Temas de Investigacao II PLNM trabalho 1 Helena Barrinha

September 18, 2017 | Autor: Helena Barrinha | Categoria: Teaching Portuguese as a second language
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- Cf. Humberto Fonseca, Vasco Santos e Aníbal Ferreira, (2002), "A audição – Princípio de funcionamento", in: http://telecom.inescn.pt/research/audio/cienciaviva/principio_aaudicao.html#janela_oval, (acedido em 4/4/2010).
- Idem, ibidem (nota 1).


2.º Curso de Pós-Graduação em Português Língua Não-Materna




Seminário: Fundamentos Cognitivos para a Compreensão e a Produção
de Linguagem Verbal

Docente: Professora Doutora Isabel Falé

Actividade II: Texto de Reflexão

TEMA: Produção e Percepção de Fala; Processamento e Compreensão de Fala


Tarefa: Trabalho Individual


Autora: Helena Teresa da Silva Barrinha




No que diz respeito à percepção do discurso, a experiência mostra-nos que, por exemplo, quando ouvimos um enunciado numa língua desconhecida, a sensação auditiva que experimentamos é a de estarmos perante um continuun sonoro onde é impossível distinguir as fronteiras das palavras. Só a aprendizagem dessa língua nos permite extrair unidades linguísticas, dessa sequência "abstracta" de sons, e determinar o seu significado. Este processo apresenta algumas analogias com aquisição da percepção do discurso na nossa língua materna, sem que disso tenhamos consciência imediata: no primeiro ano de vida, as crianças passam de um período pré-linguístico à percepção das cadeias sonoras que constituem a fala e, posteriormente, à atribuição de significado à sequência sonora apreendida (Sim-Sim, 1998: 78-100). Segundo Mitterer & Cutler (2006: 770), a nossa preocupação principal, quando ouvimos um determinado discurso, é determinar o significado do imput acústico que recebemos. No que diz respeito às línguas, esse imput acústico, constituído por sequências organizadas de palavras, resulta de uma combinação de, sensivelmente, trinta fonemas (Maddieson, 1984, apud Mitterer & Cutler, 2006: 770). Como funcionam os mecanismos neuro-fisiológicos que possibilitam a descodificação dos fonemas, do léxico e das estruturas sintácticas das línguas (L1, L2 ou outras) a que os falantes são expostos? Por outras palavras, como se processa a percepção do discurso? Estas têm sido algumas das questões centrais da psicolinguística.
O "equipamento" neuro-fisiológico, que nos permite descodificar um dado enunciado linguístico, é constituído pelo sistema auditivo e pelas zonas do cérebro associadas ao processamento da linguagem, no hemisfério esquerdo e lobo frontal. Os sinais acústicos, provocados pela agitação de partículas, são conduzidos pelo canal auditivo até à membrana do tímpano. Aqui, a vibração é amplificada pelo martelo e bigorna e transmitida à janela oval, à entrada da cóclea, pelo estribo. No interior da cóclea, a agitação hidrodinâmica permite às células ciliadas a identificação das frequências sonoras e a sua transformação em estímulos eléctricos que são transmitidos ao cérebro através do nervo auditivo. Segundo Fitch, Miller & Tallal (1997: 334-337), a transdução (transformação de um sinal de energia de determinada espécie num sinal de energia diferente) ocorre quando as vibrações sonoras passam da membrana do tímpano para a cóclea e, dentro desta, através da vibração das células ciliadas. Essa transdução excita o nervo auditivo que se projecta no núcleo da cóclea, originando as sinapses que são transmitidas às zonas do córtex cerebral onde se processa o reconhecimento da fala: áreas de Wernicke e Broca. Alguns estudos neurológicos e comportamentais em pessoas com lesões cerebrais e distúrbios da fala demonstraram que a área de Broca, associada, inicialmente, apenas, ao processamento da fala, é também activada na tarefa de percepção, bem como algumas zonas sub-corticais. A especialização de tarefas, nos centros de retransmissão auditiva, parece ser topograficamente organizada, em função da sensibilidade às variações de frequência e modulação (Schreiner & Langer, 1988, apud Ficht, Miller & Tallal, 1997: 337). No nervo auditivo, a informação temporal (duração do som) pode ser codificada em intervalos de milionésimo de segundo (Palmer, 1982, idem), enquanto no núcleo genicular médio ou no corte auditivo primário tudo indica que as respostas neuronais ocorrem no início de segmentos da mudança temporal (Schreiner & Langer, 1988, idem). Deste modo, um estímulo de origem mecânica (ondas sonoras), que começa por se propagar através do ar, é transformado num fluído, no ouvido interno e, posteriormente, em impulsos eléctricos que transportam a informação ao cérebro, que a descodifica. Mas a descrição deste processo neuro-fisiológico não é suficiente para explicar o modo como se processa essa descodificação dos significados contidos no estímulo auditivo que constitui o discurso.
Definido o discurso como um sinal acústico, composto por múltiplas co-ocorrências de frequências designadas por formantes, torna-se possível, pela análise dessas frequências, distinguir a especificidade dos sons vocálicos (combinações de frequências e estados temporalmente estáveis) e consonânticos (combinação de tempos iniciais variáveis e transições rápidas de frequências) que, alternando na cadeia sonora, formam as unidades significativas do enunciado (Ficht, Miller & Tallal, 1997: 332). Quando os falantes produzem um enunciado, os fonemas não surgem concatenados, uns a seguir aos outros, na cadeia discursiva. Hokett (1955: 210 apud Mitterer & Cutler, 2006: 771) estabeleceu uma analogia entre os sons da fala e uma série de ovos de Páscoa coloridos, num tapete rolante, que são esmagados por um cilindro, resultando daí uma mistura dos fragmentos de cada ovo com os fragmentos dos restantes. Assim, também na produção da cadeia discursiva, alguns traços articulatórios dos fonemas surgem misturados, num fenómeno que se designa por co-articulação: antecipação da produção de um fonema quando ainda está a ser produzido o anterior, através da inclusão de traços articulatórios desse fonema no precedente. Dito de outro modo, os testes utilizando o espectrógrafo revelam que as frequências típicas de um som consonântico, num determinado contexto, contêm já informação que indica, antecipadamente, a vogal que vem a seguir (Ficht, Miller & Tallal, 1997: 334). Este fenómeno, responsável pela variação dos traços articulatórios (ou coordenadas acústicas) dos fonemas utilizados, determina a complexidade da tarefa de mapeamento das propriedades acusticamente relevantes do discurso, no processo de elocução (Stevens & Blumstein, 1981, apud Miller, 1999 : 788). Além do contexto em que os fonemas surgem, na cadeia discursiva, também as particularidades fisiológicas dos falantes ou as variedades dialectais que estes utilizam contribuem para a ocorrência de variações nos traços articulatórios desses fonemas (Mitterer & Cutler, 2006: 772). Assim sendo, se os traços articulatórios dos fonemas se apresentam misturados e variam constantemente, como é que os ouvintes estabelecem os contrastes fonéticos que lhes permitem reconhecer aquela palavra específica, em vez de outra, num determinado discurso?
Por um lado, essa variância não impede que se possam detectar classes de fonemas, através de traços particulares relevantes, o que permite restringir as hipóteses. Tal é o caso das propriedades que permitem distinguir as vogais das consoantes e estas entre si: - as vogais correspondem às partes do sinal acústico que contêm as amplitudes máximas e a sua produção depende da vibração das cordas vocais; - as consoantes distinguem-se das vogais pela ausência desses traços e distinguem-se entre si através do ponto de articulação e da maior ou menor permeabilidade à passagem do ar (Mitterer & Cutler, 2006: 772 – 774). Por outro lado, o próprio contexto linguístico fornece pistas para que essa selecção se afigure plausível ou seja rejeitada, como agramatical, do ponto de vista sintáctico e semântico. Além disso, a percepção categorial dos falantes, entendida como uma característica da própria fala (idem: 774), também se desenvolve em função das aquisições lexicais que estes vão fazendo ao longo da vida. Dos vários modelos de reconhecimento da linguagem falada que têm sido produzidos pela investigação, a "Teoria da Ressonância Adaptativa" (idem: 780) parece descrever, de modo mais ou menos satisfatório, o que se passa. Esta teoria assume que o reconhecimento das categorias fonéticas depende do desenvolvimento de um ciclo de ressonância entre o nível (empírico) de representação da palavra e o das representações pré-lexicais armazenadas na memória de longo prazo: há um constante feed-back, desde a palavra ouvida até à sua representação abstracta, que activa as unidades fonéticas correspondentes que, por sua vez, activam as unidades lexicais. Em todo o caso, o reconhecimento das palavras não se faz sem um certo grau de incerteza, pois este implica a activação de vários nódulos lexicais candidatos ao mesmo contexto empírico. (idem, ibidem). Assim, compreender um discurso falado é decidir sobre a escolha imediata deste ou daquele fonema, desta ou daquela palavra, bem como das suas possibilidades combinatórias, para que o continuum sonoro apreendido faça sentido.
Mas isso também não é suficiente para explicar o que se passa com estudantes tardios (pós adolescência) de uma língua não materna. Por exemplo, ao comparar a aquisição / aprendizagem da flexão de número em nomes, do alemão, por crianças falantes nativas e aprendizes adultos dessa língua, Parodie et alii (2004), (apud Felser & Classen, 2009: 306-310), descobriu que, na aquisição da língua materna, o reconhecimento das marcas de plural surge cedo, para todos os contextos em que estas ocorrem. Em contraste, nos aprendizes tardios de L2, embora o seu nível de proficiência tenha feito variar os resultados, muito poucos conseguiram estabelecer concordâncias de número dentro do SN, o que indicia a existência de condicionantes neuro-fisiológicas, nos aprendizes tardios de L2, que dificultam a aquisição da flexão morfológica. Outros estudos, levados a cabo por Clahsen et alii (2007), Hahne et alii (2006) e Lück et alii (2006), (apud Felser & Classen, 2009: 308) através da electroencefalografia, revelaram a ocorrência de efeitos ERP (potencial relacionado a evento) durante a exposição dos participantes a estímulos sonoros contendo flexões de número correctas e incorrectas. Os resultados mostraram uma variação pouco significativa, na activação das zonas cerebrais associadas à percepção do discurso, entre crianças falantes nativas e aprendizes tardios de L2. Por comparação com adultos monolingues, concluiu-se que as crianças falantes de L1 e aprendizes tardios de L2 são mais lentos no processamento da língua – alvo do que os falantes monolingues adultos, o que pode ter origem num início mais tardio dos efeitos ERP para os aprendizes tardios de L2 (idem: 316). Se é verdade que, quanto maior for a experiência linguística e performance dos falantes, maior será a sua capacidade de percepção categorial e mais acertada a selecção dos fonemas e palavras disponíveis para um determinado contexto discursivo, tudo indica que isso se verifica, apenas, para a percepção do discurso produzido na língua materna.

BIBLIOGRAFIA
. Felser, Claudia & Harald Clansen, (2009), "Grammatical Processing of Spoken Language in Child and Adult Language Learners, Journal of Psycholinguistic Resarch, nº 38, pp. 305-319, Springer Science+Business Media, LLC, in: http://www.moodle.univ-ab.pt/moodle/mod/resource/view.php?id=221913, (acedido em 25/3/2010).

. Fitch, R. Holly, Steve Miller & Paula Tallal, (1997),"Neurobiology of Speech Perception", Annu. Rev. Neuroscience, nº 20, pp. 331-353, in: http://www.moodle.univ-ab.pt/moodle/mod/resource/view.php?id=221912, (acedido em 23/3/2010).

. Fonseca, Humberto, Vasco Santos & Aníbal Ferreira, (2002), "A audição – Princípio de funcionamento", in: http://telecom.inescn.pt/research/audio/cienciaviva/principio_aaudicao.html#janela_oval, (acedido em 4/4/2010).

. Miller, J. "Speech Perception", (1999), Wilson, R. & F. Keil (eds.), (1999), The MIT Encyclopedia of the Cognitive Sciences, MIT Press, pp.787-790, in: http://www.moodle.univ-ab.pt/moodle/mod/resource/view.php?id=221910, (acedido em 20/3/2010).

. Mitterer, H. & A. Cutler (2006), "Speech Perception", in: The Encyclopedia of Language and Linguistics, 2nd edition, Elsevier, pp.770-782, in: http://www.moodle.univ-ab.pt/moodle/mod/resource/view.php?id=221911, (acedido em 24/3/2002).




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