Tecnologia Lítica e Comportamento Humano no Pleistocénico Final do Alto Ribatejo: estudo da indústria lítica da Ribeira da Ponte da Pedra

September 4, 2017 | Autor: Sara Cura | Categoria: Experimental Archaeology, Lithic Technology, Iberian Prehistory (Archaeology), Prehistory
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Sara Raquel Mendes Cura Dissertação final para a obtenção do grau de Doutora em Quaternário, Materiais e Culturas

TECNOLOGIA LÍTICA E COMPORTAMENTO HUMANO NO PLEISTOCÉNICO MÉDIO FINAL DO ALTO RIBATEJO: Estudo da indústria lítica da Ribeira da Ponte da Pedra

Volume 1

UNIVERSIDADE DE TRÁS-OS-MONTES E ALTO DOURO Vila Real, 2014

Sara Raquel Mendes Cura

TECNOLOGIA LÍTICA E COMPORTAMENTO HUMANO NO PLEISTOCÉNICO MÉDIO FINAL DO ALTO RIBATEJO: Estudo da indústria lítica da Ribeira da Ponte da Pedra

Orientadores: Professor Doutor Stefano Grimaldi Professor Doutor Luiz Oosterbeek

(3º Ciclo) Quaternário, Materiais e Culturas Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro Vila Real, 2014

Ao José Gomes por me ter mostrado em criança o mundo da arqueologia.

Agradecimentos Diz a norma que os primeiros agradecimentos devem aos orientadores. Pois seja, mas seja de forma muito sentida. Ao Professor Luiz Oosterbeek agradeço o optimismo constante a cada vez que me via mais desanimada, agradeço-lhe sobretudo todas as conversas e revisões que estruturaram o meu pensamento e a escrita desta tese. Para além da tese agradeço todas as oportunidades e lições de vida que me deu, sem elas não teria chegado até aqui. Obrigada por toda a paciência perante os meus avanços, recuos e distracções que me afastaram do cumprimento dos prazos para a conclusão desta tese. Ao Professor Stefano Grimaldi agradeço o ensinamento de uma vida. A sua orientação começou muito antes desta tese. Mas é desta que devo falar agora, e devo agradecer todo o alento que me deu, toda a confiança que depositou em mim mesmo quando lhe dizia que não era capaz de fazer o que ele me pedia e ele nada respondia. Os seus silêncios foram, em determinados momentos, a melhor orientação possível pois obrigaram-me a procurar soluções para os problemas, a escrever o que pensava não ser capaz. Agradeço também todas as portas mentais que me abriu e que se transformaram nos argumentos chave deste trabalho. Um agradecimento muito especial ao meu amigo Professor Pierluigi Rosina por todos os anos de trabalho em conjunto na e sobre a Ribeira da Ponte da Pedra e, claro, todas as suas acutilantes e fulcrais observações, bem como a revisão do capítulo sobre a geologia. Obrigado Professor João Pedro Cunha-Ribeiro por tudo o que me ensinou desde os tempos da minha faculdade. Obrigado também pela sua cuidada e atenciosa revisão da tese. Este trabalho é fruto de muitas campanhas de escavação e quero agradecer à Doutora Ana Cruz que me ensinou praticamente tudo o que sei de arqueologia de campo. Agradeço-lhe também todas as discussões que fomos tendo ao longo da tese, sobretudo no início quando estivemos juntas nas aulas de doutoramento. Foi uma honra ter sido sua colega de doutoramento. Um agradecimento ao executivo do Município de Mação, em particular ao Dr. Saldanha Rocha, Dr. Vasco Estrela e Eng. Jorge Carrilho por terem criado em Mação excelentes condições para muitos investigadores poderem fazer os seus trabalhos académicos e pesquisas.

Agradeço a todos os meus colegas de doutoramento a companhia e as profícuas discussões. Entre eles destaco a Cris Buco que ao longo destes anos sempre esteve disponível para me ouvir e sugerir novas ideias. Ficaste no meu coração. A toda a equipa do Museu de Arte Pré-Histórica de Mação aqui fica o meu agradecimento. Um muito especial à Anabela Pereira que sempre me ajudou e apoiou substituindo-me inúmeras vezes em actividades em que não podia estar presente devido à tese. Agradeço ao Vítor Teixeira e Ivo Oosterbeek por me terem resolvido inúmeros problemas informáticos. Obrigada Mila Simões de Abreu pelo ânimo e por todas as dicas, livros e artigos que me trouxe de Inglaterra. Agradeço a todos os alunos que frequentaram o laboratório onde trabalho e que com as suas dúvidas e aprendizagem também contribuíram para esta tese. Aos meus amigos…será difícil mencionar todos. Obrigado Hugo Gomes pela tua imensa disponibilidade para me apoiares na escrita sobre geologia, bem como pela tua animada companhia nos momentos de pausa (que foram muitos!). Andreia Martins, como agradecer a tua infinita paciência e cuidado em me dares alento para prosseguir com este trabalho e, claro, a guarida a cada vez que ia fazer pesquisas a Lisboa. Obrigado Cláudia Costa por discutires comigo inúmeras vezes a tese, as tuas palavras de confiança foram muito importantes. Grande Jedson Cerezer, mais conhecido por Pithi, agradeço-te todo o apoio nas actividades de experimentação e conversas orientadoras e animadoras que me estimularam a fazer sempre o melhor possível. Finalmente ao Nelson Almeida, a ti tenho de agradecer muito. A companhia no laboratório, os artigos que não conseguia arranjar e tu sempre conseguias, as ideias e ajuda nos truques informáticos, o apoio nas actividades de experimentação e a importante revisão final em busca dos erros persistentes. Aos meus pais agradeço tudo. Enormes lutadores para tornarem o meu sonho de ser arqueóloga possível. Grandes e pacientes ouvintes de todos os desalentos de quem faz uma tese e de quando em quando não acredita que é capaz. Finalmente o meu profundo e sentido agradecimento ao meu irmão Pedro Cura que colaborou em toda a execução desta tese. Não falo só do precioso apoio na parte gráfica e experimental, mas de todo o alento que me deu e de todas as conversas que me ajudaram a organizar as ideias. Estiveste sempre lá e sem ti não teria sido possível.

Resumo A Ribeira da Ponte da Pedra é um sítio arqueológico localizado no terraço fluvial Q3/T4 do médio Tejo em território português. Para além das ocupações do Pleistocénico Médio Final que focamos nesta tese, encerra ainda vestígios do Paleolítico Médio e do Paleolítico Superior. Os vestígios do Pleistocénico Médio Final contêm artefactos líticos em 12 unidades litológicas distintas que representam quatro morfologias de deposição: uma barra (formada por areias grosseiras avermelhadas e seixos); um canal (preenchido com blocos e seixos grandes, até 35 cm, e areias grosseiras avermelhadas) que corta a barra; uma planície de inundação de depósitos de grãos finos (cinzento a amarelo); e canais transversais (preenchidos com areias avermelhadas e seixos até 10 cm) com um contacto muito erosivo com o depósito de planície de inundação. Naturalmente, a natureza destes depósitos e a consequente posição secundária dos artefactos dificultou a nossa análise tecnológica. Nestes depósitos foram exumados cerca de 1500 artefactos que foram analisados no presente trabalho desde uma perspectiva tecnológica, mas também

morfológica,

recorrendo

a

experimentações

e

análises

funcionais

complementares. O estudo dos artefactos provenientes das várias unidades litológicas revelou-se bastante homogéneo, não se verificando significativas diferenças entre estas, o que nos permitiu uma reconstrução hipotética das cadeias operatórias e respectivos objectivos técnicos. Existem, portanto, duas cadeias operatórias: uma orientada para o retoque de seixos para obter pequenos utensílios; outra que consiste no talhe dos seixos rolados para a obtenção de lascas utilizadas em bruto ou retocadas (ao mesmo tempo, alguns destes seixos talhados são utilizados como Choppers). Esta cadeia operatória tem 3 variáveis: 2A que consiste na produção seixos com um levantamento; 2B constituída por seixos com 2, 3 ou mais levantamentos, consideramos a produção de artefactos bifaciais uma variante rara desta cadeia; 2C representada pela exploração de núcleos de várias tipologias, sendo os núcleos sobre lasca uma variante rara desta cadeia. O conjunto é dominado pela presença de lascas corticais e semi-corticais, entre estas contam-se um largo número de lascas retocadas, algumas com retoques que denominámos «informais». Tratam-se de modificações irregulares, por vezes descontínuas, variáveis na posição, alternas e alternantes, abruptas e semi-abruptas e

que por vezes delineam um gume. Estes retoques «informais» também se verificam nas margens de alguns seixos talhados. Para melhor entender esta ocorrência foram feitas várias séries de experimentações que, apesar de necessitarem de mais estudos, indicam que estes retoques «informais» podem ser consequência da utilização em diversas actividades de subsistência, em particular no trabalho de matérias dura ou semi-duras como madeira e osso. Aliás, os estudos funcionais realizados sobre uma amostra de algumas dezenas de lascas indicam que no sítio da Ribeira da Ponte da Pedra foram desenvolvidas diversas actividades de subsistência. Os dados obtidos com o estudo da Ribeira da Ponte da Pedra foram enquadrados no conjunto das ocupações do Pleistocénico Médio do Vale do Tejo em território português. Para tal foi elaborado um «estado de arte» sobre os principais sítios conhecidos: Monte Famaco, Fonte da Moita, Galeria Pesada, Vale do Forno 1,3 e 8 e Samouco. Entendemos que o sítio da Ribeira da Ponte da Pedra está articulado com estes sítios, não necessariamente numa perspectiva estritamente sincrónica, na obtenção de recursos bióticos e abióticos. No que diz respeito aos recursos bióticos avançamos com a hipótese de a Ribeira da Ponte da Pedra ter uma articulação com os sítios em gruta no complexo cársico do Almonda, estando localizada num ambiente paisagístico, planície ribeirinha, que permite a captura de animais que não existem a maior altitude. Esta complementaridade alargar-se-ia à obtenção de matérias-primas. Cremos que a Ribeira da Ponte da Pedra se localiza numa zona onde se encontrava largamente disponível matéria-prima de boa qualidade, tanto em textura, como em volumetria, para a produção de utensilagens sobre seixo e sobre lascas de médias e grandes dimensões. É por essa razão que avançamos a hipótese de uma articulação com os demais sítios do Vale do Tejo, cujas comunidades humanas na sua gestão nómada dos recursos territoriais obteriam nesta zona matéria-prima e eventualmente outros recursos. O registo arqueológico, por agora, não nos permite confirmar estas hipóteses, no entanto, entendemos ser um caminho a seguir em futuras pesquisas de forma a perspectivar o povoamento do Vale do Tejo numa lógica de complementaridade e integração entre os vários locais com vestígios de ocupação humana.

Abstract The Ribeira da Ponte da Pedra is an archaeological site located in the Q3/T4 fluvial terrace in the middle Tagus of the portuguese territory. Beyond the Final Middle Pleistocene occupations that we study in this thesis, it also contains remains of Middle and Upper Paleolithic. The Final Middle Pleistocene remains include lithic artifacts in 12 distinct lithological units, which represent four depositional morphologies: a bar (formed by reddish coarse sands and pebbles); a channel (filled with blocks and large pebbles, up to 35 cm in size, and reddish coarse sands and pebbles) that cuts through the bar; a floodplain of fine grain deposits (grey to yellow); and transversal channels (filled with reddish sands and pebbles up to 10 cm in size) with very erosive contact with the floodplain deposit. Naturally the nature of these deposits and the consequent secondary position of the artifacts created a difficulty for the technological analysis. Around 1500 lithic artifacts were recovered in these deposits that were analyzed from a technological perspective,

as

well

as

a

morphological

one,

also

using

complementary

experimentations and functional analysis. The study of the artifacts derived from the different lithological units revealed quite homogenic features, without significant differences amongst them, which allowed us to form the hypothetical reconstruction of the reduction sequences and their technical objectives. Therefore there are two reduction sequences: one orientated towards the retouch of pebbles to obtain small tools; the other consists in the knapping of pebbles to obtain flakes used with or without retouch (simultaneously some of these knapped pebbles are used as Choppers). This last reduction sequence has 3 variables: 2A encompasses the production of pebbles with one removal; 2B is composed by pebbles with 2, 3 or more removals (we consider the production of bifacial artifacts a rare variant of this sequence); 2C is represented by the exploitation of cores of different typologies, being the flake cores a rare variant of this sequence. The assemblage is dominated by the presence of cortical and half cortical flakes, among these there are numerous retouched flakes, some of them we considered as «informal» retouch. This is characterized by irregular edge modifications, sometimes discontinuous, variable in its position, altern and alternating, abrupt or semi abrupt and

occasionally they delineate an active edge. These «informal» retouch are also visible in some worked pebbles. To better understand these features we engaged a series of experimentations and functional studies that, despite the need for further research, indicate that these «informal» retouch might be the consequence of blanks used in various subsistence activities, namely the work of hard and semi hard materials, such as wood and bone. In fact, the functional studies done over a sample of some dozen flakes point out that different subsistence activities were engaged in Ribeira da Ponte da Pedra. The data obtained in the present study was framed within the known human occupations of the Middle Pleistocene of the Tagus valley in the portuguese territory. To do so, we elaborated a «state of the art» about the main sites: Monte Famaco, Fonte da Moita, Galeria Pesada, Vale do Forno 1, 3 e 8 and Samouco. We understand that the site of Ribeira da Ponte da Pedra is articulated with these other sites, not necessarily in an absolute synchronic way, in the obtention of biotic and abiotic resources. In what concerns to the capture of biotic resources, we believe that Ribeira da Ponte da Pedra might have an articulation with the sites in the Almonda karstic complex, since it is located in a landscape environment – river plain with small hills – that allows the capture of species of animals that do not exist in higher altitudes. This complementariety would also comprise the gathering of lithic raw materials. We believe that Ribeira da Ponte da Pedra is located in an area where good quality raw material, both in texture and volumetry, was largely available for the production of tools on pebbles and on large to medium size flakes. It is for this reason that we advance the hypothesis of an articulation with the other mentioned sites of the Tagus valley, whose human communities, within their nomadic management of territorial resources, would obtain good raw materials in this area. For the moment the archaeological record does not allow the entire confirmation of these hypotheses, nevertheless, we are inclined to consider this as the path for future research, in order to form a perspective of the Tagus valley peopling in complementariety logic, integrating the several sites with remains of human occupation.

Índice 1. Introdução 2. A ocupação humana do Pleistocénico Médio Final do Vale do Tejo em Portugal – Antecedentes

23 29

2.1 A região de Vila Velha de Ródão

34

2.1.2 Monte Famaco

36

2.2 A região do Alto Ribatejo

40

2.2.1 Sítios de Ar livre

40

2.2.2 Fonte da Moita

45

2.2.3 Sítios em Gruta

50

2.2.3.1 Galeria Pesada

51

2.2.3.2 Brecha das lascas

57

2.3 A região de Alpiarça

58

2.3.1 Vale do Forno 1

59

2.3.2 Vale do Forno 8

62

2.3.3 Milharós/Vale do Forno 3

63

2.4 A região de Lisboa

70

2.4.1 Samouco

72

2.5 Retrospectiva das investigações e metodologias

76

3. O Alto Ribatejo

90

3.1 Geografia e Paisagem

93

3.2 Hidrografia

95

3.3 Geologia e litologia

97

3.4 Quadro morfo-sedimentar do Pleistocénico Médio do Alto Ribatejo

99

3.4.1 Os terraços fluviais

99

3.4.2 Os depósitos em gruta

106

3.4.3 Datações

108

3.4.4 Indicadores Paleo- climáticos e Paleo-ambientais

113

4. Problemáticas e Conceitos

115

4.1 Interpretação de indústrias líticas em contextos fluviais

116

4.2 Indústrias líticas: cultura, tecnologia, e comportamento

124

5. Metodologia

131

5.1 Introdução à metodologia

140

5.1.1 Caracterização das matérias-primas

142

5.1.2 Suportes, Categorias Tecnológicas e Instrumentos Formais

146

5.1.3 Matéria-Prima e estado físico dos artefactos

149

5.1.4 Análise morfotécnica

154

5.1.5 Experimentação/ talhe e utilização dos suportes – protocolo dos estudos

164

6. Estudo da Indústria lítica da Ribeira da Ponte da Pedra

172

6.1 Estratigrafia dos depósitos do Pleistocénico Médio

176

6.1.1 Interpretação das Litofácies

177

6.2 Estudo Morfo-técnico da Indústria Lítica

181

6.2.1 Unidade Litológica 1

181

6.2.2 Unidade Litológica 20

183

6.2.3 Unidade Litológica 46

186

6.2.4 Unidade Litológica 47

188

6.2.5 Unidade Litológica 48

189

6.2.6 Unidade Litológica 60

192

6.2.7 Unidade Litológica 49

192

6.2.8 Unidade Litológica 45

195

6.2.9 Unidade litológica 50

196

6.2.10 Unidade Litológica 53

212

6.2.11 Unidade Litológica 30

213

6.2.12 Unidade Litológica 99

216

6.3 Estudo da Variabilidade da Matéria-Prima

225

7. Interpretação tecno-funcional

229

7.1 Variabilidade intra conjunto

230

7.1.1 Matérias-Primas

230

7.1.2 Estado de conservação

232

7.1.3 Suportes, categorias tecnológicas e instrumentos formais

234

7.1.4 Seixos talhados

238

7.1.5 Seixos retocados

242

7.1.6 Núcleos

245

7.1.7 Lascas

248

7.2 Retoques e Macro-traços de uso

251

7.2.1 Lascas

252

7.2.1.1 Actividades experimentais

257

7.2.1.2 Estudos Funcionais

265

7.2.2 Seixos Talhados

268

7.2.2.1 Actividades experimentais

271

7.2.3 Observações finais

273

7.3 Cadeias operatórias e objectivos técnicos

275

8. Discussão

286

Bibliografia

302

Índice de Tabelas Tabela 1 – Principais Categorias tecno-tipológicas da série rolada do Monte Famaco (Adaptado de RAPOSO, 1987)

37

Tabela 2 – Principais Categorias tecno-tipológicas de uma parte da série não rolada do Monte Famaco (Adaptado de GEEP, 1977)

38

Tabela 3 – Principais Categorias tecno-tipológicas da indústria associada a Ft4 (Adaptado de CUNHA-RIBEIRO, 1996-1997)

41

Tabela 4 – Principais Categorias tecno-tipológicas da indústria de Poço Covão (Adaptado de CUNHA-RIBEIRO, 1996-1997)

42

Tabela 5 – Lista de sítios associados em grupos geo-arqueológicos em relação com o terraço Q3/T4 do Tejo (Adaptado de GRIMALDI et al., 1998)

43

Tabela 6 – Distribuição quantitativa das categorias tecno-tipologicas dos artefactos sobre seixo do Grupo Geo-arqueológico 2 (Adaptado de GRIMALDI et al., 1998)

44

Tabela 7 – Distribuição quantitativa das categorias tecno-tipológicas das lascas do Grupo Geo-arqueológico 2 (Adaptado de GRIMALDI et al., 1998)

44

Tabela 8 – Interpretação das litofácies da sequência estratigráfica da Fonte da Moita (Adaptado de ROSINA e CURA, 2010)

46

Tabela 9 – Distribuição quantitativa em percentagens dos grupos tipológicos pelos diferentes níveis arqueológicos (Adaptado de GRIMALDI et al. , 1999, p. 51)

47

Tabela 10 – Distribuição quantitativa em percentagens dos grupos de lascas pelos diferentes níveis arqueológicos (Adaptado de GRIMALDI et al., 1999, p.51)

48

Tabela 11 – Distribuição quantitativa em percentagens dos grupos de seixos talhados pelos diferentes níveis arqueológicos (Adaptado de GRIMALDI et al., 1999, p.51)

48

Tabela 12 – Categorias tecno-tipológicas dos artefactos da Praia dos Bifaces

51

Tabela 13 – Distribuição das percentagens de matérias-primas presentes nos diferentes níveis arqueológicos da Galeria Pesada (Retirado de MARKS et al., 2002b, p. 14)

53

Tabela 14 – Distribuição percentual das principais categorias morfo-técnicas presentes nos diferentes níveis arqueológicos da Galeria Pesada (Retirado de MARKS et al., 2002b, p. 14)

54

Tabela 15 – Tentativa de correlação das evidências sedimentares, culturais e crono-estratigráficas na sequência do Vale do Forno em comparação com as anteriores interpretações de Georges Zbyszewski (Adaptado de MOZZI et al., 2000, p. 369)

59

Tabela 16 – Principais categorias tipológicas da indústria lítica de Vale do Forno 1 (Adaptado de SALVADOR, 2002, p. 87)

60

Tabela 17 – Distribuição quantitativa da tipologia de lascas da indústria lítica de Vale do Forno 1 (Adaptado de SALVADOR, 2002, p.88)

61

Tabela 18 – Distribuição quantitativa da tipologia de núcleos da indústria lítica de Vale do Forno 1 (Adaptado de SALVADOR, 2002, p.91)

61

Tabela 19 – Distribuição quantitativa da tipologia de bifaces da indústria lítica de 62 Vale do Forno 1 (Adaptado de SALVADOR, 2002, p.101) Tabela 20 – Principais categorias tipológicas da indústria lítica de Milharós/Vale do Forno 3 (Adaptado de RAPOSO et al., 1985, p.43)

64

Tabela 21 – Distribuição tipológica dos bifaces de Milharós/Vale do Forno 3 (Adaptado de RAPOSO et al., 1985, p.44)

64

Tabela 22 – Distribuição tipológica dos Machados de Milharós/Vale do Forno 3 (Adaptado de RAPOSO et al., 1985)

65

Tabela 23 – Distribuição tipológica dos utensílios diversos de Milharós/Vale do Forno 3 (Adaptado de RAPOSO et al., 1985)

66

Tabela 24 – Distribuição tipológica dos núcleos de Milharós/Vale do Forno 3 (Adaptado de RAPOSO et al., 1985)

67

Tabela 25 – Séries da indústria lítica do Samouco individualizadas por G. Zbyszewski e J. L. Cardoso em 1978

72

Tabela 26 – Principais Categorias de artefactos das 3 séries da indústria do Samouco

73

Tabela 27 – Quadro crono-cultural sumário das ocupações do vale do Tejo (sem datações absolutas)

75

Tabela 28 – Síntese dos principais investigadores, métodos e paradigmas interpretativos no estudo das ocupações humanas do Pleistocénico médio do Vale do Tejo português desde a segunda metade do século XX

89

Tabela 29 – Correlação entre a classificação prévia dos terraços do Tejo e os períodos inter-glaciários e correspondência cronológica (adaptado de BREUIL e ZBYSZEWSKI, 1942; ZBYSZEWSKI, 1946)

102

Tabela 30 – Classificação e correlação das várias propostas de estudo dos terraços no Alto Ribatejo

104

Tabela 31 – Datações absolutas para o terraço médio Q3/T4 disponíveis no troço do Tejo em Território português

110

Tabela 32 – Datações dos principais sítios arqueológicos do Vale do Tejo em território português

112

Tabela 33 – Parâmetros de classificação da amostra de clastos

146

Tabela 34 – Critérios de estudo dos suportes, categorias tecnológicas e instrumentos formais

148

Tabela 35 – Critérios de estudo da matéria-prima

150

Tabela 36 – Critérios de estudo da alteração fisíca

153

Tabela 37 – Parâmetros e atributos de estudo dos seixos talhados e retocados

155

Tabela 38 – Parâmetros e atributos de estudo dos núcleos

157

Tabela 39 – Parâmetros e atributos de estudo das lascas

159

Tabela 40 – Parâmetros e atributos de estudo das peças unifaciais e bifaciais

161

Tabela 41 – Parâmetros e atributos de estudo das margens activas retocadas

163

Tabela 42 – Parâmetros de registo das actividades de talhe experimental

167

Tabela 43 - Parâmetros de registo da utilização experimental de suportes em actividades de esquartejamento

168

Tabela 44 – Parâmetros de registo da utilização experimental de suportes no trabalho de matérias animais duras

169

Tabela 45 – Parâmetros de registo da utilização experimental de suportes no trabalho de matérias vegetais

170

Tabela 46 – Parâmetros de registo da utilização experimental de suportes no processamento de pele animal

171

Tabela 47 – Litofácies e interpretação geo-arqueológica Código de Miall (1996) (Ss = Areias de preenchimento; Fl = Depósitos de inundação; Sh = Areia com laminação horizontal; Gmm = Cascalho maciço matriz-suportado; Sp = Areias com 178 estratificação cruzada; Gh = Cascalho clasto suportado com estratificação Horizontal) Tabela 48 – Distribuição quantitativa dos artefactos pelas diferentes unidades litológicas

181

Tabela 49 – Distribuição quantitativa da relação entre suportes e categoria tecnológicas

182

Tabela 50 – Distribuição quantitativa da relação entre morfologia e simetria das lascas

182

Tabela 51 – Distribuição quantitativa da relação entre Morfometria e Volumetria em secção dos seixos talhados e seixos retocados da unidade litológica 20

183

Tabela 52 – Distribuição quantitativa do grau de desgaste dos artefactos da unidade litológica 20

184

Tabela 53 – Distribuição quantitativa da relação entre suportes e categoria tecnológicas

184

Tabela 54 – Distribuição quantitativa da relação entre suportes e categoria tecnológicas da unidade litológica 46

187

Tabela 55 – Dimensões (mm) máximas das diferentes categorias tecnológicas das lascas da unidade litológica 46

187

Tabela 56 – Distribuição quantitativa da relação entre categorias tecnológicas e suportes da unidade litológica 47

188

Tabela 57 – Distribuição quantitativa da relação entre Morfo-volumetria e Volumetria em secção dos seixos talhados da unidade litológica 48

189

Tabela 58 – Grau de desgaste dos artefactos da Unidade Litológica 48

190

Tabela 59 – Distribuição quantitativa da relação entre categorias tecnológicas e suportes da unidade litológica 48

190

Tabela 60 – Grau de desgaste dos artefactos da unidade litológica 49 Tabela 61 – Distribuição quantitativa da relação entre categorias tecnológicas e

193 193

suportes da unidade litológica 49 Tabela 62 – Distribuição quantitativa dos tipos de talão pelas categorias tecnológicas da unidade litológica 49

194

Tabela 63 – Distribuição quantitativa da relação entre categorias tecnológicas e suportes da unidade litológica 45

195

Tabela 64 – Dimensões máximas (mm) das diferentes categorias tecnológicas das lascas da unidade litológica 45

196

Tabela 65 – Distribuição quantitativa da matéria-prima dos artefactos da unidade litológica 50

196

Tabela 66 – Textura do quartzito dos artefactos da unidade litológica 50

197

Tabela 67 – Distribuição quantitativa da relação entre morfo-volumetria e volumetria em secção dos seixos talhados e retocados da unidade litológica 50

197

Tabela 68 – Grau de oxidação dos artefactos da unidade litológica 50

198

Tabela 69 – Grau de desgaste dos artefactos da unidade litológica 50

198

Tabela 70 – Distribuição quantitativa da relação entre categorias tecnológicas e suportes da unidade litológica 50

199

Tabela 71 – Distribuição do tipo de talão pelas diferentes categorias tecnológicas da unidade litológica

200

Tabela 72 – Morfologia das lascas da unidade litológica 50

200

Tabela 73 – Utensílios formais sobre lasca da unidade litológica 50

201

Tabela 74 – Extensão da margem de percussão dos seixos talhados unifaciais da unidade litológica 50

203

Tabela 75 – Posição da margem de percussão dos seixos talhados unifaciais da unidade litológica 50

203

Tabela 76 - Morfologia do plano de percussão dos seixos talhados unifaciais da unidade litológica 50

203

Tabela 77 – Morfologia da plataforma de percussão dos seixos talhados unifaciais da unidade litológica 50

204

Tabela 78 – Ângulo entre a plataforma de percussão e a superfície de exploração dos seixos talhados unifaciais da unidade litológica 50

204

Tabela 79 – Orientação dos negativos dos seixos talhados unifaciais da unidade litológica 50

205

Tabela 80 – Extensão dos levantamentos dos seixos talhados unifaciais da unidade litológica 50

205

Tabela 81 – Dimensões (mm) dos seixos talhados unifaciais da unidade litológica 50

205

Tabela 82 – Extensão da margem de percussão dos seixos talhados bifaciais da unidade litológica 50

206

Tabela 83 – Posição da margem de percussão dos seixos talhados bifaciais da unidade litológica 50

206

Tabela 84 – Morfologia do plano de percussão dos seixos talhados bifaciais da unidade litológica 50

207

Tabela 85 – Morfologia da plataforma de percussão dos seixos talhados bifaciais da unidade litológica 50

207

Tabela 86 – Ângulo entre a plataforma de percussão e superfícies de exploração dos seixos talhados bifaciais da unidade litológica 50

207

Tabela 87 – Orientação dos negativos nas superfícies de exploração dos seixos talhados bifaciais da unidade litológica 50

208

Tabela 88 – Extensão máxima dos levantamentos dos seixos talhados bifaciais da 208 unidade litológica 50 Tabela 89 – Dimensões (mm) dos seixos talhados bifaciais da unidade litológica 50

208

Tabela 90 – Extensão dos retoques dos seixos retocados da unidade litológica 50

208

Tabela 91 – Inclinação do retoque dos seixos retocados da unidade litológica 50

209

Tabela 92 – Delineação do retoque dos seixos retocados da unidade litológica 50

209

Tabela 93 – Dimensões (mm) dos seixos retocados da unidade litológica 50

209

Tabela 94 – Morfologia da plataforma de percussão dos núcleos da unidade litológica 50

209

Tabela 95 – Ângulos dominantes entre a plataforma de percussão e a superfície de exploração da unidade litológica 50

210

Tabela 96 – Orientação dos negativos dos núcleos da unidade litológica 50

210

Tabela 97 – Número médio de negativos dos núcleos da unidade litológica 50

211

Tabela 98 – Dimensões (mm) médias dos maiores negativos dos núcleos da unidade litológica 50

211

Tabela 99 – Intensidade de exploração dos núcleos da unidade litológica 50

211

Tabela 100 – Dimensões (mm) dos artefactos bifaciais da unidade litológica 50

212

Tabela 101 – Distribuição quantitativa da textura dos artefactos em quartzito da unidade litológica 30

213

Tabela 102 – Distribuição quantitativa da relação entre Morfo-volumetria e Volumetria em secção na unidade litológica 30

213

Tabela 103 – Distribuição quantitativa da relação ente categoria tecnológica e suporte da unidade litológica 30

214

Tabela 104 – Distribuição dos tipos de talão pelas diferentes categorias tecnológicas das lascas da unidade litológica 30

215

Tabela 105 – Distribuição quantitativa da matéria-prima dos artefactos da unidade litológica 99

217

Tabela 106 – Distribuição quantitativa da textura dos artefactos em quartzito da unidade litológica 99

217

Tabela 107 – Distribuição quantitativa do desgaste dos artefactos da unidade litológica 99

217

Tabela 108 – Distribuição quantitativa da relação entre Morfometria e Volumetria em secção na unidade litológica 99

218

Tabela 109 – Distribuição quantitativa da relação entre categorias tecnológicas e suportes da unidade litológica 99

219

Tabela 110 – Morfologia das lascas da unidade litológica 99

220

Tabela 111 – Dimensões (mm) médias dos seixos talhados da unidade litológica 99

222

Tabela 112 – Extensão do retoque dos seixos retocados da unidade litológica 99

222

Tabela 113 – Inclinação do retoque dos seixos retocados da unidade litológica 99

223

Tabela 114 – Delineação da margem retocada dos seixos retocados da unidade litológica 99

223

Tabela 115 – Dimensões (mm) dos seixos retocados da unidade litológica 99

223

Tabela 116 – Dimensões (mm) dos núcleos da unidade litológica 99

224

Tabela 117 – Dimensões (mm) do Uniface e biface parcial da unidade litológica 99

224

Tabela 118 – Distribuição quantitativa da textura dos quartzitos da amostra arqueológica e da amostra «natural»

225

Tabela 119 – Distribuição quantitativa da Morfometria da amostra arqueológica e da amostra «natural»

226

Tabela 120 – Distribuição quantitativa da morfologia dos clastos em secção da amostra arqueológica e da amostra «natural»

227

Tabela 121 – Distribuição da natureza da matéria-prima pelas diferentes unidades litológicas

230

Tabela 122 – Distribuição da textura do quartzito pelas diferentes unidades litológicas

231

Tabela 123 – Distribuição da variabilidade da morfo-volumetria pelas diferentes unidades litológicas

231

Tabela 124 – Distribuição da variabilidade da volumetria em secção pelas diferentes unidades litológicas

232

Tabela 125 – Distribuição do desgaste pelas diferentes unidades litológicas

233

Tabela 126 – Distribuição do grau de oxidação pelas diferentes unidades litológicas

234

Tabela 127 – Distribuição da presença e ausência de fracturas pelas diferentes unidades litológicas

234

Tabela 128 – Distribuição dos suportes pelas diferentes unidades litológicas

235

Tabela 129 – Distribuição das categorias tecnológicas pelas diferentes unidades litológicas

237

Tabela 130 – Distribuição dos instrumentos formais pelas diferentes unidades litológicas

238

Tabela 131 – Distribuição da extensão da margem de percussão pelas diferentes

238

unidades litológicas Tabela 132 – Distribuição da posição da margem de percussão pelas diferentes unidades litológicas

239

Tabela 133 – Distribuição da morfologia do plano de percussão pelas diferentes unidades litológicas

240

Tabela 134 – Distribuição do ângulo entre a plataforma de percussão e a de exploração pelas diferentes unidades litológicas

240

Tabela 135 – Distribuição da orientação dos negativos pelas diferentes unidades litológicas

240

Tabela 136 – Distribuição da sobreposição dos levantamentos pelas diferentes unidades litológicas

241

Tabela 137 – Distribuição da extensão do retoque dos seixos retocados pelas diferentes unidades litológicas

242

Tabela 138 - Distribuição da inclinação do retoque dos seixos retocados pelas diferentes unidades litológicas

243

Tabela 139 – Distribuição da delineação do retoque dos seixos retocados pelas diferentes unidades litológicas

243

Tabela 140 – Distribuição da morfologia do retoque dos seixos retocados pelas diferentes unidades litológicas

244

Tabela 141 – Distribuição da morfologia da plataforma de percussão dos núcleos pelas diferentes unidades litológicas

245

Tabela 142 – Distribuição do ângulo entre a plataforma de percussão e a superfície de exploração dos núcleos pelas diferentes unidades litológicas

245

Tabela 143 – Distribuição da orientação dos negativos pelas diferentes unidades litológicas

246

Tabela 144 – Distribuição do número de negativos por núcleo pelas diferentes unidades litológicas

247

Tabela 145 – Distribuição da intensidade de exploração dos núcleos pelas diferentes unidades litológicas

247

Tabela 146 – Distribuição da morfologia do talão pelas diferentes unidades litológicas

248

Tabela 147 – Distribuição da orientação dos negativos na superfície dorsal das lascas pelas diferentes unidades litológicas

249

Tabela 148 – Distribuição do número de negativos das lascas pelas diferentes unidades litológicas

249

Tabela 149 – Distribuição da morfologia pelas diferentes unidades litológicas

250

Tabela 150 - Distribuição das alterações das margens pelos pricipais suportres da indústria

251

Tabela 151 – Distribuição da morfologia da modificação das margens pelas diferentes categorias tecnológicas

254

Tabela 152 – Distribuição das morfologias das modificações das margens pelas

254

diferentes unidades litológicas. Tabela 153 – Relação entre as diferentes morfologias de retoque e a inclinação do mesmo

255

Tabela 154 – Relação entre as diferentes morfologias de modificação das margens e a sua extensão

255

Tabela 155 – Relação entre a morfologia das modificações das margens e a repartição do retoque.

256

Tabela 156 – Actividades experimentais sobre Madeira (Quercus ilex) fresca e seca

258

Tabela 157 – Actividades experimentais sobre fémures de vaca

260

Tabela 158 – Esquartejamento experimental da Capra hircus 1

261

Tabela 159 – Esquartejamento experimental da Capra hircus 2

262

Tabela 160 – Esquartejamento experimental da Capra hircus 3

262

Tabela 161 – Esquartejamento experimental de Ovis aries

263

Tabela 162 – Esquartejamento experimental de Sus scrofa

264

Tabela 163 – Processamento experimental de pele

265

Tabela 164 – Características dos macros e micros-traços de usos dos artefactos experimentais utilizados em actividades de corte e raspagem (Tabela de autoria de Emanuela Cristiani)

267

Tabela 165 – Resultados dos traços de uso (Cristiani et al., 2010)

268

Tabela 166 – Distribuição das morfologias dos retoques pelas diferentes categorias tecnológicas

270

Tabela 167 – Corte de madeira e fracturação de ossos

272

Tabela 168 – Relação entre as categorias tecnológicas e o número de levantamentos

280

Tabela 169 – Distribuição quantitativa dos núcleos por classe de suporte

281

Índice de gráficos Gráfico 1 – Distribuição quantitativa da orientação dos artefactos líticos por unidade litológica

179

Gráfico 2 – Dimensões (mm) das lascas da unidade litológica 1

183

Gráfico 3 – Dimensões (mm) das lascas da unidade litológica 20

185

Gráfico 4 – Dimensões (mm) das lascas da unidade litológica 47

189

Gráfico 5 – Dimensões (mm) das lascas da unidade litológica 48

191

Gráfico 6 – Dimensões (mm) dos seixos talhados unifaciais da unidade litológica 48

192

Gráfico 7 – Dimensões (mm) das lascas da unidade litológica 49

194

Gráfico 8 – Dimensões (mm) das lascas da unidade litológica 50

202

Gráfico 9 – Dimensões (mm) dos núcleos da unidade litológica 50

211

Gráfico 10 – Dimensões (mm) das lascas da unidade litológica 30

215

Gráfico 11 – Dimensões (mm) das lascas da unidade litológica 99

221

Gráfico 12 – Representação das dimensões (mm) comparadas entre a amostra de seixos natural (AG) e dos seixos talhados (AA)

227

Gráfico 13 – Dimensões (mm) dos seixos talhados das diferentes unidades litológicas (só foram consideradas as unidades com mais de um seixo talhado)

242

Gráfico 14 – Dimensões (mm) dos seixos retocados das diferentes unidades litológicas

244

Gráfico 15 – Dimensões (mm) dos núcleos das diferentes unidades litológicas

248

Gráfico 16 – Dimensões (mm) das lascas nas diferentes unidades litológicas

250

Gráfico 17 – Distribuição da modificação das margens das lascas pelas diferentes 253 categorias tecnológicas Gráfico 18 – Distribuição da modificação «informal» das margens dos seixos talhados pelas diferentes categorias tecnológicas

269

Gráfico 19 – Distribuição dos levantamentos na superfície dorsal pelas diferentes categorias.tecnológicas

269

Gráfico 20 – Distribuição dos levantamentos na ponta inversa pelas diferentes categorias tecnológicas

270

Gráfico 21 – Principais grupos de artefactos da indústria da Ribeira da Ponte da Pedra

276

Gráfico 22 – Frequência de lascas por categoria tecnológica

277

Gráfico 23 – Orientação dos negativos dos núcleos e dos seixos talhados

278

Gráfico 24 – Relações métricas entre os seixos talhados e os núcleos

281

Gráfico 25 – Distribuição dos utensílios formais pelas diferentes categorias tecnológicas

283

Gráfico 26 – Relação métrica (mm) entre as dimensões das lascas sem retoque e

284

as lascas retocadas Gráfico 27 – Inclinação dos retoques dos seixos retocados

285

Gráfico 28 – Delineação das margens dos seixos retocados

285

Gráfico 29 – Correlação entre as principais categorias morfotécnicas da Ribeira da Ponte da Pedra e da Fonte da Moita

298

Tecnologia Lítica e comportamento humano no Pleistocénico Médio final do Alto Ribatejo: estudo da indústria lítica da Ribeira da Ponte da Pedra

1. INTRODUÇÃO Malgré le caractère inhabituel de son système de référence, la Préhistoire est avant tout une histoire des techniques. Leroi-Gourhan

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Tecnologia Lítica e comportamento humano no Pleistocénico Médio final do Alto Ribatejo: estudo da indústria lítica da Ribeira da Ponte da Pedra

Desde os anos 80 do Século XX que na sub-região do Vale do Tejo denominada por Alto Ribatejo se têm vindo a desenvolver, no quadro de vários projectos de investigação, estudos sistemáticos das ocupações humanas de ar livre do Pleistocénico Médio, bem como dos depósitos fluviais quaternários a que estas estão associadas. Excepções a este tipo de contextos são os vestígios identificados no complexo cársico do Almonda que, pela sua proximidade, integramos na região do Alto Ribatejo. No quadro destas pesquisas assumiu particular relevância, tanto pelos vestígios antrópicos, como pela informação geo-arqueológica, o sítio da Ribeira da Ponte da Pedra. Este sítio tem sido alvo de escavações desde 1999, tendo revelado uma indústria que, a par daquela exumada no sítio bastante próximo da Fonte da Moita, se afigura como excepcional quando comparada com as restantes indústrias conhecidas no Vale do Tejo (Figura 1). A indústria da Ribeira da Ponte da Pedra é constituída essencialmente por seixos talhados e retocados, abundantes lascas (sobretudo corticais e semi-corticais), lascas retocadas (com retoque convencional e retoque «informal»), poucos núcleos e poucos artefactos bifaciais. Morfologicamente, poderia ser interpretada como arcaica e ser atríbuida, de acordo com o principal modelo de interpretação crono-cultural das indústrias do Vale do Tejo, aos momentos mais antigos da ocupação humana. Todavia, a interpretação geo-arqueológica, a sua posição no terraço médio Q3/T4 e as datações absolutas indicam que este sítio se insere no período compreendido entre o MIS 7 e 9, ou seja, Pleistocénico Médio Final. Assim sendo, impunha-se um estudo detalhado de um ponto de vista morfotécnico que pudesse enquadrar esta indústria sem bifaces e sem machados de mão (tão relevantes nas interpretações tipológicas) desde uma perspectiva tecnológica e de variabilidade adaptativa e comportamental. A um nível tecnológico o nosso estudo tem os seguintes objectivos: 1. Reconstruir a cadeia operatória e sua relação com as características da MatériaPrima e os objectivos tecno-funcionais; 2. Introduzir avanços na problemática distinção núcleo/instrumento entre seixos talhados e a sua relação com as características da matéria-prima e objectivos tecnofuncionais; 3. Hipóteses de explicação para a presença de suportes com modificações das margens e sua relação com objectivos tecno-funcionais e natureza do depósito;

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Tecnologia Lítica e comportamento humano no Pleistocénico Médio final do Alto Ribatejo: estudo da indústria lítica da Ribeira da Ponte da Pedra

4. Comparação e análise entre as características tecnológicas dos artefactos provenientes das diferentes unidades litológicas existentes no sítio arqueológico. Mas procuramos também uma integração mais abrangente no quadro dos conhecimentos actuais sobre a ocupação humana do Pleistocénico Médio final do Alto Ribatejo e, num âmbito mais alargado, do Vale do Tejo. Na nossa perspectiva, com excepção da interpretação da ocupação da gruta da Galeria Pesada (MARKS et al., 2002b), o modelo de interpretação crono-estratigráfico e tipológico avançado para ocupação humana do Vale do Tejo no Pleistocécnico Médio Final (RAPOSO et al., 1993; RAPOSO, 2005) necessita de uma revisão que parta de detalhados estudos morfotécnicos e funcionais das indústrias líticas, em complemantaridade com uma abordagem geo-arqueológica dos contextos de proveniência e respectivas datações absolutas. Neste trabalho partimos da análise à escala de um sítio para que a informação recolhida e interpretação que dele faremos, em confronto com outros sítios no vale do Tejo, possa contribuir para uma revisão dos modelos tradicionais que, em vez de situarem os vários sítios num devir crono-estratigráfico e morfo-tipológico, os interprete desde uma perspectiva de variabilidade comportamental no quadro das estratégias de exploração do território do Vale do Tejo no Pleistocéncio Médio Final. Na nossa opinião, os artefactos não representam objectos estáveis plasmados em listas tipológicas e interpretações normativas, mas antes são reflexo de vários processos dinâmicos resultantes de comportamentos adaptativos e culturais. No entanto, a antiguidade dos vestígios e o facto de se tratarem de artefactos recolhidos em contexto secundário e em várias unidade litológicas de um terraço fluvial, não nos permite uma discussão global e aprofundada sobre padrões culturais, dada a parcialidade da informação e a complexidade pela qual é constítuido um sistema cultural. Também não ignoramos a enorme importância de um enquadramento paleoantropológico para os nossos estudos, no entanto, no território altualmente português só foram recuperados dois dentes (na gruta da Galeria Pesada) cuja atribuição foi dada a uma espécie de Homo arcaico, sem especificar se trata de Homo heidelbergensis ou Homo neanderthalienses. Na verdade, os restos de Neandertais anteriores ao MIS3-4 são bastante raros. Em menor escala mas também com limitações, temos a problemática das reconstruções paleoambientais do entorno do sítio, estas são-nos, de forma muito

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Tecnologia Lítica e comportamento humano no Pleistocénico Médio final do Alto Ribatejo: estudo da indústria lítica da Ribeira da Ponte da Pedra

parcial, fornecidas pela análise das diferentes litologias dos terraços e pelos conjuntos faunísticos recuperados na Galeria Pesada. Finalmente, temos a questão das datações absolutas que, por inaplicabilidade ou limite dos métodos, disparidade de valores no mesmo sítio e sítios cuja datação só fornece uma idade mínima, não apresenta uma sequência bem definida, dificultando a interpretação cronológica de conjunto das distintas ocupações. Assim, iniciámos o presente trabalho com um capítulo sobre o «estado da arte» acerca dos principais sítios, modelos e paradigmas de interpretação para esta região. Procurámos, apesar da especialização do nosso trabalho, que este capítulo reunisse o máximo de informação possível disponível através das diversas publicações. Perante a antiguidade e proficuidade dos estudos no Vale do Tejo e consequente quantidade de informação, foi sempre delicado distinguir entre o necessário, o essencial e o que poderia ser acessório dadas as circunstâncias e especificidades do nosso trabalho. No entanto, cremos ter feito as opções adequadas aos nossos objectivos tendo coligido o máximo de informação possível para elaborar, de forma crítica, um quadro de confronto entre o sítio arqueológico por nós estudado e os restantes sítios arqueológicos do mesmo intervalo cronológico conhecidos no Vale do Tejo. Ainda neste capítulo, traçamos uma retrospectiva crítica da história das investigações e dos paradigmas pelos quais foram orientadas. Optámos por uma área de comparação delimitada ao Vale do Tejo em território português pois fazer comparações fora desta área onde fizemos pesquisa bibliográfica aprofundada, bem como reconhecimento das variáveis geomorfológicas e paleoambientais, seria fazer comparações tecno-tipológicas com fundamento limitado, já que as semelhanças ou diferenças dependem de inúmeros factores não abordados neste trabalho. O contexto fluvial do sítio da Ribeira da Ponte da Pedra impôs um seguinte capítulo de enquadramento geológico e geográfico muito focado na caracterização e cronologia das formações quaternárias fluviais da região do Alto Ribatejo, de forma a enquadrar crono-estratigraficamente o sítio em análise. A particularidade deste tipo de contextos que, na maior parte dos casos, preservam indústrias líticas em posição secundária e que não representam um grau de homogeneidade comparável com outro tipo de contextos, levou-nos a uma reflexão sobre o significado e interpretação das indústrias líticas em terraços fluviais, bem como a uma reflexão acerca do seu significado em termos de cultura, tecnologia e comportamento. São esses os temas do quarto capítulo deste trabalho. 26

Tecnologia Lítica e comportamento humano no Pleistocénico Médio final do Alto Ribatejo: estudo da indústria lítica da Ribeira da Ponte da Pedra

O quinto capítulo enuncia os pressupostos metodológicos e conceptuais que enquadraram o estudo dos artefactos e apresenta os parâmetros de estudo morfotécnico e experimental que adoptámos, retomando trabalhos já elaborados nesta região, para estudar a indústria lítica da Ribeira da Ponte da Pedra. O sexto capítulo apresenta o sítio e respectiva estratigrafia e o estudo morfotécnico da indústria de cada unidade litológica, bem como uma caracterização de confronto entre a matéria-prima do conjunto arqueológico e uma amostra de matériaprima recolhida no mesmo terraço fluvial. No sétimo capítulo fizémos a análise comparativa da indústria de cada unidade litológica. No decorrer da nossa pesquisa procurámos complementar a análise morfotécnica com experimentações variadas. Estas facilitaram a nossa compreensão tecnológica e foram referência para um estudo funcional que focou a análise das modificações variadas e «informais» das margens de alguns artefactos em estudo. Os resultados são apresentados neste capítulo que termina com uma discussão sobre as cadeias operatórias e respectivos objectivos técnicos presentes na indústria lítica da Ribeira da Ponte da Pedra. Finalmente, no oitavo capítulo discutimos criticamente os resultados do nosso estudo em confronto com os dados fornecidos pelas restantes ocupações do Vale do Tejo no Pleistocénico Médio Final. Nesta discussão, em lugar de colocar o foco da interpretação num paradigma histórico-cultural e baseado em análises morfotipológicas, colocamos o foco num paradigma processualista sensu Binford baseado numa análise tecnológica das indústrias, seu significado adaptativo e funcional e no enquadramento territorial do sítio (BINFORD, 2001). Entendemos que, nestes sítios de ar livre, só uma sinergia de estudos morfotécnicos baseados na caracterização das matérias-primas, identificação dos processos de manufactura (talhe experimental, cadeias operatórias e objectivos técnicos) e utilização (análise funcional), em complementaridade com o estudo geo-arqueológico e cronológico dos depósitos de proveniência, nos podem permitir identificar padrões comportamentais adaptativos, hipotética funcionalidade dos sítios e estratégias de utilização dos recursos de um determinado território. É neste âmbito que se enquadra o nosso estudo sobre a Ribeira da Ponte da Pedra. Não esperamos concluir com uma apresentação exclusiva de resultados plenamente alcançados ou de modelos adquiridos, mas antes fornecer dados e suscitar

27

Tecnologia Lítica e comportamento humano no Pleistocénico Médio final do Alto Ribatejo: estudo da indústria lítica da Ribeira da Ponte da Pedra

questões que possam contribuir para a continuidade de uma discussão mais ampla sobre a ocupação humana do Alto Ribatejo e do Vale do Tejo no Pleistocénico Médio Final.

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Tecnologia Lítica e comportamento humano no Pleistocénico Médio final do Alto Ribatejo: estudo da indústria lítica da Ribeira da Ponte da Pedra

2..A

OCUPAÇÃO

HUMANA

DO

PLEISTOCÉNICO

MÉDIO FINAL DO VALE DO TEJO EM PORTUGAL – ANTECEDENTES «…a posteridade é uma professora enganadora na medida em que, na literatura especializada, se descobrem continuamente trabalhos a que os critérios de apreciação da sua época não permitiram conferir o seu justo valor…» Marc Augé

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Tecnologia Lítica e comportamento humano no Pleistocénico Médio final do Alto Ribatejo: estudo da indústria lítica da Ribeira da Ponte da Pedra

O Vale do Tejo, em território português, é a região onde dispomos de mais informação para o estudo do comportamento humano do Pleistocénico Médio. A concentração de achados nesta região tem várias razões que se prendem com a geomorfologia da bacia hidrográfica do vale, com a sua posição no quadro geográfico peninsular, mas também com a história das investigações sobre o Paleolítico Inferior em Portugal (a concentração de sítios arqueológicos na margem norte do estuário do Tejo é um exemplo de como a história das investigações esteve desde o início associada à história sociopolítica do país, sempre com a capital Lisboa a assumir grande centralidade). Os sítios surgem maioritariamente associados aos terraços fluviais médios do Tejo e seus afluentes, sendo que os terraços mais altos, embora prospectados, não forneceram, até ao momento, vestígios de presença humana (ZBYSZEWSKI, 1943, 1946). A concentração de sítios nestes contextos deve-se também ao facto destes terem sido alvo de investigações contínuas desde o início do século XX, sendo que as formações calcárias, para além de serem limitadas, só começaram a ser pesquisadas de forma sistemática nas últimas décadas do mesmo século. É importante referir, porém, que os sítios até ao momento identificados no complexo cársico do Almonda sugerem que com a prossecução da investigação o grau de informação pode aumentar exponencialmente. Actualmente não estão ainda identificados depósitos fluvio-lacustres nesta região que possam ter vestígios de ocupações do Pleistocénico Médio. Na verdade, o padrão de distribuição dos sítios do Pleistocénico Médio no Vale do Tejo é extensível a todo o território português onde a maior parte dos achados resultam de recolhas de indústrias líticas no interior de terraços fluviais, à superfície associadas a estes, ou ainda em formações coluvionares (por exemplo no Vale do Lis ou Litoral minhoto). Assim, exceptuando os trabalhos de Cunha-Ribeiro no Lis (1999a) e de José Meireles no litoral minhoto (1992) que também incluíram estudos tecnomorfológicos, o seu estudo sempre esteve na maior parte das vezes relacionado com a caracterização destas formações, em particular no que diz respeito ao seu posicionamento relativo, de forma a enquadrar cronologicamente a variabilidade tipológica que apresentavam as indústrias. Não negando a validade destes estudos essencialmente tipológicos, estes devem ser actualizados em complementaridade com abordagens tecno-funcionais, suportadas em experimentações.

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Tecnologia Lítica e comportamento humano no Pleistocénico Médio final do Alto Ribatejo: estudo da indústria lítica da Ribeira da Ponte da Pedra

Não

obstante,

os

trabalhos

arqueológicos

permitiram

detectar

vestígíos

significativos da presença humana do Paleolítico em regiões onde antes nada se conhecia (CUNHA-RIBEIRO, 1999a; MEIRELES, 1992), pode afirmar-se que o vale do rio Tejo, respectiva rede hidrográfica e bacia sedimentar, continua a constituir a região com mais vestígios do Paleolítico Inferior, incluíndo os sítios mais paradigmáticos em termos de referência para o estudo deste período (CUNHARIBEIRO, 1993, 2002; RAPOSO, 2005) (Figura 1). É nesta região que dispomos dos estudos mais completos e actualizados de correlação entre os sítios arqueológicos e respectivas indústrias líticas, a caracterização das formações fluviais de proveniência e sua respectiva datação (CUNHA et al., 2008a; GRIMALDI et al., 1999; MOZZI et al., 2000; MARTINS et al., 2010b; ROSINA, 2004) . Este facto não resulta necessariamente de o vale do Tejo ter sido uma área mais rica em recursos, ter sido mais habitada ou priveligiada pelos grupos humanos, mas sim por se encontrarem neste vale abundantes depósitos com contextos de ocupação humana em estratigrafia associados aos terraços fluviais e ao enchimento das cavidades cársicas, sendo que nos aluviões actuais e sub-actuais, nas coluviões e aluviões é possível identificar remobilizações e misturas de materiais do Pleistocénico Médio Final com outros de cronologia mais recentes (ROSINA, 2004, p. 59). No chamado médio Tejo em território português, sensivelmente desde Ródão até Vila Nova da Barquinha, situam-se os importantes sítios do Monte Famaco, Vilas Ruivas, Fonte da Moita e Ribeira da Atalaia; no baixo Tejo aluvial e zona de estuário, destacam-se o conjunto de sítios do Vale do Forno e na margem sul o sítio do Samouco. Particular relevo têm as ocupações em gruta, Galeria Pesada entre outras, do complexo do Almonda que, pela diversidade e potencialidade informativa dos vestígios, são os sítios mais promissores para o estudo da ocupação humana em todo o Vale do Tejo. A estes locais acrescentam-se os achados de superfície nos vales subsidiários: Nabão, Almonda, Rio Maior e Sor na margem Norte, Raia e Sorraia na margem Sul. A análise de bibliografia disponível referencia cerca de 350 sítios e locais com materiais atribuídos ao Paleolítico Inferior (inventário do IGESPAR IP, CUNHARIBEIRO, 1999a; CRUZ, 1997; GRIMALDI et al., 1998; RAPOSO et al., 1993; CARDOSO et al., 1992). Esta quantidade de sítios paleolíticos está, em parte, relacionada com os depósitos de proveniência dos artefactos. Com efeito, as amplas formações fluviais da bacia hidrográfica do Tejo podem incluir enormes extensões contínuas de materiais sem que se possa verdadeiramente individualizar sítios 31

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arqueológicos (BUTZER, 2008), consequentemente a sua remobilização e erosão resulta em inúmeros locais onde são identificados materiais à superfície, por vezes numericamente muito escassos e que na literatura vêm individualizados como sítios. Todavia, no quadro de antecedentes que agora apresentamos, bem como nos dados de confronto para o nosso estudo são considerados os sítios arqueológicos tendo em conta o conceito de sítio sugerido por P. Rosina (2004, p. 59): Una stazione archeologica divienta sítio quando é possibile inquadarla in un costesto stratigráfico que permetta determinare le modalitá di accumulazione dei manufatti. A definição de sítio arqueológico suscita uma discussão que ultrapassa em muito o nosso trabalho. Numa definição geral Butzer (1982, p. 98) considera: Archaeological sites, of whatever size and complexity, are functions of human activities and of non cultural agencies, during occupation as well as after occupation. No quadro das ocupações humanas do Vale do Tejo a discussão do conceito de sítio está indelivelmente associada à geo-arqueologia das formações fluviais (exceptuando as formações em gruta) que nos fornecem a informação sobre os processos naturais que afectaram as ocupações após o seu abandono e que são um pré-requisito para podermos elaborar inferências comportamentais (SCHIFFER, 1982). Nestes contextos, não só é difícil, devido à enorme quantidade e dispersão de artefactos no interior de depósitos, reconhecer e aplicar o conceito de sítio enquanto unidade discreta, como é complicada a sua delimitação: “La potencial presencia de industria lítica, sin discontinuidades netas, en toda a extensión del abanico aluvial. La posibilidad de que toda a industria del abanico posea unas características similares. (...). Los diferentes “sitios arqueologicos”... no pueden considerarse “yacimientos” individualizados. Por tanto, nos encontramos ante un solo “yacimiento de enormes dimensiones.” JIMÉNEZ MANZANARES et al., 1995 Ainda mais problemática é a determinação funcional de um sítio em contexto fluvial já que os materiais podem estar distribuídos em depósitos de diferente natureza como são os canais, as barras ou as planícies de inundação entre outros (a Ribeira da Ponte da Pedra é um exemplo desta situação). Também incluímos neste balanço sítios que resultam de recolhas antigas, cujas indústrias foram estudadas com métodos hoje questionáveis, mas que têm um papel relevante para as interpretações sobre a ocupação humana do Vale do Tejo no 32

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Pleistocénico Médio Final, como é o caso do sítio do Samouco. Abrangemos ainda sítios que, embora sejam de superfície, têm suportado relevantes interpretações como é o caso do Monte Famaco, as recolhas associadas ao Q3/T4 na zona de Vila Nova da Barquinha e as recolhas ligadas à formação Ft4 desde a mesma zona até Torres Novas. Sempre que possível apresentamos imagens dos artefactos líticos provenientes destes sítios, bem como da estratigrafia, quando estas existem. Neste capítulo optámos por dividir o Vale do Tejo em 4 áreas que correspondem a concentrações de sítios no conceito atrás enunciado. Para cada uma apresentamos uma retrospectiva das pesquisas e uma súmula da informação disponível em publicações ou trabalhos académicos. No final deste capítulo traçamos uma síntese das transformações metodológicas e interpretativas que estiveram subjacentes ao estudo das indústrias líticas e seus contextos desde o início do século XX.

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2.1 A região de Vila Velha de Ródão No início da década de setenta o Grupo para o Estudo do Paleolítico Português (G.E.P.P.) efectua prospecções nas imediações de Vila Velha de Ródão e identifica uma série de sítios do Paleolítico Inferior e Médio em correlação com as formações fluviais do rio Tejo (G.E.E.P., 1974-1977, 1978). Em virtude dos resultados, os trabalhos de campo concentraram-se, num primeiro momento, nos sítios do Monte Famaco e Vilas Ruivas (RAPOSO e SILVA, 1982, 1983, 1985ab) e mais tarde na Foz do Enxarrique (RAPOSO et al., 1985a). As primeiras prospecções que levaram à identificação do sítio de Vilas Ruivas foram feitas em 1971. Em 1977 publicam-se os primeiros resultados onde é descrita a estratigrafia de um terraço médio ao qual estavam associadas algumas peças recolhidas e atribuídas a um Acheulense evoluído. Os materiais recolhidos à superfície, em cortes e nas duas valas de sondagem revelaram um conjunto lítico à «base de lascas, seixos unifaciais, um biface e núcleos alguns dos quais discóides» (G.E.P.P., 1974-1977, p. 33), sem que, no entanto, se apresente um clara distinção da proveniência destes artefactos Numa posterior escavação do sítio (G.E.E.P., 1983) foram recolhidos no horizonte inferior da camada D5 (de origem fluvial) 6 seixos unifaciais e bifaciais que, embora se considerem inexpressivos tipologicamente, foram atribuídos ao Paleolítico Inferior dada a posição que tinham na sequência estratigráfica do sítio (subjacentes à camada com ocupação do Paleolítico Médio). Na área do Ródão foram também identificados e recolhidos materiais nos sítios do Porto do Tejo 1 e Celulose do Tejo, à superfície e no interior de um terraço de altitude compreendida entre os 32-42 m. Trata-se de um disco, seixos talhados, bifaces e um machado de mão (entre outros não especificados) atribuídos por critérios tipológicos ao Acheulense (Figura 2). Nos finais dos anos 80 foram feitas pesquisas, não muito longe de Vila Velha de Ródão (BICHO et al., 1994), que consistiram na prospecção das formações quaternárias de origem fluvial relacionadas com um paleocanal do rio Ponsul, afluente do Tejo. Esses trabalhos estavam na continuidade das actividades do G.E.P.P. e do projecto «O Tejo Superior Português e Respectiva Rede Lateral», coordenado por Luís Raposo e

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António Carlos Silva. Dada a riqueza de vestígios paleolíticos em Vila Velha de Ródão, mas também na Meseta espanhola, esperavam-se bons resultados. Todavia, a publicação de 1994 de Nuno Bicho e seus colaboradores dá conta de parcos achados do Paleolítico, quase todos provenientes de recolhas de superfície e sem contextualização geoarqueológica nas formações quaternárias. Os autores sugerem que na origem desta dispersão e descontextualização possa estar a génese grosseira destas formações afectadas por regimes fluviais torrenciais. O Paleolítico Inferior está representado pelo sítio Monte da Ponte, do qual se apresentam artefactos que os autores enquadram no Acheulense, tais como bifaces, machados e choppers. Porém, do mesmo sítio são apresentadas peças que são, por critérios tipológicos, atribuídas ao Paleolítico Médio (Figura 3). Ainda no que diz respeito a este sítio é referida a presença de material in situ, mas não se especifica qual ou quais são as peças (BICHO et al., 1994, p. 67). Para explicar a escassez de vestígios associados ao Paleolítico Inferior os autores também referem o facto de a área prospectada se «situar entre duas áreas de grande concentração de períodos arqueológicos bem definidos, o Paleolítico Inferior na Meseta espanhola e o Paleolítico Médio no Alto e Médio Tejo Português» (Idem, ibidem) Recentemente foram apresentados os resultados preliminares do projecto «PréHistória Antiga no Nordeste Alentejano» (ALMEIDA et al., 2007), que dão conta da identificação de uma série de sítios do Paleolítico Inferior nesta área, com especial destaque para o chamado Complexo do Arneiro. A publicação destes primeiros resultados foca sobretudo o Paleolítico Médio e os sítios do Pegos do Tejo 2, Tapada do Moutinho e Azinhal. Neste último, situado na base de um depósito sedimentar de um pequeno afluente do Tejo, foram recolhidos dois bifaces «micoquenses», um à superfície, outro numa camada arqueológica datada por OSL de 61+ 7 ka. Esta datação não deixa de nos levantar algumas reservas já que, entre os três sítios referidos, este é o que apresenta a cota mais alta (152 m), mas tem a datação mais recente (Idem, ibidem, p. 15). Ultimamente têm sido feitas de forma sistemática datações absolutas por OSL nos terraços do Tejo e em 2008 foi publicada uma correlação da informação geomorfológica, estratigráfica e arqueológica com datações por luminescência na região de Vila Velha de Ródão (CUNHA et al., 2008a). Considerando a posição das datas corrigidas por K-Feldspato nas sequências sedimentares, é atribuída aos terraços baixos a seguinte cronologia: T5 - entre 31 e 40 ka, T4 entre 100 e 280 ka e para o T3 uma 35

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idade superior a 300 ka. Na opinião dos autores esta sequência cronológica confirma a interpretação dos materiais encontrados in situ nestes terraços. Embora neste trabalho o importante sítio do Monte Famaco esteja associado ao T3, em posteriores publicações é associado ao terraço fluvial T4 para o qual se atribui uma data de ~277 a 136 ka (MARTINS et al., 2010b, p. 136). 2.1.2 Monte Famaco Do grupo de sítios do Paleolítico Inferior da região do Ródão, o Monte Famaco é, sem dúvida, o mais relevante. Está associado ao terraço T4, já que a indústria foi recolhida numa superfície associada ao seu desmantelamento. Descoberto em 1977, foi alvo de intervenções que consistiram em sondagens e prospecções sistemáticas de superfície que resultaram na recolha de mais de um milhar e meio de artefactos (G.E.P.P. 1974-1977; RAPOSO e SILVA, 1985ab). Os materiais foram, com excepção de 3 artefactos, recuperados numa das sondagens que escavou um resíduo da sequência fluvial original, recolhidos à superficie de uma coluvião no topo do substrato rochoso que residualmente preserva partes do terraço T4. Considerando o seu estado fisico (desgaste das arestas) os artefactos foram dividos em dois grupos: uma série rolada de 34 artefactos e uma restante de arestas mais vivas de 1500 artefactos. Apesar da relevância deste conjunto para a interpretação arqueológica das ocupações humanas mais remotas no Vale do Tejo, só os materiais série rolada foram publicados integralmente (RAPOSO, 1987). Esta série é constituída por um grupo de 34 artefactos que inclui também 3 seixos talhados, igualmente rolados e escavados in situ. Trata-se de um conjunto constituído por 3 bifaces (dois abevilenses), 1 esboço de biface, 3 triedros de tipos diferenciados, 1 machado de mão de tipo primitivo, 6 seixos talhados unifaciais, 3 núcleos (um deles associado a uma concepção de tipo proto levallois), 8 utensílios sobre lasca (3 raspadores, 4 denticulados e uma faca de dorso), 5 lascas não retocadas, 2 utensílios diversos e 2 fragmentos de artefactos (Tabela 1 e Figura 4). Estes artefactos, a par da correlação altimétrica do terraço com outros terraços na Meseta espanhola, reforçaram, nos primeiros estudos, a atribuição desta série ao Acheulense Antigo. Atribuição também suportada do ponto de vista tipológico com

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relação a outros contextos em território espanhol, em particular, o sítio de El Pinedo (Idem, ibidem, p. 164-165). Artefactos Líticos Seixos Talhados Unifaciais Núcleos Lascas Utensílios sobre lasca Bifaces Esboço de biface Machados de Mão Triedros Utensílios diversos Fragmentos Total

Nº 6 3 5 8 3 1 1 3 2 2 34

Tabela 1 – Principais Categorias tecno-tipológicas da série rolada do Monte Famaco (Adaptado de RAPOSO, 1987)

No entanto, num trabalho que apresenta uma sequência cronológica para as diferentes formações fluviais e uma série de datações absolutas, a série rolada é mencionada como pertencente a uma fase inicial do Acheulense médio e não ao Acheulense Antigo (CUNHA et al., 2008a, p. 47). Neste trabalho também é referido que os materiais são provenientes de um conglomerado, no entanto nas publicações dos anos oitenta os materiais são sempre referidos como recolhas na superfície de cobertura coluvionar (G.E.P.P., 1974-1977, p. 37; RAPOSO, 1987, p. 157). Assim, não só o contexto de proveniência é pouco claro, como há uma significativa diferença do ponto de vista da intepretação crono-estratigráfica entre artefactos recolhidos em estratigrafia e artefactos recolhidos à superfície. O restante conjunto, apesar de ser considerado em diversas publicações com base em “observações de carácter mais qualitativo do que quantitativo” (RAPOSO, 1987, p. 157) como paradigmático do Acheulense Médio evoluído ou Acheulense Pleno, não foi ainda publicado extensivamente. A sua recolha foi feita de forma sistemática e com plantas de distribuição indicando uma concentração que, a par do estado físico (apresentam vestígios de abrasão eólica, mas não de transporte fluvial), levam a que se considere como resultante de uma produção e utilização local. As observações sobre esta série mais fresca são bastante sumárias. De forma preliminar, em 1977, é apresentada uma descrição genérica da indústria e a distribuição quantitativa dos principais grupos tecno-tipológicos numa amostra de 553 artefactos (Tabela 2)

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(G.E.E.P., 1974-1977, p. 41). Esta publicação refere que os bifaces são de um modo geral espessos, à excepção de alguns feitos sobre lasca, os «proto-bifaces» sensu Biberson também estão presentes, tal como os unifaces. Os machados de mão são divididos em dois sub-grupos: nucleares e sobre lasca. Os núcleos, amplamente representados, são informes e globulosos e raramente discóides. As lascas são divididas em três grupos de acordo com a sua categoria dimensional, referindo-se que em qualquer um destes está «claramente definida uma técnica clactonense» (G.E.E.P., 1974-1977, p. 40) (Figura 5). Artefactos Líticos Seixos Talhados Unifaciais Seixos Talhados Bifaciais Núcleos Núcleos discóides Lascas Raspadores Bifaces Proto-bifaces Unifaces «Hacheraux» Total

Nº 63 15 111 4 221 44 35 22 12 26 553

Tabela 2 – Principais Categorias tecno-tipológicas de uma parte da série não rolada do Monte Famaco (Adaptado de G.E.E.P., 1977)

Nas descrições genéricas que foram feitas sobre este conjunto os autores destacam significativa presença de «hacheraux» de vários tipos, núcleos sobre lasca, bem como de artefactos de bisel terminal. Os bifaces são espessos, com reservas de córtex, gumes sinuosos e perfis assimétricos, com excepção de alguns feitos sobre lasca. Numa publicação de 1993 refere-se que os bifaces desta série são de diferentes tipos e somam mais de uma centena, sendo o número de «machados» também muito elevado, próximo do dos bifaces» (RAPOSO et al., 1993, p. 23). Os núcleos, de dimensões médias e grandes, são sobretudo informes e globulosos, embora os discóides também estejam presentes. As lascas são divididas em 3 grupos dimensionais que são suportes de diferentes categorias de artefactos. Considera-se que o talhe predominante é o clactonense, cujas grandes lascas seriam os suportes para as peças bifaciais e «hacheraux». As lascas médias seriam os suportes dos raspadores. Estes são simples, rectos ou ligeiramente convexos, com gume linear, mas por vezes sinuoso e de perfil denticulado. Os retoques são complexos, mas também

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simples e descontínuos (G.E.E.P., 1974-1977, p. 40). As lascas pequenas estariam associadas aos núcleos de médias e pequenas dimensões ou à produção de instrumentos nucleares. Depreende-se das várias publicações que é sobretudo com base em critérios tipológicos e dando especial atenção à presença dos bifaces e «hacheraux» que é feita a sua atribuição crono-cultural ao Acheulense Médio Evoluído. A publicação da análise detalhada desta indústria seria da maior importância para o confronto de dados actualmente disponíveis, tanto mais que os recentes trabalhos sugerem uma datação absoluta de ~277 a 136 ka para o terraço T4 ao qual se associam estes artefactos (ver capítulo 3.4.3).

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2.2 A região do Alto Ribatejo O Alto Ribatejo é uma sub-região do Vale do Tejo onde nos últimos 15 anos se tem trabalhado de forma sistemática no estudo dos vestígios arqueológicos do Pleistocénico Médio. É, também, pelas suas características geomorfológicas, aquela que apresenta maior diversidade de contextos com ocupação humana. Com efeito, nesta região, onde se conjugam os complexos metamórficos com o maciço calcário e a bacia sedimentar do rio Tejo, encontram-se numerosos sítios de superfície, sítios de ar livre bem contextualizados do ponto de vista estratigráfico, bem como relevantes vestígios de ocupação em gruta que como veremos constituem sítios de referência, associando elementos faunísticos às indústrias líticas para o estudo do comportamento adaptativo das comunidades humanas no Pleistocénico Médio desta região. 2.2.1 Sítios de Ar livre O conhecimento da ocupação desta região durante o Paleolítico Inferior remonta aos anos quarenta, quando se fazem os primeiros achados de superfície (CUNHARIBEIRO, 1999a, p. 33), no entanto, é a partir anos setenta que o número de achados aumenta. As publicações assumem um maior detalhe fazendo sempre a associação das indústrias líticas às formações fluviais de proveniência. Georges Zbyszewski e seus colaboradores tiveram um papel preponderante nestes trabalhos, tendo sido responsáveis por grande parte do estudo dos artefactos aqui recuperados, maioritariamente provenientes de recolhas de superfície. Ainda que, mesmo em plenos anos oitenta, estes sejam feitos com base no método das patines e aplicados indiferenciadamente a conjuntos de amostragens muito diversas (ZBYSZEWSKI et al., 1970, 1971, 1972, 1974; ZBYSZEWSKI e VEIGA FERREIRA, 1972-1973; ZBYSZEWSKI et al., 1973). É nos anos noventa que assistimos ao intensificar da identificação de sítios paleolíticos e à sua descrição detalhada (CUNHA-RIBEIRO, 1990; CUNHA-RIBEIRO et al., 1999; CRUZ, 1997). Estes trabalhos apresentam os sítios de forma mais sistematizada e em correlação com as formações quaternárias de provável origem, cujo estudo detalhado começa a ser feito, iniciando uma abordagem geo-arqueológica destes

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vestígios que se desenvolverá como a forma mais adequada de estudo nos anos que se seguem (CORRAL, 1998ab; GRIMALDI et al., 1998; ROSINA, 2004). Estes estudos incidiram não só sobre os sítios já identificados, mas também sobre as indústrias líticas recolhidas à superfície ou parcialmente no interior das formações fluviais do Tejo e respectivos afluentes, agora analisadas com metodologias mais actualizadas em relação ao tradicional método da seriação (CUNHA-RIBEIRO, 1996-1997; GRIMALDI et al., 1998). Num trabalho sobre machados de mão no Paleolítico inferior, João Pedro Cunha-Ribeiro apresenta de forma sumária o estudo das indústrias resultantes de recolhas feitas na margem direita do Tejo, entre Vila Nova da Barquinha e a foz do rio Alviela (CUNHA-RIBEIRO, 1996-1997). Estas indústrias são associadas a uma formação fluvial que apresenta o nível de base entre os 18 e 20 m e que nesta publicação é denominada por Ft4. O conjunto de cerca de um milhar de artefactos, alguns recolhidos no interior da formação, engloba os sítios do Bonito (concelho do Entroncamento), Castelo Velho, Casal do Seixo, Casal do Vale e Ramalhosa (concelho de Torres Novas). Este conjunto foi dividido em dois grupos: artefactos rolados e provenientes dos cortes e outro grupo com os artefactos de arestas vivas e recolhidos à superfície. No entanto, este trabalho não apresenta de forma diferenciada os artefactos de acordo com o seu contexto de proveniência. Embora a divisão tivesse subjacentes critérios de antiguidade com base no estado físico, o seu estudo mostrou que a distinção entre os dois é muito limitada. Para o autor, as características mais interessantes deste conjunto são a elevada presença de núcleos, a baixa quantidade de utensilagem formal (10% das peças) e a quase total ausência de machados de mão que não se deverá imputar a condicionantes relacionadas com a matéria-prima (Tabela 3). Artefactos Líticos Núcleos Lascas Lascas retocadas Bifaces Machados de Mão Utensílios diversos Fragmentos e detritos Total

Nº 338 495 37 43 1 3 0 917

% 36.9 54 4 4.7 0.1 0.3 0 100

Tabela 3 – Principais Categorias tecno-tipológicas da indústria associada a Ft4 (Adaptado de CUNHARIBEIRO, 1996-1997)

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O mesmo trabalho apresenta o estudo sumário dos artefactos de um conjunto de sítios localizados nas margens da ribeira do Alvorão, afluente do Almonda – Quinta dos Marrecos, Poço Covão Norte e Sul, todas ocupando a plataforma de um antigo terraço fluvial. Também estes artefactos foram divididos em dois grupos com base no seu estado físico, um grupo com forte desgaste nas arestas e outro com arestas vivas. O autor considera que a distinção da existência de artefactos com dupla patina, bem como a presença de bifaces só no grupo das peças mais desgastadas, testemunhas duas ocupações distintas. Não são feitas observações quanto à comparação entre estes dois grupos, mas é sublinhada a sua semelhança com o conjunto da formação Ft4: elevada presença de núcleos, baixa representação de utensílios, em particular dos bifaces (Tabela 4). Artefactos Líticos Núcleos Lascas Lascas retocadas Bifaces Machados de Mão Utensílios diversos Fragmentos e detritos Total

Nº 98 176 15 8 0 0 7 304

% 32.2 57.9 4.9 6 0 0 2.3 100

Tabela 4 - Principais Categorias tecno-tipológicas da indústria de Poço Covão (Adaptado de CUNHARIBEIRO, 1996-1997)

Destaca-se a total ausência de machados de mão (em contraponto com a existência de várias lascas passíveis de serem suporte deste tipo de utensílio) o que também neste caso não é, de acordo com Cunha-Ribeiro, atribuível a possíveis constrangimentos decorrentes da matéria-prima local. Vale a pena referir que neste trabalho, por diversas vezes é referida a sua diferenciada representação no centro de Portugal, sendo que no Alto Ribatejo é altamente diminuta. Noutras zonas do Vale do Tejo estão presentes, mas a sua expressão quantitativa não é muito elevada e são maioritariamente de formas simples (tipo 0), ainda que muito equilibradas nas suas simetrias bifaciais e bilaterais. O autor do estudo não vê a aplicabilidade de uma explicação cultural, mas antes sugere que tal facto poderá estar relacionado com diferentes estratégias de ocupação dos territórios, bem como o «exercício de diferentes actividades ou na adaptação a meios igualmente diversificados» (CUNHA-RIBEIRO, 1996-1997, p. 43). Num trabalho mais recente sobre estes conjuntos o mesmo autor faz a sua associação às indústrias acheulenses do Paleolítico Inferior, tendo como principais 42

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características um reduzido número de utensílios, «com destaque para a prevalência da cadeia operatória de configuração de bifaces, a quase ausência de machados de mão e o manifesto predomínio de cadeias operatórias de debitagem relativamente expeditas e simples, mesmo se outras bem mais complexas não deixam de estar presentes.» (CUNHA-RIBEIRO, no prelo, p. 10). Em 1998 é publicado por Stefano Grimaldi, Pierluigi Rosina e Isabel Corral um estudo sobre as formações quaternárias na zona de Vila Nova da Barquinha e indústrias líticas a estas associadas (GRIMALDI et al., 1998). Numa abordagem geo-arqueológica são estudadas amostras de conjuntos líticos provenientes de 14 sítios de superfície, alguns com sub-divisões espaciais. De acordo com a sua associação aos depósitos quaternários estes sítios são divididos em 3 grupos principais. No decorrer destes trabalhos os autores identificaram peças in situ no terraço fluvial médio Q3/T4 com uma cota entre os 25-40 m. Dado o interesse do nosso trabalho ser sobre as ocupações do terraço médio Q3/T4, sintetizamos os dados relativos aos sítios de superfície directamente associados com este terraço. Somam um total de 25 «locais» que integram o Grupo 2 na divisão de Grimaldi, Rosina e Corral. Este grupo é sub-dividido em três grupos da seguinte forma: •

G2a inclui os «locais» cuja posição altimétrica se encontra entre a base e o topo

do Q3/T4; •

G2b inclui os «locais» cuja posição altimétrica e topográfica está abaixo da base

do Q3/T4 e são coincidentes com um curso de água que corta o terraço; •

G2c inclui aqueles que estão em posição altimétrica e topográfica abaixo do

Q3/T4, mas mais distantes do que os do grupo G2b e portanto menos ligados ao terraço (Tabela 5). Grupo «Geoarqueológico» G2a G2b

G2c

«Locais» arqueológicos Vale Seixo b Vale Loura a, b, c Atalaia f, g, n Atalaia c, e, h, i, l, m Bonito Vale Seixo a Vale Loura d Ponte da Pedra a, b, c Alcolobre a, b, c Atalaia a, b, d

Tabela 5 – Lista de sítios associados em grupos geo-arqueológicos em relação com o terraço Q3/T4 do Tejo (Adaptado de GRIMALDI et al., 1998)

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Os artefactos provenientes dos vários locais do Grupo 2 constituíram 53% da totalidade de todos os estudados neste trabalho, sendo portanto o grupo mais relevante em número de locais e artefactos (Tabela 6). Artefactos Líticos Choppers Chopping tools Unifaciais Bifaciais Núcleos Outros Indetermináveis Total

Nº 311 36 18 14 67 14 12 472

% 66 7,6 3,8 3 14,1 3 2,5 100

Tabela 6 – Distribuição quantitativa das categorias tecno-tipologicas dos artefactos sobre seixo do Grupo Geo-arqueológico 2 (Adaptado de GRIMALDI et al., 1998)

Entre os artefactos sobre seixo os choppers com poucos levantamentos somam 66%, os núcleos constituem 14,1% e os artefactos bifaciais, unifaciais e chopping tools 14,4%. Do grupo das lascas, 4,6% é levallois e 7,8% são retocadas (Tabela 7). Esta relação percentual não se reflecte na observação da sua distribuição nos sub-grupos. Os autores observam algumas diferenças nas distribuições quantitativas nos sub-grupos no que diz respeito a classes dimensionais e ao estado físico dos artefactos, como é o caso dos choppers e dos núcleos (Idem, ibidem, p. 181). Artefactos Líticos Lascas Lascas retocadas Lascas Levallois Indetermináveis Total

Nº 411 38 23 23 495

% 83 7,8 4,6 4,6 100

Tabela 7 – Distribuição quantitativa das categorias tecno-tipológicas das lascas do Grupo Geoarqueológico 2 (Adaptado de GRIMALDI et al., 1998)

No que diz respeito às diferenças entre sub-grupos as observações mais interessantes são feitas sobre os grupos geo-arqueológicos G2a e G2b. De acordo com os autores os artefactos do grupo G2a são provenientes maioritariamente da parte alta do terraço, já os do grupo G2b provêm de todo o terraço. Neste grupo a maior presença de bifaciais, chopping tools e choppers com um único levantamento parece indicar um comportamento mais «simples». No G2a a par da diminuição destes artefactos, existem mais núcleos, mais pequenos, inclusive discóides, destinados à produção de lascas 44

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utilizadas como suportes de utensílios retocados. Neste sub-grupo apesar de os choppers continuarem a ser maioritários têm mais do que uma série de levantamentos, pressupondo a sua exploração enquanto núcleos e uma possível utilização final como utensílios. Estas observações de variabilidade comportamental em relação à exploração dos recursos líticos são confirmadas pelos artefactos encontrados in situ no interior do terraço Q3/T4 e os artefactos in situ identificados no topo do mesmo, onde foram identificados um núcleo e uma lasca em sílex que pressupõem um comportamento distinto no que respeita às estratégias de aprovisionamento e exploração do território (Idem, ibidem, p.183). 2.2.2 Fonte da Moita Em 1998 numa área denominada Fonte da Moita foi efectuada uma escavação de emergência num local que iria ser destruído pela construção de uma urbanização. Nesta zona já tinham sido identificados artefactos num corte natural do terraço Q3/T4 (GRIMALDI et al., 1999). A escavação foi efectuada numa superfície de 50 m2 dividida em dois sectores distintos (Sector Oeste e Sector Leste) que foram escavados diferenciadamente de acordo com a sequência estratigráfica identificada. No sítio da Fonte da Moita foi descrita uma sequência estratigráfica de cerca de 3,5 m, tendo por base um nível de argilas miocénicas e no topo um depósito coluvionar. (Figura 6). Os materiais arqueológicos são maioritariamente provenientes de duas unidades que correspondem a distintos ciclos sedimentares. Dum ponto de vista geológico podem ser reconhecidas duas unidades principais, separadas por um evento erosivo, correspondendo cada uma a um distinto ciclo sedimentário (Tabela 8). Nesta sequência foram identificadas sete unidades sedimentares tendo sido avançada a seguinte interpretação para a 2ª unidade (da base para o topo): Nível 1 - Começo dos processos de sedimentação dos depósitos deste terraço Pleistocénico; Nível 2 - Intervalo dos processos de sedimentação e exposição dos sedimentos. Formação de um paleosolo residual (laterítico) em condições climáticas quentes e muito húmidas; Nível 3 - Começo de um depósito fluvial de barra ao longo das margens do Paleo Tejo; este processo de sedimentação parou várias vezes deixando os sedimentos expostos aos agentes atmosféricos; 45

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Nível 4 e 5 - Fim do depósito de barra fluvial, exposição e cruzamento por canais transversais. Sequência Geológica Coluvião 1ª Unidade

2ª Unidade

US NA 7

S2

6

1

5

2

4 3c 3b 3a

2 3 4 5

2

6

1 Miocénico

Desccrição Areia Grosseira, saibro e seixos Areia branca média-fina e saibro Areia média avermelhada/alaranjada e saibro Areia média avermelhada/alaranjada e saibro Silte cinzento Conglomerado, areia média grosseira vermelha Conglomerado, areia grosseira muito vermelha Conglomerado, areia siltosa cinzenta Argila branca arenosa

Espessura

Indústria

50 cm

297 921

30 cm

183

30-35 cm

71

5-10 cm 50-60 cm

155 182 220

20 cm

395

30 cm

-Total 2 424

Tabela 8 – Interpretação das litofácies da sequência estratigráfica da Fonte da Moita (Adaptado de ROSINA e CURA, 2010)

A segunda unidade estratigráfica de Fonte da Moita foi interpretada, com base nas suas estruturas sedimentares, como o início de um novo depósito de barra fluvial que apresenta menos indícios de períodos de exposição. Estas unidades sedimentares foram correlacionadas com os níveis arqueológicos, assumindo relevante significado o nível arqueológico 6, uma das «paleo-superfícies, originadas em condições climáticas quentes e húmidas, situadas nas proximidades das antigas margens do rio Tejo, e expostas aos agentes atmosféricos por um período de tempo cuja duração é ainda desconhecida.» (GRIMALDI et al., 2000, p. 128). A análise estratigráfica permitiu ainda colocar a hipótese das duas unidades geológicas principais se terem formado num período breve, o que Grimaldi e seus colaboradores consideram ser confirmado pela baixa inter e intra-variabilidade das indústrias associadas aos diferentes níveis arqueológicos. O estudo tecnológico destas, juntamente com a interpretação geoarqueológica indica uma «uniformidade climática, cronológica e provavelmente comportamental» (Idem, ibidem). A escavação resultou na recolha de 2582 artefactos líticos, tendo sido estudados todos os do sector Oeste e os provenientes do nível arqueológico 1 do sector Leste (GRIMALDI et al., 1999, DUARTE, 2002).

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A indústria analisada foi maioritariamente produzida a partir de seixos de quartzito de textura fina. Os artefactos têm graus de preservação bastante variados, quer em termos de rolamento, fracturas pós-deposicionais e alterações químicas. Os artefactos mais rolados foram recolhidos nos níveis superiores, ao contrário daqueles que apresentam mais concreções férreas que aumentam nos níveis inferiores, o que está relacionado com a génese destes depósitos interpretados como paleo-superfícies. O estudo morfo-técnico dividiu a indústria lítica da Fonte da Moita em 5 grupos tipológicos principais: seixos talhados, lascas, lascas retocadas, artefactos retocados e um último grupo minoritário que associa núcleos, picos, bifaces, choppers e chopping tools (Tabela 9 e Figura 7). Este último grupo, tal como o das lascas retocadas, não apresenta variações na sua presença nos diferentes níveis.

Níveis arqueológicos

Seixos talhados

Núcleos, choppers, chopping tools, bifaces e picos

Lascas

Nív.6 Nív.5 Nív. 4 Nív. 3 Nív. 2 Nív. 1 Estrato 2

16 13 14 8 7 9 11

2 2 3 3 2 2 2

32 31 41 46 18 23 18

Lascas Utensílios Outros retocadas retocados 17,5 23 18 14 20 17 12

9,5 9 6 12 18 12 20

23 22 18 17 35 37 37

Tabela 9 – Distribuição quantitativa em percentagens dos grupos tipológicos pelos diferentes níveis arqueológicos (Adaptado de GRIMALDI et al., 1999, p. 51)

No que diz respeito às lascas sem retoque e aos seixos talhados, estes estão mais representados nos níveis 6, 5 e 4. Uma diferença significativa observa-se no grupo dos artefactos retocados que estão muito mais presentes no nível 2 e no estrato 2. Os artefactos retocados estão bastante representados na indústria da Fonte da Moita tendo sido levantada a hipótese, com base na observação de pequenos entalhes na superfície dorsal de seixos talhados e retocados, da existência de um «curated system» de rejuvenescimento das margens, coexistente com a produção recorrente de lascas. Também se regista a uniformidade morfológica e métrica dos seixos retocados – são mais compridos que largos e pouco espessos – em todos os níveis. Os restantes utensílios retocados são maioritariamente raspadores, entalhes e denticulados com retoques uniformes e sem relação evidente com a morfologia do suporte. 47

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Para efectuar o estudo das cadeias operatórias os autores dividiram os seixos talhados e as lascas em diferentes e hipotéticas fases de redução, cuja análise da distribuição inter e intra-nível revela algumas tendências e variabilidade métrica (Tabelas 10 e 11).

Níveis arqueológicos Corticais Nív.6 13 Nív.5 15 Nív. 4 15 Nív. 3 13 Nív. 2 14 Nív. 1 8 Estrato 2 11

Semicorticais >50% 9,5 9 13 14 8,5 7 7

Semicorticais 25%50% 7 6 9 6 1,5 13 4

Não Précorticais determinadas 17,5 6 14 10 18 6 16 12 12 6 11 3 9 4

Outras 47 46 39 39 58 58 65

Tabela 10 – Distribuição quantitativa em percentagens dos grupos de lascas pelos diferentes níveis arqueológicos (Adaptado de GRIMALDI et al., 1999, p. 51)

Níveis Arqueológicos Nív.6 Nív.5 Nív. 4 Nív. 3 Nív. 2 Nív. 1 Estrato 2

Seixos com Seixos com dois um ou três negativo negativos 5 7 9 4 5 6 4 5 1 5 1 4 1 7

Seixos com mais de quatro negativos 6 4 5 1 6 3 3

Seixos retocados 8 7 6 9 11 7 17

Outros 74 76 78 81 77 85 72

Tabela 11 – Distribuição quantitativa em percentagens dos grupos de seixos talhados pelos diferentes níveis arqueológicos (Adaptado de GRIMALDI et al., 1999, p. 51)

O estudo morfotécnico dos artefactos provenientes dos diferentes níveis, considerando também as remontagens identificadas, indica que existem duas cadeias operatórias, uma para a produção de utensílios sobre seixo, sobretudo seixos retocados, e outra para a produção de lascas (Figuras 7 e 8). Esta apresenta um maior nível de estandardização, também suportada pela homogeneidade entre as relações métricas das lascas e dos seixos talhados e é caracterizada por uma debitagem unidireccional, maioritariamente unifacial à qual, por vezes, se segue a extracção de uma ou duas lascas com um eixo morfológico perpendicular. Num estudo publicado em 1999 (GRIMALDI et al., 1999, p. 46) os autores chamam a atenção para a frequente sobrevalorização de morfologias como os bifaces, «hacheraux» e núcleos levallois enquanto indicadores cronológicos na interpretação das 48

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indústrias do Paleolítico Inferior em detrimento de outras categorias como são os seixos talhados. Tomando a Fonte da Moita como exemplo, não deixam de considerar a influência que exerce a matéria-prima na composição morfotécnica dos conjuntos, sendo que no caso do quartzito afirmam ser frequente que, mesmo com cadeias operatórias distintas na sua exploração, os resultados possam ser semelhantes. Assim, apontam para uma interpretação de índole mais comportamental em lugar de pensar em cronologias muito recuadas, dum ponto de vista tipológico para uma indústria onde os bifaces, hacheraux e núcleos levallois estão praticamente ausentes. Esta interpretação não só é suportada pela cronologia relativa do terraço Q3/T4, mas também considerando as datações obtidas para o mesmo terraço no sítio da Ribeira da Ponte da Pedra. Além de se afastar uma grande antiguidade só com base na avaliação tipológica do conjunto considerando a cronologia dos depósitos, também os dados traceológicos reforçam uma interpretação de índole comportamental e adaptativa. O estudo traceológico (LEMORINI et al., 2001) incidiu sobre 395 artefactos provenientes do nível arqueológico 6. Este nível foi seleccionado devido ao estado de preservação que apresentam os artefactos quando comparados com os dos outros níveis. Entre o grupo seleccionado, embora existissem artefactos que após observação microscópica relevaram arredondamento generalizado dos cristais e das margens, foram poucos os que tinham um grau elevado de desgaste e a maioria apresentou arredondamentos médios e baixos. Foram analisados em pormenor 48 artefactos (47 em quartzito, 1 em quartzo). Os artefactos foram observados com microscópio de baixas ampliações (10x-60x) e com microscópio metalográfico de alta ampliação (150x-900x). O estudo revelou, respectivamente, macrotraços e microtraços. O confronto destas observações com dados experimentais, permitiu a identificação de traços de utilização diagnósticos em 32 artefactos, somando um total de 37 margens de utilização. O confronto com os dados experimentais permitiu colocar as seguintes hipóteses e observações: foram trabalhados materiais resistentes e muito resistentes de diversos tipos (por exemplo madeira fresca, húmida ou seca, madeira branda e dura, etc.), as acções associadas a estes traços são sobretudo a raspagem em planos inclinados e ortogonais; mas também foram registados um caso de adelgaçamento, um de corte e outro de perfuração. Os microtraços permitiram mais objectividade na identificação de trabalho de madeira (2 casos), madeira ou haste (1 caso), pele (4 casos) e o contacto com ossos e tecidos (9 casos) (Figura 9). As observações feitas sobre o trabalho de madeira indicam que este foi feito com lascas não retocadas. A pele foi raspada seca 49

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(com excepção de um caso) com suportes de margens abruptas (lascas corticais, uma não cortical e um núcleo parcialmente cortical). O contacto com ossos e tecidos resultou maioritariamente de acções de raspagem e num caso de corte. Estes microtraços podem estar associados a actividades de esquartejamento e limpeza de carcaças (raspagem de restos agarrados aos ossos) feitas com seixos talhados e grandes lascas corticais e parcialmente corticais com margens abruptas e espessas. No caso da actividade de corte esta foi feita com um seixo talhado de margem bastante abrupta que foi empregue mais para «arrancar e desmembrar» do que para cortar (Idem, ibidem, p. 127). As observações decorrentes do estudo traceológico reforçam o carácter «oportunista» que a análise tecnológica demonstra com a adopção de uma cadeia operatória principal simples e baseada na exploração sumária de seixos talhados. Simplicidade técnica que, como os próprios autores referem, pode ser o reflexo de um comportamento de subsistência eventualmente especializado na exploração de determinados recursos. O sítio da Fonte da Moita é muito similar à própria Ribeira da Ponte da Pedra, quer em termos de posição na paisagem, como de tecnologia e prováveis actividades de subsistência que em ambos decorreram. 2.2.3 Sítios em Gruta Na região do Maciço Calcário destaca-se a Gruta do Almonda, cujos vestígios de presença humana se conhecem desde os anos quarenta (PAÇO et al., 1947). Em 1963 Georges Zbyszewski descreve no seu trabalho «A importância das grutas em PréHistória» a gruta da nascente do Almonda, no entanto só menciona a existência de materiais eneolíticos e mais modernos, o mesmo refere em relação à Lapa da Bugalheira (ZBYZWESKI, 1963, p. 47-48), que foi escavada nos anos sessenta (PAÇO et al., 1971). A Gruta do Almonda integra uma extensa rede cársica de que só se conhecia o início até à data das escavações nos anos oitenta. As primeiras indicações de indústria lítica do Paleolítico inferior no interior da rede cársica da nascente do Almonda surgem no início dos anos noventa (ZILHÃO et al., 1991, 1993a). Os trabalhos de exploração das galerias fósseis levaram à identificação de uma zona subterrânea chamada «Entrada do Vale da Serra» com várias zonas arqueológicas: Cone, Caos de blocos, Galeria das Lâminas e Praia dos bifaces. Os artefactos do Paleolítico Inferior concentram-se nas duas últimas, em particular na chamada Praia dos bifaces (Tabela 12). Em todos os locais foi recolhida fauna: Equus caballus, Cervus elaphus, Capra ibex e Elephas sp. 50

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Artefactos Líticos Seixos Talhados Núcleos Lascas Lascas retocadas Bifaces Total

Quartzito Nº 1 16 66 2 41 126

Sílex Nº

Quartzo Nº

2

1

2

1

Tabela 12 – Categorias tecno-tipológicas dos artefactos da Praia dos Bifaces

Dos 129 artefactos recolhidos, quase exclusivamente em quartzito, destaca-se a elevada presença de bifaces (31,7% da totalidade), dos quais 7 são de bisel terminal. Os dentes recolhidos em associação com o material considerado Acheulense foram datados pelo método das séries de urânio: 170 000+13 000 para a Praia dos Bifaces e 136 000+8 000 para a Galeria das Lâminas. Todavia, estas datações indicamnos apenas a idade mínima da deposição destes materiais que se encontram em contexto claramente secundário, sendo o resultado da erosão de um depósito da superfície do maciço após o abatimento do tecto da galeria (ZILHÃO et al., 1993b, p. 49). Os trabalhos de exploração do sistema cársico identificaram outras zonas onde existem materiais do Paleolítico Inferior em posição derivada. Em 1997, após a remoção de brecha e de enormes blocos de calcário, foi possível identificar a Galeria Pesada e Brecha das Lascas, cujos depósitos contendo indústria lítica e fauna in situ seriam os primeiros contextos em gruta do Pleistocénico Médio Final a serem escavados em Portugal (MARKS et al., 1999). 2.2.3.1 Galeria Pesada Entre 1997 e 1998 foram removidos sedimentos brechificados, blocos de calcário no exterior da entrada da gruta que permitiram a preparação de uma área de 12 m2 para escavação. Os trabalhos iniciaram-se com uma sondagem teste de 1.5 m2 (posteriormente alargada para clarificar a estratigrafia) nos sedimentos intactos até uma profundidade de 2.75 m, expondo uma sequência de 6 unidades geológicas (Figura 10). Estes trabalhos iniciais revelaram logo o enorme potencial desta gruta com vários níveis arqueológicos contendo numerosa indústria lítica em associação com restos faunísticos. Logo na primeira publicação dos resultados destas intervenções iniciais os autores indicam a dificuldade em atribuir os artefactos líticos ao Acheulense. Apesar de as peças bifaciais da unidade geológica apresentarem bifaces acheulenses, Anthony 51

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Marks e os seus colaboradores consideram que estão perante indústrias «more at home in the Micoquian than in the Iberian Acheulian» (MARKS et al., 1999, p. 241). Igualmente interessante, talvez até mais, é o facto de estes sítios desde logo revelarem um potencial informativo, a nível comportamental, único nos estudos das ocupações humanas do Pleistocénico Médio, que na opinião dos autores permite ultrapassar os limites dos sítios de ar livre, difíceis de datar de forma absoluta e nos quais, só muito raramente, surgem indústrias líticas associadas a fauna. Para os autores, estes depósitos podem «fornecer uma visão muito mais completa em termos de padrões adaptativos: incluindo animais (grandes e pequenos) que eram caçados, partes dos animais que eram transportadas para os sítios de ocupação (sendo altamente improvável que os rinocerontes, cavalos ou até mesmo os cervídeos fossem caçados ou explorados nas escarpas), e como eram transportadas e utilizadas as diferentes matérias-primas» (Idem, ibidem, p. 2421). Este potencial viria a ser confirmado com as intervenções que se fizeram em 1999 e cujos resultados foram publicados em 2002 (MARKS et al., 2002ab). Nestas publicações a história sedimentar da gruta é apresentada detalhadamente, tendo sido reconhecidas 6 unidades geológicas, cuja deposição tem uma significativa componente gravitacional (Figura 10). Estas unidades foram correlacionadas com os níveis arqueológicos F, E, C, B1 e B2. Apesar de todos os níveis arqueológicos indicarem movimentos verticais ou em massa dos artefactos, estes apresentam-se em excelente estado de conservação, existem remontagens e diferentes categorias dimensionais estão representadas, desde os mais pequenos debris aos grandes bifaces. Embora provenientes de diferentes níveis estratigráficos os materiais não apresentam grandes diferenças a nível da distribuição de matérias-primas e composição tipológica. Não é possível determinar o intervalo de tempo da acumulação das indústrias líticas e ossos, mas a ausência de mudanças tecnológicas e tipológicas, bem como a existência de uma microfauna sem diferenças nos 4.5 m de estratigrafia sugerem que o intervalo, numa escala pleistocénica, não tenha sido muito grande. Um conjunto de 1004 artefactos provenientes dos níveis B1, B2, C e E, cuja análise foi publicada em 2002, foi feito maioritariamente em matérias-primas locais, como o quartzo e vários tipos de quartzito, que os autores consideram serem das proximidades da gruta, o sílex está disponível num raio de 5 km (Tabela 13). Regista-se

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Tradução da nossa responsabilidade

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a presença de outras matérias-primas como calcário, madeira fossilizada e o xisto que poderiam ser adquiridos na própria gruta ou nas cascalheiras locais de proveniência do quartzo e quartzito. Os quarztos e quartzitos variam na sua qualidade, existindo quartzitos tão finos como o sílex, mas também outros bastante grosseiros (MARKS et al., 2002b).

Matéria-Prima Quartzo Quartzito Sílex Outras Tamanho da amostra

B1 54.1 44.9 0.6 0.3 316

B2 51.5 44.1 3.7 0.7 134

C 56.2 38.7 3.8 1.3 315

E 46.8 48.4 4.4 0.4 248

Tabela 13 – Distribuição das percentagens de matérias-primas presentes nos diferentes níveis arqueológicos da Galeria Pesada (Retirado de MARKS et al., 2002b, p. 14)

A exploração do quartzo tem na Galeria Pesada características interessantes, não só se apresenta de forma desigual nos diferentes níveis arqueológicos no que diz respeito aos debris (dadas as características desta matéria-prima é normal que a quantidade destes elementos seja elevada), como os autores indicam que é talhado com elevada habilidade para produzir lascas e variados utensílios que incluem raspadores e utensílios bifaciais (Tabela 14). Estes apresentam retoques invasivos e sub-paralelos unifaciais e bifaciais. A mesma observação é feita para o quartzito. Ainda no que diz respeito ao quartzo, a única matéria-prima que apresenta a possibilidade de reconstrução das sequências de redução, os núcleos, apesar de pouco numerosos, são em seixos rolados de quartzo. Além disso, a presença ainda que pouco numerosa do método levallois regista-se sobretudo em pequenos seixos de quartzo. Também o quartzito apresenta características tecnológicas muito interessantes já que, se por um lado existem núcleos inquestionáveis nesta matéria-prima, por outro, existem formas que sugerem uma transição entre a debitagem e a formatação bifacial. No que diz respeito às lascas, são numerosas aquelas que se associam à formatação bifacial, sendo que algumas destas (as maiores) foram retocadas. Os padrões de distribuição dos negativos na superfície dorsal de algumas lascas sugere a utilização do método levallois, todavia não se exclui a possibilidade se tratar de uma similitude morfológica e de serem lascas resultantes do rejuvenescimento de bifaces.

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Categoria de artefactos Utensílios Lascas Núcleos Debris

B1

B2

C

E

5.6 34.5 5 54.9

14.9 56.7 6 22.4

7.6 47 5.7 39.7

19.1 38.1 0.9 41.9

Tabela 14 – Distribuição percentual das principais categorias morfo-técnicas presentes nos diferentes níveis arqueológicos da Galeria Pesada (Retirado de MARKS et al., 2002b, p. 14)

De um ponto de vista tipológico também não há diferenças significativas entre os diferentes níveis arqueológicos. O destaque da análise tipológica dos utensílios reside na diversidade, quantidade e combinação de diferentes matérias-primas, no tipo de retoques e na própria morfologia dos utensílios (Figura 11). São as formas bifaciais que, apesar de não serem numerosas, apresentam a variabilidade mais singular. É referida a existência isolada de bifaces acheulenses (cordiformes, ovóides, lanceloados, amigdalóides, limances, micoquenses e formas inacabadas) que apresentam grande simetria, porém não se indica a quantidade e a matéria-prima. As formas bifaciais pequenas (não excedem os 7 cm), assimétricas e de secção plano convexas são as mais numerosas e são feitas em sílex e em quartzito. Existem também com as mesmas dimensões, mas simétricas e de espessura muito reduzida, formas bifaciais foliáceas. Neste conjunto destaca-se a presenças de utensílios parcialmente bifaciais tipologicamente denominados Keilmeisser, quer em quartzo, quer em quartzito. Estes utensílios surgem extensivamente retocados mas também de uma forma quase que inacabada. É inclusive referido o rejuvenescimento de um Prodnik com uma técnica (pseudo golpe de buril) frequente na Europa Central. Este estudo porém não apresenta a distribuição quantitativa destes artefactos. O retoque bifacial está presente em 40% dos utensílios. Também os utensílios unifaciais mostram uma tendência para o retoque invasor. Entre os raspadores as formas simples dominam, embora os duplos, convergentes e dejetés estejam presentes. O que se destaca nesta categoria de utensílios é o adelgaçamento ventral e a presença de retoque bifacial, mais comum nos elementos em quartzito do que em quartzo. Os denticulados e entalhes são poucos, bem como outros utensílios retocados, tais como artefactos simples, fragmentos retocados, raspadeiras, um perfurador e algumas pontas em quartzito com retoque bifacial. A indústria lítica indica experimentações na produção de variados utensílios de tecnologia bifacial, a utilização dos sub-produtos desta produção

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como suportes para utensílios também retocados de forma bifacial e uma desenvolvida produção de suportes a partir de núcleos em quartzo. A originalidade da indústria lítica é acompanhada por um excepcional registo faunístico. Com efeito, a Galeria Pesada apresenta o contexto arqueológico mais rico e diverso de vestígios faunísticos do Pleistocénico Médio Final em Portugal, contendo restos de microfauna, mesofauna e macrofauna bastante variada, sendo que entre a última dominam os herbívoros. Os estudos feitos até agora sobre estes restos indicam que, tal como na indústria lítica não há diferenças significativas entre os diversos níveis arqueológicos. Estão representadas espécies de morcegos, roedores, pássaros, répteis e leporídeos e entre as 30 espécies de mamíferos (primatas, rinocerontes, equídeos, cervídeos, caprídeos, ursos e canídeos) predominam os cervídeos. Para além das associações da macrofauna com as actividades humanas registadas nesta gruta (não há até agora indicações da exploração humana dos leporídeos e pássaros), a originalidade deste conjunto passa pela identificação inédita de espécies no registo faunístico português deste período: Macaca sylvanus, Dama clactoniana, Hemitragus sp., Ovis ammon, Cuon priscus e Canis gr. etruscus-mosbachensis (lobo arcaico). Estas espécies surgem em associação com Cervus elaphus ssp., Equus aff. mosbachensis, Stephanorhinus hemitoechus, Sus scrofa, Ursus arctos e Castor fiber. A posição no Pleistocénico Médio Final da associação faunística da Galeria Pesada é reforçada pela presença de Corvus cf. Antecorax, uma espécie que se extinguiu no final deste período (MARKS et al., 2002b, p. 16). Esta atribuição bio-cronológica encontra-se também suportada pela datação absoluta feita sobre um dente de Equus aff. Mosbachensis, recolhido na camada B2. Esta combinou os métodos de ESR e Séries de Urânio e forneceu um resultado de 241 +30 + – 22 ka BP. Recentemente (HOFMAN et al., 2012) foram feitas novas datações com o método da Séries de Urânio sobre espeleotemas. Estas datacações forneceram um resultado de 326.80+13.40ka para parte superior do manto que cobre o nível arqueológico e um resultado de 418.01+31.50ka para a base do mesmo manto; indicando uma idade miníma para a ocupação considerada Acheulense. HOFMAN et al. (2012) indicam que a datação da base da estalagmite ARO2 se encontra no início do MIS 11 podendo considerar-se a atribuição do subjacente contexto Acheulense ao MIS 12, entre 425 e 428ka. Para estes autores esta atribuição é consistente com a composição da fauna associada e coloca a ocupação numa fase mais inicial do Pleistocénico Médio e 55

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não no Final, correspondendo o depósito Acheulense ao mais antigo sítio arqueológico conhecido em Portugal. Nas campanhas de 2001 e 2002 foram recuperados no nível E os únicos restos humanos do Pleistocénico Médio da fachada Atlântica da Península Ibérica. Trata-se de um canino e um molar, ambos de mandíbula direita cuja formação completa e grau de atrição pode sugerir que sejam do mesmo indivíduo. O seu estudo comparado (TRINKAUS et al., 2003) indica que são morfologicamente semelhantes a outros conhecidos do Pleistocénico Médio europeu, mostrando um padrão de hipertrofia dental comum entre os Homo arcaicos. Marks e seus colaboradores consideram que a indústria lítica encontrada na Galeria Pesada só tem paralelos na Europa Central e de Leste, todavia em épocas mais recentes. Assim o tempo e o espaço impossibilitam ligações. Já na Península Ibérica não tem paralelos e se, por um lado os poucos bifaces típicos do Acheulense poderiam ser explicados de um ponto de vista da funcionalidade do sítio, que seria uma variante funcional do Acheulense, por outro a presença de todos os restantes utensílios bifaciais e demais características não poderá ser explicada desta forma. Sugere-se que a ausência de modelos explicativos se poderá dever a uma combinação de poucos dados conhecidos para este período, ao mesmo tempo que os conhecidos vêm de sítios de ar livre que podem ter entre si intervalos de tempo de cerca de 100 000 anos, o que dificulta a interpretação. (MARKS et al., 2002b). Considerando a associação entre os elementos faunísticos e a indústria lítica, Marks e colaboradores sugerem que a Galeria Pesada corresponde a repetidas ocupações sazonais que não terão sido efémeras. Na Primavera e Verão variadas actividades de subsistência teriam sido ali efectuadas (várias fases de esquartejamento, descarne, fractura de ossos para extracção de tutano). Não se avança uma hipótese sobre onde poderiam ter residido durante a restante parte do ano, mas fica claro que a análise dos dados deste sítio permite antever uma ocupação de grupos humanos que, por caça ou necrofagia, teriam acesso a animais inteiros, como os cervídeos, ou parcialmente inteiros, como os cavalos, que eram explorados intensamente. O rejuvenescimento da indústria lítica parece corroborar esta interpretação, até porque, à excepção do quartzo, as sequências de redução não se encontram completas, sugerindo que os locais de aprovisionamento e preparação de pré-formas, de núcleos ou peças bifaciais fossem noutro local.

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2.2.3.2 Brecha das lascas A Brecha das Lascas localiza-se a 19 metros a oeste da Galeria Pesada e é constituída por um complexo de brecha erodido, cuja escavação parcial foi efectuada em 1997 e 1998 (MARKS et al., 1999). A escavação de duas sondagens revelou-se muito difícil devido ao enorme grau de cimentação dos depósitos, ainda assim, na sondagem 2, foi possível expor um perfil onde se identificaram 8 unidades geológicas com duas camadas de artefactos associados a fauna (Figura 12). Estas correspondem, respectivamente às unidades 4b e base da 4d e às unidades 6-8. Os sedimentos muito brechificados da parte superior da Sondagem 1 correspondem às unidades 4b e 4d e os níveis inferiores de brechas embaladas em areias fluviais parecem corresponder às unidades 6-8 (Idem, ibidem, p. 239). Nos níveis arqueológicos superiores destas duas sondagens foram recolhidos cerca de 600 artefactos e nos inferiores cerca de 450. O estudo destas peças não foi ainda feito, mas os autores consideram não existirem significativas diferenças tipológicas e tecnológicas entre os dois níveis. Trata-se de um conjunto de artefactos cuja matéria-prima dominante é o quartzito, mas estão também presentes o quartzo e o sílex. É referida a presença de núcleos discóides e radiais, está ausente o método levallois e regista-se uma baixa presença de suportes alongados. A utensilagem retocada é unifacial e bifacial, sendo esta maioritariamente plano-convexa. Regista-se a presença de peças bifaciais, choppers, pequenos bifaces sobre lasca e algumas pré-formas de biface. Os autores referem explicitamente a inexistência de bifaces tipicamente acheulenses. Os utensílios unifaciais estão representados por denticulados e raspadores (sobretudo em quartzo) alguns entalhes e pontas. Alguns elementos unifaciais apresentam adelgaçamento na superfície ventral (Figura 13). A megafauna e micro fauna são abundantes na Brecha das Lascas, entre a primeira o elemento mais abundante são os equídeos, embora se registe a presença de suínos, felinos e rinocerontes (Idem, ibidem, p. 239).

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2.3 A região de Alpiarça A região de Alpiarça situa-se numa área já incluída no baixo Tejo e na retaguarda do estuário deste, onde desde os anos 40 se conhecem algumas das mais importantes sequências estratigráficas e sítios arqueológicos do Paleolítico (BREUIL e ZBYSZEWSKI, 1942-1945; ZBYSZEWSKI, 1946). As indústrias do Paleolítico Inferior foram identificadas à superfície, mas também em sucessivos horizontes estratigráficos do terraço médio Q3/T4 do Tejo, tendo sido atribuídas ao Acheulense. No âmbito destes trabalhos, Georges Zbyszewski descreve uma sucessão de 9 unidades desde o Pleistocénico Médio Inicial («Mindel») até ao Pleistocénico Médio Final («Riss» inicial), com base nos critérios Glacio-eustáticos que este investigador aplicava no estudo das formações fluviais. Considerando a tipologia das peças e o seu estado físico a base desta sequência foi então atribuído ao chamado Clacto-abevillense e o topo ao Micoquense (Tabela 15). Desde os anos 80 que Luís Raposo e diversos colaboradores têm aqui desenvolvido trabalhos de campo (escavações, estudos geomorfológicos, datações absolutas) e de análise tipológica das indústrias que vieram rejuvenescer toda a sequência onde se considera existir uma gradual evolução de indústrias de bifaces, marcada quase total ausência de elementos musterienses, mesmo na fase final. O momento de ocupação humana mais antigo é representado pelo sítio do Vale do Forno 1 atribuído ao Acheulense Médio (Tabela 15); o sítio de Vale do Forno 8 é atribuído ao Acheulense Superior e a sequência culmina com o sítio de Milharós, também denominado na literatura por Vale do Forno 3, que se atribui a um Acheulense superior final ou «Micoquense». As datações de TL/OSL (ca 100 000 BP) do Vale do Forno 8 (MOZZI et al., 1999, 2000), ainda que apresentem grandes limitações, são utilizadas para suportar este modelo de evolução do Acheulense, sendo o momento final interpretado como uma fase de transição para o Paleolítico Médio com características persistentes de adaptação local muito demarcadas (RAPOSO, 1995, 2005; VEGA TOSCANO et al., 1999).

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Tecnologia Lítica e comportamento humano no Pleistocénico Médio final do Alto Ribatejo: estudo da indústria lítica da Ribeira da Ponte da Pedra Tentativa de correlação Sedimentar, Cultural e crono-estratigráfica da sequencia do Vale do Forno (Alpiarça Portugal) em comparação com interpretações prévias (Zbyszewski, 1946) Esquema proposto Zbyszewski (1946) Unidade Indústrias Sítios Unidade Indústrias estratigráfica Tl/OSL Idade líticas arqueológicos estratigráfica Litologia Idade líticas

« Areias superiores» (US)

C.10

Micoquense 119 000 + Infinito-32 000 ytr

VF3

OIS5

VF8

117 000 + Infinito-26 000yr Acheulense Médio

>124 000yr

VF1

Ois 6

?

?

Riss II glaciaçao

Areias argilosas e areias argilosas finals com lentículas de gravilhas médias a finas

C.7 Acheulense Superior

«Gravilhas inferiores» LG

C. 8-9

Areia e gravilha

C.6

Areias argilosas amareladas, argilas arenosas esverdeadas, cinzentas ou amareladas

C.5

Agila cinzenta com fósseis de flora presentes

C.4

Argila cinzenta esverdeada com porçoes de areia

C.3b

Lentículas de gravilha no interior de areias amareladas na parte superior

C3a

Areias brancas e amareladas

C.2

Gravilhas e areias, presença de óxidos de manganésio

C.1

Areias amareladas

Riss I glaciação

Micoquense

Mindel/Riss interglaciação

Achelense Superior

Acheulense Médio

Acheulense Inferior Clactonense e Abevilense

Mindel glaciação

Tabela 15 – Tentativa de correlação das evidências sedimentares, culturais e crono-estratigráficas na sequência do Vale do Forno em comparação com as anteriores interpretações de Georges Zbyszewski (Adaptado de MOZZI et al., 2000, p. 369)

2.3.1 Vale do Forno 1 O Vale do Forno 1 representa o momento mais antigo de ocupação humana do conjunto de sítios identificados. De um ponto de vista estratigráfico tem a posição mais inferior da sequência das «Areias Superiores» (MOZZI et al., 2000), estando nos depósitos de canal de base daquelas, em lentes de cascalho fino com uma matriz arenosa (Figura 14). Este sítio foi identificado em 1987, tendo logo nesse ano sido efectuada uma campanha de escavação a que se seguiu uma outra em 1990. Nos relatórios referentes a essas intervenções considera-se a possibilidade de os materiais se situarem por abaixo da Camada 5 da sequência de G. Zbyszewski («argila cinzenta com vegetais») e de não terem sofrido significativo transporte desde o «local original de deposição» (SALVADOR, 2002, p. 58). De acordo com a interpretação de MOZZI et al. que divide 59

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as formações do Vale do Forno em duas unidades sedimentares, o Vale do Forno 1 encontra-se na posição mais baixa (considerando os restantes sítios arqueológicos) e acima dos canais de base da unidade das «areias superiores» poucos metros acima da inconformidade desta com os «cascalhos baixos», sendo os depósitos onde se encontram os artefactos constituídos por lentes de cascalho fino com matriz arenosa (MOZZI et al., 2000, p. 365). No total foi escavada uma área de 25,5 m2 e recuperados 245 artefactos líticos. A indústria lítica é considerada como sendo representativa de um Acheulense não muito evoluído, também referido como Médio, com uma elevada percentagem de seixos talhados, choppers, bifaces de manufactura pouco apurada e poucos utensílios sobre lasca (MOZZI et al., 2000, p. 364). No âmbito da sua tese de Mestrado Margarida Salvador (SALVADOR, 2002) estudou detalhadamente este conjunto, mas não refere a existência de seixos talhados e choppers (Tabela 16). Artefactos Líticos Núcleos Lascas Utensílios diversos sobre lasca Bifaces Machados de Mão Outros Total

Nº 106 105 12 29 3 17 338

Tabela 16 – Principais categorias tipológicas da indústria lítica de Vale do Forno 1 (Adaptado de SALVADOR, 2002, p. 87)

Neste estudo para a classificação das lascas a autora utilizou a tipologia de A. Tavoso (Tabela 17), de cuja observação se destaca a elevada quantidade de lascas não classificáveis e o predomínio dos tipos correspondentes a lascas com córtex de primeira e segunda geração, neste caso só com talão em córtex indicando uma preferência pela superfície externa do seixo como superfície de percussão. Assim, a maior parte das lascas representa as fases iniciais de descorticamento do núcleo no processo de debitagem. O tamanho médio das lascas está em torno dos 5 cm de comprimento e largura e os negativos na superfície dorsal são maioritariamente centrípetos. A observação da classificação das lascas evidencia os limites da utilização da lista tipológica, já que se verifica um elevado número de lascas indeterminadas que por não se enquadrarem na lista ficam sem classificação.

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Lascas (Tipologia A. Tavoso) Superfície em córtex Superfície em córtex com um levantamento Raros levantamentos anteriores Bordo distal em córtex Só talão em córtex Raros levantamentos anteriores e talão não cortical Bordo distal em córtex e talão não cortical Superfície residual em córtex e talão não cortical Sem talão cortical e sem córtex Indeterminadas Total

Nº 21 4 8 1 23 5 1 4 7 31 105

Tabela 17 – Distribuição quantitativa da tipologia de lascas da indústria lítica de Vale do Forno 1 (Adaptado de SALVADOR, 2002, p. 88)

Os núcleos foram estudados de acordo com a tipologia de M. Santonja. Predominam as formas simples, tipo I (Núcleos com poucas extracções) e II (Núcleos com extracções sucessivas e adjacentes) e os suportes são maioritariamente seixos angulosos, já as formas mais complexas têm como suporte seixos mais esféricos (Tabela 18). Os núcleos simples estão intensamente explorados, enquanto que os núcleos complexos estão esgotados na quase totalidade. A equititatividade numérica dos núcleos em relação às lascas é algo que a autora regista como não sendo representativo «da realidade arqueológica na sua totalidade». Núcleos (tipologia M. Santonja) Núcleos com poucas extracções Núcleos com extracções sucessivas e adjacentes Núcleos com extracções paralelas e sub-paralelas Transição de núcleos com extracções sucessivas e adjacentes para núcleos com extracções paralelas e subparalelas Núcleos esféricos e multifacetados Núcleos de extracções bifaciais alternantes Núcleos centrípetos Fragmento de núcleo centrípeto Fragmentos Indeterminados Total

Nº 17 29 11 4

6 16 13 1 4 5 106

Tabela 18 – Distribuição quantitativa da tipologia de núcleos da indústria lítica de Vale do Forno 1 (Adaptado de SALVADOR, 2002, p. 91)

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Nas categorias de utensilagem predominam os bifaces e, entre estes, os mais representados são as formas espessas (Tabela 19 e Figura 15). Margarida Salvador refere que «existe um elevado número de exemplares de secção plano-convexa que poderá estar relacionado com o número de lascas utilizadas como suporte ou a forma do suporte original – seixo anguloso» (SALVADOR, 2002, p. 137). No que diz respeito aos planos de equilíbrio em 29 bifaces, 17 têm simetria não equilibrada. Os três machados de mão são todos de tipo 0 de acordo com a tipologia de Tixier. Os utensílios sobre lasca são divididos em 7 raspadores, 4 denticulados e 1 encoche (Idem, ibidem, p. 98). Também considera que se trata de uma «amostra que aponta para um aproveitamento da matéria-prima local com uma tecnologia ou cadeia operatória que não altera muito o suporte» (Idem, ibidem, p. 137). No entanto, este trabalho não apresenta uma reconstrução das cadeias operatórias e respectivos objectivos técnicos. Bifaces Amigdalóides Ovalares Proto-Limandes Cordiformes alongados Unifaces Parciais Total

Nº 8 6 3 2 6 4 29

Tabela 19 – Distribuição quantitativa da tipologia de bifaces da indústria lítica de Vale do Forno 1 (Adaptado de SALVADOR, 2002, p.101)

2.3.2 Vale do Forno 8 Este sítio corresponde a uma das escavações mais recentes efectuadas no Vale do Forno. Foi escavada uma área de 20m² onde foram recuperados cerca de 3000 artefactos líticos numa paleo-superfície que apresenta uma concentração de acordo com uma orientação NE – SW. Infelizmente não foi ainda publicado um estudo desta indústria, existindo apenas descrições genéricas repartidas por diversas publicações. Este sítio encontra-se nas denominadas «Areias Superiores» e está incorporado na sequência de sedimentos da planície de inundação abaixo dos paleosolos e depósitos de pântano (MOZZI et al., 2000, p. 365) (Figura 14). A indústria do Vale do Forno 8 é atribuída ao Acheulense Superior. Os poucos dados publicados referem um conjunto elaborado em seixos rolados locais, onde as 62

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grandes lascas acheulenses que servem de base para a manufactura de bifaces e machados seriam introduzidas já configuradas. Para além de se assinalar a presença dos large cutting tools acheulenses, é dado destaque ao número significativo de utensilagem sobre lasca: raspadores, denticulados, entalhes, facas de dorso, peças com retoque abrupto salientando-se a elevada presença de becs (RAPOSO, 1995, p. 62) (Figura 17). Estas características levam Luís Raposo a considerar que esta indústria seria «assimilável sem grande esforço a um conceito amplo de Paleolítico Médio» (RAPOSO, 2005, p. 51). No Vale do Forno 8 foram efectuadas diversas datações absolutas. Foi feita uma primeira tentativa logo no início dos anos 90, bem como uma nova série nos finais da mesma década e nos dois casos os resultados apresentam limitações na sua utilização devido à falta de sinal TL mensurável nos sedimentos. Na realidade estas datas não precisam a antiguidade do sítio uma vez que têm um limite infinito (Figura 16), ainda assim são tidas em consideração para suportar, em repetidas publicações, a interpretação arqueológica dos dados de Vale do Forno feita por Luís Raposo e colaboradores (Tabela 15). Em particular para sustentar a interpretação feita sobre o último momento de ocupação representado pelo sítio de Milharós que ocupa uma posição estratigráfica superior. 2.3.3 Milharós/Vale do Forno 3 Numa área onde H. Breuil e G. Zbyszewski haviam já mencionado a enorme importância das formações quaternárias e materiais arqueológicos a estas associados (BREUIL e ZBYSZEWSKI, 1942 ; BREUIL e ZBYSZEWSKI, 1945) e posteriormente descritas em enorme detalhe por Georges Zbyszewski (ZBYSZEWSKI, 1946). Aqui foram efectuados, nos anos 80, vários trabalhos de campo (RAPOSO et al., 1985) que incidiram nas camadas 7 e 8 da sequência estratigráfica aí definida, com uma interpretação que originalmente as associava ao Riss (BREUIL e ZBYZWSEKI, 1945). Nas recolhas e escavação foram recuperados 338 artefactos em 4 áreas e foram identificadas 5 camadas estratigráficas (RAPOSO et al., 1985, p. 57), mas os materiais arqueológicos só aparecem em 3 destas. A observação da dispersão vertical dos materiais e das características das camadas, indicou a existência de um horizonte arqueológico onde foram recuperados cerca de 80% dos artefactos. É uma camada de areias siltosas amareladas cuja interpretação acerca da sua natureza (coluvião ou terraço?) não é claramente avançada: «Trata-se esta camada de uma fina cobertura 63

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continental, parecendo os artefactos estar depositados na sua base, imediatamente sobre a camada B, que, ela também, parece de origem coluvionar.» (Idem, ibidem, p. 43). O estudo tipológico destes materiais (RAPOSO et al., 1985; RAPOSO e CARREIRA, 1990) indica uma indústria onde predominam as lascas, núcleos e seixos talhados (Tabela 20 e Figura 19). Dada a importância deste sítio e o facto de se tratar de um dos conjuntos líticos detalhadamente publicado, ainda que numa perspectiva tipológica, dedicamos especial atenção à sintetização dos dados apresentados na publicação de 1985 «A estação Acheulense de Milharós, Vale do Forno, Alpiarça», da autoria de L. Raposo, J.R. Carreira e M. Salvador. Artefactos Líticos Seixos Talhados Núcleos Lascas grandes Lascas pequenas Utensílios diversos sobre lasca Bifaces Machados de Mão Raspadores Outros Total

Nº 45 40 87 44 28 24 13 28 29 338

Tabela 20 – Principais categorias tipológicas da indústria lítica de Milharós/Vale do Forno 3 (Adaptado de RAPOSO et al., 1985, p. 43)

Tipologia dos Bifaces Esboço de Biface Ogivo Triangular Proto Limande Limande Bisel Terminal Lanceloados Micoquenses Amigdalóides Outros

Nº 1 2 2 1 2 5 3 4 4

Tabela 21 – Distribuição tipológica dos bifaces de Milharós/Vale do Forno 3 (Adaptado de RAPOSO et al., 1985, p. 44)

No que diz respeito aos bifaces os autores referem que a «fraca representação» de bifaces planos poderá ser imputável às características da matéria-prima (quartzito). Destacam o equílibrio dimensional, bem como uma elevada simetria das formas, do conjunto de bifaces que apesar de escasso indica, para os autores, evidentes padrões de estandardização. A análise tipométrica leva à consideração de que estes bifaces 64

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representam «um conjunto bastante evoluído, típico de um momento final do Acheulense» (RAPOSO et al., 1985, p. 46) Tipologia dos Machados (Tixier, 1957, Figura 17) 0 1 2 5

Nº 10 1 1 1

Tabela 22 – Distribuição tipológica dos Machados de Milharós/Vale do Forno 3 (Adaptado de RAPOSO et al., 1985)

Os autores sublinham que de um ponto de vista tipológico (Figura 18) os machados mostram «primitivismo», no entanto sublinham que as suas morfologias gerais são equilibradas e maioritariamente simétricas (Tabela 22). Todas estas peças são sobre lascas de talão espesso e cortical. As medidas e peso levam os autores a considerar «elevados graus de padronização e equilíbrio de formas». No que diz respeito aos 28 raspadores, os autores classificam-nos de acordo com a lista tipo de F. Bordes indicando que há um maior número de formas convexas simples. Estes raspadores têm como suporte essencialmente lascas corticais ou parcialmente corticais e os retoques são predominantemente directos, contínuos, simples e periféricos. Entre os 28 raspadores é dada especial relevância a um conjunto de 6 peças que denominam «raspadores nucleiforme sobre seixo». Estas peças foram inclusivé estudadas detalhadamente e publicadas separadamente (RAPOSO e CARREIRA, 1990). Neste estudo de cariz essencialmente tipológico os autores consideram que estas são peças sobre seixo «porque se baseiam fundamentalmente no talhe/retoque de um bloco ou dos seus suportes imediatos circunstanciais e porque, mesmo quando o suporte é uma lasca, ela nunca é explorada a partir da sua face de lascagem» (Idem, ibidem, p. 187). Ainda no mesmo estudo considera-se equívoca uma relação entre estas peças e núcleos. O que para os autores tem um significado relevante nas considerações sobre a cronologia e atribuição cultural da Indústria de Milharós: «Parece, pois, estar-se na presença de uma peça anterior e paralela ao desenvolvimento da técnica levallois. De uma peça jamais feita sobre lasca levallois e aparentemente mais abundante em indústrias onde o talhe levallois é escasso. O conjunto de Milharós integra-se plenamente neste contexto: ele faz parte de uma indústria acheulense final, tipologicamente muito evoluída, mas onde a técnica

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levallois, sem estar ausente, é totalmente marginal. Uma indústria que faz amplo uso dos seixos e das lascas de grandes dimensões que deles se podem obter em estados iniciais de talhe. Seixos e lascas utilizados de modo fundamentalmente idêntico, como massas iniciais para o fabrico dos instrumentos tipologicamente mais característicos e aparentemente mais comuns: o biface, o machado e o raspador. Uma indústria onde os chamados «instrumentos sobre lasca», em sentido estrito (entre os quais os raspadores), são reduzidos e sem grande impacte na caracterização da indústria no seu todo – que tal como acrescentávamos no texto acabado de citar, corresponde à observação dos anos 40 de Georges Zbyszewski, segundo a qual existiria neste Acheulense Final de Alpiarça uma «extraordinária pobreza em utensílios e instrumentos sobre lasca» (Idem, ibidem, p. 187). Os estudos tipológicos sobre a indústria de Milharós não dão especial relevância aos seixos talhados, ainda que estes somem um total de 46 peças. É feita uma caracterização tipológica com os parâmetros utilizados por Querol e Santonja na Meseta espanhola. Os seixos talhados são maioritariamente unifaciais e considera-se mesmo que 30,4% poderiam ser considerados como possíveis núcleos. Para os autores, tal como noutros sítios na Península Ibérica e na Europa, também Milharós regista uma evolução «regressiva» e uma «certa fixação de formas, em torno de um número reduzido de tipos» (RAPOSO et al., 1985, p. 49). Entre os utensílios diversos sobre lasca destacam-se os denticulados e entalhes (Tabela 23), no entanto para os autores do estudo, estas 28 peças são «um conjunto de artefactos reduzido e sem grande impacto na caracterização da indústria no seu todo» (Idem, ibidem, p. 50). Tipo de Utensílios diversos sobre lasca Denticulados e entalhes Furadores atípicos Buril atípico Ponta de Tayac Raspadeira

Nº 21 4 1 1 1

Tabela 23 – Distribuição tipológica dos utensílios diversos de Milharós/Vale do Forno 3 (Adaptado de RAPOSO et al., 1985)

Na indústria de Milharós as chamadas lascas grandes são as peças em maior quantidade (87). São assim consideradas aquelas que têm um comprimento superior a

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5cm, embora se registe «um número reduzido, mas bastante coeso, de lascas de dimensões apreciáveis (L +130 mm, p+300 g), todas iniciais» que os autores colocam em continuum morfológico com os machados (Idem, ibidem, p. 51). Predominam as lascas com córtex e com talão cortical e 6,8% são levallois. Os núcleos são numericamente expressivos e constituêm 22,4% do total das 338 peças (Tabela 24). Neste estudo tipológico, os autores destacam como formas particularmente características as dos «núcleos sobre calote de seixo», discoidais e centrípetos. No entanto, a sistematização dos dados feita por nós na tabela 24 mostra um claro predomínio dos núcleos globulosos. Os autores referem ainda que os «núcleos correspondem bem às características observadas quer ao nível das lascas brutas, quer ao nível dos raspadores e outros instrumentos», todavia mencionam a ausência de seixos volumosos para a produção de suportes para os instrumentos mais característicos (Idem, ibidem, p. 52). Neste não é possível verificar a possibilidade destes se encontrarem na categoria dos seixos talhados já que para estes não são apresentadas indicações dimensionais. Tipo de núcleos Núcleos Globulosos Núcleos de extracções centrípetas Núcleos levallois Núcleos Piramidais Núcleos Informes e Diversos Outros

% 50 35 2,5 2,5 5 2,5

Tabela 24 – Distribuição tipológica dos núcleos de Milharós/Vale do Forno 3 (Adaptado de RAPOSO et al., 1985)

Em conclusão, neste estudo, a indústria de Milharós é considerada como homogénea e sobretudo com base nas características tipológicas dos bifaces (Tabela 21) sugere-se que se trata de «um Acheulense final ou Micoquense». O facto de esta classificação entrar em contradição com a cronologia Mindel-Riss proposta por Georges Zbyszewski leva a que os autores proponham uma revisão do estudo daquelas formações quaternárias. Esta revisão foi feita nos finais dos anos 90 (MOZZI et al., 2000). Estes trabalhos concentraram-se na análise da estratigrafia dos níveis médios e baixos do terraço Q3/T4 onde, para além do sítio de Milharós, foram parcialmente escavados os sítios de Vale do Forno 1 e 8. Os sítios de Vale do Forno 1, Vale do Forno 8 e Vale do Forno 3 (conhecido por Milharós), estão todos associados com a unidade de «Areias 67

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Superiores». O sítio de Milharós não está representado nas secções apresentadas neste trabalho, no entanto os autores indicam que corresponde estratigraficamente ao nível arqueológico da secção de Al3, onde um dos autores (P. Mozzi) recolheu artefactos num horizonte de areias finas e ligeiramente humífero (MOZZI, et al., 2000, p. 365). Apesar de admitirem a imprecisão das datações absolutas apresentadas (Figura 16) é sugerida uma associação ao Riss-Wurm inicial, ca 150 000 a 70 000 BP o que suporta os argumentos arqueológicos que atribuem as indústrias líticas dos depósitos de «Areias superiores» do Vale do Forno ao último interglacial e ao estado isotópico 5. No que diz respeito à indústria lítica de Milharós/VF3 este trabalho mantém as considerações de que se trata de uma indústria do Acheulense superior, também chamado tipo Micoquense, onde as características evoluídas dos bifaces contrastam com a aparente falta de especialização dos utensílios sobre lasca, a quase ausência da técnica levallois e a presença de seixos talhados simples, considerados como culturalmente regressivos (Idem, ibidem, p. 365) (Figura 19). Em 2001 Luís Raposo publica um estudo específico sobre os bifaces e machados em quartzito desta indústria (RAPOSO, 2001) reportando-a ao Acheulense Final «Micoquense» «deverão obviamente datar de algum momento mais avançado do Pleistocénico Superior, talvez da sua fase média, correspondente à primeira parte da glaciação de Wurm» (Idem, ibidem, p. 13). Antes de apresentar o estudo detalhado dos bifaces e dos machados o autor refere que se trata de uma indústria não levallois, com núcleos globulosos, discóides e de levantamento desorganizados, sendo destes retiradas as grandes lascas suporte dos bifaces e machados e realça a pouca expressividade dos utensílios sobre lasca do «tipo Paleolítico Superior». Os large cutting tools apresentam as características do Acheulense final, em particular os bifaces, já que os Machados são maioritariamente simples. Neste trabalho Luís Raposo conclui que, quer os bifaces, quer os machados são formas evoluídas, embora se tenha recorrido a cadeias operatórias bastante diversas, complexa no caso dos bifaces e simples no caso dos Machados. O seu carácter evoluído é demonstrado pelos elevados índices de estandardização, de simetria bilateral e bifacial do gume útil. Num trabalho de síntese sobre a ocupação humana do Paleolítico inferior e Médio na zona baixa do estuário do Tejo (RAPOSO, 2005) o mesmo autor refere que as características desta indústria indicam que «não se está perante um local de fabrico, nem sequer talvez um verdadeiro solo de ocupação conservado “en place”». Neste trabalho admite que talvez seja melhor abandonar o termo Micoquense para denominar o 68

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horizonte do Acheulense final que representa Milharós, devido aos equívocos que este pode provocar com uma associação ao verdadeiro Micoquense de La Micoque (Idem, ibidem, p. 49). Suportado nas interpretações geomorfológicas e datações absolutas apresentadas em 2000 (MOZZI et al., 2000) e considerando os padrões de estandardização dos bifaces e dos machados, bem como a ausência de indicadores morfotécnicos das indústrias do Paleolítico Médio avança uma interpretação que se baseia no prolongamento de modos de vida «antigos». A ideia avançada é a de que não estando este «Micoquense» de Milharós na origem do Musteriense que aliás está praticamente ausente na zona de Alpiarça, indicaria que se estaria perante um «ambiente de pervivência de modos de vida e tradições culturais antigas, alicerçadas na riqueza do ecossistema envolvente, quando em zonas limítrofes se tinham já instalado novos modos de vida, quiçá novas populações». Nesta interpretação Milharós representa uma especialização que é reforçada com o facto de os horizontes inferiores, apesar de evoluídos, apresentarem características «mais indiferenciadas e potencialmente evolucionárias no sentido do Paleolítico Médio» (Idem, ibidem, p. 50). Não invalidando estas hipóteses, o facto é que elas se suportam em critérios tipológicos e não têm em consideração outros factores como, por exemplo, a funcionalidade do sítio ou a adaptação aos recursos locais.

69

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2.4 A região de Lisboa Nos finais do Século XIX foram registados achados fortuitos que testemunhavam a existência de ocupações bastante antigas na região de Lisboa. Com posteriores trabalhos de campo mais sistemáticos, de achados fortuitos passou-se à identificação de numerosos locais, nomeadamente no concelho de Loures, Oeiras e Amadora. Antevendo já, em parte, a riqueza numérica de sítios de superfície que viriam a ser referenciados no famoso manto basáltico de Lisboa. Estes achados correspondiam a conjuntos de artefactos líticos recolhidos à superfície e classificados de acordo com a sua morfologia (CUNHA-RIBEIRO, 1999, p. 36) Posteriormente, a partir dos anos quarenta, o estudo desses materiais passou a alicerçar-se na aplicação do chamado “método das séries”, de acordo com os critérios metodológicos definidos por Henri Breuil e Georges Zbyszewski nas suas clássicas investigações sobre o Paleolítico em Portugal. Entre os numerosos sítios assinalados na região de Lisboa, destacam-se, pela densidade e quantidade de indústrias líticas (maioritariamente em sílex) associadas, os do chamado Complexo Basáltico de Lisboa (CARDOSO et al., 1992). No entanto, o carácter de sítio atribuído a estes locais foi desde logo questionado por Breuil e Zbyszewski em 1942: Au sommet des versants, oú le basalte est degagé de sa couverture, on ne trouve rien. Un peu plus bas, les gorsses piéces ont seules resiste à l’entrainement. Dans le bas des pentes et dans les vallonements, les limons prennent progressivement de l´epaisseur. Les plus récents recouvrent dans le fond des vallons les dêpots soliflués. De cette façon ils masquent cês dêpots qui contiennent les piéces travaillés, qui n’apparaissent alors que dans les fosses, les ravines, les trous d’arbres et les tranches de routes, mettant à découvert les couches enfouies. Par contre, dans la zone intermédiaire, à flanc de coteau, où le sol arable se conserve encore sur la roche, dans les ravins plus comblés ou même sur les convexités plus délavées, les piéces se multiplient. Là où l aterre est plus épaisse, ce sont les petits piéces qui dominent, car le poids des plus grosses, dans un sol en mouvement, les fait généralement descendre, quel que soit leur age, jusque vers le bas des couches molles; de sorte que la localisation des trouvailles este n réallité illusoire, tant en surface qu’en profondeur. Idem, ibidem, p. 32 70

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Nos anos noventa os sítios do Manto Basáltico de Lisboa foram estudados novamente e com base em critérios geológicos confirmou-se que as peças, em consequência do transporte por gravidade, acumular-se-iam a meia encosta, enquanto que no topo das colinas aflorariam as rochas do substrato e, no fundo das depressões, depósitos finos, mais recentes, conteriam materiais paleolíticos (CARDOSO et al., 1992, p. 24). A ausência de estratigrafia, devido aos factores já mencionados, não retira a relevância da concentração destes achados nesta zona. Na verdade os autores entendem que se tratavam de «verdadeiras estações, embora fortemente perturbadas por processos naturais – sobretudo erosão – que, tendo promovido a remoção dos materiais mais finos, apagaram os traços de eventual estratigrafia que algumas delas possuíam» (Idem, ibidem, p. 27) Este estudo considera que o auge da ocupação paleolítica no Complexo teria sido no Acheulense superior e no Musteriense, considerando mesmo que «entre a 2ª parte da glaciação de Riss, o interglaciário de Riss-Wurm e parte do Wurm (entre cerca de 200 000 BP e 30 000 BP, o território basáltico dos arredores de Lisboa, com abundância de água e relevo pouco acidentado, teria funcionado como área de caça privilegiada, favorecida pelo clima pouco rigoroso, amenizado pela baixa latitude e proximidade oceânica» (Idem, ibidem, p. 203). Do conjunto das jazidas identificadas nos arredores de Lisboa cedo se destacou a estação paleolítica de Casal do Monte, situada nas imediações da Póvoa de Santo Adrião, no concelho de Loures, num local topograficamente bem destacado e sobranceiro à ampla e fértil bacia de Loures, atravessada pela rede hidrográfica do rio Trancão. Este sítio foi descoberto por Joaquim Fontes no início do século XX que recolheu numerosos artefactos à superfície, tendo atribuído alguns à «época chelleanae». O Casal do Monte integrava, como já mencionámos, o conjunto de sítios que Breuil e Zbyszewski haviam considerado sem contexto estratigráfico, o que os levou a optar pela classificação ordenada dos artefactos de acordo com os níveis de desgaste e pátina. Assim, os mais de mil artefactos do Casal do Monte foram divididos em 9 séries, considerando também a sua morfologia, numa sequência desde o Paleolítico Inferior até ao «Neoeneolítico» (BREUIL e ZBYSZEWSKI, 1942). Apesar das metodologias de estudo que estiveram subjacentes à classificação dos artefactos do Paleolítico Inferior, este sítio é bastante relevante para o estudo da ocupação paleolítica da região de Lisboa. Foi inclusivé alvo de escavações recentes que no entanto não 71

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revelaram qualquer possibilidade de contexto estratigráfico para os artefactos (RAPOSO, 2005, p. 46). Independentemente de as indústrias serem apresentadas, recorrendo a um método, no início dos anos 90 (CARDOSO et al., 1992), completamente ultrapassado, o que os autores justificam pelas limitações «inerentes à própria amostragem resultantes, na maioria dos casos, de antigas colheitas», após a sua leitura entendemos que, apesar apesar da ausência de contexto estratigráfico, estes conjuntos podem fornecer informações úteis e justifica-se o seu estudo com uma perspectiva mais tecnológica que permita uma comparação com outras indústrias do Vale do Tejo. Ainda na região de Lisboa assume particular importância, pelo numeroso conjunto de artefactos recolhidos em associação com formações quaternárias e pelo seu papel na história das investigações no Vale do Tejo, o sítio do Samouco. 2.4.1 Samouco O sítio do Samouco apresenta um dos mais relevantes conjuntos líticos do baixo Tejo. Localizado na margem Sul, próximo do Montijo, numa área onde se assinala na carta geológica uma faixa de depósitos quaternários cobertos por areias. Foi descoberto em 1967 e o seu estudo mais extenso é apresentado nos finais dos anos 70 (ZBYSZEWKI e CARDOSO, 1978). Neste trabalho é feita uma descrição dos cortes geológicos e os autores consideram que os 831 artefactos líticos (maioritariamente em quartzito) recolhidos na praia seriam provenientes de duas camadas de areias argilosas. Em particular as peças eolizadas, atribuídas ao Acheulense Superior e Musteriense, seriam provenientes da base das areias da Camada 2 e as restantes da parte superior das arribas. Com base no método das patines foram individualizadas 2 séries para os artefactos em quartzo e quartzito e outras duas para os artefactos em sílex (Tabela 25). Série I (quartzito) Série IIa (quartzito) Série IIb (quartzito) Série A (sílex) relacionada com a Série I Série B (sílex) relacionada com a Série IIb

Acheulense Superior e Musteriense Mustiero-Languedocense com ligeira patina eólica Mustiero-Languedocense com arestas vivas Mustierense com patina eólica mais ou menos pronunciada Paleolítico Superior com ligeiro brilho

Tabela 25 – Séries da indústria lítica do Samouco individualizadas por G. Zbyszewski e J. L. Cardoso em 1978

72

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Este estudo, dada a dimensão da colecção, introduz análises estatísticas, e apesar de todo o detalhe a metodologia é ainda a da separação por pátinas e dentro destas a análise tipológica. Considerando os limites das separações de acordo com estes critérios optámos por apresentar, de forma sintetizada, as principais categorias de artefactos para as diferentes séries, em lugar de mencionar só aquela que foi considerada a mais antiga. Na realidade, a leitura do estudo e observação das estampas leva-nos a questionar estas separações, sendo a grande diferença marcada pela presença exclusiva de bifaces, «aparentados» a bifaces e machados na série I (Tabela 26 e Figura 20), no entanto no interior desta não têm uma grande expressão quantitativa, mas são claramente sobrevalorizados por critérios qualitativos, ou seja, tipológicos.

Artefactos Líticos Seixos Talhados Núcleos Lascas Lascas retocadas Bifaces Aparentados a Bifaces Unifaces Aparentados a Unifaces «Machados» Outros utensílios sobre seixo Utensílios diversos Total

Série I Nº 118 92 76 2 19 13 2 12 8 15 11 368

Série IIa Nº 56 46 36 1

Série IIb Nº 115 64 93 2

3 2

1 5 1

11 6 161

14 7 302

Tabela 26 – Principais Categorias de artefactos das 3 séries da indústria do Samouco

Neste trabalho e com idênticos pressupostos metodológicos, G. Zbyszewski e J.L. Cardoso fazem uma comparação com outros sítios do baixo Tejo e apresentam um quadro evolutivo das indústrias nesta região desde o Acheulense Médio ao Languedocense. Este quadro evolutivo, questionável devido às circunstâncias das recolhas dos artefactos, bem como à metodologia de estudo e de divisão crono-cultural, é essencialmente marcado pela constante presença de seixos talhado, bastante elevada no Acheulense Superior e Languedocense a par do desaparecimento dos bifaces, unifaces e machados que em termos percentuais são sempre pouco expressivos, em contrapartida os núcleos aumentam no Acheulense Superior e Languedocense. Importa ainda referir que a classificação tipológica de algumas peças representadas nas estampas deste trabalho nos levantam algumas reservas, em

73

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particular, nos artefactos considerados como coup-de-poing bifaciais ou bifaces e que nos parece mais tratar-se de seixos talhados bifaciais ou artefactos bifacias, já que não apresentam planos de simetria bilateral e bifacial. Apesar de os artefactos não serem provenientes de uma escavação e de não ser absolutamente clara a sua real proveniência estratigráfica, este conjunto de artefactos líticos deveria ser revisto com critérios de estudo morfo-técnicos actualizados. A interpretação do povoamento mais antigo do Vale do Tejo português deverá ser feita progressivamente com o estudo morfo-técnico idêntico e complementar de indústrias provenientes de sítios como Samouco ou o Monte Famaco e indústrias provenientes de sítios como a Ribeira da Atalaia, Vale do Forno ou Galeria Pesada, que fornecem níveis qualitativos de informação muito variados, mas cujo cruzamento é essencial.

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Atribuição

Terraços do

Depósitos em

Cultural

Tejo

Gruta

Sítios arqueológicos

Níveis

Bibliografia

Acheulense

Monte Famaco

Superfície

RAPOSO, 1987

Achelense

Vilas Ruivas

D5

G.E.E.P., 1983

No interior de um

RAPOSO, 1987

Acheulense

Q3/T4

Porto do Tejo 1

terraço de altitude Achelense

Celulose do Tejo

compreendida entre

RAPOSO, 1987

os 32-42 m Formações Acheulense

Monte da Ponte

quaternárias do rio

BICHO et al., 1994

Ponsul Terraços fluvial Acheulense

Ft4

Porto covão

associado ao Almonda

Acheulense Acheulense

Q3/T4

Fonte da Moita

Base do terraço

Q3/T4

Ribeira da Ponte da Pedra

Base do Terraço

Ft4

Grupo de sítios: Bonito, Castelo

Cortes do Ft4

Velho, Casal do Seixo, Casal de

Ft5

Acheulense

GRIMALDI et al., 1999 GRIMALDI e ROSINA, 2001 CUNHA- RIBEIRO, inédito

Galeria Pesada

F, B, C, B1, B2, E

MARKS et al., 2002

Brecha das Lascas

4b, base da 4d e 6-8

MARKS et al., 1999

Praia dos Bifaces

Erosão de um

Almonda

depósito da superfície do

Acheulense

1996-1997

Cortes do Ft5

Vale da Ramalhosa

Micoquense

CUNHA-RIBEIRO,

Galeria das Lãminas

maciço após o

ZILHÃO et al., 1993

abatimento do tecto da galeria Lentes de cascalho

Acheulense

Vale do Forno 1

Médio

fino com matriz arenosa Está incorporado na sequência de sedimentos da

Acheulense Superior

T4

Vale do Forno 8

planície de inundação abaixo

MOZZI et al., 2000

dos paleo-solos e depósitos de pântano Horizonte composto

Acheulense Superior Final

Vale do Forno 3

/Micoquense

Superior

areias siltosas amareladas

Série 1 Acheulense

por uma camada de

Samouco

Camada 2 de areias

ZBYSZEWKI e

argilosas

CARDOSO, 1978

Tabela 27 – Quadro crono-cultural sumário das ocupações do vale do Tejo (sem datações absolutas)

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2.5 Retrospectiva das investigações e metodologias A investigação sobre a Pré-História antiga no Vale do Tejo, como no resto de Portugal, desenvolveu-se num círculo muito restrito e num escopo teórico metodológico muito fechado que, regra geral, consistiu na adopção e aplicação, muitas vezes anacrónica e acrítica, de metodologias de investigação e modelos teóricos de interpretação dos dados desenvolvidos noutros países (sobretudo na França). A produção académica sobre o Paleolítico Inferior em Portugal e muito particularmente no Vale do Tejo foi feita praticamente decorrendo de um paradigma «histórico-cultural». Só muito recentemente foram incorporadas concepções e metodologias decorrentes de outros paradigmas, nomeadamente da Nova Arqueologia ou da escola tecnológica francesa, respectivamente focadas em questões comportamentais e na identificação das cadeias operatórias (CUNHA-RIBEIRO, 1999; GRIMALDI et al., 1999; MARKS et al., 2002b) (Tabela 28). Até ao final do século XX as questões paradigmáticas das investigações e as interpretações inerentes aos vestígios arqueológicos correlatos com o Paleolítico Inferior no vale do Tejo, foram da ordem da categoria e proveniência, isto é, a que cultura ou fase de cultura pertenciam e que filiação no tempo e no espaço tinham. Como veremos nesta breve retrospectiva só no virar do século surgiriam trabalhos cujo paradigma se coloca na interpretação da diversidade dos vestígios em termos de variabilidade comportamental dos grupos humanos sem, a priori, fixar a sua pertença a uma cultura e sem se focarem na análise privilegiada de determinados tipos de peças. Tal facto está relacionado com o divórcio entre os estudos paleolíticos em Portugal e a Antropologia (a arqueologia portuguesa sempre se desenvolveu e, em parte, continua a desenvolver mediante um paradigma histórico-cultural), bem como com a sobrevivência da escola histórico-culturalista francesa (em particular na análise tipológica dos artefactos) apesar de todas as mudanças de paradigma que ocorreram desde os finais dos anos sessenta (ESTÉVEZ e VILA, 2008) É importante referir porém que a introdução tardia de novas técnicas de investigação interdisciplinar, bem como de paradigmas teóricos, também, no que diz respeito aos sítios do Paleolítico Inferior no Vale do Tejo português está ainda relacionada com a natureza dos sítios arqueológicos, que só a partir dos anos 90 passaram a integrar contextos em gruta para além dos clássicos sítios associados a formações fluviais e coluvionares. Também não é por acaso que é no âmbito dos 76

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estudos das ocupações paleolíticas no complexo cársico do Almonda que assistimos às primeiras mudanças de paradigmas interpretativos, uma vez que aqui a influência da arqueologia processual e sistema de ciência norte-americano foi incorporada na pesquisa por via da constituição de equipas luso-americanas. No entanto, no que diz respeito ao Paleolítico Inferior, esta mudança só se verifica, de facto, na década de noventa. Traçar uma retrospectiva dos estudos e metodologias é algo que não se pode de todo alhear do devir do contexto sociopolítico, nomeadamente no início do século XX, com toda a profícua turbulência que precedeu e acompanhou a instauração da República em Portugal. Posteriormente, a cristalização de postulados metodológicos e teóricos não se podem desligar da longa ditadura, sendo que uma fase de mudança, ainda que com persistentes resistências, é marcada pelo início da democracia nos meados dos anos 70, culminando no dealbar do século XX com mudanças muito significativas que também se relacionam com a abertura do país pela entrada na Comunidade Europeia e consequente incremento da mobilidade de investigadores e circulação de ideias. Todavia, não é no âmbito do presente trabalho que vamos discorrer sobre a estreita ligação entre as pesquisas sobre o Paleolítico Inferior no Vale do Tejo e as circunstâncias políticas e até mesmo sociais e pessoais dos seus protagonistas. É uma tarefa que extravasa em muito o âmbito desta tese. Os estudos sobre as mais antigas ocupações humanas do território português no Vale do Tejo assumem um destaque especial quando, nos anos 70 do século XIX, Carlos Ribeiro atribui uma idade anterior ao Quaternário a um conjunto de materiais líticos recolhidos na zona da Ota, iniciando a famosa discussão em torno da existência de presença humana em idade terciária. Esta atribuição alicerçava-se na presumível idade dos sedimentos e natureza antrópica dos artefactos (RIBEIRO, 1871; CUNHARIBEIRO, 2002). Esta atribuição marcou a discussão no famoso Congresso Internacional de Antropologia e Arqueologia Pré-Histórica de Lisboa em 1880, mas só foi esclarecida nos anos 40 pelos trabalhos de Henri Breuil e Georges Zbyszewsky (BREUIL e ZBYSZEWSKY, 1942). Na verdade é nesta década e pela mão destes investigadores que se inicia um ciclo de investigações sistemáticas, cujas metodologias, conceitos e resultados marcaram o devir do estudo das ocupações humanas no Paleolítico Inferior em Portugal. No período compreendido entre o início do século XX e os anos 40 as pesquisas vão-se intensificando, em particular na região de Lisboa, e surgem as primeiras sínteses 77

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e inventários (FONTES, 1910ab; FONTES, 1911; CORREIA, 1912). Estes trabalhos, porém, decorrem ao sabor das contingências pessoais dos seus protagonistas e são reflexos, sobretudo na sua intermitência e pouca profundidade2, deste período da história da arqueologia portuguesa (CUNHA-RIBEIRO, 2002). Após um período de achados, em grande parte fortuitos, sem contextualização e com tímidas seriações cronológicas, surge com grande impacto o trabalho de Henri Breuil e George Zbyszewsky (BREUIL e ZBYSZEWSKY, 1942, 1945). Henri Breuil, um dos mais destacados pré-historiadores da primeira metade do século XX, esteve muito ligado à história das investigações e aos progressos dos conhecimentos da arqueologia portuguesa, com actividade particularmente relevante no estudo das indústrias líticas paleolíticas do Vale do Tejo, sempre em colaboração com Georges Zbyszewsky. Esteve em Portugal logo no início do século XX e regressou por mais tempo durante os anos da 2ª guerra mundial, período em que se intensificou a colaboração

com

Georges

Zbyszewsky,

tendo

enorme

responsabilidade

no

desenvolvimento de métodos de pesquisa e na constituição daquela que foi durante décadas a base da cronologia e interpretação cultural do Paleolítico Inferior e Médio e que, como veremos, foram a referência fundamental para décadas de trabalho, inclusivé até ao dealbar dos anos 90 (CARDOSO et al., 1992). Em Portugal, Henri Breuil beneficiou do extraordinário trabalho de campo de G. Zbyszewsky, com quem colaborou proficuamente, que lhe forneceu uma sólida base de dados que este interpretou e integrou culturalmente de acordo com os parâmetros que o próprio havia definido para o Paleolítico Inferior do Vale do Somme. A metodologia baseava-se na análise dos artefactos com o método das séries (divisão com base no diferente grau de rolamento e incidência de patina, por vezes coloração e presença ou ausência de lustro, considerando as peças mais alteradas como as mais antigas) que adquiriam uma posição cronológica com relação aos depósitos de proveniência classificados com uma perspectiva glacio-eustática baseada na sua posição altimétrica. Por vezes, para o estabelecimento de modelos evolutivos das indústrias os artefactos que integravam cada uma das séries, eram também analisados de um ponto de vista técnico e sobretudo tipológico. Foi com estas ferramentas metodológicas e procedimentos de campo que nas seguintes décadas Georges Zbyszewsky, geólogo de origem soviética, radicado em

2

Trata-se sobretudo da referência e identificação de peças recolhidas sem contexto estratigráfico.

78

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Portugal e associado aos Serviços Geológicos e Mineiros, se assumiu como o grande pioneiro na pesquisa sobre as formações quaternárias marinhas e fluviais e vestígios de ocupação humana a estas associadas (ZBYSZEWSKI, 1943). No que diz respeito ao Vale do Tejo, Georges Zbyszewsky foi o único investigador por inteiro da ocupação paleolítica, durante décadas sistematizou as indústrias em correlação com os terraços fluviais, para os quais estabeleceu cronologias relativas, tendo neste sentido sempre desenvolvido os seus trabalhos numa perspectiva geo-arqueológica. Os seus trabalhos de síntese sobre o Quaternário do vale do Tejo são referências ainda hoje incontornáveis. Pese os limites dos estudos subjacentes à sistematização dos artefactos, não podemos deixar de sublinhar que G. Zbyszewsky foi pioneiro a tomar consciência da necessidade da colaboração pluridisciplinar nos estudos do Quaternário: «No momento actual, o impulso está dado. O trabalho de equipa que sempre preconizámos organiza-se enfim graças à colaboração de geógrafos, geólogos, paleobotânicos e pré-historiadores. Assim pensamos que num futuro próximo, Portugal poderá alinhar-se, ele também, ao lado de países que mais contribuíram para o estudo e o conhecimento dos tempos quaternários» (ZBYSZEWSKY, 1946, p. 146-147) Este investigador formou uma verdadeira «escola» com notável originalidade à época e as suas propostas metodológicas e interpretações (com algumas actualizações dentro do mesmo paradigma) foram de tal forma marcantes que perduraram durante décadas (ZBYSZEWSKI e PENALVA, 1982; PENALVA, 1987; CARDOSO et al., 1992)3. Persistindo até com menos rigor do que aquele inicialmente proposto, em particular no que diz respeito à análise de conjuntos de artefactos líticos de escassa dimensão e falta de enquadramento estratigráfico para os mesmos. No Vale do Tejo, o trabalho de G. Zbyszewsky desenvolvido nos terraços fluviais situados nas proximidades de Alpiarça foi durante décadas referência para o estudo do Paleolítico Inferior em geral, tendo aqui sido definidos, numa perspectiva claramente evolucionista, vários estádios evolutivos do Acheulense (ZBYSZWESKY, 1946). No que concerne à evolução das indústrias o sistema explicativo assentava sobretudo nos conceitos de fóssil director vinculado a determinadas culturas. Assim cada indústria pertencia a diferentes culturas que se sucediam no tempo e no espaço sem que existisse para além desta identificação evolutiva, uma preocupação explicativa para 3

Mesmo que esta persistência metodológica se tenha verificado sobretudo no estudo das antigas colecções conservadas no Museu dos Serviços Geológicos de Portugal (CUNHA RIBEIRO, 1999).

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as mudanças. De tal forma se incorporaram estas metodologias e paradigmas interpretativos que só nos anos noventa, a par da actualização das metodologias de estudo das indústrias e do trabalho de campo, vamos a assistir a uma abertura conceptual para lá desta limitação da definição normativa de estádios culturais sucessivos ao longo do Paleolítico Inferior. Apesar dos princípios metodológicos terem dado azo a extrapolações erróneas, a perspectiva geo-arqueologica, isto é, estudar as indústrias provenientes de formações quaternárias a par do estudo geológico destas é indispensável para a maior parte dos sítios no Vale do Tejo. Por outro lado, as indústrias eram individualizadas culturalmente de acordo com critérios morfo-tipológicos, mas também técnicos e pese o facto de se reportar a contemporaneidade de indústrias de lascas e indústrias de bifaces a uma coexistência de tradições culturais distintas, os trabalhos de G. Zbyszewski reconheceram uma diversidade não necessariamente cronológica, o que a nosso ver é uma perspectiva não excludente da variabilidade que hoje podemos interpretar como comportamental e devido a variados factores. Na verdade as metodologias e interpretações de Georges Zbyszewski tinham limites óbvios, mas é igualmente óbvia a extraordinária visão e capacidade de integração dos dados por parte deste investigador. Os trabalhos e metodologias de George Zbyswzewsky foram alvo de tímidas críticas logo nos anos 40 e 50 (HELENO, 1956), no entanto com estas não surgiram propostas de estudo alternativas. É no início dos anos 70 que assistimos a uma renovação dos estudos do Paleolítico inferior em Portugal, uma renovação intensificada de forma muito marcante no decorrer desta década e indelevelmente associada à mudança política que permitiu uma abertura para a modernização dos estudos sobre o Paleolítico e respectivas indústrias líticas. Esta renovação, porém, faz-se na continuidade da influência hegemónica da escola francesa neste momento essencialmente representada pelo domínio teórico e metodológico de François Bordes, e marginalmente George Laplace e A. Leroi-Gouhran. Neste processo destacam-se os trabalhos pioneiros, a que não foi de imediato reconhecido o valor contributivo de mudança de paradigma e metodologia, de Vítor Oliveira Jorge em colaboração com Eduardo da Cunha Serrão (JORGE, 1969, 1971, 1972; JORGE e SERRÃO, 1970, 1971). Embora os trabalhos destes autores só de forma marginal refiram o Vale do Tejo, a mudança e inovação que demonstram não pode deixar de ser aqui referida. 80

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Logo em 1971 no trabalho «Contribuição para um programa de Pesquisa do Paleolítico Antigo e Médio português» V. O. Jorge e E. da Cunha Serrão pretendem abrir perspectivas e ultrapassar a rigidez dos métodos de classificação que sucederam ao trabalho de H. Breuil e continuado por G. Zbyszewski. Para além das propostas de actualização no trabalho de campo, propõe-se neste trabalho que os estudos incidam em conjuntos que quantitativamente permitam a análise estatística e que sobre estas se possam,

com

claros

atributos

morfo-tipológicos,

indivizualizar

tipos

e

consequentemente elaborar listas-tipo. Mas para além da modernização da metodologia de estudo tipológico, os autores sugerem ainda a «recorrência ao método da tecnologia experimental» como forma de eliminar falsos problemas e estudar os artefactos de maneira mais dinâmica. Ainda mais inovadora é a sugestão de considerar as técnicas como formas de adaptação ao meio e reveladoras das estruturas cognitivas dos seus «inventores ou utentes». Em 1971 e a propósito de um trabalho sobre as indústrias do Caia, estes autores chamam a atenção para a necessidade de se ultrapassar a tipologia não sistemática, em particular no que diz respeito ao estudo dos seixos afeiçoados em território português (JORGE e SERRÃO, 1971, p. 90). V. O. Jorge questiona as concepções que alicerçavam a individualização de tradições culturais como o Abevilense, o Levalloisiense, o Clactonense, o Tayacense e o Languedocense (JORGE, 1972), e considera indispensável a actualização dos estudos portugueses a par daqueles desenvolvidos em França, nomeadamente por François Bordes, Leroi-Ghouran e George Laplace (JORGE, 1971). É particularmente importante a discussão que Vítor Oliveira Jorge inicia sobre a identificação de um complexo industrial de seixos afeiçoados existente e transversal a vários momentos da pré-história portuguesa e para além do Acheulense (JORGE, 1974). Apesar da visão do primado da tipologia sobre a tecnologia e das suas propostas essencialmente culturalistas para interpretar o chamado complexo de seixos afeiçoados, Vítor Oliveira Jorge não deixa de mencionar relação entre as matérias-primas e as características morfotécnicas e funcionais dos seixos talhados: «Trata-se de artefactos que preenchem perfeitamente certo número de funções, exigindo um mínimo de esforço na sua preparação e que consituem (….) uma certa estandardização morfológica, pela escolha de um tipo de massa inicial com uma gama mínima de formas devida à acção dos agentes naturais, como, por exemplo, no caso dos seixos ou calhaus rolados das praias.» (Idem, ibidem). 81

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Vítor Oliveira Jorge considera que a estandardização é conseguida com um mínimo de esforço gestual. Porém, esta «regularidade e repetição de formas não revelam, contudo, necessariamente, um «arcaísmo» de estruturas psíquicas, pois podem corresponder a «uma escolha de entre um grande número de formas possíveis para realizar a mesma função.» Considera ainda que a facilidade na sua manufactura e abandono em fases pouco exploradas está frequentemente relacionada com a abundância de matéria-prima. É notório o quanto esta perspectiva é relevante para os estudo destes artefactos, sendo uma discussão actual (GRIMALDI, et al., 1999, CUNHA-RIBEIRO, 2004) e bastante importante no estudo do Paleolítico Inferior do Vale do Tejo em que os seixos talhados têm elevada presença em todos os contextos de ar livre. Estas propostas de renovação vão ter um reflexo directo nas investigações no Vale do Tejo que na segunda metade dos anos setenta vão conhecer um novo fulgor e uma notável actualização de metodologias de estudo, tanto no campo, como no âmbito da análise dos artefactos líticos. Esta nova fase é protagonizada pela actividade do Grupo de Estudos para o Paleolítico Português (G.E.P.P.) que iniciou uma profícua actividade de campo na zona de Vila Velha de Ródão com o objectivo de estudar as formações quaternárias do Tejo e os vestígios de ocupação humana antigos a estas associadas (G.E.E.P., 1974-1977, p. 31). Estes trabalhos resultaram na identificação de sítios de superfície e posterior escavação ou recolha sistemática de materiais em sítios chave para o estudo do Paleolítico Inferior e Médio, como o Monte Famaco e Vilas Ruivas. A actualização incidiu sobretudo na metodologia de trabalho de campo com a preocupação de encontrar material in situ estratigráfico, escavar os sítios em área procurando elementos estruturais de habitat, ampliar os estudos a todos os terraços da região, recolher sedimentos para análises e estudos granolumétricos, comparar estes dados entre si e conciliá-los com observações de carácter geomorfológico e consequente integração dos resultados na história do Tejo (G.E.P.P., 1974-1977, 1978). Além disso, os trabalhos deste grupo de pesquisa do Paleolítico tomaram como referência contextos análogos

na

Meseta

Ibérica

e

estabeleceram

paralelos

com

os

quadros

cronoestratigráficos dos vales de alguns rios ibéricos. Estes paralelos basearam-se na semelhança dos conjuntos de artefactos líticos portugueses com os espanhóis o que permitiria também em Portugal, ainda que em contextos menos precisos, discernir datações relativas e delinear diferentes fases do Acheulense. Após este período de 82

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intensa actividade, o G.E.P.P começa a diminuir o ritmo de actividade e nos inícios dos anos oitenta os trabalhos de campo sobre o Paleolítico continuam nesta região mas pela mão de alguns investigadores do grupo, nomeadamente Luís Raposo e António Carlos Silva. O G.E.P.P teve um papel chave nos estudos do Vale do Tejo, todavia a promissora actividade de campo bem testemunhada pelas publicações iniciais, não chega neste âmbito a consolidar-se, permanecendo muitos dados por publicar até hoje. Os importantes sítios descobertos na zona do Ródão, investigados no campo por metodologias à época actuais, têm um estudo ainda parcial das indústrias líticas e sobretudo limitado a considerações tipológicas que sustentam os modelos de evolução crono-cultural das ocupações humanas do Ródão. As mesmas observações podem ser feita sobre o conjunto de investigações que se iniciaram nos anos 80 na zona de Alpiarça. Também aqui os trabalhos de campo tiveram as mesmas preocupações e rigor, seguindo a metodologia de estudo das formações fluviais e vestígios associados. Nos locais onde G. Zbyszewski havia detectado importantes sequências estratigráficas, Luís Raposo e seus colaboradores efectuaram novos trabalhos de campo que incluíram a escavação de um dos sítios – Milharós, também designado por Vale do Forno 3. O estudo desta indústria lítica, de cariz essencialmente tipológico, foi publicado detalhadamente em meados dos anos 80 (RAPOSO et al., 1985). Na história dos estudos sobre o Paleolítico Inferior do Vale do Tejo esta é outra das regiões de referência onde trabalhou a equipa de Luís Raposo que desde o desaparecimento do GEEP se viria a assumir como o principal investigador desta região. Luís Raposo tem, desde os anos 80, estudado contextos na zona do Ródão, Lisboa e Alpiarça tendo estabelecido e consolidado um modelo de interpretação cronocultural das indústrias com base na integração dos dados provenientes das suas pesquisas. O modelo de interpretação é feito num paradigma histórico-culturalista e tem por base essencial a análise tipológica dos conjuntos líticos e no interior destes o estudo privilegiado dos bifaces e machados de mão. Assim, um modelo que se estabeleceu nos anos oitenta foi tendo actualizações mas mantêm-se na sua essência até em publicações recentes (RAPOSO, 2005). Durante a década de oitenta e enquanto noutras regiões do país se iniciam projectos de estudos regionais, respectivamente no litoral minhoto e no vale do rio Lis, que vão no panorama nacional marcar um novo período de renovação metodológica e interpretativa, no Vale do Tejo os trabalhos prosseguem com a mesma orientação, não 83

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tendo sido publicados mais dados, mas sim algumas sínteses (RAPOSO, 1987; RAPOSO et al., 1993). Podemos dizer que a adopção dos princípios morfo-tipológicos de François Bordes na análise das indústrias líticas, bem como a visão tripartida do Acheulense partilhada pelo mesmo, persistiram no Vale do Tejo desde a sua introdução inovadora nos anos setenta, até ao final dos anos noventa quando se encontravam tanto os métodos, como a visão tripartida do Acheulense questionados, desactualizados e desadequados. Esta visão aliás começava a ser questionada noutras regiões do país onde o estudo das indústrias líticas apontava para condicionalismos de adaptação à matériaprima que as interpretações histórico-culturais não consideravam (CUNHA-RIBEIRO, 2002, p. 17). O trabalho de síntese sobre «O Acheulense no Vale do Tejo, em território português», publicado em 1993 por Luís Raposo e seus colaboradores é um dos exemplos alicerce do estudo do Paleolítico Inferior e da variabilidade das respectivas indústrias líticas com base na análise privilegiada de tipos de artefactos como os Bifaces e Machados de Mão, bem como dos artefactos retocados em detrimento dos restantes, de que se tecem comentários marginais. Persiste assim a aplicação de conceitos baseados na tipologia morfológica empírica do F. Bordes para o Paleolítico Inferior e Médio (não descurando adaptações e ampliações feitas por Santonja e Querol no âmbito do estudo do Paleolítico Inferior da Meseta espanhola), quando há muito que as formulações teóricas que as sustentavam e as suas limitações haviam sido já demonstradas (ESTÉVEZ e VILA, 2008, p. 144). O interesse prioritário continua a ser a descrição com o objectivo de chegar à atribuição crono-cultural. No entanto, não podemos deixar de referir que este trabalho menciona a necessidade de uma revisão completa dos quadros de referência geocronoestratigráficos, a escavação em superfície de horizontes arqueológicos e o «estudo tipológico alargado das indústrias líticas. Incluindo não apenas a descrição de «peças características», mas a consideração técnica, morfológica e tipológica da totalidade dos artefactos de cada conjunto lítico, tendo dos utensílios a concepção de um elo que há que inscrever numa cadeia de gestos técnicos, que vai do momento da procura de matéria-prima até ao momento do seu abandono» (RAPOSO et al., 1993, p. 28) Apesar destas sugestões, o foco de Luís Raposo e colaboradores continuava a ser a evolução interna do Acheulense sem delinear hipótese sobre modelos ou estratégias de 84

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ocupação do território. Hipóteses de índole mais antropológica e comportamental estavam fora do escopo interpretativo da variabilidade que continuava a ser o da sucessão crono-cultural. Tal é que, nos finais dos anos noventa, os trabalhos de campo seguem na direcção apontada como necessária, mas os novos dados daí decorrentes continuam a ser reportados a um idêntico paradigma interpretativo que é essencialmente histórico-culturalista e normativo. A renovação dos trabalhos de campo verifica-se em torno do conjunto de sítios de Alpiarça, que passam a incluir interpretações geo-arqueológicas de detalhe com a preocupação de datar de forma absoluta os diferentes depósitos de proveniência das indústrias líticas. Os resultados destes trabalhos feitos no decorrer da década de 90 têm como corolário a publicação Middle Terrace Deposits of the Tagus River in Alpiarça, Portugal, in relation to Early Human Occupation que demonstra bem o esforço de integrar a informação de índole geomorfológica, incluindo referências paleo-ambientais e climáticas, bem como as datações absolutas efectuadas pelo método da termoluminiscência. A interpretação arqueológica, contudo, continua a ser tradicional e decorrente do histórico-culturalismo, assente nos seus pilares clássicos: tipologia, estratigrafia e cronologia. A persistência do paradigma tipológico por parte de Luís Raposo é bem evidente num trabalho acerca dos bifaces e machados do sítio de Milharós (RAPOSO, 2001), neste o investigador mantém fortes reservas à «moda» dirigida no sentido da negação do valor cultural dos tipos» (Idem, ibidem, p. 9) considerando que a substituição de uma antiga concepção normativa de cultura por uma de índole adaptativa se restringe uma redução da variabilidade dos conjuntos líticos aos factores de constrangimentos impostos pela natureza das matérias-primas. Luís Raposo não deixa de reconhecer a perspectiva enriquecedora destas novas abordagens que não se detêm exclusivamente no estudo dos utensílios retocados, mas alerta para «os excessos fundamentalistas» e as «falsas soluções a que depressa hão-de conduzir os estudos tecnológicos». De igual forma chama a atenção para o carácter redutor de estudos «em que se recusa a construção de unidades classificatórias maiores do que cada região geomorfológica (um planalto, um vale fluvial, etc), cada sítio arqueológico, cada indústria lítica ou até no limite, cada sequência de redução». Para Luís Raposo os estudos demasiado focados, com apelo ao particularismo e a afirmação da insuficiência de dados podem levar à negação e incapacidade de reconhecimento das tendências evolutivas gerais do Acheulense. Tendências essas que, mantendo um paradigma essencialmente histórico85

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culturalista e uma abordagem tipológica das indústrias, se demonstra existirem no Vale do Tejo dando o exemplo do conjunto de bifaces e machados do sítio de Milharós (RAPOSO, 2001). Note-se que neste período tinham sido já publicados vários trabalhos sobre indústrias do Paleolítico Inferior em Portugal e também no Vale do Tejo com perspectivas tecnológicas e com interpretações de ordem comportamental (estratégias de aprovisionamento de matérias-primas e respectivo condicionamento, funcionalidade dos sítios, etc) que questionavam a validade da evolução tripartida do Acheulense enquanto modelo único de adaptação com base em critérios tipológicos (CUNHARIBEIRO 1999a, 2000) ou questionavam critérios de análise morfológica que descuram a natureza comportamental e particular dos dados arqueológicos (GRIMALDI et al., 1999). Em todo o caso Luís Raposo não negando efeitos de condicionantes locais, que aliás praticamente restringe à natureza da matéria-prima, dá prioridade a uma visão orientada por factores de ordem cultural para interpretar a variabilidade das indústrias do Acheulense no Vale do Tejo. De acordo com este autor os bifaces e machados de Milharós demonstram que a matéria-prima não é uma condicionante relevante e que o facto de não existirem conjuntos de bifaces semelhantes em momentos anteriores, significa que houve evolução tipológica. Destacamos assim a disparidade de perspectivas quando lemos as críticas a estas interpretações, por se considerarem poucos factores de variabilidade adaptativa e por se fundamentarem num conjunto muito restrito de peças provenientes de sítios onde os processos pós-deposicionais têm relevante papel na formação dos conjuntos tidos como referência para alicerçar os modelos evolutivos, bem como por terem suporte correlativo modelos para outras regiões da Península Ibérica que, entretanto, tinham começado a ser questionados por factores variados (SANTONJA e VILLA, 1990; SANTONJA, 19911992; CUNHA-RIBEIRO 1999a, 2002). Nesta década e na região do Vale do Lis, João Pedro Cunha-Ribeiro não vê a aplicabilidade de uma explicação cultural, mas antes sugere que a variabilidade poderá estar relacionada com diferentes estratégias de ocupação dos territórios, bem como o «exercício de diferentes actividades ou na adaptação a meios igualmente diversificados» (CUNHA-RIBEIRO, 1996-1997, p. 43). Apesar de no início dos anos noventa terem sido adoptados, noutras regiões, conceitos e parâmetros de análise tecnológica (CUNHA-RIBEIRO 1992-1993, 1999a), no Vale do Tejo estes só viriam a ser adoptados na transição para o novo milénio, (GRIMALDI et al., 1998; GRIMALDI et al., 1999; MARKS et al., 1999, 2002b). É 86

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neste momento que se introduzem novas metodologias de estudo das indústrias líticas e que para a variabilidade dos contextos são sugeridos factores explicativos que não assentam em considerações crono-culturais. Nesta mudança começamos por destacar os trabalhos de Anthony Marks e seus colaboradores nos contextos cársicos do Almonda que decorrem num quadro conceptual interpretativo muito distinto (MARKS et al., 2002b). A interpretação da indústria lítica da Galeria Pesada e do seu conjunto faunístico sugere para o estudo das ocupações do Paleolítico Inferior do Vale do Tejo uma visão em termos de padrões adaptativos e de gestão dos recursos no território. Se por um lado esta visão é suportada por um contexto com um potencial informativo que os sítios de ar livre não têm, por outro é verdade que a consideração de que a singular indústria lítica pode ser vista, em parte, como uma variabilidade própria de um momento de transição no final do Acheulense e em complementaridade com os sítios de ar livre que com indústrias distintas podem correspondere a «loci» especializados e com outras funcionalidades. É certo que os autores referem que a dificuldade de avançar modelos explicativos para a singular indústria lítica sem paralelos na Península Ibérica se deve a vários factores, entre eles a escassez de dados e datas e os limites dos sítios de ar livre, mas sugerem hipóteses que vão muito além da mera inserção crono-cultural do sítio num quadro evolutivo das indústrias líticas. Semelhante visão, embora aplicada a sítios de ar livre associados a formações fluviais e decorrente de estudos tecnológicos e geoarqueológicos aprofundados, é partilhada para interpretar os sítios do Paleolítico Inferior da zona de Vila Nova da Barquinha. Desde os finais dos anos 90 que o estudo das ocupações mais antigas tem sido feito numa perspectiva geo-arqueológica, efectuando sempre que possível datações absolutas (ROSINA, 2004, CUNHA et al., 2008a; DIAS et al., 2010; MARTINS et al., 2010) nos depósitos de proveniência das indústrias líticas que são detalhadamente descritos e interpretados (GRIMALDI et al., 2000; ROSINA e CURA, 2010). Por outro lado, as indústrias líticas são estudadas com uma abordagem tecnológica (GRIMALDI et al., 1999; CURA e GRIMALDI, 2009), complementada com estudos experimentais e funcionais (LEMORINI et al., 2001; CRISITIANI et al., 2010). Estas abordagens protagonizadas

por

Stefano

Grimaldi,

Pierluigi

Rosina

e

Luiz

Oosterbeek

(OOSTERBEEK et al., 2010) conduziram a um quadro interpretativo que inova ao privilegiar o estudo pormenorizado dos depósitos arqueológicos em simultâneo com uma análise tecnológica das indústrias líticas que, interpretadas numa perspectiva 87

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adaptativa e comportamental, são depois integradas num contexto de análise mais alargado. Esta abordagem é visível nos estudos publicados sobre o sítio da Fonte da Moita que foi geo-arqueologicamente interpretado como sendo de uma fase final do Pleistocénico Médio e cuja indústria, com uma aparente morfologia arcaica, corresponderá a uma adaptação à matéria-prima a par da satisfação de objectivos técnicos específicos na obtenção de margens funcionais que não passam pela elaboração de bifaces. A homogeneidade tecnológica, suportada pela presença de remontagens, e os estudos funcionais indicam que neste sítio foram efectuadas variadas actividades de subsistência para as quais bastou uma produção lítica morfologicamente simples, mas que em simultâneo é bastante regular na produção dos suportes desejados. Dum ponto de vista tipológico esta indústria lítica só tem paralelos no Vale do Tejo com a Ribeira da Ponte da Pedra. Dentro de parâmetros convencionais seria bastante antiga, mas em lugar de um olhar tipológico os investigadores sugerem um estudo rigoroso dos contextos e uma análise tecnológica das indústrias líticas. Desta forma e considerando as datas disponíveis para o terraço Q3/T4 a que se encontra associado este sítio (OIS 7-9), sugere-se que a Fonte da Moita, e como veremos a Ribeira da Atalaia, devem ser estudadas com abordagens suportadas na geoarqueologia e na tecnologia lítica, sob pena de limitar a interpretação da variabilidade comportamental a que conduzem as interpretações crono-culturais. É na continuidade deste quadro metodológico e interpretativo que se insere o presente trabalho sobre a Ribeira da Ponte da Pedra.

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Principais Investigadores Anos 40 Henri Breuil e Georges Zbyzweski

Perspectiva e Modelos Análise recorrendo ao Método das séries Aplicação do Modelo tipológico do Somme para a evolução interna das indústrias líticas Perspectiva glaucio-eustática para o estudo dos terraços fluviais

Anos 70 e 80 G.E.P.P. Luís Raposo Margarida Salvador e J. Carreira

Estudo das formações quaternárias estabelecendo uma cronoestratigrafia com relação à Meseta Ibérica Correlação tipológica das indústrias líticas com sítios da Meseta para delinear a evolução interna do Acheulense (El Pinedo, El Aculadero…) Análise morfo-tipológica das indústrias (Milharós)

Anos 90 Luis Raposo, Margarida Salvador e J. Carreira

Análise tipológica dos artefactos líticos Consolidação do Modelo evolutivo do Acheulense com base no devir tipológico das indústrias líticas Finais dos anos 90 até actualidade Análise tipológica dos artefactos líticos Luís Raposo, Margarida Abordagem Geo-Arqueológica das formações e sítios Salvador associados e Paolo Mozzi Datações Absolutas Estudo morfo-técnico das indústrias líticas João Pedro Cunha-Ribeiro Questiona a validade do modelo de evolução interna do Acheulense no Vale do Tejo Anthony Marks, Katherine Monigal e J.P.Brugal

Stefano Grimaldi Pierluigi Rosina Luiz Oosterbeek Pedro Proença e Cunha António Martins

Estudo morfo-técnico das indústrias líticas Integração de dados de natureza variada (líticos, fauna e estratigrafia) numa interpretação de perspectiva comportamental e funcionalidade dos diferentes sítios no Vale do Tejo Estudo Morfo-técnico e funcional das indústrias líticas Abordagem Geo-Arqueológica das formações e sítios associados Datações absolutas de formações quaternárias ao longo do Vale do Tejo Integração da variabilidade dos dados em perspectivas comportamentais e de adaptação aos recursos (por exemplo matéria-prima)

Tabela 28 – Síntese dos principais investigadores, métodos e paradigmas interpretativos no estudo das ocupações humanas do Pleistocénico Médio do Vale do Tejo português desde a segunda metade do século XX

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3. O ALTO RIBATEJO “Il s’agit, alors, d’une région qui trouve son unité dans la diversité de paysages et de ressources naturelles et, aussi, culturelles.“ Luiz Oosterbeek

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O conceito de Alto Ribatejo foi introduzido na literatura académica por Luiz Oosterbeek (OOSTERBEEK, 1994) apoiando-se em parâmetros decorrentes da antropização de um território durante a Pré-História recente, cujo foco de caracterização incidiu nas unidades geomorfológicas. Neste sentido, circunscreve-se à área de confluência das três grandes unidades geo-morfológicas que dominam a Península Ibérica e Portugal (Figura 21): a Oeste e Noroeste os antigos relevos do Pré-Câmbrico e do Paleozóico (xistos, granitos e quartzitos), a Leste e a Nordeste os calcários do Mesozóico e para Sul a Bacia Cenozóica do Tejo-Sado (Figura 22). É, portanto, uma sub-região que não encontra a sua definição em barreiras naturais, mas sim no seu povoamento estruturado pelo grande Vale do Tejo e respectiva rede hidrográfica que articula a ligação entre as diversas áreas geomorfológicas (Figura 25). O Alto Ribatejo é, neste termos, uma região complexa, cuja identidade, para o estudo das ocupações do Pleistocénico Médio, deve permanecer aberta e suportar-se em vários parâmetros tendo o território cultural e adaptativo deste período a sua referência na totalidade da bacia hidrográfica do Tejo (incluindo parte do Maciço Calcário Estremenho). A designação e definição do Alto Ribatejo consolidou-se nos últimos anos, tendo aqui sido efectuados relevantes trabalhos de caracterização do povoamento humano pré-histórico em relação com os depósitos quaternários (CORRAL, 1998a; GRIMALDI et al., 1998; OSTERBEEK, 2002; ROSINA, 2004). De um ponto de vista arqueológico é no Alto Ribatejo, considerando os sítios de ar livre nos terraços fluviais e as ocupações em gruta, que dispomos da informação mais actualizada e completa para o estudo da ocupação humana no Pleistocénico médio (MARTINS et al., 2010; OOSTERBEEK et al., 2010; MARKS et al., 2002). Também é nesta região que a correlação entre estes estudos e os de cariz geológico e geomorfológico tem sido mais intensa, em particular desde os finais dos anos 90 do século passado (CORRAL, 1998a; MOZZI, 1998; PENA DOS REIS, 1998; MOZZI et al., 1999; ROSINA, 2002, 2004). No âmbito de vários projectos de investigação e trabalhos académicos tem vindo a ser realizada e actualizada permanentemente a caracterização e cartografia das formações quaternárias, com atenção especial dada à sua evolução, o que permitiu inclusivé a elaboração de cartas temáticas em SIG para as mesmas em correlação com as ocupações humanas (ROSINA, 2004; ROSINA et al., 2005). Assim, para uma região onde não

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existem todas as cartas geológicas à escala 1/50 000 (com excepção da carta da zona do Tejo 27-D, Abrantes) dispomos actualmente de uma carta geológica do quaternário para a margem direita do Tejo (CORRAL, 1998a; ROSINA, 2002, 2004; MARTINS et al., 2010b) (Figura 28), de um esboço da geomorfologia do Vale do Nabão (MOZZI, 1998) e de uma aplicação SIG em geologia para o Vale do Zezêre (ROSINA e SANTUCCI, 2001). O Alto Ribatejo é uma sub-região onde os estudos estão bem definidos e pormenorizados o que nos permite uma base sólida de estudo, evitando generalizações sobre áreas muito alargadas, sem o mesmo grau de detalhe na sua caracterização, em particular no que diz respeito à geomorfologia. Finalmente, a maior atenção dada ao Alto Ribatejo, em particular às suas formações fluviais na zona de Vila Nova da Barquinha, decorre naturalmente do facto de ser nesta sub-unidade geográfica que se localiza o sítio da Ribeira da Ponte da Pedra, bem como o sítio da Fonte da Moita e da Galeria Pesada que, poderão no seu conjunto, corresponder a ocupações em sensu lato contemporâneas num quadro de estratégias complementares de ocupação de um território diversificado entre as margens e planícies aluvionais do Tejo e as zonas montanhosas do Maciço calcário (Figura 1). Desta forma e sempre incluindo, quando relevante, dados referentes a outras zonas do Vale do Tejo, o presente trabalho contextualiza-se, num primeiro plano, na região do Alto Ribatejo e, num segundo plano, no Vale do Tejo em território português.

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3.1. Geografia e Paisagem O Alto Ribatejo é uma sub-região da província do Ribatejo que corresponde em parte ao chamado Ribatejo Norte que administrativamente se situa no Distrito de Santarém e pertence ao Médio Tejo (Comunidade Intermunicipal) e à NUT III. Enquanto sub-região dos vários estudos arqueológicos anteriormente mencionados, abrange uma área com cerca de 2.500 km2 (10% da bacia do Tejo em território português) e inclui os municípios de Abrantes, Alcanena, Alvaiázere, Constância, Chamusca, Entroncamento, Ferreira do Zêzere, Golegã, Mação, Ourém, Sardoal, Tomar, Torres Novas e Vila Nova da Barquinha. Sendo nestes dois últimos que se localizam os sítios mais relevantes para o presente trabalho: Ribeira da Ponte da Pedra e Fonte da Moita no concelho de Vila Nova da Barquinha, e Galeria Pesada no concelho de Torres Novas. Como já mencionamos, no Alto Ribatejo confluem três grandes unidades geomorfológicas, sendo assim um território de transição cujo elemento estruturante é a Bacia Hidrográfica do Tejo, incluindo as bacias dos rios que aqui confluem: Rio Ocreza, Rio Frio, Ribeira das Boas Eiras, Rio Zêzere, Rio Nabão, Ribeira da Atalaia, Rio Almonda e Rio Alviela. No Alto Ribatejo temos parte do designado Médio Tejo em território português e que corresponde ao seu troço horizontal que corre no sentido EsteOeste (entre Belver e Tancos) para depois mudar, na zona de Vila Nova da Barquinha, para uma direcção Sul-Oeste (Figuras 23 e 24). No entanto, a uma escala peninsular, geomorfologicamente todo o Tejo português corresponde à Bacia do Baixo Tejo (MARTINS e CUNHA, 2009). As principais características geomorfológicas e grande diversidade paisagística do Alto Ribatejo decorrem do seu substrato litológico. Assim, encontramos as cristas quartzíticas, os vales encaixados nos xistos e granitos que correspondem ao Maciço Hespérico; os terraços e planícies aluvionais, delimitados por relevos em planalto que correspondem à Bacia Sedimentar do Tejo e seu substrato argilo-arenoso; e as serras do Maciço Calcário Estremenho que atingem os 650 m de altitude. Apesar de a sua indefinição em termos de limites, podemos indicar como limite físico a Este o Vale do Rio Ocreza, a Oeste a Serra d’Aire e Candeeiros, a Norte a Serra de Alvaiázere e a Sul as colinas e planaltos de Abrantes, Constância e Chamusca.

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A paisagem do Alto Ribatejo encontra-se actualmente muito antropizada, tendo sido as florestas autóctones de sobreiro e arbustos em larga medida substituídas por extensos pinhais e plantações de eucaliptos. De acordo com a utilização do solo o Alto Ribatejo divide-se em quatro zonas (ROSINA, 2004): o Campo que corresponde à planície aluvional (depósitos aluvionais Holocenicos, Miocénico lacustre, formações detríticas do Pliocénico e terraços quaternários) onde se regista uma agricultura intensiva, a Charneca com uma altitude maior e pendentes suaves (depósitos pliocénicos e coluviões) onde se localizam os olivais e os sobreiros; o Bairro com vertentes mais acentuadas (substrato de rochas metamórficas) e onde predomina a florestação de pinheiro e eucalipto; finalmente, a zona calcárea que regista as maiores altitudes e cujo substrato litológico e escassez de água não favorecem a agricultura de irrigação, sendo predominantes as associações de arbustos com carvalho português. De um ponto de vista climático o Alto Ribatejo é uma sub-região de contacto e transição com o Tejo a delimitar a fronteira entre um clima de maior influencia atlântica (húmido) a norte e um clima mediterrânico (seco) a sul. (ROSINA, 2004, p. 28). No entanto, em termos gerais o clima desta região é mediterrânico com influência atlântica, sendo os verões quentes e secos (temperatura máxima média de 31ºC em Agosto e 3 meses com menos de 30 mm de precipitação). Os invernos são frescos e chuvosos (temperatura média de 5ºC em Janeiro e 729 mm de precipitação média anual). As características climáticas desta região reflectem-se no regime hidrológico, sendo grande a oscilação de caudal dos rios entre Verão e Inverno. Por outro lado, reflecte-se também na rede hidrográfica, sendo a margem direita do Tejo mais húmida e com mais cursos de água em relação à margem esquerda que é mais seca (ROSINA, 2004, p. 35).

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3.2 Hidrografia O rio Tejo e respectiva bacia hidrográfica e afluentes constituem os eixos estruturantes da sub-região do Alto Ribatejo. Com cerca de 1007 km e uma bacia de 86.000 km² o Tejo é o maior rio navegável da Península Ibérica e tem uma longa vida de 3,4 milhões de anos modelada pela evolução da paisagem e alterações ambientais decorrentes da actividade tectónica, do clima e do eustatismo (ROSINA, 2002, 2004). Em território português tem um curso de 226km, primeiro de forma horizontal em direcção Oeste para depois inflectir para uma direcção Sudoeste, regressando a uma direcção Oeste no final do estuário. Em grande parte deste percurso o leito do Tejo encontra-se abaixo dos 50m, sendo por isso considerado um rio de planície com baixa pendente média. Ainda assim é marcado por relevantes declives nas zonas das Portas de Ródão e Belver. De facto, apesar da uniformidade referida, o substrato geológico e a tectónica permitem dividir o rio em duas partes de idêntica extensão (ROSINA, 2004, p. 31): a primeira parte corresponde à travessia do Maciço Hespérico desde a fronteira com Espanha até Tancos, onde o rio corre quase sempre num vale encaixado (desfavorável à formação de terraços); a segunda parte corresponde ao troço até ao estuário, onde o rio corre sobre os depósitos fluviais cenozóicos da Bacia Tejo-Sado num vale muito amplo e aberto e com terraços escalonados (Figura 23). Na zona correspondente ao início da segunda parte o rio teve o seu curso artificialmente alterado nos séculos XVI e XVIII. Nas proximidades de Tancos a margem direita tinha áreas pantanosas que foram incluídas no leito do rio, deixando de ser inundadas só periodicamente. Desta forma, o Tejo deixou de inflectir a sua direcção para Sudoeste logo em Tancos e passou a fazê-lo uns quilómetros mais à frente. A diversidade do substrato litológico reflecte-se não só no Tejo, mas na acção erosiva dos cursos de água desta sub-região e consequentemente nas incisões fluviais. Grande parte dos relevos está abaixo dos 400 m, com excepção das zonas calcárias e das cristas quartzíticas onde os relevos atingem entre 500 a 650 m de altitude. Na zona da Bacia Cenozóica Tejo-Sado os relevos têm uma morfologia de planalto e na zona do Maciço Hespérico os cursos de água encaixam-se em escarpas abruptas. Na zona do Maciço Calcário a rede hidrográfica superficial é diminuta, destacando-se o Rio Nabão, Rio Almonda, a afluente Ribeira do Alvorão e o Rio Alviela. Estes cursos de água

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encontram-se entre os mais relevantes afluentes do Tejo na sua vertente direita, a par do Zêzere, Nabão e Ribeira da Ponte da Pedra (Figura 25). O Zêzere é o afluente mais extenso do rio Tejo, nele desagua actualmente o rio Nabão. No entanto, os estudos geomorfológicos (CORRAL, 1998; MOZZI, 1998) indicam que este rio mudou o seu curso durante o Quaternário, sendo que anteriormente era afluente directo do Tejo através do vale da Ribeira da Ponte da Pedra. De facto, a Ribeira da Ponte da Pedra tem actualmente dimensões menores do que aquelas correspondentes ao seu vale. A sua bacia hidrográfica ocupa em área cerca de 76.8 km2, sempre na bacia sedimentar do Tejo, num curso de 16 km de direcção Norte-Sul (Carta Militar, folha 330). A ribeira tem um traçado pouco sinuoso, recorta os depósitos quaternários na zona da Atalaia e Entroncamento e depois encaixa-se na planície aluvional, prolongando-se até ao rio Tejo (Figura 26). Tanto o Tejo, como os cursos de água que integram a sua Bacia, têm um regime torrencial que como referimos atrás está relacionado com o contraste entre um clima de Verão mediterrânico e um clima de Inverno de influência atlântica, com invernos bastante chuvosos e verões secos.

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3.3. Geologia e litologia Como supramencionado no Alto Ribatejo encontramos a confluência de três unidades geológicas e geomorfológicas: formações detríticas da Bacia Sedimentar do Tejo-Sado, delimitado a Oeste e Noroeste o Maciço Calcário Estremenho, e a Este e Nordeste encontramos o Maciço Hespérico. O Maciço Hespérico está dividido em 3 zonas: Centro Ibérica Paleozóica, OssaMorena, Pré-Câmbrica e a cobertura sedimentar (Meso-Cenozóica). Na orla ocidental encontramos o Maciço Calcário Estremenho que é constituído por depósitos carbonatados do Jurássico e arenitos Cretácicos. O relevo cársico está associado à tectónica e à acção fluvio-cársica, sendo também o resultado da dissolução dos calcários que resulta nas formas características desta região «como lapiás, algares, dolinas, grutas, poljes» e deixa para trás o resíduo insolúvel (argilas e areia) de cor vermelha, designado por “terra rossa”. Estas formas são caracterizadas por planaltos secos, gargantas estreitas e paredes abertas por grutas. A rede hidrográfica desenvolvese em subterrâneo e os cursos de água desaparecem nos sumidouros e voltam à superfície nas exsurgências ou “olhos de água” no concelho de Torres Novas. As cavidades cársicas (grutas e abrigos sob-rocha), possuem na maior parte dos casos importantes depósitos sedimentares, frequentemente com vestígios arqueológicos. A Bacia Sedimentar Cenozóica do Baixo Tejo, cuja abertura resulta de uma reactivação das fracturas NE-SW no bordo ocidental do Maciço Hercínico apresenta formações argilo-areníticas na sua margem direita (afloramentos da série Miocénica em Abrantes), bem como formações modernas como os terraços, aluviões e depósitos detríticos de cobertura. É importante referir o contributo do caudal dos diversos rios e ribeiras referidos, em particular na margem direita. A presença destas unidades geológicas e geomorfológicas e respectivas características traduz-se numa considerável variedade litológica (Figura 26). Assim a Carta litológica 1:1.000.000 da Comissão Nacional do Ambiente de 1982 mostra-nos que a Bacia do Tejo é constituída por xistos, anfibolitos, micaxistos, grauvaques, quartzitos, rochas carbonatadas, granitos e gnaisses; por afloramentos constituídos por calcários, calcários dolomíticos, calcários-marnosos e marnas; por sedimentos mio-pliestocénicos com areias, calcários marnosos conglomerados e argilas; e por sedimentos plio-pleistocénicos constituídos por areias, seixos, arenárias pouco

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consolidadas e argilas (Figura 27) (ROSINA, 2004, p. 25). No Alto Ribatejo os depósitos pleistocénicos estão maioritariamente representados, em particular na margem direita, pelos terraços fluviais do Tejo constituídos por areias, conglomerados e argilas. Existem também nesta região depósitos quaternários constituídos por coluviões, aluviões actuais e sub-actuais, depósitos de gruta e coberturas eólicas. Em termos evolutivos a formação da Bacia do Baixo Tejo ocorre entre 65.5 e 23.03 milhões de anos durante o Paleogéneo. No Miocénico Inferior verifica-se o início da subsidiência e no Pliocénico, entre 5.3 e 1.8 milhões de anos, dá-se a formação do regime fluvial do Pré-Tejo (MARTINS, 1999). Esta etapa de enchimento termina com as formações areno-conglomeráticas, regionalmente conhecidas por Formação da Falagueira e que correspondem aos planaltos constituídos por areias e cascalheiras grosseiras que se encontram bem desenvolvidos na margem esquerda do Tejo. Neste momento têm início as oscilações climáticas que juntamente com a tectónica e eustatismo formam os terraços fluviais do Tejo (CUNHA et al., 2008b). Formam-se ainda outros depósitos: aluviões e coluviões e registam-se os enchimentos das cavidades cársicas, depósitos de origem eólica, depósitos eluviais e de origem antrópica.

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3.4. Quadro morfo-sedimentar do Pleistocénico Médio do Alto Ribatejo No Alto Ribatejo os depósitos pleistocénicos são essencialmente constituídos por terraços fluviais (ROSINA e CURA, 2010), na zona cársica existem preenchimentos de grutas deste período e no Pleistocénico Superior existem coberturas coluvionares e depósitos eólicos (ROSINA et al., 2009, GOMES, 2010). Todos estes depósitos são da maior importância para o estudo da ocupação humana no Alto Ribatejo, no entanto, pelas características e problemáticas associadas ao estudo do sítio da Ribeira da Ponte da Pedra, daremos maior atenção aos terraços fluviais, em particular o terraço médio Q3/T4 na zona de Vila Nova da Barquinha. Alguma atenção será dada aos depósitos em gruta do Pleistocénico Médio representados pela Galeria Pesada. Os indicadores ambientais para este período, ainda que muito escassos e parciais, serão aqui referenciados, bem como um quadro de datações actualmente disponíveis para os depósitos arqueológicos e para o terraço fluvial do Tejo Q3/T4, aquele que apresenta maior número de vestígios antrópicos conhecidos do Pleistocénico Médio. 3.4.1

Os terraços fluviais No seu primeiro troço em território português, o Tejo corre encaixado no Maciço

Hespérico, onde as formações de terraços são pouco extensas e descontínuas, no segundo troço o Tejo corre já num vale bastante amplo onde se desenvolvem extensos terraços quaternários. Estes estão particularmente visíveis na margem direita até à zona de Alpiarça, sendo que a partir daqui se observam de igual forma na margem direita. Recordamos que é justamente nesta zona que se localizam os importantes sítios do Vale do Forno (MOZZI et al., 2000). Na Bacia do Tejo-Sado verifica-se uma zona sísmica cuja inversão tectónica se dá no final do Miocénico, sendo neste momento que o regime compressivo, que continua durante todo o Quaternário, actua em parte na formação e nos processos de diferenciação dos terraços. Os primeiros estudos dividiram os terraços em Superiores (70-95 m s.l.m.); Altos (50-65 m s.l.m.); Médios (20-35 m s.l.m.) e Baixos (8-15 m s.l.m.) (ZBYSZEWSKI, 1946). No troço português o Tejo apresenta um número de terraços que varia até aos 6 terraços, número identificado na região no âmbito deste

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estudo (Figura 28). No entanto em território espanhol, na Bacia de Madrid, foram identificados 13 terraços, sendo que a sua geometria e número será controlada por fenómenos climáticos, mas também pela tectónica e litologia do substrato (MARTINS, 2009b). Geralmente a definição de terraço fluvial é a de um plano topográfico que domina o leito de um curso de água sendo constituído por sedimentos fluviais, formado pela combinação de deposições, erosões ou incisões (ROSINA, 2004, p. 52). Distinguem-se dois grandes tipos de terraços: de deposição ou de erosão. Nos primeiros os sedimentos aluvionais podem estar escalonados, apoiados, sobrepostos ou ainda com combinações entre as várias possibilidades. Os terraços de erosão são superfícies que resultam em planos resultantes da actividade fluvial erosiva sobre os depósitos aluvionais ou sobre o próprio substrato. Existem várias teorias para explicar a formação dos terraços, sendo as mais utilizadas a eustática e a climática. No entanto, no processo de formação e diferenciação dos terraços influi bastante a tectónica regional. Na realidade, as dificuldades que se colocam no estudo destas formações e que em muito ultrapassam o escopo do nosso trabalho, demonstram a importância das condições regionais, sendo bem reconhecida a relevância dos factores locais na formação destes depósitos. O seu estudo é muito dificultado pela multiplicidade de factores e diferentes fenómenos, nomeadamente os fenómenos tectónicos e de subsidiência, que a nível regional podem influir na sua formação (BRIDGLAND, 2000; ROSINA, 2004, p. 53). Há toda uma série de factores que dificultam a correlação e a datação deste tipo de formações em diversas regiões ao longo do curso do mesmo rio (HOSFIELD e CHAMBERS, 2004). Daí a importância dos estudos de pormenor da região do Alto Ribatejo nos últimos anos e também a nossa opção por nos concentrarmos na análise sumária dos terraços nesta sub-região e em particular na zona de Vila Nova da Barquinha. As datações destas formações, que analisaremos adiante com maior detalhe, constituem um dos factores mais problemáticos para a interpretação dos vestígios de ocupação humana a eles associados. A par da difícil compreensão das diversas litofácies que podem constituir um mesmo terraço onde se encontram distribuídos, na maior parte dos casos, os artefactos líticos, acresce ao problema das datações absolutas e o pouco conhecimento que se tem das taxas de incisão para que se possa ter informação sobre o tempo de formação de um terraço. Importa, no entanto, referir que neste aspecto nos últimos anos têm sido feitos relevantes trabalhos sobre estas questões. Com o auxílio 100

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das datas absolutas efectuadas sobre os terraços baixos foi possível avançar uma idade aproximada, considerando as taxas de incisão, para os terraços superiores e altos do Tejo, nomeadamente no sector entre o Gavião e Chamusca (MARTINS et al., 2009b). Como cronologia relativa para os terraços tem sido utilizada a diferenciação da sua posição topográfica, mas mais uma vez, devido aos fenómenos variados que influêm na formação dos terraços ao longo do mesmo rio, a escala da diferenciação e correlação tem de ser local. A correlação longitudinal ou em secção transversal dos terraços fluviais do mesmo vale é dificultada pela combinação de vários controlos deposicionais. Por outro lado a actividade tectónica pode desnivelar os terraços e, logo, o critério altimétrico não é fiável enquanto elemento de correlação dos depósitos, apesar da sua utilidade para o respectivo enquadramento geomorfológico (MARTINS e CUNHA, 2009, p. 168). Em suma a correlação e interpretação dos terraços e seu papel na evolução da paisagem deve resultar da combinação de levantamentos geomorfológicos detalhados, estudo litoestratigráfico e sedimentológico dos depósitos e obtenção de datações absolutas. Justamente o tipo de pesquisa integrada que tem sido feita na última década na zona do Alto Ribatejo (ROSINA, 2002, 2004; MARTINS et al., 2010b) e também aquela que, feita noutras zonas (MOZZI et al., 2000; CUNHA et al., 2008a), permitirá a interpretação de conjunto dos sítios arqueológicos do Vale do Tejo que se encontram afastados dezenas de quilómetros entre si. O estudo das formações fluviais do Tejo teve início nos anos 40 pela intensa actividade de campo de G. Zbyszewski e H. Breuil que se centraram principalmente na margem esquerda do Vale, em particular na zona de Alpiarça e Almeirim (BREUIL e ZBYSZEWSKI, 1942; ZBYSZEWSKI, 1946). Estes investigadores aplicavam os princípios da teoria eustática para estudar a génese dos terraços fluviais e o modelo que definiram para a margem esquerda foi posteriormente aplicado em todo o Vale. O seu trabalho de terreno e de cartografia geológica dos depósitos do Pleistocénico foi notável, contudo, o escalonamento dos terraços era considerado de génese glacioeustática e com uma cronologia derivada da então admitida para o Mediterrâneo. O seu trabalho, de cariz essencialmente litoestratigráfico utilizou, numa primeira fase, o modelo glacio-eustático baseado nas glaciações alpinas, dividindo os terraços em diversos patamares, do topo para a base, Q1, Q2, Q3 e Q4, cada um relacionado com um período interglacial (Tabela 29).

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Terraços Fluviais Terraços Superiores Terraço Médio Terraço inferior

Q1 95-75 m Q2 65-50 m Q3 40-25 m Q4 15-8 m

Atribuição

Cronologia

Pré-Gunz

Complexo Cromer (870-480 ka)

Gunz-Mindel Mindel-Riss

Holstein (420-380 ka)

Riss-Wurm

Eemiano (130-115 ka)

Tabela 29 – Correlação entre a classificação prévia dos terraços do Tejo e os períodos inter-glaciários e correspondência cronológica (adaptado de BREUIL e ZBYSZEWSKI, 1942; ZBYSZEWSKI, 1946) Desde os anos 90 o estudo dos terraços desde um ponto de vista geomorfológico e litoestratigráfico tem progredido bastante e tem levado à identificação de novos terraços. Estes estudos suportados em perspectivas integradas de levantamentos geomorfológicos detalhados, estudos litoestratigráficos e sedimentológicos dos depósitos e obtenção de datações absolutas, resultaram num melhor conhecimento das formações fluviais quaternárias do Vale do Tejo e alguns dos seus afluentes (Nabão e Zêzere), desde o Ródão até à zona de Alpiarça (e.g., CORRAL, 1998a; MOZZI, 1998, 2000; PENA DOS REIS, 1998; MARTINS, 1999; MARTINS et al., 2009a; ROSINA, 2002, 2004; CUNHA et al., 2008a; MARTINS et al., 2010ab). No entanto, com o acréscimo da informação regista-se alguma profusão de nomenclatura e propostas de cronologia que geram dificuldades para correlacionar as formações fluviais ao longo do Rio Tejo. Os estudos na zona do Alto Ribatejo utilizaram até recentemente a mesma nomenclatura da cartografia geológica, tendo nos casos da identificação de novos terraços optado pela sua sub-divisão. É o caso do Q4, dividido por CORRAL (1998) em Q4 1 e 2 (Figura 29), e por ROSINA (2002) em Q4a e Q4b. O mesmo autor divide o terraço Q2 em Q2a e Q2b. Os investigadores António Martins e Pedro Cunha e seus colaboradores abandonaram a nomenclatura da cartografia geológica tradicional e passam a utilizar T em vez de Q (Tabela 29 e Figura 28). Esta cartografia geológica está em permanente actualização e mesmo sem informação para fazer a correlação entre os depósitos dos diferentes vales é possível construir um quadro de evolução geral que inclui quatro fases: a) macro-definição da rede hidrográfica; b) início do encaixe acelerado dos vales; c) formação dos terraços mais recentes; formação dos depósitos coluvionares do Pleistocénico Superior, aluviões holocénicas; d) Formações de origem eluvial (Tabela 30).

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Considerando o tema do nosso trabalho, optámos por uma caracterização dos seis terraços identificados neste rio na zona de Vila Nova da Barquinha e Atalaia para evitar generalizações que se poderiam revelar pouco operacionais no quadro do presente estudo (Figura 28 e 29). Nesta área a sequência mais recente está publicada em MARTINS et al., 2010b, que identifica seis níveis de terraços: T1, T2, T3, T4, T5 e T6 (Figura 28 e 30), sendo que os três últimos possuem materiais arqueológicos e em dois deles, T4 (Q3) e T5 (Q41 na terminologia de CORRAL, 1998a) e Q4a na terminologia de ROSINA (2002), decorrem as escavações do sítio da Ribeira da Ponte da Pedra (Figura 44).

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Quadro de evolução Geral ROSINA, 2004; MOZZI, 1998

Formação dos terraços mais recentes

Início do encaixe acelerado dos Vales (captura do Nabão pelo Zêzere, divergência progressiva dos 3 vales)

Macro-definição da rede Hidrográfica

Tejo (Zona de Vila Nova da Barquinha) ROSINA, 2002

MARTINS et al., 2010

CUNHA-RIBEIRO, inédito

Terraço

Cota

Terraço

Cota

Espessura

Terraço

Cota (Base)

Q4b

25 m

T6

25 m (a.s.l.)

7m

Ft6

15 m

Q4a

30 m

T5

34 m (a.s.l.)

10 m

Ft5

20 m

Q3

55 m

T4

55 m (a.s.l.)

12 m

Ft4

57 m-40 m

Q2b

65 m

10 m

Ft3

60 m-75 m

18 m

Ft2

14 m

Ft1

T3 Q2a

75 m

Q1

100 m

T2 T1

Espessura

Nabão

Nabão-Bezelga

Zêzere

Zêzere

MOZZI, 1998

ROSINA, 2002

MOZZI, 1999

ROSINA, 2002

Terraço

Cota

Terraço

Cota

T6b

45 m (s.l.m.)

B

50

T6a

60/55 m (s.l.m.)

B

60

T5

70/66 m (s.l.m.)

B

70

15 m

T4

83/78 m (s.l.m.)

B

80

75 m

20 m

T3

90/86 m (s.l.m.)

B

90

105 m

10 m

T2

108 m (s.l.m.)

B

110

T1

117 m (s.l.m.)

20 m

75 m (a.s.l.)

110 m (a.s.l.) 142 m (a.s.l.)

Formação de 180 m Almeirim (a.s.l.)

29 m

Terraço

Cota

Terraço Cota

D

69

B

D

100

Ind.

Tabela 30 – Classificação e correlação das várias propostas de estudo dos terraços no Alto Ribatejo

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Terraço T1/Q1 O terraço T1 encontra-se bem desenvolvido na margem Norte do Tejo e ao longo do vale do Zêzere. Os vestígios deste terraço formam planaltos a cerca de 120 m acima do leito actual do rio. No sítio da Cascalheira este depósito tem blocos de quartzito de MPS=34 cm e é constituído por 67% de quartzito e o restante é quartzo. A Oeste da Ribeira da Ponte da Pedra encontra-se a 119 m, tem uma espessura de 6 a 7 m e sobrepõe-se aos sedimentos miocénicos. O Terraço T1 e o T2 na zona do corredor Santa Cita-Atalaia deverão pertencer ao Nabão antes da sua captura pelo Zêzere (MARTINS et al., 2010b, p. 134). Na nota explicativa da Carta Geológica 1:50 000 de Abrantes de 1979, este terraço corresponde ao Q1 e não tem descrição sendo aqui representado por conglomerados com matriz escassa ou ausente. Terraço T2/Q2a Este terraço está bem representado na região a uma altitude de 110-112 m ao longo do Tejo, com cerca de 12m de espessura composto por conglomerados maciços avermelhados clasto-suportados de quartzito (65%) e quartzo (35%) (MPS=22 cm). No Vale do Zêzere chega aos 128 m de altitude (Idem, ibidem, p.134). Terraço T3/Q2b Este terraço tem uma altitude de 70 m na zona de Vila Nova da Barquinha. Entre Constância e Tancos foram observados vários cortes que expõem um terraço composto por conglomerados maciços clasto suportados, com quartzitos e quartzo em igual proporção e com um MPS=21 cm. Terraço T4/Q3 A superfície deste terraço em Vila Nova da Barquinha encontra-se aos 55 m. É um terraço constituído por uma unidade basal conglomerática maciça clasto-suportada, de cerca de 2 a 3 m de espessura à qual se sobrepõem gravilhas intercaladas com níveis de areias. Em quase toda a sua extensão deste terraço, e onde foi possível observar cortes, identificam-se artefactos líticos (CORRAL, 1998b), verifica-se que estes aparecem sobretudo na base do terraço, pontualmente no seu topo. É na base deste terraço que se recolheram os artefactos em estudo no presente trabalho. No seu trabalho

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sobre secções com material arqueológico em estratigrafia, Isabel Corral descreve este terraço da seguinte forma (CORRAL, 1998b, p. 228): «Apresenta uma sequência geral grano-decrescente e está formado por distintos níveis de conglomerados, microconglomerados e areias. Os seixos dos conglomerados vão de sub-arredondados a sub-angulosos, quase na sua totalidade de natureza quartzítica, com uma matriz que varia entre areias médias a grossas até gravilhas, no topo de algumas das sequências aparecem limos e areias finas. Na base dos níveis de conglomerado os seixos podem estar em contacto sem matriz. Próximo do topo pode-se observar um paleosolo com uma certa continuidade lateral e por cima deste, um nível microconglomerático». Terraço T5/Q4a O terraço T5 tem uma cota de superficial de 32 m na zona de Vila Nova da Barquinha e é constituído na base por conglomerados maciços clasto-suportados com algumas imbricações seguidos de areias grosseiras e siltos com seixos (MPS=25 cm). O seu topo está a ser escavado no sítio da Ribeira da Ponte da Pedra. Terraço T6/Q4b É constituído por areias de cor amarela de grosseiras a finas, alguns seixos (MPS = 7 cm) na base e siltos no topo. De uma forma geral os diversos estudos sobre os terraços fluviais na zona de Vila Nova da Barquinha (CORRAL, 1998a; ROSINA, 2002; MARTINS et al., 2010b; CUNHA-RIBEIRO, inédito) mostram que estes têm, maioritariamente, sequências positivas. Os diversos depósitos têm sequências grano-decrescentes, partindo de uma base de erosão plana com depósitos que vão desde para-conglomerados a areias finas e limos (ROSINA, 2004, p. 91). A origem destes níveis está no enchimento de canais ou na formação de barras, sendo nestas duas litofácies do terraço Q3/T4 que se encontram a maior parte dos artefactos líticos (CORRAL, 1998b). 3.4.2. Os depósitos em gruta Para o Pleistocénico Médio e em ambientes cársicos existem informações sobre sequências sedimentares associadas a ocupações humanas registadas no Sistema Cársico do Almonda, ainda que parciais e descontínuas. Estas sequências foram observadas e 106

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sumariamente descritas nos sítios da Entrada do Vale da Serra (Praia dos Bifaces, Caos de Blocos, Cone e Galeria das Lâminas) (ZILHÃO et al., 1991, 1993ab). Os vestígios destes sítios porém encontram-se em posição derivada sendo descritos o conjunto de eventos erosivos responsáveis pelo transporte e acumulação dos materiais e respectiva colmatação. São referenciadas 5 fases distintas neste processo, sendo a fase 2 de acumulação de materiais sedimentares oriundos do exterior, juntamente com vestígios arqueológicos (Acheulenses) e restos de fauna associada à fase final da última glaciação, entre 190 000 e ca de 130 000 BP. A fase seguinte é erosiva sendo o agente de erosão e transporte dos materiais arqueológicos o rio, que os vai acumular nos interstícios do fundo da Galeria das Lâminas e na Praia dos Bifaces. Este processo de erosão terá ocorrido numa fase climática mais húmida que os autores relacionam com último inter-glaciar ou com o início da última glaciação, num período cronológico entre os 130 000 e 75 000 BP. As fases 4 e 5 ocorrem novamente eventos de acumulação e erosão, respectivamente, já associados a vestígios do Paleolítico Médio (ZILHÃO, et al. 1993a, p. 50). No mesmo sistema cársico e com maior antiguidade resgistam-se os depósitos da Brecha das Lascas e da Galeria Pesada. Nestes sítios as sequências estratigráficas estão descritas com maior pormenor, em particular, no que diz respeito à Galeria Pesada (MARKS, et al., 1999, 2002a, 2002b). As limitadas escavações na Brecha das Lascas não permitiram ainda uma pormenorizada descrição e interpretação das unidades estratigráficas. Aqui foram identificadas 8 unidades geológicas que se associam a depósitos altamente brechificados que se sobrepoêm a depósitos com areias fluviais e parcialmente brechificados (MARKS, et al., 1999, p. 239). Na Galeria Pesada o preenchimento sedimentar é essencialmente composto por níveis intercalados de argilas e clastos angulosos de calcário, sempre muito cimentados com carbonatos de cálcio resultando, tal como na Brecha das Lascas, em depósitos bastante brechificados. Esta característica dificulta a distinção e interpretação das distintas unidades estratigráficas, a sua descrição aponta para uma deposição com uma componente gravitacional relevante de sedimentos provenientes de uma área próxima da entrada da gruta (MARKS, et al., 2002b, p.11-12).

107

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3.4.3 Datações Para o estudo de contextos arqueológicos em terraços fluviais é imprescindível a integração de estudos de geomorfologia, litostratigrafia, sedimentologia e a execução de datações absolutas de forma a poder delinear reconstituições das paisagens e uma melhor caracterização das respectivas ocupações humanas. Actualmente, a ocupação humana do Pleistocénico Médio do Vale do Tejo apresenta-se suportada num conjunto de datações absolutas, associadas directamente aos sítios arqueológicos e ao conjunto de terraços fluviais relacionadas com as ocupações do Pleistocénico Médio Final. Desde os finais dos anos noventa que no âmbito de estudos geo-arqueológicos (MOZZI et al., 2000), estudos geomorfológicos (e.g., CUNHA et al., 2008a; MARTINS et al., 2010a) ou estudo de sítios arqueológicos (MARKS et al., 2002; DIAS et al., 2010, HOFMAN, 2012) têm sido feitas datações absolutas com métodos variados (Termoluminescência, OSL, ESR, Séries de Urânio e IRSL). Assim dispomos de 10 datas absolutas associadas a 7 sítios arqueológicos, desde a zona do Ródão até Alpiarça (Tabela 31). Não obstante, o quadro que se pode construir com estas datas mostra várias lacunas e obstáculos à integração dos dados. Por limite dos métodos ou por problemas de contexto, algumas datas apresentam divergências e dificuldades de interpretação. O principal problema prende-se com a natureza dos depósitos a que estão associados os sítios arqueológicos que, com excepção das grutas, são azóicos, restringindo a possibilidade de aplicar métodos de datação variados. Na datação das ocupações de ar livre associadas a terraços fluviais, bem como dos terraços fluviais em si, têm sido aplicados os métodos da Termoluminescência e a Luminiscência Opticamente Estimulada, e mais recentemente a luminescência estimulada por luz infravermelha (IRSL) em feldspato potássico. As datações dos terraços não estão isentas de problemas que se relacionam, por um lado com a sua antiguidade, estando fora do alcance das técnicas utilizadas, por outro com as características dos sedimentos que limitam consideravelmente o alcance das metodologias disponíveis (ex. taxa de radiação elevada no caso da luminiscência). Os terraços do rio Tejo, e muito provavelmente os da maioria dos rios portugueses, apresentam estas dificuldades (MARTINS, et al., 2009b, p. 83). No caso específico da Bacia do Baixo Tejo as altas taxas de radiação ambiental dos sedimentos limitam a utilização do quartzo para datações OSL. 108

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As primeiras tentativas de datação dos terraços foram justamente feitas por termoluminiscência, no entanto, devido à saturação do sinal ofereciam apenas uma idade mínima (MOZZI et al., 2000), sendo por isso de utilidade limitada. A alternativa é efectuar a medição em feldspato potássico com a correcção da perda anómala de energia ao longo do tempo (anomalous fading) (CUNHA et al., 2008b, p. 105). A partir de 2005 o Nordic Laboratory for Luminiscence Dating (Risoe, Dinamarca) inicia a colaboração com investigadores portugueses, nomeadamente António Martins e Pedro Cunha, para datar os sedimentos dos terraços com IRSL (e.g., CUNHA et al., 2008a). Sendo neste caso o objectivo principal das datações não a relação com a ocupação humana, mas a utilização das datas obtidas para verificar o controlo do desenvolvimento da drenagem e tentar quantificar as mudanças nas taxas de incisão fluvial durante o Quaternário. No quadro destes trabalhos e para datar os terraços médios e baixos tem sido utilizada a técnica da luminescência estimulada por luz infravermelha em feldspato potássico. Os terraços mais altos e a superfície culminante terão de ser datados por nuclídeos cosmogénicos (MARTINS e CUNHA, 2009, p. 173). Recentemente e no âmbito do estudo do sítio da Ribeira da Ponte da Pedra foram feitas datações por OSL e termoluminiscência pelo Instituto de Tecnologia Nuclear (DIAS et al., 2010). O quadro mais completo de datações para os terraços do Tejo é dado pela publicação de António Martins e seus colaboradores - K-feldspar IRSL dating of a Pleistocene river terrace staircase sequence of the Lower Tejo River (Portugal, western Ibéria, 2010). Neste trabalho os autores integram datações obtidas por IRSL publicadas em anteriores trabalhos incluindo novos dados, em particular para o troço IV definido pelos mesmos (CUNHA et al., 2008a; MARTINS et al., 2009a) e que corresponde ao curso do Rio Tejo entre o Arripiado e Vila Franca de Xira. Na referida publicação é apresentado um quadro (Figura 31) que para o terraço Q3/T4 apresenta várias datações num intervalo entre os 280 ka e 130 ka e o associa ao MIS – 9-5. Este terraço dispõe assim de uma série considerável de datações que ajudam a contextualizar as ocupações humanas associadas a esta formação, mas que ainda não permitem uma boa correlação entre os sítios arqueológicos dado o intervalo ser bastante grande. Assim, para este terraço e ao longo do Rio Tejo dispomos de 26 datações em diversos locais (Tabela 31) compreendidas entre os 304 ka e os 107 ka. Com base nas datas obtidas para os terraços mais baixos (T3, T4, T5 e T6) e no âmbito do estudo da incisão do rio Tejo e respectivas rectas de regressão no sector entre 109

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Gavião e Chamusca foram avançadas datas próximas dos 475 ka para o T2, 670 ka para o T1 e 900 ka para a superfície culminante do enchimento sedimentar (início do encaixe). Porém, como os próprios autores indicam, estas datas devem ser consideradas como uma aproximação devido à margem de erro nas datações existentes (10%), bem como do facto de partirem do princípio de que a taxa de incisão é constante (MARTINS et al., 2009b, p. 85). Bibliografia

CUNHA et al., 2008a, p. 51 (Área de Vila Velha de Rodão

MARTINS et al., 2009a, p. 86 (Área Gavião-Chamusca)

MARTINS et al., 2010b, p. 132 Área de Vila Nova da Barquinha MARTINS et al., 2010b, p. 132 DIAS et al., 2009, p.111 Área de Vila Nova da Barquinha

Local Vilas Ruivas, Base (116 m) Arneiro, perto da base (105 m) Vilas Ruivas (90 m) Arneiro, topo (128 m) Enxarrique, meio (87 m) Vilas Ruivas, Meio (118 m) Vilas Ruivas, Meio (118 m) Mato Miranda 2, topo (43 m) Mato Miranda, topo (42 m) Constância, base (47 m) Atalaia, meio (57m) Vila Nova da Barquinha, meio (59 m) Ponte das Mouriscas, topo (76 m) Pinheiro Grande, topo (90 m) Chamusca 4 (39 m) Chamusca 5, topo (54 m) Chamusca 6, base (50 m) Constância, base (47 m) Ponte da Pedra, base (40 m) Atalaia campo desportivo, topo (57 m) Vila Nova da Barquinha (Capela), topo (59 m) Ribeira da Ponte da Pedra (sítio arqueológico), base (40 m) Ribeira da Ponte da Pedra (sítio arqueológico), base (40 m)

Data 277 209 151 129 125 113 105 222 210 190 172

T4 (ka) Erro + 17 + 11 +6 +8 +7 +6 +5 + 18 + 12 + 15 +6

Método IRSL IRSL IRSL IRSL IRSL IRSL IRSL IRSL IRSL IRSL IRSL

169

+9

IRSL

160 139 124 125 107 190 175

+9 +7 +6 +7 +5 + 15 +6

IRSL IRSL IRSL IRSL IRSL IRSL IRSL

172

+6

IRSL

169

+9

IRSL

175

+6

IRSL

304

+ 19

OSL

117 MOZZI et al., 2000, p. 368 Área de Alpiarça

Vale do Forno 8, meio (23 m?)

119 127

+infinito 26 +infinito 32 +infinito 26

TL/OSL

> 124

Tabela 31 – Datações absolutas para o terraço médio Q3/T4 disponíveis no troço do Tejo em Território português

110

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Considerando o esquema de MARTINS et al. (2010a), são para o estudo arqueológico particularmente importantes as datações feitas no Q3/T4 naquele que os autores denominam de troço IV e onde se localizam os sítios arqueológicos do Vale do Forno, cujas datações feitas por Termoluminiscência têm pouca utilidade na sua integração pois apresentam só uma idade mínima bastante recente. Apesar de não se conhecerem novas datações para este local, neste trabalho de síntese o terraço Q3/T4 terá uma idade mínima da ca 150 ka, enquanto o Q4a/T5 tem uma idade compreendida entre os 136 ka e os 75 ka (Idem, ibidem, p. 179). Considerando que os sítios arqueológicos do Vale do Forno estão associados à base e meio do terraço Q3/T4 («middle and lower portions of the Q3 middle terrace sediments, which contain important and partially excavated archaeological sites», (MOZZI et al., 2000, p. 360), os dados actualmente disponíveis deixam claramente supor que as datas avançadas para estes sítios, para além da fragilidade do método aplicado e respectivos resultados, são, assim, ainda mais questionáveis, devendo ser estas ocupações mais antigas. Em todo caso só com datações absolutas directamente associadas ao sítio, como alias já Pierluigi Rosina tinha sugerido (ROSINA, 2004, p. 95), se poderão esclarecer as várias hipóteses de cronologia mais antiga ou mais recente (Tabela 32). MARTINS et al. (2010a) sugerem que, considerando as datações obtidas no Vale do Tejo mais a montante para o terraço Q3/T4, o Vale do Forno terá uma idade entre 240 ka e 150 ka, reforçando também a importância de se determinar a idade do terraço nos depósitos onde surgem as indústrias líticas (MARTINS et al., 2010b, p.131). O que para a interpretação integrada dos dados arqueológicos de que dispomos actualmente se afigura da maior importância. A questão da cronologia tem implicações óbvias na interpretação da variabilidade das indústrias líticas. Dadas as circunstâncias em que se encontram os materiais da Galeria das Lâminas e Praia dos Bifaces também as datas obtidas pelo método do Urânio-Tório sobre quatro molares de Equus caballus só oferecem uma idade mínima, sendo portanto de utilidade limitada. Na Galeria Pesada foi feita uma datação pelo método das Séries de Urânio sobre um dente de Equus aff. Mosbachensis, recolhido na camada B2 que deu um resultado de 241 000 +30 000 – 22 000 ka BP. Recentemente foram feitas novas datações neste sítio com o método da Séries de Urânio sobre espeleotemas. Estas datas deram um resultado de 326.80+ 13.40 para a parte supeiror do manto que cobre o nível arqueológico, um resultado de 418.01+31.50 para a base do mesmo manto (HOFMAN et al., 2012). Na 111

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Brecha das Lascas e na parte basal da estalagmite que cresce sobre o manto que recobre o preenchimento Pleistocénico foi obtida pelo método de Séries de Urânio uma data mínima para a idade do depósito inferior de 278.66+12.10 ka (HOFMAN et al., 2012) Finalmente, registamos uma discrepância de cerca de 100 000 anos nas datas obtidas para o sítio da Ribeira da Ponte da Pedra. Não nos cabe aqui discutir a fiabilidade das datações efectuadas, tanto mais que foram obtidas por métodos distintos, mas a datação mais antiga é alvo de algumas críticas devido ao limite da aplicação do método OSL para datas tão antigas (ca 300 000 anos). Síto

Galeria Pesada

Ribeira da Atalaia

Contexo

Gruta

Base do Terraço T4

Datação (ka)

Método

418.01+3150

Séries de Urânio

241+30– 22

Séries de Urânio ERS e Séries de Urânio

304±20

B-OSL

176+16

K-IRSL

326.80+13.40

Bibliografia HOFMAN et al., 2012

MARKS et al., 2002 DIAS et al., 2010 MARTINS et al., 2010b GRIMALDI et al., 1999

Fonte da Moita

Base doTerraço T4

Brecha das lascas

Gruta

278.66+12.10

Séries de Urânio

HOFMAN, et al.

Monte famaco

Superíficie associados ao terraço Q4

~277 a 136

K-IRSL

MARTINS et al., 2010

FT4 (região entre Torres Novas Vila Nova da Barquinha)

Peças na Base do terraço T4 e à superfície

Praia dos Bifaces

Gruta

170+13 (idade mínima)

Vale do Forno 1

Terraço T4

>124

Vale do Forno 8

Terraço T4

117 + Infinito-26

Vale do Forno 3

Terraço T4

CUNHARIBEIRO, , no prelo Séries de Urânio

ZILHÃO, et al., 1993

TL/OSL

MOZZI et al., 1998

119 + Infinito-32

Tabela 32 – Datações dos principais sítios arqueológicos do Vale do Tejo em território português

112

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3.4.4

Indicadores Paleo- climáticos e Paleo-ambientais Os terraços fluviais que constituem a maioria dos depósitos com vestígios de

ocupação humana no Alto Ribatejo podem pelas suas características sedimentológicas de alta resolução dar indicações sobre as reconstruções paleo-climáticas e paleoambientais. No que diz respeito aos terraços estudados na zona de Vila Nova da Barquinha e Tomar a raridade de clastos carbonatados indica uma provável persistência da drenagem superficial sugerindo uma tendência húmida para o clima do Pleistocénico (próximo do actual). Mais, em nenhum dos terraços estudados foram reconhecidos níveis de alteração com acumulações de carbonatos que pudessem sugerir contrastes sazonais acentuados e aridez significativa. A ausência de eventos excepcionais no registo sedimentar indica a inexistência de intensas descontinuidades climáticas (PENA DOS REIS 1998, p. 28). Contudo, o mesmo autor admite que a organização dos distintos terraços supõe uma progressiva acentuação do relevo com uma provável progressiva acentuação da distância da região em relação à depressão do Tejo, mar e zonas ribeirinhas o que o leva a admitir um aumento da continentalidade a nível paisagístico e climático (Idem, ibidem, p. 29). Estudos recentes sobre os terraços do Alto Ribatejo indicam que, entre o T1 e o T4 os depósitos apresentam características (presence of reddening, high clay content and swell-andshrink structures of clayey soils) que apontam para condições climáticas temperadas com alternantes estações chuvosas e secas (MARTINS et al., 2010b, p.137). Os depósitos do T6, do Pleistocénico Superior, com as areias eólicas de cor amarela a branca e algumas argilas sugerem condições muito mais frias. Um outro estudo inédito de João Pedro Cunha-Ribeiro sobre os terraços na zona de Vila Nova da Barquinha e Torres Novas, sugere que das características observadas, nomeadamente uma sedimentação de forte competência, se pode sugerir «a persistência de uma dinâmica fluvial decorrente de um clima de características semi-áridas», ao mesmo tempo que as sedimentações de fim de sequência de algumas unidades sedimentares das formações que denominou Ft4 e Ft5, relacionadas com depósitos finos de inundação sugerem um regime fluvial decorrente de um clima temperado e relativamente húmido (CUNHA-RIBEIRO, inédito, p. 41). Este autor conclui que na sequência das formações fluviais quaternárias de parte da sub-região do Alto Ribatejo ocorreram «sucessivos períodos de relativa aridificação do clima, intercalados por outros marcadamente temperados.» Finalmente, admite a «provável contemporaneidade 113

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da aridificação local do clima com o desenvolvimento dos fenómenos glaciares» (Idem, ibidem, p. 44). A intercalação destes períodos teria consequências na menor cobertura vegetal nas fases semi-áridas seguidas do restabelecimento da vegetação. O conjunto faunístico da Gruta da Galeria Pesada fornece também alguns indicadores paleo-ambientais. Entre a microfauna não se regista a presença de espécies de ambientes frios e as presentes (mais abundantes são Apodemus sp., Microtus brecciensis, Allocricelus sp. e Eliomys quercinus) sugerem uma paisagem mediterrânica mista, com bosques e espaços abertos e algumas características xéricas. As diversas espécies de pássaros identificadas não indicam significativas diferenças ambientais em relação ao presente (MARKS et al., 2002b).

114

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4. PROBLEMÁTICAS E CONCEITOS Todos os problemas são insolúveis. A essência de haver um problema é não haver solução. Fernando Pessoa

115

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4.1 Interpretação de indústrias líticas em contextos fluviais Os vestígios arqueológicos, sobretudo os artefactos líticos, encontram-se nos depósitos fluviais quaternários em todo o mundo. Apesar de dominarem o registo arqueológico, os vestígios encontrados nestes contextos fluviais são entendidos como sendo de menor valor informativo quando comparados com os vestígios recuperados em contextos cársicos ou lacustres, embora estes sejam bastante mais raros no Pleistocénico Inferior e Médio. Os terraços fluviais tiveram um papel determinante na preservação da cultura material do Pleistocénico Inferior e Médio: «River terraces are well established as an important source of Lower and Middle Palaeolithic artefacts in Europe…» (MISHRA et al., 2007, p. 2996). Na Europa o estudo das sequências fluviais e artefactos arqueológicos associados é bastante antigo remontando ao início do século passado, mas com uma intensificação significativa na segunda metade do século (BRIDGLAND, 2000, p. 1293) em colaboração com estudos arqueológicos. A Península Ibérica não é excepção e grande parte dos vestígios do Pleistocénico Médio são encontrados em contextos fluviais, particularmente nos rios que desaguam no Atlântico, é o caso dos terraços do Douro, Tejo, Guadiana e Guadalquivir (BRIDGLAND et al., 2006, p. 444). Não é uma surpresa que muito do registo do Pleistocénico Médio esteja em depósitos fluviais, visto que os rios recebem os detritos grosseiros das paisagens e, consequentemente drenam muitos destes detritos para os seus vales e para o interior de vários tipos de sedimentos. Assim, os artefactos líticos são naturalmente incorporados nos depósitos fluviais, embora alguns possam ter sido o resultado de acção humana, como por exemplo actividades de subsistência nos leitos e praias de rio que ocasionalmente são preservadas em paleo-superfícies (por exemplo os sítios franceses de Pincevent ou Étioles) (LEROI-GOURHAN, 1972; PIGEOT, 1987, entre outros). Estes sítios podem ter remontagens e estruturas, fornecendo um nível de informação superior àqueles em que os artefactos foram transportados selectivamente e estão misturados com detritos e seixos do rio, como é o caso de vestígios no interior de canais ou barras fluviais. Com efeito, podemos ter várias situações em que os artefactos estão completamente transportados, parcialmente transportados ou in situ, podemos ainda num mesmo sítio, como é o caso da Ribeira da Ponte da Pedra identificar estas três situações dependendo da origem e formação das unidade litológicas que incorporam os artefactos.

116

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Mas a coincidência de vestígios arqueológicos e terraços fluviais também resulta da atractividade dos vales para o povoamento humano (BRIDGLAND et al., 2006, p 438). Para além da existência de outros recursos, as margens dos rios teriam representado importantes fontes de matéria-prima para a manufactura de artefactos. O variado registo arqueológico nestes contextos mostra-nos que actividades de subsistência tiveram lugar em barras, margens de canais e em planícies de inundação. Os sítios mais relevantes são aqueles em que as indústrias têm alta integridade, pouco desgaste e até remontagens, ao mesmo tempo que são possíveis datações, preferencialmente com diversos métodos, permitindo estabelecer uma sequência fluvial que possa ser usada como quadro cronológico (MISHRA et al., 2007, p. 2297). Tal como em qualquer sítio arqueológico e qualquer época, duas questões principais se colocam quando tratamos de vestígios de ocupação humana, embora a nossa referência seja a problemática dos terraços fluviais: 1) cronologia e 2) interpretação do registo arqueológico. A segunda questão está directamente ligada com a formação de depósitos de terraço. Começando pela primeira questão, na verdade, antes do aparecimento de técnicas de datação absolutas a cronologia de sítios do Paleolítico, sobretudo Inferior e Médio, era estabelecida a partir das sequências de terraços. Com feito, muitos estudos incidiram e continuam a incidir na formação dos terraços e nos processos fluviais, com o objectivo de clarificar a estratigrafia e a estrutura dos seus depósitos (e.g., TEXIER e MEIRELES, 1987; CUNHA-RIBEIRO, 1999; BRIDGLAND, 2000; TEXIER, 2000; HOSFIELD e CHAMBERS, 2004; BRIDGLAND et al., 2006, BUTZER, 2008). Estes estudos são da maior importância para a arqueologia paleolítica pois, para além do enquadramento cronológico, relativo ou absoluto, fornecem informações sobre a proveniência, carácter residual, remeximento e padrões de distribuição espacial das indústrias líticas (BROWN, 2008, p. 293). De facto, o estudo morfológico das sequências dos terraços fluviais tem demonstrado ser uma considerável fonte de atribuições cronológicas para as indústrias paleolíticas. Recentemente, muitos trabalhos foram desenvolvidos tendo como escopo a caracterização dos depósitos fluviais, sua morfo-estratigrafia e a sua cronologia absoluta (BRIDGLAND et al., 2004, 2006; HOSFIELD e CHAMBERS, 2005; BAHAIN et al., 2007; SANTISTEBAN e SCHULTE, 2007; BRIDGLAND e WESTAWAY, 2008) e para Portugal (CUNHA et al., 2008a; CUNHA, 2010; MARTINS et al., 2010ab). Muitas sequências de terraços podem agora ser datadas e correlacionadas com os 117

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estádios de isotópos marinhos (MIS) fornecendo um importante enquadramento para os vestígios e para as alterações ambientais, permitindo o estabelecimento de potenciais padrões de distribuição de artefactos e, consequentemente, estratégias de ocupação do território. As escadarias de terraços são arquivos da flutuação paleoclimática do Quaternário e os seus depósitos para além de artefactos, podem conter fósseis, constituindo um importante registo para a compreensão da evolução da fauna a par da evolução do povoamento humano (BRIDGLAND et al., 2004, p. 203). Em todo o caso, as datações absolutas dos terraços fluviais apresentam alguns limites para a interpretação das indústrias líticas a eles associadas: - Os artefactos não podem ser datados directamente e podem ser consideravelmente mais antigos que o depósito; - A integridade das indústrias não é sempre clara (e.g., os artefactos podem ter sido redepositados ao mesmo tempo, mas isso não garante que sejam provenientes do mesmo sítio); - É dificl avaliar o tempo de deposição de depósito de terraço, já que a mesma quantidade de sedimentos, dependo do fenómeno de transporte e acumulação pode representar dezenas de milhares de anos ou centenas de anos. Por outro lado, os métodos de datação dos sedimentos fluviais – entre outros a Luminiscência Opticamente Estimulada e Ressonância Electrónica do Spin - podem apresentar erros de vários milénios e discrepâncias entre si quando utilizados no mesmo depósito sedimentar (como é o caso da Ribeira da Ponte da Pedra). Assim, os quadros geocronológicos apresentam limites também para a construção de um modelo deposicional das sequências fluviais (HOSFIELD e CHAMBERS, 2004). Apesar

dos

estudos

crono-estratigráficos

dos

terraços

estarem

bem

desenvolvidos e estandardizados metodologicamente (BRIDGLAND et al., 2004, 2006), a sua aplicação a sítios pré-históricos com sedimentos aluvionais não está tão bem definida (ROSINA e CURA, 2010). A caracterização geomorfológica é necessária para descrever a posição correcta do registo arqueológico para delinear os padrões de povoamento e exploração da ocupação das planícies do rio, especialmente durante o Paleolítico (CUNHA-RIBEIRO 1999; MOZZI et al., 1999, 2000; ROSINA, 2004; ROSINA et al., 2005; GUCCIONE, 2008). Esta caracterização pode estabelecer padrões paleogeográficos que nos permitam reconstruir a paisagem com a qual interagiram as comunidades humanas e que actualmente está modificada (o padrão de distribuição dos sítios na paisagem actual não reflecte os padrões pré-históricos). 118

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Mas os vestígios em terraços fluviais apresentam outras dificuldades: é difícil saber qual a origem dos artefactos e, ligada a esta questão, está a determinação de se efectivamente estamos perante um conjunto lítico que representa um único episódio comportamental com os artefactos redepositados durante um único episódio fluvial ou se representa vários episódios comportamentais. Por outro lado temos a questão de como os artefactos foram incorporados nos depósitos, qual a duração da deposição e posterior modificação (dificuldade em determinar o grau de integridade destes sítios) por preservação selectiva e perturbações horizontais e verticais. Estas observações e considerações levam-nos a colocar uma questão crucial para o nosso trabalho: podem os sítios de ar livre em posição secundária dar informação sobre as actividades humanas (HOSFIELD e CHAMBERS, 2004; BUTZER, 2008)? Estas limitações reflectem-se nas possibilidades de interpretação das tendências temporais e padrões comportamentais do registo arqueológico possivelmente representados pela variabilidade das indústrias líticas, quer a nível intra-terraço, quer inter-terraço de um mesmo sistema fluvial. Todavia, estas situações são raras e na maior parte dos casos as indústrias líticas em contextos fluviais podem corresponder a artefactos de diferentes idades remexidos, misturados e redeposicionados no mesmo local, representando palimpsestos na ordem dos milhares de anos. Estes artefactos podem inclusivé ter sido erodidos de sedimentos mais antigos antes da sua deposição final, podendo a idade da manufactura dos artefactos, utilização e abandono ser consideravelmente mais antiga do que a idade dos depósitos em que são identificados. Apesar destes limites os terraços permitem a identificação de padrões arqueológicos e de elementos comportamentais. Na maior parte dos casos numa escala grosseira, mas também numa escala de alta resolução quando existem paleo-superfícies bem preservadas. Desde os trabalhos de B. Gladfelter (1977) e K. Butzer (1982) que a interpretação de micro-ambientes associados com depósitos aluvionais tem sido crucial para identificar os diferentes significados dos vestígios arqueológicos que estes depósitos contêm. De facto, compreender a posição e distribuição dos artefactos em sedimentos fluviais é frequentemente um desafio. Quando os artefactos integram os depósitos fluviais podem comportar-se como os clastos neles existentes, rolando, deslizando e saltando e colidindo entre si e com os clastos. Estes impactos danificam os artefactos provocando o desgaste das arestas e micro fracturas nas margens que aumentam de acordo com a distância do transporte e a natureza dos depósitos. Os 119

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artefactos menos rolados e representados em todas as classes dimensionais (desde as categorias tecnológicas de maior dimensão como os núcleos, aos instrumentos e restos de talhe encontrados em associação) são considerados como tendo sido transportados numa curta distância e estarem em proximidade do seu local de utilização e abandono (consideramos ser esse o caso da Ribeira da Ponte da Pedra). Pelo contrário, artefactos muito rolados, danificados e representados tecnologicamente e dimensionalmente de forma desigual, podem ser considerados como tendo sofrido um transporte de maior distância em relação ao seu local de utilização e abandono. No entanto, estabelecer a relação entre o estado físico dos artefactos e a distância do seu transporte é algo que não se pode fazer de forma directa devido à complexidade de situações deposicionais que podem ocorrer em contextos fluviais e consequente afectação nos artefactos aí incorporados. Na realidade, os artefactos recolhidos nos depósitos fluviais têm diferentes significados. Se vemos os vestígios encontrados nos canais como sendo transportados, os vestígios recuperados em sedimentos de planície aluvional e topo de barras podem ser considerados en place (GLADFELTER, 1977). Com frequência vestígios líticos ou faunísticos são recolhidos em diferentes contextos deposicionais num único afloramento geológico. A formação de depósitos de terraço, com ciclos de erosão e deposição, podem originar depósitos remexidos e possivelmente material remexido (por exemplo a formação de palimpsestos espaciais constituídos por artefactos que foram removidos de diversos sítios na planície de inundação). Isto significa que nos terraços fluviais podemos encontrar misturas de vestígios arqueológicos pertencendo tanto a «sítios de facto», como a «não sítios». A questão que sempre colocamos perante estes contextos é se a acumulação de artefactos escavados num sítio destes pode ou não fornecer uma imagem razoável das actividades humanas. A resposta só pode ser dada com uma pesquisa dupla: entendimento geoarqueológico das unidades sedimentares e estudo morfotécnico das indústrias líticas. Assim, uma melhor compreensão dos depósitos fluviais é necessária para a interpretação geo-arqueológica dos vestígios arqueológicos encontrados nestes tipos de sedimentos. De acordo com K. Butzer “Open-air archaeological sites are the main objects of study for the Early to Mid-Pleistocene, even though they represent open systems that raise fundamental questions about archaeo-taphonomic integrity” (BUTZER, 2008, p. 402). Mais, existem questões relacionadas com a acumulação e concentração de artefactos líticos em sedimentos fluviais que frequentemente formam 120

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«não sítios de ar livre» (BUTZER, 2008, p. 406). Há por isso uma necessidade em compreender os processos pelos quais os artefactos foram erosionados do seu sítio de abandono, transportados e redepositados no interior de unidades sedimentares fluviais. Tanto as abordagens arqueológicas, como as geológicas são necessárias para caracterizar os artefactos encontrados nos sedimentos fluviais e para possivelmente distinguir entre sítios e «não sítios» (GLADFELTER, 1977; TEXIER, 2000; BUTZER, 2008). Uma das questões que colocamos perante este tipo de contextos está relacionada com o conceito de sítio arqueológico. Tal conceito pode ser claro para uma ocupação em gruta, mas não é para um grupo de artefactos incorporados num registo sedimentar fluvial (BUTZER, 2008, p. 403). Esta questão prende-se directamente com outra que diz respeito à homogeneidade ou heterogeneidade das indústrias líticas, isto é, os conjuntos identificados nas unidades sedimentares fluviais estavam ou não relacionados antes da sua incorporação? Os artefactos podem ter sido removidos desde um único local, mas corresponderem a sucessivas ocupações desse mesmo local durante um determinado período de tempo. Neste caso a indústria relaciona-se com um intervalo de tempo de ocupação de um local específico. Por outro lado, um conjunto de artefactos num determinado depósito fluvial pode corresponder à erosão da ocupação de uma área de vários quilómetros num vale, mas serem resultantes de breves ocupações sazonais. Neste caso a indústria corresponde a um intervalo espacial ocupado numa fase específica do ano (pode ser o caso da Ribeira da Ponte da Pedra). Estas questões levamnos a uma outra que se prende com os padrões de comportamento no tempo e no espaço representados pelos vestígios em terraços fluviais. A incorporação de artefactos líticos em depósitos fluviais pode ter as seguintes implicações: os artefactos são anteriores à formação do depósito sedimentar (neste caso os sedimentos só fornecem uma idade terminus ante quem); os locais onde encontramos os artefactos não podem ser chamados sítios como são os contextos in situ. A acumulação dos artefactos pode ocorrer num único terraço, potencialmente fornecendo informações sobre a mudança ou continuidade das indústrias líticas; pode também ocorrer entre terraços num mesmo sistema fluvial fornecendo informação sobre a mudança ou estabilidade das indústrias líticas. Em qualquer um dos casos a reconstrução do comportamento humano nestes contextos necessita sempre do entendimento do contexto geo-arqueológico (HOSFIELD e CHAMBERS, 2004).

121

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Na verdade, os sistemas fluviais e seus depósitos são dinâmicos e diversificados, e por isso afectam diferenciadamente os artefactos que contêm. Depósitos fluviais sincrónicos estão associados com diferentes litologias, desde o grosseiro enchimento de canais (seixos, gravilhas e areias) aos finos sedimentos das planícies de inundação (siltitos). Durante um ciclo sedimentar a energia da água varia com repercussões na formação dos depósitos, na posição dos artefactos (secundária na maior parte dos casos) e na sua alteração física. No entanto, a determinação da energia da corrente de água não é suficiente para explicar a grande quantidade de indústrias líticas encontradas nos depósitos de rio, tal como não é suficiente para definir a integridade de um sítio arqueológico, como tem sido demonstrado por remontagens líticas em depósitos desta natureza (HOFMAN, 1981; PERETTO, 1992; GRIMALDI et al., 1999; GRIMALDI e ROSINA, 2001; LUSSU et al., 2001; SANTONJA et al., 2001). Uma parte destas questões estão ao alcance dos arqueólogos, mas há necessariamente uma parte complexa que tem de ser analisada por geo-arqueólogos que avaliam o papel dos processos que intervieram no conjunto dos resíduos de materiais e na sua transformação em registo arqueológico (SANTONJA e PÉREZ-GONZÁLEZ, 2002; ROSINA, 2004). Por exemplo se os vestígios indicam um solo de ocupação, o próximo passo é averiguar a sua integridade, ou seja, se foi perturbado e reorganizado por meio de processos ambientais antes, durante ou após o seu enterramento nos sedimentos. Se se provar não perturbado o sítio pode ser qualificado de contexto primário, mas se for selectivamente reorganizado ainda pode fornecer informação útil sobre as ocupações humanas e ser inclusivé qualificado de sítio «semi-primário» (BUTZER, 2008, p. 404). A compreensão geo-arqueológica destes vestígios tem de ser baseada numa rigorosa caracterização dos depósitos, ao mesmo tempo que se regista a orientação e inclinação dos artefactos (HOSFIELD e CHAMBERS, 2004; MCPHERRON, 2005), bem como a observação da sua alteração física – abrasão das arestas e nervuras e micro lascamentos (HOSFIELD et al., 2000; TORRE SAÍNZ, 2001; HOSFIELD e CHAMBERS, 2002; CHAMBERS, 2003; GROSMAN et al., 2011). Neste contexto, as paleo-superfícies, não necessariamente paleosolos, podem ser identificadas de acordo com as características geológicas e a posição dos artefactos arqueológicos (SHEA, 1999; SANTONJA et al., 2001; VILLA et al., 2005). Estes contextos primários são raros, mas quando a quantidade de artefactos recolhidos é considerável, podem representar uma excelente demonstração da presença humana e das suas actividades a 122

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partir das quais se podem, eventualmente, definir padrões de ocupação (BRIDGLAND et al., 2006, p 449).

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4.2 Indústrias líticas: cultura, tecnologia e comportamento! Com o avanço da pesquisa sobre sítios arqueológicos e indústrias líticas paleolíticas, cresceu também o interesse para uma mais robusta forma de análise, tanto na prática, como na teoria. Este progresso fez-se sentir sobretudo a partir dos meados do século passado na França e teve como marco incontornável os quadros formais e as descrições estandardizadas protagonizadas, no que diz respeito ao estudo das indústrias do Paleolítico Inferior e Médio, por François Bordes com a criação da sua lista tipo para o estudo dos conjuntos líticos. A sua linha de abordagem, com base essencial na variabilidade morfo-estilística dos artefactos, foi seguida por muitos investigadores e criou espaço teórico-prático para o desenvolvimento de outras listas tipológicas (e.g., SONEVILLE-BORDES e PERROT, 1953; TIXIER 1963; HOURS, 1974). [...] la typologie s’est édifiée pratiquement sans critique en admettant dans des catégories créées à cet effet les formes semblant présenter assez de ressemblances entre elles ou, au contraire, en séparant celles qu’un détail morphologique parassait individualiser. Ce que les formes de ces objets devaient au déterminisme technique, aux contraintes de la matière, aux nécessités économiques, fut le plus souvent négligé. (BRÉZILLON, 1977: 18) Numa perspectiva tipológica o artefacto é abstraído da sua génese técnica e funcional e a leitura concentra-se na identificação de atributos morfológicos sobretudo observados nos artefactos retocados que formam categorias formais com significado crono-cultural. Neste âmbito, grande parte de um conjunto lítico não é valorizado em termos de processo tecnológico de produção. Eventualmente são feitas algumas observações de índole técnica, mas estas não são exploradas enquanto problemáticas e só vêm complementar as classificações tipológicas já feitas (BORDES, 1961; BOËDA, 1991; GENESTE, 1991a ; PELEGRIN, 1991; RAPOSO e CARDOSO, 1998). O paradigma tipológico criado permitiu com as análises quantitiativas e qualitativas um destanciamento do conceito de «fóssil guia», assim como o reconhecimento da variabilidade morfo-estilística considerada como variabilidade cultural entre as indústrias, em particular, entre as indústrias Musterienses. As listas tipos, amplamente difundidas, «transformaram-se num instrumento simples na sua modalidade teórica e rápido na sua aplicação prática» e, ainda que como ferramenta de estudo favorecessem

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o confronto dialéctico entre as diferentes indústrias e os próprios investigadores, acabaram por funcionar como instrumento de análise para efectuar a diferenciação de culturas pré-históricas (GRIMALDI, 2006, p. 532). No entanto, e apesar dos esforços desenvolvidos pelos estudiosos da tipologia, dentro de um paradigma histórico-cultural, para, a partir da distribuição no tempo e no espaço do que chamam de «fácies culturais», definir culturas, tal não é possível. Consideramos até que em cronologias recuadas, como o Pleistocénico Médio, as indústrias líticas não reflectem directamente variabilidade cultural, mas sobretudo variabilidade comportamental (PELEGRIN, 1985). A cultura é um fenómeno bastante mais amplo e complexo do qual fazem parte os artefactos, mas estes não a definem. Com efeito, o crescente interesse que se fez sentir a partir da década de sessenta, tanto na academia francesa, como na anglo-saxónica, sobre as questões mais antropológicas, originou um questionamento acerca da real possibilidade de as tipologias quantitativas e analíticas (essencialmente morfológicas) poderem fazer considerações de ordem cultural. O rigor cada vez mais analítico parecia isolar, de forma estática e descritiva (e.g., BORDES 1953, 1961, 1980), o estudo das indústrias líticas daquele que poderia ser o seu contexto comportamental dinâmico. As abordagens tipológicas classificavam as indústrias líticas construindo taxonomias culturais que, relevando de um paradigma histórico-cultural, resultavam em considerações descritivas dos artefactos enquanto elementos representativos e definidores de cultura. A reacção a estas abordagens fez-se sentir com o advento das análises tecnológicas (e.g., TIXIER, et al. 1980; BOËDA, 1988, 1994, 1995; BOËDA et al., 1990; PELEGRIN, 1990, 1995; SCHLANGER, 1990, 1991; PIGEOT, 1991; SELLET, 1993; DIBBLE e BAR-YOSEF, 1995; ANDREFSKY, 1998; BLEED, 2001; SHOTT, 2003; SORESSI e DIBBLE, 2003) que possibilitavam uma interpretação da dinâmica de produção dos objectos da qual não se poderia separar a sua variabilidade quantitativa em termos morfológicos. Este movimento crítico e a formação de uma nova abordagem pratica e teórica sobre a variabilidade tecnológica não se separa igualmente dos estudos sobre a antropologia das técnicas, em parte bastante motivados pelos trabalhos de A. LeroiGourhan (1990, 2002) e a sua equipa (CRESSWELL, 1983; LEMONIER, 1992). Os propulsores destas novas abordagens estavam (e estão) sobretudo preocupados com a compreensão do processo de manufactura dos artefactos. Mais, a sua pesquisa visa os 125

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conhecimentos conceptuais (tecnologia) e a sua manifestação prática (técnica) envolvidos no processo de transformação da matéria-prima em artefactos, sua utilização e abandono (BAR-YOSEF e VAN PEER, 2009). Com esta mudança o estudo das indústrias líticas permitiiu um melhor conhecimento das comunidades e da sua interacção com os seus territórios. Esta interpretação era possível analisando os processos de escolha e selecção da matéria-prima, os vários métodos de talhe, a identificação das cadeias operatórias, a organização espacial intra-sítio e numa escala regional da economia lítica. Assim, de acordo com esta abordagem seria possível, ao contrário da tipologia analítica baseada na morfologia, aceder ao real patamar das escolhas e variabilidades comportamentais, sendo que estas estariam igualmente ligadas à variabilidade cultural. É verdade que a arqueologia não resgata “a cultura”, mas não é menos verdade que o comportamento é “cultura” e que a tecnologia é a dimensão estruturante da cultura (ou seja, do nosso modo de ser adaptativo). Desta forma os sítios ou indústrias não eram analisados de forma isolada, mas antes considerados enquanto componentes de sistemas espaciais através dos quais as matérias-primas ou os artefactos circulam. A maior parte dos estudos tecnológicos sobre indústria lítica têm por base o conceito de cadeia operatória que tem um papel fulcral nas actividades de subsistência ou na transformação de outros artefactos noutras matérias-primas. No entanto as indústrias líticas podem e estão envolvidas noutros processos e esferas de um sistema sociocultural. Tal como qualquer outro objecto arqueológico um artefacto lítico é um vestígio material parcial de um sistema cultural que, de acordo com o método de estudo, pode responder às mais variadas questões que estão ligadas ao reconhecimento dos processos técnicos e práticas sociais que os gereram (BRIZ, 2004). Com efeito podem, consoante os contextos de proveniência, fornecer informações de ordem: •

Biológica (variadas capacidades intelectuais e motoras das diferentes espécies

humanas...); •

Natural

(natureza

dos

recursos,

qualidade,

quantidade,

localização

geográfica...); •

Funcional (necessidade de certos utensílios ou de determinados suportes,

especialização de sítios, diversidade, prioridade de escolhas...); •

Individual (habilidade, idade, estilo...)



Social (especialização, aprendizagem...); 126

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Simbólica (valor dos materiais, estética subjacente...);



Cultural (estabilidade das maneiras de fazer - tradições…) Consideramos que para aceder a este conjunto de informações é necessária uma

análise tecnológica das indústrias líticas. No entanto, também não é a adopção desta metodologia e seu campo teórico que vai garantir que tal seja possível na sua totalidade. Depende muito dos contextos em estudo, quer a nível de preservação, quer a nível cronológico. Por outro lado, se a cultura, sua variabilidade e evolução, não podia ser definida por meio de diferenciações de índole morfo-estilística dos artefactos (fácies culturais), também não o é necessariamente a partir da variabilidade tecnológica dos artefactos. Tal como não é garantido que, recorrendo à sobreposição e combinação de informações de vária natureza fornecidas por outro tipo de vestígios (ecofactos essencialmente), ou ainda a estudos de disciplinas colaborantes e integrantes da investigação arqueológica, se possa identificar uma cultura em momentos cronológicos como aquele que abordamos no presente trabalho (GRIMALDI, 2006). A cultura pode ser considerada um sistema complexo composto por diversos sub-sistemas cuja combinação e variabilidade no tempo e no espaço é extremamente complexa e depende de inúmeros factores de ordem ecológica e social. Estes factores são sujeitos a um número variável de mecanismos de controlo cuja função é orientar o comportamento dos indivíduos que dela fazem parte e também de toda a comunidade (Figura 32). Os artefactos líticos fazem parte de toda a complexidade de um sistema cultural pois que têm a sua função em diferentes sub-sistemas operacionais de todo o sistema cultural, por isso vão exibir diferenças e similitudes no âmbito do sistema de que fazem parte. O desafio é identificar essas diferenças e similitudes e reportá-las ao seu sistema cultural (BINFORD, 1980). Tal como é demonstrado pelos estudos antropológicos e etnográficos, os artefactos, entre os quais os artefactos líticos, representam alguns traços de numerosos aspectos, materiais e não materiais, da vida de um grupo humano que só na sua totalidade identificam um sistema cultural. A técnica também tem um papel fundamental, tal como assinala Lévi-Strauss (1976, p. 11): «…even the simplest techniques of any primitive society take on the character of a system that can be analyzed, in terms of a more general system. The techniques can be seen as a group of significant choices which each society-or each period within a

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society’s development-has been forced to make, whether they are compatible or incompatible with other choices.» Mais, os processos técnicos têm um significado comportamental relevante de escolhas que são condicionadas por factores de vária ordem, incluindo factores culturais. Com efeito, a manufactura de um artefacto resulta de várias séries de opções técnicas, económicas, sociais e eventualmente simbólicas. A combinação destas opções constituem estratégias, no entanto, só quelas que são recorrentes e relevantes do contexto socio-económico, técnico e conceptual podem ser analisadas enquanto tal (PERLÉS, 1992, p. 225). O estudo tecnológico deve procurar enteder esse conjunto de opções, entender a sua recorrência, para melhor compreeder o sginificado comportamental e adaptativo dos processos técnicos de produção, utilização e abandono dos artefactos e em última análise identificar estratégias de utilização de um território, de um sistem tecnoeconómico, de um sistema social e simbólico. Assim, admitimos que as indústrias líticas, mesmo no quadro teóricometodológico das análises tecnológicas dos artefactos, não nos permitem identificar culturas, pelo menos, não em períodos antigos como aquele que nos propomos abordar no âmbito do presente trabalho. No entanto o estudo técnico dos artefactos pode, como já foi referido, aceder a informações de vária ordem e sobretudo reflectir padrões e estratégias comportamentais de adaptação e relação com o seu meio ambiente. Como refere Eric Boëda: La technique, ou plutôt la technicité, serait un des facteurs de création, d'adaptation et de maintien de l'équilibre entre l'homme et son milieu (BOËDA, 2005). A tecnologia aplicada na exploração das matérias-primas líticas é certamente condicionada por factores que relevam das relações entre os comportamentos adaptativos e as paisagens físicas (ambiente, clima, recursos bióticos e abióticos…) e a estrutura das relações e transmissões culturais das comunidades. Consideramos que o carácter fragmentário dos vestígios que nos propomos a estudar e a sua cronologia (é importante referir que mesmo não sabendo que espécie os produziu, sabemos que é diversa da nossa) pouco nos podem dizer sobre cultura. Como referem KARLIN et al., ao contrário dos etnólogos que podem testemunhar directamente as actividades técnicas, os arqueológos estão limitados a estudar os restos parciais e inanimados do facto técnico puro e sem qualquer presença ou testemunho humano (KARLIN et al., 1991). 128

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Os artefactos de épocas anteriores ao Paleolítco Superior não nos permitem identificar culturas directamente, mas podem fornecer informações sobre os comportamentos técnicos, integram e fazem parte da dinâmica cultural. Os comportamentos técnicos são opções culturais, na medida que uma comunidade pode escolher as suas estratégias diferenciadamente em ambientes semelhantes em relação a outras comunidades contemporâneas e habitando territórios idênticos (PIGEOT, 1991). Nas duas últimas décadas os estudos sobre indústrias líticas permitiram evidenciar que o acto técnico implica operações mentais, cuja elaboração e respectiva complexidade e flexibilidade são tão informativas da capacidade técnica do artesão, como da cultura do grupo humano a que este pertence (YVORRA, 2000). No entanto, se é certo que consideramos a abordagem tecnológica a mais adequada, é importante referir que a sua adopção se tenta fazer de uma forma que permita evitar uniformizações. Por outras palavras, tentaremos em face do contexto em estudo identificar e interpretar a diversidade e originalidade adaptativa dos artefactos. Não raras vezes a adopção de uma metodologia pode conduzir a observações idênticas sobre conjuntos provenientes de diferentes sítios, mas com alguns pontos em comum, como sejam a cronologia, o tipo de sítio ou a matéria-prima utilizada. A tecnologia, enquanto método de estudo que genericamente veio substituir e ou complementar as análises tipológicas, também tem resultado em algumas cristalizações metodológicas. Consequentemente,

tem

uniformizado

os

resultados

descurando

a

natureza

comportamental que, por vezes, se observa em especificidades mínimas de indústrias líticas de determinados sítios arqueológicos (GRIMALDI, 1998). It must aim at the comprehension of a technical system, and thus observe, describe, and analyze technical processes and not attribute more or less simplistic symbolic significations to merely a few objects. Most of all, it must avoid considering as “demonstrated general laws” what are at best powerful hypotheses. (LEMONNIER, 1986, p. 180) Tentaremos com o nosso trabalho, independentemente da metodologia adoptada (no nosso caso é a análise morfotécnica), identificar as cadeias operatórias de produção lítica, os seus objectivos técnicos e eventuais especificidades subjacentes que tenham um significado comportamental e adaptativo local. Temos consciência, porém, que os

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nossos objectivos se encontram limitados pelo contexto arqueológico, uma vez que se trata de uma indústria lítica proveniente de depósitos fluviais de diferente natureza.

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5.

METODOLOGIA Se a tua única ferramenta é um martelo, todos os teus problemas

parecem pregos. Anónimo

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Os artefactos líticos são, como já referimos, o vestígio mais duradouro e mais abundante no registo arqueológico, sobretudo em épocas mais recuadas. Embora existam outro tipo de vestígios, nomeadamente os orgânicos, que aportam, em complementaridade, mais conhecimento e possibilidades de interpretação das dinâmicas comportamentais das comunidades pré-históricas, estes nem sempre se conservam. Assim, tradicionalmente, é com base no estudo das indústrias líticas que se têm construído os principais modelos de interpretação comportamental e cultural das ocupações do Paleolítco. No presente trabalho procurámos ter em conta outro tipo de informação, sobretudo de natureza geo-arqueológica, mas a natureza do sítio não nos permite obter muita informação para além daquela fornecida pela indústria lítica. Este é, pois, um trabalho sobre tecnologia lítica e, portanto, importa agora mencionar as nossas opções metodológicas dentro do quadro das possíveis metodologias de estudo de indústrias líticas. As indústrias líticas sempre receberam muita atenção por parte dos investigadores e desde cedo se foram desenvolvendo várias metodologias de estudo que se consolidaram no que podemos chamar «escolas metodológicas» (DJIDJIAN, 2009): • Escola tipológica baseada na tipologia sobre a utensilagem (F. Bordes, D. de Soneville-Bordes e J. Perrot; J. Tixier, entre outros); • Escola analítica baseada na tipologia sobre a morfologia, a tecnologia e a funcionalidade (G. Laplace, H. de Lumley, E. Carbonnel, entre outros); • Escola semiológica baseada na constituição de um vocabulário sem objectivos tipológicos; • Escola taxonómica baseada na análise de atributos (Nova Arqueologia) constituindo tiplogias sobre a morfologia (A. C. Spaulding, H.L. Movius, entre outros). Nesta escola enquadra-se também outra corrente baseada na análise de dados com uma tipologia sobre a morfologia e a tecnologia (F. Djindjian, entre outros); • Escola francesa da cadeia operatória com base numa tipologia sobre a tecnologia de debitagem (J. Tixier, E. Boëda, J. Pellegrin, J-M Geneste, entre outros). Entre as várias «escolas» de estudo das indústrias líticas o nosso trabalho enquadra-se, do ponto de vista teórico, no que se pode chamar «escola francesa» da cadeia operatória ainda que, como veremos adiante, a nossa forma de utilizar este conceito não corresponda exactamente à forma como ele é utilizado «tradicionalmente».

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O conceito de cadeia operatória resulta do trabalho de A. Leroi-Gourhan (AUDOUZE 1999, 2002; LEROI-GOURHAN, 1984, 1990, 2002) que não o tendo formalizado certamente abriu caminho para a sua utilização nos campos da Etnologia e Arqueologia através das suas publicações, do ensino na Sorbonne e no âmbito da equipa de «Etnologia Pré-Histórica» por ele liderada. Para a introdução deste conceito também contribuíram os trabalhos de R. Cresswell (1983) entre outros (e.g., LEMONNIER 1992, 2002). Este conceito foi adoptado pelos pré-historiadores franceses com vista a análise de indústrias líticas (e.g., GENESTE, 1985; BOËDA 1988, 1995; BOËDA, et al. 1990; PELEGRIN, 1990; PIGEOT 1990, 1991; BALFET, 1991; SCHLANGER, 1996; INIZAN et al. 1999). No entanto, métodos analíticos semelhantes, embora denominados de forma distinta, foram adoptados ao mesmo tempo por outros investigadores europeus, no Próximo Oriente e nos Estados Unidos (BAR-YOSEF e VAN PEER, 2009). O princípio básico do método das cadeias operatórias foi definido por Tixier, Inizan, e Roche em 1980 na obra inaugural «Pré-História da Pedra Talhada»: «Tecnologia não é tipologia. Têm em consideração todos os materiais líticos sem isolar preferencialmente o que escolhemos, de forma arbitrária, denominar «utensílios». Coloca cada elemento na sequência de acções técnicas, começando (após a sua concepção e contemplação prévia) com a matéria-prima e terminando no abandono, ou seja, na «morte» do conjunto lítico. Mesmo quando fragmentada em milhares de micrólitos e «debris», uma indústria lítica forma sempre um todo coerente unido por um esquema metódico.» (Tradução da nossa responsabilidade) !

A abordagem da cadeia operatória tem por base a organização numa linha de tempo dos diferentes passos visando a produção de um artefacto, sua utilização e abandono. Cada artefacto pode ser posicionado no processo de produção devido aos estigmas deixados pelas operações prévias que este preserva. Mais, esta abordagem permite a compreensão da organização geográfica de um processo técnico, uma vez que a identificação de cada etapa do processo pode ser identificada pela presença ou ausência dos sub-produtos num determinado sítio (GENESTE, 1985, 1988, 1991ab). Consequentemente, pode ser observado um tratamento diferenciado das matérias-primas

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e dos suportes, o que nos pode auxiliar à compreensão da economia das matérias-primas e suportes no território explorado (PERLÉS, 1992). O quadro conceptual da cadeia operatória tem por base o reconhecimento da tecnologia e habilidade prática do artesão no emprego de determinada técnica responsável pela transformação da matéria-prima em utensílios. Todavia, pode ir além da mera transformação de materiais líticos por acções técnicas e Lemonnier (1992, p. 26) define o conceito como «séries de operações envolvidas na transformação, por seres humanos, da matéria, incluindo o nosso próprio corpo». A força do conceito também reside no facto de se reportar, por um lado, à materialidade dos gestos e seus produtos resultantes (operações técnicas), e por outro à imaterialidade do pensamento do artesão que escolhe e reflecte sobre os processos a prosseguir (operações mentais). O conceito permite, por isso, entender o espaço e o tempo da produção dos artefactos. Uma das vantagens da utilização do conceito de cadeia operatória no estudo de indústrias líticas é a possibilidade de efectuar uma definição temporal e geográfica de cada artefacto, visto que estes são localizados no tempo e no espaço da actividade de talhe, utilização e abandono. Considerando cada artefacto no seu contexto processual é possível, devido a vários atributos que são significativos para a compreensão do processo de produção e, recorrendo também à experimentação, entender o «puzzle» volumétrico em que consiste um processo de redução de um bloco de matéria-prima. A leitura dos artefactos é, no âmbito deste conceito, dinâmica, e pode ser feita em duas escalas: • A escala do objecto em si: por exemplo, a cronologia dos levantamentos num núcleo permite-nos determinar se há hierarquia entre duas superfícies de debitagem (por exemplo, se existe uma superfície que foi utilizada após a outra, a primeira superfície é plataforma de percussão, a segunda é a superfícíe de trabalho da qual foram extraídos os levantamentos); • A escala da relação cronológica entre objectos da mesma indústria. Esta análise permite a compreensão da fase de abandono dos artefactos (por exemplo, abandono na fase inicial, avançada ou de exaustão de um núcleo). O conceito de cadeia operatória serve, portanto, de utensílio de organização cronológica do processo de transformação de uma matéria-prima retirada do seu ambiente natural e introduzida num circuito tecnológico de actividades de produção e utilização. A matéria-prima é assim objecto de transformação de ordem social desde o momento que é retirada do seu meio natural, transformada e utilizada até ao seu abandono (GENESTE, 1989, p. 77) (Figura 33).

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O conceito tem sido utilizado para descrever padrões de produção e outros comportamentos, mas especialmente tem sido apresentado recentemente numa associação entre comportamentos cognitivos e operações tecnológicas. Por exemplo, Boëda refere que a «Cadeia operatória é a totalidade de fases técnicas desde a aquisição da matéria-prima até ao seu abandono incluindo vários processos de transformação e utilização (…) cada fase reflecte conhecimentos técnicos específicos». De forma similar KARLIN e JULIEN (1994, p. 153) referem que «a reconstrução de uma certa cadeia operatória permite ordenar a informação numa forma coerente e, por várias análises, redescobrir o processo envolvido nas técnicas de produção e, para além disso, os padrões conceptuais que daí resultam». Outros investigadores consideram que a abordagem da cadeia operatória é mais do que isso e, tal como foi originalmente introduzida por Leroi-Gourhan, foca a reconstrução do processo de produção não só com base na alteração dos materiais, mas também foca os gestos – movimentos da mão e do corpo – utilizados na alteração dos materiais (MILLER, 2007, p. 30). Independentemente das suas raízes há vários factores que contribuíram para a ampla difusão da abordagem da cadeia operatória. Porque fornece uma alternativa à tipologia descritiva e permite estabelecer relações entre artefactos de aparência diversa. Também porque foi sujeito a extensas discussões práticas e teóricas que lhe deram consistência e aumentaram a sua aplicabilidade. Finalmente, uma das suas características mais distintiva é a ênfase nos aspectos cognitivos: permitiu reconhecer que as actividades padronizadas podem ser reconstruídas para relacionar os materiais pré-históricos a sequências tecnológicas que tiveram por base estruturas cognitivas (MILLER, 2007). Este facto concretizou as discussões sobre os pensamentos e processos passados e fez com que a cadeia operatória fosse popular entre os investigadores interessados nos aspectos cognitivos da tecnologia (BLEED, 2001). Os arqueólogos interessados no comportamento intelectual passado utilizam os modelos sequenciais pois estes permitem o isolamento de padrões específicos de performance. Estes por sua vez são interpretados como entidades cognitivas. Por estas razões não é surpreendente que a metodologia da cadeia operatória, com as suas raízes na antropologia francesa, tenha um especial interesse nas bases cognitivas das actividades tecnológicas passadas (SELLET, 1993). Em todo o caso, a utilização do conceito tem encorajado observações detalhadas dos artefactos e indústrias que, em muitos casos têm complementado análises 135

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tipológicas. Mais, o conceito tem apresentado formas de descrever os processos técnicos e dessa forma tem suportado claras análises dos materiais arqueológicos (LEMONIER, 1992). Por último, a abordagem das cadeias operatórias tem encorajado os arqueólogos a explorar a variabilidade tecnológica, não só no que diz respeito a conjuntos préhistóricos, mas também em diversos contextos etnográficos, inclusivé modernos. Este facto encorajou em geral o estudo sistemático da tecnologia (LEMONIER, 1992). No entanto, dependendo da forma como este conceito é utilizado, este pode apresentar limites interpretativos. Por exemplo, as cadeias operatórias não se referem aos processos naturais pós-deposicionais que alteram os artefactos até à forma como estes se apresentam no actual registo arqueológico. Esta restrição distingue esta abordagem dos conceitos de cadeias comportamentais propostos por Schiffer (1995) que tem por base conceitos e objectivos teóricos distintos. Por outro lado, verificamos muitas vezes que os estudos de indústrias líticas que recorrem ao conceito e método das cadeias operatórias se limitam à sua identificação e descrição no âmbito de estruturas volumétricas a priori definidas (por exemplo, Levallois ou Discóide). No presente trabalho procuramos utilizar o conceito de cadeia operatória numa linha interpretativa proposta por Stefano Grimaldi. Para este investigador uma indústria deve ser analisada como um conjunto de escolhas técnicas e de objectivos económicos que satisfazem as necessidades de um grupo humano préhistórico e, nesta perspectiva, uma cadeia operatória deve ser considerada como uma ferramenta e resposta adaptativa de um grupo humano a constrangimentos locais. Neste sentido, a cadeia operatória inscreve a tecnologia numa sequência logística de articulação entre necessidades e recursos, que é a base da gestão territorial pelas comunidades humanas. Em consequência, todas as cadeias operatórias serão só uma hipótese de trabalho enquanto as suas características técnicas não forem justificadas em termos comportamentais e isso só será possível graças à identificação dos respectivos objectivos técnicos (GRIMALDI, 1998). De acordo com Grimaldi os estudos das cadeias operatórias, seja no âmbito da «escola» francesa, seja no âmbito da «escola» norte americana da sequência de redução, têm como objectivo primordial a sua reconstrução mas, frequentemente, falham na explicação da adopção de uma determinada cadeia operatória ou sequência de redução. Segundo Grimaldi estas reconstruções, mesmo sendo hipóteses de trabalho coerentes, não passam disso mesmo se as suas características técnicas não forem justificadas em termos de necessidades comportamentais ou opções culturais. Assim sendo, um «estudo tecnológico deve 136

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considerar uma indústria lítica como um traço residual do comportamento humano arcaico, mas esta deverá ser analisada como uma combinação de escolhas técnicas e objectivos económicos com vista à satisfação das necessidades de um grupo humano num determinado sítio» (Idem, ibidem, p. 748). Mais, um estudo com esta abordagem não deve perder de vista o factor contextual, ou seja, que num determinado ambiente, forçosamente constrangedor, o homem pré-histórico, com a sua liberdade de escolha condicionada pelos constrangimentos da tradição, soube, dentro dos limites de talhe impostos pela matéria-prima e das suas limitações corporais, encontrar soluções que lhe viabilizaram a execução de tarefas necessárias à sua sobrevivência (PIGEOT, 1991). Desta forma o estudo tecnológico não deve incorrer no risco de se aprisionar numa linguagem que se assemelha à tipologia quando se limita à identificação de cadeias operatórias e métodos, descurando possíveis especificidades de uma indústria de um determinado sítio. Detalhes que podem reflectir adaptações comportamentais específicas e que nos dão uma melhor noção da variabilidade comportamental em termos de adaptação ao meio ecológico. É nesta perspectiva que nos colocamos ao efectuar o estudo das cadeias operatórias da indústria lítica da Ribeira da Ponte da Pedra. Para tal recorremos à análise tecnológica de atributos que enquanto utensílios de investigação pretendem fazer reviver o como e o porque dos gestos técnicos e seus objectivos (BOËDA, 1994, p. 16). Para alcançar este objectivo existem, entre outros, uma série de procedimentos metodológicos complementares: identificação da origem das matérias-primas visando a identificação de eventuai estratégias de aquisição; identificação diferenciada das matérias-primas com o objectivo de verificar eventuais estratégias de economia das mesmas; a leitura tecnológica que, identificado o lugar e o papel de cada objecto no processo de produção, visa o reconhecimento das cadeias operatórias e dos métodos de talhe empregues; o talhe experimental que permite uma melhor compreensão dos constrangimentos da matéria-prima, observar os estigmas de talhe e assim auxiliar na leitura tecnológica; procura e identificação de remontagens que permitem uma melhor compreensão das cadeias operatórias e dos esquemas conceptuais empregues, bem como a análise da repartição dos materiais no sítio arqueológico; e a análise funcional dos suportes que possibilita a identificação dos materiais trabalhados e da gestualidade empregue. A análise tecnológica é aquela que permite colocar em evidência a elaboração teórica que cria a coerência de um sistema técnico. 137

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A sua determinação não pode ser feita com a tipologia na medida em que esta toma em consideração o objecto num determinado momento da sequência operatória tirando a relação com os elementos precedentes e os sucessivos (BOËDA, 1993). Na verdade, um mesmo resultado pode ser obtido desde utensílios diferentes, e um mesmo utensílio pode ser obtido desde suportes distintos, feitos partindo de métodos diferentes e desde concepções de talhe distintas. Assim, é impossível a partir de um só objecto descobrir o conjunto de conhecimentos necessários à sua produção. Para os identificar são necessários métodos de análise que permitam reconhecer os mecanismos tecnocognitivos implicados na utilização dos sistemas técnicos de produção, isto é, que permitam determinar a génese de um objecto. Uma vez que a análise tecnológica encontra a origem das operações, só esta é capaz de identificar a sua origem que resulta na génese do objecto técnico (BOËDA, 2000, p. 8). A análise tecnológica permite procurar as causas para as compreender e para obter, produzir e reproduzir os efeitos desejados na necessidade de realização de um objectivo. Ao mesmo tempo, permite identificar as relações que os objectos têm com outros conhecimentos contemporâneos, criando uma rede de relações causais que podemos chamar de sistemas técnicos (GENESTE, 1991a; PIGEOT, 1991). Assim sendo, a tecnologia permite-nos formalizar instrumentos conceptuais capazes de compreender as cadeias operatórias na sua mais vasta extensão e em particular abordar as noções de evolução e de modificação das técnicas pela passagem de um sistema técnico a outro (BOËDA, 2000, p. 13) No âmbito do presente trabalho optámos por seguir os pressupostos teóricos e metodológicos do estudo das cadeias operatórias e respectiva análise tecnológica. A escolha de um método, porém, não significa que estejam ao nosso dispor ou sejam aplicáveis todas as suas ferramentas de análise. A escolha é de paradigma e conceitos, há que depois seleccionar, neste quadro metodológico, os parâmetros e atributos de análise mais adequados à realidade em estudo. Nesse aspecto o nosso percurso não foi linear, muito pelo contrário. A escolha da metodologia e dos parâmetros de análise passou por momentos de contradição, indefinição e muita hesitação perante as problemáticas a analisar. Foram definidos atributos cujo teste se revelou inútil e que por isso mesmo nos indicaram o caminho para outros mais adequados o que implicou revisões de vária ordem. No caso da indústria lítica da Ribeira da Ponte da Pedra, o que poderia parecer simples numa primeira análise provou ser um processo de análise complexo, por um lado devido a características específicas da indústria, por outro pelo seu contexto estratigráfico. 138

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A escolha dos atributos de estudo para além dos objectivos de investigação teve em consideração a natureza do sítio arqueológico. Trata-se de uma indústria proveniente de depósitos fluviais e portanto em posição secundária. Mesmo que esteja em bom estado de conservação e considerando que os estudos prévios (GRIMALDI e ROSINA, 2001; CURA e GRIMALDI, 2009) demonstram um elevado grau de homogeneidade, o sítio apresenta limites para uma detalhada análise tecnológica. Em todo o caso os objectivos e a metodologia terão resultados na medida em que «siempre que se parta de un análisis detenido del grado de representatividad de la muestra y de su pertinência para obtener una información determinada» (SANTONJA, 1992, p. 41). Apesar de grande parte do nosso trabalho ser a identificação das cadeias operatórias presentes no sítio arqueológico da Ponte da Pedra, não é esse o nosso objectivo final. Neste âmbito subscrevemos GRIMALDI (1998) quando considera as cadeias operatórias enquanto ferramentas adaptativas, entre outras possíveis, escolhidas para atingir determinado objectivo técnico. Esse sim importa identificar e interpretar porque será, em contextos arqueológicos deste tipo, aquele que mais nos aproximará da variabilidade ou não do comportamento humano. É relevante o facto de as indústrias líticas terem implícitos os conhecimentos dos artesãos expressos nos procedimentos de fabricação que resultam na manufactura de utensílios cuja utilização responde às necessidades do grupo, sendo estas determinadas pelo ambiente, contexto e hábitos culturais (PERLÉS, 1992; YVORRA, 2000). Todavia, para chegar a uma compreensão relativa deste todo é necessário tratar cada um destes fenómenos, não perdendo de vista que fazem parte de um todo de enorme complexidade (Figura 32). A um nível tecnológico o nosso estudo tem os seguintes objectivos: 1. Reconstruir a cadeia operatória e sua relação com as características da MatériaPrima e os objectivos tecno-funcionais; 2. Introduzir avanços na problemática distinção núcleo/instrumento entre seixos talhados e a sua relação com as características da matéria-prima e objectivos tecnofuncionais; 3. Hipóteses de explicação para a presença de suportes com modificações das margens e sua relação com objectivos tecno-funcionais e natureza do depósito; 4. Comparação e análise entre as características tecnológicas dos artefactos provenientes das diferentes unidades litológicas existentes no sítio arqueológico. Como já referimos, os nossos objectivos são limitados pelas condições da formação do sítio arqueológico, ou seja, a ausência de elementos orgânicos e a natureza 139

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fluvial dos depósitos determinam que o objectivo deste trabalho seja o estudo morfotécnico, complementado pela experimentação e análises funcionais, de forma a tentar interpretar os dados desde uma perspectiva tecnológica e comportamental. Partindo dos dados tecno-económicos fornecidos pelos diversos parâmetros de análise, articulados num esquema que relaciona os estádios de produção, utilização e abandono com distintas fases de análise, tentar-se-á a sua interpretação no quadro da ocupação humana do Alto Ribatejo e do Vale do Tejo no Plestocénico Médio Final (Figura 34). 5.1.

Introdução à metodologia Os parâmetros de estudo morfotécnico seleccionados para analisar a indústria

lítica do sítio da Ribeira da Ponte da Pedra resultam de uma adaptação de um método de estudo inicialmente definido por Stefano Grimaldi para análise de indústrias em quartzito provenientes de vários sítios de superfície no Alto Ribatejo (GRIMALDI, et al. 1998), posteriormente adaptada para o estudo da indústria do sítio da Fonte da Moita (GRIMALDI et al., 1999) e da própria Ribeira da Ponte da Pedra (GRIMALDI e ROSINA, 2001; CURA e GRIMALDI, 2009). Os estudos precedentes formulavam uma metodologia que não só se adaptava às características das indústrias, nomeadamente a natureza da matéria-prima e elevada presença de seixos talhados, mas ainda à própria proveniência dos artefactos encontrados no interior de terraços fluviais. Assim, após uma década e com o duplo objectivo de caracterizar tecnologicamente esta indústria, quer em termos de identificação de cadeias operatórias e respectivos objectivos técnicos, quer numa tentativa de destrinçar padrões de adaptação à matéria-prima local e ainda características que pudessem ser de origem pós-deposicional e não de origem antrópica, foram reformulados e acrescentados novos parâmetros. Para tornar exequível o nosso trabalho uma das nossas preocupações reside na uniformização da terminologia de análise. Optamos por enunciar todos os parâmetros em lugar de os remeter para uma simples listagem em anexo no final deste trabalho. Acreditamos que a explicação do que entendemos pelas categorias e suportes considerados, bem como a natureza da informação específica que observamos em alguns dos parâmetros de análise, permitirá entender o grau de detalhe do estudo por nós elaborado. Procuramos justificar, quando oportuno, as opções de análise em termos de aplicabilidade a um conjunto em quartzito proveniente de um depósito fluvial e, no interior deste, de diferentes litofácies com processos de formação que terão afectado diferenciadamente os artefactos líticos. Por outro lado e embora tenhamos consciência 140

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das limitações da informação que poderemos obter a nível funcional a nossa metodologia também foi estruturada para adquirir informação que permita estabelecer hipóteses interpretativas a esse nível. A maior parte dos atributos são qualitativos, já que os quantitativos que poderiam suportar análises estatísticas mais complexas não são sempre aplicáveis a um conjunto destas características e a informação que daí pudesse resultar não teria grande vantagem interpretativa. Por exemplo no que respeita à análise do retoque foi registada a sua espessura, mas por inaplicabilidade, devido às características específicas dos suportes modificados, não foram registados mais dados métricos que poderiam suportar o cálculo do índice da redução de raspadores desenvolvido por Steven Khun (KHUN, 1995, p. 125). A nossa opção foi sempre a de recolher dados que fossem úteis para a caracterização tecnológica do conjunto e evitar acumular informações de carácter excessivamente descritivo. Tentámos igualmente que a metodologia fosse, de acordo com os objectivos do trabalho, o mais clara possível, quer no processo de estudo directo dos artefactos, quer posteriormente no processo de análise. Todos os artefactos foram classificados enquanto suporte (sua designação tipológica) e enquanto categoria tecnológica (estrutura tecnológica), consideramos que só o cruzamento destes dois atributos permite um entendimento tecnológico dos artefactos a nível individual e dentro de toda a indústria (Tabela 34). Também comum a cada um dos artefactos foi a caracterização da matéria-prima e a aferição do seu estado físico. Muitas das nossas opções decorrem do equilíbrio entre a limitação que exerce o contexto de proveniência dos artefactos e a interpretação tecnológica do conjunto. Tentámos, por isso, uma interpretação a dois níveis: adaptação à matéria-prima (forma, disponibilidade e textura) e hipotéticos objectivos técnicos e funcionais revelados pela caracterização das cadeias operatórias identificadas pela nossa análise. Com efeito, para além do estudo de cada um dos artefactos de acordo com os parâmetros que adiante descrevemos, foi em simultâneo feito um estudo da variabilidade da matéria-prima, e uma série de experimentações de talhe. O talhe experimental ou a utilização de suportes líticos são sobretudo uma ferramenta heurística suplementar que, utilizada como um utensílio cognitivo e não como um modelo invariável, permite aceder a um método de leitura do material arqueológico diferente. A repetição não se fez só por uma exigência metodológica e de acumulação de dados de forma asséptica, mas também porque foi provocada pelo confronto com os materiais arqueológicos que suscitaram outras 141

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actividades experimentais (BOËDA, 1994, p. 16). Os suportes resultantes foram utilizados, de acordo com um protocolo estabelecido por nós, em diferentes actividades. Esta componente do nosso estudo serviu de referência à análise funcional de uma parte da indústria (CRISTIANI et al., 2010). As nossas opções metodológicas decorrem também da consciência da interacção entre o artefacto ou utensílio e a sua função. Tanto os macro-traços morfotécnicos (nervuras de levantamentos prévios, pontos de impacto, etc.) como funcionais (macrotraços, micro-polimentos, estrias, etc.) são estigmas de um trabalho articulado (também pela tecnologia) numa interacção dialéctica, cujo elemento fulcral é a força de trabalho que materializa tanto um, como outro elemento da relação (BRIZ, 2004, p. 262). 5.1.1 Caracterização das matérias-primas Nos últimos anos a matéria-prima tem sido argumento para explicar a variabilidade das indústrias líticas (GENESTE, 1991b; KUHN, 1992, 1995; ANDREFSKI, 1994; INIZAN et al., 1995; FÉBLOT-AUGUSTINS, 1997; ROTH e DIBBLE, 1998; TERRADAS, 2001; BECK et al., 2002; BYRNE, 2004), sendo reconhecida a sua importância para o estudo dos comportamentos tecnológicos, estratégias de gestão dos recursos, para a avaliação da dimensão dos territórios de subsistência dos grupos humanos e sua capacidade de transporte dos recursos líticos e, em alguns casos, para identificar trocas entre grupos humanos através da análise da proveniência e circulação das matérias-primas. Por outro lado, o estudo das matériasprimas tem uma importância crucial: estas apresentam condicionantes ou vantagens na sua exploração, consoante a sua qualidade e disponibilidade, que vão ter um reflexo nas técnicas e métodos e consequentemente na variabilidade dentro da indústria de um mesmo sítio ou entre as indústrias de sítios diferentes. Foram inclusivé criados esquemas que associam a qualidade e disponibilidade da matéria-prima às características tecnológicas das indústrias considerando que em matérias-primas de qualidade são aplicadas tecnologias mais complexas, enquanto que em matérias-primas de baixa qualidade estas tendem a ser mais simples (ANDREFSKY, 1994). No entanto, são cada vez mais os casos em que se verifica a aplicação de métodos e tecnologias complexas recorrendo a matérias-primas consideradas de baixa qualidade (BRANTINGHAM e OLSEN, 2000). O problema reside sobretudo nos parâmetros de avaliação de qualidade, pois estes são estabelecidos no âmbito dos nossos trabalhos e portanto são altamente subjectivos, não refelectindo os parâmetros de 142

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qualidade dos artesãos pré-históricos. Se por um lado, alguns autores consideram que as características tecnológicas e tipológicas dos conjuntos do Pleistocénico Médio estão estritamente ligadas à disponibilidade das matérias-primas e respectivas características, outros sublinham o papel das tradições técnicas e culturais independentemente da matéria-prima (BYRNE, 2004). Tradicionalmente, o quartzito, dominante na Ribeira da Atalaia, é considerado uma matéria-prima de menor qualidade, no entanto muitos sítios demonstram a aplicação dos mais variados métodos e técnicas de talhe na sua exploração. Por isso a ausência ou presença de tecnologias mais complexas tem de ser estudada avaliando outros factores para além de uma avaliação genérica de qualidade sobretudo feita em comparação com outras rochas (principalmente o sílex). De facto, um dos principais problemas no estudo da selecção das matérias-primas é a observação e quantificação de características relevantes de um ponto de vista tecnológico. Se, por um lado, temos o problema da avaliação subjectiva dos arqueólogos, por outro, temos o problema de as avaliações estritamente geológicas e petrográficas não captarem muitas das variáveis que poderiam ter sido relevantes para os artesãos pré-históricos. A morfometria e a dimensão constituem factores condicionantes na economia da sua gestão, influenciando as suas estratégias de aquisição, quer os métodos de talhe aplicados, quer as técnicas para os executar. Seja na preparação dos núcleos para debitagem, seja formatação de utensílios como choppers, chopping-tools ou bifaces, a forma original do seixo tem um papel importante. As questões a colocar são: quais seriam as morfologias e dimensões dos blocos de matérias-primas disponíveis para as comunidades humanas e quais seriam os métodos e técnicas seleccionados para a sua exploração. Estas não são questões fáceis de responder num contexto como o da Ribeira da Atalaia, mas tentaremos encontrar alguns padrões. No primeiro caso, através da análise de clastos recolhidos no sítio da Ribeira da Ponte da Pedra e sua comparação com a indústria lítica; no segundo caso, através da análise morfotécnica da indústria lítica. No que diz respeito ao quartzito e a sua influência na tecnologia aplicada esta é uma questão cada vez mais discutida, particularmente no que diz respeito ao Paleolítico Inferior (VILLA, 1991) e especificamente no âmbito peninsular (SANTONJA E VILLA, 1990; MEIRELES e CUNHA-RIBEIRO, 1991-1992; MOLONEY et al., 1996; GRIMALDI e CURA, 2009).

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Tendo em consideração o facto de a indústria da Ribeira da Ponte da Pedra ser maioritariamente em matérias-primas locais – quartzito e muito residualmente, quartzo – entendemos ser pertinente fazer um estudo da variabilidade da matéria-prima disponível nas imediações do sítio. Assim, foi analisada uma amostra de 250 clastos recolhidos no interior do terraço Q3/T4 (Figura 35) com o intuito de melhor compreender se a indústria lítica da Ribeira da Ponte da Pedra reflectia padrões de selecção de matéria-prima a nível de textura e morfometria ou se simplesmente reflecte uma utilização indeferenciada da matéria-prima disponível (KHUN, 1994, p. 83). Apesar de não ser possível a identificação do local exacto que estaria exposta a matéri-prima durante a ocupação, admitimos que os depósitos deste terraço possam reflectir a disponibilidade e características pene-contemporâneas da matéria-prima aquando da frequentação antrópica das margens do rio Tejo (actual vale da Ribeira da Ponte da Pedra), embora esta consideração tenha os seus limites sobretudo no que diz respeito à reduzida dimensão da área onde foram recolhidos os clastos da amostra. Esta análise pretendia também encontrar pontos de comparação ao nível das tecnologias e cadeias operatórias identificadas na indústria Ribeira da Ponte da Pedra e sua relação com a matéria-prima local em termos adaptativos. Essa análise foi feita com parâmetros que permitissem registar a variabilidade das dimensões, angulosidades e textura dos clastos, factores que nos parecem estar entre os mais determinantes ao nível das opções e condicionantes do talhe. Estas observações são reforçadas por uma série de experimentações de talhe que fomos desenvolvendo ao longo do processo de estudo da indústria lítica. O confronto do estudo macroscópico dos clastos com os materiais arqueológicos pode permitir identificar processos de reconhecimento, selecção, aprovisionamento e exploração da matéria-prima disponível para os talhadores da Ribeira da Ponte da Pedra. É de salientar, porém, que esta análise é macroscópica não tendo sido efectuado um estudo da variabilidade dos quartzitos a partir de lâminas delgadas, o que permitiria uma caracterização ainda mais detalhada da variabilidade destes (ANGELUCCI, 2010), no futuro esta será uma caracterização que consideramos importante para um estudo rigoroso das matérias-primas utilizadas pelas comunidades humanas, seja no sítio da Ribeira da Ponte da Pedra, seja em todas as ocupações dos Pleistocénico Médio Final no vale do Tejo Os parâmetros analisados foram os seguintes: • Identificação da natureza da matéria-prima e respectiva coloração externa (quando possível); 144

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• Observação de alterações visíveis externamente (lexiviação, planos de clivagens, inclusões de quartzo no caso de clastos de quartzito); • Registo de atributos morfométricos (Figuras 36 e 37); fractura de cada um dos clastos para registar alterações internas e a textura (no caso do quartzito); • Foram também registados os acidentes de talhe durante o teste da matéria-prima. Para todos os clastos foi registada a largura, comprimento e espessura máxima. Foram medidos com um goniómetro 4 ângulos em cada clasto. De uma amostra total de 250 clastos, foi registado o raio de curvatura da aresta mais aguda em 200 para calcular o índice de desgaste e achatamento para determinar a sua origem (vertente, praia, fluvio-glaciária e fluvial) (Figura 38). A morfometria foi observada de acordo com os parâmetros de classificação do grau de arredondamento (Figura 36): •

Alta esfericidade anguloso;



Alta esfericidade sub-anguloso;



Alta esfericidade sub-arredondado;



Alta esfericidade arredondado;



Baixa esfericidade anguloso;



Baixa esfericidade sub-anguloso;



Baixa esfericidade sub-arredondado;



Baixa esfericidade arredondado.

E em secção de acordo com uma série de formas seleccionadas por nós (Figura 37): •

Oblongo;



Cilíndrico;



Globular;



Tabular;



Plano-convexo;



Quadrangular;



Losângulo;



Indeterminável (Tabela 33).

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Tecnologia Lítica e comportamento humano no Pleistocénico Médio final do Alto Ribatejo: estudo da indústria lítica da Ribeira da Ponte da Pedra Parâmetros de análise dos clastos ID amostra: Ribeira da Atalaia - Terraço do Tejo Q3/T4 ID Seixo: Contexto Geo-arqueológico: Clastos provenientes do terraço Q3/T4 no sítio da Ribeira da Ponte da Pedra Rocha/Mineral: Quartizo; Quartzo; Quartzo-arenito; Sílex; Anfibolito; Outro Coloração do Seixo: Amarelado; Avermelhado; Esbranquiçado; Castanho; Acinzentado; Múltiplas Dimensões Comprimento máximo; Largura máxima; Espessura máxima Peso Ãngulos principais 1= 2= 3= 4= Raio da curvatura da aresta mais aguda: Morfo-volumetria 1 Alta esfericidade anguloso; Alta esfericidade sub-anguloso; Alta esfericidade sub-arredondado; Alta esfericidade arredondado; Baixa esfericidade anguloso; Baixa esfericidade sub-anguloso; Baixa esfericidade sub-arredondado; Baixa esfericidade arredondado; Indeterminável; Não aplicável Morfo-volumetria 2 Oblongo; Cilíndrico; Globular; Tabular; Plano-convexo; Quadrangular; Losângulo; Indeterminável Alterações antes do teste: Lexiviação; Clivagens; Inclusões de quartzo; Outra Alterações após o teste: Lexiviação; Clivagens; Inclusões de quartzo; Outra Técnica de talhe Percussão directa; Percussão directa com bigorna passiva; Percussão com bloco apoiado no chão Gestual Sentado com apoio na perna; Sentado sem apoio; Levantado sem apoio Principais acidentes Siret; Ressalto; Fractura abrupta; Clivagens; Outra Textura Vítrea; Fina; Fina a Média; Média; Média a Grosseira; Grosseira; Macro-cristalina; Conglomerática; Indeterminável Tabela 33 – Parâmetros de classificação da amostra de clastos

5.1.2 Suportes, Categorias Tecnológicas e Instrumentos Formais Não consideramos ser possível obter todas informações implícitas nas indústrias líticas (que enunciamos no capítulo 4 do presente trabalho) a partir do estudo dos artefactos da Ribeira da Ponte da Pedra, escolhemos uma série de atributos de estudo (dentro do quadro metodológico dos estudo das cadeias operatórias e respectivos objectivos técnicos em que nos enquadramos) que pretendem uma aproximação possível a questões comportamentais e adaptativas, assim como responder aos objectivos a que nos propomos com o estudo morfotécnico.

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Antes da exposição dos atributos de estudo queremos esclarecer porque sempre utilizamos «artefacto» para nos referirmos à generalidade dos suportes e reservamos o termo utensílio formal só para alguns. É uma questão formal: consideramos como artefacto todos os objectos intencionalmente fracturados ou modificados pelo comportamento humano (BERTHELET e CHAVALION 1993; RENFREW e BAHN, 1993; MERINO, 1994; INIZAN et al., 1995; ANDREFSKY, 1998; BAENA, 1998; EIROA et al., 1999; TERRADAS, 2001). Estes objectos considerados como artefactos poderiam ter sido utilizados para fabricar outros artefactos, sendo a sua definição justificada com a sua função. No entanto, se esta é uma questão muito relevante do ponto de vista da reconstrução das cadeias operatórias, respectiva tecnologia e objectivos técnicos, ela encontra limites na determinação da função através dos estudos funcionais que têm limitações em conjuntos provenientes de depósitos fluviais. Embora não seja possível, na Ribeira da Ponte da Pedra reconhecer outros artefactos sem talhe, com excepção de alguns percutores, mas igualmente manipulados pelas comunidades humanas (manuportes, estruturação de espaço habitacional, etc.), também consideramos esses objectos como artefactos. A tool, by definition, is an object that extends the capacity of an agent to operate within a given environment. ‘Being a tool’ is not at all the same as, say, ‘being a stone’ or ‘being a piece of wood’. [...] An object – it could be a stone or a piece of wood – becomes a tool through becoming conjoined to a technique, and techniques are the properties of skilled subjects. Moreover, the human tool does more than augment the natural powers of the body, for it is also operated by the user in person and represents an extension of his or her personal powers [...]. (GIBSON e INGOLD, 1993, p. 283). Os utensílios formais são aqueles que apresentam retoque, em particular aqueles cujo retoque lhes confere uma morfo-tipologia convencional, por exemplo os raspadores, denticulados, entalhes, etc. Esta atribuição é convencional pois exclui todos os outros suportes, em particular as lascas, com múltiplos gumes activos, mas sem retoque e sem uma morfologia reconhecida nas listas tipológicas. Em todos reconhecemos a singularidade da génese do objecto técnico de acordo com Gilbert Simondon (1969) que lhes confere a possibilidade de serem estudados individualmente mesmo integrando um processo de redução lítica e consequente utilização.

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Tecnologia Lítica e comportamento humano no Pleistocénico Médio final do Alto Ribatejo: estudo da indústria lítica da Ribeira da Ponte da Pedra CÓDIGO

SUPORTE

CATEGORIA TECNOLÓGICA

UTENSÍLIO FORMAL

1

Seixo talhado Unifacial

Seixo

Entalhe

2

Seixo talhado Bifacial

Seixo com um levantamento

Denticulado

3

Chopper

Esboço de núcleo

Raspador

4

Chopping tool

Esboço de biface

Raspadeira

5

Uniface

Lasca cortical (suferficíe dorsal inteiramente cortical)

Ponta

6

Pico

Lasca parcialmente cortical (> 75 % de cortex na superfície dorsal )

Furador

7

Utensílio bifacial

Lasca parcialmente cortical (> 50% de córtex no bordo lateral)

Lasca retocada

8

Utensílio bifacial sobre lasca

Lasca parcialmente cortical (> 50% de córtex no bordo lateral e distal)

9

Machado de Mão

Lasca parcialmente cortical (> 50% de córtex no bordo distal)

10

Núcleo

Seixo com 2 ou 3 levantamentos unifaciais

11

Núcleo levallois

Seixo com 2 ou 3 levantamentos bifaciais

12

Núcleo levallois recorrente

Núcleo parcial

13

Núcleo centripeto

Biface parcial

14

Núcleo discóide

Lasca parcialmente cortical (25%> 75 % de cortex na superfície dorsal) Lasca parcialmente cortical (> 50% de córtex no bordo lateral) Seixo com 2 ou 3 levantamentos unifaciais Núcleo com uma superfície Núcleo com múltiplas superfícies Lasca parcialmente cortical ( 75 de córtex na superfície dorsal que apresenta um talão liso e das restantes lascas sem córtex que apresentam talões lisos e lineares/puntiformes. No que diz respeito à sua morfologia esta é maioritariamente indeterminável (9) e assimétrica e as restantes repartem-se por morfologias variadas: Oval (1), triangular (1), rectangular (2) e quadrangular (1). Os negativos na superfície dorsal variam em número entre 1 a 4 de acordo com a decrescente percentagem de córtex, os negativos têm na sua maioria uma orientação unidireccional, com excepção de um caso com orientação perpendicular. As dimensões não mostram nenhuma tendência clara a não ser uma diminuição de tamanho a par da diminuição do córtex, exceptuando a lasca com >25% de córtex no bordo lateral e distal que apresenta as maiores dimensões do grupo (Gráfico 3). 70 60 50 Comprimento

40

Largura 30

Espessura

20 10 0 Lasca cortical (suferficíe dorsal inteiramente cortical)

Lasca Lasca parcialmente parcialmente cortical (> 75 % cortical (> 50% de cortex na de córtex no superfície dorsal ) bordo lateral)

Lasca Lasca não cortical Lasca não cortical parcialmente (só talão em cortical ( 75 % de córtex)

1

Lasca retocada

Debris

Esquírola/ fragmento < 20 mm

1

Fragmento de lasca

Fragmento indeterminável

1

Total 1 4

1

Lasca parcialmente cortical (> 50% de córtex)

1

1

Lasca parcialmente cortical (25%> 124 000, tratando-se de idades minímas (MOZZI et al., 2000). Assim, estamos perante um conjunto de datações feitas com métodos distintos em que, em alguns sítios, os mesmos depósitos têm datas diferentes (caso da Ribeira da Ponte da Pedra), noutros casos o mesmo sítio datado por métodos diferentes e sobre materiais diferentes apresenta datas distintas (caso da Galeria Pesada), outras datações apresentam consideráveis fragilidades por representarem só uma idade mínima (Praia dos Bifaces e conjunto de sítios do Vale do Forno), outros sítios não têm datações mas só uma atribuição crono-estratigráfica (Fonte da Moita) e outros nem isso (artefactos associados à formação Ft4). Um número considerável destas datações foram feitas sobre sedimentos de terraços não estando isentas de problemas que se relacionam, por um lado com a sua antiguidade, estando fora do alcance de algumas técnicas, por outro porque as características dos sedimentos limitam consideravelmente o alcance das metodologias disponíveis (e.g., taxa de radiação elevada no caso da luminescência). No caso específico da Bacia do Baixo Tejo as altas taxas de radiação ambiental dos sedimentos limitam a utilização do quartzo para datações OSL. 291

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Desta forma não é possível construir um quadro cronológico coerente e sólido que possa contribuir para a interpretação dos sítios e respectiva variabilidade das indústrias líticas. Só podemos dizer que considerando as datações disponíveis, exceptuando a datação de cerca de 400 ka da Galeria Pesada, todos os sítios estão no intervalo dos estados isotópicos 7 e 9, que aliás é o intervalo das datações do terraço Q3/T4. Quadro Paleoantropológico Perante a generalizada ausência de restos humanos é praticamente impossível determinar a espécie responsável por estas ocupações. É certo que se falamos de sítios arqueológicos é inevitável que não se coloque esta questão, todavia para o vale do Tejo qualquer hipótese é, por enquanto, mera especulação. Nos sítios de ar livre não se conservam restos orgânicos e só na Gruta da Galeria Pesada foram recuperados restos humanos (um canino e um molar, ambos de mandíbula direita), cujo estudo comparado indica que são morfologicamente semelhantes a outros Homo arcaicos conhecidos do Pleistocénico Médio europeu, não se definindo a espécie com mais precisão (TRINKAUS et al., 2003). Este é um período de transição quando na Europa Ocidental se registam sítios do Paleolítico Inferior, ao mesmo tempo que outros remetem para o Paleolítico Médio. O mesmo se passa no registo fóssil humano onde se existem sítios com um registo fóssil atribuíveis às espécies Homo heidelbergensis, outros com espécies do Homo neandertalensis, outros ainda em que os fósseis apresentam uma mistura de traços de Homo neandartalensis e traços mais arcaicos. No que diz respeito ao Vale do Tejo, no período entre o OIS7 e OIS9, olhando para a composição das indústrias do Vale do Tejo e a sua afinidade com o Acheulense só podemos especular que, provavelmente, os grupos humanos que ocuparam estes sítios seriam pertencentes à espécie Homo heidelbergensis. Na verdade não estamos convencidos se, neste período e nesta região, a atribuição a uma espécie ou outra teria relevantes diferenças a nível comportamental. Quadro tipológico De um ponto de vista tipológico as indústrias provenientes dos diversos sítios de ar livre e em gruta ao longo do Vale do Tejo foram atribuídas a distintos momentos no

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interior do tecnocomplexo Acheulense e ao Micoquense (RAPOSO et al., 1993; MARKS et al., 2002b). No Monte Famaco, localizado na zona de Vila Velha do Ródão, foram recolhidos artefactos na superfície de uma cobertura coluvionar associada ao terraço Q3/T4 do Tejo. Estes artefactos, foram separados, com base no seu desgaste, em duas séries: uma série rolada de 34 peças e uma série mais fresca de 1500 peças. Devemos dizer que o contexto da série rolada é pouco claro porquanto nas publicações mais extensas a série rolada é descrita como sendo de superfície (RAPOSO, 1987, p.157) e numa publicação recente é descrita como proveniente de um conglomerado (CUNHA et al., 2008a, p. 47) O estudo tipológico da série rolada foi integralmente publicado (RAPOSO, 1987) e a sua composição tipológica, a correlação altimétrica do terraço com outros similares na Meseta espanhola e a comparação com outras indústrias em território espanhol, nomeadamente El Pinedo, suportaram durante bastante tempo a sua atribuição ao Acheulense Antigo. Recentemente, dado a dificuldade em comprovar a existência de um Acheulense Antigo, a revisão dos dados de El Pinedo e os estudos geoarqueológicos, esta atribuição foi revista e passou-se a considerar Acheulense Médio (CUNHA et al., 2008a, p. 47). A série mais fresca de 1500 artefactos foi atribuída ao Acheulense Médio evoluído ou Acheulense Pleno. Esta atribuição é feita com base em “observações de carácter mais qualitativo do que quantitativo” (RAPOSO, 1987, p. 157), no entanto não existe nenhuma publicação com o estudo integral da indústria, somente publicações em que são mencionadas características gerais da indústria que dão destaque para os bifaces de diversos tipos e para significativa presença de «hacheraux» (GEEP, 1977; RAPOSO et al., 1993). A indústria proveniente da gruta da Galeria Pesada, localizada na Serra d’Aire e Candeeiros, foi classificada como Micoquense considerando a presença de bifaces assimétricos, peças bifaciais foliáceas, Keilmeisser, bem como a tendência para adelgaçar a superfície ventral dos utensílios unifaciais. No entanto, é referida a existência de bifaces Acheulenses de várias morfologias (MARKS et al., 2002b). Nesta publicação, porém, é apresentada uma tabela quantitativa com as percentagens das principais categorias de artefactos (utensílios, lascas e núcleos), mas não são apresentados valores quantitativos no interior da indústria dos artefactos que suportam a classificação de Micoquense. Na verdade, é feita uma descrição da indústria com algum 293

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detalhe mas não são apresentadas tabelas demonstrativas das características indicadas. Já numa publicação recente é lhe atribuída uma classificação de Acheulense (HOFMAN et al., 2012) sem que se discuta o significado tecno-tipológico dos artefactos referidos por MARKS et al. (2002b), bem como o abandono da classificação de Micoquense. Nas proximidades da gruta da Galeria Pesada situa-se a gruta da Brecha das Lascas à qual não foi atribuída nenhuma classificação tipológica. Refere-se explicitamente a ausência de bifaces Acheulenses numa indústria composta por núcleos discóides e radiais, utensilagem retocada maioritariamente plano-convexa, peças bifaciais, choppers, pequenos bifaces sobre lasca e algumas pré-formas de biface (MARKS et al., 1999). Não muito distantes destes sítios em gruta (cerca de 30 km) localizam-se, no interior do terraço fluvial Q3/T4 os sítios de ar livre da Fonte da Moita e da Ribeira da Ponte da Pedra que têm indústrias similares compostas por seixos talhados, abundantes lascas, lascas retocadas, seixos retocados e poucos núcleos. Nos vários estudos publicados estas indústrias são sempre consideradas como sendo do Pleistocénico Médio Final sem que se faça qualquer atribuição tipológica. (GRIMALDI et al., 1999; GRIMALDI et al., 2000; GRIMALDI e ROSINA, 2001; CURA e GRIMALDI, 2009). As indústrias recolhidas em associação à formação Ft4 (Q3/T4) entre a Ponte da Pedra e a Foz do Alviela foram classificadas como Acheulense (CUNHA-RIBEIRO, no prelo). A jusante desta região e na margem esquerda do Tejo localiza-se o importante conjunto de sítios do Vale do Forno. A pouco numerosa indústria do Vale do Forno 1 (245 artefactos) foi atribuída ao Acheulense médio (MOZZI et al., 2000), no entanto os critérios desta classificação não são referidos. Na verdade, refere-se que «a análise tipológica preliminar mostra uma alta percentagem de seixos talhados, choppers unifaciais, bifaces de manufactura frustre e com poucos utensílios sobre lasca» (MOZZI, 2000, p. 364), mas não existe nenhuma publicação com a descrição detalhada desta indústria. Existe um estudo tecno-tipológico muito detalhado feito no âmbito de uma tese de mestrado (SALVADOR, 2002) em que se descarta a classificação de Acheulense Médio e se considera um «Acheulense pouco evoluído que existe na Península Ibérica antes do momento final do Acheulense». É curioso que neste trabalho não é referida a existência dos seixos talhados e choppers unifaciais mencionados em MOZZI et al. (2000).

294

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No sítio do Vale do Forno 8 foram escavados cerca de 3000 artefactos mas, não existe nenhuma publicação com o estudo da indústria sendo a sua classificação de Acheulense Superior apresentada com base em considerações genéricas avançadas em duas publicações que referem a presença de large cutting tools acheulenses a par de um número significativo de utensílios sobre lasca, com destaque para os becs (RAPOSO, 1995; MOZZI et al., 2000). Numa publicação mais recente é mesmo avançada a ideia de que o Vale do Forno 8 se integra num conceito amplo de Paleolítico Médio (RAPOSO, 2005). A indústria do Vale do Forno 3, também denominado Milharós, foi durante bastante tempo associada ao Micoquense (MOZZI et al., 2000, p. 369), considerando a tipologia dos bifaces lanceloados e micoquenses. Numa publicação mais recente esta classificação é abandonada devido aos equívocos tipológicos que provoca e a indústria é classificada como Acheulense Superior (RAPOSO, 2005). As diversas atribuições tipológicas deste conjunto de sítios e a distinção entre um Acheulense Antigo, Acheulense Médio e Acheulense Superior no Vale do Tejo apresentam enormes fragilidades. Nuns casos, estas são feitas com base na variabilidade tipológica de um grupo restrito de artefactos, sobretudo bifaces e artefactos bifaciais, provenientes de conjuntos numericamente reduzidos e portanto pouco representativos e por vezes provenientes de contextos arqueológicos pouco claros; noutros casos os estudos que lhe conferem a atribuição tipológica são preliminares e chegam a versar só sobre uma parte da indústria. Além disso a variabilidade tipológica das indústrias do Vale do Tejo carece de uniformidade, sendo que os dados publicados são muito subjectivos reflectindo os distintos parâmetros de classificação de cada autor e diferentes formas de representar graficamente os artefactos. Quando alguns autores dizem «biface», outros dizem «artefacto bifacial» (reservando a atribuição de biface aos artefactos com levantamentos bifaciais que lhe conferem uma plena simetria bilateral) ou quando alguns dizem «núcleo», outros dizem «seixo talhado». É evidente a falta de descrições uniformizadas que permitam avaliar esta variabilidade tipológica e o seu significado. Avaliando os dados disponíveis e as publicações existentes sobre as indústrias líticas não se consegue ultrapassar este problema, não sendo possível construir um quadro interpretativo coerente sobre a variabilidade crono-cultural. Com excepção da Galeria Pesada, as atribuições que suportam uma divisão tripartida e evolucionista do Acheulense do Vale do Tejo são bastante discutíveis. Na verdade, há muito que é questionada a visão tripartida do Acheulense Ibérico (SANTONJA e 295

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VILLA, 1990) e actualmente não se considera ser possível vislumbrar três fases, mas antes uma fase inicial estável que só se altera numa fase tardia em que surgem características tecno-tipológicas distintas (CUNHA-RIBEIRO, 2000). Perante a realidade atrás descrita consideramos que em lugar de interpretar a variabilidade das indústrias líticas dentro de um paradigma tipológico, devemos considerar outro paradigma e outros factores explicativos. Com efeito, a busca da reconstrução filogenética e tipológica de culturas arqueológicas tem provado ser enganadora na interpretação do registo arqueológico do Paleolítico Inferior e Médio (ZILHÃO, 1990). A Ribeira da Ponte da Pedra e a Fonte da Moita são exemplos claros de como a tipologia pode ser uma armadilha na interpretação dos sítios: tipologicamente estas indústrias «assemelham-se» a uma indústria arcaica sobre seixo tipo pebble culture mas cronologicamente são do Pleistocénico Médio Final ou Paleolítico Inferior Final. Consideramos que para a interpretação destes sítios e respectivas indústrias em primeiro lugar devemos aferir a natureza dos contextos arqueológicos, que são na maioria dos casos, associados a formações fluviais e portanto secundários, podendo corresponder a palimpsestos de artefactos transportados diferenciadamente. Em segundo lugar, parte desta variabilidade pode ser atribuída a diferenças cronológicas difíceis de precisar perante um quadro temporal que, como referimos, não se apresenta coerente e sólido podendo os sítios estarem separados por intervalos de milhares de anos. Em terceiro lugar, há que ponderar factores de ordem comportamental que passam pela adopção de diferentes estratégias de exploração do território e dos seus recursos bióticos e abióticos (constrangimentos relacionados com os recursos localmente disponíveis, adaptação à matéria prima, opções tecno-funcionais, funcionalidade dos sítios, duração da ocupação…). Em quarto lugar, e uma vez que neste quadro tipológico se tem dado pouca atenção aos artefactos que coexistem com os bifaces (lascas, núcleos e debris) dever-se-ia tentar uma comparação, desde uma perspectiva tecno-funcional, da totalidade destas indústrias para melhor aferir as diferenças e semelhanças entre os sítios, nomeadamente entre aqueles com artefactos bifaciais e os que não têm estes artefactos. ! Finalmente, estamos perante sítios que se situam num intervalo cronológico entre o OIS 7 e 9, ou seja no Pleistocénico Médio Final que é marcado, na Europa Ocidental, de forma muito diversificada pela transição mais ou menos gradual ou pela ruptura, entre tecnologias do Paleolítico Inferior e tecnologias do Paleolítico Médio, 296

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sendo que em alguns casos estas coexistiram no tempo e, por vezes, nas mesmas zonas geográficas. Quadro comportamental Declinando um paradigma normativo de interpretação tipológica e assumindo um paradigma de interpretação comportamental e adaptativa, terminamos o nosso trabalho avançando hipóteses de explicação comportamental para interpretar a composição tecno-funcional da indústria, a funcionalidade do sítio e a sua implantação na paisagem Pleistocénica do sítio da Ribeira da Ponte da Pedra em complementaridade com os restantes sítios no Vale do Tejo. É certo que a interpretação comportamental implica a aferição de factores como a identificação dos limites territoriais ocupados pelos grupos humanos, a verificação da contemporaneidade dos sítios, a sua sazonalidade e funcionalidade. Ora, no estudo do Pleistocénico Médio do Vale do Tejo dificilmente temos um conhecimento simultâneo destes factores, mas isso não deverá ser impeditivo no avançar de hipóteses «como proposições a serem testadas com o avançar das pesquisas e não como reconstruções dos padrões comportamentais durante este período». (ZILHÃO, 2001, p. 597) O estudo morfotécnico da indústria da Ribeira da Atalaia mostra com evidência o predomínio de um padrão comportamental definido num quadro de um objectivo prioritário, que é a obtenção de margens úteis testemunhada por uma enorme presença de lascas, a par da presença de seixos talhados unifaciais e da ausência de uma projecção precisa de conceitos de debitagem e formatação (os indícios de debitagem pré-determinada são residuais e não estão presentes bifaces). No entanto, mesmo que a produção de suportes seja simples e em alguns casos pouco organizada, estes apresentam dimensões bastante uniformizadas, sendo esta característica correspondente ao objectivo técnico da cadeia operatória dominante. Estamos perante uma produção massiva de suportes, talvez multifuncionais e que privilegiam a quantidade em vez da qualidade, ligados ao aprovisionamento e exploração de recursos naturais. A indústria lítica da Ribeira da Ponte da Pedra é feita para utilização imediata, por isso é caracterizada por cadeias operatórias simples, pouco estandardizadas e curtas, reflectindo uma natureza específica para o tipo de sítio. Assim sendo, este pode corresponder a ocupações onde conceitos de debitagem mais complexos para a produçao de utensilagens (como por exemplo os bifaces), estão ausentes porque não seriam necessários funcionalmente (por exemplo os estudos experimentais indicam que 297

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as lascas com arestas frescas são os artefactos de corte mais eficazes para retirar a pele a carne das carcaças, e margens retocadas são bastante úteis em acções como raspar...). Claro que estas são observações que carecem de um suporte dado por vários tipos de informação, em particular aquela proveniente da presença de restos orgânicos. No entanto, os estudos funcionais indicaram que para além do trabalho de madeira e osso também se efectuaram actividades de esquartejamento e processamento de peles animais. O que estamos a referir para a Ribeira da Ponte da Pedra é genericamente válido para a Fonte da Moita, já que este sítio tem uma implantação idêntica, uma indústria similar e estudos funcionais que indicam semelhantes actividades de subsistência.

60% 50% 40% 30% 20% 10% 0%

Ribeira da Ponte da Pedra Fonte da Moita

Seixos Talhados

Núcleos, Choppers, Chopping Tools, Bifaciais e Picos

Lascas

Lascas Utensílios Retocadas retocados

Gráfico 29 – Correlação entre as principais categorias morfotécnicas da Ribeira da Ponte da Pedra e da Fonte da Moita

A Ribeira da Ponte da Pedra e a Fonte da Moita podem representar sítios que fazem parte de uma paisagem de ocupação especializada e recorrente – ocupações sucessivas no tempo testemunhando uma sólida tradição de frequentação deste tipo de paisagem e exploração dos seus recursos que correspondem a diferentes tipos de objectivos económicos – exploração provável de recursos bióticos e abióticos abundantes nas margens e planícies do rio, ou seja, os animais de médio e grande porte e os seixos rolados de quartzito de médias e grandes dimensões e de grande qualidade (OOSTERBEEK et al., no prelo). Estes sítios estavam localizados nas margens do Tejo, não muito longe da foz da Ribeira da Ponte da Pedra, uma implantação que não se distingue da frequente localização dos sítios de ar livre do Pleistocénico Médio Ibérico

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que estão próximos da confluência de cursos de água. Em localizações semelhantes, à entrada ou saída de vales, encontram-se por exemplo, em território espanhol, El Sartalejo (SANTONJA, 1985), La Maya (SANTONJA e PÉREZ-GONZÁLEZ, 1984), ou El Pinedo (QUEROL et al., 1979). No âmbito da nossa interpretação consideramos que a ideia de controlo e captura, ou exploração de carcaças de espécies animais que se movem nas zonas baixas e ribeirinhas estaria em complementaridade com as zonas mais altas e cársicas. Entendemos que não se trata de uma mera especulação sem fundamento algum, mas sim de uma perspectiva que deve ser tida em conta como uma hipótese plausível ainda que não contrastável neste momento. Não podemos esquecer que os vales dos rios constituem biótopos muito ricos e mais activos, com diversidade biótica mais alta do que aquela que se encontra a maior altitude. A este respeito é de mencionar que no conjunto faunístico da gruta da Galeria Pesada espécies como o cavalo (Equus aff. mosbachensis), abundantes nas planícies do rio, não se encontram inteiras, sendo também improvável que outras espécies presentes, por exemplo os rinocerontes (Stephanorhinus hemitoechus) fossem capturadas e esquartejadas nas escarpas cársicas (MARKS et al., 1999). Os hominídeos que ocupavam as paisagens cársicas, ocupavam também os vales do Tejo e seus afluentes, onde poderiam ter capturado ou ter acesso a carcaças de várias espécies de animais que eram processadas em sítios como a Ribeira da Ponte da Pedra e a Fonte da Moita, seleccionando partes que transportavam para fora destes sítios. Esta complementaridade poder-se-ia ter verificado igualmente ao nível do aprovisionamento das matérias-primas. Não queremos com isto dizer que os sítios da Ribeira da Ponte da Pedra e da Fonte da Moita eram sítios de aprovisionamento de matéria-prima (se bem que possíveis pré-formas como os grandes seixos talhados com poucos levantamentos e grandes lascas estão presentes no sítio sugerindo que de forma minoritária também tivessem essa função), mas sim que eram sítios localizados numa zona onde existia uma enorme abundância de matéria-prima (seixos rolados de quartzito) de grande qualidade e de médias e grandes dimensões. Estas características da matéria-prima (abundância, qualidade e dimensões) fazem das imediações deste sítio, e ainda da Fonte da Moita, locais ideais para se efectuar a configuração inicial de utensílios bifaciais e núcleos. Assim, a Ribeira da Ponte da Pedra e a Fonte da Moita estão em locais onde existe matéria-prima em abundância, onde obteriam os suportes de artefactos que poderiam ser transportados para outros sítios, ao mesmo tempo de aqui 299

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ocorreriam actividades de subsistência como indicam os estudos traceológicos de ambas as indústrias. Aqui poderia ter lugar a produção de grandes lascas que seriam os suportes de bifaces e de pré-formas de núcleos transportados para os sítios do Monte Famaco, Galeria Pesada e conjunto de sítios do Vale do Forno onde existem estes artefactos, em particular os Bifaces e Machados de Mão, que estão ausentes nos sítios da Ribeira da Ponte da Pedra e da Fonte da Moita. Nestes sítios decorreriam as fases finais da cadeia operatória de formatação e debitagem. A distância entre a Ribeira da Ponte da Pedra e Fonte da Moita e estes sítios está perfeitamente dentro de uma área de ocupação territorial de grupos de caçadores-recolectores: o Monte Famaco dista cerca de 85 km, a Galeria Pesada dista cerca de 30 km e o Vale do Forno cerca de 35 km (Figura 120). Esta hipótese porém, não implica necessariamente uma estrita contemporaneidade dos sítios pois é pensada em termos de área de aprovisionamento e não sítios de aprovisionamento. No que diz respeito à possível complementaridade directa com a Galeria Pesada há que mencionar que as fases iniciais da produção dos artefactos bifaciais e da configuração de núcleos não estão presentes e Marks et al. (2002b) refere mesmo que só o quartzo tem a sequência de redução completa, sugerindo que as outras matériaprimas, nomeadamente o quartzito, não apresentam as primeiras fases da cadeia operatória que seriam efectuadas fora da gruta. Menciona também a existência de formas que sugerem uma transição entre a debitagem e a formatação bifacial que podem corresponder a suportes pré-configurados noutro local e transportados para dentro da Gruta. Também na Brecha das Lascas é referida a presença de pré-formas de bifaces. Apesar de não existir publicado um estudo detalhado da indústria do Vale do Forno 8, as publicações que fazem referência à indústria lítica referem um número significativo de utensílios acabados e mencionam que as grandes lascas que servem de base para a fabricação de bifaces e machados seriam introduzidas já configuradas (RAPOSO, 2005), mencionando a ausência de seixos volumosos para a produção de suportes para os instrumentos mais característicos (RAPOSO, 2005, p. 52). Em relação ao Vale do forno 3 Luís Raposo refere que este sítio não corresponde ao local de fabrico da utensilagem (RAPOSO, 2005). Nos trabalhos de Cunha-Ribeiro na sub-região do Alto Ribatejo (terraços fluviais entre Vila Nova da Barquinha e Foz do Alviela) é referida a existência de conjuntos líticos onde há uma debitagem de grandes lascas a par de um número 300

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reduzido de bifaces (4,7%) (CUNHA-RIBEIRO, 1996-1997, 1999) o que concorre para a hipótese desta zona também ser ocupada para aprovisionamento de matéria-prima. Em jeito de conclusão, ao longo deste trabalho procurámos fazer o estudo morfotécnico, em complementaridade com estudos experimentais e funcionais, da indústria lítica da Ribeira da Ponte da Pedra. Ainda que com limitações, dado o contexto secundário de proveniência, foi possível encontrar uma homogeneidade expressa numa cadeia operatória principal com vista à produção, mais quantitativa do que qualitativa, de lascas de tamanho médio e grande, explorando quase sempre de forma unifacial e unidireccional os seixos rolados de quartzito. Trata-se de uma exploração expedita cujo objectivo técnico é a obtenção de suportes maioritariamente corticais com margens activas que foram, tal como indicam os estudos funcionais, utilizadas, com ou sem retoque, em várias actividades de subsistência. Estes seixos talhados teriam sido também utilizados como «large cutting tools». Este conjunto sem bifaces só encontra, no Vale do Tejo, paralelo no sítio da Fonte da Moita. Tentámos apresentar hipóteses de integração destes sítios com as principais ocupações do Pleistocénico Médio do Vale do Tejo que passam pela hipotética função de local de captura ou exploração (scavenging) de espécies animais em complementaridade com a ocupação das zonas cársicas mais altas, e pela exploração de matéria-prima nas imediações da Ribeira da Ponte da Pedra, preparando suportes para a debitagem e produção de artefactos bifaciais que seriam transportados quer para os sítios em gruta, quer para outros sítios de ar livre. Procurámos assim propor, numa perspectiva de estudo de base tecnológica e comportamental, hipóteses que se apresentam como alternativa a um modelo interpretativo de base tipológica. Claro que as nossas propostas necessitam de constratação que passa pelo estudo igualmente rigoroso de todos os sítios e respectivas indústrias líticas. Esse deveria ser o passo seguinte deste trabalho.

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