Tecnologias na Educação e Formação de Professores

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Tecnologias na Educação e Formação de Professores

Ângela Álvares Correia Dias Gilberto Lacerda Santos (Organizador) Hélio Chaves Filho Laura Maria Coutinho Raquel de Almeida Moraes Vânia Lúcia Quintão Carneiro

Tecnologias na Educação e Formação de Profissionais Docentes

Gilberto Lacerda Santos (Organizador)

Publicação Coletiva dos Professores Pesquisadores da área de Tecnologias na Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília

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Apresentação

O uso de tecnologias na educação, apesar de se um tema recorrente em discussões sobre formação de profissionais docentes, ainda constitui questão em aberto com muitas possibilidades anunciadas e poucos empreendimentos significativos realizados. Com o objetivo de contribuir para esta discussão, esta publicação coletiva, elaborada com a colaboração da maioria dos professores da área de Tecnologias na Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação Universidade de Brasília (com exceção de Geórgia Antony), avança em várias direções distintas e complementares, envolvendo diferentes linguagens de comunicação pedagógica. Inicialmente, e a guisa de introdução, Gilberto Lacerda Santos e Raquel de Almeida Moraes procuram delimitar o conceito de sociedade tecnológica, evidenciando o papel crucial da educação para a formação da cidadania em um "novo ambiente" global que, apesar de tantos avanços e proezas, convive - e deve investir na resolução - de problemas persistentes, sobretudo nos países periféricos e pobres, relacionados com a exclusão social, com a universalização do acesso à educação, com a falência de narrativas que, inclusive, desarticulam o papel da escola como instrumento de formação para a cidadania, para a liberação, para a potencialização do Homem. Neste sentido, e a partir de idéias e noções sobre a pós-modernidade, os autores argumentam sobre o papel das tecnologias na educação, analisadas sob uma ótica sociológica e filosófica. Sobretudo, enfatizam que as novas tecnologias devem ser compreendidas e utilizadas como elementos mediadores para a superação da opressão na sociedade; e que as diferentes linguagens tecnológicas, aplicadas na escola, devem constituir uma base que alicerça a construção de sentidos por parte do sujeito em processo de aprendizagem e de interação com uma sociedade em constante movimentação. Consequentemente, anunciam, ainda que indiretamente, que há um grande desafio a ser superado na formação de novos quadros docentes adequadamente preparados para lidar com estas diferentes linguagens, sejam elas de natureza hipertextual, informática, televisiva. Dando continuidade ao raciocínio estabelecido, Ângela Correia Dias e seu orientando de mestrado Hélio Chaves Filho procuram retraçar a gênese da idéia de interação e de interatividade, a partir do estabelecimento de relações entre o conteúdo semântico destes termos e suas diferenças a partir dos paradigmas da Física Quântica. Os autores procuram 3

analisar como as matrizes do pensamento newtoniano e do principio da incerteza de Heisenberg ecoam e orientam as ações educacionais na área da informática educativa, discussão relacionada com a dinâmica da leitura e da linguagem hipertextual. A problemática então construída reside na apropriação, por parte de professores, desta linguagem e dos instrumentos necessários para sua utilização na escola. Trata-se de uma tema de importância crucial quando se pensa nas novas abordagens de formação de professores, que simplesmente ignoram a emergência da linguagem hipertextual, cada vez mais presente em nosso cotidiano. Portanto, pode-se concluir, a partir da leitura do texto de Dias e Chaves Filho, que há toda uma situação problemática ainda sem soluções visíveis no que diz respeito à exploração do potencial do computador na educação, temática que é prosseguida por Gilberto Lacerda Santos em um artigo que apresenta uma proposta de gestão de relações educativas apoiadas pelo computador por meio da pedagogia de projetos. Neste texto, Lacerda Santos concentra sua atenção nas lacunas existentes na formação de profissionais docentes para lidarem com esta - ainda - nova linguagem, tendo em vista a emergência de um novo modo de formação para o qual as escolas não estão preparadas. Partindo de uma experiência concreta, desenvolvida junto a um grupo de alunos do programa de Licenciatura em Pedagogia da Universidade de Brasília, o autor desenvolve a idéia de que a Pedagogia de Projetos pode ser uma estratégia viável e interessante para suprir lacunas na formação do professor para lidar com o computador em sala de aula, especialmente porque tal estratégia pressupõe uma maior autonomia dos alunos, a aprendizagem colaborativa e a verticalização das relações educativas. Voltando seu olhar para uma outra linguagem de comunicação pedagógica e retomando o discurso macro-sociológico do primeiro artigo, Laura Maria Coutinho aborda uma outra linguagem educativa: a televisão, cujo emprego adequado na escola ainda constitui problemática de peso, apesar de se tratar de uma tecnologia já bastante presente em todos os meios escolares. Mais uma vez, temos ai questão de reflexão sobre a pertinência dos programas de formação de profissionais docentes para atuarem em uma sociedade permeada de tecnologias de comunicação. Coutinho argumenta principalmente que, mergulhado em um mundo

de

imagens,

o

Homem

pensa

por

imagens,

percebe-se

por

imagens.

Consequentemente, pode-se supor que a educação por imagens deveria ser um componente importante da atividade escolar e da atuação docente, o que não é o caso. A autora avança seu trabalho na direção de um resgate histórico da TV Escola no Brasil, desde 1995 até os dias atuais, e prioriza uma série de questões que constituem justificativa e necessidade de se dar

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maior importância ao emprego da televisão na educação e à inclusão deste tema nos programas de formação de professores. Raquel de Almeida Moraes, também na mesma perspectiva histórica, desenvolve raciocínio semelhante com relação à informática educativa, resgatando a história da primeira década do uso do computador na escola pública brasileira. Ao abordar três importantes programas na área: o EDUCOM, o EUREKA e o GÊNESE, Moraes procura alinhavar uma discussão sobre a necessidade de reflexão sobre a natureza e a pertinência dos projetos de informática na educação, tendo em vista necessidades de democratização de acesso, de educação libertadora e de formação de professores para uso crítico e criativo a informática na educação. Enfim, Vânia Lúcia Quintão Carneiro desenvolve uma reflexão sobre os desafios da integração das culturas audiovisual e escolar. Em seu texto, a autora constata a hegemonia da cultura audiovisual e a necessidade de formação do educador para se apropriar de tecnologias audiovisuais como objeto estudo, meio de ensino, de aprendizagem e de expressão. A autora, que é coordenadora dos vídeos e do conteúdo do Curso “TV na Escola e os Desafios de Hoje” da Seed/MEC e UniRede, apresenta a proposta pedagógica do Curso “TV na escola e os desafios de Hoje” e ressalta as dificuldades e possibilidades de sucesso da formação de professores para a integração da TV na escola. De modo geral, o fio condutor de todos estes trabalhos é o profissional docente e sua formação, questão absolutamente fundamental a ser considerada neste momento em que a sociedade avança para novos rumos, ainda pouco definidos e delimitados. Apenas de uma coisa se sabe, ainda que empiricamente: a emergência de novas linguagens de comunicação faz com que mudanças sejam necessárias, desde a restruturação da instituição escolar até a formação de professores, que além de profissionais docentes, são também cidadãos teoricamente comprometidos com a capacitação das novas gerações para o enfrentamento dos novos desafios da sociedade comunicacional, como diria Manuel Castells.

Brasília, janeiro de 2003 Gilberto Lacerda Santos (organizador)

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Sumário

A Educação na era da Sociedade Tecnológica Gilberto Lacerda Santos e Raquel de Almeida Moraes A Gênese Sócio-Histórica da Idéia de Interação e Interatividade

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Angela Alvares Correia Dias Hélio Chaves Filho A Gestão de relações educativas apoiadas pelo computador por meio da pedagogia

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de projetos Gilberto Lacerda Santos Imagens sem Fronteiras: A gênese da TV Escola no Brasil

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Laura Maria Coutinho A primeira década de Informática Educativa na escola pública no Brasil

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Raquel de Almeida Moraes TV na Escola: Desafios Tecnológicos e Culturais

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Vânia Lúcia Quintão Carneiro

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A Educação na era da Sociedade Tecnológica

Gilberto Lacerda Santos Doutor em Educação pela Universidade Laval (Canadá) Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília

Raquel de Almeida Moraes Doutora em Educação pela Universidade de Campinas

As novas tecnologias... “não saíram do nada repentinamente, com o sinistro objetivo de dominar o mundo. Foram chamadas pela evolução geral da sociedade, pertencendo à lógica geral de nossa época. Não pode fixar-se a uma estratégia de dicotomia contábil, que visaria a reduzir a coluna de efeitos negativos e alongar a de efeitos positivos. O que está em causa é o bloco histórico do qual as novas tecnologias saíram. O futuro só pode ser definido a partir do futuro da própria modernidade” Jean Chesneaux

A educação tem um papel crucial na chamada "sociedade tecnológica” pois é um dos meios pelos quais os indivíduos serão capazes de compreender e de se situar na contemporaneidade, enquanto cidadãos partícipes e responsáveis. E as novas tecnologias devem ser compreendidas e utilizadas como elementos mediadores para a superação da opressão na sociedade. Geralmente, as discussões em torno das novas tecnologias, de sua influência na sociedade, do seu potencial e das suas possibilidades de interatividade, se apoiam sobre uma certa exaltação deste tema, atribuindo-lhe praticamente o estatuto de novo paradigma fundamental, a panacéia que irá regular as interações sociais, culturais, éticas e profissionais numa nova sociedade que urge em tomar forma. Mas, qualquer que seja a ótica 7

das discussões sobre o assunto, é inegável, e isto vem sendo repetido continuamente, que precisamos aprofundá-lo, pois suas repercussões sobre nossa sociedade ainda não foram suficientemente exploradas. Diversos autores (Lyotard, 2000; Giddens, 1991; Harvey, 1993, Jameson, 1997) têm se debruçado sobre a chamada "sociedade tecnológica", situando-a via de regra no contexto da sociedade pós-moderna.

Segundo Lyotard, filósofo que primeiro utilizou essa

terminologia,

“A palavra (pós-moderna) é usada no continente americano por sociológos e críticos. Designa o estado da cultura após as transformações que afetaram as regras dos jogos da ciência, da literatura e das artes a partir do final do século XIX.” (p. XV)

“(..)considera-se pós-moderna a incredubilidade em relação aos metarrelatos. (...)A função narrativa perde os seus atores (functeurs), os grandes heróis, os grandes perigos, os grandes périplos e o grande objetivo” (2000, p. XVI)

“A condição pós-moderna é, todavia, tão estranha ao desencanto como à positividade cega da deslegitimação. Após os metarrelatos, onde se poderá encontrar a legitimidade? O critério de

operatividade é

tecnológico; ele não é pertinente para se julgar o verdadeiro e o justo. Seria pelo consenso, obtido pela discussão, como pensa Habermas? Isto violentaria a heterogeneidade dos jogos de linguagem. E a invenção se faz no dissentimento. O saber pós-moderno não é somente o instrumento dos poderes. Ele aguça nossa sensibilidade para as diferenças e reforça nossa capacidade de suportar o incomensurável. Ele mesmo não encontra sua razão de ser na homologia dos experts, mas na paralogia dos inventores”. (2000, p. XVII)

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Para Michael Peters (Peters, 2000), “As grandes narrativas são, pois, histórias que as culturas contam sobre suas próprias práticas e crenças, com a finalidade de legitimá-las. Elas funcionam como uma história unificada e singular, cujo propósito é legitimar ou fundar uma série de práticas, uma auto-imagem cultural, um discurso ou uma instituição”. Neste sentido, Peters, citando Lyotard no livro O pós-modernismo explicado às crianças, destaca a seguinte frase que exemplifica a principal metanarrativa que ele critica: “a emancipação progressiva da razão e da liberdade, a emancipação progressiva ou catastrófica do trabalho [...], o enriquecimento da humanidade inteira através dos progressos da tecnociência capitalista, e até [...] a salvação das criaturas através da conversão das almas à narrativa cristã de amor mártir”. (p. 18) Por fim, Lyotard dá a seguinte definição de pós-moderno em seu ensaio “Resposta à pergunta: o que é o pós-moderno?”: “ não é o modernismo no seu estado terminal, mas no seu estado nascente, e esse estado é constante”. Eu disse e direi outra vez que o pósmodernismo significa não o fim do modernismo, mas uma outra relação com o modernismo”. (Peters, 2000:19) Enfim, o significado filosófico desse termo expressa a idéia de que estamos vivendo uma época que está nos levando para uma situação que não tem mais os mesmos apelos da modernidade. Para Ghiraldelli Jr (2000), os criadores da desconfiança pós-moderna foram Adorno, Horkheimer e Foucault. Adorno e Horkheimer escreveram Dialética do Iluminismo, livro que trata da "história da razão", argumentando para cada conquista que a razão favorece, ela mesma planta o germe da desconfiança nessa conquista, num processo contínuo e crescente de autofagia. O Iluminismo - o trabalho da razão - é o processo de desmascaramento da ideologia. O filósofo iluminista, usando a razão, elabora um conceito - a verdade - e afronta o poder mostrando que o poder diz coisas que diferem do conceito, e portanto que é ideológico e, nesse sentido, ilegítimo. Todavia, no exato momento de denúncia, o filósofo iluminista não consegue evitar que ele próprio venha a adquirir poder sobre seu ouvinte na medida em que ele denunciou o poder. Sendo assim, no momento mesmo da denúncia ele cria algo que deixará logo de ser chamado de conceito para ser, também, chamado de ideologia um discurso mais de manutenção do poder do que de apreço pela verdade. E assim sucessivamente. O que os membros da Escola de Frankfurt fizeram foi uma crítica da ideologia à semelhança do que Marx fez contra a doutrina liberal: o mundo moderno gera uma situação onde os homens, que deveriam ser sujeitos, são na verdade os objetos, enquanto que

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os objetos, as coisas mortas, assumem a posição de coisas vivas. Este fenômeno é chamado de reificação. A Escola de Frankfurt foi minando as bases da idéia de que o discurso da modernidade (iluminismo) tem autoridade de um discurso com valor de verdade. A idéia que foi se formando é a de que o discurso contra-ideológico faz uma denúncia e isso é verdadeiro. Para Michel Foucault, a ênfase da filosofia deve ser a construção de uma genealogia da verdade para se aproximar do entendimento acerca das malhas (microfísica) do poder para então ser capaz de lidar com ela. Para Jean-François Lyotard, estávamos no final da década de cinqüenta do século XX começando a viver em uma situação pós-moderna e isso não em termos exclusivamente cronológicos. Para ele certas situações do conhecimento estavam sendo vistas pelas pessoas de um modo que não era mais "o modo de olhar da modernidade". A seu ver, as pessoas, principalmente as pessoas escolarizadas, no ocidente, estavam deixando de legitimar suas narrativas (científicas, históricas etc.) por meio de metanarrativas, ou seja, por meio de grandes discursos filosóficos. Quais eram essas metanarrativas? Ghiraldelli Jr. cita quatro exemplos: Primeira, a idéia de que o mercado funciona como uma "mão invisível" que organiza nossas vidas, como disse Adam Smith no século XVIII. Segunda, história e lógica não estão em oposição. A história está casada com a lógica, e o desdobramento da história enquanto uma lógica nada mais é que o desenvolvimento do Espírito - enquanto Sujeito ou enquanto Cultura - que nos levará a graus maiores de liberdade, como disse Hegel na transição do século XVIII para o XIX. Terceira, a missão histórica do proletariado é agir como classe desmistificadora da ideologia e construtora de uma sociedade não ideológica, e tal classe está com a verdade porque não tem nada a esconder e vai fazer a revolução porque não tem nada a perder, como disse Marx no século XIX. Quarta, o Welfare State no lugar da "mão invisível" de Adam Smith para organizar a vida social, como disse Keynes no século XX. Esses grandes discursos (e outros) que estavam na base de todos os outros discursos, entraram sucessivamente em crise. Aparece a desconfiança ou mesmo o descrédito completo nessas metanarrativas, e isso seria uma das características filosóficas principais da pósmodernidade. Certos discursos, das ciências, das artes, da literatura, da história e, enfim, o próprio discurso pedagógico, não pareceria mais se justificar, a partir de sua necessária ligação com um grande discurso, com os grandes discursos gerados pelo humanismo iluminista ou romântico. Para Lyortard, Adorno e Horkheimer tinham dito isso, mas eles acreditavam que a denúncia deste fato ainda era um ponto de reflexão. Assim, seria possível 10

algum consenso na medida em que a denúncia da ideologia fosse um ponto de reflexão racional e, portanto, de consenso contra o mero utilitarismo vigente. Contrariamente, Lyotard argumenta que toda e qualquer metanarrativa estava sendo posta de lado definitivamente, e o que nos sobraria eram apenas nossas narrativas e isso não seria algo ruim. Ele não acreditava, como os modernos e como Adorno e Horkheimer, que nossas narrativas precisavam de consenso para se manterem e nem que as narrativas se justificariam pela sua mera utilidade. Para ele nossas narrativas, científicas ou históricas, isto é, nossa ciência e o nosso ensino se erguem e se transformam por dissenso e não por consenso. Nós não precisaríamos de metanarrativas nem estaríamos condenados ao mero utilitarismo, pois o objetivo das ciências e de outras narrativas sempre teria sido, mesmo, o dissenso. Rorty, em A Filosofia e o Espelho da Natureza, concordou plenamente com Lyotard sobre várias coisas. Contudo, Rorty não disse "apenas" narrativas, em um tom pessimista. Rorty nunca achou pouco o que nos sobrou. Para ele, se nos sobrou narrativas, sobrou-nos muito. Ademais, a necessidade do significado se constituir como algo lógico ou empírico, como algo exclusivo e determinado, nos levaria ao ceticismo ou ao relativismo. Ele argumenta o contrário, que estamos em boa companhia se ficamos só com narrativas, sem metanarrativas e, diferentemente de Lyotard, que podíamos continuar nos entendendo, que poderíamos continuar chegando a consensos e, mais que isso, fazendo discursos edificantes e educativos mesmo se não podemos dizer segundo uma objetividade de acordo com a noção tradicional: "eis aqui na minha mão o único e exclusivo significado de X". E nisso ele concorda com Habermas (1989), que vê na ação comunicativa, no diálogo, a possibilidade da construção de novos consensos. Entretanto, a análise de diferentes estudos sobre esta temática sugere que qualquer que seja a configuração futura da sociedade, a intervenção do indivíduo enquanto cidadão participativo e determinante em seu meio social continuará dependendo de sua posição no sistema de produção. Não há nenhum indício empírico de que a sociedade tecnológica emergente será mais justa, mais prazerosa, mais democrática, mais igualitária. Em outros termos, o avanço tecnológico e suas implicações sobre o modo de funcionamento do mercado de trabalho estariam conduzindo a sociedade a uma intensificação da exploração do trabalhador, favorecendo a proliferação do trabalho terceirizado, parcial e precário, sem direitos e sub-remunerado, fortalecendo o mercado dual de trabalho (Antunes, 1995).

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No âmbito do processo de formação escolar, no sentido amplo do termo, a introdução de novas tecnologias se manifesta segundo duas vertentes distintas, que indicam e delimitam o que nós consideramos como sendo a espinha dorsal da discussão em torno da inter-relação entre formação, cidadania e sociedade tecnológica: o futuro do trabalho e a identificação do perfil do trabalhador em função da restruturação do sistema produtivo. Por um lado, acredita-se que a automação dos processos de produção e a introdução de uma nova cultura tecnológica exigirá dos indivíduos uma formação qualitativamente mais ampla. Tal formação ampla tornaria-os aptos para o desempenho de atividades integradas, o que os libertaria da rotina e da parcelização. Tendo em vista os constantes avanços tecnológicos e sua incorporação imediata nas empresas em função da busca pela qualidade total, condição para se manter no mercado, esta formação ampla procuraria introjetar em cada trabalhador uma necessidade virtual e vital por auto-formação continuada, condição para se manter no emprego. É a tese da requalificação, defendida, entre outros, por Naville (1956; 1972). Por outro lado, e de acordo com Antunes (op. cit.), crê-se que o discurso que advoga uma crescente qualificação da força de trabalho é um mito que faz parte e apoia a manutenção de um modelo de produção que preserva, em sua totalidade, o fetichismo da mercadoria e a alienação. Na mesma linha de pensamento, Chesneaux (1995) argumenta que juntamente com o mercado, o Estado se apodera do gerenciamento tecnológico tornando-se, além de seu cúmplice, o "seu exército", que, constantemente, desde a época da II Guerra Mundial, tem sido o comandante principal da pesquisa e de suas aplicações no campo da energia nuclear, da informática, das tecnologias espaciais e, mais secretamente, da biogenética. O átomo, o computador, os satélites, "servem antes de tudo para fazer a guerra". Tal faculdade, porém, ele denuncia, está reservada ao clube dos ricos. Do ponto de vista sociológico, abordar o pós-modernismo e a pós-modernidade e tentar defini-los, delimitá-los, compreendê-los, parece ser uma tarefa ao mesmo tempo simples e complexa, pertinente e desprovida de sentido. Simples e pertinente porque muito se escreveu e se falou sobre estes conceitos que para inúmeros autores e estudiosos assumem formas absolutamente concretas e explícitas, cuja manifestação é inequivocadamente visível em muitas instâncias da sociedade; complexa e desprovida de sentido porque se trata de conceitos extremamente abstratos à medida que os situamos na continuidade e não na ruptura com manifestações sócio-culturais precedentes, à medida que questionamos sua

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originalidade estrutural e sua função enquanto paradigma novo suscetível de explicar, empregando ótica inédita, a dinâmica de funcionamento da sociedade atual. O pós-modernismo surge como um novo filão cultural e estético, como uma substituição do pensamento característico da sociedade moderna segundo o qual existiam de um lado princípios unificadores que pudessem ser impostos às manifestações sócio-culturais e, de outro lado, metanarrativas capazes de atribuir algum sentido de coerência e de irrefutabilidade à História. Igualmente, o pós-modernismo surge como um processo de rejeição a princípios universalistas e globalizantes pretenciosos de explicar a aventura humana e de associá-la à um fio condutor mais ou menos previsível. É certamente esta a fronteira mais tangível entre o modernismo e o pós-modernismo: ao longo do período moderno, acreditava-se que seria possível compreender a História tendo em vista a formulação de grandes teorias explicativas de todos os fenômenos e processos sociais. Com o advento da compreensão de que a totalidade é um equívoco, de que a universalidade é um "cul-de-sac", de que a homogeneização é redutora, surge espaço para um nova forma de decodificar a História, forma esta chamada de pós-modernismo. Mas, apesar de sua poderosa premissa revolucionária, passados cerca de duzentos anos, sociólogos contemporâneos debatem em torno do esgotamento do modernismo e do advento do movimento pós-moderno, o qual certamente ultrapassou a duração de uma onda e dá indícios de se consertar como uma imagem cultural poderosa ainda por algum tempo. De fato, é possível perceber claramente que a motivação que conduziu o movimento modernista e que fez dele uma espécie de estratégia organizada em função de fazer com que o homem se desse conta de que ele é parte integrante de um máquina que funciona incólume, indefectível, independente da vontade ou da intencionalidade de suas partes, foi substituída por outra motivação, aparentemente menos determinista, menos objetiva e menos hermética. Para muitos teóricos, tal "substituição de motivações" constitui uma verdadeira ruptura de paradigmas, no sentido proposto por Kuhn (1970), com relação à qual estaríamos ainda em um momento de superposição de premissas, em um momento de crise paradigmática, apenas no limiar do deslocamento (Harvey, 1989). Para outros, trata-se de uma continuidade natural dos elementos estruturais do movimento modernista, tendo em vista o esgotamento do sistema produtivo concebido e sistematicamente adotado a partir da revolução industrial (Lyotard, 2000; Jameson, 1997). Imbuído da intencionalidade de apontar caminhos para a compreensão da natureza do pós-modernismo, Harvey (op. cit.) apresenta o seguinte questionamento: 13

O pós-modernismo representa uma ruptura radical com o modernismo ou é apenas uma revolta no interior deste último contra certa forma de "alto modernismo", representada, digamos, na arquitetura de Mies van der Rohe e nas superfícies vazias da pintura expressionista abstrata minimalista? Será o pós-modernismo um estilo ou devemos vê-lo estritamente como um conceito periodizador? Terá ele um potencial revolucionário em virtude de sua oposição a todas as formas de metanarrativa (incluindo o marxismo, o freudismo e todas as modalidades de razão iluminista) e da sua estreita atenção a "outros mundos" e "outras vozes" que há muito estavam silenciados (mulheres, gays, negros, povos colonizados com sua história própria?) Ou não passa de comercialização e domesticação do modernismo e de uma redução das aspirações já prejudicadas deste a um ecletismo de mercado "vale tudo", marcado pelo laissez-faire? Ele solapa a política neoconservadora ou se integra a ela? E associamos a sua ascensão a alguma reestruturação radical do capital, à emergência de alguma sociedade pós-industrial, vendo-o até como a "arte de uma era inflacionária" ou como a "lógica cultural do capitalismo avançado" (como Newmam e Jameson propuseram)? (p. 47). A virada pós-modernista parece-nos também ser estreitamente associada à potencialização máxima do valor da informação, principalmente tendo em vista os consideráveis avanços no campo das tecnologias de comunicação e de informação, que fizeram do conhecimento um produto de massa. O físico americano Michio Kaku, em entrevista ao repórter Sílio Bocaneira, no programa Milênio, da GNT, chamava a atenção justamente para o fato de que somos cada vez mais precocemente confrontada a um universo extremamente heterogêneo de dados, no qual uma variedade extraordinária de informações e de símbolos convive exatamente como em uma colagem, como em uma montagem aparentemente sem sentido, desconexa e aleatória. Jamais, em nenhum momento da história da humanidade, tantas informações estiveram tão facilmente disponíveis e tampouco foram tão rapidamente transformadas em objetos de comunicação de massa. Nesse sentido, o movimento pós-modernista parece-nos estar vinculado à uma perspectiva cognitivista que valoriza as possibilidades individuais para compreender, integrar e veicular códigos múltiplos e variados que modelam a sociedade atual. A facilidade de veiculação de informações na sociedade pós-moderna e os inúmeros suportes existentes, mais ou menos acessíveis ao universo da população, constitui a nosso ver, o principal fator da fusão entre a alta e a baixa culturas e do processo de popularização da cultura junto às massas, fenômeno essencial para a democratização do conhecimento e premissa básica do pós-modernismo, que 14

atribui o mesmo valor, enquanto expressão da cultura e da pulsação de uma sociedade, à um quadro de Riopelle e à um grafite feito sobre um muro qualquer. É possível então concluir que talvez a grande pretensão deste movimento seja a união do homem ao homem, à medida que ele é substancialmente valorizado e reverenciado como agente ativo da construção da história, não através de um engajamento em movimentos sociais quaisquer, mas apenas existindo, contribuindo para a riqueza universal com sua riqueza individual. Tal idéia ressalta uma vocação humanística do pós-modernismo e o situa na posição de uma grande metanarrativa suscetível de justificar e explicar, da maneira mais holística possível, a dinâmica funcionalista da sociedade contemporânea. Quanto à educação, Michael Apple (1995), nessa mesma perspectiva, sugere que a exigência de qualificação tende a diminuir à medida em que as máquinas substituírem o trabalho humano, pois enquanto os computadores se sofisticam, os conhecimentos exigidos para sua utilização declinam. Para Apple (op. cit.), a tecnologia não existe para facilitar os processos industriais, mas, sobretudo e unicamente, para eliminar postos de trabalho nestes tempos de crise do capital. Esse autor acredita que o futuro terá realmente menos empregados, e isto é inevitável. No entanto, os empregos existentes serão enfadonhos, exigirão pouquíssima qualificação, não serão causadores de satisfação , nem serão bem pagos. Ele também presume que as diferenças de classe, de raça e de gênero tenderão a aumentar com o advento da sociedade tecnológica. Conseqüentemente, Apple (op. cit.), advertindo-nos para o fato de que a tecnologia não pode ser vista como um processo autônomo, independente das intenções sociais, do poder e do privilégio, reivindica uma necessária "alfabetização social" que permitirá às pessoas compreenderem com seriedade o impacto da ciência e da tecnologia sobre o trabalho, assim como os seus efeitos sociais mais amplos. Tal cenário polêmico é, em nossa opinião, baseado no desencadeamento de um estrondoso processo de exclusão, diretamente proporcional ao avanço tecnológico, cuja projeção futura indica que a automação do trabalho exigirá cada vez menos trabalhadores implicados tanto na produção propriamente dita quanto no controle da produção. Unicamente baseando-se nesta perspectiva, pode-se supor que a sociedade tecnológica seria caracterizada por um contexto no qual o trabalho passaria a ser uma necessidade exclusiva da classe trabalhadora. O capital, podendo optar por um investimento de porte em automação e em tecnologia de ponta, cada vez mais barata e acessível, não mais teria seu funcionamento baseado exclusivamente na exploração dos trabalhadores, cada vez mais 15

exigentes quanto ao valor de sua força de trabalho. Embora não se possa falar de supressão do trabalho assalariado, a verdade é que a posição do trabalhador se enfraquece (Paiva, 1991), tendo em vista que, com o avanço da sociedade tecnológica, o trabalho humano tende a tornar-se cada vez menos necessário para o funcionamento do sistema produtivo. E as conseqüências de tais aspectos sobre o processo de formação de mão-de-obra são evidentes. Para Kellner (2000), as tecnologias da mídia e do computador estão criando profundas mudanças sociais e que exaltam ao extremo os benefícios da supervia informacional, onde se supõe que os indivíduos consigam dados e entretenimento a seu dispor, insiram-se em novas comunidades virtuais e até mesmo criem novas identidades. Contudo, ele argumenta, sua realidade enquanto integrante das mais avançadas forças de produção cria uma nova sociedade capitalista global, a qual pode reforçar as relações capitalistas de produção e hegemonia. Mas, ao mesmo tempo, contraditoriamente, essas tecnologias também contêm potencial para democratizar, humanizar e transformar as desigualdades existentes no domínio de classe, raça e gênero. Sua tese é que:

“Como a maioria das tecnologias, estas podem ser usadas como instrumentos de domínio ou de emancipação, podem fortalecer os trabalhadores ou podem ser usadas pelo capital como poderosos instrumentos de dominação“.

De acordo com Adorno e Horkheimer (1985) fundadores da Escola de Frankfrut (Teoria Crítica) a mídia enquanto técnica está inserida na lógica da racionalidade enquanto dominação. Para eles é difícil escapar dessa racionalidade instrumental, técnica, onde os meios estão acima dos fins.

"O terreno no qual a técnica conquista seu poder sobre a sociedade é o poder que os economicamente mais fortes exercem sobre a sociedade. A racionalidade técnica hoje é a racionalidade da própria dominação. Ela é o caráter compulsivo da sociedade alienada em si mesma" ( p. 114).

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Os neomarxistas, por sua vez, não são menos pessimistas. Chesneaux (1995), analisando as tecnologias que compõem a mídia sob a ótica da modernidade-mundo pensa que as mesmas guardam uma estreita associação com o poder político e o lucro capitalista.

“Reger toda a Terra...” Tal é a lógica do tecnocosmo. A Informática introduz uma linguagem mundial, uma rede mundial (ou rede de redes), um mercado mundial, normas mundiais. As fábricas de roupas Benneton, em Vêneto, se vangloriam de controlar instantânea e permanentemente a situação de seus estoques em todas as suas lojas do mundo. Os satélites espaciais varrem toda a Terra. A biologia genética é “trans-terrestre” no seu próprio princípio, contorna e desqualifica a lenta diversificação das espécies vivas, segundo o meio biogeográfico de cada uma delas. Quanto à energia termonuclear, lamenta-se que não tenha ainda “apreendido” a totalidade do planeta, senão como virtual dissuasão.” (1995, p. 110).

E juntamente com o mercado, o Estado se apodera desse gerenciamento tornando-se, além de seu cúmplice, o “seu exército”, que, constantemente, desde a época da II Guerra Mundial, tem sido o comandante principal da pesquisa e de suas aplicações no campo da energia nuclear, da Informática, das tecnologias espaciais e, mais secretamente, da biogenética. O átomo, o computador, os satélites, “servem antes de tudo para fazer a guerra”. Tal faculdade, porém, está reservada ao clube dos ricos. Essa tese é também defendida por Emil Vlajki (2001) em seu novo livro: Demonization of Serbs (A demonização dos sérvios). Para Vlajki, a mídia é parte do totalitarismo ocidental onde se fabrica e se vende a realidade, o “consenso”, a vontade de poder. E com ele, junta-se Bagdikian (1993), Chomsky (1998) entre outros. Poole (2000) e Vlajki (2001) alertam para a existência de Echelon, um sistema global de espionagem criado e coordenado pelos Estados Unidos, em conjunção com os governos da Inglaterra, Canadá, Austrália e Nova Zelândia. Esse sistema captura e analisa virtualmente cada chamada de telefone, fax, e-mail e tele-mensagem enviada em qualquer lugar do mundo e é processada/analisada de acordo com um Echelon “Dictionary”, que está na memória dos computadores que compõem o sistema. 17

Apesar de Echelon ter sido criado para o controle das informações na época da Guerra Fria, agora, com o seu fim, ser utilizado no combate contra o terrorismo, desconfiase que pode estar sendo usado para outros propósitos além de sua original missão, ou seja: estariam sendo utilizados para espionagem política e comercial. Bagdikian vê a mídia nas mãos das corporações. Em 1995, em entrevista ao jornal brasileiro Correio Brasiliense ele afirmou:

“Além de darem razão ao meu alarmismo, essas fusões confirmam ainda a tendência ao surgimento das supergigantes”. O surgimento de uma DisneyABC encoraja outras a se tornarem também gigantescas, para não serem absorvidas. Até porque o Congresso não limita o monopólio”.

Sua

previsão era de que, até o ano 2000 ”elas serão seis ou dez, trabalhando umas com as outras, com um poder extraordinário. “ E já chegamos ao ano 2001, e a situação está seguindo a tendência desenhada por ele em 1995.

Chomsky (1998) julga que a mídia fabrica o consenso. Se você, como diz Chomsky, não pode mais forçar as pessoas a obedecerem um regime à força (como fazia a ex União Soviética e outras ditaduras no mundo), então você lança mão de propagandas que garantam que as pessoas concordarão com as ordens que os grupos estão impondo à sociedade. Contudo, considerando-se o crescente aviltamento dos direitos fundamentais da humanidade quanto à liberdade, saúde, emprego e educação - entre outros - julgamos pertinente a seguinte reflexão de Marx:

"Chegou-se finalmente a uma época em que tudo aquilo que os homens tinham considerado como inalienável se tornou objecto de troca, de tráfico e se pode alienar. É a época em que as coisas até então eram comunicadas, mas jamais trocadas; dadas, mas jamais vendidas; adquiridas, mas jamais compradas

- virtude, amor, opinião, ciência,

consciência, etc - em que tudo finalmente entra no comércio. É a época da corrupção geral, da venalidade universal, ou para falar em termos de economia política, a época em que, tendo-se todas as coisas, morais ou

18

físicas, tornado valores venais, entram no mercado para serem apreciados pelo seu mais justo valor". (1975, p. 194)

E não parece que estamos no limite histórico do capitalismo. Ao contrário, a atual fase do capitalismo globalizado está promovendo, ainda mais, o avanço da barbárie. A esse respeito, Hobsbwan (op. cit.) reflete que:

”Os problemas de um globo que hoje pode se tornar inabitável pelo simples crescimento exponencial da produção e da poluição, pelos problemas de um mundo dividido entre uma minoria de Estados muitos ricos e uma grande maioria de Estados pobres, não podem ser resolvidos dessa maneira. Na última década do século, nem sequer parece possível que possam ser resolvidos sem a ação planejada e sistemática

de

governos dentro de Estados e, internacionalmente, sem atacar os redutos da economia de mercado de consumo. As coisas não se acertarão sozinhas. É isto que os socialistas lembram aos liberais. Se essa ação pública e de planejamento não for iniciada por pessoas que acreditam nos valores da liberdade, razão e civilização, será iniciada por pessoas que não acreditam nesses valores, porque terá de ser iniciada por alguém. Infelizmente, é mais provável que seja iniciada pelo fenômeno mais perigoso do nosso fin de siècle”: regimes nacionalistas, xenófobos, demagógicos, direitistas, igualmente hostis ao liberalismo e ao socialismo, porque ambos representam os valores da razão, do progresso e a idade das grandes revoluções. Este é o perigo. Rosa Luxemburgo nos advertiu de que a alternativa real da história do século XX era “socialismo ou barbárie”. Não temos o socialismo: acautelemo-nos contra a ascensão da barbárie, especialmente barbárie combinada com alta tecnologia. “ (1995, p. 216)

Temos certeza de que não será com a globalização bárbara e violenta, como doutrina ou ideologia político-econômica-social, que conseguiremos a promoção de uma sociedade efetivamente livre. Por trás da mídia a classe dominante capitalista, às custas de todos, 19

inclusive dos seus concorrentes, cada vez mais concentra e centraliza o capital, aumentando a miséria e a dominação humana. Entretanto, dado o crescente descompromissso da maioria dos cidadãos parece que as dificuldades atuais em superar esses antagonismos são cada vez maiores. Uma das faces do momento atual é de desesperança, de violência. Kurz (1993), por sua vez, assinala que a crise econômica mundial que estamos vivendo neste final de século gere, não se sabe quando, a superação do modo de produção capitalista. Mas isto, salienta, será o resultado de ações humanas concretas e das próprias contradições do Capital, e não do determinismo tecnológico. Herrera (1993) sinaliza que seria necessário que uma outra estratégia socioeconômica e cultural fosse implementada para superar a opressão: a valorização do ser em vez do ter; a produção compatível com os recursos finitos do meio ambiente; a distribuição equânime da riqueza; a eliminação da divisão social do trabalho; a participação e a educação. Para ele: “Com a tecnologia moderna, aparece também uma nova possibilidade: a informática. Pela primeira vez na história é possível que a população ou os organismos representantes da população possam ter realmente informação para poder decidir, começando pela base“. E ainda:

“E vamos à mudança fundamental do trabalho: à medida que vão sendo transferidas habilidades às máquinas, é preciso operários cada vez menos capazes. Mas há outra solução. É eliminar a divisão social do trabalho. O que quer dizer isso: se toda a Humanidade trabalhar um tempo relativamente breve - estou falando de um futuro não muito longínquo, de um futuro para o qual estamos indo agora - , pode produzir todo o que é necessário. Esse trabalho social necessário poderia ser feito por toda a população, em curta jornada, eliminando-se, pois, essa divisão social do trabalho. “

(...) “Gostaria de reiterar, finalmente, que não podemos

predizer qual será o impacto dessa tecnologia - a Informática - porque esse será um impacto determinado por nós mesmos. Quer dizer, esse impacto tem de ser construído, porque depende, fundamentalmente, da estratégia socioeconômica e cultural na qual esteja incorporado. De maneira que se trata de um desafio” (1993, 21).

20

Esse argumento é também reforçado pelo filósofo Janine Ribeiro (2000) (13) para quem "é esse o diferencial que a Internet pode trazer à democracia. Ela pode permitir um sem-fim de acessos, de contatos, de trocas". Ilan Gur-Ze'ev (2000), analisa que apesar do Ciberespaço ser uma máquina de prazer pós-moderna que visa à reprodução da dominação capitalista em sua fase globalizada e auto-controlada, há ainda a possibilidade do imprevisível e do incontrolável . Essa possibilidade faz com que os sujeitos ressuscitem o que é esquecido ou desconstruído na Rede: o eros, a reflexão, a transcendência e a ética em um diálogo historicamente situado. Para ele:

"O diálogo é o campo em que a luta pela reflexão como possibilidade aberta pode acontecer. Dentro dele, a alteridade do Outro - "interno" ou "externo" - como uma reflexão do infinito e abertura ao ser permite a realização da transcendência no exato momento. A Utopia negativa como uma busca positiva combate em circunstâncias concretas e abre a possibilidade de um momento especial de intersubjetividade não-violenta. Essa intersubjetividade não-violenta envolve reconhecer a diferença, a diferença total e, portanto, é um combate, não uma celebração de machos brancos, racionais e de classes dominantes como é usualmente concebida no Esclarecimento tradicional. Eis porque a contra-educação só pode atuar dentro dos horizontes de um diálogo". (2000).

Contudo, ele adverte que a realização do Espírito crítico não está garantida, dado que o "sujeito assim como o diálogo não são hoje mais do que uma Utopia". Em vista disso, a Educação na Sociedade Tecnológica está no limite do atentado contra a existência do ser humano enquanto sujeito, um ser com dor, sentimentos, paixões e eros, como nos diz Ilan Gur-Ze'ev. E para emancipar essa realidade da opressão capitalista (manifesta ou simbólica) a educação pode vir a ter um papel estratégico, já que na atual fase civilizatória a tecnologia apresenta-se muito sedutoramente, tal como as sereias na Odisséia que tentaram seduzir Ulisses. Felizmente para Ulisses e seu povo, elas não conseguiram. E será que nós conseguiremos emancipar? A utilização, por exemplo, da informática tem sido reacionária/conservadora para a grande maioria da população, tendo em vista o desemprego tecnológico e o descompromisso dos educadores com a democracia (entre outros). A péssima remuneração dos professores, suas duvidosas formações, a deplorável qualidade do ensino 21

nas escolas públicas do ensino fundamental e médio e a semi-alfabetização dos alunos, que inclui países como o próprio EUA, são um indício de que esse fenômeno do descompromisso com a educação não é um fenômeno típico de antigo terceiro mundo, mas um fenômeno mundial . Também Gramsci (1968), já em sua época, salientava esse descompromisso “amesquinhado” dos educadores:

” É este o fundamento da escola elementar; que ele tenha dado todos os seus frutos, que no corpo de professores tenha existido a consciência de seu dever e do conteúdo filosófico deste dever, é um outro problema, ligado à crítica do grau de consciência civil de toda uma nação, da qual o corpo docente é tão-somente uma expressão, ainda que amesquinhada, e não certamente uma vanguarda” (1968, 131).

Contudo, não compactuamos com a visão pessimista nem catastrofista de filosofia da história. Concordamos com Manuel Castells (1999) para quem

"O sonho do Iluminismo está a nosso alcance. Todavia, há enorme defasagem

entre

nosso

desenvolvimento

tecnológico

e

o

subdesenvolvimento social. Nossa economia, sociedade e cultura são construídas com base em interesses, valores, instituições e sistemas de representação que, em termos gerais, limitam a criatividade coletiva, confiscam a tecnologia da informação e desviam nossa energia para o confronto auto-destrutivo. Essa situação não é definitiva. Não há mal eterno na natureza humana. Não existe nada que não possa ser mudado por ação social consciente e intencional, munida de informação e apoiada na legitimidade" . (1999, p.437)

Para Kellner (2001), essa ação consciente e intencional estaria na educação. Para ele, nesse período de dramáticas mudanças tecnológicas e sociais, a educação precisa cultivar uma

22

variedade de novos tipos de alfabetizações para tornar a educação relevante às demandas de um novo milênio. Segundo ele:

“Tenho como pressuposto que as novas tecnologias estão alterando todos aspectos de nossa sociedade e cultura e que precisamos compreendê-las e utilizá-las tanto para entender quanto para transformar nossos mundos. Meu objetivo é introduzir novas alfabetizações para dar força a indivíduos e grupos que tradicionalmente têm sido excluídos e, desse modo, reconstruir a educação tornando-a capaz de reagir melhor frente aos desafios de uma sociedade democrática e multicultural”.

No entanto, a despeito da ubiqüidade da cultura midiática na sociedade contemporânea e na vida de todos os dias, ele argumenta que até agora nada se fez ou se desenvolveu a respeito da educação midiática no sistema escolar fundamental e médio. Para Kellner, fazer alfabetização crítica da mídia seria um projeto que estimularia a participação e o trabalho conjunto de pais, filhos, educadores. Ele cita como exemplo o assistir a shows de televisão ou a filmes juntos. Isso poderia promover discussões produtivas entre os assistentes, aguçando-lhes a percepção e a crítica do que está “por trás” do texto mediático. Para Kellner a alfabetização midiática, assim, envolve o desenvolvimento de concepções interpretativas e críticas. Engajar-se no levantamento e avaliação de textos midiáticos é particularmente desafiador e abarca uma discussão cuidadosa de critérios críticos especificamente morais, pedagógicos, políticos ou estéticos.

E, mais adiante: “Mas a

alfabetização midiática crítica envolve ocupar uma posição acima da dicotomia de protetor e censor. Pode-se ensinar como a cultura midiática fornece afirmativas ou insights significativos sobre o mundo social, fortalecendo visões de gênero, raça e classe ou estruturas e práticas estéticas complexas, girando a um ponto positivo sobre como trazer contribuições importantes à educação. No entanto, deve-se indicar também como a cultura midiática pode estimular o sexismo, o racismo, o etnocentrismo, a homofobia e outras formas de preconceitos, numa abordagem dialética ao mostrar como a mídia pode trazer falsas informações, ideologias problemáticas e valores questionáveis”. E, ao incluir a informática entre as mídias e empregar o termo “multimídia” ele assinala a necessidade de novas alfabetizações, as alfabetizações múltiplas, que iriam além do 23

domínio técnico das mídias, mas que incluiria “o desenvolvimento de eficiências que possibilitam ao indivíduo desenvolver-se em seu ambiente concreto, aprender com a prática e ser capaz de interagir, trabalhar e ser criativo em suas próprias sociedades e culturas”. Citando as idéias de Paulo Freire, ele argumenta que a pedagogia crítica compreende as habilidades tanto de ler a palavra quanto de ler o mundo. Por isso, as alfabetizações múltiplas incluem não apenas a mídia e a alfabetização informática, mas uma extensão diferenciada de alfabetizações sociais e culturais, que vão desde a eco-alfabetização até a alfabetização econômica e financeira e uma variedade de outras competências que nos possibilitam a viver bem em nossos mundos sociais. Ele conclui o seu texto recorrendo à Dewey nos seguintes termos: “De maneira mais enfática, é tempo de assumir a atitude de Dewey de experimentação pragmática de ver o que as novas tecnologias podem e não podem fazer para ver se podem intensificar a educação. Mas também teremos que suplantar o exagero, mantendo uma atitude e uma pedagogia críticas enquanto continuamos a combinar a alfabetização e os conteúdos clássicos com as novas alfabetizações e conteúdos”.

Considerações finais

É possível superar a contradição, a fragmentação? Segundo a lógica dialética, seria preciso negar a negação da mídia e da multimídia na educação para se chegar a um patamar superior superando a contradição que essa relação revela. Contudo, desde os anos cinqüenta/sessenta essa lógica vem sendo questionada, primeiro por Adorno, depois pelos pós-modernistas como Lyotard, Foucault e os pós-estruturalistas como Derrida e Deleuze. Criticando a rigidez da metanarrativa hegeliana senhor-escravo e exaltando a diferença ao invés da contradição, esses filósofos abriram brecha para o questionamento do poder enquanto pertencendo a sujeitos determinados, estando, ao invés, diluídos no tecido social. O poder está em tudo e em todos, até no escravo. O sujeito, por sua vez, não é mais o sujeito do Iluminismo que tem a Razão, a Ciência e a Tecnologia a seu dispor. Agora o sujeito aparece como algo fragmentado e inconsciente, oscilando entre a loucura e sanidade. Não somos mais os seres racionais cartesianos do “Penso, logo existo”. Embora Marx advirta que o indivíduo não é dono de si mesmo, é alienado, ele não se aprofunda nessa constatação. A nosso ver, Kellner ao iniciar sua análise pela vertente marxista e concluir pelo pragmatismo de Dewey, também deixou de lado o aprofundamento dos porquês que ocorrem 24

essas contradições ou mesmo diferenças, como advogam os pós-modernos e pósestruturalistas. Mesmo que suas idéias sejam o bom senso, afinal, é bom senso não ser extremista (ou giz ou computador), educar para “ser capaz de interagir, trabalhar e ser criativo em suas próprias sociedades e culturas” como ele afirma, envolve a superação do ímpeto totalitário que há em todos nós, pois somos, ao mesmo tempo, e de forma fragmentada, bons e maus, verdadeiros e mentirosos, anjos e demônios. Ou seja: Como educar para emancipar numa sociedade totalitária que usa a mídia, e agora a multimída,

para fabricar novos

consensos e impor o totalitarismo ocidental, como diriam Chomsky e Vlajki? Ninguém garante que a educação voltada para desenvolver a competência da democracia irá criar o homem bom, como queriam Rousseau e Dewey na qual Kellner se apóia. Assim como ninguém garante que o contrário não ocorra. Finalizamos esse artigo com o seguinte pensamento de Nietzsche: “Nós homens do conhecimento, não nos conhecemos; de nós mesmos somos desconhecidos... que é a versão contemporânea do que disse o grande filósofo da Antiguidade, Sócrates: "Conhece-te a ti mesmo".

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27

A Gênese Sócio-Histórica da Idéia de Interação e Interatividade

Ângela Correia Dias Doutora em Educação pela Universidade de Londres Hélio Chaves Filho Mestrando em Educação pela Universidade de Brasília

Introdução

Interatividade digital, comunicação interativa, multimídia interativa, interatividade numérica - é grande a profusão e pluralidade de termos, conceitos e teorias que podemos reunir sob o conceito em questão, estes variando de acordo com as diferentes áreas de conhecimento: educação, informática, comunicação, arte, entre outras. Embora a palavra interatividade seja cada vez mais recorrente no nosso dia-a-dia, poucas são as referências encontradas nos dicionários de língua portuguesa. Ainda que a encontremos, o termo está relacionado, quase que invariavelmente, aos meios tecnológicos da informação e da comunicação, como ilustrado abaixo: Interatividade: qualidade de interativo; capacidade de um sistema de comunicação ou equipamento de possibilitar interação; ato ou faculdade de diálogo intercambiável entre o usuário de um sistema e a máquina, mediante um terminal equipado de tela de visualização (Houaiss: 2001). Interatividade: relativo à interação; em informática, relativo a sistemas eletrônicos e de comunicação duplos, em que a resposta é direta e contínua (Dicionário Sacconi: 2000).

Como nas definições citadas acima, defrontamos com outras em que o conceito de interatividade aparece relacionado ao termo ‘interação’, sendo aplicado a diversas realidades e com diferentes sentidos. Nesse contexto, podemos encontrar gradações e modalidades muito variadas, revelando divergências semânticas sobre a definição do termo interatividade. Por um lado, alguns autores defendem que interatividade e sua polissemia já estariam contempladas no significado do termo interação, isto é, ou o neologismo seria desnecessário ou ele se refere a um tipo específico de interação. Em contraste, outros autores diferenciam os 28

dois termos, estabelecendo possíveis similaridades e situam a palavra interatividade como uma transmutação da palavra interação, ocorrida com o advento das novas tecnologias da comunicação e informação. No entanto, muitas são as dúvidas que pairam no ar sob esse “terreno”, onde podemos encontrar os seus sentidos oscilando de um significado mais amplo até um mais restrito: de um lado, interatividade baseada em termos não computacionais, um espaço aberto à discussão e à negociação, que permite a participação de interlocutores. De outro lado, interatividade definida pela intervenção humana na máquina, por meio de um conjunto de recursos tecnológicos, em que a dimensão técnica e o papel do suporte ganham ênfase.

Numa tentativa de compreender o sentido atual dos conceitos de interação e de interatividade e seu uso na educação é fundamental ao nosso ver, que se reconstitua sua gênese histórica, suas genealogias. Em outras palavras, que se examine como foram formadas as palavras e, em seguida, o conceito científico que delas dependem, localizando suas origens e sua evolução semântica. Não se trata de se entregar aqui uma análise lingüística, mas de evidenciar os laços que existem entre a história das palavras “interatividade” e “interação” e a história das idéias. A evolução de uma palavra deve-se, de fato, a inúmeros fatores que não são todos de ordem lingüística. Sua herança semântica cria uma certa dependência, nos seus usos contemporâneos, em relação ao passado (Cuche, 1999).

Nesta perspectiva, o presente texto se propõe, de forma breve, rastrear a gênese sóciohistórica dos conceitos de interação e interatividade, procurando relacionar o conteúdo semântico destes dois termos e suas diferenças a partir dos paradigmas da física no contexto de suas origens, ou seja, das rupturas epistemológicas surgidas com o paradigma da mecânica clássica para a perspectiva da mecânica quântica. Consideramos que essa trajetória possa constituir uma chave importante para a explanação da inserção dos conceitos de interação e interatividade no contexto educacional. Mais especificamente buscaremos analisar como as matrizes do pensamento newtoniano e do princípio da incerteza de Heisenberg ecoam e orientam as ações educacionais na área de informática educativa.

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Os Primórdios da Interatividade e da Interação e suas Origens Conceituais

As revoluções científicas propiciam, em sua época, o surgimento de um conjunto próprio de neologismos. O uso dessas novas palavras bem como sua difusão no meio social provoca debates acadêmicos epistemológicos, procurando fundamentação a partir de variados aspectos, apropriações de outras áreas, legitimação, campo semântico, possíveis gradações, perspectivas para uso e banalizações. Pode ocorrer de palavras apresentarem formas etimológicas semelhantes, mas, por nascerem em diferentes contextos histórico-filosóficos, acabam por significar coisas distintas. O caso ocorrido com os termos interação e interatividade é exemplar. Apropriados em momentos distintos da história, tiveram suas origens vinculadas a rupturas epistemológicas ocorridas em dois paradigmas distintos das sociedades ocidentais. O primeiro tomou vida e difundiu-se no contexto europeu do século XVII com a obra de Isaac Newton e o segundo em meados do século XX, com o advento das novas tecnologias digitais. Atualmente, esses dois termos ora são considerados sinônimos, ora são diferenciados quanto à abrangência de significantes. Neste

trabalho,

propomos

uma

diferenciação

baseada

no

confronto

das

especificidades existentes no conteúdo semântico dos termos originais, ação e atividade e das duas novas palavras construídas com a agregação do prefixo inter. Assim, essas especificidades serão situadas historicamente em relação às mudanças epistemológicas observadas entre a causalidade linear da mecânica newtoniana e o princípio da incerteza da mecânica quântica, no que diz respeito às noções de determinismo e não-determinismo, respectivamente.

Interação na Perspectiva da Mecânica Clássica

O campo semântico do termo ação denota o significado de verbos, isto é, do processo de fazer algo, expresso por algum verbo ativo. Nessa acepção, analisando-se o antônimo desse termo, não-ação, denota-se um estado estático ou de indiferença. Oportunamente, convém ressaltar que estado de indiferença, em geral, não significa um estado de passividade. Combinando ação com o prefixo inter, tem-se um novo significante, interação, cujo significado clássico, “ação entre”, retrata basicamente a atuação de um agente em outro, em relação de mutualidade. A denominação agente não é usada de forma a caracterizar atores fixos nas relações, mas para diferenciá-los no todo; ou seja, um agente pode ser ativo em

30

determinada situação e, em outra, deixar-se agir pelo outro, isto é, submeter-se à ação do outro. Foi com esse sentido que Newton utilizou o termo para designar o conteúdo da sua terceira lei da dinâmica. Isso não quer dizer que essa palavra não tenha sido usada antes, mas seu nascimento e fundamentação “acadêmica” oficialmente ocorreram com o trabalho de Newton. Em seu Philosophiae naturalis principia mathematica, publicado em julho de 1687, o próprio Newton (1974) enuncia: “a uma ação sempre se opõe uma reação igual, ou seja, as ações de dois corpos um [por] sobre o outro, são iguais e se dirigem a partes contrárias”.1 É importante registrar as noções básicas de “ação entre” ou interação, presentes na idéia central da terceira lei em Newton, e situá-las no paradigma emergente daquela época. Ontologicamente, trata-se de uma relação única entre pares, estabelecida especificamente a partir de um único conceito em física: o de força. Dinamicamente, trata-se de submeter um sistema físico à ação de uma força, a qual pode (ou não) criar movimento nesse sistema. Percebe-se, nesse sentido, uma relação natural entre os pares, com que se age e se deixa agir em uma lógica inexorável mútua. Newton, em seu Principia, explicando o que é uma força, como determiná-la, e quais as suas características de interação, conseguiu desvendar vários fenômenos da natureza que envolviam movimento. Sua desenvoltura nesta tarefa permitia-o inclusive fazer previsões. Gleiser2 (1997:185) cita que: “além de ter explicado todos os movimentos no sistema solar, incluindo órbitas dos planetas e cometas, precessão dos equinócios, Newton aplicou sua teoria ao fenômeno das marés mostrando que elas são o resultado da interação entre Sol e Lua”. A abrangência verificada em sua obra, aliada à clareza das explicações e de raciocínio, permitiu um rigor metodológico infalível em sua época. Emergia então um novo paradigma, o da mecânica newtoniana. Thomas Kuhn, em A Estrutura das Revoluções Científicas (1970) observa que o impacto da obra de Newton sobre a ciência do século XVII nos proporciona um notável exemplo dos efeitos da alteração de paradigmas. Assim, o conjunto das descobertas científicas do século XVII, de Galileu a Newton, passando por Kepler, Descartes, Leibiniz, Laplace, dentre outros, conduziram as sociedades ocidentais a rever sua concepção do cosmo, levando-a na direção do paradigma da causalidade mecânica e, conseqüentemente, do determinismo clássico newtoniano:

1 2

Tradução de Carlos Lopes de Mattos (Newton, I. Princípios matemáticos. São Paulo, S.P: Abril Cultural, 1974. GLEISER, M. A dança do Universo, dos mitos da criação ao big-bang, São Paulo: Cia. Das Letras, 1997. 31

“A fundação racional da nova ciência (...) atingiu um nível magnífico de sofisticação durante o séc. XVIII. O mundo físico foi reduzido a partículas maciças interagindo sob ação de forças, conforme ditado pelas três leis da dinâmica e a lei de gravitação universal de Newton. Implícito nessa descrição mecanicista da natureza encontramos um rígido determinismo: se conhecêssemos as posições e velocidades de todos os objetos de um sistema (...) em um dado instante, então, usando as leis de Newton, seria possível caracterizar esse sistema no passado e no futuro.” GLEISER (1997:197) Segundo Northrop3 a perspectiva clássica da mecânica newtoniana apresenta a seguinte formulação: “o estado de qualquer sistema físico isolado, em um dado instante de tempo, fica precisa e completamente especificado pelo conhecimento, empiricamente adquirido, de grandezas físicas como posição e momento linear”. Explicitamente, percebe-se nesse enunciado a noção de causalidade mecânica. Epistemologicamente, na mecânica clássica, o princípio da causalidade mecânica preconiza a possibilidade de se atingir o conhecimento preciso das características de um sistema físico, por meios empíricos e, como decorrência, prever os estados e possibilidades futuros, com precisão, a partir da observação atual. A mecânica newtoniana tem seus pilares nas leis matemáticas de comportamento que podem ser definidas pelas interações internas, fato que explicita a noção de determinismo, referindo-se a uma delimitação precisa de estados possíveis e imagináveis em qualquer instante futuro, a partir da ação entre coisas e do conhecimento dos estados atuais. Gleiser (1997:198) conclui que, nessa perspectiva, “o Universo foi reduzido a um grande sistema mecânico, uma máquina complicada, porém compreensível”. Verificando-se o conteúdo histórico do termo interação no contexto da física clássica, encontram-se palavras-chave como linearidade, causalidade mecânica, determinismo, regularidade, previsibilidade, ação e reação. De modo geral, essas palavras passam a descrever o modo com que um corpo age sobre outro e vice-versa, baseado em leis matemáticas. O conceito de interação, desse modo construído na física clássica, foi apropriado por outras áreas do conhecimento humano, como veremos no caso da Informática na Educação,

3

Professor de direito e filosofia, da Faculdade de Direito da Universidade de Yale, EUA; prefácio de Física e Filosofia, de Werner Heisenberg. 32

levando consigo as concepções e idéias elementares da física newtoniana, ao tratar basicamente da relação de atos entre dois agentes e da produção de “normas de funcionamento” que facilitem a observação e coesão.

Interatividade na Perspectiva da Mecânica Quântica

Semelhante ao termo ação, o termo atividade denota o significante para a qualidade ou estado do que é ativo, isto é, representa a possibilidade e a faculdade do operar, porém, numa perspectiva mais abrangente em relação às possibilidades de ações entre pares. Neste sentido, atividade comportaria múltiplas e variadas ações, mas não estaria restrita a elas, pois em uma atividade, também está agregado um conjunto de estratégias e escolhas para as ações, em uma relação dialética. Essas ações, a priori, não estão determinadas. Quando se liga ao prefixo inter, surge o neologismo interatividade, significando “atividade entre” e não a “ação entre”. Um princípio interativo rejeitaria a passividade perene, isto é, perpassa por sua potencialidade no que diz respeito às ações possíveis dos vários atores envolvidos. Em distinção ao termo interação, interatividade conota idéia de fluxo, não-linearidade, descontinuidade, indeterminismo, baseando sua perspectiva ontológica sobre a trama dinâmica das relações entre o todo e as partes, no lugar de essências individuais. (Abramo:1996:1) A idéia de interatividade como um processo que favorece a participação ativa de interlocutores não é nova e nem é uma característica intrínseca das novas tecnologias de comunicação e informação, como defendem alguns autores. Segundo Arlindo Machado (1979), a idéia de interatividade já se encontrava presente em Bertolt Brecht, ao imaginar o rádio como um meio de comunicação mediante o qual o povo pudesse intervir nos debates do Congresso Alemão em 1932.

Do mesmo modo, Marco Silva (2000) postula que a

interatividade não é meramente um produto da tecnicidade informática, mas também possui raízes na chamada arte participacionista da década de 60, iniciada com a antiarte de Oiticica que privilegia a arte como obra aberta na qual a co-autoria do espectador era essencial. “Uma nova era está começando: é a era da grande participação. [...] a proposição tende a ser a da participação livre, criativa; algo logo acessível a todos. Essa nova era é a da interatividade. E já estava presente nos parangolé na antiarte” (Silva, 2000:125).

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Da mesma forma que a arte busca renovar e transformar, propondo uma nova relação entre o público e o espetáculo, outras áreas do conhecimento - como no campo física - recusa e transcende a visão clássica newtoniana. O princípio da incerteza de Heisenberg e a lei da relatividade de Einstein são grandes contrapontos a essa visão de mundo. Ao contestar os conceitos mecanicistas tradicionais de conceber o espaço como algo acabado e definitivo, sugere um ponto de vista alternativo no qual o mundo passa a ser regido por interconexões, indefinidas e plurívocas. O paradigma da mecânica quântica possibilitou, desta forma, a abertura para o estabelecimento de uma nova perspectiva baseada na idéia de abertura e multiplicidade. Feynman (1999) enfatiza uma diferença importante entre as mecânicas clássica e quântica: a primeira permite prever exatamente o que ocorre, enquanto a segunda, não nos permite incursões futuras em uma dada circunstância. Um sistema quando tratado na perspectiva quântica apresenta princípios físicos não-deterministas no tratamento das inter-relações, isto é, o conhecimento de seu futuro não se dá por extensão ao conhecimento da atualidade, só ocorreria após sua observação empírica mediante os critérios de incertezas probabilísticas. Isto significa dizer que um sistema quântico é regido por probabilidades de ocorrências e não por determinismos. Em contraste, no paradigma quântico o próprio fato de se observar uma realidade já cria interferências naturais gerando-se novas expectativas. Heisenberg (1999) comenta que “isso é realmente um resultado muito estranho, visto que parece indicar que a simples observação tem um papel decisivo nos acontecimentos e que a realidade varia, dependendo se a observamos ou não”. Esse raciocínio está baseado no princípio da incerteza de Heisenberg e inviabiliza as premissas clássicas de determinismo, pois, ao se conhecer uma faceta da realidade, perde-se todo o conhecimento do restante. Nesse sentido, resgata-se a noção de potencialidade no que diz respeito às probabilidades envolvidas. Einstein, deparando-se com a teoria quântica e suas probabilidades, descrente da sua aplicabilidade no mundo real, teria dito: “Deus não joga dados!”.

Os Ecos do Paradigma Clássico na Educação Informática

As mudanças tecnológicas e sociais em curso no mundo contemporâneo inseriram o homem num novo contexto, numa nova maneira de se relacionar com a vida, alterando, assim, hábitos, valores, modos de ver, ler, ouvir, pensar e sentir. Neste contexto, a escola percebe que são necessárias mudanças, novas atitudes docentes são exigidas e que é 34

fundamental refletir e analisar a maneira tradicional de produzir e transmitir conhecimentos. Pensar educação, hoje, portanto, não é apenas adaptar procedimentos, mas, sobretudo, repensar e reinventar a aprendizagem e o ensino a fim de enfrentar desafios representados pela cultura contemporânea e a emergência de um novo leitor e observador. Neste sentido, é fundamental discutir e refletir criticamente o uso das diferentes funções da tecnologia na educação, remetendo à necessidade de tematizar e questionar os meios tecnológicos de informação e comunicação não como meros recursos técnicos que veiculam conteúdos pedagógicos através de atraentes e coloridos desenhos, sons e animações, mas como meios que podem ser concebidos como um instrumento de mediação e de expressão no qual é possível provocar novos modos de produzir conhecimentos. A relevância de refletir criticamente sobre a potencialidade dos meios tecnológicos deve-se ao fato de que a grande maioria dos softwares educacionais (aplicativos multimídia ou hipermídia), que circulam no contexto escolar, não proporciona novas idéias nem novas perspectivas no sentido de renovar a maneira tradicional de conceber a aprendizagem. Pelo contrário, com raras exceções, os softwares educacionais são entendidos como um recurso auxiliar, pronto e acabado, que tem como funções reforçar conteúdos, motivar e avaliar conhecimentos. Em síntese, o software educativo tende a ser um canal ou veículo que transmite informações e administra tipos de exercícios aplicados tradicionalmente por um professor num quadro-negro ou por um livro didático. Como aponta Machado (2001:106): “Creio que mais de 90% dos aplicativos multimídia ou hipermídia que inundam o mercado de informática são constituídos, na melhor das hipóteses, de material didático para difusão massificada do conhecimento. Aplicações sérias e de alto nível, capazes de representar uma alternativa à cultura do livro e do texto escrito, ainda são bastante raras”.

Ao reproduzir o modelo tradicional de comunicação, os softwares educacionais sistematizam o paradigma clássico. O princípio norteador desse paradigma consiste na transmissão de mensagens. Fundado numa lógica matemática, o processo de comunicação é linear, unilateral, e estabelece uma divisão clara dos papéis e funções entre o emissor - que codifica e envia as mensagens, e o receptor - que recebe e decodifica as informações transmitidas. Além disso, os elementos constitutivos do processo de comunicação – as mensagens e os enunciados - são separados em pequenos segmentos ou em módulos numa 35

escritura seqüencial e linear. De aplicabilidade rápida, planejável e executável com maior rapidez, facilitada pelas decomposições estruturais internas que supõem estados sucessivos a partir de uma dada estrutura, que podem se reproduzir infinitamente (Da Silva:2002). Esse paradigma generalizou-se e tornou-se o modelo hegemônico em quase todos os estudos na área de planejamento, desenvolvimento e avaliação, sobretudo do software educacional, visto que o que determina e define a avaliação e seleção dos softwares mais adequados à consecução da estratégia didática é a eficácia, validada mediante o atendimento de alguns critérios: precisão, objetividade e coerência. Postula-se, assim, a necessidade de um ambiente de aprendizagem apoiado pelo computador sintonizado com a ordem e precisão, apto a fornecer uma aprendizagem rápida e eficiente. Explícito nesta proposta é a primazia de transmitir e distribuir, através de um canal no caso o software - o máximo possível de informação com o mínimo de distorção e com a máxima economia de tempo e energia. O importante aqui é: velocidade de transmissão, quantidade de informação, rendimento informacional e diminuição das distorções através da eficiência e exatidão com o objetivo de controlar a entropia, como se isso fosse previsível. O termo interação, quando utilizado neste modelo de comunicação, conota caráter de causalidade linear expressa nos pólos do processo que definem uma origem e um fim. Por exemplo, quando as estratégias comunicativas são dicotomizadas em emissor (sujeito ativo) e receptor (receptáculo acrítico do primeiro), priorizando fundamentalmente o pólo de emissão, emerge explicitamente a visão sistêmica da mecânica clássica. De forma análoga à perspectiva newtoniana, postula-se que basta conhecer a posição e a velocidade iniciais dos objetos, para que uma lei natural possa prever todos os eventos a eles relacionados, sua origem e seu destino. Verifica-se nesta relação um caráter restritivo e redutor quanto ao uso do termo interação, pois está centrada no princípio da causalidade mecânica, na medida em que o resultado das ações pode ser avaliado como se estivesse obedecendo a um contrato (lei) latente de estabilidade, no qual prevalece o imediatismo da reciprocidade ou mutualidade. Essa visão assume, quando aplicada nos softwares educacionais, características deterministas e de pretensão de neutralidade que permite a ilusão de se construir leis e fórmulas - racionais e objetivas - capazes de prever com exatidão uma aprendizagem rápida, clara e eficaz. Neste contexto, como sugere Araújo (1996): “A realidade pode até ser complexa, mas o modelo é simplificador. Além disso, ele é atemporal, universal, generalizável, rígido, pois 36

permite identificar uma realidade congelada - e estático- ele não permite alterações durante a execução do estudo. [Desta forma], o processo de significação se reduz às funções mecânicas de codificação e decodificação. A mensagem nesse sentido é tida como uma materialidade rígida”. Examinando alguns pontos mencionados acima, podemos inferir fortes intersecções e influências entre os modelos de gestão dos processos comunicacionais presentes na maioria dos ambientes de aprendizagem apoiados pelos softwares educacionais e os modelos construídos pela lógica newtoniana, no que diz respeito às suas estruturas fechadas, unívocas e estabelecidas pela linearidade e pela lógica seqüencial. Embora a perspectiva do paradigma clássico ainda triunfe em muitos contextos escolares, estão sendo consolidadas novas estratégias metodológicas, teorias e suportes conceituais que evidenciam o esgotamento desse modelo reducionista de comunicação, uma vez que se atesta a impossibilidade de reduzir a criação e produção de significação a um processo mecânico, tecnicista e reducionista.

Da Física Quântica ao Hipertexto

A disseminação das novas tecnologias de informação e comunicação vem nos obrigando a revisar categorias e conceitos monolíticos e cristalizados do paradigma clássico, apontando para a construção de um novo modelo que nos remete a uma visão bem mais complexa e dinâmica dos processos comunicativos, representada pela lógica hipertextual. Se o paradigma clássico tentou definir o que é comunicação de forma estruturada e controlada, a perspectiva hipertextual subverte a ordem linear e seqüencial do conceito clássico de causalidade, concebendo a comunicação como um processo móvel, fragmentado, descentrado e indeterminado. A primeira, e talvez a mais importante decorrência desta nova configuração, na área de informática educativa, diz respeito à ruptura com o modelo clássico do emissor-receptor, que reduz, como mencionado anteriormente, os sujeitos ao papel de receptores passivos. Ao violar as regras de ordem e hierarquia evocadas pelo modelo linear de comunicação, a interatividade, no contexto hipertextual, surge como nova modalidade comunicacional, manifestando e imprimindo suas marcas em múltiplas esferas do mundo contemporâneo, em busca de uma nova dimensão, diante de uma necessidade crescente à não passividade, representando, assim, um fenômeno mais amplo que a “ação entre”, e de maior 37

abrangência em relação ao termo interação, pois conota uma idéia de potencialidade, descontinuidade e atividade. A participação ativa, neste contexto, implica partilhar, trocar opiniões, associar, estabelecer relações, rejeitar e conflitar idéias a partir de fragmentos (dados, fatos, situações). Para tanto, parte-se de uma gama heterogênea de fontes de informação e linguagens que falam aos diferentes sentidos e percepções (visual, auditivo, sinestésico, intuitivo, cognitivo). Na medida em que no espaço hipertextual co-existem múltiplos pontos de vista, espalhados numa rede de conexões, e que dentre estes pontos conectáveis não há nenhum deles que exerça uma posição central ou principal, a leitura que se constrói é um intertexto (relação entre-textos e vozes heterogêneas), fruto da associação de dados de várias naturezas, fontes e linguagens (imagens, sons, textos escritos, interesses e percepções do sujeito), a partir dos interesses e necessidades do sujeito/construtor que os seleciona. Neste sentido, a seleção de informações que participa da construção da significação e do discurso não segue uma ordem contínua e pré-definida por raciocínio anterior, mas segue a linha de raciocínio particular e específica do interesse que a guia. Nesta perspectiva, a ação que se propõe é não-linear, ou seja, o sujeito/construtor percorre seu próprio caminho, decide que fragmentos de texto acessar. Não há uma ordem pré-definida a seguir. Ao protagonista é dado mais do que o papel de escolher o significado de seu interesse, que fará parte da sua aprendizagem. Cabe a ele interagir com as idéias ali expressas e construir a sua significação. A capacidade de interagir significa, nesse contexto, ter uma postura e uma atuação crítica em face dos elementos constituintes da aprendizagem autônoma. A interatividade, desta forma, não apresenta caráter de causalidade mecânica (o que pode ocorrer nas interações), uma vez que a co-construção característica da “atividade entre” abre caminhos para a participação e intervenção - permitindo que sujeitos se percebam mutuamente e se hibridizem com idéias mútuas.- como no princípio de incerteza de Heisenberg, em que todo fenômeno sofre os efeitos de sua observação. Assim, a interatividade seria uma espécie de condição de interlocução em que, continuamente, modifica-se o objeto de observação, seguindo critérios de permutabilidade e potencialidades, e de descontinuidade e indeterminismo. Essa nova configuração, na área de informática educativa, se apresenta como uma matriz epistemológica que abre caminhos para a flexibilidade, a multiplicidade - indefinida, aberta e plurívoca -, categorias profundamente sintonizadas com os conceitos paradigmáticos

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surgidos na física quântica que desmistificam a morfologia linear da física clássica, como podemos observar nos quadros comparativos ilustrados abaixo.

Quadros Comparativos

PARADIGMAS DA FÍSICA

TERMOS

INTERAÇÃO

INTERATIVIDADE

SIGNIFICADO LITERAL

MECÂNICA CLÁSSICA

MECÂNICA QUÂNTICA

AÇÃO ENTRE

PERSPECTIVA DA CAUSALIDADE MECÂNICA

ATIVIDADE ENTRE

NÃO É CONTEMPLADO POR SEU CARÁTER REDUCIONISTA

IMPLICAÇÕES

CASO PARTICULAR DETERMINISMO DE AÇÃO

PERSPECTIVA DA CAUSALIDADE PROBABILÍSTICA

PRINCÍPIO DA INCERTEZA

INTERAÇÃO E INTERATIVIDADE APLICADOS À EDUCAÇÃO INFORMÁTICA PERSPECTIVA DA FÍSICA CLÁSSICA

PERSPECTIVA DA FÍSICA QUÂNTICA

INTERAÇÃO ENTRE EMISSOR E RECEPTOR E O OBJETO DA COMUNICAÇÃO É A MENSAGEM

INTERATIVIDADE ENTRE SUJEITOS E OBJETO DA COMUNICAÇÃO

OBJETO DA COMUNICAÇÃO – DETERMINADA, FECHADA, IMUTÁVEL, LINEAR E SEQÜENCIADA

OBJETO DA COMUNICAÇÃO – POSSIBILIDADES DE CONSTRUÇÃO E MODIFICAÇÃO

Determinismo ditado por leis de ordenamento

Não-determinismo preconizado pelo princípio de incerteza

EMISSOR – CONSTRUTOR DA ESTRATÉGIA PARA INTERAÇÃO

EMISSOR E RECEPTOR EM RELAÇÃO DE COMPLEMENTARIDADE

RECEPTOR – PARTICIPAÇÃO NULA

RECEPTOR – ALTO GRAU DE PARTICIPAÇAO

Conclusão

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Mediante as análises aqui expostas, o campo semântico da palavra interação, bem como seu uso no contexto educacional, pode situar-se no plano das idéias de causalidade mecânica e de determinismo, presentes no paradigma da mecânica newtoniana, enquanto o termo interatividade apresenta conteúdo compatível com o paradigma quântico da física, no que diz respeito ao princípio da incerteza e do não-determinismo. Desta forma, interatividade representaria um princípio de inter-relações amalgamadas em um conjunto de atividades entre múltiplos atores e textos no sentido da co-construção da comunicação, enquanto interação referenciaria as várias ações contidas no conjunto de atividades internas a um sistema. Remetendo estes dois paradigmas para a área da informática na educação, podemos inferir que os ecos e as ações do paradigma clássico refletido e refratados nos softwares educacionais (aplicativos multimídia e hipermídia) representam uma visão monológica da aprendizagem na qual apenas uma voz é ouvida - a do emissor - anulando, desse modo, o diálogo e a reconstrução de significações e dificultando a formação de sujeitos mais autônomos e criativos. Em contraste, o princípio da interatividade vinculada à gênese da física quântica problematiza os aspectos da comunicação linear e determinista - modelo marcado pela rigidez, falta de espaço para a autonomia e criação -, propondo uma nova configuração do processo comunicacional: a) um processo de troca, ação partilhada, e não apenas um processo de transmissão de mensagens; b) um espaço que permite a participação de interlocutores e a intervenção dos sujeitos envolvidos em processos de produção e interpretação de sentidos; c) um espaço aberto à discussão e à negociação; d) um espaço aberto à leitura e produção crítica e analítica. Nesta perspectiva, a interatividade é, de certo modo, uma versão do dialogismo e da polifonia que Bakhtin aponta: uma possibilidade para o diálogo entre as diferentes vozes, para negociação dos sentidos e para a construção coletiva do pensamento. Nesse sentido, o eixo da comunicação no contexto hipertextual, é a interlocução, o diálogo, a interação mútua; abrindo espaço para um jogo dramático de vozes que torna multimensional, criando uma tensão dialética que configura a arquitetura própria de todo discurso (Barros:1999). Em consonância com a concepção bakhtiniana, acreditamos que somente sendo educado de forma interativa, descontínua, heterogênea, intertextual e que não proponha a imposição, mas a construção da realidade; é que o sujeito poderá ter acesso a uma formação mais autônoma de sua aprendizagem, contribuindo, assim, para a transformação da educação enquanto um processo crítico e reflexivo.

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A gestão de relações educativas apoiadas pelo computador por meio da pedagogia de projetos

Gilberto Lacerda Santos Doutor em Educação pela Universidade Laval (Canadá) Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília

Resumo Neste trabalho, abordamos a problemática da gestão das relações educativas apoiadas pelo computador por meio da pedagogia de projetos. Apontamos algumas premissas de um novo modo de formação, em que a pedagogia de projetos aparece como uma estratégia pertinente e promissora e elencamos algumas experiências desenvolvidas pelos alunos da Oficina de Informática Educativa do programa de Licenciatura em Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília.

Relações educativas apoiadas pelo computador: problemas de gestão

A integração efetiva do computador nas relações educativas ainda constitui uma situação problemática de grande complexidade, tendo em vista a insuficiência de intervenções significativas neste sentido no âmbito dos programas de formação de professores da quase totalidade de universidades brasileiras. De fato, tanto professores em formação quanto professores em exercício têm manifestado sistematicamente seu desconforto em gerenciar relações

educativas

apoiadas

pelo

computador

tendo

em

vista,

sobretudo,

seu

desconhecimento da real natureza de tais relações educativas, supostamente inovadoras, mais dinâmicas, descentralizadoras do papel do professor e potencializadoras das ações discentes. É o que demonstra tanto nossa atuação, há vários anos, na condução de oficinas de informática educativa no programa de formação de professores da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, quanto observações de meios escolares onde houve inserção do computador como recurso de ensino e de aprendizagem (Maciel e Lacerda Santos, 2001). 43

Tal situação de desconforto é sobretudo oriunda do fato de que a introdução do computador na escola é acompanhada de uma grande expectativa com relação à modificação da própria relação educativa, na medida em que há uma representação social extremamente positiva em torno do potencial do computador como tecnologia de ponta, capaz de transformar os processos humanos. Desta forma, com o advento das novas tecnologias de comunicação e informação, o campo da educação está cada vez mais pressionado por mudanças que venham

a alterar qualitativamente a dinâmica da mediação pedagógica

(Moran, Masetto e Behrens, 2000). Tal expectativa coloca em evidência a problemática de se desenhar um modelo de formação de professores que inclua uma sistemática de apropriação crítica e contextualizada da informática, de forma a possibilitar a exploração plena de seu potencial na constituição de ambientes de aprendizagem que permitam que alunos e professores redimensionem seus papéis, como apontam Almeida e Fonseca Júnior (2001). As relações educativas apoiadas pelo computador inserem-se na perspectiva de um novo modo de formação (F2) que, em oposição a um modo tradicional de formação (F1), avança na direção de uma pedagogia inovadora (Lacerda Santos, 2001), que possa responder a uma série de necessidades da educação na dita Sociedade da Informação, tais como a atualização contínua de fontes de informação, o desenvolvimento de talentos e competências em diferentes áreas, o desenvolvimento de atitudes e valores para a convivência com autonomia e cooperação, o desenvolvimento de competências e habilidades suscetíveis de permitirem o acompanhamento da evolução dos campos profissionais e o surgimento de novos campos (Fagundes, Sato e Maçada, 2001). Algumas premissas podem então ser enunciadas para caracterizar este novo modo de formação. A primeira premissa relaciona-se com a evolução de um modelo de formação estática, em que o conhecimento é facilmente (ou equivocadamente) circunstrito e delimitado pelo material didático disponível, para um modelo dinâmico, em que os muros da escola são extrapolados e o ato de estudar é profundamente ancorado na inovação de estratégias, métodos, técnicas, abordagens (figura 1).

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Estático e baseado na continuidade

F1

Dinâmico e baseado na inovação

F2

Figura 1: Evolução dos modelos teóricos e pragmáticos no ensino de Ciências

A figura evidencia que as relações educativas tradicionais têm suas bases alicerçadas em torno da continuidade e da natureza “estática” dos conhecimentos, sumariamente apresentados em materiais didáticos (livros, filmes, softwares). Por outro lado, relações educativas apoiadas pelo computador, que correspondem ao F2, deverão ser conduzidas na direção da inovação, do dinamismo do conhecimento e da ação docente, o que implica em processos contínuos e continuados de aprendizagem. A segunda premissa é fortemente ancorada na reinvenção das relações educativas, de modo que ocorra uma superação de abordagens tradicionais de formação docente de natureza condutivista, que contemplam cada “saber” ou “saber fazer” como algo que se pode adquirir com um treinamento específico proporcionado de fora (Carvalho e Gil Perez, 1993) e reprodutivistas, voltadas para a transmissão sistemática, acrítica e estática dos conhecimentos. Igualmente, precisam de superação as idéias essencialistas que propõem que um bom professor “nasce” como tal, desarticulando programas mais amplos de formação de professores. Em contraposição, o novo modo de formação acena com as possibilidades da abordagem construtivista, que estabelece interações entre os diferentes atores da relação educativa e que humaniza este processo, evidenciando suas dimensões cognitivas, afetivas e sociais (figura 2).

Figura 2: Evolução de abordagens didáticas nas relações educativas

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Condutivistas, reprodutivistas e essencialistas

F1

Construtivistas

F2

A terceira premissa refere-se ao fato de que, no modo tradicional de formação, o estabelecimento de ligações entre campos de conhecimentos distintos ainda é uma “caixa preta” com raras incursões de sucesso. De fato, a interdisciplinaridade, importante componente do F2 apontado por inúmeros educadores como crucial para a adequação da escola às novas demandas sociais em termos de educação formal e não-formal, é “novidade” cujas dimensões ainda não foram completamente compreendidas. No contexto da transposição didática de conhecimentos, o saber do professor é delimitado como sendo um saber de intermediação e de regulação, construído pelo docente através de suas interações formais e informais com o meio social e com o conteúdo, na perspectiva de seus objetivos pedagógicos. No entanto, como articular um tal saber por meio da interconexão com outros saberes, permitindo sobretudo a reinvenção dos saberes, a construção e a reconstrução contínua de conhecimentos, o abandono de uma perspectiva unidisciplinar, mais próxima das premissas do F1, para uma perspectiva transdisciplinar, mais adequada ao novo modo de formação? Eis uma questão que é na verdade uma exigência para garantir a passagem do F1 para o F2, explicitada por meio da figura 3:

Unidiscisciplinar

F1

Transdisciplinar

F2

Figura 3: Evolução do modo de abordagem dos campos de conhecimento

A passagem do unidisciplinar para o transdisciplinar implica também em uma diversificação de espaços de interação com conhecimentos, antes concentrados unicamente na escola. A sociedade da informação abre espaços para que conhecimentos formais possam ser 46

construídos em diferentes locais, inserido a escola em uma rede de formação altamente integrada com o meio social e suas diferentes instâncias. Esta quarta premissa é representada na figura 4:

A escola como único locus de formação

F1

Pluralidade de locus de formação

F2

Figura 4: A evolução para a pluralidade de locus de formação

O combate ao hermetismo no tratamento dos conteúdos pedagógicos é um outra premissa essencial para a migração do F1 para o F2. Este talvez seja um dos pontos mais críticos porque ele implica na modificação de posturas tradicionais com relação ao conhecimento, geralmente percebido como patrimônio do professor a ser distribuído em doses homeopáticas aos alunos. Seria importante, portanto, que o F2 fosse construído com base em uma maior abertura para a compreensão de que todo e qualquer conhecimento está sempre em processo de construção, seja ele coletivo ou individual. E que a escola é um espaço privilegiado onde diferentes atores se encontram para, juntos, avançarem na descoberta, na reinvenção, na (re) construção dos conhecimentos, na perspectiva de compreendê-los e apreendê-los (figura 5).

Hermetismo, distância, conhecimento construído

F1

Abertura, proximidade, conhecimento em construção

F2

47

Figura 5: Evolução das representações acerca do conhecimento

A sexta premissa diz respeito à evolução da percepção da formação recebida por parte dos próprios alunos. No F1, a formação escolar era percebida como o mecanismo definitivo de formação, efetiva e eficaz, estática, inerte e normalmente impermeável às inovações nos diferentes campos de conhecimento. No entanto, a própria evolução dos conhecimentos, a mundialização dos processo produtivos, as sucessivas revoluções tecnológicas (Schaf, 1995) e o dinamismo comunicacional da sociedade atual (Castels, 2000) mostram, e com muita ênfase, que a formação deve sempre ser percebida como sendo uma formação inicial, suscetível de ser modificada, reestruturada pelo próprio indivíduo em função de interrelações que ele estabelecerá, individualmente e no seio de novos grupos, com conhecimentos inéditos, com inovações, com a evolução de seus saberes individuais e coletivos. Esta premissa é evocada na figura 6.

Formação final, concluída, dispensando ajustes

F1

Formação inicial, evolutiva, devendo ser continuada

F2

Figura 6: Evolução da dinâmica da formação do professor

Enfim, a gestão de relações educativas apoiadas pelo computador, na medida em que estas últimas correspondem às características do novo modo de formação (F2), apresenta uma série de dificuldades para as quais os professores geralmente não estão preparados. Além do mais, o grande número de informações aos quais os alunos têm acesso, não apenas na escola mas principalmente fora dela, gera diversas situações em que professores têm que lidar com uma total ignorância dos processos cognitivos dos alunos. Isto ocorre por diversas razões entre as quais o próprio tempo da relação educativa e a complexidade das situações pedagógicas em que contribuições dos discentes são importantes para a construção de novos conhecimentos. 48

Tendo em vista o exposto, é bastante claro que o uso efetivo, criativo e construtivo do computador na educação suscita uma série de situações que podem ser de grande complexidade para o professor, especialmente se levarmos em conta o desenho atual dos programas de formação docente, como comentamos no início, e a imperiosa necessidade de se avançar para a adoção de novas formas de ensinar e para a compreensão de novas formas de aprender, como evidencia Antunes (2002), de modo que o docente possa situar-se em meio ao seguinte questionamento que, de certa forma, delineia a intervenção educativa na escola da sociedade da informação:

1. Como integrar o computador como meio e não como finalidade das aprendizagens? 2. Como diversificar o uso da tecnologia na relação educativa? 3. Como fazer com que o aluno gerencie seu próprio processo de aprendizagem? 4. De que forma promover a interação do aluno com diferentes linguagens de comunicação e expressão? 5. Como descentralizar a relação educativa e implementar dinâmicas de aprendizagem colaborativa? 6. Que estratégias utilizar para integrar, na relação educativa, o respeito às múltiplas inteligências, aos múltiplos saberes do aluno? 7. Como construir significados em impor sentidos? 8. Como formar para a autonomia, a criatividade, a criticidade, a sensibilidade? 9. Como promover a emergência de competências diversas e despertar capacidades motoras, emocionais, cognoscitivas? 10. Como organizar e estimular situações de aprendizagem em que o aluno seja autoavaliado?

E é justamente como um poderoso instrumento de apoio à ação docente, à formação continuada do docente e à sua evolução neste contexto de complexidade, que a pedagogia de projetos surge como uma estratégia eficiente e eficaz para a gestão das relações educativas.

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A pedagogia de projetos como estratégia de gestão

Projetos de aprendizagem envolvem a definição de planos de trabalho e de uma série de atividades que, embora diversificadas e lançando mão de diferentes recursos, são complementares e articulam-se em torno de um mesmo objeto de conhecimento. A proposta da pedagogia de projetos avança na direção da construção da autonomia do aluno para propor, conceber, desenvolver e avaliar uma atividade, normalmente realizada no contexto de um trabalho de equipe. Tal proposta incorpora conceitos relacionados com uma pedagogia mais dinâmica, profundamente articulada em torno da criatividade, da motivação intrínseca, da auto-avaliação e da construção ativa de conhecimentos. Originada do método de projetos dos educadores americanos Dewey e Kilpatrick, a pedagogia de projetos assenta-se sobre o aprender a aprender e não sobre o ensinar, como enfatizam Madalena e Costa (2002). As autoras evocam o termo construção, em detrimento do termo instrução, para colocar em evidência algumas idéias centrais da pedagogia de projetos, com as quais compartilhamos totalmente. Primeiramente, trata-se de processo interativo em que conhecimentos estão em permanente construção, independentemente da intervenção direta do professor, quebrando os vínculos de dependência do aluno com relação a este último, sem no entanto diminuir-lhe a importância na dinâmica da relação educativa. A realização de um projeto envolve o aluno em uma situação de interação com conhecimentos, pelo viés da construção e da reconstrução de conceitos, de idéias, permitindo que o indivíduo transite mais naturalmente e seguro de seus saberes individuais para os saberes coletivos e vice-versa. Na medida em que têm a prática como suporte para a reflexão, os projetos de aprendizagem incorporam princípios propostos por Kolb (1984) para a promoção de aprendizagens significativas e permitem que o aluno passe pelos quatro estágios da aprendizagem, conforme pensamento do autor: parte da experiência concreta, passa pela observação refletida, pela conceituação abstrata e chega à experimentação ativa, recomeçando o processo logo em seguida, em uma dinâmica que incorpora a cooperação, a reflexão e a tomada de consciência. Permitem também que sejam respeitados os diferentes estilos de aprendizagem dos alunos (Kolb, 1979), ou o que Jung (1977) chamaria de tipos psicológicos. A interdisciplinaridade é igualmente uma importante característica dos projetos de aprendizagem, que podem e devem avançar por diferentes campos de conhecimento, amealhando contribuições e estabelecendo ligações muitas vezes ignoradas pelos professores. Neste sentido, os projetos constituem espaço privilegiado para a 50

manifestação dos conhecimentos privados dos alunos, para a criatividade, para a invenção, para o fortalecimento da auto-estima. Outra importante característica dos projeto de aprendizagem reside no fato de que eles rompem com a rigidez da sala de aula, com os horários estabelecidos, com o currículo, com as seqüências didáticas estabelecidas pelos programas escolares, com os pré-requisitos, com o espaço, com o tempo, com as hierarquias, de modo que a relação educativa seja verticalizada no que se refere às interações alunosprofessores e alunos-alunos. Se na relações educativas tradicionais, a adoção da pedagogia de projetos permite que se alcance resultados significativos (Almeida e Fonseca Júnior, 1999; Hernandez, 1997; Hernandez e Ventura, 1998, 1996; Leite, 1996), no campo da informática educativa, suas possibilidades são imensas, especialmente como instrumentos de gestão de relações educativas apoiadas pelo computador, em situações em que o uso de tal tecnologia é, por si mesmo, um fator problemático para o docente. Neste caso, o projeto de aprendizagem construído em torno da utilização do computador abre espaço para uma plena utilização desta tecnologia, como meio de aprendizagem, inserida em um contexto mais amplo de diálogo com outras tecnologias, tanto materiais quanto intelectuais. O professor, interagindo com os alunos, libera-se da tarefa de ensinar o uso do computador e do peso de ter que mostrar-se excelente em tal uso, para aprender juntamente com seus pares-discentes. A gestão da relação educativa torna-se, portanto, tarefa muito mais simples e envolvente, constituindo inclusive interessante instrumento de formação continuada do professor. A relação educativa apoiada pelo computador encontra na pedagogia de projetos um excelente lastro para justificar e organizar as intervenções discentes e um excelente argumento para a utilização da informática de forma contextualizada e integrada à conteúdos específicos, permitindo que os alunos envolvam-se na concepção dos ambientes de aprendizagem necessários à sua própria formação. Em tais projetos de aprendizagem, o computador é empregado da maneira mais ampla possível, seja como suporte para o uso de algum aplicativo ou software educativo, seja como meio de pesquisa, comunicação e de expressão, ou ainda como suporte para o fio condutor do projeto pedagógico, para cálculos diversos necessários ao mesmo, como instrumento de gestão dos trabalhos e de avaliação dos resultados. No entanto, é importante frisar que a noção de ambiente de aprendizagem que adotamos é baseada na multiplicidade de recursos, meios e linguagens. Assim, outras mídias e tecnologias, intelectuais e materiais, são perfeitamente elegíveis para comporem o projeto pedagógico, que é, via de regra, concebido, proposto, executado e avaliado pelos alunos. 51

Para o professor, responsável geral pela gestão das relações educativas, o percurso desenhado pela pedagogia de projetos permite que ele próprio interaja de forma mais harmoniosa com o computador e com suas inúmeras possibilidades, muitas delas construídas pelos alunos na dinâmica de concepção dos projetos pedagógicos. Neste sentido, tal estratégia permite que o professor possa, entre outras possibilidades:

1. gerir a organização do trabalho pedagógico, sem interferir diretamente e impor caminhos tradicionais aos alunos; 2. gerir o processo de construção de conhecimentos, até onde é possível fazer isto em sala de aula, aparando arestas, propondo novas possibilidades, desafiando a criatividade dos alunos, sempre na perspectiva de os conduzir mais e mais longe; 3. gerir o processo de avaliação formativa e inserir-se na dinâmica proposta pelos alunos; 4. gerir sua própria relação com a cultura da informática educativa, apropriando-se dela gradualmente, de forma contextualizada e crítica;

Um experiência de emprego da pedagogia de projetos é sempre empolgante, envolvente e extremamente rica de inovações na maneira como alunos e professores interagem uns com os outros e todos com o conhecimento. É justamente o que acontece na Oficina de Informática Educativa, do programa de formação de professores da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, conforme relato apresentado a seguir.

Algumas experiências com graduandos em pedagogia da Universidade de Brasília

Desde 1999, vimos experimentando a estratégia da pedagogia de projetos para proporcionar a professores em formação, que têm pouco contato com o computador e com a tecnologia informática ao longo de sua profissionalização formal, a construção de uma compreensão acerca do potencial e do papel do computador na educação. Se por um lado isto nos permite dinamizar as relações educativas e incitar a construção de representações positivas com relação às aplicações pedagógicas do computador, por outro lado isto nos permite gerenciar nossa intervenção pedagógica de modo que conseguimos ultrapassar a

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mesmice dos conteúdos repetidos semestre após semestre, de uma certa padronização de todas as intervenções, mesmo que os alunos não sejam os mesmos. Assim tanto a criatividade dos alunos quanto a do professor é extremamente privilegiada. Vejamos alguns exemplos de trabalhos desenvolvidos pelos alunos. Um interessante projeto pedagógico foi desenvolvido para a área de Ciências Naturais e dirigia-se para apoiar a construção de conhecimentos sobre os diferentes seres que habitam a Terra. Tratava-se de um projeto destinado a crianças da 4ª série do ensino fundamental, cuja construção foi, por si só, um projeto pedagógico destinado aos alunos futuros professores. Inicialmente, os alunos apropriaram-se do conteúdo a ser explorado e verificaram as possibilidades que ele oferecia em termos de tratamento multimídia no sentido próprio do termo. Para tanto, os alunos traduziram o conteúdo sob a foma de uma rede conceitual, segundo os princípios ditados por Ausubel (1968) e Novak (1981). Então, cada conceito ou cada conjunto de conceitos foi considerado isoladamente, no sentido de se identificar que tipo de tratamento ele poderia receber para ser melhor apreendido pelos alunos. Assim, enquanto um conjunto de conceitos foi associado a uma atividade de pesquisa na Internet, outro conjunto foi associado a um trabalho de coleta de dados sobre os seres que existem na Terra. Outros conceitos foram ainda associados a atividades de exploração de um software educativo e assim por diante. Os alunos construíram assim um projeto pedagógico com temas e atividades definidas, que foi aplicado em duas escolas públicas do Distrito Federal. Os resultados da aplicação demonstraram um extraordinário engajamento tanto dos professores de Ciências em exercício da profissão, quanto dos alunos envolvidos no desenvolvimento das atividades propostas. Analisadas as verbalizações de avaliação da experiência, vejamos duas colocações interessantes a respeito da pedagogia de projetos e do projeto propriamente dito: [verbalização de professor] Me sinto mais livre para dialogar com meus alunos e aprendo com eles, especialmente com suas pesquisas na Internet e com a descoberta espontânea de outras fontes de conhecimento.

[verbalização de aluno] É muito melhor do que ficar o tempo todo na sala, colado no livro.

Outro projeto pedagógico interessante, desta vez com tema definido e atividades livres, foi desenvolvido por alunos da licenciatura em artes. O projeto tinha no roteiro indicações sobre o tema – Van Gogh -, e sobre a obrigatoriedade de uso do computador em 53

alguma atividade necessária para a compreensão da vida e da obra do referido pintor. Os professores em formação construíram um pequeno roteiro para a elaboração do projeto pedagógico, que foi submetido a um grupo de alunos de uma escola pública de Brasília (DF). O objetivo era o de levar os alunos a planejarem seus próprios projetos sobre Van Gogh e a construírem conhecimentos independentemente da intervenção do professor. Durante a experimentação, diferentes grupos de alunos construíram e desenvolveram diferentes projetos pedagógicos. Em um deles, por exemplo, o aplicativo Power Point foi empregado para a construção de uma apresentação sobre o pintor, fruto da pesquisa na biblioteca e na Internet. Também, foi empregado o Paint Brush para que os alunos desenvolvessem atividades de desenho em imitação do trabalho do artista, além de uma vasta pesquisa de textos e imagens, realizada principalmente na Internet. Ao final da atividade, um pequeno folheto sobre Van Gogh foi construído pelos alunos, na perspectiva de distribuí-lo a toda a classe, o que não foi possível por falta de recursos materiais. Sobre este projeto, vejamos as seguintes verbalizações:

[verbalização de professor] Não tive nenhum trabalho, nada fiz a não ser explicar o projeto pedagógico e propor o tema. Os alunos fizeram tudo sozinhos. Fiquei impressionada com uma capacidade que eu ignorava existir neles.

[verbalização de aluno] Trabalhar livremente é muito mais legal... E a gente aprende sozinho, ou com os outros. Só foi mais complicado usar o computador, mas a gente conseguiu na boa...

Um terceiro exemplo de projeto pedagógico idealizado e aplicado no âmbito da Oficina de Informática Educativa foi com tema livre, mas com atividade definida. Neste caso, os alunos, divididos em grupos, deveriam fazer demonstrações do uso do software Cabri Geomètre, meio de apoio ao ensino e à aprendizagem da geometria. O tema era totalmente livre, assim como a natureza da atividade, que poderia integrar outros recursos, outras situações, desde que integradas com o software proposto. O projeto foi aplicado em uma classe de 4ª série do ensino fundamental e não foi nem mesmo preciso que a professora interviesse para ajudar os alunos a manipular o Cabri. Sozinhos, extremamente motivados, os alunos avançaram na aprendizagem do software, na compreensão da dinâmica do projeto 54

pedagógico e fizeram prova de grande criatividade, a ponto da professora manifestar a seguinte verbalização:

[verbalização de professor] Se eu for fazer isto em todas as minha aulas, eu vou acabar subvertendo a escola. No ano que vem os professores não vão conseguir mais trabalhar com os alunos, vai ser um inferno...

Outras modalidades de projetos pedagógicos poderiam ser elencados aqui, na medida em que muitos foram desenvolvidos na Oficina de Informática Educativa. No entanto, para avançarmos para a conclusão do texto, é importante frisar que a própria problemática da alfabetização tecnológica do professor, claramente exposta por Sampaio e Leite (1999) encontra na pedagogia de projetos pedagógicos apoiados pelo computador um forte aliado para a desmistificação do computador como objeto tecnológico e como material didático. A própria disciplina oferece aos graduandos em pedagogia uma oportunidade de lidar com tal tecnologia, sem tê-la como eixo norteador das relações educativas propostas. Neste sentido, a própria oficina é um projeto pedagógico que é construído e reconstruído a cada semestre, sempre com a criatividade plena dos atores que dela participam.

Conclusão

A gestão de relações educativas apoiadas pelo computador é uma tarefa de grande complexidade para o professor, especialmente quando este ainda carrega consigo os preceitos da escola tradicional de onde, geralmente, todos nós somos oriundos. A pedagogia de projetos, enquanto estratégia que permite que o professor desloque sua atenção da intervenção pedagógica direta para uma espécie de meta-intervenção pedagógica, abre espaço para um trabalho pedagógico mais livre, menos comprometido com a forma e mais comprometido com o conteúdo, com a livre circulação de idéias, com a plena contribuição dos alunos (Lacerda Santos, 2002). Nossa experiência na Oficina de Informática Educativa do programa de Licenciatura em Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília tem sido espaço para uma verdadeira pesquisa-ação sobre a pedagogia de projetos pedagógicos que têm a tecnologia informática como meio de ensino e de aprendizagem, revelando tanto o 55

potencial da própria estratégia quanto sua dimensão de transição, de verdadeiro passaporte para um novo modo de formação, em que premissas como dinamismo, inovação, construtivismo, transdisciplinaridade, pluralismo de locus de formação e outros encontram espaço para evoluir e para contribuir para a formação contínua do professor e para a reinvenção da relação educativa. A tipologia de projetos de aprendizagem apresentada, fruto de nosso trabalho na referida oficina, permite-nos compreender a extensão das possibilidades do trabalho pedagógico baseado em projetos, ao mesmo tempo em que mostra, na prática, novas possibilidades de aplicações pedagógicas do computador.

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Imagens sem Fronteiras: A gênese da TV Escola no Brasil

Laura Maria Coutinho Doutora em Educação pela Universidade de Campinas

Introdução

O que seria a sociedade contemporânea senão um mundo de imagens sem fronteiras? Um mundo onde realidade e ficção se mesclam e se confundem na construção da memória coletiva. Naquele que já foi chamado de o século do cinema, a história oficial foi marcada por acontecimentos memoráveis, muitos deles construídos como espetáculos para acontecer diante de câmeras de cinema e televisão. Tudo se passa como se os conflitos que a história registrasse se harmonizassem nas imagens em perspectiva, que o cinema e a televisão pudessem captar. A memória do mundo, cada vez mais, é assinalada pelas imagens enquadradas pelas câmeras. Mergulhado nesse mundo de imagens, o homem, sobretudo no ocidente, educado por esse programa estético-político-visual, pensa por imagens, percebe-se por imagens. O cinema mais do que um registro de imagens em movimento, é também uma forma de inteligibilidade. As transformações a que o último século assistiu foram profundas e marcadas por momentos significativos. Alguns fixaram-se mais fortemente determinando rumos da globalização: a primeira guerra mundial, de 1914 a 1918; a grande depressão econômica de 1929; a segunda guerra mundial, de 1939 a 45; a guerra fria gerada no pós-segunda guerra; a queda do muro de Berlim e dissolução da União Soviética. Ianni (1992, p.24) ao comentar o impacto que o processo de globalização acarretou para o papel do Estado e, portanto, de todas as atividades de que se ocupa, como a educação, afirma que “as características da marcha da globalização incluem a internacionalização da produção, a globalização das finanças e seguros comerciais, a mudança da divisão internacional do trabalho, o vasto movimento migratório do sul para o norte e competição ambiental que acelera esses processos.(...) O papel dos estados era concebido como o de um aparato protetor das economias nacionais em face das forças externas perturbadoras. O Estado está se tornando uma correia de transmissão da economia mundial à economia nacional”(Ianni, op. cit.). 58

Quando pensamos em imagens e sons e na capacidade instalada no planeta para transmití-los, assistimos à formação dos grandes e poderosos conglomerados da comunicação e informação. E, ainda, em como tudo isso conforma as novas relações de poder. O poder no fim do século XX e quais são os novos senhores do mundo são as discussões centrais de um artigo de Ignácio Ramonet (1995) acerca das grandes questões da contemporaneidade, do poder midiatizado, do papel dos meios de comunicação nas sociedades globais e das conseqüências do mercado mundializado para as democracias nacionais. Um dos aspectos que este autor ressalta é o fato de que a humanidade assiste, hoje, a um deslocamento do poder que não se encontra mais circunscrito à ação política. Ilustra a sua afirmação citando uma pesquisa feita pelo semanário Le nouvel observateur, sobre os homens mais influentes do mundo, da qual não consta nenhum chefe de Estado e que tem, encabeçando a relação, o nome de Bill Gates, o dono da Microsoft, a empresa que domina os mercados estratégicos da comunicação e luta para controlar as chamadas infovias do planeta. O que se evidencia é a força que adquire o mercado assentado nas redes informacionais. Essa transformação tem implicações profundas. Segundo Comparato (1987), a força é a essência do poder e o poder político deve ser o mais forte de todos os poderes na sociedade. Ao que indicam analistas da sociedade global, esta situação está alterada. O poder mudou ou está mudando de lugar a uma velocidade extraordinária. O poder, que não se limita às instituições do Estado, foi, ao longo deste século se concentrando no mercado que tem a primazia sobre os demais setores da sociedade: é o grande detentor dos meios que influenciam a maneira de ser das demais instâncias da sociedade, o que só é possível pelos atributos que assumiu, dentro de uma racionalidade econômica a que tudo mais deve se submeter, a fortiori as questões sociais e humanitárias. No entanto, segundo Ianni (op. cit., p.62), “o Estados nacionais continuam a desempenhar os papéis de atores privilegiados, ainda que freqüentemente desafiados pelas corporações, empresas ou conglomerados” (Ianni, op. cit.), sendo, portanto fundamental a compreensão dos embates travados em outras instâncias, mais empresariais talvez, como as guerras eletrônico-televisivas que se incorporaram à guerra real de tropas, bombas, artilharias. Essas

questões

perpassam

muitos

debates,

principalmente

de

organismos

internacionais, tal como podemos ver pela assertiva do Secretário das Nações Unidas: “A realidade do poder mundial passa ao largo de Estado. Tanto isto é verdade que a globalização implica a emergência de novos poderes que transcendem as estruturas estatais” (Ramonet, op. cit.). Um dos novos poderes presentes no cenário mundial é aquele exercido pelas empresas que dominam a indústria cultural, precisamente porque controlam um dos pilares de 59

sustentação dos processos democráticos, qual seja a informação e a produção das imagens por meio das quais as sociedade percebe-se. Esta nova face do poder está a ameaçar, com freqüência, as sociedades democráticas, uma vez que os projetos que envolvem os grandes conglomerados informacionais não são submetidos a nenhuma outra instância, portanto, os princípios democráticos não lhes dizem respeito. As idéias, o dinheiro, e os produtos dessa indústria atravessam sem obstáculo as fronteiras de um mercado mundializado” e para quem possui o poder econômico aliado ao poder mediático, amparar-se no poder político “não é mais que uma formalidade, conforme já demonstrou, na Itália, o senhor S. Berlusconi” (Ramonet, op. cit.). Segundo Anderson (1996), a chegada desse empresário da comunicação ao poder, a partir de uma coalizão de partidos de direita, inclusive um oficialmente fascista, pode ser considerado uma vitória das idéias encerradas no se compreende como neoliberal na Europa. Este autor afirma, ainda, que o temário político segue sendo ditado pelos parâmetros do neoliberalismo, mesmo quando seu momento de atuação econômica parece amplamente estéril ou desastroso. Um outro fenômeno observado em relação a esse processo de deslocamento de poder é que os governos democraticamente eleitos, muitas vezes à custa de muitos sacrifícios, não são mais que meros executores de programas que não foram submetidos a nenhum sufrágio e sim ditados “por organismos supranacionais (não eleitos) como o Fundo Monetário InternacionalFMI, o Banco Mundial, ou a Organização Mundial do Comércio-OMC” (Ramonet, op. cit.). Sãos estes, os organismos supranacionais que governam o mundo, ditam as normas, abrindo as fronteiras ao capital transnacional. Ademais modificaram-se os papéis dos governos neste contexto, e a “expressão mais visível da subordinação dos Estados aos interesses da globalização e da perda de poder dos governantes são as viagens diplomáticas dos chefes de Estado principalmente dos países considerados mercados emergentes, como é o caso do Brasil” (Azevedo, 1995). Nessas missões diplomáticas, o país vende credibilidade aos investidores globais, o que significa a redução do déficite público, a vitória dos planos de estabilização, abertura da economia, as privatizações, o enfraquecimento dos sindicatos e reformas constitucionais que representem segurança para os investidores internacionais. (Anderson, 1995). A diplomacia, fundamental para a configuração dos mapas geopolíticos que tiveram sua gênese no Estado absolutista, “foi, com efeito, a indelével marca de nascença do Estado renascentista: com o seu surgimento, nasceu na Europa um sistema político internacional, no qual havia uma perpétua sondagem dos pontos fracos do meio ambiente de um Estado ou dos perigos provenientes de 60

outros Estados” (Anderson, op. cit.). Na sociedade global, a diplomacia adquire um novo caráter, o de consolidar a internacionalização dos mercados por meio da imagem de prosperidade que seus representantes procuram construir.

Globalização e Sociedade de Massa

As transformações são muitas e profundas. Contudo, parece que não estamos ainda no fim da história, como apregoam os arautos do pensamento único, mas a sua evocação como um princípio, retoma o fenômeno do conformismo que está na gênese da sociedade massa. Segundo Arendt (op. cit.), no momento em que sociedade passou “do sombrio interior do lar para luz da esfera pública não apenas diluiu a antiga divisão entre o privado e o político mas também alterou o significado dos dois termos e a sua importância para a vida dos indivíduo e do cidadão” e mais que isso excluiu a possibilidade de ação, própria da instância doméstica. “Ao invés de ação, a sociedade espera de cada um dos seus membros um certo tipo de comportamento, impondo inúmeras e variadas regras, todas elas tendentes a normalizar os membros, a fazê-los comportarem-se, a abolir a ação espontânea ou a reação inusitada" (Arendt, op. cit.). A sociedade global é antes, uma sociedade de massa, centrada num tipo de eqüalização e conformismo que, segundo Arendt (op. cit.) só é possível porque o comportamento substituiu a ação. O advento da sociedade de massas indica que “os vários grupos sociais foram absorvidos por uma sociedade única, tal como as unidades familiares haviam antes sido absorvidas por grupos sociais; como o surgimento da sociedade de massas a esfera do social atingiu finalmente, após séculos de desenvolvimento, o ponto em que abrange e controla, igualmente e com igual força, todos os membros de determinada comunidade.” (Arendt, op. cit.). A sociedade global é a sociedade de massa em escala planetária. E o mercado é seu grande agente controlador, servindo-se de toda uma enorme infra-estrutura tecnológica que prescinde do tempo e do espaço, atua em tempo real, é instantâneo e simultâneo, desconhece fronteiras e nacionalidade, atua com uma moeda única, o dolar e, segundo Ianni (op. cit.), possui uma língua franca, o inglês.

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Suportes: Do papel aos meios virtuais

A globalização, pressupõe a existência de um grande mercado mundial e a oferta de produtos que possam ser consumidos em todos os locais, independente da cultura, língua ou qualquer outro tipo de barreira física ou virtual.

Nesse sentido, um dos produtos mais

característicos dessa nova organização econômica e social são os gerados pela indústria da cultura e a matéria prima é a informação. Cada sociedade tem sua maneira própria de tratar a informação, fundamental em qualquer sistema que envolve a participação de grupos. As grandes transformações ocorridas no mundo a partir do Século XV foram registradas por meios impressos, a partir da imprensa, invenção de Gutenberg, e tendo como suporte o papel. A primazia do papel dura meio milênio, tendo ao longo desse período se constituído no mais importante meio de registro e veiculação de informações. Impérios econômicos e políticos foram construídos tendo como suporte a imprensa, nos seus mais diferentes formatos. A veiculação de informações e mensagens teve um crescimento exponencial por meio de grandes jornais e editoras. Os meios impressos tiveram um papel preponderante na consolidação das sociedades modernas e, por conseguinte, na construção do Estado. “Toda a história do desenvolvimento do Estado moderno, particularmente, identifica-se com a da moderna burocracia e da empresa burocrática, da mesma forma que toda a evolução do grande capitalismo identifica-se com a burocratização crescente das empresas econômicas” (Weber, 1996). É importante ressaltar que a

dominação burocrática de que fala Weber é um tipo de dominação que na sua

constituição pressupõe a utilização de meios impressos. “Aplica-se o princípio da documentação dos processos administrativos, mesmos nos casos em que a discussão oral é, na prática, a regra ou até consta no regulamento: pelo menos as considerações preliminares e requisitos, bem como as decisões, disposições e ordenações finais, de todas as espécies, estão fixadas por escrito” (Weber, op. cit.) e supostamente num papel. Já dissemos que o século XX é um período de grandes mudanças. O panorama mundial mudou e mudou muito. Sobretudo a partir da Segunda Guerra Mundial quando as transformações em todos os setores não apenas foram profundas, mas fundamentalmente foram rápidas. A Revolução Industrial do século XIX fixou as bases sobre as quais se estabeleceram os processos que permitiram a passagem da Galáxia de Gutenberg, centrada na 62

imprensa, para a Galáxia de Marconi, muito mais complexa e assentada numa das mais transformadoras invenções da humanidade, a eletricidade. Depois da eletricidade, foi possível, antes de mais nada que acelerassem quase todos os processos, mas sobretudo aqueles que vêm possibilitar diferentes tipos de deslocamento, do transporte de pessoas e coisas ao transporte de informações, com o rádio, o cinema, o telefone e posteriormente, a televisão e o computador em rede. No período da Segunda Guerra Mundial - no imediatamente precedente e no pósguerra - acontecem os estudos e as experimentações que permitiram o surgimento de dois instrumentos fundamentais para o processo de globalização a que o final deste milênio assiste: o computador e a televisão. O primeiro, criado, inicialmente, para estudos de balística, aparece como o grande auxiliar no processamento de dados vindo se firmar como o instrumento do método estatístico. Segundo Hannah Arendt “as leis da estatística são válidas somente quando se lida com grandes números e longos períodos de tempo, e os atos ou eventos só podem ser vistos estatisticamente como desvios e flutuações (Arendt, op. cit.). A economia transforma-se na ciência social, por excelência, no âmago da sociedade de massa e o computador torna-se um dos principais instrumentos dessa ciência. Novamente, é o fenômeno do conformismo transformando a ação em comportamento e permitindo, portanto, uma padronização na forma como atuam os membros das sociedade de massa que está na base da moderna ciência da economia. O computador, associado ao telefone, vai permitir a transmissão de dados em longas distâncias e em grande velocidade, condições fundamentais para a consolidação dos mercados e da sociedade globalizados. Dos processadores de dados aos computadores pessoais - PC interligados em rede, as formas de percepção transformaram-se profunda e rápidamente, criando enormes redes que transportam uma quantidade incontável de informações. “Os fios da teia global são computadores, máquinas de reprodução facsimilar, satélites, monitores para altas decisões, todos vinculando planejadores, engenheiros, contratantes, licenciadores e negociadores por todo o mundo.” (Ianni, op. cit.). As principais características desse processo são a velocidade na transmissão, a simultaneidade, a imaterialidade, a não localização dos bancos de informação que passam não mais a se prenderem a um espaço físico-geográfico fixo, são disponibilizados em rede podendo estar em muitos lugares ao mesmo tempo. Hoje, informação é processo e produto, em diferentes níveis e abundância. Por outro lado, já há indícios de que a sociedade da informação pode estar à beira de um estrangulamento devido ao enorme desequilíbrio no processo de comunicação. “A situação 63

de equilíbrio entre a comunicação pessoal existente até um século atrás, na qual a uma pessoa produzia cinqüenta mensagens ao mesmo tempo em que era receptora de outras cinqüenta, foi brutalmente rompida após a revolução tecnológica aplicada à comunicação até o ponto de que hoje emitimos tão somente uma mensagem para cada quinhentas mil recebidas. A desproporção é brutal; o uso dos meio tecnológicos não veio aumentar a comunicação entre os homens, converteu-nos, sobretudo, em receptores passivos de mensagens”. Além das questões apontadas acima que estão relacionadas aos problemas advindos de um processo de comunicação unilateral, de mão única, podemos observar, ainda, que existe uma sobrecarga de informações disponíveis, desde que a informação se tornou mercadoria, importando muitas vezes, mais a quantidade que a qualidade. “Em trinta anos o mundo produziu mais informações do que no curso dos cinco mil anos precedentes... Um exemplar de uma edição dominical do New York Times contém mais informações do que poderia adquirir, durante toda a sua vida um europeu no século XVII. A cada dia aproximadamente 20 milhões de palavras de informação técnica são impressas em diversos suportes (revistas, livros, relatórios, disquetes, CD-ROM). Um leitor capaz de ler 1000 palavras por minuto, oito horas por dia, gastará um mês e meio para ler a produção de um só dia” (Ramonet, op. cit.). De certa maneira, o que ocorre com este processo de super informação é que ele está gerando uma nova forma de opressão. Isto fica mais evidente no momento em surgem os movimentos da sociedade, ligados à defesa da cidadania, buscando intervir nessa situação. Alguns jornais brasileiros noticiaram, por exemplo, o movimento “um dia sem TV”, da mesma forma que já ocorreram outros como “um dia sem comprar”. A comunicação e seus excessos começam a mobilizar alguns setores da sociedade contra o que pode rapidamente se tornar uma nova tirania. No âmbito da sociedade informacional, nenhum meio superou, ainda, a televisão que pode ser considerada o principal expoente da indústria cultural: vende produtos culturais à massa e audiência às empresas que ambicionam conquistar cada vez mais mercados onde oferecer produtos. As pesquisas de opinião pública, com base em estatísticas, com métodos sempre mais sofisticados, são os instrumentos de conformação de programas a serem veiculados. É através da sua programação que as emissoras de TV conquistam a audiência, vendida a peso de ouro aos anunciantes; cada ponto a mais nas pesquisas, significa que mais valor adquire o minuto de veiculação. As formas de financiamento da televisão estão se modificando com as televisões a cabo e por assinatura, mas essas modificações, ao nosso ver, só confirmam o fato de que a televisão é o grande filão da indústria da cultura e as televisões 64

por assinatura constituem, apenas, mais um novo segmento desse grande e promissor mercado de imagens e sons.

Linguagem e Poder

Quando pensamos em um sistema mundial, “os meios de comunicação revelam-se particularmente eficazes para desenhar e tecer o imaginário de todo o mundo. A mídia impressa e eletrônica, cada vez mais acoplada em redes multimídias universais, constituem a realidade e a ilusão da aldeia global”. Nesse universo telemidiático a televisão tem um papel fundamental, pelos seu atributos tecnológicos. A televisão é um instrumento de comunicação que se expressa por meio de uma linguagem construída, a partir do final do século XIX, com o surgimento do cinema: a linguagem da imagem em movimento. Televisão e cinema são meios que se definem basicamente pela imagem, mas que incorporam o som e a escrita - são, portanto, meios audio-escrito-visuais. Mas a imagem é o elemento predominante dessa linguagem. Com a possibilidade de se criar a ilusão do movimento com a projeção de seqüências de imagens paradas, estava se constituindo uma forma de registro de imagens que viria, não somente modificar as artes - o cinema tornou-se a sétima arte -, mas aliar a tecnologia de captação de imagens à forma de representação do real hegemônica a partir do século XV. Essa nova forma de registro de imagens em movimento veio, não somente, consolidar essa forma de representação do real mas também alterar a própria compreensão do que seria realidade. Doravante, o real passa a ser o que é visível, e a visão assume a primazia sobre os demais sentidos, trazendo, para o bem ou para o mal, profundas conseqüências para a humanidade. A máquina fotográfica, a filmadora e posteriormente a câmera de televisão são os instrumentos tecnológicos que permitem o registro de imagens com a aplicação das técnicas da perspectiva, iniciada no século XV com os pintores renascentistas. Essa forma de representação, a partir de um único ponto de vista, se tornou hegemônica, ao ponto de ser considerada a forma, por excelência, de representação do real. O fundamental, nesta forma de representação, não são os objetos ou pessoas representadas mas a construção de uma harmonização a partir de um ponto de vista único. É importante ressaltar que esse processo se inicia, sobretudo na Itália, no momento em que são lançadas as bases para o capitalismo monopolista e a burguesia se afirma enquanto poder econômico. Toda a arte para ser aprovada 65

e referendada vai ter que se amoldar a esse realismo da representação geométrica de um único ponto de vista da perspectiva. A Igreja Católica, outro poder em expansão naquele momento, lança mão desse tipo de representação, que era a que melhor se prestava aos seu objetivos de consolidação da idéia do deus único: o deus único e os seus representantes encontraram a sua mais perfeita forma de representação, a partir do ponto de vista revelado pela perspectiva. Ouçamos Milton José de Almeida: “aquele aparato intelectual e técnico, pensado como ciência, objetivamente produzido para aprisionar o real, reproduzi-lo e afirmar-se como sua única e competente representação e a Perspectiva. Suas linhas tecerão uma malha firme sobre a realidade visual, religiosa e política e oferecerão aos poderes uma caixa de ilusão geométrica para a construção de suas genealogias e mitos. Uma caixa que encerrará em linhas, luzes e sombras artificiais e estáveis, as linhas, luzes e sombras da realidade natural e cambiante” (Almeida, 1991). Essa forma de representação, pela capacidade de registrar com uma precisão quase perfeita a realidade no seu transcorrer é o que confere a credibilidade e a confiabilidade conquistada pelos meios audiovisuais. A própria noção de fato e de acontecimento foi significativamente transformada. Com a força que a televisão assumiu, o que é visível é o que tem valor como acontecimento. “O que não é visível e não tem imagem, não é televisável, portanto não existe. Os acontecimentos produtores de imagens são fortes (violências, catástofes, sofrimentos), adquirindo nesse contexto o máximo de atualidade. Eles se impõem aos outros fatos, mesmo se a sua importância é secundária” (Ramonet, op. cit.). O que a televisão mostra passa a ter primazia sobre outros acontecimentos; se apareceu na televisão adquire imediatamente um valor agregado. Pela força da imagem, pela verossimilhança que lhe confere ares de verdade, a televisão passou a ditar a pauta para a imprensa escrita, e se a televisão apresenta uma notícia e os jornais impressos a confirmam, isso é suficiente para que aquele fato se torne verdadeiro, conforme já ficou demonstrado em momentos cruciais da história recente, dentre eles a guerra do Golfo Pérsico (Ramonet, op. cit.). Na televisão, mais que nunca realidade e ficção se mesclam. E, se por um lado a televisão revela, mostra, esclarece, por outro pode confundir e obscurecer, prestando-se a muitas confusões. Sobretudo pelo motivo de que a televisão, pelas características que assumiu - é onipresente e onisciente-, possui uma força mobilizadora de proporções gigantescas. A televisão seria uma potência no sentido proposto por Weber, para quem “potência significa toda oportunidade de impor a sua própria vontade, no interior de uma relação social, até mesmo contra resistências, pouco importando em que repouse tal oportunidade” (Webeer, op. 66

cit.). Não é sem motivo que a mídia é tida como o quarto poder e a televisão, o seu instrumento mais poderoso. “Existe poder quando a potência, determinada por uma certa força, se explicita de uma maneira muito precisa.” (Lebrun, 1981). Penso que a televisão pode ser considerada um instrumento de dominação com características peculiares. Dominação, para Weber é “a probalidade de encontrar obediência a uma ordem de determinado conteúdo, entre determinadas pessoas indicáveis.” (Weber, op. cit.). A televisão encontra obediência na massa; é um meio de comunicação de massa que atua em larga escala. É um formador de opinião poderoso, condiciona comportamentos e, portanto, cria novos cenários e estamos nos referindo a cenário porque, na confusão midiática que tem se estabelecido na sociedade de massa, realidade e ficção são freqüentemente confundidas. Ou, pelo menos, tomadas uma pela outra, dependendo dos interesses que estão em jogo. Profeta dos novos tempos, a televisão vai criando sempre mais apóstolos, assumindo uma forte liderança não de uma única pessoa mas de várias, dependendo do tipo de segmento que se deseja atingir. Considerando os tipos de dominação cunhados por Weber, podemos dizer que a televisão exerce um tipo de “dominação carismática em virtude de devoção afetiva à pessoa do senhor que se apresenta sempre com nova face e a seu dotes sobrenaturais (carisma) e, particularmente: a faculdades mágicas, revelações ou heroísmo, poder intelectual ou de oratória. O sempre novo, o extraordinário, o inaudito e o arrebatamento emotivo que provocam, constituem aqui a fonte da devoção pessoal.” (Weber, op. cit.). Portanto, o fantástico, na televisão, é algo a ser perseguido como forma de manutenção do esquema de dominação, seja na realidade ou na ficção. Talvez por isso os informativos da televisão se parecem cada vez mais com os filmes de ficção. Ficção e realidade, sem distinção, compõem o mesmo universo narrativo telemidiático, onde o que importa é a busca sempre mais frenética do extravagante, do inusitado que vai, a cada dia, se tornando mais ordinário, devido ao processo de banalização dos acontecimentos que a mídia promove. A história da televisão, a sua gênese, está intrinsecamente ligada ao poder econômico, que vem explicitando há muito sua tendência à concentração. “A indústria da informação também participa desta tendência à concentração. Os estudiosos desse fenômeno apontam principalmente a concentração de propriedade e a geográfica” (Caparelli, 1982). Para efeito deste trabalho, interessa-nos a compreensão de que a televisão é, ela mesma, um instrumento de concentração de renda; de certa forma, criou o supermercado, quando se transformou numa imensa e glamourosa vitrine oferecendo o produtos não mais de porta em porta, mas em todas 67

as portas ao mesmo tempo. Com isso criou o comportamento de venda onde o consumidor procura o produto específico entre vários disponíveis em grandes gôndolas, prescindindo de um vendedor que o atenda. Para isso é preciso que recorra aos processos de produção da memória artificial criando situações que façam com que o produto seja conhecido, divulgado, identificado e associado a padrões de vida apresentados por meio de imagens inesquecíveis e que remetam a comportamentos bem definidos. Os comportamentos a serem imitados pela massa são aqueles veiculados na narrativa televisiva, composta do que se convencionou chamar de programas, apresentados em diferentes gêneros e nos intervalos onde são divulgados os locais onde os possíveis consumidores poderão encontrar os produtos que os tornarão parecidos com pessoas que integram os momentos de programação. Um nova forma de vendas, o teleshopping, seria uma evolução do modelo anterior realizando um tipo de venda direta, prescindindo do deslocamento do consumidor que opera as compras por telefone ou pela rede de computadores. É mais uma facilidade que a televisão propicia aos seus telespectadores. Podemos considerar que a televisão concorre significativamente para a eliminação da esfera privada, quando invade, praticamente todos os lares. Segundo Arent, “as quatro paredes da propriedade particular de uma pessoa oferecem o único refúgio seguro contra o mundo público comum - não só contra tudo o que nele ocorre mas também contra a sua própria publicidade, contra o fato de ser visto e ouvido. Uma experiência vivida inteiramente em público, na presença dos outros, torna-se com diríamos, superficial. Retém a sua visibilidade, mas perde a qualidade resultante de vir à tona a partir de um terreno mais sombrio, terreno este que deve permanecer oculto a fim de não perder sua profundidade num sentido muito real e não subjetivo. O único modo eficaz de garantir a sombra do que deve ser escondido contra a luz da publicidade é a propriedade privada - um lugar só nosso, no qual podemos nos esconder” (Arendt, op. cit.). O grande irmão que tudo vê e tudo vigia profetizado por Orwell em 1984 não se concretizou na prática, mas a televisão, de uma maneira sutil, divertida e insinuante, invade privacidades, condiciona opiniões, determina comportamentos. A casa das pessoas há muito deixou de ser um lugar onde esconder-se.

Educação e Neoliberalismo no Brasil

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O mundo contemporâneo vive momentos paradoxais, onde vemos, quase nas mesmas proporções, ampliadas e restringidas as possibilidade de uma sociedade mais justa. É a própria utilização das tecnologias da informação que está desvelando a necessidade de uma nova ética, é a televisão que nos permite ver, ao vivo e a cores, verdadeiras atrocidades, ao mesmo tempo em demonstra toda a potencialidade para a solução dos problemas sociais e das iniqüidades existentes, inclusive aquelas apontadas pela própria tecnologia (Coutinho, 1993). No entanto, “a doxa triunfante, o pensamento único, o consenso fabricado fecham o campo da significação, restringem as alternativas, apagam a memória, negam o passado, reificam o presente e seqüestram o futuro. O trabalho de significação entra em curto-circuito, encerra-se numa trajetória circular, para repetir incessantemente, indefinidamente, que não há salvação fora do movimento da mercadoria, que o funcionamento da boa sociedade é homólogo ao bom funcionamento do mercado, que a identidade pública da esfera da cidadania se confunde com a identidade privada da esfera do consumo. O trabalho de educação, por sua vez, nesse processo de fixação e naturalização do sentido, reduz-se, numa projeção idealizada, à formação dualista de dois tipos de sujeito. De um lado, a produção do sujeito otimizador do mercado, do indivíduo triunfante e predador da nova ordem mundial. De outro, a produção da grande massa que vai sofrer o presente em desespero e contemplar sem esperança o futuro nos empregos monótonos e repetitivos das cadeias de fast-food ou nas filas dos desemprego.” (Silva, 1997). Pelo que se configura nas propostas do Governo Federal, está em curso uma mudança significativa no panorama da educação no país. “Estabelece-se um currículo hegemônico que expressa a vontade e os interesses dominantes da nova ordem. Paralelamente, toma-se um conjunto de medidas político-administrativas que, coerentes com a visão do Estado mínimo, devem afastar-se gradativamente da manutenção dos serviços sociais” (Azevedo, 1995), dentre eles a escola. É no contexto de uma série de medidas que guardam uma clara coerência entre si, que é criada a TV Escola, uma televisão, via satélite, administrada pelo próprio Ministério da Educação junto com a Secretaria de Comunicação da Presidência da República, para transmitir programas educativos para todas as escolas de ensino fundamental do país. De certa forma, é o currículo nacional que está no ar, gerado de um ponto de país, com a utilização da linguagem audiovisual- criada a partir do ponto de vista único-, fazendo uso de um tipo de tecnologia que pode vir a ter profundas repercussões, não só em relação ao conteúdo que é veiculado, mas igualmente nas condições de trabalho dos professores. Nas duas experiências 69

do país, com o uso do ensino à distância, via televisão, no Ceará e no Maranhão, o que podemos observar é que são propostas educacionais para aluno de classe econômica baixa e, mesmo não demitindo nenhum professor, são, sob certo ponto de vista, soluções desempregadoras. Ao longo dos mais de vinte anos de existência dessas televisões educativas, não houve contratações de professores ou investimentos na formação de novos docentes, sobretudo no Ceará. As análises educacionais, do ponto de vista econômico, pintam o quadro da educação no país como alarmante, incompatível com a necessidades de uma economia de mercado cada vez mais globalizada. Segundo a Exame, uma das principais revistas econômicas do país para grande público, a situação educacional brasileira não faz sentido, sendo cada vez mais difícil compatibilizar a economia nacional com o primitivismo da educação4. Os números são traiçoeiros e transformam-se a cada momento, no entanto prestam-se para a reflexão que ora propomos. O país tem, atualmente, cerca de 6 milhões de crianças entre 7 e 14 anos fora da escola, 18 milhões de analfabetos maiores de 15 anos e 25 milhões de pessoas maiores de 10 anos semi-alfabetizados. Por outro lado, dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica – SAEB, e muitos outras análises do mesmo nível, demonstram que a situação de aprendizagem do país é grave. Em alguns itens os níveis de despreparo do estudante brasileiro são alarmantes, mesmo em regiões economicamente mais favorecidas. Assim, verificamos toda uma mobilização visando à melhor adequação da política educacional aos padrões ditados pela nova ordem econômica de adequação ao mercado. Segundo Kandir, “em razão de transformações profundas e incessantes dos padrões tecnológicos, a possibilidade de romper nos mercados externos mais dinâmicos, que se caracterizam pela utilização de tecnologias de ponta, constante renovação de processos e produtos e maior capacidade de geração de divisas, é hoje tanto maior, quanto mais elevados os níveis educacionais da mão-de-obra e mais intenso e permanente o esforço de instrução da população em idade escolar,” necessitando portanto de haver um rompimento com o dogmatismo antiexportador e parar com gastos equivocados na área de educação (Suarez, 1995). Esta é lógica adotada pela chamada mercoescola que representa o ajuste neoliberal na educação, que significa incorporar, na própria escola,“como centrais os valores e os saberes próprios da empresa e do livre mercado: a competitividade, a produtividade, a eficiência, a

4Reportagem de Clayton Netz, “Investimento Sem Risco”, Revista Exame, 17 de julho de 1996. 70

mensurabilidade e a qualidade adquirem nesse contexto, um valor simbólico muito mais amplo que o meramente econômico” (Suarez, op. cit.). Esta nova lógica pressupõe um novo currículo. Para tanto o Ministério da Educação propõe os “Parâmetros Curriculares Nacionais” coerente com as demais medidas administrativas de inclinação claramente neoliberal. O documento proposto não discute a necessidade de um currículo nacional. Tem como pressupostos: o preceito constitucional que exige o estabelecimento de conteúdos mínimos para o ensino fundamental; compromissos assumidos junto a organismos internacionais; e uma “suposta” conexão entre parâmetros curriculares e qualidade de oferta educacional. Segundo a análise da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, “os PCN propostos como solução tendem a errar o alvo, na medida em que os problemas para os quais eles são receitados como remédio têm origem num complexo de fatores dos quais o mais importante não é certamente a inexistência de um padrão nacional de referência curricular”. Além desse aspecto, parece estar implícita nessa proposta uma noção de qualidade baseada no produto, no resultado educacional, vindo daí sua ênfase na medição, nos padrões, nos indicadores. Isto permitirá o estabelecimento de uma concorrência entre as escolas a partir de referenciais como produtividade, eficiência e qualidade o que só é possível se forem estabelecidos critérios únicos que possibilitam uma classificação. Esta nova lógica pressupõe um novo currículo e um novo currículo pressupõe novos meios pedagógicos. Nessa perspectiva o Ministério da Educação propõe a TV Escola. Este projeto tem como objetivo “planejar a educação necessária para o século XXI - na qual, certamente, as novas tecnologias desempenharão papel decisivo”. A TV Escola surge, então, como uma forma de superar as grandes lacunas da educação brasileira, com uma preocupação com a eqüidade na educação, quando pretende que todos tenham acesso a informações, ao conhecimento e aos saberes que a humanidade tem construído. Nesse sentido, se configuraria como uma janela aberta para o mundo. De acordo como o Ministério da Educação, a programação do canal educativo é montada a partir de criteriosa seleção da produção nacional e estrangeira, aprovada por um Conselho Consultivo de Programação constituído por representantes da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, do Conselho Nacional de Secretários de Educação, da União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação, do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras e do próprio Ministério da Educação.

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TV Escola: Educação via satélite

O Projeto TV Escola foi apresentado aos Estados e comunidade educacional durante a realização do 1º Workshop de Educação a Distância, realizado em julho de 1995, tendo como objetivo informar os estados sobre a concepção e funcionamento da política de educação a distância do Ministério da Educação. A TV Escola surge, então, como a grande inovação na política para o ensino fundamental. Na proposta do MEC, este projeto torna acessível, para todas as escolas do país, materiais de qualidade com aporte de informações para o professor do ensino fundamental, em apoio ao seu trabalho em sala de aula. O projeto é estruturado a partir do seguinte arcabouço:

 Mudança da vinculação da Fundação Roquete Pinto, que sai da alçada do Ministério da Educação e passa a integrar a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República a partir da Secretaria de Ensino à Distância.

 Início da atuação da Fundação Roquete Pinto, em setembro de 1995, em duas frentes: com o canal aberto cultural, seguindo a programação da TV E já existente e com o canal exclusivo para as escolas - a TV Escola - com recepção por antena parabólica.

 Transmissão da TV Escola com 4 horas de programação diária.  Programação da transmissão experimental baseada em duas grandes linhas: a) apoio ao trabalho do professor na sala de aula, com programas de valorização da leitura, materiais didáticos, dúvidas do professor nas diferentes disciplinas e gestão da escola; b) capacitação do professor a partir das questões relativas à língua, ética, identidade cultural e educação para a saúde.

 Composição da programação a partir de duas vertentes: a) seleção dos programas e de material impresso de apoio à recepção por um grupo de conteudistas; b) produção de novos programas e identificação de programas já existentes no Brasil e no exterior que sirvam aos objetivos do projeto.

 Publicação da Revista da TV Escola, de periodicidade bimestral, com objetivo servir de suporte à implantação do projeto, com ênfase na divulgação de experiências bem sucedidas de vídeo-educação e da grade de programação. 72

 Distribuição, pelo Ministério da Educação de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação para aquisição dos kits tecnológicos compostos de 1 televisão, 1 suporte, 1 videocassete, 1 antena parabólica e 10 fitas cassete.

 Recepção da programação pela escola, via satélite, e gravação dos programas cujas fitas formam uma videoteca para o uso dos professores.

Em junho de 1995, o MEC, por meio da Portaria nº 694/95-MEC, definiu o que denominou “kit tecnológico”, constituído de uma televisão, um suporte, um aparelho de videocassete e uma antena parabólica e dez fitas de vídeo VHS, e estabelece critérios para sua distribuição, inicialmente, para todas as escolas de ensino fundamental com mais de 250 alunos e, posteriormente, para aquelas com mais de 100 alunos. Estabeleceu, ainda, que a compra dos “kits” fosse feita pelas Unidades Federadas, por meio de convênio específico com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE, ficando a instalação e manutenção dos equipamentos como contrapartida das Unidades Federadas. Visando a compor a grade de programação da televisão o MEC convidou, em agosto de 1995, por meio da Portaria nº 955/MEC, todas as instituições nacionais produtoras de vídeos educativos para a apresentar suas produções com vistas a integrarem a programação da TV Escola. Além disso, técnicos, a serviço do Ministério da Educação iniciaram os entendimentos com emissoras de televisão educativa do exterior, especialmente Inglaterra, França e Canadá, no sentido de identificar e adquirir os programas adequados à proposta nacional, que depois de traduzidos são incorporados à programação da TV Escola. O Ministério da Educação promoveu uma série de eventos com o objetivo de divulgar o projeto. Realizou uma Teleconferência, via TV - Executiva da Embratel, em 25 de agosto de 1995, dez dias antes do início da transmissão da TV Escola, sob o título Regime de Colaboração e TV Escola. A transmissão experimental da TV Educação, teve início em setembro de 1995. Como interlocutor institucional dos sistemas estaduais de ensino, o Conselho Nacional de Secretários de Educação-CONSED, com o apoio da UNESCO, assumiu o papel de articulador do envolvimento da 27 Secretarias Estaduais de Educação com o Programa Nacional de Educação a Distância do MEC. “Dentro desta perspectiva, o CONSED, em cooperação com o MEC - Secretaria de Educação a Distância - SEED, concebeu e

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desenvolveu o Projeto de Apoio à Implementação, ao Acompanhamento e à Avaliação da TV Escola, no âmbito do Acordo de Cooperação Brasil-UNESCO”. Vários seminários foram realizados em todo o país, tendo em vista a formação dos grupos coordenadores do projeto nos diferentes níveis, nacional, estadual e municipal. Nestas oportunidades, foram discutidas as atividades do projeto, a natureza da linguagem audiovisual e sua relação com a educação e o ensino. A concepção que fundamenta esse projeto do Ministério da Educação, apresentado como importante intervenção na política de Ensino Fundamental, nos parece estar coerente com as tendências de globalização do processo de comunicação que a política nacional de educação parece incorporar e reforçar ao adotar um processo de decisão centralizada nas mãos de poucos, arbitrando o que todo o país necessita em termos de educação e informação, bem como a sua difusão por determinados meios tecnológicos. Esta política de tecnologização da educação guarda uma coerência com os ditames de organismos internacionais, como o Banco Mundial para a educação em países na condição do Brasil. Em certo sentido, conforme afirma Lapi, “a racionalidade neoliberal vai além do antigo racionalismo; se acentua agora o pragmatismo, a realização imediata, a relação custo benefício; as decisões - não somente no mundo produtivo - tornam-se processos automáticos, muitas vezes computadorizados, onde não há espaço para a considerações

ou para os

sentimentos das pessoas. (...) Essa nova cultura de empresa invade o governo e a sociedade.” A adoção de meios tecnológicos como panacéia para os problemas educacionais, não deixa de ser uma maneira moderna de deslocar o foco dos problemas, suas causas, e soluções, como, aliás, parece ser recorrente na concepção, planejamento e implementação de nossas políticas públicas de educação. Durante muitas décadas, sob o pretexto de pôr em marcha uma política de universalização do ensino fundamental, adotaram-se estratégias de construções escolares, ampliando inegavelmente o número de matrículas, mas negligenciando mecanismos que possibilitassem melhorar os sistemas e, mesmo, torná-los mais eficientes. Focando o problema na ampliação da capacidade de absorção, as políticas públicas adotaram soluções de engenharia mais que soluções educacionais e pedagógicas. Nesta nova etapa, o estado brasileiro pode estar, com a implantação dos parâmetros curriculares nacionais aliados a um canal de televisão e com a descentralização de mecanismos administrativos, reduzindo a educação à transmissão dos conteúdos mínimos e desobrigando-se de cuidar da escola pública e gratuita de qualidade, que não aquela qualidade

subordinada a interesses meramente

econômicos. 74

Essa parece ser a avaliação de Silva, ao abordar as transformações pedagógicas e políticas por que passa a educação, quando afirma que uma das “operações centrais de pensamento neoliberal em geral e, em particular, no campo educacional, consiste em transformar questões políticas e sociais em questões técnicas (...) as novas formas de constituição da identidade pessoal e social partem de uma compreensão muito precisa da chamada cultura de massa. Nessa compreensão, os chamados meios de comunicação não são vistos propriamente como meios de comunicação ou como meios de representação da realidade, mas como meios de fabricação da representação e envolvimento afetivo do espectador e do consumidor” (Lappi, 1994). A educação desenvolvida com a incorporação de novas tecnologias permite uma ampliação da capacidade de atingir um número cada vez maior de pessoas. No entanto, ao utilizar como suporte os grandes meios de comunicação, a educação pode, paradoxalmente, estar prioritariamente assumindo a condição de repassadora de conteúdos e abrindo mão da sua dimensão articuladora das diferentes culturas e da escola como ambiente prioritário da formação de cidadãos nos mais diferentes contextos culturais. Ao reduzir a educação unicamente ao acesso a determinados conteúdos preestabelecidos e difundidos em larga escala, o projeto TV Escola, que é anunciado como uma janela aberta para o mundo, pode se constituir em apenas uma fresta, cada vez mais estreita, por não incorporar as dinâmicas culturais próprias em que cada escola se insere. Em nome da democratização e da igualdade de oportunidade pode estar em curso um amplo programa de massificação e homogeneização informação, nada democrático e nada equalizador porque desconhecedor das identidades e aspirações culturais de cada uma das regiões e comunidades escolares. Junto com os novos conteúdos estará adentrando as escolas toda uma nova simbologia, um novo código, uma outra forma de representação da realidade que demandará, sob certos aspectos, uma nova alfabetização. Existe toda uma gama de questões relativa à linguagem dos meios de comunicação que alteram significativamente o olhar das pessoas, ou seja, o seu modo de se ver e ver o mundo. Segundo Carrière, o universo da comunicação visual e audiovisual faz com que “independente da nossa própria vontade, carreguemos dentro de nós outras formas invisíveis que determinam a maneira pela qual vemos e retratamos o mundo” (Carrière, 1995). Assim, num processo de comunicação educativa, é fundamental a compreensão de que

os novos conteúdos que os programas televisivos

veiculam são diretamente influenciados pela forma, pela linguagem audiovisual.

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Outro aspecto que cabe ressaltar diz respeito a uma certa compulsão pelo uso das tecnologias que parece estar vinculado a uma ideologia cada vez mais forte de consumo. Este parece ser, também, um fenômeno que atinge a educação, em particular a educação escolar. O que, a princípio, pode ser considerado um fator positivo, se aplicado sem a necessária crítica poderá desencadear um processo de consumo modernoso de tecnologias de última geração, muitas vezes de aplicação questionável em certas realidades escolares, em detrimento de outras não tão recentes mas perfeitamente utilizáveis. Não se trata de fazer a apologia da não utilização de meios tecnológicos avançados, como a televisão via satélite ou o computador. Pelo contrário, estes meios podem ser excelentes, desde que inseridos numa relação educativa na qual o seu uso não substitui e não dispensa outras metodologias e outros recursos mais prosaicos como o quadro e giz, por exemplo. Segundo Rosa

“a tecnologia moderna é uma necessidade. Por outro lado,

constituiu-se o mito da modernização a qualquer preço, segundo o qual deve-se utilizar a mais nova tecnologia, supostamente a melhor. Uma análise racional óbvia mostra que isso não é verdade, pois deve-se buscar a tecnologia para atender às necessidades que temos e que sejam adequadas às condições concretas em que vivemos. Obviamente, a turbina a jato não eliminou o uso de motores a hélice” (Rosa, 1993) da mesma forma que a televisão não substitui o giz ou livro no processo educacional. Aqui vale ressaltar a própria escola, que, na nossa acepção, constitui-se num espaço de convivência humana, de desenvolvimento de relações interpessoais, que não poderá ser substituído por tecnologias, embora possa e, muitas vezes, deva incorporá-las. As modernas tecnologias de comunicação, ao serem introduzidas na educação, “sugerem mudanças substanciais na estrutura funcional da escola e, portanto, no trabalho pedagógico que constitui a sua essência” (Mota, 1986). Nesse sentido a TV Escola não será o principal meio de difusão do currículo único a ser proposto pelo MEC. Ela já se constitui em um novo currículo, a própria forma de apresentação por meio da linguagem televisiva, já se constitui num novo conteúdo, quando propõe uma nova organização de conhecimentos e de procedimentos para as escolas. No nossa pesquisa pretendemos discutir a natureza da linguagem audiovisual, como essa linguagem é utilizada em um projeto nos moldes da TV Escola, que tipo de programação está disponível; como essa linguagem se insere no projeto mais amplo de educação em curso no país. Qual a natureza e que tipo de governo deflagram um processo educacional de proporção tão ampla. A partir desse estudo pretendemos discutir algumas questões mais 76

amplas: quais serão os impactos pedagógicos e culturais de um projeto da natureza da TV Escola nos nossos sistemas de ensino? Que resultados trarão programas selecionados em nível nacional para atingir igualmente um sistema de ensino marcado pelas desigualdades regionais, pela acentuada deficiência de sua rede física, pelos baixos salários e pela falta de preparo dos profissionais até mesmo para uma recepção passiva da programação? Por outro lado, qual será a absorção desse projeto, que, certamente, contará com programas dos mais variados tipos e qualidade? Um dos aspectos fundamentais de projetos educacionais com uso de novas tecnologias está relacionado com a resistência das pessoas aos novos processos que se instalam. A comunidade escolar tem sido acusada, em alguns momentos, de estar alheia à transformações

que tem alterado de modo significativo a vida das sociedades. Muitas

mudanças que geram impactos sobre a vida das próprias pessoas que participam de processo pedagógico escolar - professores, técnicos, alunos - não atingem a escola que tem tido, sob certos aspectos, uma história de impermeabilidade às inovações ou, quando não, um uso acrítico e superficial de novas linguagens. Na perspectiva do processo de globalização da informação concentrada cada vez mais nas mãos de poucos, é possível observar que os meios de comunicação têm se constituído em gigantescas concentrações empresarias, crescendo, com isso, o interesse dos grandes grupos que controlam as comunicações pela educação a distância. Tudo indica que a educação será, cada vez mais, uma nova faixa de mercado para as empresas de comunicação. Esse fenômeno nos coloca em confronto com a situação não apenas da exploração do interesse econômico decorrente desse novo e importante negócio, mas com a questão ideológica dela decorrente. Impregnadas pelos princípios do neoliberalismo, que busca se impor ao mundo, e arautos do pensamento único, as concentrações empresariais de comunicação têm apontando para o fato de que o “número daqueles que têm o direito de escutar e de olhar não cessa de crescer, ao mesmo tempo em que reduz, vertiginosamente, o número daqueles que têm o privilégio de informar, de se expressar, de criar. A ditadura da palavra e da imagem únicas, bem mais devastadora que a do partido único, impõe, por todos os lados, um mesmo modo de vida e concede o título de cidadão exemplar a quem é consumidor dócil, espectador passivo, fabricado em série e em escala planetária” (Galeano, 1992). Não seriam, no futuro, os professores e alunos exemplares, na acepção apontada acima, os consumidores passivos da nossa TV Escola ou de outros projetos da mesma natureza? Esta política governamental para a área da educação parece constituir-se em alternativa

estrategicamente

formulada,

segundo

princípios

de

competitividade, 77

descentralização financeira e administrativa, autofinanciamento, currículo único e tecnologia, com ênfase para a utilização dos processos pedagógico-comunicativos. Talvez não por acaso, uma das primeiras ações visíveis do programa do governo que se instalava no país em 1995 foi a aula inaugural do Presidente da República para uma turma de alunos de 1º grau e para as câmeras de televisão, numa escola do interior do estado da Bahia. Emblematicamente estava lançado o programa para a educação nacional “Acorda, Brasil, está na hora da escola”. Além de se constituir numa ação espetáculo, o que se configura, a partir daquele momento, é que a educação, no Brasil, passa a incorporar, como política de governo, os avanços tecnológicos do mundo contemporâneo. O presidente quis, com a aula da Bahia para o mundo, identificar a sua política educacional com marca indelével da modernidade - ao vivo e em cores - que representa a televisão, para além das condições de vida e de educação tão díspares da população brasileira.

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80

A primeira década de Informática Educativa na escola pública no Brasil: A história dos projetos EDUCOM, EUREKA E GÊNESE

Raquel de Almeida Moraes Doutora em História e Filosofia da Educação pela Universidade de Campinas

Introdução

Com este texto pretendemos, muito resumidamente, resgatar e analisar a história de três projetos de Informática Educativa da escola pública no Brasil: o EDUCOM, EUREKA e GÊNESE, retomando os desafios postos pelos seus 10 primeiros anos de existência. Criados no contexto da redemocratização do Brasil, a assim chamada Nova República, esses projetos tiveram a marca da ousadia de procurar ser livre e de construir uma educação para o pensar e a cooperação, ao invés do consumismo e da competição neoliberal que se instalou desde nós desde os anos 1990. Assim sendo, não é de se estranhar que foram sumariamente abandonados e ou desativados. Não eram convenientes à realidade do novo milênio onde tem imperado a globalização excludente do Capital, já que pensar livremente é ser contrário à tendência da Nova Ordem Mundial. Com esse texto temos a esperança de quiçá reabrir um debate que era a tônica dos anos oitenta: a democratização da educação brasileira e a formação dos professores para o uso criativo e crítico da informática na educação.

Projeto EDUCOM

O Projeto Brasileiro de Informática na Educação - EDUCOM foi o resultado das reivindicações da comunidade acadêmica envolvida nas experiências de informática educativa dos anos setenta/oitenta, sobretudo da USP, PUC-RJ, UNICAMP, UFRGS E UFRJ, as quais constituem os antecedentes universitários da informática educativa no País. (ALMEIDA, 1985 e MEC/OEA. ANDRADE & LIMA, 1993). 81

Um dos primeiros eventos que trataram informática na educação foi, segundo Souza (MEC/OEA. ANDRADE & LIMA, 1993: 37) um seminário intensivo sobre o uso do computador no ensino de Física, com a assessoria de um especialista da Universidade de Dartmouth (EUA), realizado no ano de 1971, na Universidade de São Carlos (USP), SP. Um outro evento na área foi a Primeira Conferência Nacional de Tecnologia da Educação Aplicada ao Ensino Superior - I CO0NTECE -, na USP de Ribeirão Preto, onde se discutiu, além das tecnologias educacionais tradicionais, o uso do computador na educação, dentro da modalidade CAI (Instrução Assistida por Computador, de estilo comportamentalista). Na ocasião foi posto em funcionamento um terminal interfaceado a um modem, via telefone, a um computador no campus da USP, em São Paulo. Esses eventos da USP (São Carlos e Ribeirão Preto, respectivamente), foram os primeiros passos no uso do computador no ensino. Criado em 1984, O EDUCOM teve por base cinco dentre os projetos enviados e selecionados, a saber: a Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP ; Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS; Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG; Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ e Universidade Federal de Pernambuco UFPe. Inicialmente, o projeto estava sob a supervisão da Comissão Especial de Informática na Educação: CE-IE nº11/83, da SEI, vinculada à Presidência da República e ao Conselho de Segurança Nacional. A partir de 1987, o projeto EDUCOM passou a ser supervisionado pelo Ministério da Educação, mediante a sua Secretaria de Informática - SEINF. Seus objetivos eram: analisar a viabilidade de se informatizar o ensino público brasileiro; testar diferentes linguagens de computador; adaptar a informática aos valores nacionais e desenvolver experiências com os uso de diversos programas com os alunos. Andrade & Lima (ANDRADE & LIMA, 1993: 206-227), avaliam que os sub-projetos do EDUCOM estavam cumprindo o seu objetivo principal de ser um canal de experiências e reflexões sobre Educação e Informática. No parecer do MEC em 1992: "Cumpre destacar, em nível de sistema educacional brasileiro, a contribuição do Projeto EDUCOM para a criação de uma cultura nacional de informática na educação, possibilitando a liderança do processo de informatização da educação brasileira centrada na realidade da escola pública”. E ainda : " Na realidade, apesar dos percalços, confirma-se a certeza da opção governamental de iniciar a informatização da educação brasileira a partir do conhecimento acumulado nas universidades e repassá-la, posteriormente, à comunidade em geral e às Secretarias de Educação, em particular”. (ANDRADE & LIMA, 1993: 181) 82

Em termos globais, os resultados apontados pelo documento foram os seguintes: Quanto à integração, em todos os centros há integração das equipes. Quanto à capacitação dos recursos humanos, foi sistemática em todos os centros-piloto, tanto para os componentes das equipes, como para os professores de diferentes setores: universidade, do então 1º e 2º graus e estagiários. O maior problema encontrado neste aspecto referiu-se à escassez de bolsas de estudo para os envolvidos nos projetos. Quanto aos softwares, a listagem produzida é razoável. Além disso, foi observado ainda que:

 nível de repetência e evasão diminuíram sensivelmente;  aumento do nível de interesse e motivação para os cursos;  avaliação dos alunos melhorou. Além disso, muitas crianças tiveram seus conceitos aumentados, indo de D para C;

 os alunos se tornaram mais cooperativos e mais aptos para trabalhar em equipe;  com o computador, os alunos leram mais atentamente, pesquisaram mais e se esforçaram para resolver os problemas;

 a relação professor-aluno melhorou. O professor não leciona mais sob a pressão de ter que saber tudo.

Ele passou a pesquisar e se informar mais, tornando-se um facilitador do

ensino, não sendo, assim, o dono absoluto da verdade. Neste sentido, a relação entre ambos tornou-se menos autoritária.

Contudo, conforme nossa pesquisa de doutorado (MORAES, 1996) em 1995 (com quase onze anos de EDUCOM), ainda eram reduzidas as escolas públicas que se informatizaram. Dado o sucateamento da Educação, Ciência e Tecnologia no início dos anos noventa avaliado pela CPMI do Congresso, os EDUCOMs não se ampliaram, muitos se desarticularam e os centros sobreviventes tornaram-se apenas ilhas de excelência para as pesquisas das próprias universidades envolvidas com a informática educativa,

não

expandindo conseqüentemente os benefícios alcançados para o restante da sociedade. Quanto às outras dificuldades destacadas, os documentos de cada um desses centrospiloto assinalam que é necessária uma dotação orçamentária formalizada e constante (sem atrasos e suspensão abrupta), aliada a uma política de bolsas para pesquisadores e alunos

83

envolvidos no projeto mais consistente. A ausência de uma política clara e permanente ocasionou evasão dos membros da equipe, pois não havia segurança financeira. Nossa tese é de que essas dificuldades foram o resultado do paralelismo tecnocrático, característica dessa política de informática educativa desde o seu nascimento oficial, em 1980 até 1994, pois enquanto não houver uma política transparente, os recursos vão oscilar ao sabor dos interesses da cúpula governamental. A medida do MEC de primeiro desenvolver a informática educativa, enquanto linha de pesquisa nas universidades, para depois repassar esse conhecimento à comunidade escolar poderia ter sentido no início do projeto. Mas, independentemente disso, essa política deveria ser conhecida e discutida nos diversos fóruns educacionais, sobretudo na ANPED, Conferência Brasileira de Educação e o Fórum para a II LDB, o que de fato, não ocorreu. Isso evidencia uma desarticulação entre a Política Nacional de Informática na Educação - PNIE e a II Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDB, na época ainda em tramitação no Congresso Nacional. Se, na política educacional onde há constitucionalmente recursos e metas claramente definidos estes são reiteradamente descumpridos, quanto mais não o foram os recursos dessa educação tornada "paralela”. A partir de 1995 o programa que o sucedeu (PROINFO) acabou com esse paralelismo mas criou um hiato entre as universidades e a escola pública ao alijar institucionalmente a universidade da formação e do acompanhamento dessa tecnologia na educação. Isso posto, temos que os centros-piloto do EDUCOM ao longo dos seus quase 11 anos de existência (1984-95), tiveram seus resultados satisfatórios muito mais promovidos pelo empenho pessoal de educadores, pesquisadores e alunos de diversos níveis junto à própria estrutura das universidades (somado a alguns poucos técnicos ministeriais sensíveis ao projeto) do que pela constância no fomento das agências financiadoras e do MEC. Alguns técnicos empenharam-se, mas esbarraram em entraves superiores instransponíveis, sobretudo após 1990.

Enfoque pedagógico e metodologia

A maioria dos centros-piloto utilizou como referencial pedagógico a teoria construtivista desenvolvida por Piaget, cujas premissas conceituais partem do sujeito como construtor das estruturas mentais que estão na base do processo de aprendizagem. 84

Enfatizavam como metodologia a aprendizagem por meio de experiências desafiadoras, as quais levariam à assimilação e acomodação de conceitos, construindo no processo novos conhecimentos. Privilegiavam, portanto, a formação das estruturas cognitivas em vez do “ensino de conteúdos”. O papel do professor, nesse enfoque, seria o de mediar a relação sujeito-experiência, em vez de dar o “conteúdo pronto”, como no ensino tradicional. Nessa perspectiva, o uso da informática na educação passou a ser considerado como uma experiência enriquecedora, e até revolucionária para alguns, sobretudo nos centros que adotaram a linguagem LOGO, desenvolvida por Seymour Papert, do MIT, cujas bases construtivistas entusiasmaram a grande maioria dos experimentadores. Contudo, o lado dessa teoria que valoriza o desenvolvimento da moral autônoma, a que busca o equilíbrio entre o “eu” e o “tu”, esteve ausente dessas premissas metodológicas, desconhecendo o que o próprio Piaget a esse respeito escreveu. Isso acabou gerando um enfoque

acentuadamente

cognitivista,

trazendo

um

certo

desequilíbrio

entre

o

desenvolvimento intelectual e o afetivo. E um dos grandes desafios da Educação está em justamente superar o egocentrismo humano, a posse de tudo e de todos e que passa, necessariamente, pela questão das novas tecnologias na sociedade. Ademais, os estudos de Vigotsky acerca do desenvolvimento social e cultural da mente não encontraram moradia no EDUCOM. Foi nos projetos GÊNESE e EUREKA que a perspectiva histórica de construção dos conhecimentos, e não somente a sua dimensão psicogenética, teve acolhida. Por outro lado, um enfoque epistemológico, como a do filósofo e educador Paulo Freire, que leva em conta que o homem é ao mesmo tempo criador e criatura da cultura, também deve considerar o domínio que certas culturas e povos exercem uns sobre os outros. Neste sentido, a superação do egocentrismo, da moral heterônoma e centrada no “eu” pode e deve ser considerada como componente do projeto político-pedagógico da escola. Assim sendo, a educação se tornará transformadora, crítica e criativa, e não apenas reprodutora das relações sociais vigentes. Nossa avaliação é que mesmo com o uso das mais modernas tecnologias da informação e comunicação, se não for implementado um projeto políticopedagógico que busque um equilíbrio entre o cognitivo e o afetivo, o individual e o social, a escola continuará reproduzindo o egocentrismo, o qual, a meu ver, está na base da dominação humana.

85

O Projeto EUREKA

O projeto EUREKA (RIPPER, 1990) foi concebido em 1990 como uma proposta da UNICAMP em conjunto com a rede pública municipal de Campinas, tanto na questão da melhoria do ensino, como na da inserção de Campinas como área de alta tecnologia. O projeto contempla a formação de "Ambiente LOGO de Aprendizagem" em classes de Pré-Escola, primeiro grau e alfabetização de jovens e adultos. A experiência da UNICAMP na área de informática na educação vem da década de setenta através do Projeto LOGO, impulsionado pela professora Afira V. Ripper. A partir da década de oitenta, passou a contar com o Núcleo Interdisciplinar de Informática Aplicada à Educação (NIED) e do Laboratório de Educação e Informática Aplicada (LEIA), da Faculdade de Educação, proporcionando suporte teórico e metodológico para o desenvolvimento de diversos projetos. Para a viabilização do EUREKA foi planejado, além da instalação de laboratório com computadores, um programa de formação continuada que permitisse aos educadores da rede apropriarem-se, de forma crítica e criativa, da informática em suas atividades pedagógicas. A distribuição desse equipamento, pela rede de ensino municipal pública, foi elaborada seguindo critérios que possibilitassem sua maior utilização, como o da existência de recursos humanos que garantissem a viabilização do projeto. Em vista disso, foram organizados salaslaboratórios com 15 microcomputadores cada, em escolas de primeiro grau que também atendessem, no período noturno, a alunos da Fundação Municipal para Educação Comunitária (FUMEC) dentro do Programa de Alfabetização de Jovens e Adultos. Nas escolas de educação infantil (crianças de 4 a 6 anos) foram instalados em março de 1991 os microcomputadores, onde as professoras realizam um trabalho pioneiro ao colocar o computador como um centro de interesse dentro da sala de aula. Para a coordenadora do EUREKA, a professora da UNICAMP Afira Ripper, o Projeto integrou-se com os objetivos da Secretaria Municipal de Educação da Prefeitura Municipal de Campinas a medida em que visa: 1. A integração vertical e horizontal: integração entre os alunos; entre professores e alunos; entre séries e componentes curriculares, por meio de trabalhos desenvolvidos por diferentes disciplinas de uma mesma série e diferentes classes de uma mesma série - através

86

de temas geradores; integração entre classes; integração entre professores da escola e da FUMEC, discutindo problemas comuns do Projeto através de reuniões semanais. 2. A busca da autonomia do trabalho do professor e da própria produção do conhecimento dos envolvidos no trabalho pedagógico (professores e alunos). Quanto à fundamentação teórica do Projeto EUREKA, Ripper assinala que a educação no Brasil enfrenta problemas que, indiscutivelmente, extrapolam o âmbito escolar, tendo em seu conjunto causas relacionadas com as condições de vida e trabalho da população, bem como a inserção da economia brasileira nas relações internacionais. Por outro lado, salienta, a escola não é elemento passivo neste processo. Partindo deste pressuposto, entende-se que se faz necessário buscar com afinco as soluções para os problemas básicos da educação: número de jovens em idade escolar fora da escola, repetência, evasão e formação inadequada de profissionais da educação. Para ela, a informática já está presente e seu uso é inquestionável em quase todos os ramos das atividades humanas. Do mesmo modo que outrora, com a revolução industrial, as máquinas mecânicas libertaram o homem do esforço físico, hoje as máquinas eletrônicas passam a fazer parte do trabalho intelectual de cálculo, controle e armazenamento de dados. A inserção do computador na atividade científica faz parte da realidade contemporânea. Como um dado de realidade, a tecnologia altera, inevitavelmente, o trabalho e as relações humanas. Ainda segundo Ripper, embora o custo do computador torne proibitivo a sua aplicação, hoje, em escala nacional, no sistema escolar público, esse custo vem se reduzindo de forma muito rápida e, além disso, novas tecnologias permitem, de um lado, a operação eficiente de redes e, de outro, a ampliação da capacidade dos microcomputadores sem aumentar o seu custo. Esta redução, ligada aos interesses econômicos envolvidos, tornará inevitável a pressão para a utilização em massa de computadores na escola, pressão esta que pode se tornar irresistível. Caso não haja dentro de nossa comunidade conhecimentos que permitam oferecer alternativas, imbricadas em nosso contexto cultural, que maximizem as vantagens do uso do computador e minimize suas desvantagens, a sua introdução se faria pela importação de modelos enraizados em outras realidades culturais. Esta importação poderá representar um enorme desperdício de recursos e, o que é muito pior, poderá causar danos educacionais sérios. Ripper assinala que a tendência é de trazer modelos não só fora do nosso contexto cultural, mas também de fácil transposição e massificação. Estes modelos, em geral baseados 87

em instrução programada, tendem a restringir qualquer iniciativa de professores e alunos enquanto sujeitos construtores do conhecimento e potencialmente conscientes e criativos. Ademais, ressalta que, a curto prazo, uma geração educada com escassos estímulos quanto ao desenvolvimento da inteligência, da consciência e da criatividade, poderá vir a dificultar o próprio País na sua produção científico-tecnológica porque, dentro do atual modelo econômico (sustentado cada vez mais em Ciência e Tecnologia), a escassez de cidadãos conscientes e criativos poderá reforçar ainda mais os laços da dependência. Neste sentido, deve-se notar que a utilização, em grande escala, de computadores em escola ocorre não só em todos os Países desenvolvidos mas também em Países como Costa Rica e Bulgária, onde, o que está em questão, além da democratização desse novo saber, é o próprio futuro políticoeconômico-cultural do Terceiro Mundo e Leste Europeu. Foi, portanto, visando desenvolver uma alternativa brasileira a essa problemática que o projeto EUREKA se propôs a testar a utilização dos computadores no ensino na escola pública do então primeiro grau e alfabetização de jovens e adultos, procurando ao máximo inserir o computador no nosso contexto cultural. A questão que se coloca, hoje, não é mais se o computador deve ou não entrar na escola, uma vez que isso é inevitável, mas como o computador e o conhecimento da informática podem ser incorporados e dominados de modo a favorecer o processo de educação, a universalização do conhecimento, em especial o de natureza científica. A questão de que o controle, a democratização e a produção de conhecimento também passam pela sala de aula é, para Ripper, o elemento fundamental da filosofia de Educação subjacente ao uso de informática em educação no projeto EUREKA. Ao propor criar o " Ambiente LOGO " como parte das atividades pedagógicas, a expectativa é que os alunos desenvolvam não apenas as habilidades intelectuais e assimilem o conhecimento, mas adquiram, também, autoconfiança como aprendizes e elevada auto-estima, essenciais para o desenvolvimento da cidadania. Para ela, as características do LOGO que contribuem para que ela seja uma linguagem de fácil aprendizagem são a exploração de atividades espaciais e a simplicidade da terminologia de comunicação com o computador. A atividade espacial consiste em comandar uma tartaruga mecânica a se mover no espaço ou atividades de desenhar na tela do computador (atividades gráficas). Nestas atividades a criança, ou qualquer pessoa que esteja utilizando LOGO, usa conceitos matemáticos, geométricos, além de estratégias de resolução de problemas. Os termos da linguagem que se usa para desenvolver estas atividades são 88

termos que usamos no nosso dia a dia. Por exemplo, para comandar a tartaruga para andar (riscar) para frente, o comando é PARAFRENTE (ou PF). Esta característica facilita tanto a interação da pessoa com computador, como a assimilação destes termos pela pessoa que estiver utilizando LOGO. Ainda dentro desta proposta, a utilização do erro como fonte de aprendizagem, vem ao encontro da abordagem psicogenética da educação, desenvolvida por Piaget, orientando o professor a assumir a postura de levar o aluno a pensar sobre o que faz, como faz e o que representa aquele resultado. A ênfase no processo é, portanto, a síntese desse trabalho de reflexão, cujo teor político reside, sobretudo, no fato de que controle da situação está em poder do educando, à medida em que sua própria aprendizagem ocorre. Dentro dessa abordagem, os objetivos gerais do projeto foram:

 verificar a aplicabilidade dos resultados obtidos nas pesquisas até hoje realizadas, utilizando-os

num sistema educacional público, e gerar a base científica de

conhecimentos, que permita um planejamento futuro da utilização, em grande escala, do computador como ferramenta no ensino, de uma forma coerente com a cultura brasileira, de forma a maximizar seus benefícios e reduzir os danos na formação dos estudantes;

 possibilitar o uso do computador como ferramenta na elaboração de projetos dentro do currículo do ensino fundamental e educação de jovens e adultos, contribuindo para melhorar a qualidade do processo ensino-aprendizagem, a fim de assegurar não apenas a permanência do aluno na escola, mas também o retorno daqueles que a abandonaram;

 criar uma maior motivação profissional para professores e especialistas do ensino público.

Os objetivos específicos eram:

 desenvolver metodologia de ensino integrando atividades de sala de aula e do laboratório de informática educativa;

 criar condições para informatizar toda a rede escolar municipal de Campinas, introduzindo o computador como ferramenta didática. Em cada escola de 1º grau da Rede Municipal participante do projeto deverá haver um Laboratório de Informática Educativa que será utilizado alternadamente pelas diversas turmas;

89

 formação de recursos humanos: habilitar os profissionais da educação a utilizarem a informática como instrumento pedagógico através da formação em serviço e aumentar a massa crítica de pesquisadores e outros profissionais na área, envolvendo no projeto alunos de iniciação científica, mestrado e doutorado;

 utilizar a UNICAMP, em particular o NIED e o LEIA, como centros de geração de tecnologia educacional, formação de professores e apoio geral ao programa.

Para Ripper, a estruturação de formação de pessoal é o passo inicial para uma conscientização da informática enquanto ferramenta educacional. A formação em serviço dos profissionais envolvidos no projeto EUREKA é critério básico para participar do projeto e compreende duas etapas básicas: a realização dos módulos intensivo e extensivo, que se entrelaçam no tempo, objetivando a formação continuada dos educadores para que ocorra uma real mudança na prática pedagógica. O módulo intensivo é constituído por um curso de extensão da UNICAMP com carga horária de 40 horas, envolvendo aulas teóricas e práticas, concluindo com a elaboração de projeto de integração da informática no currículo. O módulo extensivo é considerado o âmago do projeto: a participação nele é que caracteriza o engajamento do educador no projeto. Compreende a gestão do processo de informatização das escolas envolvidas, através de várias atividades desenvolvidas durante o ano letivo. Essa gestão se deu mediante a realização de reuniões mensais da Comissão de Educação e Informática da Secretaria Municipal de Campinas, da qual participavam a coordenadora do projeto, o coordenador da Equipe de Apoio, os coordenadores dos grupos de trabalho (GT) das escolas envolvidas e representante da Secretaria Municipal de Educação. Essa Comissão era encarregada de planejar, deliberar e avaliar o processo de informatização do ensino público municipal de Campinas. Além dessa Comissão, o projeto foi assessorado por uma Equipe de Apoio, composta por docentes da rede municipal sob coordenação de um docente licenciado em período integral para este fim. Os integrantes da Equipe de Apoio têm formação na filosofia e linguagem LOGO. Prestavam assessoramento pedagógico aos grupos de trabalho das escolas envolvidas, através de plantão de programação, organização de oficinas e outras atividades compreendidas tanto na aplicação da informática na educação como na realização dos estudos

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e pesquisas neste sentido. A Equipe de Apoio reunia-se semanalmente para avaliar e planejar todas as atividades a serem empreendidas no projeto. Nas escolas, as atividades eram organizadas em torno do Grupo de Trabalho (GT) formado pelos educadores participantes do projeto, sob a liderança de um coordenador, eleito anualmente pelos seus pares. O GT realizava semanalmente reuniões de estudo, avaliação e aprimoramento da filosofia e linguagem LOGO e um plantão de programação, com o assessoramento de um membro da Equipe de Apoio. Os educadores ainda participavam do Grupo de Estudos, onde palestras e oficinas de caráter mais abrangente foram desenvolvidas em reuniões mensais, operacionalizando uma formação em serviço. O objetivo era valorizar o educador, oferecendo-lhe constante aperfeiçoamento técnico-pedagógico no sentido de estimular a vontade de construção coletiva dos ideais pedagógicos e sociais a serem alcançados com este trabalho. Esperou-se possibilitar, desse modo, ao educador não só uma formação continuada e cotidiana, mas também a visualização de novas fronteiras a serem alcançadas no desenvolvimento do projeto e segurança para conduzir esse processo. A valorização do profissional da Educação também deu-se concretamente mediante remuneração do pessoal envolvido no projeto: os professores trabalhavam 4 horas semanais extra classe, os coordenadores do GT, 12 horas semanais extra classe e o supervisor do projeto, Álvaro José Braga, esteve licenciado em período integral para este fim, cursando, inclusive, mestrado na Faculdade de Educação da UNICAMP. Quanto aos resultados obtidos, até 1992 foram observados os seguintes aspectos na avaliação de 19 docentes (MORAES, 1993):

 para um educador, a informática aplicada à educação , por si, não melhora. O que faz a diferença é o LOGO, pois leva o docente a repensar sua prática pedagógica (5,26%);

 para dois educadores, a informática na educação só muda para melhor quando todos os docentes estão comprometidos com a mudança e a busca de valores como a cooperação, respeito, responsabilidade, autonomia, união pensar-fazer, criatividade, criticidade. Sem este comprometimento prévio, o computador pode se tornar um " elefante branco ". (19,52%)

 Para dez educadores, LOGO permite repensar o papel do educador e o caráter do conhecimento porque ele convida a trabalhar de maneira diferente da tradicional: é o aluno 91

quem deve construir o seu próprio saber, corrigindo os próprios erros e desmistificando o papel do professor como único detentor do conhecimento. A relação professor-aluno não fica tão passiva, nesta perspectiva. O aluno é mais sujeito, pois o conteúdo não está pronto (52,63%);

 com o LOGO, a maioria dos docentes percebeu que tiveram que repensar os conceitos a serem trabalhados no computador e que o erro é uma possibilidade de aprendizagem e não um "bicho papão " (52,63%);

 um terço dos docentes sentiu-se estimulado a acompanhar mais detidamente a trajetória do raciocínio e da aprendizagem dos alunos. Perceberam que ainda são vagos, imprecisos, ao formularem perguntas aos alunos no computador. Estão se sentindo estimulados a serem mais reflexivos, críticos, criativos e próximos, afetivo-cognitivamente, dos seus alunos (33,3%);

 um terço dos docentes destacou que as aulas se tornaram mais interessantes, ativas, onde todos buscam soluções para desenvolverem seus projetos computacionais e novos conhecimentos. Os alunos ficaram mais críticos, criativos, exigentes (33,3%);

 três professores ficam com dificuldade de, sozinhos, atenderem os alunos nos computador. As vezes há sobrecarga de alunos por máquina e tanto professores como alunos não gostam (15,78%)

 para a maioria, com o computador, é possível trabalhar várias habilidades ao mesmo tempo e o projeto tem estimulado a pensar a integração curricular com o LOGO (52,63%);

 frente à integração conteúdo-LOGO, a maioria dos docentes avaliou que ainda é preciso um maior aprofundamento na filosofia e linguagem LOGO para poder realizar essa integração de maneira mais consciente, planejada, registrada e satisfatória (52,63%);

 a integração conteúdo-LOGO foi possível, para a maioria, nas seguintes disciplinas (52,63%): - Fundamentos matemáticos: lateralidade, cor, número, direção, forma, ângulo, frações, etc. ; - Linguagem e História: conhecimento de letras e sílabas, produção de textos; - Geografia: reprodução gráfica dos espaços geodésicos; - Artes: criação de projetos artísticos; 92

- Aspectos sociais: respeito, colaboração e divisão do trabalho.

 em um docente houve uma diminuição no desempenho profissional (teve que se dedicar mais ao projeto e ficou com pouco tempo) e uma desestruturação na sala de aula, com dificuldades de articulação do computador com as demais atividades docentes (5,26%);

 para a maioria, a participação no GT possibilitou um maior vínculo entre os educadores e ele não deve ser dividido numa mesma escola para que a riqueza que propicia essa troca de experiências e reflexões não seja prejudicada (52,63%).

 Quanto aos alunos, a avaliação que a maioria dos professores fez foi:  inicialmente, eles sentiram dificuldades, ficaram ansiosos, alguns chegaram a confundir LOGO com vídeo-games e outros sentiram medo, mas depois que aprenderam um pouco gostaram e ficou mais fácil a atividade com o LOGO;

 os alunos ficaram, de um modo geral, mais estimulados com as aulas após a chegada do computador;

 os alunos começam a raciocinar mais, pois a ênfase não é fazer cópia no computador mas criarem seus próprios projetos;

 as crianças do Infantil sentem-se mais estimuladas a conhecerem o alfabeto por causa do teclado do computador. Algumas acham que a escola com computador " é mais legal " porque " não se faz só lição no caderno e na lousa". Sentem-se estimuladas a pensar mais;

 os trabalhadores-alunos da FUMEC registraram que o computador está exercitando as suas inteligências e que, além disso, ele é muito útil para a sociedade. Dessa forma, os pobres também deveriam ter acesso a essas máquinas. Além disso, os patrões não devem tirar o trabalho humano e transferir esse trabalho para os robôs e computadores. Todos devem ter essas tecnologias.

Quanto à relação trabalhadores-alunos e informática, é relevante ressaltar que os alfabetizandos passaram a experimentar uma nova sensação de poder advinda da apropriação que fazem do conhecimento que as elites dominam. A esse respeito, julgamos conveniente

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transcrever um depoimento de uma docente de jovens e adultos alfabetizandos (Böckelmann, 1993, In: MORAES, 1996): "Meu nome é Maria Alda Böckelmann; sou professora da Fundação Municipal para Educação Comunitária - FUMEC - e trabalho com jovens e adultos no programa de educação básica. No final de 1990 participei de um grupo de estudos liderado pelo professor Álvaro Braga, cujas finalidades eram: - discutir as finalidades metodológicas do grupo. - iniciação à linguagem LOGO. Posteriormente, em outubro de 1991 participei do curso de Introdução à programação LOGO, coordenado pela professora Afira Ripper. Dessa forma comecei a trabalhar no projeto EUREKA e antes do final de 1991 tive a oportunidade de trabalhar com meus alunos no Laboratório de Informática Aplicada LEIA Minha classe era multisseriada, isto é, tínhamos PEBs I, II e III e as idades dos alunos iam de 16 anos até 58 anos. Lembro-me da primeira vez que os alunos se defrontaram com o computador. Estavam ansiosos e amedrontados, não acreditavam que seriam capazes de mexer na máquina; achavam que esse tipo de trabalho era próprio de uma outra classe social; colocavam-se em uma nítida posição de baixa estima e aceitavam a inferioridade que lhes fora imposta pela sociedade. Segundo Papert: ..”nossas crianças crescem numa sociedade permeada pela idéia de que há "pessoas espertas" e "pessoas estúpidas".”.. elas se autodefinem em termos de suas limitações, e essa definição é consolidada e reforçada no decorrer de toda a sua vida". (Papert, 1985: 63) Criam assim uma auto-imagem intelectual e social empobrecida que é confirmada por fortes crenças populares e que dividem os indivíduos que podem fazer esse ou aquele trabalho e aqueles que não. Apesar disso, alguns alunos se apropriaram dos comandos primitivos da linguagem LOGO e se aventuraram a traçar linhas e figuras.

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Os alunos mais idosos e justamente os que estavam construindo seus conhecimentos da escrita e leitura levaram maior tempo não só para entender os comandos, como para usar o teclado do mesmo, pois nem mesmo contato com uma simples máquina de escrever tinham tido. Esses alunos discutiam essa atividade tão alheia a eles, dizendo que dificilmente se veriam em uma situação de usar um computador, pois nunca iam a bancos e nem a qualquer lugar onde eles existem. Nessa época, devido ao pequeno número de computadores no laboratório, os alunos trabalhavam em duplas, alternando-se no uso deles. Este argumento de poucos computadores foi usado por alguns desses alunos mais idosos, justificando sua recusa em participar da atividade, para dar lugar aos mais jovens. Em 1992, trabalhamos no laboratório de informática do Guará; tínhamos reuniões semanais do grupo de estudo onde discutíamos como orientar nossos alunos e também como integrar as diferentes áreas de estudo e trabalho no computador. Trabalhávamos, também, com os alunos. Eles estavam profundamente motivados, estavam descobrindo um mundo novo, ansiavam pelas aulas. Os alunos do Guará, por problemas de instalação elétrica tiveram que fazer uma pausa nas atividades com o computador, mas minha turma obteve autorização para ir ao LEIA e nosso trabalho pôde ter continuidade. Foi um período de enriquecimento deles e meu, mas só esse ano nós, professoras, nos sentimos mais seguras quanto ao uso do computador como instrumento de educação e pude com a turma que trabalho atualmente parar e fazer algumas reflexões. Percebi então, que o trabalho com a linguagem LOGO permite ao aluno se colocar em uma posição de comando, nunca antes experimentada, que motiva-o ao trabalho, pois resgata o aspecto afetivo e intelectual entre a tarefa e aquele que a executa. Essa situação o leva a criar, imaginar o que gostaria de fazer: ela o faz refletir como realizar o que quer e leva-o a analisar suas hipóteses de trabalho, diagnosticar e aceitar seus erros como desafios para encontrar o caminho certo e a organizar seu conhecimento neste sentido. Ainda Papert nos diz: “os ambientes intelectuais oferecidos às crianças pelas sociedades atuais são pobres em recursos que a estimulem a pensar sobre o pensar, 95

aprender a falar sobre isto e testar suas idéias através da exteriorização das mesmas. O acesso ao computador pode mudar completamente esta situação...Programar a tartaruga começa com a reflexão sobre como nós fazemos o que gostaríamos que ela fizesse; assim ensiná-la a agir ou "pensar" pode levar-nos a refletir sobre nossas próprias ações ou pensamentos. E à medida que as crianças progridem, passam a programar o computador para tomar decisões mais complexas e acabam engajandose na reflexão de aspectos mais complexos de seu próprio pensamento”. (Papert, 1985: 45) Trabalhando com minha turma, observei que o aluno que constrói seu conhecimento, torna-se dono dele e é essa apropriação que vai possibilitar que ele realize as transferências da aprendizagem feita para novas situações. Esse trabalho levou-me, ainda, a refletir sobre o meu papel de educadora, a indagação sobre o meu espaço de atuação e como essa ação educadora deveria ser. Levou-me a partir da ação do aluno para fazer o planejamento procurando formas ou maneiras capazes de impulsionar o desenvolvimento do mesmo. Ensinou-me a respeitar o ritmo, a capacidade que o aluno tem para construir seu conhecimento, mudou minha postura não só quanto à orientação dessa construção, mas também quanto à avaliação da mesma. E finalmente, fez com que eu percebesse que o processo de construção não é só do aluno, mas meu também, pois estamos aprendendo juntos”.

Esses primeiros resultados nos oferecem um indício de que, quando se introduz com seriedade um projeto de informatização das escolas públicas que inclua a formação crítica e criativa dos educadores, docentes e discentes se sentem mais estimulados a buscar o saber, a produzi-lo e enfim, obter mais poder. Com a mudança da gestão na Prefeitura Municipal de Campinas em 1993, o então prefeito Magalhães Teixeira (PSDB) deu continuidade ao projeto, mas tornou-se um “problema” a gestão quase co-gestionária do mesmo. Conseguiram-se novos recursos em 1994/95, mas os mesmos só começaram a serem liberados em 1996. Buscou-se uma ampliação do projeto. Houve um empenho muito grande da equipe original em mantê-lo íntegro, mas na gestão seguinte o EUREKA foi extinto. É nossa hipótese que incomodaram ao poder as práticas até então adotadas: desenvolvimento de uma gestão participativa em todas 96

as instâncias; valorização profissional dos envolvidos no projeto (horas de reunião e estudo remuneradas); liberdade e independência de pesquisa, tal como prescreve a Constituição Federal.

O Projeto GÊNESE

Em 1988, a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo e o Instituto III Millenium, entidade sem fins lucrativos, resolveram divulgar a informática nas escolas da Rede Municipal de Ensino a partir da preocupação com as transformações sociais advindas e geradas pela tecnologia de uso das ciências computacionais (GÊNESE, 1992: 7). O projeto pedagógico do uso do computador consistia, basicamente, da linguagem LOGO. Paralelamente, dois outros projetos voltados para a profissionalização dos alunos na área de informática eram desenvolvidos através do uso de aplicativos: processador de texto, banco de dados e planilhas eletrônica. Um deles pertencia à firma Delta e era implantado nas escolas mediante a formação inicial de professores; o outro, de caráter itinerante, oferecia cursos optativos de curta duração para os alunos. Em 1989, quando a prefeita eleita Luiza Erundina de Souza assumiu a Prefeitura, o Professor Paulo Freire, da pasta de Educação, elaborou um novo projeto político-educacional e procedeu a uma reavaliação dos projetos existentes. Quanto ao projeto com o Instituto III Millenium, constatou-se que, ainda que houvesse um convênio assinado entre as partes sobre a cessão de equipamentos à Secretaria da Educação, tal convênio não havia sido publicado no Diário Oficial do Município, embora o projeto nas escolas estivesse em andamento. Em vista disso e da necessidade de reorientação curricular, esse convênio , foi suspenso. Quanto aos projetos de cunho profissionalizante, a informática era vista dentro de uma perspectiva pragmática, o que, para a equipe que assumia a Secretaria de Educação, era um erro histórico, pois estabelecia, como objetivo da educação, a formação do trabalhador a partir das necessidades do mercado de trabalho. Em contrapartida, a profissionalização, principalmente em nível de primeiro grau, foi concebida de uma maneira distinta, pois deveria passar : (...)"pelo imperativo da análise de uma nova visão de cidadão, de sociedade e de suas relações no mundo. O indivíduo e a sociedade devem ser vistos na sua totalidade e nas suas 97

possibilidades de "vir a ser", o que contraria, sobremaneira, o conceito fragmentado e pragmático de aquisição de habilidades profissionais estanques". (GÊNESE, 1992 : 7) Neste sentido, foi recriado o projeto de Educação e Informática da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, fundamentando-se na tese de que (...)" uma sociedade informatizada está passando a exigir homens com potencial de assimilar a " novidade " e criar o novo, o homem aberto para o mundo, no sentido que lhe confere a teoria piagetiana quando se refere às assimilações mentais majorantes; da mesma forma, exige a presença do cidadão crítico e comunitário, onde os artefatos tecnológicos, especificamente o computador, possam ser ferramentas auxiliares para a construção de uma sociedade mais igualitária e justa". (GÊNESE, 1992 : 7) Visando à democratização do acesso e o uso da informática, a preocupação da Secretaria de Educação foi, também, a de reconstruir a escola pública através de um projeto político-pedagógico voltado para uma nova qualidade do ensino, preocupação esta inexistente no projeto anterior. O Projeto GÊNESE iniciou-se em 1990, com o primeiro curso destinado a trinta educadores da rede pública municipal que já possuíam formação na área de informática educativa, procurando, assim, aproveitar os educadores que já haviam trabalhado nos projetos anteriores. Esse curso teve a duração de 180 horas e foi ministrado pela assessoria pedagógica do Projeto GÊNESE e pela equipe do Núcleo de Informática Educacional NIED (responsável pelo sub-projeto EDUCOM), da UNICAMP. A seguir, foram selecionadas as escolas que comporiam o projeto, tendo como critério as propostas pedagógicas e o atendimento igualitário

dos diferentes Núcleos da Ação

Educativa - NAEs, situados nas diferentes regiões da Capital. Os pressupostos do Projeto GÊNESE residiam na idéia de que a introdução de computadores na educação não é um projeto fácil. Exige reflexões profundas sobre educação, mais do que sobre tecnologia, como diz S. Papert e referendado por M. Apple. Para a equipe, todo projeto na área de uso de computadores deveria vir consubstanciado por:

 um projeto político-educacional que o direcione em termos de dar respostas às questões postas por Apple: " que tipo de sociedade queremos" e " que tipo de indivíduo queremos formar ", e a partir daí definir as finalidades educacionais,

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 e, com base nessas questões, pelo estabelecimento, em segundo lugar, das diretrizes metodológicas do uso do computador, enquanto prática alternativa dentro do currículo, o que remete à questão da formação do educador.

 A solução para tais questionamentos era concebida a partir do abandono do enfoque que Papert define como "tecnocêntrico", da exigência de se estar formando professores com habilidades que se aproximam dos programadores em computador. Para a direção do Projeto GÊNESE, embora a linguagem LOGO exija habilidades de programação, o seu grande foco é pedagógico e, portanto, seu ensino não fica nas habilidades pelas habilidades. Estas ficam como subproduto dentro de um processo onde o mais importante é criar um ambiente de aprendizagem ativo, que permita ao professor, ao mesmo tempo, observar processos cognitivos e a socialização de seus alunos (processos qualitativos), além de criar situações de aprendizagem desafiadoras, vinculadas aos projetos curriculares.

 Da mesma forma, os outros recursos computacionais deveriam fazer parte da formação, desde que orientados pelas necessidades educacionais e o processo de ensinoaprendizagem. Quanto ao uso de programas prontos (softwares educacionais), esses deveriam sofrer uma avaliação e seleção criteriosa e serem colocados a serviço do modelo pedagógico adotado. Sua análise deveria, também, partir das concepções de homem, mundo e de um modelo epistemológico e psicológico coerente. Dentro de uma concepção construtivista, os softwares do tipo “exercício e prática" e os tutoriais que possuem a mesma abordagem educacional seriam descartados. Quanto às multimídias (videodiscos interativos ou não, CD-ROM), os membros do Projeto os consideravam como recursos enfatizados sob a ótica tecnológica e que não havia, ainda, aplicações pedagógicas comprometidas com modelos que considerassem os aspectos psicológicos, metodológicos e filosóficos do processo ensino-aprendizagem na abordagem adotada. Apesar de serem vistos por muitos como tutores mais inteligentes e otimizados que os recursos menos sofisticados dos computadores da época, a equipe optou por não os utilizar no Projeto naquele momento.

 discurso presente na documentação do Projeto GÊNESE destaca que a introdução do computador na SME de São Paulo, sob a gestão Erundina (Partido dos Trabalhadores), procuraria ter um compromisso com a transformação da escola pública popular e, como tal, fundamentar-se-ia no paradigma interacionista-construtivista sócio-cultural (Piaget e 99

Vigotsky). Para isso, estabeleceu três princípios: Participação, Descentralização e Autonomia.

 Visando a estabelecer metas voltadas para a Democratização da Gestão e do Acesso e na busca de uma Nova Qualidade do Ensino, o Projeto propôs:

 Democratização da gestão: um dos aspectos da democratização da gestão dizia respeito à forma de implantação do projeto nas unidades escolares, orientada pelo princípio de autonomia das escolas, a qual contemplava: seleção dos projetos tendo o aval dos Conselhos de Escola (compostos pelo diretor, representantes das equipes escolares, pais e comunidade) ; formação continuada de docentes e especialistas que se transformariam em multiplicadores; organização coletiva das atividades; atendimento equânime às diversas regiões e clientelas.

 Democratização do acesso:

para evitar que o computador se transformasse num

"modismo" ou que abrisse ainda mais o fosso cultural entre os diferentes níveis sociais da rede de ensino, o Projeto buscaria diminuir esse impacto diferencial distribuindo com equanimidade os equipamentos pelas diversas regiões da cidade. E, mais ainda, dentro das próprias unidades escolares procuraria que fosse atendido o maior número possível de alunos.

 Infra-estrutura: não basta ter educadores formados. É necessário ter a infra-estrutura dos equipamentos e de sua manutenção. Para isso, a SME instalou Oficinas de reparos com licitações permanentes de material.

 Qualidade do ensino: seria obtida através, tanto da capacitação, como do comprometimento do professor para com o ensino público.

O GÊNESE encontrava-se inserido no Movimento de Reorientação Curricular da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, que, nos dizeres de Paulo Freire: "O projeto político-pedagógico que estamos articulando pretende em última instância, que, partindo de uma primeira leitura do mundo, meninos e meninas, homens e mulheres façam a leitura do texto, refaçam a leitura do mundo e tomem a palavra”. (GÊNESE, 1992: 23). E quanto ao currículo: “A escola que queremos é aquela em que em vez de adaptar o educando ao mundo dado, procura inquietá-lo para que perceba o mundo dando-se, o qual pode ser mudado, transformado, reinventado". (GÊNESE, 1992: 24) 100

O desenvolvimento do currículo, desta forma, procuraria (em consonância com Freire e Papert) desenvolver-se nos princípios: da continuidade (relação entre o conhecimento pessoal e o cultural, estabelecendo uma " competência cognitiva"), do poder (criação individual de projetos) e da ressonância cultural (criação de projetos pessoais, ligados aos campos do conhecimento e a trabalhos interdisciplinares). Resumidamente, o ambiente criado pelo uso do computador no projeto GÊNESE, tendo como base o LOGO, constituiu-se de: elaboração de Projetos; possibilidade de " pensar com " o computador; troca de experiências;“erro" construtivo; pluralismo epistemológico (respeito aos diversos estilos de aprendizagem). Embora os resultados fossem visíveis, no ano de 1993 o projeto GÊNESE foi desativado pela gestão do prefeito Paulo Maluf (PPB) e, segundo informações, o parque computacional instalado foi aproveitado para se ministrar cursos profissionalizantes nos moldes do Instituto III Millenium, com o qual a prefeitura refez o convênio. A proposta de um ensino crítico e libertário foi desativada e a Secretaria de Educação voltou ao tecnicismo educacional.

A formação dos professores em Informática Educativa

Apesar do programa FORMAR (Formação de Recursos Humanos) ter sido criado pelo MEC em 1987, este só conseguiu realizar 3 cursos de formação de professores: em 1987 e 1989 na Unicamp em 1991, na UFG. O conteúdo desses cursos era baseado na filosofia e linguagem Logo e na aprendizagem de seus comandos básicos. Ao término do curso, os professores voltavam às suas instituições e se integravam aos projetos de origem. Já nos projetos municipais EUREKA E GÊNESE, a tônica era a formação inicial (similar ao FORMAR), mas a tônica era a formação continuada dos professores mediante o seu acompanhamento por equipes de apoio eleitas pela própria escola onde o projeto se desenvolvia. Essa era uma das marcas centrais desses projetos no final da década de oitenta: a sua inserção no projeto político-pedagógico da escola e a eleição dos seus representantes em todos os níveis: desde o conselho escolar até a equipe de apoio. Frente a isso, minha leitura da problemática acerca da formação dos professores em informática educativa é que acrescem-se ao contexto do desenvolvimento da informática no País diferentes posições em torno de duas vertentes, as quais não pretendemos abarcar na sua

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totalidade nem esgotar todos os seus argumentos: os que defendem sua inserção no processo educativo e os que analisam criticamente esse posicionamento. A opinião de Papert (1995) é de que o desenvolvimento cognitivo é mais eficazmente alcançado com o computador, o qual acelera a passagem do pensamento infantil para o pensamento adulto. Para ele, esta tecnologia transforma-se numa poderosa ferramenta para ajudar a pensar com inteligência e emoção, sendo, pois, revolucionária. Tal idéia foi em parte detectada na experiência de Bossuet (1985) na escola de Aiguelong, França, com crianças bastante motivadas, mesmo para qualquer outro sistema informático que não o LOGO. Essa experiência mostra que tiveram um maior aproveitamento escolar. Frente a isso, Chaves (Chaves & Setzer, 1988) sustenta a tese de que qualquer forma de utilização do computador na educação pode trazer alguns resultados pedagógicos. Fica, então, aberta uma questão: o computador traz (através do LOGO) uma nova forma de aprender, como propõe Papert, ou o computador, em si, é benéfico quando utilizado adequadamente, independentemente do método, como sugere Chaves? Segundo os defensores do LOGO, a contribuição de Papert avança em relação à de Chaves e Bossuet ao propor, através das características especiais do LOGO, a possibilidade de unir a cultura humanista à cultura tecnicista, uma vez que, através do mesmo, o aluno percebe que os processos de raciocínio são os mesmos. Além disso, a busca de interdisciplinaridade, como também sugere Dalledonne (D’AMBROSIO & DALLEDONE, 1988), é uma tentativa de visão de conjunto das Ciências e da Filosofia, decorrente da crítica à especialização como conseqüência da burocratização do saber, a qual parcelariza o trabalho intelectual. Nesse sentido, pode mesmo o LOGO trazer a contribuição de uma tentativa de visão global? Um outro ponto relevante a ser destacado em LOGO se refere ao papel do professor e do currículo. Papert defende a tese de que o professor deve dar apoio ao educando para que ele construa suas estruturas cognitivas, evidentemente sem currículo. O que seria, então, “dar esse apoio?” Para ele seria, sobretudo, não dar respostas prontas: Deve-se estimular a pensar. E isso é relevante do ponto de vista pedagógico: O educando deve ser criativo. Mas será que isso não ocorre com outra tecnologia ou mesmo sem nenhuma? Para Papert o computador é um instrumento privilegiado porque simula o funcionamento da própria mente, órgão com que se cria e se aprende. Contudo, há uma questão problemática em LOGO. Conforme alguns educadores, o saber historicamente elaborado pelo conjunto da sociedade precisa ser de domínio comum e não só de uma elite, e nesse sentido, coloca-se a seguinte questão: enfatizando-se sobretudo o 102

pensar, ou seja, não dar o conteúdo pronto, não se estará correndo o risco de não se democratizar o saber, dado que nem todos pensam com o mesmo ritmo e da mesma forma? Como evitar que o conteúdo seja deixado em segundo plano para a maioria? Além disso, poderíamos também questionar o caráter do conteúdo pronto. Será que determinado conteúdo levaria realmente à democratização? Que conteúdo deve ser democratizado? Tais questões não estão claras na Filosofia LOGO. Outro defensor da Informática na educação é Leonhardt (1986), que pensa que computador promove a perda do falso poder do professor. É a criança, auxiliada pelo computador, quem constrói as suas estruturas cognitivas, evitando que o professor as introjete nela. Assim, o novo papel do professor é o de entrar na “saudável linha de montagem” das atividades educacionais. Ele será o produtor e receptor de softwares da nova tecnologia na educação: é a industrialização do ensino. A ser ver, a educação se beneficiaria saindo do estágio artesanal da lousa e do giz. Ainda na esfera dos que estão a favor, mas de forma um pouco mais crítica, Dalledonne julga que o computador só será um instrumento democrático desde que os atores sociais lutem pela democracia e a superação da dependência dos países do Terceiro Mundo frente às grandes potências. Caso contrário, há o risco de sermos dominados pelos países detentores das novas tecnologias.

Outro autor, o filósofo Pierre Lèvy (1994) coloca que a técnica não é boa, nem má, nem neutra, nem necessária, nem invencível. Quanto mais reconhecermos isto, mais nos aproximaremos do que ele conceitua como tecnodemocracia. Mais recentemente ele trabalha os conceitos de inteligência coletiva e ecologia cognitiva, assinalando que com o advento da internet há a possibilidade de a humanidade experimentar, finalmente, a irmandade entre os homens. Assumem, ainda, uma posição mais crítica, estudiosos como Herrera (1987), Rattner (1985) e Almeida (1985). Coincidem em suas análises quanto à situação crítica da inserção das novas tecnologias no Brasil. Para Almeida, a partir de 1973 (com a crise do petróleo produzida pelos árabes), dá-se um rearranjo internacional da distribuição da riqueza e do poder em busca de uma acumulação mais centralizada e a nível mundial, sendo que é nesse contexto que emergem as novas tecnologias.

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Rattner já pensa na crise como o fracasso do atual modelo de desenvolvimento e na necessidade de um modelo alternativo, onde Ciência, Tecnologia e Educação passem a atender as carências dos setores sociais mais desprivilegiados. Herrera, por seu lado, percebe a crise como um fenômeno maior (planetário) e mais grave, salientando que é a primeira vez que nossa espécie pode se auto-destruir por causa do arsenal bélico acumulado. Nesse sentido, fica abalada a afirmação de vários autores, como Bossuet, de que a tecnologia é neutra. Os críticos questionam agudamente a neutralidade das novas tecnologias, analisando-as como originárias do complexo industrial-militar ou de interesses no desenvolvimento de determinadas áreas de atividades mais ligadas à satisfação e ao bem-estar das classes já privilegiadas. Somando-se a essa crise mais ampla, mencionada por Herrera, alguns estudiosos críticos associam a crise do emprego com a automação como algo inevitável, que acarretará sérios problemas para a classe trabalhadora.

Quanto ao uso da Informática na educação os autores críticos se dividem. Santos (1986) por exemplo, julga que apesar de o País não ter recursos suficientes para encampar essa proposta não pode se tornar anacrônico: Deve-se lutar tanto pelo giz como pelo computador. Já Almeida acredita na possibilidade de um uso crítico dessa tecnologia, mas não a explicita. Limita-se a criticar Basic e LOGO. Herrera vê a Informática apenas como um instrumento auxiliar, pois para ele educar é um processo muito mais amplo. Rattner duvida da utilidade da Informática sob o monopolismo e a dependência, chegando a afirmar que esta cria uma racionalidade típica dos tecnocratas e que será utilizada para diminuir o preço da mão-de-obra e ampliar o mercado para as empresas produtoras de computadores brasileiros. Apple (1986) pondera que primeiro precisamos pensar no tipo de sociedade que queremos para então decidir se queremos ou não o computador na escola, pois temos que ter um futuro compartilhado por todos. Quanto ao uso da Informática em si, Almeida critica tanto os sistemas Basic como LOGO, respectivamente: ou por ser tradicional e empobrecedor, ou por ser elitista e apenas enfatizar o processo cognitivo, deixando de lado os apectos socio-político-econômicos da 104

educação. Já Setzer (CHAVES & SETZER, 1988) não só é contrário ao computador como também à televisão. Este matemático entende que o computador massifica o raciocínio e não deve ser utilizado no ensino fundamental (antigo 1º grau). Seu uso deve ser a partir do ensino médio e como ensino de computação. Setzer lançou um manifesto em 1984 contra a introdução do computador no ensino fundamental é um dos mais agudos críticos da política brasileira de informatização do ensino público. Quanto à possibilidade de um uso crítico da Informática na Educação, Mandel (1986) considera essa tecnologia como simplesmente mais uma ferramenta de trabalho, que pode se tornar emancipatória desde que para isso a sociedade lhe confira esse papel.

“Faz-se necessário dar uma resposta a esse temor através da familiarização dos trabalhadores com os computadores, ao se demandar que as crianças da classe trabalhadora tenham computadores à sua disposição gratuitamente nas escolas. Neste ano (1986), cinco milhões de microcomputadores “pessoais” serão indubitavelmente vendidos nos EUA. A competição é ferrenha. A queda de seus preços será comparável. Os sindicatos e as outras organizações de classe devem assegurar de que operários e funcionários aprendam a dominar esses escravos mecânicos, sejam eles dotados ou não de “inteligência artificial”. Então o temor recuará e a classe trabalhadora acabará por encarar as novas tecnologias da mesma maneira que ela acabou por encarar as antigas. São apenas instrumentos de trabalho que podem ser transformados de instrumentos despóticos em instrumentos emancipatórios, desde que os trabalhadores mudem os rumos de seus ofícios coletivos”(MANDEL, 1986).

Mandel enfatiza a necessidade de que os filhos dos trabalhadores dominem a Informática por uma ferramenta de trabalho que deve ser de domínio coletivo e não de forma despótica, mas emancipatória, dado que com a Informática poder-se-á reduzir a jornada de trabalho e automatizar os processos rotineiros e mecânicos, deixando para o homem os trabalhos mais criativos. Do ponto de vista de uma análise politécnica ou tecnológica marxista (da qual Mandel também compartilha), nós pensamos que dominar a Informática de uma forma crítica consistiria em levar os filhos da classe trabalhadora a adquirir o domínio dos fundamentos científicos e tecnológicos que embasam a Informática e não apenas saber utilizar o 105

equipamento, como muitos propõem. Seguindo a tradição marxista, deve-se unir o saber ao fazer. Frente a tudo isso, concluímos salientando, conforme trecho de um estudo de Kawamura que as novas tecnologias colocam desafios de várias ordens para a educação:

“Como inserí-las no processo educacional sem limitar a criatividade e a visão crítica? Como evitar a elitização do uso das novas tecnologias na escola? Como coadunar a especialização e a alienação? Como repensar a qualificação dos especialistas e sua função social? Como se pode depreender destas e de outras questões, não se trata de uma luta segmentada a ser efetuada apenas por educadores e estudantes na escola, mas sim, levada avante coletivamente pelos diferentes grupos sociais, principalmente das classes subalternas” (KAWAMURA, 1990, p. 73).

Com os avanços da internet e a possibilidade do computador também se comunicar, concordo cada vez mais com lucidez de Fernando Motta “o esforço da educação no sentido de formar indivíduos livres, seguros e responsáveis, capazes de pensar por conta própria, será necessariamente maior e mais difícil no futuro do que já tem sido” (Motta: 1986, 123. ).

Chaves (2000) afirma que não está “convicto de que de que a presença da tecnologia produza, por si só, mudança nas pessoas. A tecnologia pode, isto sim, "alavancar" as ações daqueles

que

estão

interessados

em

mudanças,

que

estão

preocupados

em

encontrar nos caminhos” (CHAVES, 2000). Vemos que esse filósofo da educação, ao longo dos anos, passou de uma postura otimista para uma atitude cautelosa com a tecnologia de informática. Contudo, considerando-se o crescente aviltamento dos direitos fundamentais da humanidade quanto à saúde, emprego e educação - entre outros - julgamos pertinente a seguinte reflexão de Marx : "Chegou-se finalmente a uma época em que tudo aquilo que os homens tinham considerado como inalienável se tornou objecto de troca, de tráfico e se pode alienar. É a época em que as coisas até então eram comunicadas, mas jamais trocadas; dadas, mas jamais vendidas; adquiridas, mas jamais compradas - virtude, amor, opinião, ciência, consciência, etc - em que tudo finalmente entra no comércio. É a época da corrupção geral, 106

da venalidade universal, ou para falar em termos de economia política, a época em que, tendose todas as coisas, morais ou físicas, tornado valores venais, entram no mercado para serem apreciados pelo seu mais justo valor". (1975, p. 194) E não parece que estamos no limite histórico do capitalismo. Ao contrário, a atual fase do capitalismo globalizado está acelerando o avanço da barbárie. A esse respeito, Hobsbwan reflete que: ”Os problemas de um globo que hoje pode se tornar inabitável pelo simples crescimento exponencial da produção e da poluição, pelos problemas de um mundo dividido entre uma minoria de Estados muitos ricos e uma grande maioria de Estados pobres, não podem ser resolvidos dessa maneira. Na última década do século, nem sequer parece possível que possam ser resolvidos sem a ação planejada e sistemática de governos dentro de Estados e, internacionalmente, sem atacar os redutos da economia de mercado de consumo. As coisas não se acertarão sozinhas. É isto que os socialistas lembram aos liberais. Se essa ação pública e de planejamento não for iniciada por pessoas que acreditam nos valores da liberdade, razão e civilização, será iniciada por pessoas que não acreditam nesses valores, porque terá de ser iniciada por alguém. Infelizmente, é mais provável que seja iniciada pelo fenômeno mais perigoso do nosso fin de siècle”: regimes nacionalistas, xenófobos, demagógicos, direitistas, igualmente hostis ao liberalismo e ao socialismo, porque ambos representam os valores da razão, do progresso e a idade das grandes revoluções. Este é o perigo. Rosa Luxemburgo nos advertiu de que a alternativa real da história do século XX era “socialismo ou barbárie”. Não temos o socialismo: acautelemo-nos contra a ascensão da barbárie, especialmente barbárie combinada com alta tecnologia. “ (1995, p. 216) Temos certeza de que não será com a globalização bárbara e violenta, como doutrina ou ideologia político-econômica-social, que conseguiremos a promoção de uma sociedade efetivamente livre. Por trás da tecnologia, a classe dominante capitalista, às custas de todos, inclusive dos seus concorrentes, cada vez mais concentra e centraliza o capital, aumentando a miséria e a dominação humana. Entretanto, dado o crescente descomprometimento da maioria dos cidadãos parece que as dificuldades atuais em superar esses antagonismos são cada vez maiores. O momento atual é de desesperança, de violência. Kurz (1993), por sua vez, assinala que a crise econômica mundial que estamos vivendo neste final de século gere, não se sabe quando, a superação do modo de produção capitalista. Mas isto, salienta, será o resultado de ações humanas concretas e das próprias contradições do Capital, e não do determinismo tecnológico. 107

Herrera (1993) sinaliza que seria necessário que uma outra estratégia socioeconômica e cultural fosse implementada: a valorização do ser em vez do ter; a produção compatível com os recursos finitos do meio ambiente; a distribuição equânime da riqueza; a eliminação da divisão social do trabalho; a participação e a educação. Para ele “Com a tecnologia moderna, aparece também uma nova possibilidade: a informática. Pela primeira vez na história é possível que a população ou os organismos representantes da população possam ter realmente informação para poder decidir, começando pela base. “ E ainda: “ E vamos à mudança fundamental do trabalho: à medida que vão sendo transferidas habilidades às máquinas, é preciso operários cada vez menos capazes. Mas há outra solução. É eliminar a divisão social do trabalho. O que quer dizer isso: se toda a Humanidade trabalhar um tempo relativamente breve - estou falando de um futuro não muito longínquo, de um futuro para o qual estamos indo agora - , pode produzir todo o que é necessário. Esse trabalho social necessário poderia ser feito por toda a população, em curta jornada, eliminando-se, pois, essa divisão social do trabalho. “ (...) “Gostaria de reiterar, finalmente, que não podemos predizer qual será o impacto dessa tecnologia - a Informática porque esse será um impacto determinado por nós mesmos. Quer dizer, esse impacto tem de ser construído, porque depende, fundamentalmente, da estratégia socioeconômica e cultural na qual esteja incorporado. De maneira que se trata de um desafio” (1993, 21). Entretanto, apesar dessa possibilidade democrática, a utilização da informática tem sido reacionária/conservadora, tendo em vista o desemprego tecnológico e o descomprometimento dos educadores com a democracia (entre outros). A péssima remuneração dos professores, suas duvidosas formações, a deplorável qualidade do ensino nas escolas públicas de primeiro e segundo graus e a semialfabetização dos alunos, que inclui países como o próprio EUA, são um indício de que esse fenômeno do descomprometimento com a educação não

é um

fenômeno típico de antigo terceiro mundo, mas um fenômeno mundial. Também Gramsci (1968) salienta esse descomprometimento “amesquinhado” dos educadores: ” É este o fundamento da escola elementar; que ele tenha dado todos os seus frutos, que no corpo de professores tenha existido a consciência de seu dever e do conteúdo filosófico deste dever, é um outro problema, ligado à crítica do grau de consciência civil de toda uma nação, da qual o corpo docente é tão-somente uma expressão, ainda que amesquinhada, e não certamente uma vanguarda” (1968, 131).

108

Ilan Gur-Ze'ev (2000), analisa que apesar do Ciberespaço ser uma máquina de prazer pós-moderna que visa à reprodução da dominação capitalista em sua fase globalizada e autocontrolada, há ainda a possibilidade do imprevisível e do incontrolável . Essa possibilidade faz com que os sujeitos ressuscitem o que é esquecido ou desconstruído na Rede: o eros, a reflexão, a transcendência e a ética em um diálogo historicamente situado. Para ele:

"O diálogo é o campo em que a luta pela reflexão como possibilidade aberta pode acontecer. Dentro dele, a alteridade do Outro - "interno" ou "externo" - como uma reflexão do infinito e abertura ao ser permite a realização da transcendência no exato momento. A Utopia negativa como uma busca positiva combate em circunstâncias concretas e abre a possibilidade de um momento especial de intersubjetividade não-violenta. Essa intersubjetividade nãoviolenta envolve reconhecer a diferença, a diferença total e, portanto, é um combate, não uma celebração de machos brancos, racionais e de classes dominantes como é usualmente concebida no Esclarecimento tradicional. Eis porque a contra-educação só pode atuar dentro dos horizontes de um diálogo". (2000). Contudo, ele adverte que a realização do Espírito crítico não está garantida, dado que o "sujeito assim como o diálogo não são hoje mais do que uma Utopia". Em vista disso, a Educação e a Informática na pós-modernidade está no limite do atentado contra a existência do ser humano enquanto sujeito, um ser com dor, sentimentos, paixões e eros, como nos diz Ilan Gur-Ze'ev. E para emancipar essa realidade da opressão capitalista (manifesta ou simbólica) a educação pode vir a ter um papel estratégico, já que na atual fase civilizatória a tecnologia apresenta-se muito sedutoramente, tal como as sereias na Odisséia que tentaram seduzir Ulisses. Felizmente para Ulisses e seu povo, elas não conseguiram. E será que nós conseguiremos emancipar?Contudo, não compactuo com a visão pessimista nem catastrofista de filosofia da história. Concordo com Manuel Castells (1999) que: "O sonho do Iluminismo está a nosso alcance. Todavia, há enorme defasagem entre nosso desenvolvimento tecnológico e o subdesenvolvimento social. Nossa economia, sociedade e cultura são construídas com base em interesses, valores, instituições e sistemas de representação que, em termos gerais, limitam a criatividade coletiva, confiscam a tecnologia da informação e desviam nossa energia para o confronto auto-destrutivo. Essa situação não é definitiva. Não há mal eterno na natureza humana. Não existe nada que não possa ser mudado 109

por ação social consciente e intencional, munida de informação e apoiada na legitimidade" . (1999, p.437) Para Kellner (2001), essa ação consciente e intencional estaria na educação. Para ele, nesse período de dramáticas mudanças tecnológicas e sociais, a educação precisa cultivar uma variedade de novos tipos de alfabetizações para tornar a educação relevante às demandas de um novo milênio. Segundo ele: “Tenho como pressuposto que as novas tecnologias estão alterando todos aspectos de nossa sociedade e cultura e que precisamos compreendê-las e utilizá-las tanto para entender quanto para transformar nossos mundos. Meu objetivo é introduzir novas alfabetizações para dar força a indivíduos e grupos que tradicionalmente têm sido excluídos e, desse modo, reconstruir a educação tornando-a capaz de reagir melhor frente aos desafios de uma sociedade democrática e multicultural”. No entanto, a despeito da ubiqüidade da cultura midiática na sociedade contemporânea e na vida de todos os dias, ele argumenta que até agora nada se fez ou se desenvolveu a respeito da educação midiática no sistema escolar fundamental e médio. Para Kellner, fazer alfabetização crítica da mídia seria um projeto que estimularia a participação e o trabalho conjunto de pais, filhos, educadores. Ele cita como exemplo o assistir a shows de televisão ou a filmes juntos. Isso poderia promover discussões produtivas entre os assistentes, aguçandolhes a percepção e a crítica do que está “por trás” do texto mediático. Para Kellner “A alfabetização midiática, assim, envolve o desenvolvimento de concepções interpretativas e críticas. Engajar-se no levantamento e avaliação de textos midiáticos é particularmente desafiador e abarca uma discussão cuidadosa de critérios críticos especificamente morais, pedagógicos, políticos ou estéticos“. E mais adiante: “Mas a alfabetização midiática crítica envolve ocupar uma posição acima da dicotomia de protetor e censor. Pode-se ensinar como a cultura midiática fornece afirmativas ou insights significativos sobre o mundo social, fortalecendo visões de gênero, raça e classe ou estruturas e práticas estéticas complexas, girando a um ponto positivo sobre como trazer contribuições importantes à educação. No entanto, deve-se indicar também como a cultura midiática pode estimular o sexismo, o racismo, o etnocentrismo, a homofobia e outras formas de preconceitos, numa abordagem dialética ao mostrar como a mídia pode trazer falsas informações, ideologias problemáticas e valores questionáveis”.

110

E ao incluir a informática entre as mídias e empregar o termo “multimídia” ele assinala a necessidade de novas alfabetizações, as alfabetizações múltiplas, que iriam além do domínio técnico das mídias, mas que incluiria “o desenvolvimento de eficiências que possibilitam ao indivíduo desenvolver-se em seu ambiente concreto, aprender com a prática e ser capaz de interagir, trabalhar e ser criativo em suas próprias sociedades e culturas”. Citando as idéias de Paulo Freire, ele argumenta que a pedagogia crítica compreende as habilidades tanto de ler a palavra quanto de ler o mundo. Por isso, as alfabetizações múltiplas incluem não apenas a mídia e a alfabetização informática, mas uma extensão diferenciada de alfabetizações sociais e culturais, que vão desde a eco-alfabetização até a alfabetização econômica e financeira e uma variedade de outras competências que nos possibilitam a viver bem em nossos mundos sociais. Ele conclui o seu texto recorrendo à Dewey nos seguintes termos: “De maneira mais enfática, é tempo de assumir a atitude de Dewey de experimentação pragmática de ver o que as novas tecnologias podem e não podem fazer para ver se podem intensificar a educação. Mas também teremos que suplantar o exagero, mantendo uma atitude e uma pedagogia críticas enquanto continuamos a combinar a alfabetização e os conteúdos clássicos com as novas alfabetizações e conteúdos”. Isto posto, pensamos ser não só necessária mas urgente uma educação tecnológica informática de base, com sólidos conhecimentos científicos e valores éticos, onde as diferentes culturas sejam respeitadas e que a justiça entre os povos leve à superação do egoísmo humano.

Conclusão

Superar as contradições e dicotomias de forma a criar uma política mais democrática para a formação de professores é um dos nossos maiores desafios. O analfabetismo já não se restringe à leitura e à crítica dos códigos escritos. Inclui, cada vez mais, os códigos técnicos, cibernéticos, os quais também são, a meu ver, direitos de cidadania, e os professores precisam ter esses direitos garantidos em sua formação enquanto educadores. Marx em sua III Tese a Feurbach já dizia que “a doutrina materialista sobre a alteração das circunstâncias e da educação esquece que as circunstâncias são alteradas pelos homens e que o próprio educador deve ser educado” (MARX & ENGELS: 1986, 12). Alijar os professores dessa formação é aumentar ainda mais o fosso existente entre as classes, pois as camadas dirigentes certamente 111

a terão em detrimento das demais. O atual modelo da política de informática educativa – PROINFO, afastou as universidades enquanto espaço de excelência para a formação e o centralizou no NTE (Núcleo de Tecnologia Educacional), que é subordinado à Secretaria de Educação e ao MEC. Quando muito, professores em caráter individual vão dar cursos e workshops, mas acabaram os programas institucionais de formação que ocorriam no modelo político anterior (PRONINFE), como o FORMAR. Ao meu ver isso trouxe um retrocesso à formação dos professores, pois é inconcebível que essa formação se dê sem auxílio/apoio/responsabilidade da universidade como era no passado. Afinal: quem educa quem? A ênfase tem recaído nos equipamentos em detrimento da formação dos professores, o que torna o atual modelo político mais parecido com uma “grande propaganda”, ao contrário das experiências EDUCOM, EUREKA e GÊNESE, que eram lentas, mas efetivas porque envolviam as escolas e a universidade como espaço privilegiado e de excelência de formação de professores com a parceria do MEC e das Secretarias Estaduais e Municipais de Educação. Concluindo, finalizo com a palavra do grande filósofo, educador e Secretário Municipal de Educação, Paulo Freire, quando da criação do projeto GÊNESE na cidade de São Paulo: "O projeto político-pedagógico que estamos articulando pretende em última instância, que, partindo de uma primeira leitura do mundo, meninos e meninas, homens e mulheres façam a leitura do texto, refaçam a leitura do mundo e tomem a palavra. " (FREIRE, GÊNESE, 1992: 23)

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114

TV na Escola: Desafios Tecnológicos e Culturais

Vânia Lúcia Quintão Carneiro Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo

Resumo

Trata-se de uma reflexão sobre desafios da integração das culturas audiovisual e escolar. Constata a hegemonia da cultura audiovisual e a necessidade de formação do educador para se apropriar de tecnologias audiovisuais como objeto estudo, meio de ensino e aprendizagem e de expressão. Apresenta a proposta pedagógica do Curso “TV na escola e os desafios de Hoje” (UniRede/MEC). Ressalta dificuldades e possibilidades de sucesso da formação de professores para a integração da TV na escola.

A hegemonia da cultura audiovisual

Hoje, a TV é o meio de comunicação predominante, instrumento de socialização, entretenimento, informação, publicidade, a serviço de interesses dos mercados. Por ela gerações aprendem a consumir e a conhecer a si e ao mundo. Reuniões públicas antes nas ruas têm como cenário e como mediadora a TV: campanhas políticas e pronunciamentos oficiais substituem interações coletivas. Nas campanhas eleitorais atuais a TV substitui os espaços físicos, as praças públicas. Troca-se o discurso político pela “linguagem da publicidade”. Bucci rememora: “Praça pública, ora essa. Isso é do tempo em que as bandinhas bufavam em cima dos coretos” 5 No último par de séculos, as tecnologias de cinema, rádio e TV fizeram o audiovisual superar a comunicação escrita. Está-se vivendo a hegemonia do audiovisual, da cultura de consumo do entretenimento que apoiados em audição e visão despertam emoções, sentimentos. Na escola, opostamente, o modelo pedagógico é centrado na escrita.. Os complexos processos de comunicação da sociedade difundem linguagens e conhecimentos que descentram a relação escola-livro, que constitui âmago do sistema escolar vigente (Martin-Barbero (1999, 43).

115

A televisão se faz presente nas escolas brasileiras não pelo kit tecnológico, que é fundamental, mas pela cultura de uma geração de jovens que compartilha a mesma cultura audiovisual,6 que enfatiza a emoção, o interessante, o inesperado, o entretenimento. Os temas surgem de modo superficial, fragmentados e em diferentes formatos. Para Babin (1989, 37), pensador francês, nessa cultura o sentir antecede o compreender; fala-se mais do que se escreve, vê-se mais do que se lê. Há um novo modo de compreender. Segundo Castells (1999, 353), a “tensão entre a nobre comunicação alfabética e a comunicação sensorial não mediativa frustra os intelectuais contra a influência da televisão, que ainda domina a crítica social da mídia de massa”. Acusou-se a TV dos males que atormentam a humanidade, por ser o meio de comunicação prevalecente. Propostas de leitura crítica limitaram-se a desmistificar o sentido ideológico das mensagens pelos receptores, a vaciná-los contra conteúdos, esclarece Lopes (1996, 41).

Hoje, recaí sobre a escola as expectativas para que (en)foque o mundo audiovisual, faça da TV objeto de estudo, conheça-lhe linguagem, programação, condições de produção e de recepção e a incorpore pedagogicamente. 

Como preparar o jovem para analisar a televisão, ler um mundo recortado por ela, compreender-lhe os recortes (essa edição da realidade)?



Como analisar sua presença cotidiana em nossa cultura?



Como usá-la criticamente a serviço da educação?



Como integrar TV/vídeo à escola? Como educar com a televisão?



Como qualificar

o professor para executar seu papel nesta dinâmica e mutante

sociedade? 

Como explorar as possibilidades pedagógicas dos recursos TV escola na sala de aula e na gestão do projeto pedagógico da escola?

5

BUCCI, Eugênio.Adeus à praça pública. Folha de São Paulo, 30 jun. 2002 116

A necessidade de formação audiovisual

Em 2000, para 30 mil vagas Brasil do curso de extensão TV na Escola e os Desafios de Hoje (UniRede-SEED/MEC) inscreveram-se 250 mil professores. O interesse sobre como utilizar pedagogicamente esta tecnologia demonstra ser necessário oferecer cursos para o educador se aperfeiçoar para novas atuações pedagógicas. Introduzir tecnologias na escola requer profissionais adequadamente treinados. Exige do professor desempenhar nova função, a de protagonista dessa integração Belloni entende, o que leva o professor a buscar atualizar-se é o questionamento de sua formação originada do contraditório de suas experiências concretas, sua formação inicial e suas relações ambivalentes com as tecnologias.

Gera-se mentalidade de procura pela

formação continuada, demanda efetiva que os sistemas educacionais têm de atender, campo em que a EAD tem papel extremo a desempenhar. (Belloni, Anais da Anped) Do ponto de vista de Rezende e Fuzari (1992: 107), o responsável pelas aulas na educação escolar de cidadãos (o professor-comunicador) tem direito a condições que lhe permitam

estudar,

pesquisar

e

entender

a

problemática,

ampliar

conhecimentos

comunicacionais e entremear as novas tecnologias de comunicação às mais tradicionais. Precisa-se atualizar docentes no desempenho profissional, porém embasando-os de ótima formação desde a graduação. Incorporar tecnologias audiovisuais ao graduar educadores pelo Curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da

UnB constitui processo de mais de duas décadas de ensino,

pesquisa, extensão. Avanços no entendimento de tecnologias na educação permitem que se ultrapasse a concepção tradicional de meio audiovisual como simples recurso de ensino - esta a mais antiga - que insiste em predominar e ressaltar o aspecto físico da tecnologia, a materialidade física dos aparatos. Entre os argumentos favoráveis à incorporação das tecnologias da informação e da comunicação nos cursos superiores de formação dos professores7, destacam-se: as mudanças na forma de elaboração, aquisição e transmissão dos conhecimentos; as possibilidades de

6 7

Baccega , p.8 UNESCO. "Declaracion Mundial sobre La Educacion Superior En El Siglo XXI: Visión y Acción". Paris, 5 a 9

out.,1998

117

renovar o conteúdo e os métodos pedagógicos e ampliar o acesso à educação superior, a modificação do papel do educador em relação ao processo de aprendizagem. Não se acredita mais em concepção única e homogênea de tecnologias na educação. O tecnicismo cunhou a tecnologia educacional, conceituação baseada em disciplinas científicas. Da pluralidade cultural acredita-se emergirem condições de apropriação criativa e crítica das tecnologias. Hoje, o processo é de construção. Em 1998, um dos objetivos fundamentais da linha de confluência de ensino e pesquisa TV mediações pedagógicas da área de Tecnologias na educação - FE-UnB era “contribuir para formar educadores em cultura audiovisual. Buscava-se o desenvolvimento das competências de percepção, leitura e expressão, nas dimensões técnica, simbólica, cultural. Atentava-se para reflexão e apropriação crítico-criativa de mensagens que circulavam pelos meios de comunicação e impregnavam cotidianos e experiências.”(Carneiro, 1998). As disciplinas da área de Tecnologias de um modo geral caracterizam-se pela flexibilidade e pelo dinamismo no atendimento a interesses emergentes quanto a temas, problemas, propostas e projetos relevantes para a formação de profissionais da educação. Os projetos de pesquisa compartilham o eixo comum da integração ensino-pesquisa graduação e pós- graduação. Frente a novas abordagens surgem novas propostas de formação de professores. Pons (1998) questiona modelos formativos com bases tecnológicas convencionais fundadas no desenvolvimento de habilidades específicas. Propõe redirecionar estratégias para maior flexibilização dos papéis profissionais, do desempenho da prática e do conhecimento do âmbito de aplicação. Deve-se superar o papel do professor-especialista em meios audiovisuais, reordená-lo a dimensões como “domínio pelos alunos dos códigos expressivos dos meios; integração dos meios ao projeto da escola; produção de materiais adaptados ao contexto próximo; adaptação destes às diferentes realidades educacionais; indução do professor-usuário a atitudes críticas e renovadoras quanto a uso dos meios em sala de aula” (Pons,1998: 67) Há que desenfatizar, como Pons,

a presença física das tecnologias e buscar a

integração, atribuindo-se funções específicas nos processos curriculares. Professores têm formas próprias de realizar suas práticas. Suas concepções e habilidades definem a utilização dos meios e produtos audiovisuais. A concepção atual do processo de comunicação dista do modelo mecanicista centrado no emissor. Pressupõe um receptor não limitado a executar as leituras que o emissor prevê. Não

118

é inversão. Quer-se conhecimento das mediações que ocorrem na recepção, dentro da complexa relação emissor-receptor.

A proposta do Curso a distância: TV na escola e os desafios de hoje

TV na escola e os desafios de hoje é um curso de extensão universitária de formação de professores em audiovisual. A sua elaboração foi trabalho cooperativo de especialistas de várias universidades da UniRede

8

e da SEED/ TV Escola. Contou com a diversidade de

nossas experiências e conhecimentos de ensino, pesquisa e extensão em tecnologias da comunicação e da informação. O objetivo básico do curso é preparar o educador para a integração do audiovisual à prática pedagógica. Visa a grupos heterogêneos de educadores formados por professores que trabalham em sala de aula, diretores, supervisores, coordenadores e assessores funcionalmente comprometidos em inserir as tecnologias no cotidiano de sua escola. Trata-se de uma proposta de integração (cultural) ( o tornar significativo, o viabilizar a construção de conhecimentos) não limitada ao uso de equipamentos. Significa introduzir outra linguagem, a audiovisual, outro modo de compreender, num espaço onde as atividades se apóiam nas linguagens escrita e falada. O curso TV na Escola e os desafios de Hoje participa de um amplo conjunto de projetos de cursos que aperfeiçoam a educação brasileira, formam, atualizam professores, para melhor desempenharem seus papéis na sociedade da informação. São inúmeras os cursos a distância

que utilizam televisão/vídeo como meio principal ou conjugado ao material

impresso. Para Draibe e Perez (1999:44) “a capacitação de professores em serviço constitui, sem dúvida, um dos pré-requisitos fundamentais para a melhoria da qualidade do ensino e para a introdução de inovações educacionais na rede de ensino." De um modo geral, em cursos a distância

apesar de se usar fundamentalmente TV/vídeo, não se observava

propostas sistemáticas de estudos desses meios para habilitar o professor a dominá-los. Uma experiência pioneira para aperfeiçoar professores em exercício explorando as perspectivas tecnológicas interativas da televisão e disponibilizando os múltiplos meios de participação dos professores é o “Um Salto para o Futuro” (Fundação Roquette Pinto-MEC), veiculado pela Rede Brasil de Emissoras de TV - Educativas desde 1991.

8

A UniRede é formada por 63 instituições de ensino público superior em rede. 119

O estudo de Draibe e Perez confirma que programas como Apoio Tecnológico e TV Escola, com TV, vídeo, antena parabólica e fitas VHS (o kit tecnológico) disponibilizaram às escolas mais possibilidades de capacitação qualitativa do professor em todo o Brasil e proporcionam aos estudantes acesso à TV com informações de qualidade. O Programa TV Escola constitui um complexo de ações televisivas destinado inicialmente à capacitação docente. Organizou-se o programa em torno de um canal exclusivo para educação, de sinais gerados pela Fundação Roquette Pinto para o satélite de comunicação Brasilsat-1, transmitidos em circuito fechado no país e captados por parabólicas. Há divulgação e convênios com estados, para garantir a apropriação de programas de TV e de vídeos educativos por escolas públicas. Objetiva a formação e capacitação de professores e diretores pela TV Escola e a disponibilização de vídeos educativos para enriquecer e apoiar às atividades em sala de aula. De um modo geral, em cursos a distância apesar de se usar fundamentalmente TV/vídeo, não se observava propostas sistemáticas de estudos desses meios para habilitar o professor a dominá-los. Pesquisa de

Marilene Borges (2000) sobre o PROCAP (Programa de Capacitação de

professores) 9 evidenciou a necessidade e interesse por cursos em que o vídeo fosse mais que suporte de conteúdo: instrumento a ser apropriado técnica e pedagogicamente. 

“acho que deveria passar a capacitação, de como todos os professores podem utilizar o vídeo, inclusive como parte instrumental, como manusear o vídeo, antena, TV (depoimento de diretora- Paracatu-MG)



“deveriam haver treinamentos , não só da parte técnica, mas a questão do uso didático.” (depoimento de professor Paracatu)



“Tem que mudar cursos de pedagogia , por que eles não estão ensinando os professores novos a trabalharem com o vídeo, eles estão saindo da faculdade do mesmo jeito que eu saí há 15 anos atrás” (depoimento de professora Paracatu)

O curso TV na escola e os desafios de Hoje vem responder

às solicitações de

qualificação dos professores e gestores para a integração das tecnologias na escola. Partiu da pesquisa realizada por Draibe e Perez (1999) em todo o país sobre o programa TV Escola que apontou interesse da maioria dos professores entrevistados em capacitar-se para melhor utilizar a TV escola.

9

Secretaria de educação- Estado de Minas Gerais

120

O curso TV na escola e os desafios de Hoje articula formação – prática. Inscreve-se no percurso profissional do professor. Reinveste na prática o benefício de uma formação. Integrar a formação em seu de desenvolvimento profissional. Os educadores são desafiados a:

1)capacitar-se por meio da utilização de tv/vídeo; 2)

considerar a televisão/vídeo como objeto de estudo; 3)utilizá-lo como instrumento de ensino e de aprendizagem e de expressão

O curso aborda a relação educação-televisão de três perspectivas complementares: 

educação para (uso seletivo da) TV;



educação com a TV;



educação pela TV.

O consumo seletivo e crítico da TV objetiva desenvolver a competência dos alunos para selecionar, analisar, ler com criticidade e criativamente os programas. Na educação com a televisão se utilizam programas como estratégia pedagógica para motivar aprendizados, despertar interesses, problematizar conteúdos, simular experimentos. Educar-se pela televisão. Significa in(formar) pela televisão. Implica oferta de educação pela TV, que atende demandas culturais e educativas dos brasileiros Nesta proposta, a escola prescinde de ser instituição de repasse de informação para tornarse lugar formador de pensamento, compreensão, interpretação. Preparar jovens para consumir com seletividade e criatividade a TV é com eles desenvolver competências para a análise e a crítica a partir do conhecimento de linguagens, produção e recepção. De modo genérico, a leitura crítica não é espontânea nem admite interpretações acabadas. Formar telespectadores críticos é exercitar atividades de compreensão e análise. A oferta oportunidade de estudar a linguagem audiovisual e expressar-se e desenvolver suas capacidades comunicativas” passou a ser saída para preparar um telespectador seletivo quanto às mensagens programáticas oferecidas. (Carneiro, 2001) O curso está organizado em três módulos: Módulo 1 – Tecnologias e educação: desafios e a TV Escola, justifica a necessidade de práticas pedagógicas de utilização de tecnologias da comunicação e informação. Aborda relações entre Tecnologias e Educação, linguagens e a programação da TV escola que atende demandas culturais e educativas de aperfeiçoamento do professor. Módulo 2 – Usos da Televisão e do Vídeo na Escola. Define concepções e funções da TV e vídeo na comunicação educativa e estabelece relações diretas 121

com o currículo em diferentes áreas do conhecimentos e na gestão escolar. Estuda a televisão brasileira e as possibilidades de utilização da TV/vídeo (educativos ou não) na escola . Módulo 3 – Experimentação: Planejando, Produzindo, Analisando. Traz contribuições para proposições, planejamento e experimentação de TV/vídeo no desenvolvimento de atividades curriculares. Aborda processos de produção e de análise de mensagens audiovisuais para facilitar o uso criativo e crítico de programas de TV, de vídeos e de outros produtos. Pretende-se que a (o) cursista construa uma prática pedagógica de criação de pequenas mensagens que facilite o estudo e a reflexão

sobre

TV e vídeo. Pressupõe que a

compreensão crítica das mensagens da TV passa pela informação e pela experimentação.. O curso constitui-se de 3 módulos impressos e 12 vídeos(12min). Propõe a trabalhar a perspectiva atual da educação com tecnologias, enfatizando o audiovisual, mas sem descartar o material impresso como livros, livros didáticos, jornais, revistas e outras mídias, que se complementam, como documentos textuais usados de modo integrado afim de promover a aprendizagem. A utilização da internet foi opcional. (Fiorentini e Carneiro, 20001)

Como se está qualificando o professor para utilizar TV/vídeo? Que se conseguiu mudar, quais os avanços? Como vem sendo desenvolvido?

Sucesso, entraves e novos desafios no desenvolvimento da formação a distância Um exame da oferta do

curso “TV NA ESCOLA E OS DESAFIOS DE HOJE” para a

segunda turma de educadores da rede pública evidenciou que

cursistas desenvolveram

competências de utilização crítica da TV na prática pedagógica, apesar de entraves.(Carneiro, 2002) Essa segunda turma iniciou o curso em outubro de 2001, com flexibilidade na data e em média 2 meses para cada módulo, em 25 núcleos nas universidades-pólo, integrantes da Univerisdade Pública do Brasil/UniRede SEED-MEC. A 2.ª turma teve 50.360 educadores matriculados. Os núcleos consolidaram parceria com a Universidade Virtual Pública do Brasil/ Unirede e as Secretarias Estaduais de Educação, demonstrando nítidos avanços em organização e funcionamento. Como fatores contribuintes para o melhor desempenho dos cursistas, além do trabalho cooperativo institucional (Universidade X Secretaria de Educação), destacaram-se: a 122

formação, treinamento e atuação dos tutores; ocorrência de encontros presenciais realizados pelos tutores, a qualidade dos materiais do curso, a reintegração dos alunos desistentes; o conhecimento do perfil dos cursistas para a contextualização do trabalho do tutor. Os entraves foram: não acesso dos cursistas aos equipamentos e aos vídeos; problema do calendário; a falta de conhecimento de curso de EAD; a dificuldade de expressar-se por meio de escrita. Incertezas e desconfianças presentes na oferta experimental cederam lugar ao propor e elaborar estratégias de acompanhamento e avaliação de aprendizagem. A integração pedagógica que o curso TV na escola propõe não se restringe ao uso do instrumental físico (concepção tradicional de tecnologia na educação), contudo não dispensa o equipamento. Indispensável estar a escola equipada com videocassete, televisor e antena, “o kit tecnológico”. Não-acesso a equipamentos básicos por educadores constituiu entrave para o bom desempenho dos cursistas. Há mais desafios para se evoluir o CURSO TV NA ESCOLA E OS DESAFIOS DE HOJE e a oferta nacional de formação a distância em audiovisual. O contato constante e a interação são vitais por não haver tradição no estudo a distância, porque o cursista não dispõe de tempo para essa iniciativa, pelo exíguo tempo para o tutor responder aos cursistas ou provocar-lhes respostas. É preciso efetivar a comunicação. Há o desafio pedagógico de adequar o curso à diversidade cultural que têm os cursistas. É intensa heterogeneidade entre cursistas, decorrente de vivências socioculturais e formação acadêmica díspares. Há professores-cursistas com pós-graduação e outros com 2.º grau. Desafio tornar o curso mais próximo, mais significativo, evidente, estimulante. Construir processos de orientação, acompanhamento e avaliação contínuos da aprendizagem; adaptar as atividades de avaliação a suas necessidades, especificidades e a seus interesses. Um esforço apoiado pelas escolas com equipamentos e materiais, para o professor-aprendiz desenvolver “as competências do aprender e do ensinar” com tecnologias audiovisuais. É trabalho difícil, árduo, mas fundamental às mudanças de nossas práticas. Vale lembrar que na história transformações culturais são lentas, complexas.10 Meios novos inquietam mais e ameaçam porque questionam o “modelo vigente”11, embora a realidade demonstre que se fundem o atual ao antigo, haja readaptações, reorganizações, reordenamentos e criem-se concepções, linguagens, funções, propostas.

10

GRAMISCI, Antonio.

11

ECO, Umberto. Apocalípticos e integrados. São Paulo, Perspectiva, 1987, p.34.

123

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