse esquema nada acontece de forma aleatória ou despretensiosa, sem planejamento. Determinados campos e atores sociais elaboram, estrategicamente, artifícios para ampliar a absorção das lógicas midiáticas, assumindo a gramática própria do campo midiático em suas conformações. Ao se apropriarem dessas características (mesmo que não abram mão de seus principais elementos constituintes) eles as utilizam no sentido de produzir novas estratégias para conseguir visibilidade, a fim de garantir sua existência na “sociedade midiatizada”. Esses fenômenos indiciam a configuração de novos quadros de sociabilidades, novos hábitos, padrões identitários e culturais (SODRÉ, 2002). Verificamos a expansão e a complexificação de todas as práticas de visibilidade, práticas de reconhecimento e práticas comunicacionais, gerando transformações expressivas nos sistemas mentais e cognitivos e nas formas de assimilação dos conhecimentos. A repercussão disso é marcante na construção dos significados e sentidos socialmente participados, na formação de cada ator social, em suas ações e reações cotidianas e estratégias de sobrevivência. Revista Tecer - Belo Horizonte – vol. 3, nº 4, maio 2010

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Observamos, então, que no cenário da “sociedade midiatizada”, as redes de “visibilidade midiática” são dilatadas e o sentido de estar visível na esfera social parece tomar vigor e magnitude, pois agora os campos e atores sociais têm a oportunidade de projetar a sua “visibilidade midiática”, através de meios gerenciados por eles mesmos. Isto, contudo, não quer dizer que a “visibilidade midiática” tal qual é destacada no contexto da “sociedade midiática” está desvalorizada. O que acontece é que os meios de comunicação tradicionais (Campo dos Media - antes principais e talvez únicos locais de “visibilidade midiática”) agora compartilham espaço com mídias controladas pelos demais campos e atores sociais, em um ambiente de novas e infinitas formas de “visibilidade midiática”. Em defesa de sua posição legitima de espaço de visibilidade, os meios de comunicação tradicionais passam a ter suas funções rediscutidas, recriam seus modos de reconhecimento e alimentam-se também de conteúdos produzidos a partir de processos de visibilidade acionados em mídias gerenciadas pelos demais campos e atores sociais. Assim, entendemos que atualmente as características da “visibilidade midiática” que se processa na “sociedade midiática” e a “visibilidade midiática” que se desenrola na “sociedade midiatizada” coexistem e, por vezes, acabam mesclando-se.

Considerações finais Estar visível na esfera social sempre foi um dos principais objetivos dos campos sociais e seus componentes, que buscam reconhecimento e, a partir disso, ativar processos de comunicação na sociedade da qual fazem parte. Os diversos meios de comunicação têm sido fundamentais na promoção da visibilidade dos integrantes do tecido social – conformando a ordem da “visibilidade midiática”. Ao caracterizar a “sociedade midiática”, verificamos que nesse contexto a “visibilidade midiática” se processa através de uma disputa por espaços nos meios de comunicação institucionalizados, tradicionais e de massa - localizados no perímetro do Campo dos Media. Nesse âmbito, os distintos campos sociais e atores se preocupam em elaborar estratégias para chamar a atenção das mídias, especialmente da instância do jornalismo, e ter suas questões veiculadas, por exemplo, em programas televisivos, jornais e revistas de grande circulação - atingindo determinada “visibilidade midiática”. Na caracterização da “sociedade midiatizada”, observamos que as incursões das tecnologias e das lógicas advindas dos meios de comunicação (principalmente das potencialidades das tecnologias digitais e associadas à Internet) no dia a dia dos campos e atores sociais vêm afetando a natureza do processo de construção da “visibilidade midiática” conhecidos até então. A tecnologia, a técnica, a linguagem, as estratégias e as operações midiáticas, antes exclusivas do Campo dos Media, agora estão nas mãos dos mais diferentes atores, os quais têm as condições necessárias para criar e controlar seus próprios espaços midiáticos, projetando sua “visibilidade midiática”. Os cenários da “sociedade midiática” e da “sociedade midiatizada” coexistem na atualidade e ambos apresentam a ordem da “visibilidade midiática” como um de seus princípios norteadores. Contudo, percebemos uma diferença relacionada ao protocolo que rege as estratégias de visibilidade, pois as possibilidades que os campos e atores sociais possuem de desenvolver e controlar seus próprios espaços midiáticos, observada na “sociedade midiatizada”, fez com que neste cenário a “visibilidade midiática” tenha maior amplitude que no cenário da “sociedade midiática”. Revista Tecer - Belo Horizonte – vol. 3, nº 4, maio 2010

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Lutar por espaços de visibilidade social pode ser considerado hoje como uma das mais relevantes táticas de sobrevivência adotadas. Não obstante, temos de observar que, embora se remeta relevância à visibilidade possibilitada pelos diferentes espaços midiáticos, não significa que a existência fora das mídias seja considerada insignificante ou esteja invalidada. O que notamos é que quem não tem passagem pelos espaços midiáticos se encontra fora de um vasto e diversificado ambiente de oportunidades de reconhecimento e de comunicação. O desafio hoje, tanto para os pesquisadores quanto para a sociedade, é discutir e refletir acerca das incursões sociais e culturais desdobradas a partir da dilatação das possibilidades de “visibilidade midiática”. É nesse momento que surgem os questionamentos éticos, pois a facilidade e multiplicidade de possibilidades de tornarmos visíveis diversos tipos de assunto, partindo de atores sociais que não são ligados ao Campo dos Media, tem levado, inevitavelmente, a superexposição de determinadas questões, como é o caso da publicação de detalhes da vida privada dos indivíduos.

Abstract: To be visible in the social environment is a necessity of the social actors, individual or collective. Nowadays, the media is considered as the primordial scene to search the visibility, which is called “media visibility”. Through this paper the goal is to discuss about the “media visibility” processed in the “media society” and “mediatic society”. In conclusion, the exaggerated search for “mediatic visibitility” spaces generates the exposition of private situations. This situation results ethical dilemmas. Key-words: media; media visibility; media society; mediatic society

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