Telejornalismo, Estética do Real e Vídeos Amadores: um estudo de caso do RJTV 1ª Edição.

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Telejornalismo, Estética do Real e Vídeos Amadores: um estudo de caso do
RJTV 1ª Edição.[1]


Ludimila Santos MATOS[2]
Universidade CEUMA, São Luís, MA



PALAVRAS-CHAVE: estética do real; vídeos amadores; telejornalismo;
audiovisual; análise visual.


1 INTRODUÇÃO

Por que ganha ênfase a proliferação voluptuosa dos vídeos amadores/não
profissionais? Seriam mais reais os vídeos produzidos por cinegrafistas
amadores porque estes não possuem o know-how técnico de como produzir um
vídeo dentro da métrica estabelecida em convenções deste ofício? Estas são
algumas das questões que impulsionaram a análise aqui proposta.
O presente trabalho é fruto de pesquisa realizada para o
desenvolvimento da dissertação de mestrado "Telejornalismo, Estéticas do
Real e Vídeos Amadores: um estudo de caso do RJTV 1ª Edição", a fim de
compreender aspectos desencadeantes de um suposto enfraquecimento do olhar
em relação às imagens midiáticas, neste caso específico, do enfraquecimento
do poder de encantamento destas imagens produzidas em consonância com a
métrica formal da produção audiovisual profissional, a partir do início do
período histórico denominado modernidade, assim como identificar nos
produtos audiovisuais atuais as ocorrências estéticas no sentido de
reforçar os efeitos de real dessas imagens a fim de recuperar a potência do
poder imagético de fascínio/realidade.
Esta investigação teve por objeto o telejornal local carioca RJTV 1ª
Edição. O corpus da pesquisa foi constituído por meio da coleta, observação
e análise dos vídeos amadores exibidos durante três meses de edições
diárias do RJTV1, de abril a junho de 2010. A base teórica deste trabalho
considera autores referenciais na área do audiovisual, a exemplo de André
Bazin e Philipe Dubois; na pesquisa sobre Comunicação de Massa, utilizando
pressupostos teóricos de estudiosos como Walter Benjamin e Mauro Wolf; e na
pesquisa em Jornalismo, a exemplo de Bill Kovach e Tom Rosentiel. Esta
pesquisa foi desenvolvida observando os pressupostos metodológicos da
Análise Televisual, metodologia desenvolvida por Beatriz Becker, a fim de
auxiliar as leituras dos textos audiovisuais. O presente estudo observa
também aspectos das Novas Tecnologias Digitais que influenciam a confecção
dos produtos audiovisuais jornalísticos, a considerar, fundamentalmente, a
participação do usuário/audiência como colaborador nos processos de
produção dos conteúdos noticiosos.

2 AS IMAGENS E O REAL
Os produtos audiovisuais têm sua origem vinculada à invenção da
fotografia, ainda que o ato de conservar imagens seja anterior à captura
destas por meio da câmara escura. André Bazin (1991) inicia seu clássico
artigo, "Ontologia da Imagem Fotográfica", atentando para como as múmias
eram produzidas na tentativa de eternizar o homem, assim como o eram as
pinturas e as estátuas na religião egípcia antiga.
Porém, para o autor, "a fabricação da imagem chegou mesmo a se
libertar de qualquer utilitarismo antropocêntrico. O que conta não é mais a
sobrevivência do homem e sim, em escala mais ampla, a criação de um
universo ideal à imagem do real" (BAZIN, 1991, p. 20). Bazin investe no que
denomina "psicologia das artes plásticas" para estabelecer sua hipótese
central: "além da busca pela estética, a arte é também a busca pelo
realismo" (1991, p. 20).
As hipóteses deste trabalho baseiam-se no pressuposto apresentado por
Bazin. A partir da evolução dos processos de fabricação das imagens, desde
quando sua origem ainda era artesanal, é possível identificar alguns dos
aspectos que influenciaram a configuração atual dos produtos audiovisuais.
No entanto, é relevante também, o entendimento das convenções que foram
constituídas durante os diversos processos de construção dessa imagem
enquanto artefato audiovisual. Aspectos de visualidade que surgiram com a
imagem mecânica na fotografia sendo experimentados, remodelados,
modernizados e reconfigurados, primeiramente pelo cinema e, posteriormente,
pelo vídeo.
Atualmente o vídeo é transmitido por suportes inimagináveis há 10
anos: computador, celular, em telas nos ônibus, nas ruas, em câmera de
vigilância, em dispositivos tão pequenos quanto um botão. Na
contemporaneidade as percepções são fabricadas e mediadas pelas imagens e,
em grande escala, pelas imagens audiovisuais (digitais). Como conclui
Weschenfelder, "se o cinema foi a arte do século XX, o vídeo é a arte do
século XXI" (2009, p.13).
Para esta investigação, focada na identificação dos aspectos que, a
partir da constituição do período conhecido por Modernidade, desencadearam
o enfraquecimento do olhar. O vídeo certamente foi um contribuinte de
importância feroz nesse processo. No entanto, é no vídeo, em sua
aglutinação com a digitalização, que se identifica um movimento na direção
da recuperação desse encantamento perdido das imagens midiáticas, através
das renovadas estéticas das realidades.

3 PERSPECTIVAS DA IMAGEM
Em sua genealogia o termo "estética" deriva do grego aiesthèsis que
significa percepção, sensação. Sumariamente, a Estética é uma disciplina da
Filosofia que se dedica à interpretação da natureza do belo e dos
princípios da arte. Foca-se na fruição e percepção do belo e nas emoções
derivadas dos fenômenos estéticos. Desta forma, é correto tomar as diversas
estéticas, na verdade, como interpretações das realidades. É, então, No
século XIX, que surge o realismo enquanto uma nova estética proposta com
intuito de legitimar as representações da realidade.
Na atualidade, num panorama permeado pela saturação midiática, pela
popularização e cristalização do modelo de convergência midiática, pelo
esfumaçamento das fronteiras entre real e ficção, observa-se a renovação
desses códigos realistas com a finalidade de intensificar os efeitos de
realidade.

Cada vez mais a mediação realizada pelas tecnologias da
comunicação, da informação e do audiovisual deixa de ser
propriamente um ato ou efeito de mediar, de estabelecer
relações, para tornar-se, ela mesma, parte crucial de
nossa visão de mundo e daquilo que tomamos por realidade,
a qual é percebida e construída por códigos estéticos
historicamente configurados, balizadores do nosso olhar e
de nossa experiência. (FELDMAN, 2008, p.4)

Partindo do pressuposto das estéticas como interpretações das
realidades, considera-se, para o desenvolvimento de ferramentas analíticas
para o objeto deste estudo, as seguintes concepções de realismo imagético:
1) a perspectiva mimética objetiva; 2) a perspectiva da vigilância-
testemunho; 3) a perspectiva da espontaneidade; 4) a perspectiva da
telepresença.

4 ESTÉTICAS DO REAL E A CRISE DAS IMAGENS NO TELEJORNALISMO: ANALISANDO O
RJTV 1ª EDIÇÃO
Intimamente atingidos pela lógica do tempo irracional, os telejornais –
dispositivos de construção de recortes de realidade – viram-se compelidos a
atualizar sua dinâmica. É possível observar diversos diários televisivos
cedendo à experimentação de artifícios para a manutenção de uma audiência
agora familiarizada com a rede de informações líquida, ágil,
irracionalmente veloz, onde experimenta uma aparente descentralização dos
lugares de fala.
Especialmente a partir da possibilidade de confecção de conteúdos
audiovisuais através de dispositivos móveis (aparelhos de celular com
câmeras filmadoras de baixa qualidade, câmeras digitais, microcâmeras,
máquinas fotográficas digitais com função filmadora, entre outros), em
consequência do barateamento e popularização destes e, a partir também do
lançamento do sites de divulgação e publicação de conteúdo audiovisual, a
exemplo do YouTube.com com seu convite Broadcast Yourself[3], todos - e é
necessário ratificar, todos - os telejornais da Rede Globo desenvolveram
plataformas de incentivo à participação da audiência na produção de
conteúdo noticioso. São constantes as chamadas que convidam o telespectador
com frases como "envie seu vídeo", "mande seu flagrante pra gente", "faça
um vídeo e mande pelo nosso site". Desta forma acaba-se incutindo na
audiência o sentimento de, que assim como posta seu vídeo no YouTube, é
possível "postá-lo" também no maior meio de comunicação de massa do país,
na emissora com maior visibilidade.
Nesta investigação interessa compreender a forma particular de discurso
que se constitui no gênero telejornalismo e, em como esse discurso vem se
modificando e transformando a própria prática dos processos de produção
desse produto televisual[4].
Ao analisar os três meses de edições do RJTV 1a Edição foi possível
observar dois momentos do programa: sua edição comum, e uma cobertura
especial. Visualizou-se, neste telejornal que se denomina um "jornal para a
comunidade", em suas edições comuns um esforço para estabelecer uma nova
dinâmica para o programa através da apresentação em pé – deslocando a
bancada do centro físico do enquadramento -, uma câmera com maior variedade
de planos, quantidade significativa de links/ vivos; colaboradores que
também participam da apresentação, entre outros. Porém, seus princípios de
enunciação contribuem para a manutenção do modelo jornalístico
estabelecido, mesmo quando da utilização de vídeo amadores, baseado em
índices de audiência, nos pressupostos de objetividade jornalística e
neutralidade, que tenta prender o telespectador por meio de um timing que
busca mantê-lo em estado de relaxação, obedecendo a um modelo de
comercialização da informação.
A utilização destacada de vídeos amadores/não profissionais e o
incentivo à participação do telespectador como as principais
características de um novo formato telejornalístico chamam atenção para o
fato de que a televisão, numa tentativa de manter seus públicos,
experimenta artifícios que desenvolvam neste telespectador, que é também
usuário de outro meio no qual ele "fala" livremente, o sentimento de
pertença e fidelidade.
A utilização desses vídeos no telejornal tem por função a ilustração de
matérias, imagens de apoio para notas cobertas, ou algo neste sentido. Sua
exibição, normalmente, se justifica por seu valor notícia já que, em grande
número, as amostras aqui analisadas tratam de temas que se enquadram, em
especial, nos critérios de noticiabilidade relativos à concorrência, pois
geralmente não são pautas gerais do dia a dia, são um conteúdo diferenciado
que não aparecem nos temas de pauta diária.


REFERÊNCIAS

BAZIN, André. O Cinema: ensaios. Ed. 1a. São Paulo: Editora Brasiliense,
1991.

BECKER, Beatriz. A linguagem do Telejornal: um estudo de caso da cobertura
dos 500 anos do Descobrimento do Brasil. 2ª Ed. Rio de Janeiro: E-papers
Serviços Editoriais, 2005.

BENJAMIN, Walter. A obra de arte na Era da reprodutibilidade técnica. In:
Obras Escolhidas I: Magia e técnica, arte e política. 7ª Ed. São Paulo:
Brasiliense, 1994.

DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico e outros ensaios. Campinas, SP:
Papirus, 1993. (Série Ofício de Arte e Forma)

FELDMANN, Ilana. O apelo realista das novas narrativas do espetáculo:uma
atualiza-ção da secular "vontade de verdade". Revista FAMECOS, Porto
Alegre, nº 36, 2008, p.61-68. Disponível em:


KOVACH, Bill; ROSENTIEL, Tom. Os Elementos do Jornalismo: o que os
jornalistas devem saber e o público exigir. São Paulo: Geração Editorial,
2004.

WESCHENFELDER, Ricardo. A linguagem do video. Florianópolis: Guarapuvu,
2009.

WOLF, Mauro. Teorias das Comunicações de Massa. – São Paulo: Martins
Fontes, 2003. (Coleção leitura e crítica)


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[1] Trabalho apresentado na III Jornada de Pesquisa e Extensão, evento
componente da XIII Semana de Comunicação da Universidade Federal do
Maranhão, realizada de 21 a 24 de maio de 2013.
[2] Mestre em Comunicação Social - ênfase em Cinema e Audiovisual - pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Professora das
disciplinas "Fotografia em Publicidade" e "Produção de Cinema e TV" no
Curso de Publicidade e Propaganda da Universidade CEUMA. Produtora
Audiovisual na Centopéia Filmes. Email: [email protected].
[3] Algo que pode ser traduzido como "Televisione-se".
[4] Utiliza-se aqui o termo "televisual" porque considera-se o telejornal
um produto audiovisual pensado para televisão. (BECKER, 2005)
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