Técnica e Tecnologia na Vanguarda da Música Visual (2015)
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Técnica e Tecnologia na Vanguarda da Música Visual – de Oskar Fishinger a John Whitney Ariane de Souza Stolfi Universidade de São Paulo Programa de PósGraduação em Música 2015 Trabalho de conclusão para disciplina CMU5488 Vanguarda, Tradição e Ruptura: o Experimentalismo na Música Professor Fernando Henrique de Oliveira Iazzetta Resumo Neste artigo, procuraremos compreender o papel da técnica e da tecnologia na obra de representantes de duas gerações da vanguarda da "música visual", Oskar Fischinger, pioneiro da animação abstrata e também da síntese ótica sonora, e os irmãos Whitney, pioneiros na utilização de computadores na produção audiovisual. Fishinger e a "música visual abstrata" Oskar Fischinger (19001967) escreveu pouco sobre a sua obras, e apesar de curtos, seus textos são bastante significativos, mas para compreender seu trabalho nos amparamos principalmente nos trabalhos de William Moritz, que vem pesquisando a obra do artista por mais de 40 anos. No Livro Optical Poetry: The life and work of Oskar Fischinger , Morritz faz uma completa biografia do autor, e reúne também os textos do próprio, bem como declarações de outros artistas sobre sua influência Morritz é um entusiasta da chamada música visual, termo que compreende uma série de conceitos e processos, dos color organs à animação abstrata, e cuja história remonta à filosofia de Aristóteles, como afirma no texto Enligntenment , de 1998:
A música visual goza de uma história longa e complexa, das especulações filosóficas aos órgãos de cor de Father Castel e Rimington, Mysterium de Scriabin aos filmes de animação abstrata de Eggelin, Ruttman e Fischinger, os "poemas" Dada/Surrealistas de Man Ray ou o Entr'acte de SatiePicabiaClair, ou os igualmente "Surrealistas" filmens de Len Lye.1
A produção desses artistas de vanguarda é bastante extensa, então nos concentraremos aqui na obra de Fischinger do começo de sua carreira, para refazer o percurso do desenvolvimento dos seus "filmes não objetivos" até seu encontro com os irmãos Whitney na California, para então observar como eles colocaram o computador neste processo, que levou John a conceber uma nova proposta de instrumento audiovisual baseado em princípios de harmonia musical. Este percurso também acompanha parte da mudança do paradigma de técnica e tecnologia ao longo do século passado, do surgimento do cinema, e consequentemente da imagem em movimento, até a aplicação da computação digital nas artes visuais. Entendendo aqui, como aponta Rutsky (1999) a "essência da tecnologia" como na concepção de Heideger, "não como uma categoria estática e ideal, mas um processo ou movimento contínuo, dinâmico", "uma noção mais ampla de tecnologia" , "mais como um conceito geral de fazer e produzir, incluindo a produção artistica". Tendo uma formação em ciências, a tecnologia foi bastante importante para o jovem Fischinger. Sua paixão pela música o levou aos 14 a trabalhar como aprendiz em uma fábrica de órgãos. Posteriormente, a vocação para as artes gráficas o levou a trabalhar como desenhista técnico de arquitetura. Aos 16, já em Frankfurt, Oskar teve contato com o artigo crítico de teatro Dr. Bernhard Diebold, Expressionismus und Kino (Expressionimo e Cinema), que conclamava uma nova mistura "das artes plásticas, musica, dança e cinema"2 um novo tipo de artista que se embasaria na sabedoria acumulada em todos esse campos para criar uma nova Gesamtkunstwerke ("Obra de 1
"Visual music enjoys a long and complex history from the philosophical speculations of Aristotle and Leonardo, through the color organs of Father Castel and Rimington, Scriabin's Mysterium , to the abstract animated films of Eggeling, Ruttmann, and Fischinger, the Dada/Surrealist "poems" of Man Ray or the SatiePicabiaClair Entr'acte , or the equally "Surrealist" films of Len Lye." (Morritz, 1998) 2 Moritz, 2004p. 5
arte total", termo de Richard Wagner), de natureza abstrata e controlada no espaço e no tempo. Ele também foi bastante influenciado pelo trabalho de Walter Ruttman, que fez a primeira animaçãos abstrata a ser exibida em público Lichtspiel Opus 1. Diebold foi quem encorajou Fischinger a filmar seus primeiros desenhos, e quem sugeriu que pudesse chamalós de "Música Visual abstrata". Nas suas experiências para conseguir desenvolver um processo para realizar filmes de animação abstrata, Fischinger começou a trabalhar com substâncias maleáveis como cera e inventou por volta de 1924 uma máquina, a "Wax Machine" (figura 1), que consistia em uma câmera sincronizada a uma guilhotina, que ia fotografando e ao mesmo tempo removendo pequenas faixas de uma matriz de cera. O processo permitia a criação de animações abstratas (figura 2) de uma maneira muito mais rápida e mais precisa do que desenhando quadro a quadro manualmente as figuras. Apesar não existirem registros dos filmes originais feitos com essa técnica, sabemos que ele desenvolveu várias animações, algumas das quais foram recortadas e utilizadas posteriormente como base para outros filmes. Com ajuda de um sócio, Fischinger montou uma empresa em Munique, para vender sua máquina3 e também motores a gás, mas dificuldades financeiras o obrigam a fechála e fugir para Berlin somente com uma câmera, onde passou a procurar compradores para seus filmes.
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Walther Ruttman, pioneiro da animaçao abstrata, a quem Fischinger muito admirava, chegou a financiar a empreitada de Fischinger, mas não conseguiu utilizála de maneira prática no seu processo de produção e devolveu a máquina a Oskar. (Morritz, 2004)
figuras 1 e 2. À esquerda, foto da máquina de cera de Fischinger, e à direita, slide de um experimento em animação com cera. (Morritz, 2004, p. 8)
Em 1928, passa a trabalhar para o estúdio UFA, ajudando a produzir os efeitos especiais do icônico filme de Fritz Lang, "Frau im Mond" (Viagem à Lua). Quando o filme foi lançado, em 1929, a nova sensação do cinema era o som, o que fez com o filme de Fritz lang, com todos seus efeitos especias ficasse parecesse antigo perto de um documentário lançado por Whalther Ruttman no mesmo ano, "Melodie der Welt" (Melodia do Mundo), com sua trilha sonora impressionante. Admiração de Fischinger por Ruttman o deixava tímido para concorrer com ele no mercado de filmens abstratos, mas agora que este passou a filmar documentários, Oskar pode pensar em fazer seus próprios filmes nãoobjetivos. Ele desenvolveu uma técnica com desenho à carvão, mais prático do que o processo de produção com a máquina de cera e passou a produzir uma série de filmes chamados Studie (que em três anos chegou ao número 11). Nesse momento, a relação de Fischinger com a música recomeça: o Studie 2 , foi, segundo Morritz, desenvolvido como um anúncio para o disco "Vaya Veronika" vendido pela Electrola nas lojas de disco. Em uma carta para à empresa de 1930, Fischinger afirma que cerca de 15.000 pessoas tinham tido conhecimento do álbum através de de seus filmes. Se podemos considerar como
aponta Gell (1999) que a arte é uma espécie de "tecnologia do encantamento", Fischinger tinha noção desse poder e o utilizava como moeda para negociar com a empresa. Seus filmes fizeram muito sucesso comercial, e geraram artigos, críticas e ensaios, o crítico de dança Fritz Böhme, por exemplo, proclamou seus filmes como "A dança do futuro". Fischinger tinha um interesse grande por fenômenos místicos e científicos e relacionava as teorias da relatividade de Einstein e a mecânica quântica de Heisenberg com Teosofia, Antroposofia, Budismo, Vedanta e várias outras religiões orientais. Seus filmes por vezes refletem essa busca energética, causando prazer e encantamento e "sempre uma nova revelação sobre algum nuance ou interação de matéria cósmica e espiritual"4. Parte desse encantamento. vem da perfeita sincronia do som com a imagem em seus filmes, que dependida de um processo bem trabalhoso: Oskar fazia um "X" nas gravações fonográficas e calculava o tempo exato utilizando uma régua e cálculos matemáticos para compensar a diminuição do tamanho das faixas em direção ao centro do disco 5. O processo não envolvia nenhum maquinário específico, mas sim um grande grau de habilidade técnica, de conhecimento matemático e um esforço meticuloso. No entanto, Fischinger não pensava no seu trabalho como uma mera "ilustração" da música, mas somente como uma mediação para facilitar a aceitação da sua "arte cinética abstrata" pela audiência6. As técnicas avançadas de animação que Oskar dominava o tornavam uma pessoa requisitada pela indústria cinematográfica para a realização de efeitos especiais no cinema, o que lhe rendeu o apelido de The wizard of Friedrichstrasse . Embora não houvesse nada de sobrenatural em técnicas como a utilização de camadas
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Morritz, 2004.pg 29 Op. cit., p. 36 6 Op. cit., p. 38 5
sobrepostas de vidro, a primazia com que eram executadas, e o deslumbramento causado nos espectadores faziam com que seu trabalho pudesse ser considerado também nessa dimensão mágica. Apesar dessa parceria com a Eletrola , Fischinger dependia de uma aprovação direta dos compositores para usar as musicas e em um certo ponto a ter problemas com os direitos autorais. No studie 6 , por exemplo, disputas com Jacinto Guerrero, o autor do fandango Los Verderones , que Fischinger usou como base para a produção do filme, fizeram com que ele desistisse de lançálo comercialmente, já que todo o trabalho já estava sincronizado com a obra, e não seria possível refazêlo. Posteriormente, Oskar veio a ter problemas também com os direitos de Aida , de Verdi e de l'apprenti sorcier de Paul Dukas. Os trabalhos mais significativos de Fischinger são certamente suas animações abstratas, mas ele havia percebido uma espécie de corelação entre os ornamentos abstratos que se tornavam suas animações na película e os desenhos nas trilhas sonoras de audio que os acompanhavam. Ele estava fascinado desde 1932 pela nova música que estava sendo produzida pelos novos instrumentos musicais surgidos, como o Trautonium,7 e se perguntava se havia uma correlação instrínseca entre forma e som, e se era possível criar um novo tipo de música a partir de desenhos abstratos 8. Isso se tornou uma obcessão tão grande que que levou Oskar a abandonar seus demais trabalhos, como o Studie no. 11 e dedicar seu estúdio e seu tempo a uma técnica para criar trilhas sonoras diretamente na faixa de áudio dos filmes (figura 3). Estudando as trilhas sonoras dos filmes convencionais, ele conseguiu decodificar o funcionamento do processamento do áudio e produzir melodias simples através do desenho do som. Não encontramos registros de áudio dessas experiências, mas o
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O Trautonium é conhecido como o primeiro instrumento de música eletrônica, inventado or Friedrich Trautwein por volta dos anos 30. 8 op. cit. p. 42
relato é de que quando os primeiros rolos foram tocados, os técnicos do cinema ficaram "horrorizados com os sons estranhos" e acharam que "aqueles rolos de ruído pudessem estragar seus equipamentos"9 .
Figura 3. O trabalho de desenho de som no estúdio de Fischinger emprega seu irmão Hans, sua esposa e mais três funcionários. Buscando financiamento para seu projeto, Oskar publicou o emblemático artigo Klingende Ornamente [Sounding Ornaments]. Nele Fischinger expõe sua teoria e fala sobre "as fantásticas possibilidades abertas para a composição musical no futuro10". O
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It quickly became a massive undertaking – and not an easy one: when he picked up his first reels of Ornament Ton [Ornament Sound] from the laboratory, and had them play the film on their test projector, the technicians were horrified by the weird sounds, and feared that any further such reels of noise might damage their equipment!" (op. cit. pg 43) 10 Fischinger, 1932.
domínio da técnica poderia libertar os compositores das notas musicais, que eles "nunca poderiam perceber definitivamente", e poderia forncêlos a capacidade de controlar cada nuance da música: Possibilidades que são definitivamente significantes para um escrupuloso e profundo criador de música, por exemplo, sobretons precisos e características timbrísticas de uma certa voz ou instrumento, podem ser reproduzidas com fidelidade precisa através desse padrões desenhados. Ou, quando desejável, o perfil das ondas sonoras pode ser sincronizado exatamente onda a onda, para que seus centros mortos coincidam, soando em perfeito acordo. Ou, mais ainda, novos sons musicais são possíveis agora, tons puros com uma definição precisa nas suas vibrações musicais que não poderiam ser obtidos meramente pela manipulação de instrumentos tradicionais.11
A forma como ele descreve o processo de produção das trilhas sonoras que ele imagina, "utilizando várias trilhas de 3mm correndo em paralelo", antevê o editor multipista digital tão amplamente utilizado nos estúdios hoje em dia. Fischinger não foi o primeiro artista a produzir essa forma de síntese sonora conhecida como síntese óptica. Em 1930, o artista soviético Arseny Avraamov, já havia desenhado trilhas sonoras de filme manualmente e em Munique, o artista Rudolf Pfenninger, também havia codificado uma forma de transformar desenhos em notas nas suas trilhas sonoras12, mas seu artigo, que foi republicado em vários periódicos especializados causou uma grande repercussão no mundo das artes. Em 1933, quando o partido nazista acendeu ao poder na alemanha, a arte abstrata passou a ser considerada degenerada, e a situação entre os artistas e intelectuais foi ficando cada vez mais delicada. A Bauhaus foi fechada e Oskar só conseguia produzir filmes publicitários em Berlin. Apesar das adversidades, conseguiu bastante sucesso 11
"Possibilities that are definitely significant for a scrupulous and profound creator of music, for example, precise overtones or timbres characteristic of a certain voice or instrument can be reproduced with accurate fidelity through these drawn patterns. Or, when desirable, the profile of sound waves could be synchronized exactly, wavetrough with wavetrough, so that their deadcenters would coincide, sounding in perfect accord. Or, furthermore, new musical sounds are now possible, pure tones with a precision of definition in their musical vibrations that could not be obtained formerly from the manipulation of traditional instruments." (op, cit.) 12 Holzer, 2010.
algumas campanhas de anúncios de cigarros, onde desenvolveu uma técnica de stop motion , calculando meticulosamente a posição da câmera e dos objetos quadro a quadro. Conseguiu produzir mais um filme abstrato Komposition in Blau (composição em azul), que com muito esforço foi aprovado pela censura. Em 1935, após várias dificuldades e perseguições com os nazistas na Alemanha, recebeu uma proposta para trabalhar para a MGM na Califórnia. A Paramount conseguiu trazêlo e passou a distribuir seu filme. A família deixou a Alemanha sem nada além de uma cópia de cada filme sonoros, que haviam sido despachados previamente acobertados. Seu irmão Hans, que foi durante vários anos seu parceiro de trabalho, ainda conseguiu publicar mais um filme na Alemanha, mas logo foi convocado para a Guerra onde desapareceu em combate13. A presença de Fishinger na América Não iremos tratar aqui das dificuldade e percalços de Fischinger na América, e procuraremos nos concentrar na influência que sua obra teve na produção da geração de artistas americanos que se seguiu. Em 1937, ele estava trabalhando em um novo projeto de animação abstrata An Optical Poem , quando foi introduzido por Gaya Schelker14 a John Cage. A idéia era de que ele pudesse compor uma trilha sonora mais "moderna e desafiadora"15 para seu filme, e Oskar acabou convidando o compositor para ajudálo com seu projeto e entender o processo de animação. An Optical Poem foi filmado usando animação stop motion ; dúzias de recortes individuais de papéis com formas geométricas eram arranjados no campo de filmagem e então reposicionados após a exposição de cada quadro de filme. Para esboçar a animação, Fischinger rascunhava uma notação gráfica temporal do movimento individual de cada figura pela tela (exemplo 1 – figura 4). Ele usava um rolo largo de papel quadriculado, onde o plano horizontal representava os quadros individuais. O papel quadriculado era subdividido em linhas individuais onde Fischinger esboçava o
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Morritz pg 4565 Gaya Schelker se proclamava representante na costa leste de um coletivo de pintores expressionistas de Berlin que incluía Lyonel Feininger, Alexej von Jawlensky, Wassily Kandinsky e Paul Klee. (Brown, 2012) 15 Morritz, p. 78 14
movimento geral das figuras pelo tempo. As linhas curvas e retas no exemplo especificavam poucos dos muitos movimentos pela cena desses recortes de papel." (Brown, 2012)16
figura 4 – Exemplo da notação gráfica que Fischinger usava para esboçar o movimento das figuras no espaço em An Optical Poem . (Brown, 2012)
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An Optical Poem was shot using stop motion animation; dozens of individual paper cutouts of geometric shapes were arranged on the shooting stage and then repositioned after each frame of film was exposed. To outline the animation, Fischinger sketched a graphictemporal notation of the movement of individual figures across the screen (Example 1). He used a large scroll of graph paper, where the horizontal plane represented the individual frames. The graph paper was subdivided into individual lines where Fischinger sketched the general movement of the figures over time. The curved lines and straight lines in the example specify a few of the many movements across the screen of the paper cutouts. (Brown, 2012 p. 97)
figura 5 – O estúdio de animação de Fischinger em An Optical Poem. (Morritz, 2004. pg 77)
A experiência de Cage no estúdio de animação (figura 5) teve um final quase trágico: em um determinado momento do processo, Oskar adormeceu e derrubou uma brasa no estúdio, iniciando um pequeno incêndio, Cage assustado, jogou um balde de água arruinando o cenário. A experiência apesar de curta, foi bastante significativa para Cage, que mais tarde homenageou Fischinger com um mesóstico (figura 6) e também levou o músico a pensar a percussão, como ele mesmo apontou em uma entrevista dada em 1968 a Daniel Charles: Um dia me introduziram a Oskar Fischinger, que fazia filmes abstratos precisamente articulados a peças musicais tradicionais. Quando fui introduzido a ele, ele começou falar comigo sobre o espírito que está em cada um dos objetos nesse mundo. Então, ele me disse, tudo que nós
precisamos fazer para liberar esse espírito é pincelar o objeto e trazer à luz seu som. Esta é a idéia que me guiou à percussão.(Brown, 2012)17
figura 6 – Mesóstico de Cage em homenagem a Fischiger, seguido de tradução por Gabriel Kerhart. (100 CAGE, 2012)
Até a notação gráfica que Fischinger desenvolveu também influenciou Cage, como aponta Brown(2012) em seu artigo The Spirit inside each object: John Cage, Oskar, Fischinger, and the "Future of music ", mas não foi somente ele que sofreu influência direta da presença de Fischinger na Califórnia, que fomentou toda uma geração de artistas, que incluíam os jovens Harry Smith, Jordan Belson e James Whitney.18 17
One day I was introduced to Oscar Fischinger who made abstract films quite precisely articulated on pieces of traditional music. When I was introduced to him, he began to talk with me about the spirit which is inside each of the objects of this world. So, he told me, all we need to do to liberate that spirit is to brush past the object, and to draw forth its sound. That’s the idea which led me to percussion. 18 Fischinger's presence in California fostered a "school" of color music, which included three young men, Harry Smith, Jordan Belson and James Whitney, who knew Fischinger and each other, each of whom forged a personal style and created a dazzling body of work rich in intricate visual nuance and spiritual expression. Morritz, 1998
Os irmãos Whitney e as experiências com impressão ótica James era apenas um garoto quando assistiu os primeiros filme de Fischinger em 1939. Seu irmão John, que havia sido introduzido à teoria musical de Shoemberg por René Leibovitz em Paris19 , detestou a música tradicional de seus filmes, James, segundo declaração dada posteriormente a William Morritz, "só via luz em em movimento". Para ele, a pintura estática nunca mais seria suficiente. Em 1940, James começou a colaborar com seu irmão John na produção de "filmes nãoobjetivos", ou filmes absolutos, como chamavam suas animações abstratas, e assim como Fischinger, que começou sua carreira desenvolvendo uma máquina para automatizar o processo de animação, John também construiu a sua própria máquina: John construiu uma impressora ótica para 8mm, para que ele pudesse reprocessar imagens básicas fotografadas em preto e branco, manipulando a variação em tamanho, velocidade, cor, etc. James idealizou um sistema de estênceis, através do qual imagens podiam ser aerografadas em papel de animação, criando formas com arestas duras ou suaves. (...) o primeiro desses filmes de 8mm, TwentyFour Variations on an Original Theme , foi visualmente construído em analogia aos princípios seriais de Shoemberg, com uma "linha tonal" ótica dada (uma configuração em forma de 'P' formada pela sobreposição de um círculo e um retângulo) submetida à várias inversões, agrupamentos, regressões, contrapontos etc. (Morritz, 1998)20
O fascínio de John pela música serial fez com que procurasse produzir som que fossem compatíveis com seus filmes, o que o levou a procurar o formato 16mm, que oferecia suporte para faixas sonoras. Curiosamente, apesar da rejeição justamente ao aspecto musical, das obras de Fischinger, eles chegaram a um processo de desenho de som parecido com o que Oskar desenvolveu na Alemanha, sem chegar a um 19
Morritz, 1998 John constructed an 8mm optical printer, so that they could reprocess basic images shot in black and white, manipulating the variations in size, speed, color, etc. James devised a system of stencils, through which images could be traced or airbrushed onto animation paper, creating hard or softedged forms. (...) the first of these 8mm films,TwentyFour Variations on an Original Theme, was visually constructed by analogy to Schoenberg's serial principles, with a given optical "tonerow" (a "P" shaped configuration formed by an overlapping circle and rectangle) submitted to various inversions, clustering, retrogressions, counterpoints, etc. (Morritz, 1998) 20
produto cinematográfico, mas ao invés da forma totalmente artesanal que Oskar e sua equipe trabalharam no seu estúdio, eles criaram um sistema mecanizado, baseado em conjunto de pêndulos que capaz de escrever ondas senoidais na faixa de som, uma impressora sonora, como ele explica abaixo: Nosso instrumento de som subsônico consistia em uma série de pendulos ligados mecanicamente a uma cunha ótica. (...) Nenhum som audível era gerado pelo instrumento. Ao invés disso, uma trilha sonora ótica de dimensões padrão era sintéticamente exposta no filme, que depois de processado podia ser tocado em um projetor de filmes padrão. (Whitney, 1980. pg 152)21"
Com esse instrumento, os irmãos fizeram Five Abstract Film Exercises . O resultado sonoro, que trazia ondas pura senoidais e até glissandos foram chocantes para época, e garantiu à dupla o prêmio pelo som na competição de filmes experimentais de Bruxelas de 1949. Enquanto seu irmão James – assim como Fischinger – foi com o tempo passando a se voltar mais à pintura e a questões mísiticas e de espiritualidade, John procurou a se dedicar mais ao desenvolvimento tecnológico e a sistematizar um pensamento sobre música e linguagem visual. Ao longo dos anos ele foi desenvolvendo um computador mecânico analógico, especialmente para animação com tipografia de "design concreto" (Youngblood, 1970), prestando serviços para a indústria de filmes, assim como Fischinger. Ele colaborou com Saul Bass na famosa abertura para o filme Vertigo , de Hitchcock, por exemplo22 . Sua máquina era formada por câmeras e mecanismos rotativos capazes de produzir imagens em movimento no filme a partir de moldes de cartolina e cálculos matemáticos complexos. Era, na visão de Youngblood, "um homem de amanhã no mundo de hoje". Whitney usou como base para seu primeiro computador analálogico um dispositivo antimísseis M5, ressignificando um 21
"Our subsonic sound Instrument consisted of a series of pendulums linked mechanically to an optical wedge. (...) No audible sound was generated by the instrument. Instead, an optical sound track of standard dimensions was synthetically exposed onto film witch after processing could be played back with a standard motion picture projector." 22 Berenger, 1992
equipamento militar, ou nas palavras de Youngblood, "uma arma da morte" em uma máquina capaz de produzir beleza. Mas o trabalho nesse computador, embora fosse automatizado por processos mecânicos, exigia um input analogico, uma forma básica que serviria como molde para o processamento computacional, sendo assim, ainda envolvia um grau significativo de artesanato, mesmo que fosse mínimo em relação à forma final atingida em seus filmes. O vídeo Catalog , de 1961 é um catálogo de efeitos visuais possíveis de serem desenvolvidos em sua máquina. John e James só voltaram a trabalhar juntos no computador analógico em 1964, para produção do filme Lapis, que James concluiu em 1966 com o auxílio de um sistema pioneiro de escaneamento e controle de movimento que fez muito sucesso mais a frente da década de 60.23 John Whitney e o computador digital Suas pesquisas com o computador analógico levaram em 1966 a IBM se tornar a primeira empresa a abrigar um artista em residência, para explorar as potencialidades estéticas da computação. O filme Permutations , seu primeiro desenvolvido em um computador digital, era considerado por John como o desenvolvimento de um novo modo de comunicação. Com a IBM, Whitney começou a trabalhar com o computador digital, que não exigia mais a necessidade dos estênceis analógicos. A mediação entre o artista e sua obra passa a ser um algoritmo, no caso, um programa chamado GRAF ( Graphic Additions to Fortran ) , desenvolvido pelo Dr. Citron: A linha de ataque no meu programa era começar com o que estava na mente do artista, e de alguma forma deixálo usar uma espécie de matemática que ele aprenda pela repetição de um 'programa de ensino', que o ensine a expressar o que está na sua cabeça visualmente. Uma vez que esse programa é escrito, o fato de que o programador que escreveu os algoritmos sabia o que
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Morritz, 1998.
o artista precisava, permite que o artista sente e diga as coisas que John dizia sem todo aquele outro treinamento."24
Em um primeiro momento, o artista selecionava variáveis numéricas em uma tela, para definir os parâmetros das equações matemáticas geradoras das figuras. Em um segundo momento, depois de todas variráveis serem determinadas, a câmera entrava em ação e os gráficos eram gerados a partir de informações definidas por cartões perfurados. Um programa adicional controlava a abertura e o fechamento da câmera e o avanço do filme. A técnica aqui deixa de ser um processo manual de habilidade e passa a ser um domínio sobre a ciência, em especial a matemática, que pessoas como o Dr. Citron25 acreditavam que muitos artistas teriam no futuro. Ela passa a ser um processo de "engenharia de linguagem", um novo tipo de linguagem visualmusical, como ele mesmo explica: O filme contém vários tipos de padrões de pontos, que podem ser comparados ao alfabeto. Os padrões constroem "palavras", cada uma tendo duzentos frames ou oito segundos de duração. Essas palavras, por sua vez podem ser colocadas em estruturas de "frase". Meu uso do paralelismo com a linguagem é somente parcialmente descritivo; eu tendo a desenhar paralelos com a música. O próximo termo que eu quero usar é "contraponto." Esses padrões são graficamente sobrepostos a si mesmos para frente e para trás de várias formas, e o paralelo agora é mais com contraponto, ou pelo menos com fenômenos musicais polifônicos. Devemos chamálo de "fenômeno poligráfico"? " (Whitney, John in Youngblood, 1970)
A composição adquire um caráter "serial", "definido por uma interrelação particular, rigorosamente consistente, de estrutura e sintaxe. Mais adiante, Whitney cunha o termo "Computational periodics" para definir esse novo campo:
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The line of attack in my program was to start with what's in the artist's mind, and somehow have him use a kind of mathematics which he learns by rote with a "teaching program," to learn to express what's in his head visually. Once such a program is written, the fact that the programmer who wrote the algorithms knew what the artist needed enables the artist to sit down and say the kind of things John says without all that other training. (Dr. Citron em Youngblood, 1075 p. 216) 25 Certainly in the future one will need more of a mathematical logical background than artists have today. But you won't need ten years of schooling in nuclear physics. The thing that should be done is to develop a scientific curriculum for the artist. I don't know of anyone seriously considering that, but it should be done. (Dr. Citron em Youngblood, 1075 p. 216)
Computational periodics é uma tentativa proposicional de termo que pode ajudar a designar um novo campo unificado de arte heterodimensional; um campo cuja dimensão especial é o tempo. Uma arte que é temporal, como a música por si só; sendo, isto é, espaçotemporal. Uma arte cujo tempo chegou devido à tecnologia computacional e uma arte que não podia existir antes do computador. (Whitney, 1980)26
Em seus filmes Permutations (1968) , Matrix I e III (1970 e 1972), e Arabesque (1973), Whitney programa formas em movimento segundo parâmetros matemáticos inspirados na harmonia de músicas de outros artistas, como Terry Rilley (Matrix III) por exemplo, procurando interpretar princípios harmônicos e rítmicos como formas e processos geométricos no tempo. Em seu livro Digital Harmony – on the complementarity of musical and visual art , publicado em 80, Whitney defende uma idéia de harmonia que ultrapassa a esfera da música, "um contexto mais amplo no qual as leis Pitagóricas da harmonia operam", contrastando com com a idéia de que a "harmonia está morta", defendida por Stravinsky, por exemplo.27 Ele defende uma idéia de "harmonia visual", como um fato físico, capaz de causar efeitos físicos semelhantes como as relações entre notas. Passou a perseguir a idéia da construção de um instrumento que fosse capaz de gerar som e imagem simultaneamente e em consonância. Esse instrumento partiria de parâmetros harmônicos do som, que seram mapeados em forma de coordenadas polares ou cartesianas. Mas seus esforços não foram totalmente bemsucedidos, como aponta Bill Alves (2005), que foi seu parceiro de trabalho nos anos 90: Um esforço en direção a um sistema compositivo interativo o levou a criar trabalhos de muito poucas cores e resolução espacial em um PC nos anos 80. Apesar de não serem imediatamente tão atrativos como seus trabalhos anteriores, essas peças reunidas como Moon Drums (1991), 26
"Computational periodics' is a propositional and tentative term which may help to designate a new unified field for a heterodimensional art; a field whose special dimension is time. An art which is temporal, as music itself; being, that is, spatiotemporal. An art whose time has come because of computer technology and an art which could not exist before the computer. " 27 Whitney, J. 1980. p. 5.
permitiram que ele desenvolvesse trabalhos de complexidade e nuance composicional. Com este software, desenvolvido por Jerry Reed, ele era capaz de enviar mensagens MIDI a certos
keyframes , criando sua própria trilha sonora de tons FM não metrificados e crashes de baterias eletrônicas. Apesar dessa abordagem permitir a articulação musical de pontos importantes da animação, ela dificilmente demonstrava as possibilidades de uma verdadeira complementaridade, para usar os termos de Whitney, de composição visual musical.28
À esquerda, figura 7 – quadros do filme Matrix mostram o movimento harmônicos dos hexágonos em relação ao tempo. À direita, figura 8 – A correlação gráfica da harmonia entre as notas musicais.
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An effort to move to an interactive compositional system led him to create works of very low color and spatial resolution on an IBM PC in the 1980s. Although not nearly as immediately attractive as his earlier works, these pieces, collected as Moon Drum (1991), allowed him to develop works of compositional complexity and nuance. With this software, developed by Jerry Reed, he was also able to send out MIDI messages at keyframes, creating his own soundtrack of nonmetrical FM tones and drum machine crashes. Whereas this approach allowed for musical articulation of important points of the animation, it hardly demonstrated the possibilities of a true complementarity, to use Whitney’s term, of visual and musical composition.
figura 9 – tabela com gráficos gerados entre correlações propostas entre princípios de harmonia musical e visual. (Whitney, 1980)
Enquanto Whitney foi um dos grandes defensores da utilização do computador como um instrumento para a arte, haviam os que achavam que o computador era "um anatema capaz somente de mecanização estéril".29 e ao que tudo indica, Fischinger era um desses e considerava os exercícios dos irmãos Whitney como engenhocas, para ele as técnicas de produção deveriam ser invisíveis, como apontou Morritz (1998): Fischinger nunca chegou a discutir seu processo de trabalho. Ele sentia, antes de mais nada, que a produção técnica devia ser invisível e realmente irrelevante – já que ela era somente o instrumento para "escrever" a nova linguagem nãoverbal, e então não devia nunca ser obtrusiva e consequente no seu sentido próprio. Assim, ele tinha muito orgulho em ter feito a mão cada quadro de seus filmes sem o recurso de maquinário secundário e métodos artificiais de colorização (...) ele 29
Whitney, 1980 p. 31.
iria rejeitar de pronto o som pendular dos irmãos Whitney e seu imaginário óticamente impresso. Por outro lado, Fischinger também tinha o espírito competitivo da indústria do cinema, que o levalva a um orgulho justificado dos truques engenhosos que ele usou para fazer os cigarros andarem ou para fazer suas figuras abstratas se metamorfosearem de forma tão fluida. Por esse motivo, ele nunca apresentou um espetáculo de " working process ". (Morritz, 1976)30
Oskar Fischinger morreu em 1967, muito antes do computador tomar a dimensão que tomou depois da sua popularização a partir dos personal computers . Sua rejeição à mecanização no processo do fazer artístico pode soar como uma defesa do processo artesanal contra a indústria, mas a verdade é que sua obra também faz parte desse processo que foi a transformação das tecnologias e das técnicas de produção cinematográficas e musicais. A técnica de stop motion , por exemplo, que ele desenvolveu é aplicada até hoje em muitos estúdios de animação. Seus processo de síntese de som por imagem anteveram procedimentos que só foram acontecer na música muito mais adiante nos anos 70. No entanto, a computação digital passou a ser o paradigma dominante quer para produção de experimentos em música visual como para animações e efeitos especiais cinematográficos. John Whitney, morreu em 1995, pouco antes de conseguir publicar o primeiro filme seguindo os princípios de harmonia audiovisual propostos em Digital Harmony , mas seu colega Bill Alves o publicou em 1997. Desde então, a tecnologia da computação digital só tem se tornado cada vez mais acessível e presente, tornando possível várias novas interpretações na especulação quanto à corelação entre som e imagem. 30
Fischinger would never have discussed his working process. He felt, first of all, that production techniques should be invisible and truly unimportant that since they were merely the instrument of "writing" the new nonverbal language, then they should never be obtrusive or consequential in their own right. Thus he took great pride in having handcrafted each of his films without recourse to secondary machinery or artificial coloring methods (...) he would reject out of hand the Whitney brothers' pendulum sound and optically printed imagery. On the other hand Fischinger also imbibed the film business' competitive spirit, which led him to a justified pride in the ingenious tricks that he used to make the cigarettes walk or his abstract figures flow and metamorphose so fluidly. For both these reasons he would never have submitted to a "working process" show.
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