Tem alguém aí? Entre o eco digital e um novo diálogo dos comuns: comunicação política, internet e democracia, um estado de coisas

May 20, 2017 | Autor: Jorge Resina | Categoria: Comunicación Polìtica
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Tem alguém aí? Entre o eco digital e um novo diálogo dos comuns: comunicação política, internet e democracia, um estado de coisas1 Jorge Resina2

1. Introdução Não há como voltar atrás. A Internet mudou o mundo, a sua concepção e, portanto, a maneira de fazer e viver a política. Blogs, mídia online ou redes sociais digitais, através de distintos suportes, são hoje elementos de análises indissociáveis de qualquer evento político. Um protagonismo que, com toda probabilidade, irá além, na medida em que se ampliam gerações de nativos digitais e a tecnopolitica se dissolva no campo geral da política, abandonando o prefixo tecno. Tal como sucedeu com o advento da impressão, os avanços tecnológicos devem ser lidos no contexto geral, dentro das sociedades e do momento histórico em que eles apareceram. Assim como as primeiras impressões não podem ser entendidas sem a necessária conjuntura que as acompanham – a irrupção de um capitalismo incipiente, o cisma da Igreja Católica e a formação de Estados-Nação na aurora da Idade Moderna –, a Internet se instaura num tempo de mudanças, crises e emergências. A quebra da segurança econômica, explicitada em 2008, com o surgimento de hipotecas-lixo nos EUA, pôs fim ao predomínio de valores pós-materiais nas sociedades (INGLEHART, 1991) nas quais, sem deixar de estar vigentes, têm de conviver com renovados riscos, em um continuo princípio de incerteza (BECK, 2006). Uma situação que tem corroído os pilares do sistema, terminando por catalizar-se em uma profunda crise do status quo, que afeta o conjunto das instituições. 1

Tradução do espanhol por Bernardo Xavier dos S. Santiago: Mestrando pelo Programa de Pósgraduação em Direito Constitucional da Universidade Federal Fluminense. Bolsista pela CAPES.

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Doutor em Ciência Política pela Universidad Complutense de Madrid.

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De acordo com a tese de Hallin e Mancini (2009), se uma relação de influência mútua entre os sistemas político e midiático é estabelecida, as mudanças no primeiro interferem no segundo e vice-versa, de modo que a crise de legitimidade do sistema político também é do midiático e as respostas dadas por um acabam afetando o outro. A introdução de novas tecnologias provoca, além do mais, uma aproximação entre as duas esferas, a ponto de se tornarem conjuntos em intersecção. Nesta intersecção se encontra uma nova geração de especialistas em gestão de tecnologia, chamada de Millennials. Nascidos a partir da década de oitenta, eles cresceram familiarizados com o mundo digital e hoje vivem inseridos nele. Estima-se que em nível global, atualmente, 76% dos jovens possuem um smartphone (TELEFÓNICA, 2014). Esta “Geração Y”, como também são conhecidos, conta com uma idiossincrasia própria, que os distingue não só no uso da tecnologia, mas também na sua concepção da política e na forma de “consumo” dos meios de comunicação. Deles tem-se elaborado uma leitura ambígua. Enquanto, por um lado, têm sido considerados como de uma geração egoísta, imatura e politicamente adormecida, por outro lado, eles são apresentados como jovens ativos, solidários e com um renovado interesse na política. Um perfil heterogêneo que, essencialmente, mostra um desinteresse acentuado pelas formas tradicionais da política, bem como uma notável desconfiança no funcionamento das instituições. Em contrapartida, eles introduziram novas práticas e tipos de ação coletiva, que foram acompanhadas tanto de novos meios de expressão como de uma retórica sobre os assuntos públicos. É assim que nos últimos anos surgiram, em diferentes partes da geografia mundial, manifestações encabeçadas, quando não protagonizadas, por jovens que, para além dos panfletos, contavam com um smartphone nas mãos. As diferentes manifestações da Primavera Árabe, a ocupação das praças pelos movimentos Occupy e os indignados espanhóis, o #yosoy132 mexicano, os protestos contra a corrupção na Guatemala, em Honduras, no Paraguai e no Brasil, ou as performances dos estudantes chilenos e colombianos são apenas alguns dos exemplos que ocorreram. A partir deste contexto, surge a questão sobre qual é o alcance dos meios digitais na noção de cidadania, se realmente favorecem um processo de democratização e quais são as principais fortalezas e debilidades nas formas de participação que emergiram. 250

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Este texto, longe de dar uma resposta fechada, pretende ser uma reflexão aberta à luz das discussões levantadas pela literatura especializada no tema. Para isso, se propõe uma aproximação entre as diferentes interpretações, desde as mais otimistas até as mais receosas, com o objetivo de traçar um panorama complexo, ainda em transição, de um sistema midiático em que convivem distintas modalidades de comunicação.

2. Ativismo de chat ou ação coletiva digital? São vários tipos de ações políticas que, cada vez mais, têm sua origem na Internet ou que, pelo menos, se servem dela. Entre elas, podem ser destacadas: a) Aquelas que surgem e/ou utilizam a rede como um meio para promover campanhas e fazer chamadas para a ação. Mecanismos como change.org ou plataformas de crowdfunding tornaram-se ferramentas indispensáveis, que ​​ têm permitido tecer e fortalecer, como nunca antes, o que Kerk e Sikkink denominaram de “redes transnacionais de defesa” (1998). b) As de caráter deliberativo, que possibilitaram o surgimento de uma nova esfera pública de caráter digital, que convive com a esfera mais institucionalizada de meios de comunicação e atores políticos convencionais (PAPACHARISI, 2002; DAHLGREN, 2005; RESINA, 2010; DAHLBERG, 2011). Essa esfera, que tem se caracterizado como tudo aquilo que se discutide e debate nas redes sociais e outros sites da Internet (CHADWICK; HOWARD, 2009), tem um impacto crescente na opinião pública. c) As relacionadas com a modalidade de ação colectiva que tem seu correlato em manifestações de rua e que são próprias tanto de cidadãos independentes unidos por um interesse comum, como por movimentos sociais com o objetivo de promover uma política determinada ou realizar seu protesto. Estas ações são, sobretudo, úteis como meio de difusão de informação, assim como mecanismo de organização (CASTROMIL; RESINA, 2013). Um dos aspectos em que se tem colocado maior ênfase é o caráter do vínculo social que se estabelece com a Internet. Neste sentido, é pertinente recorrer à tese de Granovetter (1973) sobre o tipo de relações estabelecidas em redes digitais. Este autor destaca a força dos vínculos frágeis e as suas virtudes para gerar oportunidades individuais e alcançar a integração da comunidade, frente aos vínculos fortes que, em última instância, levariam à fragmentação total. 251

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Se se leva em conta que as relações estabelecidas em redes como o Twitter ou o Facebook são mais frágeis do que fortes (que, para além da família e amigos, são estabelecidas relações com pessoas que não se conhecem pessoalmente ou se conhecem de forma superficial) poderia-se, então, considerar os benefícios de um tipo de vínculo que faz dessa dita fragilidade uma fortaleza ao favorecer a organização. No entanto, esse otimismo não é compartilhado por todos os autores. Mario Diani (2000), especialista em movimentos sociais, limita as potencialidades e adverte sobre como nas redes digitais os cidadãos podem ocultar a sua verdadeira identidade, participar apenas de forma intermitente ou esporádica e não adquirir nenhum compromisso real. Quanto ao primeiro aspecto, Zizek (2011) explica como as redes criam (e recriam) “personagens virtuais” que não correspondem à realidade, uma vez que os cidadãos poderiam “jogar” com falsas imagens de si ou desencadear certos comportamentos que seriam impensáveis fora desse espaço. Sobre os outros traços, Gladwell (2010) critica como, ao contrário do ativismo clássico, as novas redes não permitem gerar verdadeiros vínculos de solidariedade, questionando o alcance dos protestos digitais, devido à ausência de riscos que estes acarretam. Segundo aponta, “o êxito do ativismo de Facebook não está em motivar as pessoas a fazer um sacrifício real, mas sim em motivá-los a fazer coisas que as pessoas fazem quando não estão motivadas o suficiente para fazer um verdadeiro sacrifício”. Junto com isso, ele aponta para outro problema, de natureza estratégica, de que as redes digitais, ao carecerem de uma estrutura hierárquica ou centro decisório, não seriam boas para a tomada de decisões, “como tomar decisões difíceis sobre táticas, estratégias ou direção filosófica quando todo o mundo tem o mesmo peso?”, ele pergunta. Para mais além, leva sua crítica Morozov (2009), que qualifica como slacktivism o ativismo próprio de uma geração preguiçosa, satisfeita com a participação online de escasso impacto político ou social, mas que gera a ilusão de lograr um alcance significativo sem maiores exigências que a de “unir-se a um grupo de Facebook”. Para o autor, esse sentimento terminaria por provocar um efeito adverso, já que muitos desses ativistas – satisfeitos por sua ação digital – prefereriam não continuar a sua ação fora da rede por medo de se verem envolvidos em atividades mais problemáticas que supusessem algum conflito com autoridades. Assim, o apoio simbólico impediria a passagem para um apoio mais significativo, o que poderia prejudicar os objetivos estratégicos de uma causa. 252

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Contrário a esta “hipótese de substituição”, Jones (2015) refuta através de uma pesquisa empírica a abordagem de Morozov e, como resultado dela, propõe uma “hipótese de reforço”, pela qual o ativismo online mais do que substituir as formas clássicas, serviria como um complemento. Nesse sentido, é provável que quem compartilha um vídeo sobre uma causa concreta queira obter mais informação e que, inclusive, termine atuando para além da rede, contribuindo para o êxito da causa. Em linha similar, Van Laer e Van Aelst (2009) propõem uma tipologia de novos repertórios de ação digital. Por um lado, estabelecem uma distinção entre as ações que são propriamente digitais e aquelas de repertórios clássicos que, apoiando-se na Internet, se vêem modificadas e/ou atualizadas. Por outro lado, eles diferenciam as táticas que implicam baixos índices de participação e aquelas que envolvem níveis elevados. Como resultado, eles projetam uma matriz com diferentes tipos ideais de ação que, de forma contínua, refletiria a natureza complementar da Internet em relação ao ativismo tradicional (veja-se a Figura 1). Figura 1: novo repertório Ação Digital Acción apoyada en Internet Umbral Alto Acción Violenta/ Destructión de la propiedad

Acción basada en Internet Hacktivism

Ocupación/Sentada

Sabotaje Cultural

Manifestación/Encuentro Transnacional Umbral Bajo

Manifestación legal Comportamientro consumidor

Protesta website/ medios alternativos Bombardeo por e-mail/ sentada virtual

Donación de dinero Petición on-line

Fonte: Van Laer e Van Aelst (2009).

No mesmo sentido, Zuckerman (2014) categoriza diversas formas de “civismo participativo” a partir de dois eixos (veja-se a Figura 2). Na horizontal, mede a intensidade do seu compromisso (fraco-forte), enquanto na vertical diferencia entre se se sua finalidade é instrumental (ou seja, busca alcançar um objetivo concreto, por exemplo, a aprovação de uma lei) ou tem caráter de “voz”, no 253

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sentido descrito por Hirschmann (1970). Uma matriz que, aplicada ao ativismo digital, oferece “algumas esperanças de que não estamos experimentando uma saída do civismo, mas uma mudança na forma de participação” (p. 15). Figura 2: Formas de “Participatory Cidadania” Voz

Débil

Fuerte

Instrumenal

Fonte: Zuckerman (2014)

A esse respeito, Zuckerman pontua a importância das ações de compromisso frágil como mudar a foto do perfil ou assinar uma petição, bem como aquelas cujo propósito é ser voz, permitindo chegar a outros públicos, para além dos ativistas mais comprometidos. No caso da voz, descreve como contribui para (a) que os cidadãos se identifiquem com uma causa e se preparem para dar outros passos; (b) engendrar novas vozes; (c) fixar uma agenda; e (d) se construam movimentos através da sincronização, “reunindo participantes de diferentes áreas em torno de uma narrativa comum”.

3. Ligando emoções: rumo a uma política de afetos online? O debate sobre o tipo de vínculo e ação coletiva que é gerado com ativismo digital reabre um tema de fundo, o papel das emoções na participação cidadã. Nesse sentido, Castells (2012) descreve movimentos sociais como movimentos emocionais e situa a gênese da ação coletiva na transformação da emoção em ação. 254

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Dentre as emoções e a partir das teorias da inteligência emocional, diferencia dois catalisadores principais: medo (com valência negativa) e entusiasmo (com valência positiva). Para que o segundo se realize é necessário superar o primeira, relacionado com a ansiedade. A chave para isso consiste em gerar outra emoção negativa, a raiva, o que ajuda a moldar a percepção de injustiça ante uma situação e a identificar os agentes responsáveis ​​por ela. O próximo passo é projetar um futuro diferente, uma capacidade humana relacionada com a esperança e ligada diretamente ao entusiasmo. Neste processo, a comunicação é o elemento fundamental, já que para que a “ativação emocional” seja possível é imprescindível que os indivíduos entrem em contato e compartilhem suas experiências para tomarem consciência de que não estão sozinhos. Segundo o autor, “para que um processo de comunicação funcione, existem dois requisitos: consonância cognitiva entre emissores e receptores de mensagens e um canal de comunicação eficaz” (p. 31). Castells parte desta abordagem para explicar o êxito do que tem sido denominado de “revoltas em rede”, mobilizações como as que têm acontecido nos últimos anos em vários países árabes, no sul da Europa ou mesmo em Wall Street, que se caracterizaram por constituirem redes “de indignação e esperança”, nas quais a Internet desempenhou um papel protagonista. Por um lado, as redes digitais constituíram um espaço de encontro de experiências similares, um recurso que tornou possível suscitar um sentimento de empatia. Por outro lado, possibilitaram a propagação tanto dos acontecimentos como das emoções que despertaram. Em sentido semelhante, Papacharissi (2015) analisa o papel proeminente que as emoções e afetos ocupam na mídia: “Existem inúmeras histórias sobre como os meios de comunicação servem como canais para a expressão afetiva em momentos históricos”. Uma característica que, no caso dos novos meios de comunicação, adquire especial importância, como “continuam, ampliam e corrigem a tradição de storytelling. Permitem a construção de significados desconhecidos, evocando reações afetivas” (p. 4). A autora destaca como as redes digitais têm a capacidade de “converter eventos em histórias” (p. 39), em boa parte graças à oportunidade de públicos antes marginalizados terem voz. Esta inclusão e a possibilidade de narração e reconstrução de eventos em tempo real permitem que muitas das pessoas que não se encontram no lugar do fato vivam como se estivessem ali. Além do mais, esta narrativa,

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ao não ser mediada por terceiros, permite a transmissão não só dos eventos como tal, mas também das emoções que se desdobram de sua vivência. Este processo promove, assim, o sentimento de empatia e a geração de experiências compartilhadas, incidindo na conformação de novos marcos discursivos e de um storytelling baseado no pluralismo subjetivo de uma variada gama de atores. A este respeito, Papacharissi (2015) destaca como mobilizações surgidas nos últimos anos tiveram como ponto comum a “demonstração pública de afeto” de todos os que participaram. Desta forma, as redes digitais permitiram a formação de verdadeiras redes públicas que foram mobilizadas e conectadas através de expressões de sentimento. Bennett e Segerberg (2012) vão mais longe e consideram que este tipo de comunicação supõe a substituição da ação coletiva por uma nova modalidade, que denominam ação conectiva. Uma ação que se caracteriza pela coprodução e codistribuição de informação, a partir de um processo de intercâmbio baseado na motivação de pessoas que compartilham conteúdos com outras pessoas, das quais se esperam um reconhecimento e que, por sua vez, compartilhem novos conteúdos. “O eixo da ação conectiva é elemento formador de “compartilhar”: a personalização que conduz ações e conteúdos que se distribuem amplamente através das redes sociais” (p. 760), afirmam. A ação conectiva resolveria, ademais, os problemas descritos por Olson para a ação coletiva, ao reduzir os custos de participação e evitar o surgimento do que este autor caracterizou como free-rider. Muito pelo contrário, essa ação teria um fundo bondoso, na linha da abordagem de Benkler (2006), pela qual a Internet favoreceria a cooperação e o trabalho colaborativo em favor do bem comum.

4. Deliberação em rede, uma miragem no ciberespaço? A relevância que adquirem as emoções nas redes digitais abre uma interrogação sobre o tipo de informação política que se produz e a qualidade do debate público gerado. A este respeito, algumas pessoas podem argumentar que um excessivo peso do componente emocional complicaria o acesso a uma informação que conte com um grau mínimo de objetividade, circunstância que também dificultaria um debate que, de alguma forma, privilegie o componente racional que a deliberação exige. Por outro lado, poderia defender-se – na linha descrita por Papacharissi – que os novos processos de comunicação favorecem uma construção mais plural 256

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dos distintos framing com os quais se enquadram os fatos. Em sentido semelhante, Castells (2010) destaca a autonomia que têm redes digitais, permitindo processos de “autocomunicação de massa” que tornam possíveis a comunicação de muitos para muitos sem necessidade de mediação. Este último aspecto põe no centro do debate o papel do jornalista e dos meios de comunicação como mediadores de informação. Conforme se expôs no início do presente artigo, sistemas políticos e midiáticos estão intimamente relacionados – o que acontece com um repercute no outro e vice-versa. Nesse sentido, a crise política que se vive na atualidade terminou por tornar-se também uma crise dos meios de comunicação, que passaram a ser vistos como parte responsável pela falta de legitimidade institucional. Neste contexto, Blumler e Coleman (2009) acreditam que as novas formas de comunicação são uma resposta a esta crise, já que as redes digitais constituem um novo fórum para discutir assuntos públicos. A crise política – garantem – é, sobretudo, uma crise de representação, uma espécie de ato de ventriloquia na qual os cidadãos são relegados a agentes passivos, produto de um modelo de comunicação unidirecional que os impede falar com sua própria voz. Com o advento da Internet, os políticos se veem obrigados a escutar os cidadãos, bem como os meios de comunicação não podem ignorar o que acontece nas redes. Para os autores, a emergência da esfera pública digital favorece um interesse renovado pela noção de cidadania, na medida em que fomenta “a sensação de ser levado em conta” dos próprios cidadãos (p. 25). Com um argumento semelhante, Dalton (2008) argumenta que o ciberespaço tem favorecido a inclusão dos jovens no debate político, ao prover novas formas de participação e expressão próprias. No entanto, esse otimismo pela ausência de mediação não é compartilhado por todos os autores. Bimber (1998) esclarece o alcance da Intenet e previne uma possível confusão do meio com a mensagem. Na sua opinião, as redes digitais favorecem a distribuição de poder midiático (antes concentrado em grandes corporações), mas nada impede que a nova distribuição continue a ser desigual. A priori, a Internet favorece o pluralismo, mas não necessariamente conduz a uma maior democratização. Enquanto isso, Sunstein (2016) alerta para os riscos de desinformação que podem originar-se em um mundo digital sem mediação, em que um mero boato pode desembocar, através de um efeito cascata, em uma verdade inexorável. Um resultado produto da tendência das pessoas a buscar informações que confirmem suas próprias crenças, ignorando aquelas outras que as contradigam. 257

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De acordo com esta lógica, Sunstein (2002, 2007) considera que a Internet pode conduzir a uma esfera pública fragmentada que, como salas separadas que ressoam o próprio eco, termine por constituir “grupos de polarização”. Com isso, o autor enfatiza que as redes digitais podem ter um efeito contrário ao ideal deliberativo, já que, igual ao que sucede com a busca de informação, as pessoas também tendem a deslocar-se para posições mais radicais, reforçando os preconceitos prévios. Outra das questões mais controversas sobre a qualidade do debate é o tipo de informação política que circula pela rede. Conforme apresentado em outro trabalho (GUEMES; RESINA, 2015), na corrida para captar a atenção dos Millennials, corre-se o risco de acabar caindo na banalização de questões complexas. Processos como o infotaiment e politaiment, que têm sua origem na espetacularização da linguagem televisiva, encontram um novo espaço Internet. A este respeito, surge a pergunta se ele não marcará uma tendência sem caminho de volta, em que se termine por perder uma boa oportunidade para enriquecer a discussão pública em detrimento das conversas triviais. Contrária a esta hipótese, pode-se apontar a “cute cat theory of digital activism” (a teoria do gato docinho sobre ativismo digital) de Zuckerman (2013), que enfatiza as virtudes políticas de sites, como blogs e redes sociais, destinados a fins mundanos. O argumento de fundo reside em que as pessoas comuns, mesmo sem estarem cientes disso, são um elemento fundamental para o protesto, ao funcionarem tanto como escudo para os ativistas como fator de pressão para governos e autoridades. Para o autor, o melhor que podem fazer os ativistas não é, portanto, criarem ferramentas específicas de ação, mas sim utilizarem essas plataformas para terem maior alcance e diluirem o controle.

5. Conclusões A Internet tem sido um terremoto na forma de se fazer política. Sem dúvidas, constitui um novo modelo de comunicação, mais autonômo e bidirecional, que emerge justamente num momento em que tanto o sistema político como o midiático atravessam uma situação de notória perda de legitimidade. Uma quebra que também pode ser interpretada como consequência do uso geral da Internet ou, pelo menos, como um efeito derivado de diversos fatores de transformações – econômicas, sociais, institucionais e culturais – potencializados pelas redes, aprofundando assim o fosso do descontentamento. 258

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É provável que as novas mobilizações que ocorreram nos últimos anos não possam ser consideradas exclusivamente como um produto digital. O desconforto estava latente e as redes exerceram um papel catalisador, tanto na difusão como na organização de atividades. Como Ingram (2011) aponta, o Twitter não faz por si só uma revolução, mas pode contribui para que esta seja feita. Talvez “híbrido” seja a noção que melhor descreva a situação atual. Os meios de comunicação persistem, mas têm de conviver e se adaptar aos tempos digitais. O mesmo ocorre com o político, pois já não se concebe um exercício da política sem contar com o digital. Isso acontece com as fontes de produção de notícias – não apenas os jornalistas, mas também os cidadãos que de forma direta o são – com os novos mecanismos de filtragem e transparência – claro exemplo é o Wikileaks, cuja informação foi publicada em vários cabeçalhos da mídia convencial –, com o casamento entre o “sério” e o ocioso – na linha das tendências apontadas no infotaiment e politaiment, pelo qual práticas como a gamification, os memes, as hashtags ou até o botão like (“curtir”) do Facebook tornaram-se instrumentos com potencial político –, ou com a tênue linha divisória que vai do racional ao emocional – a notícia como história com a qual empatizar. Embora, mesmo com as mudanças introduzidas com a Internet e a emergência de uma nova política, há um risco de se superestimar seus efeitos em termos de democratização. É verdade que em referência à democracia representativa foram conquistados importantes avanços que levaram os políticos a não poderem mais ignorar as demandas dos cidadãos ou, ao menos, terem que aparentar não fazê-lo. No âmbito da democracia direta foram gerados novos mecanismos de participação e no da democracia deliberativa foram criadas novas esferas onde mais pessoas opinam e compartilham suas opiniões. Mas essas mudanças não garantem que existam, por si só, uma maior democracia se não vão acompanhadas por uma reflexão de fundo sobre o que a própria democracia é em suas diversas vertentes (representantiva, direta, deliberativa). Nesse sentido, tampouco pode-se perder de vista outros fenômenos, surgidos dentro do proprio mundo digital, relativos à distribuição de recursos cognitivos e às assimetrias de poder, como o surgimento de novos líderes, os processos de personalização da política, a proliferação de bots em redes sociais ou, como assinala Morozov (2009), o rastro que deixa o uso de tais redes, o que poderia facilitar novas formas de controle e autoritarismo. Trata-se, portanto, de uma reflexão necessária sobre até onde vamos e que democracia queremos. Caso

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contrário, corremos o risco de que as mudanças acabem sendo uma nova forma de legitimação de um poder que não por ser digital será menos controlador.

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