TEIXEIRA DE SOUSA, M., Os princípios do processo arbitral (02.2016)

June 8, 2017 | Autor: M. Teixeira de Sousa | Categoria: Direito Processual Civil, ARBITRAGEM, Arbitragem Voluntária
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M. Teixeira de Sousa I Curso de Pós-Graduação Avançada em Direito da Arbitragem (Aula de 18/2/2016)

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Os princípios do processo arbitral

I. Introdução 1. Generalidades Importa distinguir entre princípios da arbitragem e princípios do processo arbitral: ⇒ Os princípios da arbitragem respeitam a valores estruturantes da arbitragem enquanto meio alternativo de resolução de conflitos; podem referir-se os seguintes: → Confidencialidade da arbitragem: as audiências de um processo arbitral não são públicas e, sem autorização das partes, as decisões nele proferidas não são publicadas; → Especialização dos árbitros na matéria que constitui o objecto do processo arbitral; as partes podem escolher árbitros que sejam especialistas na matéria que vai ser submetida a julgamento; → Autonomia das partes e do tribunal: as partes e o tribunal podem conformar a arbitragem e o processo arbitral. ⇒ Os princípios do processo arbitral referem-se a valores estruturantes do processo arbitral; estes princípios decorrem do mais amplo princípio do processo equitativo e respeitam nomeadamente aos seguintes aspectos: → A igualdade das partes; → A igualdade de oportunidades (ou de armas) das partes, isto é, o direito à pronúncia em juízo; ambas as partes devem poder usar os mesmos meios, levantar as mesmas questões e invocar os mesmos argumentos; uma das consequências desta igualdade é o princípio do contraditório e a consequente “proibição da indefesa”. 2. Base legal 2.1. Enunciado

A LAV refere-se à autonomia processual e aos princípios estruturantes do processo arbitral no: ⇒ Art. 30.º, n.º 2 e 3: as partes podem acordar sobre as regras de processo que devem ser seguidas na arbitragem; na falta desse acordo, o tribunal deve (”pode”) conduzir a arbitragem do modo que considerar apropriado; ⇒ Art. 30.º, n.º 1; em concreto, o preceito garante:

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2 → A igualdade das partes (al. b)); esta igualdade implica a necessidade da citação do demandado (al. a)) e da observância do princípio do contraditório (al. c)); → A oportunidade de as partes fazerem valer os seus direitos (al. b)), isto é, o direito à pronúncia (“day in court”). ⇒ Art. 46.º, n.º 3, al. a), ii): a violação, com influência decisiva na resolução do litígio, dos princípios fundamentais referidos no art. 30.º, n.º 1, constitui fundamento de anulação (em Portugal) da decisão arbitral proferida numa arbitragem localizada em Portugal; ⇒ Art. 56.º, n.º 1, al. a), ii): a prova de que a parte contra a qual a sentença é invocada não foi devidamente informada da designação de um árbitro ou do processo arbitral ou de que não lhe foi dada oportunidade de fazer valer os seus direitos impede o reconhecimento em Portugal da sentença arbitral (estrangeira) proferida numa arbitragem localizada no estrangeiro.

2.2. Antecedentes

O estabelecido no art. 30.º, n.º 1, tem como antecedente o disposto no art. 18.º LMUNCITRAL: ⇒ “As partes devem ser tratadas em pé de igualdade e deve ser dada a cada uma delas a possibilidade de exporem o seu caso.” O disposto no art. 30.º, n.º 2 e 3, apoia-se no estabelecido no art. 19.º LM-UNCITRAL: ⇒ “Sem prejuízo das disposições da presente Lei, as partes podem, por acordo, escolher livremente o processo a seguir pelo tribunal arbitral” (n.º 1); ⇒ “Na falta de tal acordo, o tribunal arbitral pode, sem prejuízo das disposições da presente Lei, conduzir a arbitragem do modo que julgar apropriado. Os poderes conferidos ao tribunal arbitral compreendem o de determinar a admissibilidade, a pertinência, a importância e a matéria de qualquer prova produzida” (n.º 2). 3. Âmbito de aplicação O regime relativo à autonomia processual e aos princípios estruturantes do processo arbitral que consta da LAV é aplicável a todas as arbitragens que tenham lugar em território português (art. 61.º), incluindo as arbitragens internacionais (art. 49.º, n.º 2). II. Autonomia processual 1. Generalidades 1.1. Enquadramento

As partes e o tribunal gozam de autonomia na conformação da arbitragem (quanto, por exemplo, ao número de árbitros (art. 8.º, n.º 1), ao lugar da arbitragem (art. 31.º) e à língua do

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3 processo (art. 32.º)). Um dos aspectos desta autonomia é a chamada autonomia processual: o processo arbitral não tem que seguir as regras processuais de uma ordem jurídica, pois que tanto as partes, como o tribunal têm poderes de conformação das regras aplicáveis a esse processo. Esta autonomia já foi designada como a “Magna Charta of Arbitral Procedure”1.

1.2. Enunciado

A autonomia processual encontra-se consagrada no art. 30.º, n.º 2 e 3. Em concreto: ⇒ As partes podem, até à aceitação do primeiro árbitro, acordar sobre as regras de (“do”) processo a observar na arbitragem (art. 30.º, n.º 2); ⇒ Na falta de acordo das partes e na falta de disposições aplicáveis da LAV, o tribunal deve (“pode”) conduzir a arbitragem do modo que considerar apropriado (art. 30.º, n.º 3). 2. Escolha das partes 2.1. Escolha global

a) Num plano geral, as partes podem acordar sobre as regras de processo a observar na arbitragem (art. 30.º, n.º 2). As partes podem-no fazer (cf. art. 6.º): ⇒ Através de uma regulação directa; esta regulação pode decorrer da conjugação de várias regras com diferentes fontes legais ou regulamentares; ⇒ Através de uma remissão para um regulamento de arbitragem; ⇒ Através de uma remissão para uma legislação processual civil estadual (por exemplo, para o CPC). No primeiro caso, as partes constroem o regime aplicável ao processo arbitral; nos dois restantes casos, as partes limitam-se a escolher o regime aplicável. b) As partes têm total liberdade na escolha das regras aplicáveis ao processo arbitral. Se for escolhida a lei de um Estado para regular o processo arbitral, essa escolha não tem de coincidir nem com a lei escolhida pelas partes para regular a convenção arbitral, nem com a lei escolhida pelas mesmas para a apreciação do mérito da causa. c) O ponto mais controvertido nesta matéria é o de saber se a mera remissão das partes para uma legislação processual civil envolve apenas as regras sobre a tramitação da causa ou também envolve os poderes do tribunal relativos ao processo. Suponha-se, por exemplo, que as partes acordam em aplicar, em tudo o que não esteja previsto na LAV, o regime estabelecido no CPC; cabe perguntar se essa remissão também envolve o dever de gestão processual (cf. art. 6.º

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Analytical Commentary on Draft Text of a Model Law on International Commercial Arbitration (A/CN.9/264, de

25/3/1985) (Art. 19.).

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4 CPC) e o correspondente poder de adequação formal (cf. art. 547.º CPC) e também abrange os poderes probatórios do tribunal (cf. art. 411.º CPC). A doutrina (estrangeira) encontra-se dividida, nos casos em que as partes não tenham expressamente estendido a remissão às regras que comportam esses poderes2. Parece impor-se, no entanto, uma resposta positiva. Há um indício na LAV de que deve ser assim: o art. 42.º, n.º 2, permite que o tribunal possa decidir o fundo da causa através de tantas sentenças parciais quantas aquelas que entenda serem necessárias para uma boa decisão; esta possibilidade pode ser utilizada na sequência de uma gestão do processo arbitral realizada pelo tribunal e traduzida, nomeadamente, no fraccionamento dos vários aspectos relativos ao mérito da causa. d) O mesmo deve valer para a apreciação da litigância de má fé das partes, pelo menos no caso em que a lei processual para a qual as partes remeteram contém, ela própria, regras sobre a litigância de má fé.

2.2. Escolha casuística

a) As partes podem escolher, designadamente: ⇒ A forma e o conteúdo dos articulados das partes; ⇒ Os prazos para a prática de actos das partes e do tribunal; ⇒ A forma de produção da prova (envolvendo, por exemplo, a admissibilidade da pretrial discovery, da discovery ou de depoimentos escritos de testemunhas); ⇒ A organização da audiência de produção de prova. b) Independentemente de poderem escolher globalmente as regras processuais, as partes podem, segundo a LAV, nessa mesma matéria: ⇒ Autorizar o árbitro presidente a decidir questões respeitantes à ordenação, à tramitação e ao impulso processual (art. 40.º, n.º 3); ⇒ Excluir o poder de o tribunal decidir realizar reuniões em qualquer local que julgue apropriado (art. 31.º, n.º 2); ⇒ Escolher a língua ou línguas a utilizar no processo arbitral (art. 32.º, n.º 1 1.ª parte); ⇒ Fixar a data em que o processo arbitral se considera iniciado (art. 33.º, n.º 1); ⇒ Convencionar os prazos para a prática dos seus actos (cf. art. 33.º, n.º 2 1.ª parte); ⇒ Acordar sobre os elementos que devem constar da petição inicial do demandante e da contestação do demandado (art. 33.º, n.º 2 1.ª parte); ⇒ Excluir a possibilidade da modificação ou do complemento da petição inicial ou da contestação (art. 33.º, n.º 3);

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Cf. LÖRCHER/SACHS, in BÖCKSTIEGEL/KRÖLL/NACIMIENTO (Eds.), Arbitration in Germany / The Model Law in Practice

(2015), 245 s.

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5 ⇒ Determinar se o processo comporta audiências para a produção de prova ou se o processo é apenas conduzido com base em documentos e outros elementos de prova (art. 34.º, n.º 1); ⇒ Retirar ao tribunal o poder de nomear um ou mais peritos para a elaboração de um relatório, escrito ou oral (art. 37.º, n.º 1); ⇒ Excluir a possibilidade de o perito ser chamado para interrogatório pelo tribunal e pelas partes (art. 37.º, n.º 3); ⇒ Fixar ou acordar sobre o prazo para o tribunal arbitral proferir a sentença final (art. 43.º, n.º 1 e 2); ⇒ Retirar ao tribunal o poder de decidir o fundo da causa através de várias sentenças parciais (art. 42.º, n.º 2); ⇒ Dispensar o tribunal de fundamentar a sua decisão (art. 42.º, n.º 3); ⇒ Convencionar sobre a repartição dos encargos directamente resultantes do processo arbitral (art. 42.º, n.º 5); ⇒ Concordar em encerrar o processo (art. 44.º, n.º 2, al. b)); ⇒ Retirar a faculdade de qualquer das partes requerer o proferimento de uma sentença adicional (art. 45.º, n.º 5); ⇒ Admitir a interposição de recurso para o tribunal estadual da sentença proferida pelo tribunal arbitral (art. 39.º, n.º 4); ⇒ No âmbito da arbitragem internacional, acordar sobre a possibilidade de interposição de recurso da sentença final para outro tribunal arbitral (art. 53.º).

2.3. Momento da escolha

a) A escolha das regras aplicáveis ao processo arbitral pode ser realizada: ⇒ Na convenção de arbitragem; ⇒ Em acordo posterior celebrado entre as partes; ao contrário do que sucede com a convenção de arbitragem (que exige a forma escrita: art. 2.º, n.º 1), o acordo sobre as regras processuais não requer qualquer forma específica, podendo mesmo ser celebrado de forma tácita. b) No caso de acordo posterior à convenção de arbitragem, a escolha só pode ser feita até à aceitação do primeiro árbitro (art. 30.º, n.º 2). Esta exigência não consta do art. 19.º, n.º 1, LMUNCITRAL, mas a sua justificação é (provavelmente) a seguinte: os árbitros devem poder conhecer as regras processuais que as partes fixaram antes de aceitarem o encargo da arbitragem. No entanto, como mostra o lugar paralelo do regime da modificação da convenção de arbitragem (cf. art. 4.º, n.º 1), aquele limite temporal não significa que as partes não possam

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6 escolher as regras de processo depois da aceitação do primeiro árbitro. Todavia, neste caso, as regras só são aplicadas se o tribunal concordar com elas, pelo que o tribunal pode rejeitar (potestativamente) as regras de processo escolhidas pelas partes depois da aceitação do primeiro árbitro.

2.4. Limites da escolha

A escolha das partes, além do referido limite temporal, está sujeita a limites materiais (art. 30.º, n.º 2). A escolha não pode violar: ⇒ Os princípios estruturantes do processo arbitral, isto é, os princípios decorrentes do estabelecido no art. 30.º, n.º 1: o princípio da igualdade das partes e o direito à pronúncia; ⇒ Normas imperativas constantes da LAV; é o caso, por exemplo, do disposto no: → Art. 18.º, n.º 9: a decisão interlocutória pelo qual o tribunal arbitral se declare competente para apreciar a acção pode ser impugnada por qualquer das partes perante o tribunal estadual competente com fundamento na invalidade da convenção de arbitragem ou no facto de o litígio não se encontrar abrangido por esta convenção; → Art. 19.º: os tribunais estaduais só podem intervir nos casos previstos na LAV; → Art. 34.º, n.º 2 e 3: as partes devem ser notificadas de todos os actos praticados em processo; → Art. 46.º: a decisão arbitral é sempre passível de anulação, mesmo quando as partes tenham estipulado a possibilidade de impugnação dessa decisão através de um recurso ordinário.

2.5. Violação dos limites

A violação dos limites materiais da escolha das regras de processo implica: ⇒ A nulidade da estipulação das partes (cf. art. 294.º CC) e, portanto, a sua ineficácia perante o tribunal; dado que os limites materiais são irrenunciáveis, o tribunal tem de continuar a observá-los ainda que qualquer das partes tenha renunciado à protecção decorrente do princípio da igualdade e do direito de pronúncia; no entanto, se a escolha tiver sido efectuada na convenção de arbitragem, a nulidade daquela escolha não impede a validade desta convenção (vitiatur sed non vitiat); ⇒ A possibilidade de anulação da decisão arbitral proferida no processo (art. 46.º, n.º 3, al. a), ii)).

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7 3. Escolha do tribunal 3.1. Generalidades

Se as partes não tiverem acordado sobre as regras aplicáveis ao processo arbitral e se o regime não resultar da LAV, o tribunal arbitral “pode conduzir a arbitragem do modo que considerar apropriado, definindo as regras processuais que entender adequadas” (art. 30.º, n.º 3). Este regime legal reproduz o disposto no art. 19.º, n.º 2, LM-UNCITRAL.

3.2. Âmbito da escolha

a) A escolha realizada pelo tribunal pode ser global ou parcial: ⇒ A escolha global ocorre quando as partes nada tenham estipulado sobre as regras de processo aplicáveis à arbitragem; ⇒ A escolha parcial verifica-se quando o tribunal regula aspectos que não estão abrangidos pela escolha realizada pelas partes. b) Tal como quanto à escolha global realizada pelas partes, há que entender que a remissão para um regulamento de arbitragem ou para uma lei nacional envolve igualmente todos os poderes que esse regulamento ou essa lei atribuam ao tribunal.

3.3. Momento da escolha

O tribunal arbitral pode escolher as regras aplicáveis ao processo arbitral: ⇒ No momento inicial da arbitragem; ⇒ Durante a arbitragem, à medida que se tornar patente a necessidade de regular um aspecto da tramitação do processo arbitral3. A regulação de uma matéria pelo tribunal não pode ser alterada posteriormente por esse mesmo tribunal sem o acordo das partes. Matérias não reguladas pelo tribunal podem ser reguladas durante o decurso do processo arbitral (o que, aliás, não se afasta muito do poder de adequação formal atribuído pelo art. 547.º CPC aos tribunais estaduais).

3.4. Critério da escolha

O tribunal pode escolher as regras de processo aplicáveis na arbitragem segundo o que “considerar apropriado” (art. 30.º, n.º 3). O regime legal atribui ao tribunal um poder discricionário na definição das regras processuais, de molde a: ⇒ Permitir a melhor adequação possível do processo arbitral ao caso concreto; esta adaptação do processo ao caso justifica alguma flexibilidade mesmo durante o decurso daquele processo;

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Sobre o problema, cf. MENEZES CORDEIRO, Tratado da Arbitragem (2015), Artigo 30.º 55 ss.

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8 ⇒ Facilitar a proximidade (ou familiaridade) das partes com as regras do processo arbitral; na arbitragem internacional, é conveniente que, se ambas as partes estiverem familiarizadas com o sistema de common ou de civil law, sejam escolhidas regras próprias do respectivo sistema; ⇒ Favorecer a eficiência do processo arbitral, o que implica procurar evitar custos desnecessários para as partes e propiciar o proferimento da decisão em prazo razoável.

3.5. Limites da escolha

A escolha do tribunal quanto às regras aplicáveis no processo arbitral encontra-se sujeita a um duplo limite: ⇒ A escolha só pode recair sobre matérias sobre as quais as partes não tenham acordado (art. 30.º, n.º 3); portanto, a escolha do tribunal é sempre complementar e subsidiária da escolha das partes e nunca se sobrepõe a esta escolha; ⇒ A escolha só pode incidir sobre matérias sobre as quais não exista nenhuma regulamentação na LAV (art. 30.º n.º 3). Esta verificação permite concluir que: ⇒ Tudo o que se encontra regulado na LAV é obrigatório para o tribunal: ⇒ O âmbito da escolha do tribunal é mais restrito do que o da escolha das partes; na verdade: → A escolha do tribunal está excluída em qualquer matéria regulada pela LAV; → A escolha das partes só está afastada em matérias respeitantes aos princípios estruturantes do processo e em matérias reguladas por regras imperativas (art. 30.º, n.º 2).

3.6. Violação dos limites

Tal como sucede quanto à escolha realizada pelas partes, a violação dos limites materiais da escolha das regras de processo pelo tribunal implica: ⇒ A nulidade da escolha realizada pelo tribunal (cf. art. 294.º CC); ⇒ A possibilidade de anulação da decisão arbitral proferida no processo (art. 46.º, n.º 3, al. a), ii)).

3.7. Poderes probatórios

a) No processo arbitral, o tribunal dispõe dos poderes de determinar a admissibilidade, a pertinência e o valor de qualquer prova produzida ou a produzir: é este o sentido do disposto no art. 30.º, n.º 4 (que, aliás, pretende seguir o estabelecido no art. 19.º, n.º 2, LM-UNCITRAL). O âmbito de aplicação deste regime exige a consideração dos seguintes aspectos:

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9 ⇒ As partes podem construir um regime ou remeter para um regime que atribua outros poderes probatórios ao tribunal; nesta hipótese, não é aplicável o estabelecido no art. 30.º, n.º 4; este preceito contém, por isso, uma regra supletiva; ⇒ Dado o estabelecido no art. 30.º, n.º 3, quanto à proibição de exclusão pelo tribunal do disposto na LAV, o tribunal não pode afastar a aplicação do regime constante do art. 30.º, n.º 4, pelo que, na ausência de qualquer estipulação das partes, o tribunal tem os poderes probatórios atribuídos por este último preceito. b) Do estabelecido no art. 30.º, n.º 4, decorre que o tribunal pode: ⇒ Admitir qualquer meio de prova que considere relevante, mesmo que se trate de um meio de prova atípico segundo a lei reguladora do processo arbitral; ⇒ Valorar a pertinência de um meio de prova para a apreciação da causa. O tribunal arbitral também pode, por exemplo: ⇒ Definir as condições em que uma testemunha presta o seu depoimento ou é interrogada perante o tribunal (através do sistema da cross examination, por exemplo); ⇒ Determinar a comparência das partes para efeitos probatórios. c) O art. 30.º, n.º 4, também atribui ao tribunal o poder de determinar o valor da prova produzida ou a produzir. O sentido do preceito não é o de permitir que o tribunal possa valorar, conforme bem entender, qualquer meio de prova (como, por exemplo, um documento)4, mas antes o de possibilitar que o tribunal adapte a medida da prova à importância do facto e à dificuldade da sua produção (tal como é característico do sistema da preponderant evidence próprio da common law)5. d) A distribuição do ónus da prova é determinada por regras materiais, pelo que o disposto no art. 30.º, n.º 4, não tem nenhum reflexo nessa distribuição. Tendencialmente, a distribuição do ónus da prova é definida pela lei aplicável à apreciação do mérito da causa. III. Relevância dos princípios 1. Generalidades 1.1. Equiparação

A relevância do princípio da igualdade e do direito de pronúncia das partes decorre de um princípio de equiparação entre o processo arbitral e o processo que decorre perante os tribunais estaduais. Em concreto, essa relevância resulta da aplicação da garantia do processo equitativo (art. 20.º, n.º 4, CRP) aos processos arbitrais.

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Aparentemente em sentido diverso, MENEZES CORDEIRO, Tratado da Arbitragem, Artigo 30.º 75.

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1.2. Justificação

O princípio da igualdade e o direito de pronúncia garantem a protecção das partes em juízo. Disto decorre que as partes não podem renunciar a essa protecção, embora, durante a pendência do processo, qualquer das partes possa não exercer uma faculdade legal, regulamentar ou contratualmente atribuída, colocando-se, assim, em situação de desigualdade perante a parte contrária. Em todo o caso, uma renúncia (admissível) ao exercício de uma faculdade não deve ser confundida com uma renúncia (inadmissível) à própria faculdade.

1.3. Consequências

A imposição do princípio da igualdade e do direito de pronúncia das partes implica para o tribunal, não tanto uma actuação em processo destinada a assegurar esse princípio de igualdade e esse direito de pronúncia, mas antes uma actuação que não viole aquele princípio e aquele direito.

1.4. Violação

a) A violação do princípio da igualdade ou do direito de pronúncia das partes permite a anulação da sentença que venha a ser proferida no processo arbitral em que ocorreu a violação (art. 46.º, n.º 3, al. a), ii)). Isto tem uma consequência importante em função dos seguintes dados: ⇒ Primeiro: se, no processo arbitral, for desrespeitada uma disposição da LAV que as partes podiam derrogar e se a parte não reagir contra essa violação (invocando a respectiva nulidade processual: art. 195.º, n.º 1, CPC), considera-se que a parte renunciou ao direito de impugnar a sentença arbitral com esse fundamento (art. 46.º, n.º 4); ⇒ Segundo: as partes não podem derrogar o princípio da igualdade e o direito de pronúncia das partes (cf. art. 30.º, n.º 2). Logo: a omissão de reacção da parte contra a violação do princípio da igualdade ou contra o direito de pronúncia das partes não tem qualquer efeito preclusivo do pedido de anulação da sentença arbitral6. b) A violação do princípio da igualdade ou do direito à pronúncia das partes também impede o reconhecimento em Portugal de uma sentença proferida numa arbitragem localizada no estrangeiro ou o reconhecimento no estrangeiro de uma decisão proferida numa arbitragem localizada em Portugal: em ambos os casos, o reconhecimento da sentença arbitral conduz a um

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STEIN/JONAS/SCHLOSSER, ZPO (2014), § 1042 43.

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Diferentemente, quanto à violação do direito à pronúncia, cf. LÖRCHER/SACHS, in BÖCKSTIEGEL/KRÖLL/NACIMIENTO

(Eds.), Arbitration in Germany / The Model Law in Practice 2, 249.

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11 resultado manifestamente incompatível com a ordem pública internacional do Estado requerido (Portugal ou Estado estrangeiro) (art. 56.º, n.º 1, al. b), ii); art. V, n.º 2, al. b), CNIorque). 2. Princípio da igualdade 2.1. Generalidades

O art. 30.º, n.º 1, al. a), exige o tratamento igual das partes. É algo que pode ser visto em conjunto com o disposto no art. 4.º CPC, que impõe que o tribunal deve assegurar, durante todo o processo, um estatuto de igualdade substancial (ou material) entre as partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais. Esta igualdade substancial implica, para o tribunal, um duplo dever: ⇒ O dever de corrigir factores de desigualdade: a correcção das desigualdades entre as partes é realizada através da função assistencial do juiz; por exemplo: o art. 590.º, n.º 2, al. b), CPC impõe que o juiz convide as partes a aperfeiçoarem os seus articulados; se o articulado de uma delas for deficiente, o juiz, além de impedir a boa administração da justiça, infringe, no caso concreto, o princípio da igualdade substancial das partes se não a convidar a aperfeiçoá-lo; ⇒ O dever de não originar situações de desigualdade entre as partes: o tribunal não deve tratar de modo desigual as partes; por exemplo: devendo ambas as partes corrigir o rol de testemunhas que apresentaram, não deve o juiz fixar prazos diferentes para cada uma delas; em contrapartida, o tribunal deve tratar diversamente situações diferentes: se o tribunal pretender obter certas informações de cada uma das partes, pode fixar diferentes prazos para cada uma das partes, se a dificuldade de obtenção de cada uma das informações não for a mesma.

2.2. Violação do princípio

Nem todo o tratamento desigual das partes pelo tribunal implica uma violação do princípio da igualdade. Essa violação só ocorre quando as partes tiverem tido diferentes condições para praticarem em juízo actos do mesmo tipo. 3. Direito de pronúncia 3.1. Generalidades

a) O processo arbitral deve assegurar que as partes possam pronunciar-se sobre tudo o que considerem relevante para a defesa dos seus interesses em juízo. Este direito à pronúncia tem uma vertente activa e uma vertente passiva: ⇒ Na vertente activa, trata-se efectivamente de um direito de pronúncia, ou seja, de um direito a introduzir no processo uma matéria ou um argumento;

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12 ⇒ Na vertente passiva, trata-se de um direito de contra-pronúncia, isto é, de um direito a pronunciar-se sobre uma pronúncia realizada pela outra parte. Estes direitos à pronúncia e à contra-pronúncia devem ser exercidos nos limites da boa fé. A actuação gravemente culposa ou dolosa da parte implica a sua condenação como litigante de má fé (cf. art. 542.º, n.º 1 e 2, CPC). b) Principalmente no âmbito da arbitragem internacional, a língua a utilizar no processo arbitral pode ter alguma importância para o exercício do direito de pronúncia e de contrapronúncia. Se não houver acordo entre as partes, cabe ao tribunal determinar a língua ou línguas a utilizar no processo (art. 32.º, n.º 1 2.ª parte). Importa que esta escolha realizada pelo tribunal não possa colocar em causa o princípio da igualdade das partes.

3.2. Direito vs. ónus

Os direitos à pronúncia e à contra-pronúncia situam-se na perspectiva (até constitucional: art. 20.º, n.º 4, CRP) do processo equitativo e das garantias das partes em processo. Uma vez assegurados os direitos à pronúncia e à contra-pronúncia, o exercício desses direitos situa-se no plano processual: então aqueles direitos transformam-se num ónus da parte. É isto que justifica que o não exercício dos direitos à pronúncia e à contra-pronúncia produza um efeito preclusivo: este efeito só é explicável pelo não cumprimento pela parte de um ónus processual.

3.3. Direito à informação

O direito de pronúncia requer o cumprimento pelo tribunal do direito das partes à informação. Este direito à informação tem como contrapartida um dever de notificação das partes. Em concreto: ⇒ Todas as peças escritas, documentos ou informações que uma das partes forneça ao tribunal arbitral devem ser comunicadas à outra parte (art. 34.º, n.º 3 1.ª parte); ⇒ Qualquer relatório pericial ou elemento de prova documental que possa servir de base à decisão do tribunal deve ser comunicado a ambas as partes (art. 34.º, n.º 3 2.ª parte); ⇒ Quaisquer audiências e outras reuniões convocadas pelo tribunal devem ser comunicadas a ambas as partes (art. 34.º, n.º 2). Este dever de notificação deve ser cumprido pelo tribunal: ⇒ Da forma adequada a garantir o conhecimento da notificação pela parte (requisito procedimental); ⇒ Com a antecedência adequada para que a eventual pronúncia da parte sobre o conteúdo da notificação possa ser atempada e útil para a decisão do tribunal (requisito temporal).

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3.4. Dispensa da notificação

Salvo havendo acordo das partes sobre a exclusão do decretamento de providências cautelares no processo arbitral, o tribunal pode decretar providências cautelares e dirigir uma ordem preliminar a uma parte sem a sua prévia audição (art. 22.º, n.º 1).

3.5. Princípio do contraditório

a) O direito de contra-pronúncia é uma concretização do princípio do contraditório. Este princípio consiste na regra segundo a qual, sendo formulado um pedido ou oposto um argumento a uma parte, deve ser-lhe dada a oportunidade de se pronunciar sobre o pedido ou o argumento, só depois podendo o tribunal decidir. Ninguém deve ser condenado sem ser ouvido (no sentido de ter a oportunidade de falar): este princípio é expressão de um direito a ser ouvido (em alemão: rechtliches Gehör) e é, em processo penal, regra constitucional, conforme resulta do disposto no art. 32.º, n.º 1 e 6, CRP. b) Do princípio do contraditório decorre: ⇒ Um direito de resposta: iniciando uma das partes um processo, à outra parte deve ser dado conhecimento do que foi dito perante o tribunal e deve ser dada oportunidade (que, como quiser, usará ou não usará) de expor as suas razões: é o princípio audiatur et altera pars; daqui decorre a necessidade de assegurar a citação do réu e o princípio da audiência contraditória das provas; ⇒ Um direito à audição prévia; os corolários deste direito são os seguintes: → Em regra, levantada por uma parte uma questão, o juiz deve ouvir a parte contrária antes de decidir; → Igualmente em regra, de molde a evitar as “decisões-surpresa”, o juiz não pode decidir questões de direito ou de facto, mesmo que sejam de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciarem sobre elas (art. 3.º, n.º 3 2.ª parte, CPC). c) Em particular, quanto às decisões-surpresa importa considerar que a sua proibição implica que o tribunal deve consultar previamente as partes quando: ⇒ Entende fornecer a uma determinada matéria uma qualificação jurídica diferente daquela que as partes atribuíram; ⇒ Resolve dar relevância a uma matéria que anteriormente tinha dado a entender que não considerava relevante.

M. Teixeira de Sousa I Curso de Pós-Graduação Avançada em Direito da Arbitragem (Aula de 18/2/2016)

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3.6. Dever de pronúncia

O direito à pronúncia das partes envolve, quando exercido por estas, uma contrapartida para o tribunal: a pronúncia das partes implica que o tribunal tem de se pronunciar sobre as matérias ou os argumentos apresentados pelas partes.

3.7. Violação do direito à pronúncia

O direito à pronúncia é violado quando: ⇒ O tribunal não notifica a parte de algo de que esta devia tomar conhecimento (omissão de citação ou de notificação); ⇒ O tribunal não toma posição sobre uma pronúncia da parte, numa situação em que a apreciação desta pronúncia era relevante para a apreciação da causa (omissão de pronúncia). Independentemente de quaisquer outras consequências determinadas pelas regras aplicáveis ao processo arbitral, qualquer destas violações – porque representa a violação de um dos princípios constantes do art. 30.º, n.º 1 – permite a anulação da sentença que venha a ser proferida no processo arbitral (art. 46.º, n.º 3, al. a), ii)).

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