Teletrabalho e Gestão de Recursos Humanos: Análise em uma Organização de Tecnologia da Informação

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Teletrabalho e Gestão de Recursos Humanos: Análise em uma Organização de Tecnologia da Informação Autoria: Andre Fernandes Bernardino, Jaciara Maria de Souza Carneiro, Karina De Dea Roglio, Heitor Takashi Kato

Resumo Com o avanço dos recursos computacionais e da competição empresarial em escala global, uma nova forma de trabalho vem ganhando destaque no Brasil: o teletrabalho, ou como é comumente conhecido, home-office. Embora ainda pouco difundida no país, essa metodologia de trabalho descentralizado está sendo adotada por empresas que procuram suprir a demanda por mão-de-obra qualificada, em suas estratégias de expansão. Tendo por objetivo analisar a importância estratégica do teletrabalho para a atração e retenção de profissionais, o presente artigo tomou por base estudos em Estratégia, Tecnologia da Informação, Recursos Humanos e Teletrabalho, os quais foram corroborados por pesquisa empírica que teve por objeto a operação brasileira de uma multinacional de serviços de Tecnologia de Informação. Por meio de estudo qualitativo e exploratório, foi constatado que o teletrabalho, enquanto iniciativa estratégica de Recursos Humanos, contribui para a atração e retenção de profissionais do segmento em questão. Concluiu-se também que, para que se alcancem tais resultados, o trabalho remoto deve ser fundamentado em relações de confiança e suportado pela flexibilidade derivada da implantação de uma estratégia de Tecnologia da Informação, a descentralização de estrutura e ativos organizacionais. 1 Introdução No setor de Tecnologia da Informação (TI), o segmento de serviços se destaca por apresentar taxas de crescimento significativas. Segundo a consultoria International Data Corporation (IDC), em 2007, o crescimento mundial do ramo foi de 5%, enquanto que, no Brasil, foi de 11%. Para que tal evolução se sustente no país, além de infraestrutura adequada, faz-se necessária, cada vez mais, mão-de-obra qualificada. Para Leão, Moresi e Oliveira (2007), um dos grandes desafios do setor de TI brasileiro é a escassez de profissionais capacitados. Para combatê-la, diversas iniciativas têm sido conduzidas pelas organizações, tais como treinamentos, parcerias com universidades e teletrabalho. Este, também conhecido como trabalho remoto ou home-office, é o método de trabalho descentralizado em que o profissional atua fora da sede da empresa (NILLES, 1997). O objetivo da pesquisa relatada neste artigo foi identificar de que forma o teletrabalho está inserido na estratégia de gestão de Recursos Humanos (RH) de uma organização de Tecnologia de Informação, com vistas a amenizar a carência de profissionais qualificados. A organização pesquisada foi escolhida por ser uma das maiores do setor de serviços de TI no Brasil e por haver passado, nos últimos anos, por mudanças significativas na sua estratégia de crescimento, tendo se valido do teletrabalho para implementá-la. O artigo está estruturado em seis seções: a primeira diz respeito à introdução; a segunda trata da fundamentação teórico-empírica; a terceira refere-se à metodologia de pesquisa; a quarta diz respeito a análise e interpretação dos dados, a quinta apresenta uma discussão sobre os resultados apresentados na seção 4 e, por fim, na seção 6 são feitas considerações finais e recomendações para o desenvolvimento de trabalhos futuros. 2 Fundamentação Téorico-Empírica Nesta seção abordam-se conceitos utilizados no presente estudo, estruturados em cinco tópicos: Estratégia Corporativa, Tecnologia da Informação, Desafios da Gestão de Recursos Humanos, Teletrabalho e Práticas de Gestão de RH direcionadas ao Teletrabalho. 1

2.1 Estratégia Corporativa Devido ao avanço dos recursos computacionais e das telecomunicações, faz-se necessário que as organizações estejam cada vez mais preparadas para atuar num mercado em frequente mutação. Lawler III e Worley (2006) afirmam que a globalização dos negócios tem dois efeitos profundos: aumento do nível de competição em vários setores e abertura de novos mercados, diante do incremento do comércio internacional e da tecnologia de informação. Face a essa crescente competitividade, as organizações tornam-se cada vez mais complexas, o que requer fortes vínculos entre suas áreas funcionais. Assim, a consciência da importância de uma postura estratégica é fundamental para que as empresas alcancem o sucesso esperado. A literatura contemporânea sobre Administração enfatiza a importância da estratégia para as organizações e apresenta a sua definição. A estratégia corporativa pode ser definida como um plano detalhado cuja finalidade é conduzir a organização ao alcance de seus objetivos a longo prazo. Mintzberg (2004, p. 34) resumidamente define estratégia em quatro termos: - um plano: uma direção, um guia ou curso de ação para o futuro; - um padrão: consistência em comportamento ao longo do tempo; - uma posição: definição de determinados produtos e determinados mercados; - uma perspectiva: a maneira de a organização fazer as coisas. Uma vez estabelecida a estratégia corporativa, o passo seguinte é implementá-la, por meio de um planejamento que mobilize recursos de todas as áreas funcionais envolvidas. Strickland III e Thompson Jr. (2000, p. 26) apresentam uma definição abrangente para tal: “a função de implementação da estratégia consiste em ver o que é necessário para fazer a estratégia funcionar adequadamente e atingir o desempenho programado dentro do prazo”. Para Andrews (1996), uma estrutura organizacional apropriada ao cumprimento da estratégia da empresa deve ser posta em prática pelos Sistemas de Informação (SI), os quais resultam de uma eficiente implementação das tecnologias de informação, por meio de computadores, pessoas e fluxos. A Tecnologia da Informação (TI) - que corresponde aos aspectos técnicos, equipamentos (hardware) e programas (software) destinados a criarem Sistemas de Informação (SI) - e algumas de suas implicações, são abordadas a seguir. 2.2 Tecnologia da Informação Numa realidade em que organizações de diferentes portes e localidades têm de disputar espaço mercadológico em nível mundial, papel fundamental tem sido exercido pela TI em diversas áreas organizacionais. Para Cazarini, Santos e Oliveira Neto (2007), tal importância da TI induz, no mundo inteiro, a significativas transformações no ambiente organizacional, afetando a formulação das estratégias e dos negócios das empresas. A utilização eficaz da TI e a integração entre sua estratégia e as estratégias de negócios são, muitas vezes, fatores críticos de sucesso empresarial. Para Carvalho et al. (2001, p. 161), atualmente o caminho para tal êxito não está mais relacionado somente ao hardware e ao software utilizados, mas ao alinhamento da TI com a estratégia e a estrutura da empresa. Albertin e Albertin (2008), além de Balarine (2002), enumeram os principais benefícios da Tecnologia da Informação: redução de custo, produtividade, qualidade, flexibilidade e inovação. Já em termos de operação estratégica da área de TI, Fenny e Willcocks (1998, p.17) enfatizam a necessidade de alinhamento entre esta e os demais setores organizacionais, afirmando que as empresas devem sustentar três pontos-chaves em TI: uma tecnologia de base re-utilizável, uma parceria entre TI e gestão do negócio e uma forte equipe. 2

Quanto aos modelos que abordam de que forma utilizar a TI nas organizações, estes podem ser classificados em quatro grupos (CARVALHO et al., 2001, p. 163): modelos prescritivos, modelos voltados para ações, modelos integrativos e modelos de diagnóstico. Os últimos, como o nome sugere, fornecem instrumentos e critérios para que seja diagnosticado o papel da TI nas organizações. Segundo Carvalho et al. (2001, p. 173), pertencem a essa categoria: Estágios de Informatização das Empresas; Relação entre Investimentos em TI e Desempenho Organizacional; Análise da Centralização e Descentralização da TI, entre outros. Para o presente artigo, será abordada a descentralização da tecnologia de informação, à qual a atividade de serviços de TI está relacionada. 2.2.1 Descentralização de Tecnologia da Informação Devido ao declínio dos custos de hardware, ao aumento da autoconfiança dos usuários quanto à sua utilização e ao desenvolvimento avançado das tecnologias de informação, muitos gestores têm pensado estrategicamente na utilização de Processamento de Dados Distribuídos (PDD). Segundo Buchanan e Linowes (1980), o PDD consiste na descentralização sistemática das atividades de processamento de dados, incluindo uma grande variedade de tarefas e responsabilidades gerenciais, e deve estar associado à estratégia da organização. Com a implementação do PDD, tarefas antes realizadas em grandes centros de processamento de dados passam a ser particionadas em atividades menores, sendo então transferidas aos centros remotos para sua realização. Dessa forma, a descentralização de tarefas ocasiona maior flexibilidade às operações de tecnologia de informação. Porém, para se obter vantagem do Processamento de Dados Distribuídos, os gestores de TI precisam estar cientes das complexidades de se usar e gerenciar os recursos computacionais distribuídos. Muitas organizações, em decorrência do PDD, passaram a utilizar o outsourcing offshore, que consiste na terceirização de atividades de TI em companhias localizadas no Exterior, geralmente em países emergentes, como o Brasil. 2.2.2 Software e Serviços – Posicionamento do Brasil Segundo avaliação da International Data Corporation, o setor de serviços de TI vem crescendo acima da média mundial no Brasil. No entanto, Scartezini (2007) aponta que o país é responsável por apenas uma pequena fatia do mercado global do fornecimento de serviços, contando com somente 71 empresas exportadoras. Para melhor compreensão do posicionamento do Brasil em relação aos competidores, segue o Quadro 1: Quadro 1 – Dados sobre a participação do Brasil no mercado mundial de software e serviços Dados sobre a participação do Brasil no mercado mundial de software e serviços Posição do Brasil no ranking mundial de 2004 – 15º; 2005 – 12º; 2006 – 13º; 2007 – 12º software e serviços Aproximadamente 11,12 bilhões de dólares em 2007, crescimento Movimentação e crescimento do de 22,3% sobre o ano anterior. Estudos apontam para um mercado brasileiro crescimento médio anual superior a 10% até 2010. Em 2007, o Brasil respondeu por 1,43% do mercado global de Mercado Mundial software e serviços. Em 2006, respondeu por 1,27%. Na América Latina, o Brasil é líder no setor, com 43% do América Latina mercado, seguido por México, Argentina e Colômbia. Fonte: Elaborado pelos autores a partir da obra de Scartezini (2007) e dados da International Data Corporation – IDC (2008) e da Associação Brasileira das Empresas de Software (ABES).

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Dentre as razões para a pequena participação das empresas brasileiras no mercado mundial, ressaltam-se deficiências na capacitação de pessoal e a elevada carga tributária sobre os recursos humanos. Considerando-se que, segundo Scartezini (2007), 60 a 70% do custo do serviço é relativo a pessoal, uma das consequências da alta carga tributária sobre RH é a diminuição nas margens de lucro das organizações. De acordo com matéria da redação do IT Web (2008), website especializado em notícias do setor de TI, tal fato faz com que as empresas de serviços brasileiras tenham de buscar profissionais em cidades de porte cada vez menor, além de promover melhorias na produtividade de seus funcionários. 2.2.3 A Escassez de Profissionais de Tecnologia da Informação Autores como Barney e Wright (1998), Lawler III e Worley (2006) e Snell, Shadur e Wright (2001) enfatizam que as pessoas estão entre os recursos mais importantes de uma organização. Para Leão, Moresi e Oliveira (2007), a contínua evolução da Tecnologia de Informação, e a falta de profissionais qualificados nessa área, estão fazendo com que as empresas do setor atentem ao capital humano como nunca. De acordo com Scartezini (2007), para que haja um crescimento significativo do setor brasileiro de Software e Serviços, fazem-se necessários recursos humanos capacitados e em quantidade adequada. A autora cita as principais deficiências do Brasil nesse aspecto: - Recursos capacitados insuficientes para atender a demanda: embora o Brasil possua recursos humanos capacitados no setor, a quantidade ainda é escassa; - Escassez de pessoal de nível técnico: os profissionais de TI concentram-se nos níveis superior e pós-graduado, cujos custos podem impactar a competitividade; - Escassez de profissionais com fluência nos idiomas inglês e espanhol, prejudicando negócios internacionais: na China e no México há políticas públicas para o ensino da língua inglesa; já na Índia o inglês é tido como idioma oficial; - Custos indiretos elevados com RH: em termos de mercado interno, o desafio é operar com estrutura de custos de contratação de pessoal sempre crescentes. Face a essas deficiências, um dos grandes desafios da gestão de recursos humanos em uma organização de TI é fornecer alternativas para que seus impactos sejam minimizados. 2.3 Desafios da Gestão de Recursos Humanos Considerando-se a gestão de Recursos Humanos como um todo, Brockbank e Ulrich (2005, p. 200) sugerem cinco funções principais para os profissionais da área: Defensor do Empregado, Desenvolvedor de Capital Humano, Especialista Funcional, Líder de RH, e Parceiro Estratégico. Esta última tem por objetivo principal gerar valor para os gerentes de linha, por meio de ações como: ajudar na formulação de estratégias vencedoras; diagnosticar problemas na organização; disseminar aprendizado. Isso posto, diante de um cenário de escassez de profissionais de TI, é necessário que o profissional de RH atue fortemente como um parceiro estratégico do gestor de Tecnologia de Informação. Lawler III (2003) aponta que, após receber das áreas de negócios uma requisição para preenchimento de vaga, o departamento de RH deve decidir entre buscar talentos no mercado ou desenvolver pessoal internamente. Nesse âmbito, há que se considerar que capacitar profissionais em algumas áreas de TI, como mainframe e banco de dados, pode levar muito tempo. Além disso, muitos treinamentos em novas tecnologias não existem no Brasil. No setor de TI, estes seriam apenas alguns dos desafios dos gestores de Recursos Humanos, que também têm de se defrontar com as seguintes questões, apontadas por Bennett (2009), Boudreau e Broderick (1992), Lawler III (2003), Brockbank e Ulrich (2005), Snell, Shadur e Wright (2001), Scartezini (2007), Neal (2005) e Zeidner (2008): 4

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Incentivar uma cultura de aprendizado na empresa; Prover e incentivar treinamento contínuo, recrutamento interno e mentoring; Estabelecer parcerias com universidades para o ensino formal das tecnologias utilizadas pela empresa; - Criar programas de estágio, visando a capacitar os profissionais do futuro; - Prover práticas e políticas eficientes de atração e retenção de talentos; - Atuar na retenção de funcionários, evitando fuga de capital intelectual (“brain drain”); - Prover práticas e políticas ágeis e desburocratizadas de contratação. No que tange aos três últimos desafios, modalidades flexíveis de contratação de profissionais e de relações de trabalho, tanto em termos de jornadas, quanto em termos de locais para sua realização, podem se colocar como fatores de atração e retenção de talentos. Iniciativas estratégicas estão impulsionando essa prática, principalmente no setor de TI, na forma de escritórios remotos ou “home-offices”, estruturas características do teletrabalho. 2.4 Teletrabalho: Definição, Aspectos Positivos e Negativos O termo teletrabalho foi cunhado em 1970, nos Estados Unidos, tendo sido mencionado pela primeira vez na literatura por Jack M. Nilles, norte-americano considerado por muitos como o “pai do teletrabalho”. No Brasil, somente a partir dos anos 1990 é que intensificaram-se os estudos e a prática dessa modalidade empregatícia. Já nos Estados Unidos, no Canadá e em alguns países da União Européia, o teletrabalho é amplamente difundido. De forma geral, o teletrabalho apresenta diversos aspectos positivos e negativos para os indivíduos e as organizações que dele se valem. Por tratar-se de temática muito recente, os aspectos apresentados a seguir são suscetíveis de discussão, ressaltando-se que esse campo de estudo está ainda muito longe de grandes e definitivas conclusões. O Quadro 2 apresenta alguns dos principais aspectos positivos e negativos do sistema de teletrabalho para o funcionário que o implementa, de acordo com Andreassi (2007), Domingues e Guedert (2006), Fusco, Lima e Riça (2003), Matlin (2008), McNerney (1995) e Nilles (1997). Quadro 2 – Principais aspectos positivos e negativos do teletrabalho para o teletrabalhador. Aspectos Positivos - Economia nas despesas, principalmente com deslocamento, alimentação e vestuário. - Flexibilidade das horas de trabalho. - Eliminação do tempo gasto no trajeto escritório/casa, casa/escritório. - Maior facilidade na combinação de responsabilidades caseiras e de trabalho. - Ganhos na saúde devido a menor estresse. - Melhoria na qualidade de vida pela flexibilização do horário e local de trabalho, permitindo conciliar vida profissional e familiar. - Relativa autonomia, com a diminuição de uma presença hierárquica constante. - Aumento de motivação. - Produtividade do teletrabalhador aumenta.

Aspectos Negativos - Isolamento social e profissional. - Possível perda de status do trabalhador. - Diminuição do espaço em casa. - Aumento dos custos pessoais. - Possível perda de benefícios trabalhistas (transporte subsidiado, refeição no local de trabalho, entre outros). - Falta de contato e interação social com os colegas de trabalho. - Aumento de gastos com energia e infraestrutura doméstica (residência convertida em escritório). - Dificuldade de separar a vida pessoal da profissional. - Dificuldade de adaptação futura, se deixar de trabalhar em casa e tiver de retornar ao escritório. - Possíveis limitações de oportunidades de carreira.

Fonte: Dos autores a partir das obras de Andreassi (2007), Domingues e Guedert (2006), Fusco, Lima e Riça (2003), Matlin (2008), McNerney (1995) e Nilles (1997).

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O Quadro 3 expõe alguns dos principais aspectos positivos e negativos do teletrabalho para a empresa que o implementa, na perspectiva de Andreassi (2007), Domingues e Guedert (2006), Fusco, Lima e Riça (2003), Matlin (2008), McNerney (1995) e Nilles (1997). Quadro 3 – Principais aspectos positivos e negativos do teletrabalho para a empresa. Aspectos Positivos - Maior atração e retenção de trabalhadores qualificados. - Acesso a um mercado de trabalho doméstico mais amplo (idosos ou deficientes). - Redução do espaço empregado. - Redução do absenteísmo. - Rápido crescimento da empresa. - Diminuição de custos, transformando fixos em variáveis. - Melhoria dos serviços ao cliente, em particular pelo aumento da capacidade de resposta. - Maior flexibilidade das pessoas e das estruturas de trabalho. - Possibilidade do teletrabalho ser visto como benefício pelo teletrabalhador. - Aumento de produtividade e qualidade do trabalho. - Acesso a uma força de trabalho global.

Aspectos Negativos - Demanda por novas capacidades de administração, perante a incapacidade de se controlar permanentemente os empregados. - Complexas questões de saúde e segurança. - Elevados investimentos em equipamentos de informática, telefonia e tecnologia de informações. - Menor identificação do trabalhador com a empresa ou, pelo menos, dificuldade na implementação e extensão da cultura empresarial. - Enfraquecimento do espírito de grupo ou da cultura empresarial. - Possível diminuição da identificação do empregado com o grupo de trabalho e com a empresa. - Possível isolamento social do empregado.

Fonte: Dos autores, a partir das obras de Andreassi (2007), Domingues e Guedert (2006), Fusco, Lima e Riça (2003), Matlin (2008), McNerney (1995) e Nilles (1997).

No quadro de aspectos negativos do teletrabalho para as empresas, é mencionada uma possível inviabilização do controle de atividades dos teletrabalhadores por parte de quem os emprega. No entanto, outros estudos preconizam que, no teletrabalho, não é que o controle de atividades seja impossível – ele apenas ocorre de formas diferentes daquelas do trabalho tradicional. Esse aspecto particular da gestão do trabalho remoto é abordado a seguir. 2.5 Práticas de Gestão de RH direcionadas ao Teletrabalho No entendimento de Rodrigues (2004), para serem competitivas, as organizações precisam investir sistematicamente não somente na retenção, mas também na atração de conhecimento. Devido à escassez de mão-de-obra especializada em algumas áreas de TI, a possibilidade de uma empresa que, por exemplo, atue em Belo Horizonte, recrute trabalhadores remotos em São Paulo ou Curitiba, torna-se atraente. Com esse objetivo, muitas empresas com notoriedade no ramo de Tecnologia de Informação estão implementando em grande escala o teletrabalho. De acordo com Boonen (2002), as insatisfações geradas por aspectos organizacionais tais como o exaustivo processo de ida e volta ao trabalho diariamente e a queda na qualidade de vida dos trabalhadores, provocada pela falta de tempo para os familiares, passam a exigir dos administradores mais flexibilidade quanto ao horário e local de se realizar o trabalho. Tal flexibilidade visa, ainda, a atrair empregados qualificados, além de tentar reter aqueles de boa produtividade. Logo, uma vez que o teletrabalho proporciona essa flexibilidade, pode se constituir num fator de atração e retenção de profissionais. Face às características e aspectos positivos e negativos da adoção do teletrabalho, assim como à questão do controle e de outros aspectos de gerenciamento da atividade, fazemse necessárias práticas específicas em gestão de recursos humanos. Nesse aspecto, há que se destacar a metodologia de gerenciamento apresentada por Rubio (2001, p. 2): com base em 6

um programa de gestão de teletrabalhadores implantado na filial espanhola de uma multinacional norte-americana da área de serviços de TI, a autora estruturou a “Fórmula FCC” (Flexibilizar – Conscientizar – Confiar). Tal fórmula consiste de três práticas estratégicas: 1. Aplicar a flexibilidade laboral a todos os envolvidos; 2. Conduzir uma boa conscientização do que pressupõe o trabalho a distância; 3. Gerir a companhia por meio de confiança, e não de controle, centrada em resultados, e não na presença física. Segundo Braga (2006), a gestão de pessoas no teletrabalho difere da praticada no trabalho dito convencional em aspectos de espaço, tempo, comunicação, modelo de gestão, clima organizacional, entre outros. O pesquisador também preconiza que, no trabalho remoto, a questão do controle sobre trabalhador e trabalho requer uma mudança de perspectiva: deslocar o foco do “tempo do trabalho” para os “resultados do trabalho” (BRAGA, 2006, p. 12). Ainda segundo Braga (2006), para que isso seja possível, faz-se necessária uma cultura organizacional embasada, sobretudo, na confiança entre supervisores e subordinados. Em contrapartida, estes últimos devem assumir compromissos centrados na qualidade do trabalho, assim como no cumprimento dos prazos, resultados e metas previamente acordados. 3 Metodologia de Pesquisa Nesta seção abordam-se as etapas da pesquisa de campo: caracterização metodológica, definição de população e amostragem, procedimentos para coleta e análise de dados. 3.1 Caracterização A pesquisa de campo foi dos tipos qualitativo e exploratório, realizada por meio de entrevistas semi-estruturadas. Para Creswell (2007), o foco principal da pesquisa qualitativa está nas percepções e nas experiências dos participantes, postura adotada para a realização do presente trabalho. 3.2 População e Amostragem A população foi formada por gestores de trabalhadores em regime de teletrabalho, atuantes em uma multinacional da área de prestação de serviços em Tecnologia da Informação. A amostragem foi intencional, tendo por critério de escolha a disponibilidade de participação dos entrevistados. O Quadro 4 apresenta algumas das características principais dos respondentes: Quadro 4 – Características relevantes dos entrevistados. Gestor Gestor 1 Gestor 2 Gestor 3 Gestor 4 Gestor 5 Gestor 6

Idade/sexo/est.civil 48 / M / Casado 32 / M / Solteiro 35 / F / Casada 31 / M / Casado 28 / M / Casado 39 / F / Solteira

Tempo como gestor na organização 51 meses 17 meses 23 meses 47 meses 34 messes 18 meses

Área de atuação Desenvolvimento de Software – outsourcing Suporte técnico – outsourcing Suporte técnico – outsourcing Desenvolvimento de Software – outsourcing Desenvolvimento de Software – outsourcing Desenvolvimento de Software – outsourcing

Fonte: Elaborado pelos autores.

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3.3 Coleta e Análise de Dados O instrumento de coleta de dados constituiu-se de um roteiro de entrevistas composto por 13 perguntas abertas. As entrevistas foram realizadas por telefone e simultaneamente registradas em arquivo no formato eletrônico “.doc”. A análise dos dados foi realizada com base nos princípios da análise de dados qualitativos propostos por Minayo (1998): a análise interpretativa baseada em categorias teóricas e categorias empíricas. De acordo com essa autora, “a partir dos dados colhidos e acumulados o investigador se volta para os fundamentos da teoria para uma reflexão sobre os conceitos iniciais, para colocação em dúvida das ideias evidentes" (MINAYO, 1998, p. 234). Os resultados foram ilustrados com citações dos próprios entrevistados. As observações entre colchetes são notas dos autores, inseridas para facilitar o entendimento das informações. Para as entrevistas, foi utilizado o termo home-office, em vez de teletrabalho, por ser mais conhecido pelos respondentes. A pesquisa foi realizada entre janeiro e fevereiro de 2009, sendo que cada entrevista durou aproximadamente 45 minutos. 4 Resultados Neste tópico, são apresentados desafios e práticas de gestão de recursos humanos na empresa pesquisada, enfocando-se particularidades do teletrabalho como estratégia de atração e retenção de profissionais. 4.1 A Organização A organização estudada é uma multinacional da área de Tecnologia de Informação presente em diversos países e reconhecida pela prestação de serviços. Sua sede brasileira está localizada na cidade de São Paulo, com filiais nas principais capitais. A organização foi escolhida por implementar em grande escala o teletrabalho, desde 2002. Não serão revelados dados adicionais sobre a organização, visando a preservar sua identidade. 4.2 Desafios e Estratégias de Recursos Humanos Com o objetivo de avaliar a importância estratégica do teletrabalho para a gestão de pessoas, inicialmente procurou-se identificar os desafios do gerenciamento de recursos humanos na empresa pesquisada, sob a ótica dos gestores entrevistados. Assim como no referencial teórico apresentado anteriormente, a escassez de profissionais qualificados foi apontada como um dos principais desafios da organização. Outra questão premente é a retenção desses profissionais. Segundo o Gestor 4: “[um desafio é] manter o funcionário na empresa, pois no mercado tem muitas vagas disponíveis”. O Gestor 2 enfatiza como um grande desafio a resposta à demanda por contratações para sustentar a expansão vertiginosa das atividades da empresa, de forma a implementar sua estratégia de crescimento e inovação. Quanto às iniciativas empreendidas pela organização para superar os desafios citados, por meio das entrevistas foi possível identificar quatro estratégias principais: 4.2.1 Processo de Seleção Descentralizado Na opinião de dois dos gestores, a demora nos trâmites de recrutamento, seleção e contratação ocasiona perda de possíveis colaboradores qualificados. Para resolver esse problema, a empresa alterou o fluxo de seleção de pessoal. Atualmente, ao contrário do que acontecia anteriormente na organização, os profissionais são entrevistados primeiramente 8

pelos especialistas nas tecnologias requeridas pela vaga. Só depois de verificada a adequação do candidato nesse aspecto, é que se encaminha o mesmo para análise de perfil por parte do setor de Recursos Humanos. 4.2.2 Treinamento Para dois dos entrevistados, o treinamento tem sido a principal iniciativa da empresa para contar com um quadro qualificado de profissionais que viabilizem a sua estratégia de crescimento, corroborando, assim, a visão de Lawler III (2003) sobre a importância do treinamento para gestão de pessoas. Um dos gestores citou, também, a parceria com universidades do entorno da sede da empresa como ação importante para obtenção de profissionais qualificados em seus quadros. Nesse aspecto, a organização cumpre um dos desafios de gestão de recursos humanos apontado por Zeidner (2008), citado no item 2.3. 4.2.3 Informações e Estrutura de Suporte ao Gestor Metade dos gestores apontaram a estrutura de atendimento e informação da área de Recursos Humanos como aspecto facilitador da gestão de pessoas. O departamento disponibiliza: - um telefone de contato para questões relativas a assuntos trabalhistas, tais como férias e licenças médicas. Segundo o Gestor 3: “Existe um telefone de contato pelo qual todos os funcionários podem tirar dúvidas de RH rapidamente”; - farta documentação sobre políticas e procedimentos de RH, disponibilizada na intranet. De acordo com um dos entrevistados: “A partir do momento que o funcionário entra [na empresa], tudo está na intranet. Se você virou um funcionário, você tem acesso a muita informação via intranet ou liga no fone único. (Gestor 3) - um profissional de RH dedicado ao atendimento exclusivo dos gestores de TI, em questões diversas relativas à força de trabalho, conforme relato do Gestor 2: “Tem várias coisas, temos um peer de contato [para atendimento exclusivo aos gerentes] ao qual podemos ligar direto para qualquer issue com RH (novas contratações, processo seletivo, dar aumento)”. 4.2.4 Teletrabalho Quando interpelados sobre que ações a organização empreendia para responder aos desafios em gestão de recursos humanos, os entrevistados não citaram espontaneamente o teletrabalho. Porém, ao serem questionados a respeito da importância deste dentre as iniciativas e políticas de RH, bem como sobre os ganhos obtidos pela organização com a prática, foram unânimes em apontar aspectos positivos. As informações fornecidas por esses gestores vão ao encontro das vantagens do teletrabalho para a empresa, elencadas no Quadro 3. A fim de facilitar a exposição dos pontos coincidentes entre as vantagens mencionadas por eles e as encontradas na literatura, estruturou-se o Quadro 5.

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Quadro 5 – Aspectos positivos do teletrabalho – teoria x dados coletados Aspectos positivos do teletrabalho referenciados na literatura

Aspectos positivos do teletrabalho levantados no estudo de campo

Redução do espaço empregado.

“Com o tanto de gente que temos em home-office, se todos trabalhassem on site o prédio [da empresa] teria que ser ‘o triplo’ do tamanho.” (Gestor 1)

Acesso a um mercado de trabalho doméstico mais amplo (idosos ou deficientes).

(Aspecto não mencionado pelos entrevistados)

Redução do absenteísmo. Rápido crescimento da empresa. Diminuição de custos, transformando fixos em variáveis. Melhoria dos serviços ao cliente, em particular pelo aumento da capacidade de resposta. Maior flexibilidade das pessoas e das estruturas de trabalho.

Aumento de produtividade qualidade do trabalho.

e

Acesso a uma força de trabalho global. Possibilidade do teletrabalho ser visto como benefício pelo teletrabalhador.

Maior atração e retenção trabalhadores qualificados.

de

“Funcionário fica menos doente. A empresa vai ter mais o funcionário 100% do que se ele estivesse indo e voltando, horas de trânsito, estressado.” (Gestor 3) “Os EUA vieram com uma demanda ‘animal’, não tinha gente no mercado. Contratamos home-officers, deu certo.” (Gestor 2) “Ganho em questão de custos - manter uma base, um site, prédio, infra do prédio, não tem esse gasto.” (Gestor 5) “Conseguir os projetos dentro dos prazos com os skills [as competências] que eram pedidos, trazendo os resultados que a empresa esperava. Clientes mais satisfeitos. [...]” (Gestor 5) “O ‘cara’ pode atender um ‘ticket’ [protocolo de atendimento] até mesmo na estrada.” (Gestor 2) “Trabalha à noite para atender tickets em casa.” (Gestor 6) “[...] Isso, para a empresa, reflete num funcionário menos doente, mais contente. Mais produtivo. (Gestor 3) “Melhoria de produtividade, o profIssional não tem mais que se deslocar.” (Gestor 5) “Funcionário mais satisfeito. Agenda mais flexivel. Aumenta a produtividade.” (Gestor 6) “Meu time é todo remoto e faz parte de um time global. É bom ver todo mundo colaborar, EUA, Índia e Brasil”. (Gestor 1) “Globalizar né, consegue contratar pessoas de todo Brasil, você tem oportunidade de pegar [pessoas] em qualquer lugar.” (Gestor 3) “Já vi muita gente vir para cá para ganhar a mesma coisa que no emprego atual, por ser possível fazer o home-office.” (Gestor 3) “[...] pode trabalhar da casa dele, isso ajuda no balanceamento vida x trabalho, mais tempo para a família.” (Gestor 5) “[...] o funcionário se sente mais feliz.” (Gestor 1) “Às vezes, o profissional é muito bom, mas não sai da região.” (Gestor 3) “Abre a possibilidade de ter os profissionais certos, mesmo que eles não estejam localizados perto da sua base.” (Gestor 5)

Fonte: Elaborado pelos autores a partir do Quadro 3.

No que tange ao último item do Quadro 5, nos tópicos a seguir são abordados aspectos do teletrabalho relativos à atração e retenção de profissionais de Tecnologia de Informação. 4.2.5 Teletrabalho como Estratégia de Atração de Profissionais de TI Quando questionados sobre a importância do teletrabalho para a gestão de pessoas da empresa, a maioria dos entrevistados destaca a facilidade de recrutamento de profissionais fora do entorno da matriz - o que reforça uma das vantagens dessa modalidade apontada por Nilles (1997): acesso a uma força de trabalho global. É o que exemplificam estas citações: “O teletrabalho é totalmente importante. Se não fosse o home-office, não tínhamos o [Teletrabalhador 1], que é do Pará, o [Teletrabalhador 2], que é de 10

Minas. Eles só estão aqui [na empresa] porque o RH colocou anúncio no jornal divulgando [vagas] nas principais capitais brasileiras.” (Gestor 1) “Abre a possibilidade de ter os profissionais certos, mesmo que eles não estejam localizados perto da sua base. Precisávamos de alguém com um ‘skill’ em específico, não tinha na região, e tivemos a possibilidade, mesmo longe da base, de contratar profissionais que atendiam a nossa necessidade. (Gestor 5) Outra faceta da importância do teletrabalho para atração de profissionais foi apontada pelo Gestor 3 - o fato de a modalidade ser atrativa por si só: “[...] já vi muita gente vir para cá, para ganhar a mesma coisa que no emprego atual, por ser possível fazer o home-office”. 4.2.6 Teletrabalho como Estratégia de Retenção de Profissionais de TI No que tange à retenção de profissionais qualificados ocasionada pelo teletrabalho, o Gestor 6 considera que a relação de confiança entre empresa e teletrabalhador aumenta o vínculo entre estes. “Uma relação de confiança com o funcionário que eu nunca vi em outras empresas, desde ativos físicos, até informações confidenciais. E essa confiança aumenta o vínculo do funcionário com a empresa, além de aumentar a responsabilidade, também. A gente percebe que tem que ter a reciprocidade. Da mesma forma que a [organização] te dá um notebook, cartão de crédito, acesso à rede de todas as empresas [clientes], temos a responsabilidade de guardar essa informação e corresponder a toda essa confiança que eles [a organização] depositam. A maior forma de confiança que a empresa deposita no funcionário é o home-office.” Esse depoimento indica que o teletrabalho auxilia na retenção de profissionais pela via da confiança, cuja vital importância para o trabalho remoto é sublinhada por outros entrevistados. Nesse contexto, é possível afirmar que a retenção de teletrabalhadores pode ser representada por meio de um círculo virtuoso, ilustrado na Figura 1. Figura 1 – O teletrabalho como retenção de profissionais por meio da confiança. 1. Teletrabalho

2. Manifestação de confiança para com o profissional

5. Retenção do Profissional

4. Satisfação do Profissional

3. Confiança Recíproca

Fonte: Elaborado pelos autores.

5 Discussão Nesta seção, abordam-se aspectos da confiança que permeia as relações entre empregados e empregador no teletrabalho, aliados à flexibilidade ocasionada pela descentralização de estrutura e ativos de TI, como fatores de retenção de profissionais. 11

5.1 Confiança e Descentralização de TI O termo confiança é mencionado no decorrer deste artigo sob diferentes abordagens, tanto no referencial teórico quanto nos depoimentos dos entrevistados. Na organização estudada, a confiança dá sustentação não somente aos relacionamentos entre gestores e subordinados, como também à estratégia de descentralização de serviços e ativos da empresa. Com relação ao relacionamento entre gestores e subordinados, o Gestor 4 afirma: “Tem que ter confiança nos profissionais. Isso é a base do relacionamento a distância. […] maturidade, das duas partes [empresa/trabalhador]. Eu não me preocupo muito com isso [controle]. Tenho relação de confiança com todos [os teletrabalhadores da equipe]. Até agora ninguém pisou na bola.” Quanto ao aspecto da descentralização, a organização possui diversas filiais ao redor do mundo, sendo mais de 15 apenas no Brasil. Tal descentralização se estende à infraestrutura fornecida aos teletrabalhadores: em cada “home-office”, há um computador da empresa, por meio do qual o funcionário tem acesso à rede corporativa mundial. O trabalhador pode, ainda, acessar os servidores dos clientes e realizar rotinas e projetos a ele designados. Assim, no sistema de teletrabalho da organização estudada, cada escritório residencial atua como uma pequena filial da empresa. Para que essa descentralização extrema seja possível como estratégia de trabalho, é fundamental uma relação de confiança entre empresa e teletrabalhador. Relembrando as palavras do Gestor 6: “Da mesma forma que a [organização] te dá um notebook, cartão de crédito, acesso à rede de todas as empresas [clientes], temos a responsabilidade de guardar essa informação e corresponder a toda essa confiança que eles [a organização] depositam.” Os dados levantados na pesquisa de campo corroboram, portanto, a visão de Braga (2006) de que, para que o foco nos “resultados do trabalho” requerido pelo teletrabalho seja possível, é necessária uma cultura organizacional que tenha por base a confiança entre supervisores e subordinados, provendo uma situação de mínimos supervisão e controle. Em contrapartida, o teletrabalhador deve assumir compromissos focados na qualidade do trabalho e no atingimento de prazos, resultados e metas. Essa premissa do teletrabalho também surge na “Fórmula FCC” de Rubio (2001, p. 2), que tem por terceiro fator: “Gerir a companhia por meio de confiança, e não de controle, centrada em resultados, e não na presença física.” 5.1.2 Descentralização como Estratégia Auxiliar de Retenção de Profissionais de TI Até o momento, foi abordada a questão da confiança como aspecto fundamental de um regime de teletrabalho, sobre o qual se embasam tanto as relações entre empregador e teletrabalhador quanto a descentralização de ativos e tarefas. No entanto, estudos consultados para a realização deste artigo sinalizam que tal descentralização, além de ser uma característica do teletrabalho, pode, por si só, contribuir para a retenção de mão-de-obra qualificada - como uma espécie de “estratégia complementar” ao trabalho remoto. Nesse aspecto, Rubio (2001, p. 2) define um dos eixos de sucesso do teletrabalho como: “flexibilidade, obtida por meio de equipamentos adaptáveis a qualquer entorno, e por meio dos quais se tenha acesso a toda informação da empresa”. Tal flexibilidade de local de trabalho, aliada à flexibilidade de horários, também aparece como um dos aspectos positivos do teletrabalho para o teletrabalhador, conforme exposto no Quadro 2. Além disso, a flexibilidade foi citada na entrevista do Gestor 4 como um dos ganhos obtidos pela empresa pesquisada a partir da implantação do teletrabalho (ao lado de “mobilidade e [menor] custo”). Desse modo, pode-se estimar que, enquanto o teletrabalho se constituiria em uma estratégia de retenção de profissionais no âmbito da gestão de Recursos Humanos, a 12

descentralização atuaria como estratégia de retenção no âmbito de gestão de Tecnologia da Informação. Para que isso seja possível, tais áreas se valeriam de facilitadores distintos: Recursos Humanos, da confiança que fundamenta o teletrabalho e Tecnologia da Informação, da flexibilidade que resulta da descentralização de ativos e tarefas. A inter-relação entre essas duas áreas funcionais e suas possíveis “estratégias de retenção de profissionais” ocorreria conforme a representação da Figura 2. Figura 2 – Relações entre descentralização, teletrabalho e retenção do profissional de TI.

TI Descentralização Consequência

Flexibilidade

Área Funcional

RH

Estratégia

Teletrabalho Confiança

Fundamento

Retenção do Profissional de TI Fonte: Elaborado pelos autores.

5.1.3 Implicações Uma vez salientados os ganhos obtidos com a implantação do teletrabalho na organização estudada, é necessário observar que, ao implementar essa forma de trabalho, a empresa em questão já contava com infraestrutura tecnológica preparada e adequada ao processo. Em empresas em que a implementação do teletrabalho dependa da viabilização de toda uma infraestrutura de TI, podem não se verificar resultados tão positivos quanto os da organização investigada, em que questões tais como fornecimento de equipamentos, segurança de dados, alcance, frequência e confiabilidade de rede, não constituíram obstáculos para a implementação do teletrabalho. Embora vantagens do teletrabalho para organizações de serviços de Tecnologia de Informação tenham sido confirmadas nesta pesquisa, verificou-se que a questão da produtividade no trabalho remoto não se mostrou uma unanimidade entre os entrevistados. Nas palavras do Gestor 2, “Alguns de ‘home’ produzem mais, outros não. É dificil dizer”. Além disso, a conscientização sobre a responsabilidade de cada trabalhador pelo próprio teletrabalho, uma precondição para que este se viabilize, ainda não está consolidada: “Eles têm que saber conciliar que estão trabalhando, mesmo estando em casa.” (Gestor 3). Nesses dois aspectos, os gestores vão ao encontro de particularidades verificadas no trabalho de Braga (2006). É interessante notar que, na perspectiva do autor, uma vez que não seja possível, por parte das organizações, exercer o controle sobre o teletrabalho nos moldes tradicionais, as cobranças ocorrem na forma de delegação de responsabilidades de gestão aos trabalhadores: eles não só têm de responder pelos resultados, como também devem providenciar os meios mais adequados para que estes sejam atingidos. O controle sobre o teletrabalhador ocorreria, então, de forma indireta e mais sutil do que sobre o trabalhador convencional, mas ainda se faria presente, em intensidade que certamente depende da cultura, das estratégias e dos objetivos da organização. Cabe também ressaltar que, ao serem questionados sobre possíveis ganhos do setor de TI brasileiro com uma ampla adoção do regime de teletrabalho, os entrevistados fizeram uma extrapolação do que viam como ganhos obtidos pela empresa para o setor como um todo. No entanto, um deles assinalou um importante obstáculo para que a massificação do teletrabalho 13

se viabilize no país: a falta de infraestrutura de acesso remoto a redes de dados em cidades do interior. Tal carência pode fazer com que não se cumpra, na sua totalidade, a contribuição do teletrabalho para a captação de mão-de-obra qualificada no setor de serviços de TI brasileiro. 6 Conclusões e Recomendações para Trabalhos Futuros Com o objetivo de analisar a importância estratégica do teletrabalho para a atração e retenção de profissionais em uma prestadora de serviços de Tecnologia de Informação, no presente artigo foram apresentados referenciais teóricos relacionados às áreas funcionais de Tecnologia da Informação e Recursos Humanos. Em linhas gerais, esses referenciais indicam uma escassez de profissionais de TI para atender ao ritmo de crescimento das organizações que prestam serviços no setor. Diante dessa escassez, a área de gestão de pessoas enfrenta o desafio de atrair e reter profissionais qualificados para atender às demandas organizacionais, contexto em que a adoção do teletrabalho tem assumido importância estratégica. Entretanto, esse regime de trabalho, por si só, não assegura a atração e retenção de profissionais. É preciso que esteja suportado não apenas por uma sólida estrutura tecnológica, mas também por uma cultura organizacional baseada na descentralização de atividades e na confiança - assim como em farta disponibilização de informações e treinamento intensivo. Vale destacar, ainda, que as informações levantadas para este artigo levam a crer que a efetividade do teletrabalho é mais facilmente verificável na atração do que na retenção de profissionais, como denota fala do Gestor 1: “Achavam que ia ser mais fácil, agora tem gente que trabalha dobrado em casa e prefere vir para o site.” Seu papel na retenção de pessoal requer estudo longitudinal comparando índices de turn-over de trabalhadores convencionais e teletrabalhadores dentro da organização estudada, ao menos em médio e longo prazos. Por fim, percebe-se que há várias oportunidades para estudos mais aprofundados sobre os temas aqui abordados. Considerando-se os desafios enfrentados pelo Brasil em TI, frente a concorrentes do porte de China e Índia, tais estudos devem se colocar como prioridades do setor, tanto na esfera de empresas e câmaras setoriais, quanto no contexto acadêmico. 7 Referências ALBERTIN, R.; ALBERTIN, A. Benefício do uso de Tecnologia de Informação no desempenho empresarial. Revista de Administração Pública, Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro 42(2), p. 275-302, mar./abr. 2008 ANDREASSI, T. Virtualização das organizações: o caso do teletrabalho em uma consultoria. RAUSP. Revista de Administração, São Paulo, v. 32, p. 77-83, 1997 ANDREWS, K.R. The concept of corporate strategy. In: McKiernan, Peter (ed.) . Historical Evolution of Strategic Management. Vol. I. Brookfield, Darmouth Publishing Company, p.15-44, 1996. BARNEY, J. B.; WRIGHT, P.M. On Becoming a strategic partner: the role of human resources in gaining competitive advantage. Human Resource Management, v. 37, n.1, p. 31-46, Spring 1998. BALARINE, O. F. O. Gestão da informação: tecnologia da informação como vantagem competitiva. Revista de Administração de Empresas – eletrônica, v.1, n.1, jan./jun. São Paulo, 2002. 14

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