TEIXEIRA DE SOUSA, M., Consequências legais que operam ex lege e condenação oficiosa pelo tribunal (09.2016)

May 30, 2017 | Autor: M. Teixeira de Sousa | Categoria: Direito Processual Civil, Diritto Processuale Civile, Processo Civil, Derecho Procesal Civil
Share Embed


Descrição do Produto

M. Teixeira de Sousa

1

CONSEQUÊNCIAS LEGAIS QUE OPERAM EX LEGE E CONDENAÇÃO OFICIOSA PELO TRIBUNAL

1. Segundo o seu sumário, RC 10/5/2016 (2008/10.9TBACB.C1) decidiu o seguinte: Tendo a decisão recorrida considerado o contrato promessa de compra e venda, que está na génese dos autos, nulo por falta de forma, deve ordenar a restituição da quantia paga a título de sinal, em singelo, ainda que não tenha sido pedida, podendo dizer-se que tal constitui uma excepção ao disposto no artigo 609.º do NCPC, tanto mais que tal declaração até pode ser oficiosamente declarada pelo tribunal, em conformidade com o disposto no artigo 286.º do Código Civil, atentas as razões de ordem pública que subjazem a tais casos. É importante começar por referir que o que está em causa neste acórdão é, mais uma vez, a temática da relação entre as consequências legais que operam ex lege -- isto é, as consequências legais que operam automaticamente como efeito da verificação de uma determinada previsão -- e o proferimento oficioso de uma condenação pelo tribunal. A exacta compreensão da origem do problema constitui uma premissa essencial para a sua solução.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte: "Como resulta do relatório que antecede, apesar de na decisão recorrida se ter considerado que o contrato promessa de compra e venda que está na génese dos autos é nulo por falta de forma (o que nenhuma das partes coloca em crise), o que acarretaria a que o réu tivesse direito a receber, a ver-lhe restituída, a quantia que pagou a título de sinal, em singelo, nos termos do disposto no artigo 289.º, do Código Civil; não se ordenou tal restituição (em consequência do que a tal não se condenaram os autores), em virtude de o réu não ter formulado tal pedido e assim não fora, incorreria o Tribunal na violação do disposto no artigo 609.º do NCPC. Defende o réu que tal condenação é uma consequência directa da declaração de nulidade do referido contrato, ainda que não se peticione tal restituição, o que mais se acentua, em casos como o presente, em que o réu pugna pela validade de tal contrato, mas o mesmo veio a ser considerado nulo, com as consequências que daí advêm. Em conformidade com o Assento n.º 4/95 (in DR 114/95 Série I-A, de 1995-0517),“quando o Tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negócio jurídico invocado no pressuposto da sua validade, e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido, com fundamento no n.º 1 do artigo 289.º do Código Civil” – em face do que, como dele consta, se remete para o preenchimento do requisito de “terem na

M. Teixeira de Sousa

2

acção sido fixados os necessários factos materiais”, ou seja, o busílis/critério passa a estar, segundo o assento, em saber se devem ou não considerar-se como fixados os factos necessários. [...] Como consabido, o negócio nulo não é propriamente um nullum/nada, sendo antes um evento existente a que a ordem jurídica recusa as consequências negociais desejadas pelas partes, embora lhe reconheça alguma eficácia jurídica, embora não negocial. [...] De todo o modo (pondo de lado a pureza técnico-jurídica), o que releva é que, não raras vezes, o negócio nulo, antes da declaração de nulidade, produz efeitos fácticos, tornando-se assim necessário repor a situação fáctica de acordo com a situação jurídica (ineficácia originária do negócio). Assim e de acordo com os art. 289.º e 290.º do C. Civil: Deve, em primeiro lugar, ser restituído tudo o que tiver sido prestado. Se ainda possível, a restituição deve ser feita em espécie; se já não for possível, deve ser restituído o valor correspondente. Se sobre a coisa tiver sido constituída “posse”, aplicam-se as respectivas regras (1269.º e ss do C. Civil), seja directamente seja por analogia. Se da nulidade resultarem obrigações de restituição que sejam recíprocas, devem ser cumpridas simultaneamente, podendo cada uma das partes sustar a restituição que lhe incumbe, enquanto a outra não cumprir. É pois por estas regras que se rege a relação de repristinação/liquidação actualmente existente entre as partes e resultante da declaração de nulidade negocial.”

3. O acórdão tem um voto de vencida da Des. Catarina Gonçalves, no qual se afirma, além do mais, o seguinte: "Discordo da decisão proferida no presente Acórdão por entender que os Autores não poderão ser, aqui, condenados a restituir ao Réu aquilo que este pagou a título de sinal. Conforme se disse no Acórdão de 30/06/2015 (por mim relatado e proferido no processo nº 2943/13.2TBLRA.C1, disponível em http://www.dgsi.pt.), o que está subjacente à doutrina do Assento nº 4/95 é apenas a possibilidade de convolar a causa de pedir que era invocada e de alterar a qualificação da pretensão material deduzida, mas apenas para decretar o efeito prático-jurídico que foi solicitado, ainda que sob diferente qualificação jurídica, e não para o efeito de decretar um efeito que não foi, de todo, solicitado [...]. O que aquele Assento consente é uma aplicação menos rígida e menos formal do art. 609º do CPC, ao admitir que o Tribunal possa decretar uma determinada pretensão que não coincidia rigorosamente com o pedido que havia sido

M. Teixeira de Sousa

3

formulado, porque tal pretensão – embora coincidindo, nos seus efeitos práticos, com o pedido – baseia-se em causa de pedir diversa da que havia sido invocada, correspondendo, no rigor dos princípios, a uma pretensão diferente. O aludido Assento não terá pretendido, todavia, fazer “letra morta” do disposto no art. 609º do CPC e contrariar um dos princípios fundamentais que regem o nosso sistema processual civil de acordo com o qual – e sem prejuízo das excepções consagradas na lei – a parte tem o ónus de formular um pedido, não podendo o juiz sobrepor-se à vontade das partes para efeito de decretar uma pretensão que não lhe foi solicitada. Assim, sendo formulado uma determinada pretensão cuja causa de pedir radica num determinado negócio e tendo como pressuposto a sua validade e concluindose que esse negócio é nulo, o Tribunal, na medida em que pode e deve declarar a nulidade – apesar de tal não lhe ter sido solicitado – poderá também, com base nessa nulidade, satisfazer a pretensão que lhe havia solicitada, sendo que, ao actuar nesses termos – como é admitido pelo aludido Assento – o Tribunal limitase [a] decretar o efeito prático que lhe foi solicitado (ainda que com base em diferente causa de pedir e com diferente qualificação jurídica). Todavia, se a parte não formulou qualquer pedido onde se possa considerar incluído (ainda que com uma interpretação menos rígida) o efeito decorrente da nulidade, o Tribunal, não obstante poder e dever declarar a nulidade, está impedido, sob pena de violação directa e frontal do art. 609º do CPC, de decretar os seus efeitos e condenar as partes (ou uma delas) na restituição a que haja lugar."

4. a) Como se refere no acórdão, a orientação que nele fez vencimento está na linha do decidido no Ass. STJ 4/95, de 17/5: "quando o Tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negócio jurídico invocado no pressuposto da sua validade, e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido, com fundamento no n.º 1 do artigo 289.º do Código Civil". Pode duvidar-se de que a orientação subjacente ao Ass. STJ 4/95 tenha sido respeitada no mais recente Ac. STJ 9/2015, de 24/6 ("Se o autor não formula na petição inicial, nem em ulterior ampliação, pedido de juros de mora, o tribunal não pode condenar o réu no pagamento desses juros"), mas isso é questão que agora não interessa analisar. Apenas importa dizer que em ambos os casos está em causa o mesmo: a posição do tribunal perante consequências legais que operam ex lege (o que torna patente a divergência das orientações do STJ, dado que este tribunal defendeu, para problemas do mesmo tipo, duas posições antagónicas). b) O art. 289.º, n.º 1, CC estabelece a regra da retroactividade da declaração de nulidade (bem como da anulação), impondo-se, por isso, a restituição de tudo o que tiver sido prestado em cumprimento do acto nulo (ou anulado). Sobre os limites à retroactividade da declaração de nulidade (e da anulação) – que agora não importa analisar –, cf. STJ 30/10/1997 (97B498). Pode ainda acrescentar-se que aquela regra tem de ser adaptada quando o negócio nulo (ou anulado) seja reduzido (cf. art. 292.º CC) ou convertido (cf. art. 293.º CC).

M. Teixeira de Sousa

4

O voto de vencida chama correctamente a atenção para o quadro em que se pronunciou o Ass. STJ 4/95, mas parece que se pode afirmar, em tese geral, que, se o tribunal pode condenar na restituição do que foi cumprido em função do contrato quando conhece oficiosamente da sua nulidade, então também o deve poder fazer quando a nulidade tenha sido invocada por uma das partes e esta parte não tenha formulado o pedido correspondente à reposição da situação que existia antes da celebração do contrato. A não se entender assim, até se poderia ser obrigado a concluir que o tribunal, ao omitir a condenação necessária para a reposição do status quo ante à conclusão do acto nulo, estaria a dar cobertura a uma recusa dessa reposição pela parte que alega a nulidade, mas, de caso pensado, não formulou nenhum pedido relativo a essa reposição. Imagine-se, por exemplo, que a parte que alega a nulidade tinha prestado à contraparte 100 e que esta lhe tinha prestado 1000; se o tribunal estivesse impedido, pela circunstância de a parte que alega a nulidade não ter pedido a restituição dos 100 que prestou à outra parte, de ordenar a restituição desta quantia, então também estaria impedido de ordenar a restituição de 1000 pela própria parte que alegou a nulidade. Pelo menos de imediato, apesar de a nulidade ter sido reconhecida, a parte que a alegou ficaria sem 100, mas continuaria a ter 1000. Deve ainda acrescentar-se que, mesmo quando a nulidade tenha sido alegada por uma das partes, o tribunal, como consequência da declaração de nulidade segundo o disposto no art. 289.º, n.º 1, CC, pode ter de proferir uma condenação oficiosa. Isso sucede sempre que a reposição da situação anterior à conclusão do acto nulo implique a condenação da própria parte que alegou a nulidade a restituir aquilo que a contraparte lhe tenha prestado. Estando, naturalmente, excluído que a parte que invoca a nulidade peça a sua própria condenação a restituir o que recebeu da outra parte, são possíveis duas situações: -- Apenas a parte que alegou a nulidade tem o dever de restituir o que recebeu da contraparte, dado que esta nada tinha prestado àquela parte; neste caso, a parte que alega a nulidade não pode formular nenhum pedido condenatório, pelo que o tribunal tem de proferir oficiosamente a sua condenação na restituição do que recebeu da contraparte; -- Ambas as partes têm o dever (recíproco) de restituir o que receberam da outra parte; nesta hipótese, a parte que invoca a nulidade pode pedir a condenação da outra parte na restituição, pelo que o tribunal tem de, em consonância com o pedido formulado por essa parte, condenar a contraparte a restituir o que aquela parte lhe prestou, mas tem também de, oficiosamente, condenar a própria parte que alegou a nulidade a restituir aquilo que a contraparte lhe prestou. Pode assim concluir-se que, mesmo quando a parte tenha alegado a nulidade, pode haver a necessidade de o tribunal proferir uma condenação oficiosa dessa mesma parte. Portanto, alegação da nulidade pela parte e condenação oficiosa pelo tribunal não são realidades incompatíveis. c) O caso em análise merece ainda uma observação num outro plano. A RC entendeu que podia condenar o autor a restituir o sinal prestado pelo réu que

M. Teixeira de Sousa

5

alegou a nulidade do contrato-promessa, apesar de esta parte não ter formulado o correspondente pedido. Deve dizer-se que, a não se optar pela condenação oficiosa, o tribunal teria, em cumprimento do princípio da cooperação e do dever de esclarecimento (cf. art. 7.º, n.º 2, CPC), o dever de indagar junto do réu se a omissão daquele pedido foi deliberada ou se se ficou a dever a um lapso dessa parte. O que não estaria de acordo com os parâmetros actuais do processo civil seria o tribunal nem procurar esclarecer-se junto da parte, nem proferir uma condenação oficiosa. Pode assim concluir-se que a condenação oficiosa respeitante às consequências da declaração de nulidade também cumpre uma importante função garantística da posição das partes em processo.

5. a) Assentes as premissas gerais de resolução do problema, importa agora analisar em que condições o tribunal pode condenar oficiosamente as partes a restituírem o que tenham recebido em cumprimento do acto declarado nulo. Há que distinguir a situação em que o tribunal conhece oficiosamente da nulidade daquela em que o tribunal conhece da nulidade a pedido de uma das partes (mas que – lembre-se a hipótese em análise – não formula nenhum pedido quanto às consequências da declaração de nulidade). b) Se o tribunal pretende conhecer oficiosamente da nulidade, importa ter presente que, de molde a evitar uma decisão-surpresa, só o pode fazer depois de ter dado às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre essa nulidade (cf. art.º 3.º, n.º 3, CPC). Posto isto, há que considerar duas hipóteses: – Do processo constam elementos suficientes para o tribunal se pronunciar sobre o dever de restituição do que as partes tenham recebido em cumprimento do acto nulo; o tribunal deve pronunciar, oficiosamente, a condenação das partes na restituição do que tenham recebido em função desse cumprimento; dado que nada obsta ao conhecimento do direito à restituição, a omissão daquela condenação constitui uma nulidade da decisão por omissão de pronúncia (cf. art. 615.º, n.º 1, al. d), 666.º, n.º 1, e 685.º CPC). – Do processo não constam elementos suficientes para o tribunal se pronunciar sobre a condenação das partes a restituírem o que eventualmente tenham recebido em cumprimento do acto nulo; nesta situação, incumbe ao tribunal não só auscultar as partes de molde a evitar a decisão-surpresa (cf. art. 3.º, n.º 3, CPC), mas também, em observância do dever de esclarecimento (cf. art. 7.º, n.º 2, CPC), averiguar junto das partes sobre as prestações que eventualmente tenham sido realizadas na sequência do acto nulo; a omissão da informação da parte importa a preclusão da alegação dos respectivos factos em qualquer outra acção posterior. c) Se o tribunal conhecer da nulidade do acto na sequência da sua invocação por uma das partes, está naturalmente excluída a necessidade de evitar uma decisãosurpresa, mas também há que considerar duas hipóteses:

M. Teixeira de Sousa

6

– A parte que invoca a nulidade não alegou nenhuns factos que permitam fundamentar um direito à restituição do que tenha prestado à contraparte; nesta hipótese, o tribunal não tem de indagar junto da parte sobre se esse direito existe, pelo que, não tendo elementos, não pode condenar a contraparte na restituição do que eventualmente tenha recebido da parte que alegou a nulidade; a omissão da alegação desses factos pela parte que invocou a nulidade implica a preclusão da sua alegação em qualquer outro processo posterior; a esta mesma preclusão está sujeita a parte contrária que, na contestação à alegação da nulidade, não tenha invocado o direito à restituição do que entregou à parte que arguiu a nulidade; – A parte que invoca a nulidade alegou factos que demonstram a constituição de um direito à restituição do que prestou à contraparte; neste caso, o tribunal deve condenar oficiosamente esta contraparte a restituir o que tenha recebido, sob pena de nulidade da sua decisão por omissão de pronúncia (cf. art. 615.º, n.º 1, al. d), 666.º, n.º 1, e 685.º CPC); o mesmo vale quanto à condenação da parte que invocou a nulidade, se a contraparte alegar e provar que lhe realizou alguma prestação em cumprimento do acto nulo; a falta desta alegação implica a preclusão de uma nova alegação numa acção posterior. d) Uma observação complementar sobre a nulidade da decisão que não conhece oficiosamente das consequências legais automáticas que decorrem da declaração de nulidade. À primeira vista, pode parecer excessivo que a decisão que não conhece dessa consequência legal seja nula por omissão de pronúncia. Afinal – poder-se-ia dizer – a omissão de pronúncia corresponde ao não conhecimento de algo que a parte poderia ter pedido (e não pediu), pelo que, pelo menos numa certa medida, a falta de pronúncia do tribunal é da responsabilidade da parte. A verdade é, no entanto, que não há naquela solução de nulidade por omissão de pronúncia nada de inédito: sempre que o tribunal deixa de conhecer de uma matéria de conhecimento oficioso (como, por exemplo, uma excepção dilatória), a decisão do tribunal é nula por omissão de pronúncia, apesar de a parte também poder ter alegado o facto e pedido a pronúncia do tribunal sobre ele (ou seja, apesar de o réu também poder ter alegado a excepção dilatória e solicitado a correspondente absolvição da instância). Poder-se-ia defender que, se é certo que a decisão que não decreta as consequências da nulidade é nula por omissão de pronúncia, isso não impede que se considere que a parte que deixou de invocar essas consequências não tem legitimidade para alegar aquela omissão e a correspondente nulidade da decisão. Contra isto pode objectar-se que, a seguir-se essa orientação, então a parte que não tenha invocado a própria nulidade do acto ou que não tenha alegado a incompetência absoluta do tribunal também não tem legitimidade para invocar a omissão de pronúncia quando o tribunal tenha deixado de conhecer oficiosamente daquela nulidade ou daquela incompetência. Uma restrição à legitimidade para alegar a nulidade da decisão por omissão de pronúncia não é algo que não se possa defender. Essa restrição poderia ser utilizada para estabelecer uma distinção entre omissões de pronúncia absolutas (isto é, alegáveis mesmo pela parte que não invocou a matéria de que o tribunal

M. Teixeira de Sousa

7

deixou de conhecer) e relativas (ou seja, alegáveis apenas pela parte que tenha invocado uma matéria de que o tribunal não tenha conhecido). Em todo o caso, essa restrição não existe no processo civil português (que só conhece omissões de pronúncia absolutas), pelo que, por exemplo, nada obsta a que a parte que não tenha invocado a excepção de caso julgado possa alegar a nulidade da decisão que não conheceu oficiosamente dessa excepção. Por fim, cabe ainda referir que, se a decisão é nula se não conhecer (oficiosamente) da nulidade, então não se percebe por que razão a decisão não é nula quando deixa de conhecer (também oficiosamente) da consequência da nulidade. Poder-se-ia dizer que é distinto não conhecer da causa (isto é, da nulidade) de não conhecer do efeito (ou seja, das consequências da nulidade). A verdade é que a nulidade é, ela mesma, a consequência de um vício, pelo que não conhecer da nulidade é também não conhecer de uma consequência legal.

6. a) Segundo o disposto no art. 289.º, n.º 1, CC, as consequências legais que valem para a declaração de nulidade também valem para a anulação. Refira-se que também o regime da redução e da conversão é comum à nulidade e à anulabilidade (cf. art. 292.º e 293.º CC). Coloca-se assim o problema de saber se a condenação oficiosa na restituição do que tenha sido prestado também é admissível na sequência da anulação de um acto jurídico. Recorde-se que, para além de outros aspectos que agora não importa considerar, a diferença entre a nulidade e a anulabilidade reside em que, enquanto a nulidade é de conhecimento oficioso (cf. art. 286.º CC), a anulabilidade tem de ser invocada por um interessado (cf. art. 287.º, n.º 1, CC). Desta diferença poder-seia extrair que a condenação oficiosa na restituição do que tenha sido prestado só seria admissível como consequência da declaração de nulidade, ou seja, apenas a circunstância de o tribunal poder conhecer oficiosamente da nulidade justificaria a admissibilidade da condenação oficiosa da parte. Todavia, bem vistas as coisas, não há nenhuns motivos para assim se entender. A favor da admissibilidade da condenação oficiosa da parte como consequência da anulação podem ser invocados dois argumentos: -- Tudo o que acima se disse sobre a admissibilidade da condenação oficiosa na sequência da declaração de nulidade vale para a anulação, nomeadamente a necessidade de obstar a uma estratégia de aproveitamento da situação pela parte que alega a anulabilidade e a impossibilidade de esta parte formular o pedido da sua própria condenação na restituição do que tenha recebido da contraparte; -- O que está em causa é a aplicação oficiosa da consequência legal e automática que o art. 289.º, n.º 1, CC retira da anulação do acto, sendo que esta consequência é a mesma para a nulidade (que é de conhecimento oficioso) e para a anulabilidade (que não é de conhecimento oficioso); quer dizer: o que está em causa não é o conhecimento da anulabilidade, mas antes a aplicação oficiosa da consequência estatuída pelo art. 289.º, n.º 1, CC quer para a declaração de nulidade, quer para a anulação.

M. Teixeira de Sousa

8

Sendo assim, quando se discute a aplicação oficiosa do art. 289.º, n.º 1, CC pelo tribunal que anulou o acto, o que se pergunta é se esse tribunal pode aplicar oficiosamente uma consequência legal que opera ex lege. Neste ponto, não há nenhuma diferença entre a nulidade e a anulabilidade: a consequência é a mesma e opera da mesma maneira, ou seja, ex lege. Em conclusão: tendo a parte invocado a anulabilidade de um acto e tendo o tribunal anulado esse acto, nada impede que o tribunal aplique oficiosamente o disposto no art. 289.º, n.º 1, CC e condene as partes (ou uma delas) na restituição do que tenham (ou tenha) recebido em cumprimento do acto anulado. b) Dado que a anulabilidade tem de ser alegada pelas partes (cf. art. 287.º, n.º 1, CC), o regime é, no restante, o mesmo que vale para a hipótese de a nulidade ter sido invocada por uma das partes. Em concreto: – Se a parte que invoca a anulabilidade não tiver alegado nenhuns factos que permitam fundamentar um direito à restituição do que prestou à contraparte, o tribunal não pode condenar esta contraparte na restituição do que tenha recebido; a omissão da alegação desses factos por essa parte determina a preclusão da sua alegação em qualquer outro processo posterior; o mesmo vale para a parte contrária, quando esta, chamada a exercer o contraditório, não tenha alegado o direito à restituição do que prestou à parte que invocou a anulabilidade; – Se a parte que invoca a anulabilidade tiver alegado factos que mostram um direito à restituição do que prestou à contraparte, o tribunal deve condenar oficiosamente esta contraparte a restituir o que tenha recebido; a omissão desta condenação constitui uma omissão de pronúncia (cf. art. 615.º, n.º 1, al. d), 666.º, n.º 1, e 685.º CPC); há que dizer o mesmo quanto à condenação da parte que invocou a anulabilidade, se a contraparte alegar e demonstrar que prestou algo em cumprimento do acto anulado; a omissão desta alegação implica a preclusão da sua invocação num processo posterior.

7. Do exposto pode retirar-se a conclusão de que, quando o tribunal tenha declarado a nulidade ou anulado um acto jurídico, é admissível que o tribunal, mesmo que tal não seja pedido por nenhuma das partes, condene, ex officio, as partes na restituição do que tenham recebido da contraparte em cumprimento do acto nulo ou anulado. Não há motivo para entender que esta solução não possa valer para todas as situações em que o tribunal pode aplicar consequências legais que operam ex lege. Tal como se demonstrou a propósito da declaração de nulidade e da anulação, é indiferente que a situação que desencadeia a aplicação da consequência legal seja de conhecimento oficioso ou só possa ser conhecida pelo tribunal a solicitação das partes.

8. A temática acima analisada permite ainda suscitar uma outra questão: se o tribunal deve aplicar oficiosamente a consequência legal que opera ex lege, será

M. Teixeira de Sousa

9

que isso também vale para o tribunal da execução, a ponto de se poder dizer que há título executivo quanto a essa consequência mesmo quando o tribunal da acção declarativa não a tenha aplicado? A resposta deve ser negativa. O que o tribunal da acção declarativa deve fazer – que é extrair a consequência legal das premissas que foram adquiridas no processo – não pode ser realizado pelo tribunal da execução. Sem entrar noutros pormenores, basta dizer que o título executivo deve valer pelo que dele consta, não pelo que dele se pode retirar e, portanto, pelo que dele deveria constar.

M. Teixeira de Sousa

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.