TÉCNICAS DE CONSTRUÇÃO EM TERRA CRUA NO VALE DO DRÂA (MARROCOS)

July 5, 2017 | Autor: Eliana Baglioni | Categoria: Vernacular Architecture, Earthen Architecture, Local Building Culture
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TÉCNICAS DE CONSTRUÇÃO EM TERRA CRUA NO VALE DO DRÂA (MARROCOS) Eliana Baglioni +39 3496434744, [email protected]

T2 – História, conservação e patrimônio Palavras-chave: técnicas constructivas tradicionais, taipa de pilão (pisè), adobe. Resumo Este artigo pretende apresentar parte dos resultados obtidos através de uma pesquisa realizada no Vale do Drâa (Marrocos) no âmbito de um projecto de cooperação descentralizada da Região da Toscana (Itália). A pesquisa foi conduzida pelos Departamentos de Tecnologia(1) e de Construção(2) da Universidade de Florença, pela Escola Profissional da Construção e pelo Centro Nacional de Pesquisa(3) em Florença, junto com a ONG marroquina ADEDRA(4), com o intuito de estudar as técnicas tradicionais de construção no Vale do Drâa buscando preservar este conhecimento. O Vale do Drâa está localizado no sudoeste de Marrocos, próximo do deserto do Sahara e é o lugar de um dos maiores patrimônios arquitetônicos em terra crua do mundo, constituído por aldeias fortificadas (as ksour) e por casas-fortaleza (as kasbah). Os edifícios foram inteiramente construídos em terra crua como a taipa de pilão (pisé de terre) e o adobe; no entanto, estas técnicas foram utilizadas de forma distinta em diferentes partes das construções. A estrutura dos pisos e dos tetos foi executada com madeira de palmeira e cobertura de canas e terra. O patrimônio construído do Vale do Drâa é um excelente exemplo de como as pessoas e a cultura local foram capazes de responder ao desafio ambiental, a partir das características do ambiente e da disponibilidade de materiais de construção. Atualmente, os conhecimentos técnicos e as competências construtivas acumuladas ao longo de milhares de anos de prática estão se perdendo seja em função da falta de mestres e de novos aprendizes seja pela ampla difusão do concreto armado, considerado um sinal de desenvolvimento e progresso, mas que, muitas vezes, é portador de resultados completamente inadequados às condições ambientais. Para conservarmos e valorizarmos o patrimônio existente, ou de introduzir inovações construtivas adequadas as exigências atuais, é necessário conhecer de maneira aprofundada as técnicas construtivas locais e as características dos materiais usados.

1. O VALE DO DRÂA: O PATRIMÓNIO ARQUITETÔNICO O rio Drâa (Figura 1) nasce do lado saariano da cordilheira do Atlas para em seguida criar um amplo vale na base do Anti Atlas, desembocando enfim no Sahara. O Atlas divide o Marrocos não só geograficamente, mas também nos estilos de vida e na manifestação da arquitetura. Ao sul, próximo ao Deserto do Sahara, observa-se a predominância de uma economia rural (agricultura e pecuária) e é aqui onde se apresenta um dos maiores patrimônios arquitetônicos em terra crua do mundo (AA.VV. et ADEDRA, 2004). Ao longo do vale do Drâa, caracterizado por um sistema de seis oásis de palmeiras, existem mais de 300 aldeias fortificadas de origem berbere, chamadas “ksur” (CERKAS et al., 2005), e muitas casas-fortalezas, chamadas “kasbah”, pertencentes à famílias ricas - os administradores e protetores do territorio e destas aldeias (Lucci e Dania, 2005; Marrani, 2005).

Figura 1. O Vale do Drâa (Crédito: Baglioni, 2009)

Uma tipologia comumente encontrada seja nas “kasbah” seja nas casas, “dar”, dentro do tecido urbano dos “ksur” (Figura 2), é a casa-pátio. A adoção deste partido arquitetônico em combinação com uma alta densidade urbana e casas justapostas umas as outras, permite uma reduzida superfície exposta ao sol e, portanto, constitui uma resposta eficaz às condições climáticas locais.

Figura 2. Vista do Ksar Ait Hammou Ou Said (Crédito: CERKAS(5), 2005)

O patrimônio representado por estes assentamentos, construídos inteiramente em terra crua, constitui uma prova da existência de conhecimentos técnicos e competências acumuladas ao longo de milhares de anos de práticas e experiências locais. Estas valiosas habilidades estão sendo perdidas devido à falta de mestres e dos novos jovens aprendizes. Além disso, tal como já aconteceu na Europa no século passado, atualmente no Marrocos a difusão do uso do concreto armado é tido como índice de desenvolvimento e progresso, mesmo que, muitas vezes o uso deste material seja completamente inadequado às condições ambientais encontradas. 2. AS TÉCNICAS DE CONSTRUÇÃO (Baglioni, 2009). No Vale do Drâa os processos de construção são confiados exclusivamente ao relacionamento entre o cliente e o “maâlem”, o único detentor do know-how construtivo, aprendido com a experiência e transmitido de geração em geração. O “projeto” toma forma gradualmente, muitas vezes ao longo das obras, sem o auxílio de desenhos, mas através do diálogo contínuo entre o cliente e o executor - o “maâlem” é o mestre que tem responsabilidade e autoridade sobre a construção e a mão de obra. As técnicas usadas para a construção das paredes são, a taipa de pilão, chamada “alleuh”, e o adobe, conhecido como “toub” (Modica, 2005, p. 171-178); utilizados separadamente em diferentes partes do edifício (Figura 3) (Sánchez, 2005). Mesmo sendo técnicas conhecidas e difundidas em todo o mundo, a aplicação delas demonstra una engenhosidade local que

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permitiu à população de se adaptar e se proteger contra os aspectos mais rudimentais do clima pré-sahariano - calor e tempestades de areia.

Figura 3. Fotografia de uma pintura local que representa um canteiro de obras. (Crédito: Coppini, 2007)

A taipa de pilão (pisé) é geralmente utilizada para as alvenarias perimetrais e divisórias dos andares inferiores dos edifícios. O adobe, por sua vez, é usado nas paredes dos pisos superiores para realizar vedações sem função estrutural; nas partes de alvenaria que não seja possível realizar com a taipa de pilão; mas tem função principal na realização de todos os elementos que constituem as superfícies do pátio central (Figura 4).

Figura 4. Esquema de utilização da alvenarias de taipa de pilão (pisé) e de adobe em um edificio tipo. Caso de estudo da Maison d’Hotes Dar Esseltane no ksar Tissergat (Crédito: Baglioni, 2009)

2.1 Os materiais de construção (Baglioni, 2009) Os materiais de construção são reduzidos essencialmente a quatro, mas o papel principal é desempenhado pela terra usada em quase todos os "componentes" do edifício: nas paredes, nos pisos, nas coberturas, nas argamassas e nos rebocos. A razão para isso não deve estar vinculada somente pela grande disponibilidade do material na região, mas também pelo fato de que, devido à sua propriedade de isolador térmico, torna-se o material mais adequado para uma resposta eficaz ao clima local quente e seco. Juntamente com a terra, são usados outros materiais também disponíveis no local como a madeira de palmeira, usada para as estruturas horizontais, a cana, usada nos pisos e nos tetos, e a pedra, usada principalmente para a construção de fundações.

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As terras usadas são qualitativamente de dois tipos, a "terra das palmeiras", de aluvião e muito rica em argila, e a "terra das montanhas", similar a uma pedra muito friável, que se encontra aos pé das montanhas perto às aldeias. A sabedoria na escolha do terreno é conhecida não só por os “maâlmin” (plural de “maâlem”) mas pela população em geral. A "terra das palmeiras" é usada principalmente para a produção de adobe; para a execução da taipa de pilão (pisé) utiliza-se a "terra das montanhas" ou a com uma mistura de ambos. De qualquer maneira, a terra è geralmente retirada no local ou nas imediações do canteiro de obras, aonde o solo não é adequado, por exemplo em presença de solo arenoso, é retirada através de uma mina comum. A palmeira é a espinha dorsal do ecossistema dos oásis das regiões pré-saharianas e marca o limite entre a cultura do Mediterrâneo e a do Sahara. Por ser fundamental tanto no âmbito da construção como da produção agrícola, escolhem-se as árvores mais altas e velhas, que produzem poucos frutos. A madeira da palmeira possui baixo desempenho mecânico, pois seu tronco é composto de feixes de fibras paralelas que, submetidas a cargas, não asseguram uma eficaz mútua cooperação e por isso sofrem de fortes inflexões. O problema das inflexões é controlado mantendo os vãos relativamente pequenos, geralmente entre 2 a 2,5 m (até 4 m no máximo); dimensões estas, que tornam-se um verdadeiro módulo para construção de qualquer edifício. 3. OS ELEMENTOS DA CONSTRUÇÃO 3.1 A fundação (Baglioni, 2009) As fundações ou embasamento, embora nem sempre presentes, são executadas utilizando pedras encontradas no local, assentadas à seco ou com argamassa a base de terra. A variabilidade seja em espessura ou altura é grande e a construção não parece seguir aparentemente, uma regra muito específica.

Figura 5. Tipos de embasamentos (Crédito: Baglioni, 2009)

Observando o estado de facto, propusemos uma classificação em quatro tipos principais. O primeiro tipo consiste de uma fina camada de pedras, entre 10 a 15 cm, assentada diretamente sobre o solo sem cavar, e são usados predominantemente como base para muros em terrenos agrícolas. Um segundo tipo, semelhante a uma fundação, é executado por meio de uma escavação de cerca de 50 cm abaixo do nível do chão e, a largura pode variar de acordo com a espessura da parede e a altura total do edifício, mas, nunca inferior a 60 cm, para permitir ao “maâlem” de circular livremente sobre a escavação. Normalmente, este tipo de fundação possui maior largura que a espessura da parede e às vezes é usado como um banco. As alturas acima do solo são muito variáveis, iniciando com um mínimo de 20 cm e podendo alcançar mais de um metro, especialmente no reforço dos cantos ou das portas. O terceiro tipo é constituído por uma base muito alta da mesma espessura da 4

parede, que pode ser realizado com ou sem escavação (Figura 5). O último sistema construtivo é composto pela união dos dois tipos precendentes. Acima das fundações, iniciam-se a construção das paredes, principalmente de taipa de pilão. Ocasionalmente, para garantir uma maior continuidade da construção, antes de ser despejada a terra, uma camada de pedras é disposta no interior da fôrma. 3.2 A alvenaria de taipa de pilão (Baglioni, 2009) No Vale do Drâa a técnica da taipa de pilão é a mais utilizada para construção de paredes estruturais, mas também podem ser encontradas em divisórias internas dos edifícios ou na construção de muros (cercas) de casas ou terrenos. Este sistema de construção, realizado movendo uma única caixa, de bloco a bloco, implica a adoção de uma espessura do muro praticamente constante ao longo de todo o perímetro e, em geral, também em toda a altura. Nas habitações (“dâr”), geralmente de 3 pisos, são usadas alvenarias entre 50 a 60 cm de espessura, enquanto nos edifícios mais altos (por exemplo as “kasbah”) encontramos maior espessura, que varia de 70 a 100 cm. A altura dos andares varia muito, de 2,5 a 5 metros, mas é necessariamente proporcional à altura de um número inteiro de blocos de taipa de pilão (por exemplo uma parede de 2,5 m é a soma de 3 blocos de taipa de pilão, cerca de 80 cm de altura cada). Para garantir uma boa amarração da alvenaria, a cada fiada de taipa de pilão é realizado um deslocamento da fôrma de ¼ ou metade do bloco da fiada inferior. As divisórias interiores são geralmente construídas ao mesmo tempo das paredes perimetrais e mantém, assim, a mesma espessura. Quando as paredes internas são realizadas de adobe, a amarração com as paredes perimetrais (taipa de pilão) é feito cavando um sulco na taipa de pilão. As aberturas são executadas pela interrupção da alvenaria.

Figura 6. Correta amarração da alvenaria de taipa de pilão (pisé). (Crédito: Baglioni, 2009)

As uniões dos “cantões” e das paredes perimetrais com as divisórias nem sempre são executadas de forma adequada (Figura 6), assim que as paredes não são “amarradas” umas com as outras e tendem portanto a se destacar.

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3.3 A alvenaria de adobe (Baglioni, 2009) Nas paredes perimetrais, o adobe é usado somente para os andares superiores, por várias razões: porque estão sujeitos a cargas mais baixas, porque è mais simples alçar os adobes do que a mistura para taipa de pilão e porque permitem a realização de acabamentos decorativos. Utilizam-se também os adobes aonde seria muito difícil pilar a terra dentro da fôrma para realização da taipa. Os adobes são, portanto inseridos para completar a alvenaria nos pisos superiores, ou como apoio dos lintéis de madeira, como alvenaria portante das vigas do piso. É no pátio que o adobe desempenha o seu papel principal solicitando ao máximo suas capacidades estruturais e decorativas. O pátio é também o único espaço interno onde existem ornamentos e detalhes arquitetônicos, pilares e paredes são inteiramente realizadas com adobe. Da mesma forma, o adobe é utilizado nos arcos, em complexas decorações e em grandes aberturas monumentais em edifícios de prestígio (“kasbah”) ou nas muralhas que cercam as aldeias. Os adobes são produzidos em tamanhos diferentes. Por resultarem de um processo artesanal, suas dimensões variam de canteiro a canteiro, de vila a vila. As paredes normalmente apresentam espessuras de 40, 50 ou 60 centímetros. O aparelhamento dos adobes é muito variável, estes podem assentados pelo lado maior, de cabeça, de cutelo, oblíquos ou em espinha de peixe. De uma análise do estado de facto torna-se claro que só em casos raros há uma ordem regular e constante das fiadas dentro de uma mesma parede. A argamassa é composta de uma mistura de terra e água, à qual se acrescenta, mais raramente, palha. Na colocação dos adobes, a argamassa é aplicada geralmente nas juntas horizontais variando de 2 a 4 centímetros, mas raramente nas verticais, permitindo assim a ventilação cruzada. A desordem na disposição das fiadas, a falta de atenção no distanciamento entre os adobes e a presença de argamassa somente nas juntas horizontais dificultam a colaboração entre os elementos e produzem por conseqüência alvenarias pouco travadas e frágeis. No entanto aonde é solicitada uma resistência estrutural, geralmente nos andares inferiores ou nos pátios, o aparelhamento é evidentemente mais regular e melhor executado. Nestes casos os adobes são colocados sempre do lado maior e de cabeça ou do lado maior e de cutelo. 3.4 O elemento "pátio" (Baglioni, 2009) O pátio desempenha nas casas marroquinas pré-sahariana muitas funções seja do ponto de vista da distribuição seja na organização social das atividades da família (Biondi, 2005). É o centro da casa e um elemento-chave para a iluminação, ventilação e para manter condições de conforto; pode ser aberto ou fechado com uma clarabóia. O seu tamanho e a forma são determinados, em parte, pelas técnicas de construção locais, pelo clima e em parte pela cultura tradicional local. O pátio, de um ponto de vista espacial, é definido por um vazio central e por uma galeria periférica, presente em todos os pisos, que permite o acesso aos quartos. Os elementos arquitetônicos que definem o pátio são os pilares, as mísulas, os lintéis e os arcos, que podem ter diferentes formas e tamanhos e ser variavelmente combinados (Figura 7).

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Figura 7. Pátios (Créditos: Baglioni, 2009; Dipasquale, 2009; Manca, 2007; Tonietti, 2007; Mecca, 2005; CERKAS(5), 2005)

3.5 Os pilares (Baglioni, 2009) Os pilares servem como apoio para lintéis ou arcos, mas são muitas vezes utilizados também contra as paredes para reduzir o vão das vigas ou na divisão interna dos ambientes. Desempenhando um papel estrutural, a alvenaria de adobe é cuidadosamente executada, com adobes assentados de longo e de cabeça, a argamassa de assentamento é aplicada tanto nas juntas horizontais quanto verticais. Os pilares (Figura 8) são realizados de diversas formas, geralmente a partir de uma base quadrangular e, em vários tamanhos, em média entre 50 e 80 cm de lado. A maneira mais difundida é o formato retangular (ou quadrado), mas por vezes são também utilizados pilares dentados ou em cruz: sobretudo nas “kasbah” aonde se podem encontrar pilares mais articulados, apresentando forma hexagonal, octogonal, circular ou quadrangular com alguns lados arredondados. 3.6 O lintéis e as mísulas (Baglioni, 2009) Os lintéis são utilizados, além da abertura de portas e janelas, no pátio central, como junção entre os pilares no caso de aberturas de portais. As mísulas, únicas ou duplas, são usadas para formar uma espécie de capitel como plano de apoio por lintéis ou arcos.

Figura 8. Pilares, linteis e mísulas (Crédito: Baglioni, 2009)

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Os lintéis e as mísulas são feitos de madeira de palmeira, aproximando vários elementos de largura variavel e altura entre 5 cm (para as mísulas) e 10 cm (para os linteis), para cobrir a considerável espessura da alvenaria (Figura 8). 3.7 O arco (Baglioni, 2009) Os arcos fazem parte do pátio e das portadas de entrada dos ksur - locais de importância social e simbólica – e raramente são utilizados para portas e janelas das casas, onde è preferida a forma retangular para as aberturas. No pátio, bem como nas entradas monumentais, os arcos estão sempre inseridos na estrutura do portal, porque o piso tem que se apoiar sobre o lintel de madeira. Nas arquiteturas investigadas, todas de ascendência berbere, existem diferentes tipos de arcos recorrentes (Figura 9), resultado da hibridação e contaminação com as culturas romana ou principalmente árabe. São eles: arcos semicirculares; arcos “a ferradura de cavalo”; ou mais freqüentemente arcos ogivais (isto é, com dois centros diferentes, deslocados em relação ao eixo central). Os arcos, muitas vezes são executados com pouco cuidado, resultando em formas irregulares, e, falta sempre a presença de um “elemento de chave” (bloco superior que “fecha” a estrutura), resolvido com adobes colocados opostos em forma de V, que então cria um ponto de descontinuidade e de fraqueza na alvenaria. Os vãos vencidos com estes arcos são restritos, no máximo 3 metros.

Figura 9. Arcos (Créditos: Baglioni, 2009; CERKAS(5), 2005; Mecca, 2005)

3.8 O piso e o teto (Baglioni, 2009) O teto é composto por um sistema complexo de sobreposição de vigas de madeira, geralmente em dois níveis, nos quartos ao redor do pátio essas vigas podem apenas um nível. As vigas secundárias são sempre ordenadas de maneira perpendicular ao perímetro do pátio, e apoiam, de um lado, sobre a linha central da parede interna, e, por outro lado, nos

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linteis de madeira do pátio, que desempenham o papel de vigas principais. A distância entre as vigas depende da presença ou ausência de um terceiro nível de vigas menores. Na ausência, as vigas secundárias devem estar muito próximas umas das outras, com uma distância entre 30 cm e 50 cm. No caso contrário, as vigas secundarias devem estar distanciadas de 2 m umas das outras e as vigas do terceiro nível apresentam uma distância entre 15 cm e 20 cm. Todas as estruturas horizontais utilizam a madeira de palmeira, a partir do qual pode-se obter, em média, comprimento de vigas que variam entre 2 a 2,5 metros - distância que necessariamente afeta a dimensão dos ambientes, ou seja a distância entre as paredes e/ou pilares. O tronco da palmeira é cortado em fatias triangulares utilizadas em seu estado bruto ou, mais raramente, em forma de seções retangulares. Para as vigas principais, são utilizadas fatias derivadas do corte do tronco em quatro partes, ou seções retangulares de 30 cm x 20 cm. Para as vigas secundárias, fatias iguais a 1/6 do tronco ou seções de 20 cm x 10 cm; e, para as vigas menores, fatias iguais a 1/8 do tronco ou secções de 5 cm x 5 cm. No entanto, antes de serem utilizadas, as vigas de qualquer tamanho são deixadas secar ao sol para perder a umidade da madeira e, assim, limitar a deformação em carga, e, para verificar o desempenho estrutural, os elementos de madeira são testados ao peso de uma pessoa após a instalação. Em cima das vigas secundárias (ou vigas terciarias quando presentes) é colocada uma camada de cana, chamada “tataoui” (Modica, 2005, p. 179-184), que tem as finalidades de distribuição de carga sobre a estrutura de madeira e de limitar a queda de pó, mas também podem ser decorativas. Acima do “tataoui”, tradicionalmente era aplicada uma camada de folhas de palmeira secas ao sol, a fim de reduzir ainda mais a queda de pó. Hoje em dia as folhas de palmeira são substituídas por uma lona plástica, encontrada facilmente no mercado local. O piso é concluído com duas camadas de terra prensada, cada uma apresentando espessura de cerca 5 cm. Para a primeira camada é usada terra seca, e na segunda camada, terra no estado úmido (Figura 10). Ambas devem ser devidamente prensadas com um pilão especial. O piso do teto, que possui também a função de proteger todo o edifício dos agentes atmosféricos, possui composição diferente dos pisos tanto em quantidade e qualidade das camadas de terra e, portanto, na espessura. O acabamento do piso do teto consiste de três camadas de terra, de espessura de 5 cm cada, com diferentes funções e misturas. A primeira camada é composta de uma mistura de terra semelhante a massa usada para taipa de pilão, portanto úmida, mas preparada com uma terra mais fina. A segunda camada é seca e sua função é absorver as infiltrações de água quando a camada superior não tem uma perfeita vedação. A terceira e última camada, além de ser de acabamento deve ser impermeável a água, sendo, portanto executada com uma mistura úmida de terra e cal ou terra e palha. A cal é um estabilizador natural que faz com que a argila se torne impermeável e, uma vez seca, se torne também mais resistente (Figura 10). O telhado precisa de manutenção constante, pois está sujeito à degradação devido às intempéries chuva, vento e tempestades de areia. A manutenção é realizada a cada quatro ou cinco anos, criando uma nova camada impermeável de terra e cal ou terra e palha sobre aquelas existentes, deste modo, gradualmente esta ultima camada pode atingir espessuras elevadas. As coberturas com função de terraços são espaços muito utilizados nas habitações, sobretudo durante os meses de verão, quando são também usados para dormir ao ar livre.

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Figura 10 – Pisos e tetos (Crédito: Baglioni, 2009)

4. AS PATOLOGIAS (Baglioni, 2009) As patologias que afetam este tipo de construções estão relacionadas principalmente a cinco fatores: os agentes atmosféricos, a falta de manutenção, os defeitos de concepção ou de construção e os defeitos da técnica de construção (Figura 11).

Figura 11 – As patologias (Créditos: Baglioni, 2009; Mecca, 2007; CERKAS(5), 2005)

A despeito do clima seco e pré-desértico, as patologias associadas à água são muito comuns, particularmente aquelas relacionadas à infiltração, que produzem dissolução e perda de material e, aquelas relacionadas com a ascensão capilar, o que provoca destacamento gradual do reboco e desintegração da alvenaria. Um forte efeito abrasivo está relacionado à ação do vento e, especialmente, às freqüentes tempestades de areia. Algumas patologias estão relacionadas a defeitos de construção e principalmente, devido à ineficiência das fundações que não conseguem reduzir ou minimizar a ascensão capilar da água, e à fraqueza da junção da parede com a calha, criando o acesso da água e conseqüente perda de material. Um grave defeito de concepção de construção é percebida na falta de amarração entre as paredes, gerando um grande número de efeitos colaterais. Por não serem amarradas as paredes começam a se separar, como evidenciado pelas típicas lesões verticais, estas em conjunto com um cedimento do solo podem tender a cair, isso fica claro ao observar a presença de desalinhamentos ou de contrafortes de pedra.

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Outro caso é aquele relacionado aos “limites” da técnica de construção, ou seja, por um lado o fraco desempenho da madeira da palmeira que, flexionando-se, causa lesões nas paredes, e por outro a falta da aduela “chave” nos arcos, o que sempre causa lesões no mesmo. No entanto, as patologias mais graves são aquelas relacionadas ao abandono ou falta de manutenção por um longo período, que determina uma maior vulnerabilidade do edifício e a perda gradual do material. 5. CONCLUSÕES O objetivo deste estudo foi elaborar um manual de construção em terra crua do Vale do Drâa, que resultou na tese “Tecniche costruttive in terra cruda nella Valle del Drâa” (Baglioni, 2009). A importância deste manual é multipla, a começar pelo fator documental – texto e imagens – visando preservar e difundir uma cultura construtiva secular, proferidas até hoje através da experiência dos “maâlmin”. Conhecer em detalhes as "regras de construção", permite intervir adequatamente na conservação e valorização do patrimônio construído existente; e, finalmente, conhecendo também as limitações desta técnica, pode-se introduzir algumas inovações construtivas, especialmente para se adaptar às necessidades atuais da população e reduzir seu abandono. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS AA. VV. e ADEDRA(4) (2004). Trésors et merveilles de la Vallée du Drâa. Zagora (Maroc): Marsam. Trabalho apoiado pela UNESCO no âmbito do programa “Le Sahara des cultures et des peuples”. Baglioni, E. (2009). Tecniche costruttive in terra cruda nella Valle del Drâa. Tese de licenciadura não publicada, Faculdade de Arquitetura, Universidade de Florença, Itália. Biondi, B. (2005). Morfologia degli elementi costruttivi a Tamnougault, Marocco. In: Actos do Forum UNESCO – 1º Seminário Internacional de Pesquisa em Architetctural Heritage and Sustainable Development of Small and Medium Cities in South Mediterranean Regions, Result and strategies of research and cooperation. Florence (Italy): Ets. p. 157-169. CERKAS (Centre de Conservation et de Réhabilitation du Patrimoine Architectural des Zones Atlasiques et Subatlasiques do Ministério da Culture do Marroccos), Escritório de Arquitetura e Urbanismo “H. Hostettler” de Berne e Instituto de Fotogrametria da EPF de Lausanne (2005). Inventaire du pâtrimoine architectural de la Vallée du Drâa. Disponível em: http://photpc15.epfl.ch/draa/html2/index.php Acesso em 15/3/09 Lucci, G. e Dania, S. (2005). La kasbah del Caid di Tamnougault, analisi tipologica e costruttiva. In: Actos do Forum UNESCO – 1º Seminário Internacional de Pesquisa em Architetctural Heritage and Sustainable Development of Small and Medium Cities in South Mediterranean Regions, Result and strategies of research and cooperation. Florence (Italy): Ets. p. 133-144. Marrani, L. (2005). La kasbah della famiglia Ait El Molehtar nello ksar di Tamnougault: rappresentazione grafica e analisi degli elementi architettonici e strutturali di una costruzione in terra. In: Actos do Forum UNESCO – 1º Seminário Internacional de Pesquisa em Architetctural Heritage and Sustainable Development of Small and Medium Cities in South Mediterranean Regions, Result and strategies of research and cooperation. Florence (Italy): Ets. p. 107-118. Modica, C. (2005). Tecnica, processi costruttivi e terminologie della muratura in pisé in un’esperienza di cantiere a Tamnougault, Valle del Drâa, Marocco. In: Actos do Forum

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UNESCO – 1º Seminário Internacional de Pesquisa em Architetctural Heritage and Sustainable Development of Small and Medium Cities in South Mediterranean Regions, Result and strategies of research and cooperation. Florence (Italy): Ets. p. 171-178. Modica, C. (2005). Il solaio in legno di palma e canne: tecnica e processi costruttivi in un’esperienza di cantiere a Tamnougault, Valle del Drâa. In: Actos do Forum UNESCO – 1º Seminário Internacional de Pesquisa em Architetctural Heritage and Sustainable Development of Small and Medium Cities in South Mediterranean Regions, Result and strategies of research and cooperation. Florence (Italy): Ets. p. 179-184. Sánchez, N. R. (2005). La kasbah «Igmi Mkaran» (del Pozo) en el ksar de Tamnougault (Marruecos). In: Actos do Forum UNESCO – 1º Seminário Internacional de Pesquisa em Architetctural Heritage and Sustainable Development of Small and Medium Cities in South Mediterranean Regions, Result and strategies of research and cooperation. Florence (Italy): Ets. p. 119-131. NOTAS (1) Arquiteto e Professor Saverio Mecca, Arquiteta Eliana Baglioni: Departamento de Tecnologia e Design, Universidade de Florença, Itália. (2) Arquiteta e Preofessora Luisa Rovero, Arquiteto e Professor Ugo Tonietti, Arquiteta Eliana Baglioni: Departamento de Constução, Universidade de Florença, Itália. (3) Geologo Fabio Fratini, Instituto pelas Conservação e Valorização do Patrimonio Cultural, Centro Nacional de Pesquisa de Florença, Itália. (4)

ADEDRA, Assocìation de Devéloppement de la Vallée du Drâa, Zagora, Marrocos.

(5) CERKAS, Centre de Conservation et de Réhabilitation du Patrimoine Architectural des Zones Atlasiques et Subatlasiques, Ouarzazate, Marrocos.

AUTORES Eliana Baglioni é licenciada em arquitetura pela Universidade de Florença. Participou em várias iniciativas relacionadas com as construções em terra e, em geral, com a bioarquitetura. Participou como autora no Congresso “Ripam 2”, Marrocos (2008) e no Congresso “6°atp/9°siacot”, Portugal (2010).

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