TEMAS DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO BRASILEIRO E SUAS ARTICULAÇÕES COM O MATO GROSSO DO SUL

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TEMAS DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO BRASILEIRO E SUAS ARTICULAÇÕES COM O MATO GROSSO DO SUL Lisandra Pereira Lamoso ORGANIZADORA

Conselho Editorial Ligia Maria Silva Melo de Casimiro: Mestre em Direito do Estado pela PUC/SP. Professora da Faculdade Paraíso – FAP, em Juazeiro do Norte-CE, de graduação e pós graduação. Professora substituta da Universidade Regional do Cariri – URCA, professora colaboradora do Instituto Romeu Felipe Bacellar desde 2006, em Curitiba/PR.

Ana Claudia Santano: Doutora e Mestre em Ciências Jurídicas e Políticas pela Universidad de Salamanca, Espanha. Pós-doutoranda em Direito Público Econômico pela PUC/PR. Professora de diversos cursos de pós-graduação no Brasil e exterior. Emerson Gabardo: Professor de Direito Administrativo da Universidade Federal do Paraná. Professor de Direito Econômico da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Pós-doutor em Direito Público Comparado pela Fordham University.

Luiz Fernando Casagrande Pereira: Doutor e Mestre em Direito pela UFPR. Coordenador da pósgraduação em Direito Eleitoral da Universidade Positivo. Autor de livros e artigos de processo civil e direito eleitoral.

Fernando Gama de Miranda Netto: Doutor em Direito pela UGF/RJ. Professor Adjunto de Direito Processual da Universidade Federal Fluminense e membro do corpo permanente do Programa de Mestrado e Doutorado em Sociologia e Direito (UFF).

Rafael Santos de Oliveira: Doutor em Direito pela UFSC. Mestre e Graduado em Direito pela UFSM. Professor na graduação e pós-graduação em Direito da UFSM. Coordenador do Curso de Direito da UFSM. Editor da Revista Direitos Emergentes na Sociedade Global e da Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM.

Temas de desenvolvimento econômico brasileiro e T278 suas articulações com o Mato Grosso do Sul / organização de Lisandra Pereira Lamoso – Curitiba: Ithala, 2016. 324p.; 22,5 cm ISBN 978-85-5544-XXX-X 1. Desenvolvimento econômico – Brasil. 2. Mato Grosso do Sul – Desenvolvimento econômico. I. Lamoso, Lisandra Pereira (org.). CDD 330 (22.ed) CDU 33

Editora Íthala Ltda. Rua Aureliano Azevedo da Silveira, 49 Bairro São João 82030-040 – Curitiba – PR Fone: +55 (41) 3093-5252 Fax: +55 (41) 3093-5257 http://www.ithala.com.br E-mail: [email protected]

Capa: Duilio David Scrok Projeto Gráfico e Diagramação: Duilio David Scrok Revisão: Vera Lucia Barbosa

Informamos que é de inteira responsabilidade da autora a emissão de conceitos publicados na obra. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização da Editora Íthala. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei nº 9.610/98 e punido pelo art. 184 do Código Penal.

Lisandra Pereira Lamoso ORGANIZADORA

TEMAS DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO BRASILEIRO E SUAS ARTICULAÇÕES COM O MATO GROSSO DO SUL

EDITORA ÍTHALA CURITIBA – 2016

AUTORES LISANDRA PEREIRA LAMOSO (ORGANIZADORA) Licenciada e Bacharel em Geografia pela Unesp de Presidente Prudente (1990), Mestre em Geografia pela mesma instituição (1994) e Doutora em Geografia (Geografia Humana) pela Universidade de São Paulo (2001). É Professora na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), com atuação nos cursos de Graduação em Geografia, bacharelado em Relações Internacionais e no Programa de Pós-graduação em Geografia. Líder do Grupo de Estudos Sócio-econômico-ambiental de Mato Grosso do Sul. Realizou estágio de pós-doutoramento no Programa de Pós-graduação do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em 2009. Bolsista de Produtividade em Pesquisa II do CNPq. E-mail: [email protected]

ALESSANDRA DOS SANTOS JULIO Mestre em geografia pela mesma instituição. Doutoranda em Geografia no Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Estágio sanduíche na Université de Montréal (Montréal, Canadá) em 2015. E-mail: [email protected]

CAIO CÉZAR PEDROLLO MACHADO Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (2011). Advogado, professor em cursos de nível técnico e conselheiro administrativo da INTERI Empresa Júnior de Relações Internacionais da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Graduando em Relações Internacionais e Especialista em Gestão Pública na mesma Universidade. E-mail: [email protected]

CARLOS JOSÉ ESPÍNDOLA Doutorado em Geografia (Geografia Humana) pela Universidade de São Paulo (2002). Pós doutorado na Universidade Autônoma de Barcelona (2010). É professor na Universidade Federal de Santa Catarina, onde atua na graduação e pós-graduação em Geografia. Bolsista de Produtividade em Pesquisa II do CNPq. E-mail: [email protected]

CARLOS MARTINS JR. Doutorado em História Social pela Universidade de São Paulo (USP), pós doutorado pela mesma instituição. Atua nos Programas de Pós Graduação em História da Universidade Federal da Grande Dourados e em Estudos Fronteiriços da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, onde é professor do quadro permanente. E-mail: [email protected]

CRISTOVÃO HENRIQUE RIBEIRO DA SILVA Graduado e Mestre em Geografia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – Campus de Três Lagoas (UFMS). Doutorando em Geografia pela Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD (2013). Professor Auxiliar no curso de Geografia (UFMS/CPTL). E-mail: [email protected]

DORES CRISTINA GRECHI Doutorado em Economia do Desenvolvimento Regional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS (2011). Docente na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), nos cursos de graduação e Pós-Graduação em Turismo, no mestrado em Desenvolvimento Regional e Sistemas Produtivos e na especialização em Gestão Pública, modalidade EAD. E-mail: [email protected]

ELIANA LAMBERTI Doutora em Economia do Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Docente na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul. E-mail: [email protected]

HERMES MOREIRA JR. Doutor em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação “San Tiago Dantas” – UNESP/PUC/UNICAMP.Professor Adjunto do Curso de Relações Internacionais da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Foi Chefe do Escritório de Assuntos Internacionais e Pró-Reitor de Assuntos Comunitários e Estudantis da UFGD, na gestão 2011-2015. E-mail: [email protected]

JOSÉ GILBERTO DE SOUZA Doutorado em Geografia Humana (1999) pela FFLCH da Universidade de São Paulo. Livre Docência (2008) pela Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias FCAV-UNESP Câmpus de Jaboticabal. Pós-Doutorado na Universidad de Salamanca (2010-2011). Professor Adjunto do Departamento de Geografia e do Programa de Pós-Graduação em Geografia do Instituto de Geociências e Ciências Exatas (IGCE) – Unesp – Câmpus Rio Claro. Bolsista de Produtividade em Pesquisa II do CNPq. E-mail: [email protected]

MÁRCIO AUGUSTO SCHERMA Doutorado em Relações Internacionais pelo Programa “San Tiago Dantas” (Unesp, Unicamp e PUC-SP). Professor adjunto do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). E-mail: [email protected].

MÁRCIO ROGÉRIO SILVEIRA Doutor em Geografia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), Campus de Presidente Prudente/SP. Professor Adjunto do Departamento de Geociências da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e do Programas de Pós-Graduação em Geografia da mesma instituição. É líder do Grupo de Estudos em Desenvolvimento Regional e Infraestruturas (GEDRI) Bolsista de Produtividade em Pesquisa II do CNPq. E-mail: [email protected]

THAYNÁ NOGUEIRA GOMES Licenciada em Geografia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – Campus de Três Lagoas (UFMS). Mestranda em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da mesma instituição. E-mail: [email protected]

TITO CARLOS MACHADO DE OLIVEIRA Doutorado em Geografia (Geografia Humana) pela FFLCH da Universidade de São Paulo (1994). professor Titular (aposentado) da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, atuando no Mestrado em Estudos Fronteiriços (MEF/CPAN/UFMS) e no Mestrado em Geografia (CPTL/UFMS). E-mail:[email protected]

VITOR HÉLIO PEREIRA DE SOUZA Mestre (2013) pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual Paulista UNESP/FCT, Campus de Presidente Prudente com estágio de Mestrado Sanduíche na Universidad de Buenos Aires (UBA). Doutorando (2014-2018) do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) com estágio de Doutorado Sanduíche na Universitat Autònoma de Barcelona (UAB). E-mail: [email protected]

APRESENTAÇÃO Um sentimento misto de missão cumprida e ansiedade marca a apresentação desta coletânea, por nós intitulada de “Temas do desenvolvimento econômico brasileiro e suas articulações com o Mato Grosso do Sul”. A missão cumprida é o segundo momento de comemoração na trajetória do fazer pesquisa. O primeiro é quando temos o projeto contemplado pelos órgãos de fomento. Entre início e fim, a trajetória é árdua e poderia ser mais prazerosa se as dificuldades impostas ao modelo vigente de desenvolvimento dos trabalhos de investigação e reflexão fossem diferentes, estivessem melhor pavimentados. Mas a trilha longa e tortuosa serve, também, para valorizar os resultados obtidos. A pesquisa que, ora, é apresentada teve início no ano de 2011, contou com auxílio financeiro do CNPq (Chamada: Universal 14/2012 – Faixa C) e da Fundect por meio do Edital Chamada FUNDECT/CNPq nº 06/2011, envolvendo 23 pesquisadores entre coordenadores, pós-graduandos e os auxiliares de pesquisa, bolsistas de Iniciação Científica, de Mestrado e de Doutorado. Além das atividades típicas dos procedimentos metodológicos, a equipe interagiu com a comunidade externa por meio de atividades de extensão, na forma de evento acadêmico (Semana Acadêmica de Relações Internacionais e Encontro Científico, realizado na Faculdade de Direito e Relações Internacionais da Universidade Federal da Grande Dourados), bancas de defesa de trabalhos de conclusão de curso, monografias de bacharelado, mestrado e doutorado, além de um workshop, com a participação de pesquisadores convidados. Os resultados que ora divulgamos, na forma de livro, são apenas uma parte do que acumulamos durante o período de três anos de intensos trabalhos. Outras discussões já foram apresentadas em eventos e publicadas em periódicos de Geografia, Relações Internacionais, Economia e áreas afins.

Neste livro, organizamos a discussão de forma a iniciar com questões de ordem macro, que contextualizam a condição do Mato Grosso do Sul e sua inserção internacional. O texto que abre o volume é de Carlos José Espíndola, que pesquisa, orienta (e milita) na temática há mais de vinte anos. Apresenta o texto “A dinâmica geoeconômica do agronegócio brasileiro de carnes e soja” repleto de informações e dados estatísticos para problematizar as afirmações simplistas de que o aumento das exportações do agronegócio brasileiro se deve à expansão da demanda chinesa. Essa afirmação é questionada pela apresentação que Espíndola faz do processo de desenvolvimento da agropecuária brasileira, com esforços privados e públicos (agências de pesquisa, notadamente a participação da Embrapa) que resultaram na “introdução de inovações nos processos de melhoramento genético, alimentação, sanidade, novos sistemas de criação, novos sistemas de abates, novos produtos.” Pesquisadores do Mato Grosso do Sul podem aproveitar as informações sobre as características do mercado de aves e suínos, que constitui uma atividade expressiva do agronegócio regional, além do complexo soja . Carlos Espíndola e José Gilberto de Souza foram os pesquisadores convidados para o colóquio do grupo de pesquisa e permaneceram, durante três dias, em intensos debates com membros da equipe e demais interessados. É de Gilberto, o segundo texto, “Local-global: território, finanças e acumulação na agricultura”, cujo início explora uma discussão sobre a questão da escala na relação entre os espaços, local e global, e discute a (um tanto polêmica) proposta de David Harvey que distingue a lógica territorial e a lógica do capital. Souza defende que as determinações territoriais progressivas do capital são, simultaneamente, “determinações progressivas da acumulação e se processam mediadas pelo Estado”. Segue com suas reflexões e citações a Chesnais, para desembocar na interrogação: “Capital produtivo e capital financeiro na agricultura: unidade do local-global?”. Trata-se de um texto denso na discussão teórico-metodológica que, à medida que apresenta os autores, dialoga e também se contrapõe a eles.

Na sequência, temos outras duas discussões que também respondem aos objetivos específicos do projeto: a preocupação com a integração regional e a conjuntura econômica nacional. A integração regional é discutida por Márcio Rogério Silveira e Vitor Hélio Pereira de Souza, que relacionam a Iniciativa de Integração Regional Sul-americana ao tema da fluidez, no texto “A IIRSA/COSIPLAN e suas implicações na fluidez do território brasileiro”, apresentando informações atualizadas sobre o projeto de escala regional e, ao mesmo tempo, situando o Mato Grosso do Sul no âmbito dos investimentos em infraestrutura incluídos nas obras do COSIPLAN. É central a reflexão sobre as implicações dos investimentos em áreas selecionadas e a secundarização das que apresentam menor interesse ao capital corporativo, retomando a necessária discussão sobre as assimetrias regionais. A conjuntura nacional comparece com o recorte da política industrial no texto de Caio Cézar Pedrollo Machado e Hermes Moreira Jr. que se envolvem em outro desafio no texto “Desenvolvimento econômico no Brasil contemporâneo: política industrial e inserção internacional nos governos FHC e Lula”. Compreender as diferenças e os continuísmos entre dois governos de oitos cada um, continua mobilizando o debate intelectual, que é concluído, pelos autores, com a constatação de que “apesar de diferenças entre os governos na tentativa de promover a indústria nacional e um novo modelo de desenvolvimento, o país não conseguiu, de maneira efetiva, transformar sua pauta exportadora”. A política industrial continua como tema relevante para um estado que é conhecido pelo seu agronegócio, no texto de Cristovão Henrique Ribeiro da Silva e Thayná Nogueira Gomes, “Apontamentos sobre a política de incentivos fiscais e a industrialização de Mato Grosso do Sul”. A ênfase na industrialização é coerente com a linha desenvolvida no projeto, que confere à indústria um papel protagonista no processo de desenvolvimento econômico, em claro viés desenvolvimentista. O mérito do texto está, entre outros, na cartografia de quatro setores expressivos da economia estadual, os alimentícios carnes e laticínios, setor têxtil e de biocombustível. Os mapas apresentam dados atualizados

originais, por municípios, que permitem perceber a expansão de unidades industriais em uma época de reprimarização da pauta exportadora na escala nacional. Márcio Rogério Silveira e Alessandra dos Santos Julio trazem a experiência acumulada no grupo de pesquisa Gedri (Grupo de Estudos sobre Desenvolvimento Regional e Infraestrutura) para discutir o sistema ferroviário no texto “O sistema ferroviário para além do mercado externo: proposições à realidade brasileira e sul-mato-grossense”. Há, como manda a construção de bons argumentos, farto conjunto de informações sobre o transporte ferroviário de carga, com detalhes para o estado de Mato Grosso do Sul, desde a primeira concessão da Ferrovia Novoeste até a presença da Rumo Logística (Cosan e América Latina Logística), em um necessário debate sobre o atendimento das demandas corporativas e a da intervenção, cada vez mais necessária, do Estado no setor. Tito Carlos Machado de Oliveira e Carlos Martins Jr. fazem algo inovador, no texto “Estabilidade e articulação dos municípios do Mato Grosso do Sul – proposições para uma sugestão metodológica”, resultado da junção de um geógrafo e um historiador. Para a construção da síntese apresentada na Tabela 4, que apresenta classificações de estável, inconstante e instável para o conjunto dos municípios do estado, muita reflexão foi acumulada e, certamente, instigará os pesquisadores de geografia e história regional, a um novo olhar sobre a divisão político administrativa estadual pois, a ideia dos autores foi propor uma metodologia que compreendesse os municípios em sua estrutura interna (dinâmica administrativa, com destaque para os componentes socioespaciais) e externa, com base na circulação de mercadorias nas dimensões regional, nacional e internacional. Márcio Augusto Scherma também se dedica ao Mato Grosso do Sul, no capítulo “As relações comerciais recentes do estado de Mato Grosso do Sul com o Paraguai”. A análise parte de reflexões sobre a política externa do Governo Lula e detalha as características da economia paraguaia, sua relação com a balança comercial brasileira, com especial

destaque para a relação de comércio do país com o Mato Grosso do Sul. Scherma confirma com dados que “quanto mais avança o modelo baseado na exportação de commodities, é proporcionalmente menor o papel do Paraguai como comprador de produtos sul-mato-grossenses”, embora considere a possibilidade de incremento do comércio com o país vizinho. Dores Cristina Grechi e Eliana Lamberti finalizam a coletânea com a discussão sobre o “O ambiente institucional da economia paraguaia”, com análise da proposta institucionalista de Douglas North, um suporte pouco usual nas pesquisas de Geografia, o que, por si, justifica atenta leitura. Com as lentes de seu referencial teórico, o texto detalha as características do Paraguai, reflete sobre o seu significado para o processo de integração regional e reafirma a necessidade de uma reforma institucional que possa encaminhar o modelo para o desenvolvimento industrial e afastar-se da triangulação e do forte protagonismo que ainda exercem as vantagens comparativas naturais. Não é possível finalizar esta apresentação sem fraternos agradecimentos aos amigos e demais profissionais que participaram desse processo. Ao colega Charlei Aparecido Silva, pela valiosa ajuda com nossos mapas, já o isentando da responsabilidade por nossas imperfeições. Foi mesmo valiosa, sua participação como membro da equipe. Ao Carlos Espíndola, por ter atendido pedido para participar do colóquio do grupo de pesquisa, compartilhando conosco sua vasta experiência e empolgação. Gilberto , cuja colaboração está além de sua participação no colóquio e na contribuição escrita e extrapola para os diálogos que manteve com os alunos da pós-graduação em Geografia da UFGD. Registro, também, a parceria importante que tenho com Márcio Rogério Silveira, desde o ano de 2003, com nossa atividade no Grupo de Estudos em Desenvolvimento Regional e Infraestruturas (GEDRI), que ele coordena e que tem sido berçário de alunos produtivos e comprometidos com a discussão teórica e com o trabalho de campo. Estão nessa

coletânea apenas dois deles, Vitor Hélio e Alessandra Júlio , doutorandos que acompanho desde seu início como orientandos de Iniciação Científica do professor Márcio, ainda na Unesp de Ourinhos. Têm origem no Gedri, também outros três membros da equipe deste projeto, os pesquisadores Nelson Fernandes Felipe Junior, Rodrigo Giraldi Cocco e Altair Aparecido de Oliveira Filho. Eliana Lamberti, economista, colega docente na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, sempre disposta a contribuir também é parceira de longa data. Agradeço, também, ao colega Tito Carlos, com quem aprendo sobre Mato Grosso do Sul em cada encontro, desde nossa convivência profissional na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Da UFMS, Campus do Pantanal, a participação de Marco Aurélio Machado de Oliveira e Edgar Aparecido Costa, pelos inúmeros e-mails que trocamos, pelos convites aceitos sempre apesar de muito trabalho em pauta. Para encerrar a lista, foi imprescindível contar com a colaboração dos colegas docentes da Faculdade de Direito e Relações Internacionais da UFGD, onde atuo também como docente no Bacharelado de Relações Internacionais. São membros do projeto, companheiros dos eventos e orientações, com os quais nutro relação de amizade e profundo respeito profissional, os professores Alfa Oumar Diallo, Mário Sá, Hermes Moreira Junior, Tomaz Espósito Neto, Henrique Sartori de Almeida Prado, Matheus de Carvalho Hernandes e João Urt, que participaram da equipe inicial deste projeto e Márcio Augusto Scherma, que ingressou posteriormente. Os auxiliares de pesquisa, alguns com bolsas de Iniciação Científica, outros, na categoria de orientandos de Pós-graduação ou Trabalho de Conclusão de Curso, estão representados por Ucleber Gomes Costa, Germano Kawey Ferracin Hamada, Rosana Keiko Dokko, Felipe Bastos Maranexi, Gabriel Narciso Pareja, Gustavo Pinheiro da Silva Amorim, Kaully Furiama Santos, Larissa Sangalli e Rafael Gonçalves Alexandre.

Finalizo com um obrigado muito especial aos dois “plantonistas” do meu grupo de pesquisa, Fábio Lima e Cristóvão Henrique Ribeiro da Silva. A eles, recorro nos momentos de apuro, para as tarefas operacionais, burocráticas, cartográficas e logísticas. Apresentações e agradecimentos feitos, à parte da “ansiedade”, ficam por conta das discussões futuras. Críticas serão bem vindas e pelo diálogo, espero que a obra possa estimular pesquisadores e interessados em geral. Lisandra Pereira Lamoso

Sumário A DINÂMICA GEOECONÔMICA DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO DE CARNES E SOJA......................................................... 19 Carlos José Espíndola LOCAL-GLOBAL: TERRITÓRIO, FINANÇAS E ACUMULAÇÃO NA AGRICULTURA.................................................. 55 José Gilberto de Souza A IIRSA/COSIPLAN E SUAS IMPLICAÇÕES NA FLUIDEZ DO TERRITÓRIO BRASILEIRO.......................................... 97 Márcio Rogério Silveira Vitor Hélio Pereira de Souza DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO: ............................................................................ 133 Caio Cézar Pedrollo Machado Hermes Moreira Jr. APONTAMENTOS SOBRE A POLÍTICA DE INCENTIVOS FISCAIS E A INDUSTRIALIZAÇÃO DE MATO GROSSO DO SUL................................................................. 159 Cristovão Henrique Ribeiro da Silva* Thayná Nogueira Gomes** A INTEGRAÇÃO FERROVIÁRIA NACIONAL E O DESENVOLVIMENTO DOS MERCADOS INTERNO E EXTERNO:..............................................................................................191 Márcio Rogério Silveira Alessandra dos Santos Julio

ESTABILIDADE E ARTICULAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DO MATO GROSSO DO SUL: .............................................................. 233 Tito Carlos Machado de Oliveira Carlos Martins Jr AS RELAÇÕES COMERCIAIS RECENTES DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL COM O PARAGUAI........................... 265 Márcio Augusto Scherma O AMBIENTE INSTITUCIONAL DA ECONOMIA PARAGUAIA............................................................................................. 285 Dores Cristina Grechi Eliana Lamberti

A DINÂMICA GEOECONÔMICA DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO DE CARNES E SOJA Carlos José Espíndola1

1.

INTRODUÇÃO

O agronegócio brasileiro desempenha um importante papel na economia nacional e na internacional2. Gerou 37% do total de empregos do Brasil, ocupou 30% das terras brasileiras, em 2014 participou do Produto Interno Bruto Brasileiro (PIB) do país, com um valor bruto de 1 Professor do Departamento de Geociências e do Programa de pós-graduação em Geografia da UFSC. 2 O processo modernizador da agricultura brasileira forjou o surgimento de vários tipos de agronegócio. Assim sendo, o agronegócio é entendido “como a cadeia produtiva que envolve desde a fabricação de insumos, passando pela produção nos estabelecimentos agropecuários, pela transformação e o seu consumo final. Essa cadeia incorpora todos os serviços de apoio: da pesquisa e assistência técnica, do processamento, transporte e comercialização, crédito, exportação, serviços portuários, distribuidores, bolsas e o consumidor final” (CONTINI et al., 2006, p. 6). Nessa perspectiva, incluem-se os tipos de agronegócio em escala que se dedicam à produção de fibras, grãos e carnes e os pequenos, dedicados à produção de frutas, olerícolas e produtos que exigem o primado da qualidade (GONÇALVES, 2004). Partindo do pressuposto de que o conteúdo material da riqueza é composto pela produção de mais-valia e o excedente gerado (quer seja capitalista ou não), faz-se necessário romper com a leitura da reprodução simples do capital, lastreada na sequência de produção de mercadorias (M) para transformar em dinheiro (D) e permitir a obtenção de mais mercadoria (M’). Segundo Gonçalves (2005, p. 8), essa reprodução M-D-M’ consiste no processo da situação da agricultura do final do século XIX. No atual estágio de desenvolvimento capitalista, a lógica de reprodução é lastreada na operação capitalista de aplicar dinheiro (D) na produção de mercadorias (M) com objetivo de obter mais dinheiro (D’). Soma-se, ainda a essa lógica, o papel determinante do capital financeiro e o capital fictício (títulos, derivativos, securitização, ações etc.). A respeito da diferença entre o capital financeiro e o capital fictício, ver Marx (1983).

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produção de R$ 430 bilhões. Desse total, 66,5% referem-se a lavouras e 33,5%, à produção pecuária. Em 2014, o agronegócio gerou uma renda de R$ 1,1 trilhão, o que representa 22,5% do PIB brasileiro. Nas exportações, o agronegócio alcançou a cifra de US$ 96,7 bilhões e um saldo na balança comercial de US$ 80,1 bilhões (BRASIL, 2015). Fruto do intenso processo de modernização da agricultura brasileira, iniciado pós 1960, o agronegócio brasileiro foi capaz de ampliar, nos últimos 20 anos, a área plantada de grãos em 37% e aumentar a produção em 176%. Somente a produção de soja cresceu de 1,5 milhões de toneladas, em 1970, para 86,3 milhões, em 2014. A elevada produção de grãos de soja foi acompanhada pelo crescimento da produção de carnes bovinas, que pulou de 1,8 milhões de toneladas, em 1970, para 10 milhões, em 2014. Esse crescimento foi verificado também na produção de carne suína e frango. No agronegócio de carne suína, a produção passou de 0,7 milhões para 3,4 milhões de toneladas, e a produção de frango cresceu de 200 mil para 12,75 milhões de toneladas, no mesmo período (USDA, 2015). Esse dinamismo foi capaz de atender às demandas internas e externas. O consumo interno per capita, de carne, cresceu de 30,4 kg/hab./ano, em 1970, para 100 kg/hab./ano, em 2011. No mercado externo, os agronegócios de carnes e grãos transformaram o Brasil em um dos players do mercado mundial de alimentos. Entre 2000 e 2014, enquanto as exportações de carne suína cresceram de 162 mil toneladas, em 2000, para 556 mil, em 2014, as exportações de carne bovina cresceram de 356 mil toneladas para 1,5 milhões, contra um aumento de 916 mil para 3,9 milhões de toneladas de carne de frango. Já as exportações de soja cresceram de 28 milhões de toneladas, em 2001, para 48 milhões, em 2014. Assim sendo, o Brasil detêm 33,38% do total das exportações mundiais de carne de frango, 19,9%, de carne bovina, 40%, de soja em grãos, 8%, de farelo de soja, 19%, de óleo de soja e 8,1%, de carne suína (USDA, 2015). Esses produtos do agronegócio são considerados como commodities (brutas e/ ou processadas) que tiveram, conforme a bibliografia consultada (APEX, 2012; AEB, 2012), seu dinamismo exportador associado à elevação da de20 ••• Carlos José Espíndola

manda internacional (China) e a elevação dos preços. Sem negar por completo essas premissas, procurar-se-á, neste texto, identificar as múltiplas determinações responsáveis pela dinâmica recente dos agronegócios de carnes e soja no território brasileiro e a sua consolidação no mercado internacional3. Dentre elas, destaca-se que, nos últimos anos, os diferentes tipos de agronegócio passaram por uma radical mudança técnica com a introdução de inovações em processos e produtos a jusante e a montante das cadeias produtivas4. Para a elaboração deste artigo, optou-se pelo método exploratório-analítico. A abordagem exploratória adota a busca de informações a respeito de certo assunto e envolve o levantamento bibliográfico e documental (GIL, 1994). Foram feitas análises de diferentes artigos, livros e teses, entre outros, visando avaliar e situar a bibliografia em relação à temática exposta. Operacionalmente, trabalhou-se com as fontes primárias e secundárias de modo contextualizado. Buscou-se, ainda, informações e dados em anuários estatísticos do Banco Central, relatórios do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), informações do AGROSTAT, levantamentos estatísticos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), estudos setoriais do Banco Nacional 3 As “múltiplas determinações” ampliam as possibilidades da análise, pois a realidade é fruto da relação dialética entre os aspectos naturais e humanos. Essas relações são estabelecidas em múltiplas escalas (mundial, nacional, regional e local), e permitem compreender um determinado objeto de estudo num universo mais amplo. As “múltiplas determinações” de Marx aproximam-se das combinações geográficas de Cholley (1964), conforme demonstrou Mamigonian (1996). As combinações geográficas “podem ser divididas em três grandes categorias: as que resultam, unicamente, da convergência de fatores físicos; aquelas, já mais complexas, que são, a um tempo, de ordem física e de ordem biológica; e as mais complicadas e, por isso mesmo, mais interessantes, que resultam da interferência conjunta dos elementos físicos, dos elementos biológicos e dos elementos humanos” (CHOLLEY, 1964, p. 140). 4 O progresso técnico deve ser visto como certos tipos de conhecimento que tornam possível produzir a partir de uma quantidade de recursos, um volume maior de produtos ou um produto qualitativamente superior (ROSEMBERG, 2006). Não se trata aqui de um determinismo tecnológico em que as forças tecnológicas são o fator decisivo na geração das mudanças sociais e econômicas, mas de ressaltar que “a base técnica da sociedade e do espaço constitui, hoje, um dado fundamental da explicitação histórica, já que a técnica invadiu todos os aspectos da vida humana, em todos os lugares” (SANTOS, 1996, p. 67). A DINÂMICA GEOECONÔMICA DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO DE CARNES E SOJA ••• 21

de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), relatórios da Organização Mundial do Comércio e dados do Departamento de Agricultura dos EUA (USDA), entre outras fontes5. O presente texto está dividido em quatro partes, além dessa introdução e da conclusão. Na primeira parte, discute-se a concentração e a configuração territorial da produção dos agronegócios de carnes e soja. Na segunda, demonstra-se o desempenho exportador desses negócios. Na terceira, ressalta-se o papel da demanda chinesa por produtos dos agronegócios brasileiros de carnes e soja. Na última parte, identificam-se as principais transformações técnicas produtivas implantadas nos agronegócios de carnes e soja e os diferentes fatores responsáveis pelo seu dinamismo.

2.

CONCENTRAÇÃO E CONFIGURAÇÃO TERRITORIAL DA PRODUÇÃO DOS AGRONEGÓCIOS DE CARNES E SOJA

A produção mundial de carne suína cresceu, nos últimos anos, 26,4%, saindo dos 86,1 milhões de toneladas, em 2001, para 108,9 milhões, em 2014, com destaque para a China, que detém 50% do total produzido, seguida pela União Europeia, com 20,6%, pelos EUA, com 9,9%, pelo Brasil, com 3,15% e pela Rússia, com 2,11%. Em termos de padrão geográfico, verifica-se que, a partir de 1986, aumentou o grau de concentração da produção. Nesse ano, a China, UE, EUA, Rússia, Japão e Canadá detinham 77% da produção, enquanto que, em 2014, apenas três países (China, EU e EUA) detinham 80,7% da produção mundial (USDA, 2015)6. 5 Em função da necessidade de uma análise detalhada das mudanças que ocorrem nas escalas regionais, nacionais e mundiais, nos agronegócios de carnes e soja, usou-se e abusou-se dos dados estatísticos. “Os dados em séries históricas fornecem ‘movimento’ à análise e permitem estabelecer mudanças na dinâmica do processo ao longo do tempo” (MEDEIROS; SAMPAIO, 2012). Nesse sentido, agradeço imensamente a Roberto Cesar Costa Cunha (membro do GEOTDE), pela coleta de dados e elaboração das tabelas e das figuras. 6 Desagregando-se os dados da União Europeia, verifica-se uma alteração no padrão geográfico de concentração da produção. Assim, se em 1986, seis países detinham 71,5% do total produzido, com destaque para Alemanha, Holanda, França, 22 ••• Carlos José Espíndola

A análise evolutiva do período entre 1990 e 2013 demonstra dinâmicas diferenciadas no crescimento da produção. Assim, enquanto a produção brasileira cresceu 3,2 vezes, a produção chinesa cresceu 2,3, a produção americana cresceu 1,5 e a da União Europeia apenas 1,4 vezes. Essa tendência já vinha manifestando-se desde 1986, pois enquanto a produção brasileira cresceu 4 vezes, a produção chinesa cresceu 3, contra 1,8 da União Europeia e 1,6 dos EUA7. Em contrapartida, a produção russa decaiu 2,8 vezes, seguida da japonesa, com uma queda em torno de 1,2. O crescimento da produção brasileira está apoiado na melhoria dos sistemas produtivos e na tecnologia envolvida na produção, no manejo e na melhoria nos padrões de abate do animal. Entre 1997 e 2014, a produção brasileira de carne suína saiu da casa dos 1,5 milhões para 3,4 milhões de toneladas . Territorialmente, a produção brasileira concentra-se no três estados do Sul do Brasil. Do total de cabeças abatidas, cerca de 37,1 milhões estão concentradas na nessa região, que representou 65,3% da produção nacional, sendo mais de 80% dessa produção oriunda do sistema de integração. Contudo, chama a atenção o crescimento da produção do estado do Mato Grosso, que cresceu 2,6 vezes, contra 1,6 vezes do estado de Goiás, entre 2004 e 2014 (ABIPECS, 2014)8. Espanha, Dinamarca e Itália, em 2012 apenas a Alemanha, a Espanha e a França detinham 50% de toda carne produzida (ESPÍNDOLA, 2014). 7 O baixo crescimento recente da União Europeia, entre 2011e 2013, está relacionado aos altos custos de produção em virtude do aumento dos custos de alimentação, das más condições climáticas (secas nos EUA e no Mar Morto) e da descoberta de dioxina na alimentação dos animais na Alemanha. Ademais, as preocupações com a rastreabilidade têm elevado os custos produtivos. Em 2011, a Europa aprovou novas regulamentações para o bem-estar animal. Os custos adicionais estimados por porca na França eram de aproximadamente US$ 840. No Reino Unido, que adotou a medida em 1999, viu-se a redução de 40% em seu estoque de suínos (FOLHA DE SÃO PAULO, 2012). 8 A partir de meados dos anos de 1980, várias empresas, como o grupo Perdigão (BRF), Coopermutum, Carrol’s Food, Suinocoop, Coagro, Agroeliane (Seara), Ideal entre outras, passaram a direcionar recursos para o agronegócio suinícola e de frango na região Centro-oeste brasileira. Essa dispersão fez-se por meio de investimentos novos ou aquisições e fusões. Tais inversões foram ditadas pela combinação de diferentes fatores, como economia de escala, economia nos custos transacionais A DINÂMICA GEOECONÔMICA DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO DE CARNES E SOJA ••• 23

No agronegócio de carne de frango, a produção mundial, em 2014, foi de 87 milhões de toneladas, concentradas nos EUA, com 19,5%, na China, com 16%, no Brasil, com 14,9% e na União Europeia, com 8,7%. Entre 2000 e 2014, a produção mundial dessa carne cresceu 50,5%. Contudo, o crescimento dos principais produtores foi diferenciado. Enquanto a produção norte-americana cresceu 22,3%, a chinesa cresceu 145%, contra 94% da produção brasileira. Com uma produção de 12,3 milhões de toneladas de carne de frango em 2013, a produção brasileira desse tipo de carne localizou-se na região Centro-Sul, com destaque para os estados sulinos. Entretanto, em 1972, enquanto São Paulo respondia por mais de 50% do abate de frango no Brasil, o Rio Grande do Sul participava com 5,7% do total, contra 4,9% de Santa Catarina e 2,9% do Paraná. Em 2013, São Paulo participou com apenas 10,9%, e o Paraná subiu para 31,12%, contra 16,6% de Santa Catarina e 14,56% do Rio Grande do Sul9. No agronegócio de carne bovina, com uma produção mundial acima de 57 milhões de toneladas, a concentração ocorre em três grandes produtores: nos EUA, com 18,7%, no Brasil, com 16,6%, e na União

na obtenção da matéria-prima, proximidade das fontes de matéria-prima e do mercado consumidor em potencial (ESPÍNDOLA, 2009). 9 Dados obtidos em Espíndola (2002) e Uba/Abeff (2013). Cabe ressaltar que a perda de participação do estado de São Paulo, deriva, entre outros fatores, da resistência na adoção do sistema de integração e os problemas referentes ao abastecimento de milho. Ao contrário, os estados do Rio Grande do Sul e do Paraná apresentaram, nas últimas décadas, uma elevação das suas participações em virtude da relativa disponibilidade de grãos, facilidade de importações pela Argentina e implantação do sistema de integração (CANEVER et al., 1997). Chama ainda a atenção, o crescimento do número de animais abatidos em Goiás e no Mato Grosso. Em 2001, enquanto o Mato Grosso participava com 1,7% do abate nacional, Goiás representava 2,6%. Em 2012, Goiás subiu sua participação para 6,1%, enquanto o Mato Grosso ampliou sua participação para 4,9% (AVISITE, 2012). O crescimento do número de abates nesses estados, juntamente com Paraná e Rio Grande do Sul, decorreu dos grandes investimentos realizados nos anos de 1980, 1990 e 2000, pelas grandes empresas sediadas em Santa Catarina e os outros novos empreendimentos (ESPÍNDOLA, 2009). 24 ••• Carlos José Espíndola

Europeia, com 13,3% 10. Contudo, a exemplo dos demais agronegócios de carnes (suíno e frango), tem-se verificado, nos últimos anos, uma redução da participação da Argentina e da União Europeia e o aumento significativo do Brasil e da China na produção mundial de carne bovina. Entre 2000 e 2014, enquanto a produção brasileira cresceu de 6,5 milhões de toneladas para 9,6 milhões, a produção chinesa cresceu de 5,0 milhões de toneladas para 7,6 milhões, no mesmo período. No tocante à distribuição geográfica do rebanho brasileiro, destaca-se que, em 2000, o predomínio era dos estados do Centro-oeste, sendo que eles detinham um terço do rebanho nacional. Nessa região, os estados do Mato Grosso do Sul e Goiás participavam, respectivamente, com 13,57% e 10,51% do rebanho nacional. Em segundo lugar, ficavam os estados do Sudeste, com destaque para Minas Gerais, com 12,04% do rebanho total. Na Região Sul, o estado do Rio Grande do Sul apresentava-se com uma participação em torno de 8,39%, enquanto Santa Catarina ficava em torno de 1,88%, contra 6,02% do Paraná (ESPÍNDOLA, 2002). Contudo, demonstrou-se em outros estudos que, nos últimos anos, a região Norte do Brasil apresentou um dos maiores crescimentos. Sua participação aumentou de 4,2% em 1980, para 12,45% em 2000 (ESPÍNDOLA, 2002). Tal tendência manifestou-se nos anos seguintes11. A cadeia produtiva de soja passou, nos últimos anos, por um intenso crescimento, pois, entre 2000 e 2014, a produção mundial de grãos cresceu 62,20%, a produção de farelo cresceu 62,0% e a produção de óleo, 69,20%, conforme demonstrado na tabela 1. Na distribuição geográfica referente à produção de grãos, os EUA detêm 31,50%, contra 30,80% do Brasil. Em contrapartida, a China detém 28,74% da produ-

10 O rebanho mundial, com mais de 1 trilhão de cabeças, concentra-se na Índia com 29,2%, seguido do Brasil com 20,2%, e na China com 10%. Em termos de cabeças abatidas, a China lidera o ranking, com 18,9%, seguida do Brasil, com 17,1% (USDA, 2014). 11 No estado de Rondônia, o rebanho cresceu de 6,6 milhões de cabeças, em 2001, para 12,2 milhões, em 2012. Já o número de animais abatidos cresceu de 402 mil cabeças, em 2000, para 1,9 milhões, em 2007 (FEFA-RO, 2008). A DINÂMICA GEOECONÔMICA DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO DE CARNES E SOJA ••• 25

ção de farelo, contra 19,26% dos EUA e apenas 15,21% do Brasil. Na produção de óleo, a China produz 27,44% da produção mundial. Tabela 1. Produção de grãos, farelo e óleo de soja (em mil toneladas)

Produção Grãos Farelo Países 2000 2008 2014 2000 2008 2014 Mundo 175.8409 211.884 284.045 116.010 151.959 188.386 USA 29.303 90.605 89.507 35.730 35.473 36.297 Brasil 13.934 75.300 87.500 17.725 24.700 28.670 China 5.800 15.080 12.200 15.050 32.475 54.154 Argentina 10.400 49.000 54.000 13.718 24.363 28.525

2000 26.813 8.355 4.333 3.240 3.190

Óleo 2008 35.905 8.503 6.120 7.325 5.914

2014 44.604 8.920 7.100 12.246 6.975

Fonte: USDA (2015).

Territorialmente, em decorrência da sua melhor adaptabilidade à região Sul do país, os estados do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina eram responsáveis, em 1969, por 98% de toda a produção brasileira de soja (CONAB, 2014)12. A partir do Sul do Brasil, sua cadeia produtiva ganhou importância, ultrapassando os limites territoriais, e passou a expandir-se aos estados de solo ácido do Centro-oeste, seguindo em direção ao Norte, conforme demonstram as figuras 1 e 213. 12 A melhor adaptabilidade no Sul do país decorreu de múltiplas determinações, por exemplo, a semelhança do ecossistema do Sul do Brasil com o Sul dos Estados Unidos, que favoreceu a transferência de tecnologias de produção e de cultivares, e o aparecimento de um sistema de cooperativa (dinâmica e eficiente) que apoiou a produção, industrialização e comercialização da soja. Ressalte-se ainda a facilidade de mecanização total da cultura e a instalação de vários órgãos de pesquisa públicos em esfera estadual e federal (DALL’AGNOL, 2008). 13 As características geográficas do Centro-norte do país contribuem para uma rápida expansão. Segundo Dall'Agnol (2008) e Campos (2010), as principais forças impulsionadoras da soja na região Centro-oeste derivam: (i) incentivos fiscais para a abertura de novas áreas para a produção agrícola via incentivos do Programa de Cooperação Nipo-brasileira para o Desenvolvimento do Cerrado (PRODECER); (ii) o estabelecimento de firmas produtoras e processadoras de grãos e de carne nas regiões Centro-oeste e Nordeste; (iii) baixo valor da terra, se comparados aos preços então praticados na região Sul durante as décadas de 1970 e de 1980; (iv) topografia muito favorável à mecanização combinada com as condições climáticas com regime pluviométrico altamente propício ao cultivo de verão; (v) bom nível econômico e tecnológico dos produtores oriundos do Sul do país que ocuparam a 26 ••• Carlos José Espíndola

O resultado final foi a expansão geográfica horizontal da área plantada no Brasil. Enquanto na safra 2003/2004, a área cultivada foi de 21,3 milhões de hectares, na safra 2013/2014 chegou a 30,1 milhões, o que representa 53% da área cultivada de grãos. Com um crescimento anual de 4,5%, o relatório Brasil (2013) prevê, para a safra 2023/2024, que a área total da cultura de soja no Brasil aumentará 34,1%, chegando a 40,4 milhões de hectares em 2024. Figura 1. Produção de soja no Brasil em 1980

Fonte: Conab (2015). Elaboração: Geotde.

Em termos gerais, a elevação da produção do agronegócio de carnes e de soja no mundo e no Brasil foram fundamentais para o atendimento do crescente consumo mundial de proteínas. Entre 2002 e 2012, enquanto o consumo de carnes na China cresceu de 43,5 kg/hab./ano, para 52 kg/hab./ano, no Brasil cresceu de 79,5 kg/hab./ano, para 101,8 kg/hab./ano. Em contrapartida, o consumo per capita na União Europeia estabilizou-se em 80,2 kg/hab./ano. No consumo de carne suína, entre 2001 e 2014, o crescimento foi de 79%, contra 7,0% da carne boviregião; e (vi) o desenvolvimento de um bem-sucedido conjunto de tecnologias para produção de soja nas áreas tropicais. A DINÂMICA GEOECONÔMICA DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO DE CARNES E SOJA ••• 27

na, que cresceu de 52 mil para 56 mil toneladas (USDA, 2015)14. Quanto ao consumo de carne de frango, verificou-se também um crescimento no Brasil, sendo que entre 2000 e 2012, o consumo per capita cresceu de 29,9 kg/hab./ano, para 41,8 kg/hab./ano (UBA/ABEF, 2014). Figura 2. Produção de soja no Brasil em 2014

Fonte: Conab (2015). Elaboração: Geotde.

No agronegócio de soja, o consumo aumentou 57% no mundo entre 2003 e 2013, atingindo 269,7 milhões de toneladas. Cerca de 90% do consumo é destinado ao esmagamento, em que 80% são para farelo e 20% para óleo de soja. A China lidera o ranking, com mais de 79 milhões de toneladas de grãos consumidos em 2014, representando 29% do consumo do mundo. Os Estados Unidos consumiram 48 milhões 14 Do ponto de vista per capita, os dados da Abipecs (2013) indicam que Hong Kong consumiu, em 2011, cerca de 66,5 kg/per capita/ano, contra 54,1 Kg/per capita/ano de Macau e 46,5 kg/per capita/ano de Belarus. Já a União Europeia apresentou um consumo aparente de 40,2 kg/per capita/ano. Entre 1992-2012, o consumo aparente de carne suína na UE manteve-se estável com a redução do consumo nos principais países como a Dinamarca, que diminuiu o uso de 76,3 kg/hab./ano, em 1993, para 64,2 kg/hab./ano, em 2003. A tendência de queda do consumo per capita foi verificada igualmente na Espanha, que reduziu seu consumo aparente de 63,9 Kg/hab./ ano, em 2003, para 48 kg/hab./ano, em 2012. No Brasil, o consumo per capita de carne suína passou de 7,05 kg/ano, em 1990, para 14, kg/ano, em 2012. 28 ••• Carlos José Espíndola

de toneladas, o que coloca o país em segundo lugar, com 18% no consumo mundial de grãos de soja. O Brasil, com 40,1 milhões de toneladas, apresenta-se em terceiro lugar, com 14,9% do total. Na Argentina, o consumo dobrou em quatorze anos, passando de 18,3 milhões, em 2000, para 38,6 milhões de toneladas, em 2014, o que representa 14,3% do consumo geral. Esses quatro grandes consumidores de grãos de soja no mundo equivalem a 76% do total geral (USDA, 2014). Os aumentos do consumo dessas proteínas acirram a concorrência mundial entre os principais produtores. Dessa forma, qual é o desempenho exportador dos principais players no agronegócio mundial de carnes e soja?

3.

O DESEMPENHO DOS AGRONEGÓCIOS BRASILEIROS NOS MERCADOS MUNDIAIS DE CARNES E SOJA

No agronegócio de carne suína, as exportações mundiais cresceram de 3,0 milhões de toneladas, em 2000, para 6,8 milhões, em 2014. Isso é um crescimento de 2,2 vezes. Desse total exportado, destacam-se os EUA, com uma participação de 32,9%, contra 32% da União Europeia, 17,9%, de participação do Canadá e 8,1%, do Brasil. Em termos de crescimento, enquanto as exportações dos EUA cresceram de 584 mil para 2,42 milhões de toneladas (3,7 vezes), as exportações da União Europeia cresceram apenas 1,6 vezes, contra 1,8 vezes de crescimento das exportações canadenses (USDA, 2015)15. Até 1977, o Brasil era um grande exportador de carne suína, tendo pulado de 2 mil toneladas, em 1970, para 12 mil, em 1977. De 1978 a 1987, as exportações foram interrompidas devido ao “aparecimento” da peste suína. A recuperação das exportações ocorreu nos anos da década de 1990, quando as exportações cresceram de 20 mil toneladas, 15 Estatísticas indicam que, entre 2009 e 2018, o comércio mundial crescerá a uma taxa moderada de 1,8% ao ano e reduzir-se-ão as exportações do Canadá, as quais ficarão em torno de 1 milhão de toneladas, bem como para a União Europeia, que sofrerá perdas, ficando, aproximadamente, em 1,2 milhão de toneladas (FAPRI, 2009). A DINÂMICA GEOECONÔMICA DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO DE CARNES E SOJA ••• 29

em 1990, para 120 mil, em 2000, o que representou um crescimento da ordem de 600% (ESPÍNDOLA, 1999; 2002). Entre 2000 e 2014, as exportações brasileiras cresceram 3,4 vezes, pulando da casa de 162 mil toneladas, em 2000, para a de 556 mil, conforme se pode verificar nos dados do gráfico 1. Entre 1986 e 2012, enquanto as exportações brasileiras cresceram 121 vezes, as exportações dos EUA cresceram 69 vezes16. As exportações brasileiras de carne suína estão concentradas na Rússia e Hong Kong. Contudo, se até 2010 as vendas externas de carne suína brasileira concentravam-se na Rússia, chegando a alcançar, em 2002, 79% de todas as vendas, a partir de 2006, outros mercados passaram a ter maior participação. Dentre eles, destacam-se Hong Kong e Ucrânia. O acirramento da concorrência em mercados tradicionais levou o Brasil a buscar novos mercados para os seus produtos, bem como a dedicar esforços na busca de mercados para carne industrializada, que representa 2,1% do total exportado17. Assim, cresceu a participação das exportações brasileiras de carne suína industrializada nos mercados de Angola, Paraguai, Cingapura e Ucrânia, entre outros. Territorialmente, os principais estados exportadores de carne suína estão localizados na região Sul, com destaque para Santa Catarina e Rio Grande do Sul, que representam 60% de toda a carne exportada 16 As projeções indicam que as exportações brasileiras de carne suína chegarão à casa das 802 mil toneladas em 2023, tendo em média uma taxa de crescimento de 2,6% ao ano no período de 2013/2023 (BRASIL, 2013). 17 Os mercados tradicionais são Japão, Rússia, México e China, que absorvem 53% da carne suína comercializada no Mundo. Entre 2000-2014, enquanto as importações mundiais cresceram 34,4%, as importações do México cresceram 196%, contra 67% da Rússia e 40% do Japão. A dependência dos exportadores nesses mercados tradicionais acirra a concorrência e promove a busca de novos mercados. Assim, a Dinamarca e os EUA são concorrentes diretos nos mercados do Japão e da Coreia do Sul. Entre 2000-2014, as importações da Coreia do Sul cresceram 2,6 vezes, passando de 184 mil toneladas em 2000, para 480 mil em 2014. As vendas dos EUA para o Japão tiveram impacto direto das exportações da União Europeia. Quando as vendas para o Japão aumentaram, a Dinamarca se viu obrigada a ofertar a carne no mercado europeu, levando ao excesso de oferta e queda nos preços (WINDHORST, 2001). Atualmente, a União Europeia concentra suas vendas nos mercados da Rússia com 745 mil toneladas, China 586 mil, Hong Kong com 380 mil e Japão com 230 mil. Esses quatro mercados correspondem a 60,4% do total exportado em 2012 (USDA, 2013). 30 ••• Carlos José Espíndola

pelo Brasil. Contudo, analisando-se os dados, verifica-se uma nova dinâmica dos estados exportadores no comércio mundial. Entre 2000 e 2014, enquanto a exportação do estado de Santa Catarina cresceu de 74 mil para 182 mil toneladas, as exportações do Rio Grande do Sul cresceram de 38 mil para 147 mil toneladas. Chama a atenção o fato de que, em 2014, o estado de Goiás não participava das exportações de carne suína, porém em 2014 passou a participar com 47 mil toneladas. Esse crescimento foi também verificado em Minas Gerais, que aumentou sua participação de 0,6 mil para 42 mil toneladas, no mesmo período (AGROSTAT, 2015). Gráfico 1. Evolução das exportações de carnes do Brasil 2000-2014

(mil/toneladas)

Fonte: USDA (2015). Elaboração: Geotde.

No agronegócio de carne de frango, as exportações mundiais cresceram de 4,7 milhões de toneladas para 10, 4 milhões, entre 2000 e 2014. Nesse período, destacou-se o crescimento do Brasil, que passou de 18,20% para 33,98%, enquanto nos EUA houve uma queda, de 46,7% para 31,64%. As exportações brasileiras passaram de 870 mil toneladas, em 2000, para 3,5 milhões, em 2014, conforme dados do gráfico 1. Ao longo da inserção do Brasil no mercado mundial de carne de frango, existiram três grandes momentos. O primeiro grande momen-

A DINÂMICA GEOECONÔMICA DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO DE CARNES E SOJA ••• 31

to (1975-1984) foi quando as exportações brasileiras, iniciadas em 1975, com cerca de 3,5 mil toneladas (o que representava 0,49% de participação no comércio mundial), passaram, em 1984, para 17,9% de participação. O crescimento foi avassalador, pois em 1975, a Holanda detinha 28,46% de participação, contra 12,8% dos EUA e 11,6% de participação da França. Já em 1984, os EUA mantinham-se na casa dos 13,7%, contra 20,8% da França e 12,8% da Holanda18. O segundo grande momento ocorreu após 1984, e caracterizou-se pela estabilização das exportações brasileiras em torno de 12%. Essa estabilização derivou, segundo Rizzi (1993), da combinação de dois fatores. O primeiro foi a retração relativa das importações nos principais países capitalistas avançados, com o reduzido ritmo de crescimento da demanda em relação aos anos anteriores a 1980. O segundo fator refere-se ao fato de que muitos países importadores tornaram-se autossuficientes, sendo que dentre eles merecem destaque a ex-URSS e o Japão19. O terceiro grande momento ocorreu após 1990. Entre 1990 e 2000, as exportações cresceram de 299 mil toneladas para 906 mil. Contudo, verifica-se que, entre 1990 e 1993, o crescimento foi da ordem de 44,81%, contra 31,17% no período entre 1993 e 1996. Portanto, as exportações de carne de frango foram prejudicadas pela sobrevalorização cambial implantada com o Plano Real, provocando uma queda nas exportações, em torno de 11%, no ano de 1995. A recuperação iniciada em 1996 tem como fatores desencadeadores a recuperação de mercados na Ásia e Europa, a conquista de novos mercados, a ampliação das exportações de cortes, a desvalorização cambial implantada em 1999, e o surgimento da doença da “vaca louca” na Europa (ESPÍNDOLA, 2002). Conforme dados do gráfico 1, apenas em 2006 ocorre uma queda das exportações de carne (África, Ásia e Europa), em 18 Durante esse período, o destino das exportações brasileiras concentrava-se nos países do Oriente Médio, dos quais se destacam o Iraque com 31,4%, o Kuwait com 21,4% e a Arábia Saudita com 20,4 (RIZZI, 1993). 19 No Oriente Médio, principal mercado para os produtos brasileiros, demonstra-se claramente o aumento da produção interna. O Iraque aumentou sua produção interna de 70 mil toneladas em 1981, para 315 mil, em 1987. Já o Kuwait aumentou sua produção de 11 mil toneladas em 1981, para 20 mil, em 1987 (RIZZI, 1993). 32 ••• Carlos José Espíndola

virtude da Influenza Aviária, a doença conhecida como “gripe aviária”, o que reduziu a demanda mundial. De um total de 3,5 milhões de toneladas exportadas em 2014, 53% são de cortes de frango (2,1 milhões de toneladas), que se destinam à Ásia (51%) e ao Oriente Médio (19%), com destaque para Arábia Saudita e Japão, respectivamente. Já os frangos inteiros, 38% do total (1,3 milhões de toneladas), estão concentrados no mercado interno do Oriente Médio (86% do total)20. As exportações brasileiras originam-se dos três estados do Sul, sendo que o Paraná detém 29,3% do total exportado, contra 24% de Santa Catarina e 18% do Rio Grande do Sul. Contudo, nos últimos anos é espetacular o crescimento das exportações de Minas Gerais, que cresceram de 12 mil toneladas, em 2000, para 189 mil , em 2014. Um crescimento da ordem de 15,7 vezes, contra um crescimento de 5,2 vezes do Paraná e 3,5 vezes do Rio Grande do Sul. Esse crescimento foi também verificado no Mato Grosso, que cresceu de 4,6 mil toneladas para 177 mil , e no Mato Grosso do Sul, que cresceu de 17 mil toneladas para 169 mil (AGROSTAT, 2015). As exportações mundiais de carne bovina cresceram, entre 2000 e 2014, cerca de 59%, pulando da casa das 5,9 milhões de toneladas para 10,0 milhões. Em 2014, os maiores exportadores foram a Índia, com 20,8%, contra 19% de participação do Brasil e 18,5% de participação da Austrália. Em termos de crescimento, enquanto as exportações indianas cresceram 6 vezes, as exportações brasileiras cresceram 3,9 vezes, contra o crescimento de 1,4 vezes das exportações australianas. Produzindo carne de bubalino, a Índia consegue produzir carne barata e atingir vários mercados. As suas exportações concentram-se no Sudeste Asiático, Oriente Médio e Norte da África21. 20 As importações mundiais de carne de frango cresceram de 4,2 milhões de toneladas para 8,8 milhões, entre 2000-2014, com destaque para o crescimento das importações iraquianas que subiu de 21 mil toneladas para 722 mil, no mesmo período (USDA, 2015). 21 Os búfalos, após completarem seus ciclos de lactação, são abatidos e vendidos. Dessa forma, seu custo fica competitivo. Na última década, a indústria láctea da A DINÂMICA GEOECONÔMICA DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO DE CARNES E SOJA ••• 33

Conforme dados do gráfico 1, as exportações brasileiras aumentaram de 488 mil toneladas, em 2000, para 1,9 milhões, em 2014. Contudo, entre 2007 e 2011, as exportações brasileiras reduziram-se 61%, devido a fatores como a diminuição do consumo na Europa (em função da crise), o aumento da produção dos EUA e o aumento da concentração nos mercados consumidores22. Territorialmente, as exportações brasileiras originam-se no estado de São Paulo, com 438 mil toneladas, contra 278 mil do estado do Mato Grosso e 228 mil de Goiás. Contudo, analisando-se os dados do Agrostat (2015), chamam a atenção os crescimentos desproporcionais, nos estados, referentes às exportações de carne bovina. Assim, enquanto, entre 2000 e 2014, as exportações de Rondônia crescem 205 vezes, pulando de 605 toneladas para 134 mil, Goiás cresceu 15 vezes e São Paulo apenas 1,5 vezes. Apesar de o Brasil ser um grande exportador no agronegócio de carnes, suas exportações estão constantemente sujeitas a restrições de ordem tarifária e não tarifária. Nas exportações de carne suína, países como Japão e México não compram o produto brasileiro, por conta da febre aftosa e do mal de Aujeszky. Já a União Europeia não reconhece as áreas livres de doenças nos estados do Rio Grande do Sul e Paraná, e a Ásia não compra em função das restrições fitossanitárias (ESPÍNDOLA, 2014). Nas exportações de carne de frango, enquanto a União Europeia impõe diversas barreiras, a Rússia estabelece novas cotas de importações e os EUA vendem o frango no mercado internacional abaiÍndia cresceu 4% ao ano em volume. O crescimento da cadeia produtiva de leite estimulou a reconstrução do rebanho e garantiu a disponibilidade de gado para o abate. Em 2011, existiam mais de 4 mil abatedouros reconhecidos na Índia e cerca de 15 grandes empresas participantes nas exportações de carne de búfalo. Contudo, 85% do comércio de carnes da Índia era feito por meio de seis empresas e o maior exportador (Allanasons) é responsável por 50% do comércio (BEEFPOINT, 2012). 22 Entre 2007 e 2012, o consumo de carne bovina na Europa reduziu em 12% (USDA, 2013). Do total exportado em 2011, 32% destinaram-se a atender a Rússia e 26%, Hong Kong. Em 2014, do volume de 1,2 milhões de toneladas exportadas de carne in natura, 22,4% destinaram-se à Rússia, 18,3 % foram embarcadas para Hong Kong e 15,8% para Venezuela. Já das carnes industrializadas, cerca 101 mil toneladas, 36,8% foram direcionados para os EUA e 25,9% para o Reino Unido (AGROSTAT, 2015). 34 ••• Carlos José Espíndola

xo do preço estabelecido. Quanto à carne bovina, os problemas estão relacionados à febre aftosa e às cotas de participação no mercado mundial (CONTINI; TALAMINI, 2004). No agronegócio de soja, verifica-se, conforme demonstrado na tabela 2, que entre 2000 e 2014, enquanto o crescimento das exportações de grãos foi da ordem de 103%, a exportação de farelo foi de 68,9%, contra 37,7% das exportações de óleo. A tabela 2 apresenta, ainda, outras análises. As exportações brasileiras concentram-se, sobretudo, nas exportações de grãos, que tiveram um crescimento de 187%, contra 58,86% dos EUA. Em contrapartida, a Argentina consolidou-se nas exportações de produtos de maior valor. As vendas externas de farelo de soja, em 2014, alcançaram 27 milhões de toneladas, o que representa 44,6% do total (ESPÍNDOLA, CUNHA, 2015)23. Tabela 2. Principais exportadores mundiais de soja 2000-2014 (mil ton.) Países

Grãos

Farelo

Óleo

2000

2008

2014

2000

2008

2014

2000

2008

2014

Mundo

53.817

77.212

109.433

36.261

52.844

61.266

6.870

9.183

9.324

EUA

27.103

34.817

43.001

7.335

7.708

9.979

636

995

703

Brasil

15.469

29.987

44.500

10.673

13.109

13.780

1.533

1.909

1.400

Argentina

7.304

5.590

8.000

13.730

24.025

27.325

3.080

4.704

4.500

Fonte: USDA, 2015.

Do total exportado pelo Brasil, cerca de 75% (32 milhões de toneladas) de grãos de soja vão para a China. Na venda externa de óleo, a China lidera, com 39% do total. A União Europeia é o segundo destino em grãos, com 12% (5,1 milhões de toneladas), sendo a Espanha o maior consumidor europeu do grão de soja brasileiro, com quase 2 milhões de toneladas. Por seu turno, o farelo de soja nacional tem 60% (7,3 milhões 23 Cabe destacar que a Lei Kandir, institucionalizada em 1996, promovia incentivos para que as empresas processadoras de soja instaladas no Brasil exportassem grãos. Nesse sentido, desestimulou a indústria moageira (COSTA; BRUM, 2008). Isso possibilitou, por um lado, o sucateamento da indústria processadora de soja, via elevação da capacidade ociosa (MEDEIROS, 2009) e, por outro lado, produziu um elevado estoque de capital fixo barato que foi adquirido pelos grandes grupos internacionais (Cargill, ADM e Dreyfus, entre outros). A DINÂMICA GEOECONÔMICA DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO DE CARNES E SOJA ••• 35

de toneladas) da sua produção destinada à União Europeia, sendo que a Holanda é o maior consumidor, com 4 milhões de toneladas, ou 54 % das compras externas. No mercado mundial, os diferentes estados produtores de soja apresentam dinâmicas diversificadas de inserção na divisão internacional do trabalho. O Mato Grosso é o maior exportador. Em 1996, as vendas externas eram de 462 mil toneladas e representavam 12,6% do total brasileiro; em 2013, chegaram a 28,7% do total das exportações, e o volume passou de 12 milhões de toneladas, o que representa 52% de sua produção. O Paraná, berço do plantio direto, é o terceiro maior exportador, com 47,1% de sua produção, mas com perda de participação, pois, em 1996, representava 40,1% das exportações brasileiras e, em 2013, apenas 17,5%. O Rio Grande do Sul, terceiro maior produtor, exportou, em 2013, 18,3% da soja brasileira, o que corresponde a 62,4% de sua produção. Os estados de Goiás, Bahia e Maranhão exportaram 36,4%, 57,6%, 81,2%, respectivamente, de suas produções de grãos de soja (ESPÍNDOLA; CUNHA, 2015). Pelo exposto, é significativa a participação do Brasil no mercado internacional de proteínas animal e vegetal. Mas qual é o papel da China nas demandas brasileiras?

4.

O PAPEL DA CHINA NAS IMPORTAÇÕES DOS AGRONEGÓCIOS DE CARNES E SOJA DO BRASIL

A partir de 1979, a China passou por profundas transformações, resultantes das reformas implantadas. E o crescimento gigantesco da China decorre dessas reformas, por exemplo, a criação de quatro Zonas Econômicas Especiais (ZEEs), o que, segundo Zemin (1993, p. 151), “foi um passo de grande importância na abertura para o exterior e constituiu uma experiência completamente nova no desenvolvimento da economia socialista”. Na agricultura, suprimiu-se a comuna popular e implantou-se o sistema de responsabilidade, que consiste em contratos com as famílias de agricultores, cuja renda decorre do rendimento da

36 ••• Carlos José Espíndola

produção (ESPÍNDOLA, 2008). Os 800 milhões de camponeses obtiveram direitos de autonomia na exploração das terras e foi abolido o sistema de compra estatal ou a obrigatoriedade dos fornecimentos de quotas dos produtos, e os preços dos produtos agrícolas foram liberados24. Os resultados foram espetaculares. O PIB do país, entre 1980 e 1989, atingiu uma taxa de crescimento de 10% em média. A participação do PIB chinês na economia mundial cresceu de 1,9%, em 1980, para 9,3%, em 2010. A taxa de urbanização, que estava em 18%, em 1979, cresceu, em 2014, para 53%. As exportações chinesas, que entre 1980 e 1989 representavam apenas 1,4% das exportações mundiais, passaram, em 2010, para 10,4%. Já as importações que participavam com 1,5%, passaram para 9,7%, no mesmo período (ACIOLY et al., 2011). Na agricultura, a produção de grãos cresceu 161%, entre 1978 e 2000. Com apenas 8% das terras cultiváveis no mundo, a China, em 2012, alimentou 19% da população mundial. As transformações ocorridas forjaram o surgimento de vários agronegócios na estrutura produtiva, que atendem à demanda doméstica25. Entre 2000 e 2014, enquanto a produção de carne suína cresceu 43,5%, passando da casa das 39 milhões de toneladas produzidas, para 56 milhões de toneladas, a produção de carne de frango cresceu 44,4%, passando de 9,3 milhões de toneladas, para 13 milhões, conforme demonstrado na tabela 3. Na produção de soja, verificam-se dinamismos diferenciados por segmentos. Assim, enquanto na produção de grãos houve uma redução de 15 milhões de toneladas, produzidas em 2001, para 12 milhões, produzidas 24 Medeiros (1999) afirma que as reformas no campo assemelham-se com as da Nova Política Econômica implementada por Lênin na Rússia, nos anos de 1920. 25 Muitos desses agronegócios são na maioria de empresas chinesas com capital do Estado em sua composição acionária. Na cadeia produtiva de carne bovina destaca-se a Jilin Changchun Haoyue Islamic Meat Industry e a Zhuo Chen Company. No agronegócio de carnes de frango, ressalte-se a Shandong Liuhe Group, a Beijing DQY Agriculture Techonoly Co., Ltd., a Dalian Hanwei Enterprise Group e a Charoen Pokphand Group. Na cadeia produtiva de carne suína, os principais grupos são WH-Group e a Xincheng Jiniuo. Cabe destacar ainda que as empresas chinesas partiram recentemente para aquisição de várias empresas. No agronegócio da soja, as maiores empresas são a Cargill, Archer Daniels Midland, a Bunge e a Louis Dreyfus (CEBC/APEX, 2015). A DINÂMICA GEOECONÔMICA DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO DE CARNES E SOJA ••• 37

em 2014, a produção de óleo cresceu de 3 milhões de toneladas para 12 milhões. Já a produção de farelo cresceu de 15 milhões de toneladas para 54 milhões, no mesmo período (USDA, 2015). Tabela 3. Produção e consumo dos agronegócios de carne da China

(em mil ton.)  

 

Carne suína 

Produção

39,660 41,231 43,410 46,505 46,205 50,712 50,604 53,427 54,930 56,710

Consumo

39,581 41,015 43,010 46,014 46,691 50,799 51,108 53,802 55,406 57,169

Produção

5,131

5,219

5,604

5,767

6,132

6,531

6,475

6,623

6,730

6,890

Consumo

5,100

5,214

5,566

5,692

6,080

6,520

6,449

6,680

7,052

7,297

Produção

9,269

9,558

9,998

10,350 11,840 12,550 13,200 13,700 13,350 13,080

Consumo

9,393

9,556

9,931

10,371 11,954 12,457 13,016 13,543 13,174 12,910

Carne bovina  Carne de frango 

2000

2002

2004

2006

2008

2010

2011

2012

2013

2014

Fonte: USDA (2015).

Ainda que o mercado doméstico chinês seja essencialmente abastecido pela sua produção, as importações do agronegócio de carnes vêm crescendo. As importações de carne suína, por exemplo, cresceram de 65 mil toneladas, em 2000, para 761 mil, em 2014. As importações originaram-se, sobretudo, dos EUA (32,9%), da Alemanha (19,12%) e da Espanha (12,12%). Já as importações de carne bovina cresceram de 16 mil toneladas para 417 mil. A Austrália é responsável por 50% desse total, seguida pelo Uruguai com 21,5%. Em contrapartida, as importações de carne de frango diminuíram de 588 mil toneladas para 260 mil, no mesmo período (USDA, 2015). A participação do Brasil nas exportações de proteínas para a China é significativa. As exportações totais de carne para China cresceram 12 vezes em volume, passando da casa das 19 mil toneladas, em 2000, para a de 247 mil, em 2012, conforme exposto no gráfico 2. Analisando-se as cadeias específicas, verificam-se movimentos diferenciados. A cadeia produtiva de carne suína aumentou as exportações, que passaram de 90 toneladas, em 2000, para 1,2 mil, em 2013. Já a exportação de carne de frango aumentou de 18 mil toneladas para 227 mil, no mesmo período. Na cadeia produtiva bovina, o crescimento 38 ••• Carlos José Espíndola

foi da ordem de 24 vezes. No período entre 2007 e 2012, a participação do Brasil atingiu a casa dos 13%. Contudo, entre 2012 e 2013, as exportações de carnes bovinas reduziram-se em virtude do embargo chinês (CEBC/Apex, 2015). Nas exportações de carne de frango, apesar da queda das importações chinesas, o Brasil aumentou sua participação entre 2007 e 2012, de 21,2% para 63%. Em contrapartida, reduziu-se a participação americana, que era 64,1%, para 22%. A estratégia americana foi redirecionar seus produtos para Hong Kong26. Gráfico 2. Evolução das exportações brasileiras de carnes com destino à China

Fonte: Agrostat (2015). Elaboração: Geotde.

As importações chinesas de soja tiveram um elevado crescimento nos últimos 14 anos. Entre 2001 e 2014, as importações de grãos de soja cresceram 5,3 vezes, pulando da casa dos 13 milhões de toneladas para 70 milhões. As importações de óleo de soja cresceram de 355 mil toneladas para 1,3 milhões. Em contrapartida, as importações de farelo de soja decaíram de 100 mil toneladas para 20 mil, no mesmo período 26 Em 2012, os EUA suspenderam as importações de carne de frango processadas da China. Como retaliação, a China impôs restrições às importações americanas, acusando os EUA de ofertarem subsídios ilegais a seus produtores. Já em 2013, os EUA obtiveram ganho de causa nas restrições (tarifas antidumping) impostas pela China e suas exportações aumentaram, reduzindo, com isso, a participação brasileira (CEBEC/APEX, 2015). A DINÂMICA GEOECONÔMICA DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO DE CARNES E SOJA ••• 39

(USDA, 2015). Contudo, em função do crescimento do processamento interno do grão, as importações de óleo, a partir de 2008, vêm apresentando decréscimo. As exportações brasileiras de soja para a China tiveram um crescimento da ordem de 18,3 vezes, saindo da casa de 1,7 milhões de toneladas, em 2000, para 32,6 milhões, em 2014, conforme demonstrado no gráfico 3. Em 2013, dos 59 milhões de toneladas de soja importada pela China, 41% eram provenientes do Brasil e 44% dos EUA. Segundo Cebec/Apex (2015), nos próximos anos o Brasil tornar-se-á o principal exportador de soja para o mercado chinês em função da ampliação da produção brasileira e exaustão do espaço agricultável americano, pois a expansão da produção de soja requer redução da produção de milho27. Gráfico 3. Evolução das exportações brasileiras de grãos de soja para China

(2000-2014)

Fonte: Agrostat (2015). Elaboração: Geotde.

Pelo exposto, pode-se afirmar que, apesar dos agronegócios do Brasil estarem inseridos no mercado chinês de carnes, as importações 27 Entre 2003 e 2013, enquanto a área plantada de soja no Brasil passou de 21 para 29 milhões de hectares, nos EUA o crescimento foi de 29 para 30 milhões. Em termos de produtividade, enquanto o Brasil cresceu de 2,5 mt/há, em 2003, para 3,11 mt/ há, em 2013, a produtividade americana cresceu de 2,56 mt/há para 2,66 mt/há, respectivamente (CEBEC/APEX, 2015). 40 ••• Carlos José Espíndola

chinesas são relativamente baixas. Em relação à carne bovina, apenas 5,9% das exportações brasileiras destinam-se a esse mercado. Já as exportações de frango para China representam apenas 6,3% do total exportado pelo Brasil. Entretanto, nas exportações de soja o Brasil avança e esse mercado representa 75% do total exportado. Dessa forma, a demanda chinesa quanto à elevação das exportações dos agronegócios de carne precisa ser relativizada28, isso é, somente para o caso da soja pode haver uma associação direta entre aumento das exportações brasileiras e o aumento da demanda chinesa. Portanto, quais poderiam ser os outros fatores responsáveis pelo dinamismo exportador dos agronegócios de carnes e soja?

5.

TRANSFORMAÇÕES TÉCNICAS PRODUTIVAS IMPLANTADAS NOS AGRONEGÓCIOS DE CARNES E SOJA

Os agronegócios de carnes e soja passaram, nos últimos 30 anos, por profundas transformações técnicas a montante e a jusante dos seus sistemas produtivos. A montante, destacam-se os avanços no campo de melhoramento genético. Na cadeia produtiva de carne suína e bovina foram implantadas as seguintes técnicas: a Inseminação Artificial (IA); a Transferência de Embriões (TE); a micromanipulação e produção in vitro de embriões; a clonagem; e a produção de animais e transgênicos. Na bovinocultura e na suinocultura, essas técnicas foram implantadas em quatro grandes fases. Tratou-se, a partir da importação de raças europeias, de criar e desenvolver raças adaptadas às condições edafoclimáticas brasileiras. Os programas de melhoramento genético vieram acompanhados por um intenso programa de melhorias nutricionais, como a utilização de ácidos orgânicos, enzimas, probióticos e prebióticos, própolis e ômega 3 na dieta alimentar29. No manejo, as 28 Ainda que alguns exportadores de carne bovina e de frango acessem o mercado chinês via Hong Kong, isso dificulta e não revela as reais importações chinesas (CEBEC/APEX-BRASIL, 2015). 29 No caso da bovinocultura, destaca-se o aumento das pastagens cultivadas que, apesar da baixa taxa de recuperação e renovação, aumentaram de 30 milhões de hectares, em 1970, para 105 milhões, em 1995, e o aumento dos animais engordados A DINÂMICA GEOECONÔMICA DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO DE CARNES E SOJA ••• 41

inovações fizeram-se na separação do ciclo completo para o caso da suinocultura e nas experiências do ciclo completo na bovinocultura30. Na cadeia produtiva de carne de frango, os avanços estão diretamente associados aos processos de redução da mortalidade, conversão alimentar, diminuição da idade de abate, peso médio e velocidade de crescimento. Para tanto, foi necessário um intenso processo substituidor de importações por parte de instituições públicas e empresas privadas, mediante a internalização de programas de melhoramento genético no Brasil, visando assim a redução da dependência externa. Destaca-se, nesse caso, o Decreto nº 55.981, de 22/04/1965, que criou mecanismos para o país deixar de importar o produto final (matrizes), com fracas perspectivas para cópia e melhoramento, para importar avós (ESPÍNDOLA, 2012)31. Entretanto, a abertura comercial do final dos anos de 1980, o Plano Collor e o Plano Real desestimularam, por um lado, os investimentos por parte das empresas privadas e do Estado e, por outro lado, abriram o mercado para entrada das grandes multinacionais de genética, quer em confinamento e por alimentação suplementar nos períodos de seca (misturas minerais, feno em pé etc.). 30 O “sistema integrado”, iniciado na década de 1950 pela Associação Rural de Concórdia/SC e pela Sadia, consistia na seleção de produtores capazes de desenvolver a produção de suínos assentados no ciclo completo (maternidade, criação e engorda). Nos anos de 1990, a suinocultura passou a especializar os produtores nessas diferentes etapas (ESPÍNDOLA, 2002). 31 Os ovozeiros são empresas que passam a importar os pintos avós ou os ovos férteis. A obtenção do pinto matriz é realizada por “intermédio do acasalamento de quatro linhagens de avós que constituem o chamado pacote de avós, formado por: 100% aves fêmeas da linha fêmea, 15% aves machos da linha fêmea, 16% aves fêmeas da linha macho e 4% aves machos da linha macho. Dos acasalamentos, resultam pintos matrizes, machos e fêmeas da linha fêmea, que são acasalados para obtenção da matriz comercial. Os subprodutos são descartados para fins produtivos e vendidos para a produção de carne” (MENDES, 1994 apud CANEVER et al, 1997 p. 80). Os esforços do Grupo Perdigão, no início dos anos de 1980, com a aquisição de material genético dos EUA, resultaram na criação do Chester. Esforços foram feitos, ainda, por parte do governo federal que, em 1985, por meio do Ministério da Agricultura, adquiriu a Granja Guanabara. Sob a administração da EMBRAPA, o material genético da Granja Guanabara foi repassado ao Centro Nacional de Pesquisa em Suínos e Aves (CNPSA), localizado na cidade de Concórdia/SC (ESPÍNDOLA, 2012). 42 ••• Carlos José Espíndola

via investimento direto, quer via aquisição de empresas nacionais de genética bovina, como a Pecplan e a Lagoa da Serra. A Agroceres, por sua vez, após associar-se à Ross Breeders International, passou a importar bisavós de aves, que posteriormente foram fornecidas para a Sadia, Frangosul, Avipal e Pena Branca. A norte-americana Cobb-Vantress, subsidiária da Tyson Foods, direcionou, em 2001, US$ 10 milhões para a construção de aviários destinados à produção de bisavós no Brasil. Na cadeia produtiva de carne suína, empresas como a belga Seghers, atuando desde 1996, a concorrente Dalland, do grupo holandês Topigs e a DB – DanBred, de origem dinamarquesa, encontraram a possibilidade de expansão das atividades de IA no Brasil (ESPÍNDOLA, 2002). As inovações ocorreram igualmente em relação às instalações, pois, na produção de frango, o meio ambiente exerce influência sobre os resultados zootécnicos do animal. Assim, para controlar as condições adversas do clima, a indústria avícola utiliza equipamentos de climatização do aviário como ventiladores, umidificadores, aquecedores, cortinas isolantes ou sistema de túnel32. O sistema de resfriamento adiabático evaporativo consiste em alterar o ponto de estado psicométrico do ar, para maior umidade e menor temperatura, mediante o controle do ar com a superfície umedecida ou líquida, ou com água aspergida ou pulverizada. O sistema de túnel de ventilação tem a finalidade de remover o ar em toda a extensão do aviário. A utilização do sistema de túnel de ventilação em aviários em Santa Catarina (Concórdia) reduziu de 2 a 5 pontos percentuais a mortalidade dos frangos33. Tanto na avicultura 32 Os convencionais são de tamanho variado, normalmente de 100 m de comprimento por 12 m de largura, com capacidade de alojamento de 12 frangos por m². Todo o sistema de alimentação e de tratamento é manual ou automático (campânulas de gás, bebedouros do tipo nipple ou pendulares, ventiladores e nebulizadores manuais). Os semi climatizados são de 125 m de comprimento por 12 m de largura e com capacidade de alojar 14,5 aves por m². O sistema de alimentação é automático e a climatização do ambiente é mais sofisticada. Os climatizados são acima de 125 m de comprimento por 12,5 m de largura com capacidade para 17 a 20 aves por m². A estrutura é de concreto e totalmente fechada por cortinas especiais que evitam a absorção do calor. 33 Os aviários climatizados redefiniram os padrões dimensionais dos aviários de 100 m de comprimento por 12 m de largura e de 50 m de comprimento por 10 m de largura, A DINÂMICA GEOECONÔMICA DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO DE CARNES E SOJA ••• 43

como na suinocultura, os novos sistemas criatórios (granjas, sistemas de granjas, núcleos especializados), juntamente com as novas tecnologias, possibilitaram um adensamento maior de animais por metro quadrado e, com isso, emergiu a necessidade da introdução de técnicas de biosseguridade. Assim sendo, vários frigoríficos brasileiros passaram a adotar práticas pré-abates e abates que minimizam o stress do animal. As inovações ocorreram ainda com a instalação de equipamentos automatizados para as áreas de abate, desossa, processamento, resfriamento, congelamento e embutimento. Também foram introduzidos processos de abate Halal para atender aos mercados islâmicos. As inovações em processos vieram acompanhadas de inovações em produtos, havendo a ampliação do seu mix (cortes especiais, novos embutidos, cortes temperados, linhas de produtos industrializados etc.). Alguns desses produtos seguem rigorosamente as especificações dos clientes em cor, tamanho etc. (ESPÍNDOLA, 2002). No agronegócio da soja, merece destaque o papel desempenhado pela Embrapa. Em 1975, foi criado, em Londrina-PR, o Centro Nacional de Pesquisa da Soja (CNPSO).que empenhou-se em desenvolver uma tecnologia específica para produção do grão em regiões de latitude inferiores a 15ºs, e para o aumento da produtividade em áreas tradicionais (CAMPOS, 2010). As duas primeiras cultivares para o Centro-oeste apareceram em 1980 (BR 5 e Doko), e para o Nordeste foram lançadas três cultivares, todas apresentando um período juvenil longo. Essas cultivares possibilitaram a migração de sulistas e sua fixação em grandes estabelecimentos, totalmente mecanizados, com outra para aviários de 125 m de comprimento por 12,5 m de largura e possibilitaram uma maior densidade de aves por metro quadrado. Os aviários, que antes alojavam 12.800 aves, passam a alojar mais de 20 mil aves. Entretanto, o elevado custo na introdução desses equipamentos tem reprimido alguns investimentos. Com isso, não se encontra no Brasil um padrão de aviário climatizado. Existem regiões, como a Centro-oeste, por exemplo, onde já se verifica a utilização de aviários com túnel de ventilação, nebulizadores de água e sistema de recirculação de água em painéis de evaporação. Nas regiões Sul e Sudeste, a tendência é a de adaptações (melhorias contínuas) nos aviários convencionais e semi-automatizados, que têm conseguido atender às necessidades de conforto térmico das aves (ESPÍNDOLA, 2012). 44 ••• Carlos José Espíndola

racionalidade de produção, já que a soja foi utilizada por muitos como cultura desbravadora, deixando no solo, após sua colheita, nutrientes necessários para o cultivo de outras culturas. De 1981 a 1990, produziram-se 35 materiais genéticos. O Sul ainda ocupava o primeiro lugar em desenvolvimento de cultivares, o Centro-oeste apareceu em segundo lugar, com treze cultivares, uma a menos que o Sul. Ainda nessa década, não havia sido desenvolvida nenhuma para o Norte do Brasil. No período de 1991 a 2000, quando o Mato Grosso passou a liderar a produção de soja no Brasil, a Embrapa lançou 56 cultivares apropriadas para o plantio em vários estados do Centro-oeste, seguida por 23 para o Sul, 13 para os do Nordeste, 13 para os do Sudeste e seis para os estados do Norte. Em 1992, foi lançada a cultivar Embrapa 20 (Doko RC), cuja amplitude edafoclimática poderia atingir o Tocantins, Goiás, o Distrito Federal, o Mato Grosso e a Bahia. Em 1998, apareceu a primeira cultivar para o plantio no Pará (ESPÍNDOLA; CUNHA, 2015). Tendo em vista essas inovações e a urgência de pesquisa pública acompanhar as tendências de mercado, garantindo ao produtor um material genético de boa qualidade, em 1997 a Embrapa/Soja, em parceria com a Monsanto, iniciou pesquisas com a soja transgênica e, assim, passou a inserir em suas cultivares o gene tolerante ao herbicida glifosato. Outro marco nas pesquisas da Embrapa ocorreu em 2010, com o lançamento da soja Cultivance, primeiro transgênico totalmente desenvolvido no Brasil. A nova cultivar é tolerante a herbicidas e concorre com a soja RR (Monsanto)34. Em termos gerais, pode-se afirmar que os agronegócios de carnes e soja passaram por um intenso processo de modernização, com a implantação de inovações em processos e produtos. Essas inovações possibilitaram que os agronegócios de carnes e soja reduzissem cus34 Na safra 2014/2015, a soja transgênica deverá cobrir 93% da área total, representando 29 milhões de hectares, sendo 76,7% desse total destinados à tecnologia tolerante a herbicidas (TH) e 16,5% à tecnologia resistente a insetos e tolerante a herbicidas (RI/ TH). A margem que sobra para soja convencional é para atender ao nicho de mercado, principalmente europeu, pois esse paga caro para ter soja não geneticamente modificada (ESPÍNDOLA; CUNHA, 2015). A DINÂMICA GEOECONÔMICA DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO DE CARNES E SOJA ••• 45

tos produtivos e passassem a inserir-se competitivamente no mercado mundial de alimentos35. No caso da soja, apesar do elevado crescimento das exportações para China, faz-se necessário ressaltar que, internamente, foi possível ampliar a produção de soja devida, sobretudo, à abertura de novas áreas (cerrado brasileiro), às condições edafoclimáticas do cerrado, ao nível tecnológico dos produtores e ao bem sucedido papel da Embrapa na constituição de novas cultivares. Para Jank e Nakahodo (2006), os desempenhos das commodities agropecuárias nas exportações devem estar também associados a outros fatores, como: (1) às crises de aftosa e vaca louca na Europa e nos EUA; (2) à redução da oferta mundial de carne de frango por parte da China e dos EUA, em razão do crescimento de sua demanda interna; e (3) à conquista de novos nichos de mercados que ampliaram o market share de algumas cadeias produtivas. Em relação aos preços internacionais como determinantes do aumento das exportações, Jank (2013) afirma que enquanto as commodities energéticas tiveram seus preços reais acrescidos em 1.000%, ao longo dos últimos 60 anos, os minerais tiveram aumentos de 100%, contra uma redução dos preços das commodities agrícolas em 25%. Ainda segundo o autor, a elevação dos preços das commodities agrícolas (44% em média), na última década, deve ser vista como um efeito recuperador dos preços.

6.

CONCLUSÃO

Procurou-se demonstrar, neste texto, que o desempenho exportador dos agronegócios de carnes e soja não é apenas reflexo do aumento das demandas oriundas da China, ou apenas do aumento dos preços das 35 Cabe destacar ainda que o intenso processo de modernização da agricultura brasileira possibilitou um crescimento da Produtividade Total de Fatores (PTF). No ano de 1975, na base 100, entre 1990 e 1999, a PTF cresceu de 142% para 184% e de 204% em 2000, para 307,2%, em 2011. A desagregação da PTF indica que, enquanto o índice do pessoal ocupado reduziu-se de 100 para 92,2, o índice capital cresceu de 100 para 128,7 (28,7%), contra 2,9% do índice de utilização de terras. Esse crescimento tem situado o Brasil entre os países com maior crescimento mundial da agropecuária (GASQUES et al., 2012). 46 ••• Carlos José Espíndola

commodities internacionais. Outros fatores, tais como inovações tecnológicas, capacidade produtiva, ampliação do mix de produtos, conquista de novos mercados e recursos naturais disponíveis são determinantes. Para tanto, buscou-se fazer um diagnóstico da configuração territorial da produção dos agronegócios de carnes e soja no mundo e o papel do Brasil. Verificou-se que, na produção mundial de carne suína, a China detém 50% do total produzido, seguida da União Europeia, com 20,6%, dos EUA, com 9,9%, do Brasil, com 3,15%, e da Rússia, com 2,11%. No agronegócio de carne de frango, a produção mundial está concentrada nos EUA, com 19,5%, na China, com 16%, no Brasil, com 14,9%, e na União Europeia, com 8,7%. No agronegócio de carne bovina, a concentração da produção ocorre em três grandes produtores: os EUA, com 18,7%, seguido do Brasil, com 16,6%, da União Europeia com 12,5% e a China com 10,9%. Na produção de grãos de soja, os EUA detêm 31,50%, contra 30,80% do Brasil. Em contrapartida, a China detém 28,74% da produção de farelo, contra 19,26% dos EUA, e apenas 15,21% do Brasil. Na produção de óleo, a China produz 27,44% da produção mundial. No desempenho exportador dos agronegócios de carnes e soja, demonstrou-se que no agronegócio de carne suína os EUA participam com 32,9%, contra 32% da União Europeia, 17,9% de participação do Canadá e apenas 8,1% do Brasil. No agronegócio de carne de frango, o Brasil é líder nas exportações mundiais, seguido dos EUA. Já no agronegócio de carne bovina, os maiores exportadores foram a Índia, com 20,8%, contra 19% de participação do Brasil e 18,5% de participação da Austrália. No agronegócio de soja, as exportações brasileiras concentram-se, sobretudo, nas exportações que grãos, e que cerca de 75% (32 milhões de toneladas) das exportações brasileiras de grãos de soja vai para a China. Em relação às exportações para China, afirmou-se que apenas 5,9% das exportações brasileiras de carne bovina destinam-se a esse mercado, contra 6,3% do total exportado de carne de frango. Diante dos dados analisados, é necessário relativizar o papel da demanda

A DINÂMICA GEOECONÔMICA DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO DE CARNES E SOJA ••• 47

chinesa nas importações do agronegócio de carnes. O papel da China é muito relevante nas exportações brasileiras de soja. Dessa forma, demonstrou-se que outros fatores foram fundamentais para o aumento das exportações dos agronegócios de carne de soja para o mercado chinês. Dentre eles, destacou-se a introdução de inovações nos processos de melhoramento genético, alimentação, sanidade, novos sistemas de criação, novos sistemas de abates, novos produtos, entre outros. As múltiplas determinações ampliaram a capacidade produtiva das cadeias produtivas de carne e soja, reduzindo o custo e possibilitando uma inserção competitiva no mercado mundial de proteínas.

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LOCAL-GLOBAL: TERRITÓRIO, FINANÇAS E ACUMULAÇÃO NA AGRICULTURA1 José Gilberto de Souza2

“Não fazer a distinção entre espaço e território é como não fazer a diferença entre o mineral de ferro e uma ferramenta feita pelo homem. Entre os dois se intercalam numerosas etapas e numerosos processos que fazem as culturas intervirem no sentido antropológico do termo” (Claude Raffestin).

O debate geográfico tem objetivado refletir sobre a relação entre os espaços local e global. Nossa primeira indagação reside em saber se a centralidade teórica dessas categorias geográficas não implica em falsa questão, ou uma tergiversação acerca das principais determinações territoriais decorrentes das lógicas de acumulação, que se processam na base das relações sociais produtivas e na autonomização do capital, em suas dinâmicas de autovalorização e autorreprodução (financeirização) na atual fase do capital monopolista. Assim, neste texto, propomos uma reflexão acerca dessas dimensões espaciais, considerando um elemento central: o processo de acumulação na agricultura frente às lógicas do capital produtivo e das finanças. Por sua vez, cabe destacar duas abordagens teórico-metodológicas que permeiam as análises sobre esse binômio (local/global). Elas têm suas raízes nas interpretações espaciológicas de determinações e subordinações entre essas dimensões espaciais, como se esses construc1 Trabalho realizado no âmbito dos projetos Capital monopolista e resistência social: o agrário e o agrícola em cidades médias brasileiras,aprovado pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP e Capital financeiro, expropriação de terras e produção agrícola moderna (CAPES – COFECUB). 2 Professor do Departamento de Geografia – Instituto de Geociências e Ciências Exatas – Unesp, Campus de Rio Claro. [email protected]

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tos teóricos as erigissem como pares dialéticos, quando normalmente se encerram interpretações estáticas, funcionais e dicotômicas. Nessa direção, em uma primeira abordagem, o local é absorvido, dissolvido, ou simplesmente se configura em objeto de processos externos dados, subsumido a determinações de exterioridade, de comando global. A segunda remete-se ao localismo, como se suas particularidades e características internas fossem capazes de consolidar as forças de “coesão e resistência espacial” em uma perspectiva endógena, neutralizadora e/ ou reguladora da ação exterior. As duas abordagens buscam dar aos espaços local e global uma dimensão de ser, de ente. Uma leitura que faz com que essa categoria geográfica (espaço) ganhe vulto e forma de sujeito social, substituindo as relações sociais que lhe dão concretude e forma,o que exige demarcar que o espaço tem uma dimensão ontológica, como produto e expressão do ser, mas não pode assumir uma perspectiva anímica, de ente, em substituição ao sujeito histórico e produtor do espaço: o homem em suas relações sociais. Dessa forma, a ontologia do espaço se processa no devir histórico do homem, em seu processo de produção/apropriação espacial. Essa categoria geográfica tem sentido histórico pelo homem, na medida em que estabelece constructos na sua relação com o mundo. A terra é o mundo do homem, como afirmara Hartshorne (1939), na sua relação com os outros homens. O que confere ao espaço uma segunda propriedade, além de histórico, ele é relacional. A produção/construção social dessa categoria se realiza na perspectiva do outro, do “não espaço” (SILVA, 1996), o que confere um sentido de identidade/diferencialidade e, no campo das relações sociais, consolidam-se processos de apropriação diferenciados, construindo o território. Assim, o espaço não é uma dimensão idealista, abstrata, ao contrário, se expressa em materialidade, dadas as determinações territoriais de classe (formas de produção e apropriação). “O território é, assim, produto concreto da luta de classes, travada pela sociedade no processo de produção de sua existência” (OLIVEIRA, 2008:5).

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O conjunto de determinações territoriais é revelador de sua onticidade, mas, como asseveramos, isto não atribui ao espaço o apanágio de “ser”. Trata-se de uma perspectiva que inverte o sujeito: o que o homem produz e que se apresenta como materialidade geográfica de seu devir (espaço) histórico é o próprio homem, o sujeito concreto da história. Essa inversão, que denominamos de abordagem anímica do espaço, mas não só dele, faz com que aquilo que é produto de relações apareça como a própria relação social, aquilo que é resultado da processualidade histórica humana, se configure em sujeito dessa historicidade. “Infelizmente, em parte ponderável da literatura contemporânea, o território, que deveria ser visto como ambiente politizado, em conflito e em construção, é posto como reificado, ente mercadejado e passivo, mero receptáculo, onde se inscrevem os deslocamentos/movimentos. O que é fruto de relações sociais aparece como relação entre objetos. Há uma coisificação e o território parece ter poder de decisão e é transformado em sujeito coletivo” (BRANDÃO, 2009:10).

A contribuição crítica de Brandão se refere à interpretação idealista da produção sócioespacial que, em muitos casos, anuncia e/ou vislumbra uma política (uníssona) de governança, quando seu constructo se estabelece no conflito, nas relações de poder que engendram determinações territoriais segundo a lógica, interesses e intencionalidades de classe. Cabe considerar ainda que a construção categorial de determinações territoriais não se vincula à trajetória de desenvolvimento histórico-linear, uma teleologia vulgar, como se apontasse para um determinismo de formas e processos de sua constituição. As determinações são o “estado” e o “movimento” das lógicas de apropriação espacial. O “estado” representa uma situação dada dos elementos constitutivos do território – normas, identidade, símbolos e relações de poder (SOUZA, 2009) – e o movimento se refere às forças efetivas em confronto, as intencionalidades das classes sociais em um devir constante e contraditório. LOCAL-GLOBAL: TERRITÓRIO, FINANÇAS E ACUMULAÇÃO NA AGRICULTURA ••• 57

As determinações territoriais são processualidades histórico-espaciais reveladoras dos projetos sociais, econômicos e políticos dos sujeitos e que colocam os elementos constitutivos do território em movimento, em direção à hegemonia. O movimento (práticas socioespaciais) é que consolida e altera os estados das determinações territoriais. Significa dizer que o território não é dado a priori, e sim que sua gênese e consolidação estão nas relações sociais que o sustentam, o que revela sua dimensão de classe, configurando aqui, essencialmente, uma perspectiva classista de território. Esse é o jogo específico das disputas espaciais do capital, elas encerram dimensões que assumimos como terminologias territoriais (local-global), mas que são objetivamente lutas sobre a apropriação e exclusão espacial. Tendo como referência o pensamento de Raffestin (1993:60), no qual o território se forma a partir do espaço (...) O território é o espaço político por excelência, o campo da ação dos trunfos é que compreendemos que o território é, sem sombra de dúvidas, a primeira maneira de dar significado às relações de poder, ou seja, o território é um primeiro campo, no seio do qual, o poder se articula. Ele não é o único campo, por isso a importância das análises sobre as territorialidades, mas se constitui em um meio persistente e recorrente de dar eficácia à significação de poder (SOUZA, 2009). Nesse processo, nas dimensões espaciais local e global se expressam e se materializam as determinações territoriais, segundo as lógicas e forças de poder. As formas de compreensão dessas determinações se estabelecem a partir das escalas geográficas de análise, que se consubstanciam em um recurso teórico e metodológico, e sempre exigem a compreensão de que a centralidade são as relações sociais e não o espaço (escalar) em si. “Selecionar analiticamente a escala mais conveniente dos problemas observados faculta melhor diagnosticá-los e possibilita sugerir coalizões de poder e decisões estratégicas sobre como enfrentá-los. O desa58 ••• José Gilberto de Souza

fio (simultaneamente) científico e político é, portanto, procurar definir o que e com que meios cada escala pode revelar, mobilizar, contestar, acionar, regular, comandar e controlar” (BRANDÃO, 2009:14). A escala posiciona os sujeitos sociais (e o pesquisador) frente à questão que está posta e permite a real construção dos recortes espaciais necessários à resposta. Assim é preciso compreender que a escala é, ao mesmo tempo, um recorte, uma representação e um discurso. Uma expressão espacial que demonstra e revela os níveis de entendimento. Cartograficamente, por exemplo, podemos afirmar que na pequena escala uma determinação territorial é ponto e na grande escala é área, são níveis distintos de compreensão de uma mesma materialidade. Ponto e área não são dimensões e/ou implantações cartográficas abstratas. Ao contrário, elas dão o sentido específico do nível de conhecimento das relações hegemônicas, ou centrais, para o entendimento do espaço/território. Observa-se que nos níveis máximos de identificação das relações e práticas socioespaciais contíguas se revelam os limites e nas não contíguas, as redes, na medida em que nos distanciamos da centralidade, dos núcleos que emanam o poder, é possível determinar as dimensões zonais/areolares e/ou os limites cartograficamente expressos. Importante assinalar que ao se distanciarem desse núcleo provedor, paulatinamente tendem a perder a “forma”, mesmo assim “exige-se” que as “fronteiras/limites” sejam expressas, no rigor de representação, por uma “linha tracejada”, como “medida” daquilo que já transparece como fluidez das determinações no espaço/território. Esse movimento é espacial (material), cartográfico e teórico-metodológico, mas é também o prenúncio de interposição escalar, revelador do quanto o local, o regional e o global estão imbricados, em um continuum, bem como suas determinações territoriais e, imediatamente, revelam o sentido das apropriações, as formas classistas do território. No capitalismo, esses níveis são expressos nas dinâmicas de controle da produção, da circulação e do consumo e são mediadas pelas taxas de acumulação.

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1.

O método e as lógicas de acumulação

Neste item, nos propomos demonstrar, no plano teórico, a indissociabilidade dos conceitos na lógica dos processos de acumulação. Neste exercício procuramos, com nossas limitações, expressar que o método marxista de apresentação das determinações territoriais progressivas do capital, nas escalas local e global, é a demonstração simultânea das determinações progressivas da acumulação, da concentração de terra, renda e capital, dada a característica patrimonialista que ele encerra (CHESNAIS, 2005). A preocupação com o método se respalda em uma análise preliminar do que se considera “nós” de entendimento da relação entre a lógica territorial e a lógica do capital em David Harvey (2004) e entre capital (industrial) produtivo e capital financeiro, no pensamento de François Chesnais (2005), e como se processa a apropriação da mais valia e da renda da terra, como formas sociais de reprodução do capital. Inicialmente, é preciso reconhecer que nesse caminho existem lógicas internas de funcionamento das instituições e seus movimentos monolíticos e não monolíticos (dada a perspectiva lukacsiana de antieticidade das instâncias sociais)3, como determinação progressiva de seu fundamento nas relações de classe, na formação e apropriação do valor. Especificamente, nos referimos ao Estado e, assim, o desenvolvimento de seu fundamento nas determinações territoriais e suas formas de manifestação na lógica de acumulação. Em um segundo momento, é preciso reconhecer as esferas da necessidade de realização dessa acumulação (dos capitais produtivos e financeiros), que aparecem como distintas, mas existem em condicionamento recíproco e que constituem a forma de movimento (social) do capital. Ainda que se produza autonomização funcional de cada elemento e/ou fenômeno, esse movimento se estabelece no aumento da mais valia e alteração da composição orgânica do capital (a relação entre trabalho 3 “No limite e no essencial, reafirmar a asserção marxiana, segundo a qual a história é resultado exclusivo da ação dos homens e que, por isso, está ao alcance da humanidade tomar a história em suas mãos”. (LESSA, 1994:63-64). 60 ••• José Gilberto de Souza

morto e trabalho vivo), esses processos presidem a acumulação e determinam a produtividade do trabalho, mas não somente, eles ampliam exponencialmente (na expectativa de lucro) a autovalorização do capital na forma rentista, na forma de especulação, o que é sua essência fictícia. Por último, é necessário destacar que nesses movimentos de instituições e de capitais se expressam a força totalizadora do capital que abarca e subordina todas as relações sociais, como lógica do mercado (a centralidade da mercadoria) e, nessa dimensão, quer transparecer que sua autovalorização (a autovalorização do valor) se processa em si mesma, como lógica assumida unicamente na esfera das finanças em seu esteio patrimonial. O fetiche da mercadoria-dinheiro ao seu extremo, sendo a especulação, a fraude e o engano as matrizes da prestidigitação do trabalho em realização e em potência e, portanto, ele mesmo a formação do “autovalor”, como seu espelho. Nesse processo é que se define a apresentação do método, uma vez que a forma de manifestação imediata exige o desenvolvimento de suas contradições internas, desviando-se dos elementos aparentes, que podem ser aqui associados a leituras idealistas e financistas, para reafirmar a dialética materialista, expondo, portanto, as relações sociais. Deve a teoria apresentá-las a partir de conceitos e que, metodologicamente, expressam sua capacidade explicativa do real. Os conceitos são momentos de um desenvolvimento categorial, mas não apenas, são constructos teóricos sobre e do real. Como explicou Marx, sobre a ordem em que se apresentam as categorias e conceitos. “(...) sua ordem é determinada pela relação que elas têm umas com as outras na sociedade burguesa moderna, e que é justamente o contrário de como elas aparecem naturalmente ou do que corresponde à ordem do desenvolvimento histórico. Não se trata da relação que as relações econômicas adotam historicamente em sequência das várias formas de sociedade. Nem muito menos de

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sua ordem na ideia, mas de sua articulação dentro da sociedade burguesa moderna” (MARX, 1983, p. 78).

Assim, não se trata de uma dedução lógica de conceitos e categorias, os quais se pode aplicar a todo momento e espacialidade, como se fossem “conceitos derivados de conceitos”. Antes, seus constructos são materiais, historicamente construídos pela realidade material e imaterial dos homens e, por isso mesmo, com seus nexos internos e contraditórios.

2.

A questão da lógica territorial e da lógica do capital

David Harvey (2004), em O novo imperialismo,iniciou sua reflexão apontando duas esferas de realização dos processos de acumulação que denominou de lógica do território e lógica do capital. O primeiro reparo que fazemos, nesse processo, é a construção de dois pares dialéticos entre os quais não se expressam movimento e contradição, dado que em certos momentos, o autor mencionou que eles não se relacionam e, nesse sentido, é importante analisar o conceito de território em Harvey e, da mesma forma, o de capital. Como asseveramos, partimos do pressuposto de que território não é uma dimensão físico-territorial, ainda que essa seja uma de suas possibilidades, mas não é simplesmente uma concretude/área em que se espraiam os processos de acumulação e se estabelece o desenvolvimento capitalista. O território não revela, ao contrário, deve ser revelado no conjunto de análises em que essa porção apropriada do espaço vai se constituindo, na medida em que se elucidam mediações e hierarquias das determinações que se assentam nessa ou naquela escala pela lógica do poder. O território não se consolida como lógica em si, mas se materializa como forma específica no modo de produção capitalista, enquanto sua gênese e os processos de acumulação se estabelecem mediados pelos interesses de classe, portanto o território é para si. Ele é o próprio capital, enquanto jogo de forças e processos de acumulação que se apre62 ••• José Gilberto de Souza

sentam como hegemônicos. Ele é a negação do capital quando novas formas de reprodução e práticas socioespaciais se constituem. Ele não é dado a priori enquanto uso e forma, porque se expressa como realização histórico-geográfica de classes sociais. Significa dizer que o território tem uma expressão de classe, enquanto materialidade de processos hegemônicos, de práticas socioespaciais capitalistas ou não. O campo de atuação a que Harvey se referiu é espacial (enquanto expansão geográfica), porque é campo de ação do capital, segundo os instrumentos possíveis de serem realizados na apropriação. Ao mesmo tempo, a lógica territorial em Harvey (2004) aparece como “local-nacional” enquanto expressão material do capitalismo em sua esfera produtiva, que pode assumir dimensões escalares regionais, nacionais, considerando a mediação do Estado como categoria central. Isso fez com que o autor as tratasse como espaços de acumulação centrados no capital produtivo, ou seja, para Harvey a lógica territorial é uma dimensão material concreta de acumulação por espoliação, como forma de expansão capitalista, e que se assenta na atuação do Estado-Nacional. Para o autor, o controle territorial é essencial para um padrão de acumulação que se impõe sobre a natureza e os processos de privatização, cujas ações respondem pela expansão geográfica e, nesse processo, o Estado resulta em “um arcabouço territorializado no interior do qual agem os processos moleculares do capital”(HARVEY, 2004:79). Com isso, o autor demarcou a necessidade dessa instância social nos processos de reprodução capitalista e considerou que o desenvolvimento do modo de produção deve ser entendido a partir das estratégias que o Estado estabelece territorialmente. Quando tomamos essa expressão, a princípio, não temos divergência. No entanto, dessa assertiva é que engendram-se divergências, quando fixou o autor a lógica territorial ao Estado e não ao capital em geral.

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O primeiro ponto a considerar é que o Estado moderno emerge como uma instituição burguesa4, e que atua nas lógicas de reprodução e de controle social capitalista (lógica territorial, como lógica do capital produtivo) e que sua função, porque o “Estado é um território do capital”, se transforma na mesma proporção em que se alteram as lógicas e formas de reprodução do modo burguês, e que a “lógica do capital” (financeiro) também se encontra mediada pelo Estado, seja no âmbito das dívidas públicas, dos fluxos cambiais, como nas regulações e desregulações sobre o capital financeiro/patrimonialista. Nesse processo, não há contradição entre essas duas dimensões e, nem mesmo, exterioridade de atuação dessa instância social nessa ou naquela esfera de reprodução capitalista. O segundo ponto está relacionado à compreensão do autor de que essas duas lógicas não têm, necessariamente, qualquer relação direta uma com a outra, e que podem ser desenvolvidas de forma dissociada. Indicou o autor que a política de um Estado-Nacional pode ser direcionada pelos interesses regionais a partir de processos moleculares de acumulação, ou, ao contrário, a consolidação de espacialidades que emergem em decorrência da pura lógica territorial. O autor exemplificou, essa última, a partir de estradas e sistemas de comunicação construídos para atividade administrativa, militar, ou proteção territorial, mas que atuam no processo de acumulação territorial. Essa dualidade não existe, nem do ponto de vista da atuação política do Estado-Nacional e muito menos das determinações territoriais apontadas como atuações “específicas” dessas lógicas. O capitalismo utiliza as estruturas de Estado na regulação, mas existem elementos de regulação supraestatais e infraestatais e, nesses mecanismos, se processam as formas de acumulação. Significa dizer que não haveria como conceber lógicas intrínsecas e particulares do “Estado capitalista” que não estivessem mediadas pelos interesses de acumulação. 4 Esse ponto não deixamos de considerar, ainda que tal leitura possa ser rotulada de “althusseriana”, embora não tenhamos uma compreensão monolítica das categorias e instâncias sociais,o Estado moderno é uma “ordem burguesa”. 64 ••• José Gilberto de Souza

Afirmou Harvey que quando o controle territorial (que não precisa ser físico, e nesse ponto estamos de acordo) se apresenta como um meio necessário de acumulação, a associação das lógicas (territorial e do capital) não se dá aleatoriamente e sim sob o comando do capital. Segundo o autor, nesse momento, o Estado usa seus poderes para direcionar a dinâmica regional, a partir de sua capacidade de investimentos, de suas estruturas administrativas, bem como a formulação e a imposição (violência5) de normas legais. (HARVEY, 2004:92). Para o autor, a justificativa de separação dessas lógicas – que em nossa avaliação é única e o que se tem como parâmetro é o papel do Estado-Nacional e suas nuances como estrutura burguesa – é a de que na lógica da acumulação o Estado não aparece. O ponto central é exatamente esse, as determinações territoriais progressivas do capital, nas escalas local e global, são simultaneamente as determinações progressivas da acumulação e se processam mediadas pelo Estado , nas esferas da produção e da circulação, mesmo no estágio mais desenvolvido da mercadoria-dinheiro, e em todas as suas formas ulteriores de desenvolvimento, que podem ser denominadas de capital financeiro, portador de juros ou patrimonialista, para sermos mais simples. Apontaremos abaixo que nem mesmo ações específicas de monopólio do Estado, como a violência, por exemplo, têm a possibilidade de isolamento, essa última, via indústria militar/via capital fictício. A única consideração possível se refere às ações mediadas pelos processos de disputa no aparelho de Estado, pelos movimentos sociais e populares na perspectiva de consolidação de uma nova dimensão territorial, que não tenha como centralidade a acumulação e a lógica da mercadoria. Importante destacar que o debate proposto pelo autor está “fixado” na perspectiva do imperialismo e busca delimitar um novo paradigma de hard power (NYE, 2004), centrado em dinheiro, capacidade produtiva e força militar. O nacional, como parâmetro conceitual, ganha o corpo de Estado e o território sua base material-espacial. Nessa 5 “(...) com seu monopólio da violência e suas definições de legalidade, tem papel crucial no apoio e na promoção desses processos” (HARVEY, 2004:121). LOCAL-GLOBAL: TERRITÓRIO, FINANÇAS E ACUMULAÇÃO NA AGRICULTURA ••• 65

interpretação o território não é um constructo, está dado a priori no conceito de Estado-Nacional e, evidentemente, a força e a expressão histórica desse Estado, para Harvey, são os Estados Unidos da América (EUA) e os demais Estados que subjuga. A matriz do pensamento de Harvey (2004), ainda que se professe luxemburguiano, está vinculada ao pensamento de Vladimir Illich Lenin (2007), particularmente em sua obra “O imperialismo, fase superior do capitalismo”. Nesse trabalho e, em especial, no capítulo VI, em que discutiu a repartição do mundo entre as grandes potências capitalistas, Lenin utilizou o texto de Alexander Georg Supan, geógrafo austro-húngaro, intitulado “Desenvolvimento territorial das colônias europeias”, para demonstrar as possessões dos países hegemônicos no mundo e o controle de área e população na viragem do século XIX. Nesse processo, Lenin, que já havia demonstrado, no capítulo anterior, as formas de repartição ou as determinações territoriais dos grandes grupos industriais e financeiros, em suas estratégias de concentração e monopólio, recorreu a “precisão espacial” para demonstrar como os Estados-Nacionais se articulavam na internacionalização capitalista. Lenin, estava sustentando sua análise nas mesmas premissas teóricas de Hobson (1902), quando esse reuniu elementos críticos acerca da deterioração do Estado-Nação inglês, frente ao que esse autor liberal denominava de efeitos do imperialismo: a superprodução; a redução da concorrência; os custos sociais e econômicos que as ações de controle militar, nas áreas de exploração estrangeiras, produziram à Inglaterra e, sobretudo, a fragilização das condições sociais de reprodução daquela sociedade6. Assim, na análise do texto de Lenin (2007) é necessário, em primeiro lugar, separar dois movimentos que se consagraram. O primeiro se referia às estratégias e interesses da burguesia inglesa em transformar o regime colonial, como fator necessário ao desenvolvimento do capitalismo. Lenin apontou para esse esforço da burguesia inglesa: 6 Destaca-se que as considerações de Lenin (2007) sobre Hobson, em muito, têm por objetivo demonstrar o quanto Kautsky assumiu uma posição reformista, mais conservadora do que as posições do autor inglês. 66 ••• José Gilberto de Souza

“En la época de mayorflorecimiento de la libre competencia en Inglaterra, en los años 1840-1860, los dirigentes políticos burgueses de este país eranadversariosde la política colonial y consideraban como útil e inevitable la emancipación de lascolonias y suseparación completa de Inglaterra” (LENIN, 2007:59).

A demarcação histórico-teórica desse período é de extrema importância, uma vez que o colonialismo se caracterizou por uma dominação territorial entre metrópole e colônia e todos os processos diretos de subordinação política, econômica, comercial e jurídica que ela encerrou. No colonialismo não existe uma relação interestatal, mas intraestatal. Ao passo que o imperialismo, na forma clássica de interpretação, constitui-se em uma relação de dominação entre Estados Nacionais, o que o diferencia do colonialismo7. Exatamente por conta dessa interpretação clássica é que Lenin elaborou esse capítulo. O autor reconheceu que nas relações econômicas os processos de dominação e realização do capital financeiro ainda se materializam em espaços coloniais, mas sua forma em desenvolvimento e realização não requer ou depende dessa estrututra, ao contrário, seu desenvolvimento ulterior se estabelece nas relações interestatais, ou seja, sobre os Estados independentes, mas, nem mesmo isso é o cerne do imperialismo na leitura crítica marxista. “Al lado de lasposesionescoloniales de las grandes potencias, hemoscolocado lascolonias menos importantes de los Estados pequeños y que son, por decirloasí, el objeto inmediatodel “nuevo reparto” de lascolonias, posible y probable. La mayor parte de esospequeños Estados conservan sus coloniasúnicamentegracias a que entre las grandes potencias existeninteresescontrapuestos, rozamientos, etc., que dificultan el acuerdo para el reparto delbo7 O fato de sua análise estar restrita ao processo de mudança das relações hegemonicamente colonialistas e, simultaneamente, serem apresentados os germes de uma nova constituição do desenvolvimento do capitalismo (imperialismo) em sua dimensão financeira, Lenin, teve dificuldades em detalhar/separar os processos de dominação colonialista dos processos de dominação econômicos, financeiros e políticos de caráter imperialista. LOCAL-GLOBAL: TERRITÓRIO, FINANÇAS E ACUMULAÇÃO NA AGRICULTURA ••• 67

tín. En cuanto a los Estados “semicoloniales”, nos dan el ejemplo de las formas de transición que hallamos en todas las esferas de la naturaleza y de la sociedad. El capital financiero es una fuerzatanconsiderable, por decirloasítan decisiva en todas las relaciones económicas e internacionales, que es capaz de subordinar, y en efecto subordina, incluso a los Estados que gozan de una independencia política completa, como lo veremos más adelante. Pero, naturalmente, para el capital financiero la subordinación más beneficiosa y más “cómoda” es aquella que traeaparejada consigo la pérdida de la independencia política de los países y de los pueblos sometidos. Los países semicolonialesson típicos, en este sentido, como “caso intermedio”. Se comprende, pues, que la lucha por esos países semidependienteshayatenido que exacerbarse particularmente en la época del capital financiero, cuando el resto del mundo se hallabaya repartido” (LENIN, 2007:61).

Nesse ponto é que se encerram nossas considerações acerca do trabalho de Harvey (2004). A questão da dominação entre Estados é secundária nas reflexões críticas sobre o imperialismo, pois o Estado como fundamento de relações é uma representação burguesa das fragmentações socioespaciais que o capitalismo cria. Não obstante, o próprio Lenin, ao situar a interpretação do imperialismo sobre a dimensão espacial do Estado-Nacional, reconheceu que essa, ou qualquer outra dimensão espacial, ou mesmo extraeconômica, têm pouca importância a não ser quando se revertem em necessárias à lógica de acumulação. “Los capitalistas repartenel mundo, no como consecuencia de su particular perversidad, sino porque el grado de concentración a que se ha llegadolesobliga a seguir este camino para obtenerbeneficios; y se loreparten “según el capital”; “según la fuerza”; otroprocedimiento de reparto es imposible en el sistema de la producción de mercancías y del capitalismo. La fuerzavaría a su vez en consonancia con el desarrollo económico y político; para comprenderlo que está aconteciendo, hay que saber cuálesson los

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problemas que se solucionan con el cambio de lasfuerzas, pero saber si dichoscambiosson “puramente” económicos o extraeconómicos (por ejemplo, militares), es una cuestión secundaria que no puedehacer variar en nada la concepción fundamental sobre la época actualdel capitalismo” (LENIN, 2007:51).

Evidencia-se que a questão central do imperialismo não está nos processos “espaciais” (entendidos aqui como relações entre nações) de dominação, mas na lógica de constructo de dominação territorial mediada pelas finanças em seu caráter monopolístico. Por esse motivo, as críticas luxemburguianas são tão precisas,quanto atuais. Para Luxemburg, a questão do nacional iniciou-se exatamente pelo entendimento de que a experiência russa não poderia manter-se em si mesma. Tratava-se, afirmava a economista polonesa, de um episódio, de um fenômeno da história mundial, na trajetória do processo revolucionário dos proletários e camponeses frente ao capitalismo (LUXEMBURG, 1988). Muito além de uma análise pontual sobre a organização do Estado socialista, para ela, a questão nacional se vinculava ao processo revolucionário, na medida em que se concentrava nesse discurso os entraves à revolução socialista, ao internacionalismo proletário e ao combate à essencialidade do imperialismo, que para a autora, era entendido como um método histórico de preservação do capitalismo. “Hoje, tornou-se atual também na Rússia, já que o desenvolvimento dos acontecimentos revolucionários coloca todas as classes e todos os partidos políticos diante da necessidade de solucionar a questão nacional do ponto de vista da política prática e de seus objetivos diretos. (...)  A respeito da questão nacional como de qualquer outra, a posição do partido operário deve diferenciar-se claramente, por seu próprio método e pela concepção básica do problema, das posições adotadas pelos partidos burgueses, inclusive os mais radicais, e também das posições dos partidos pseudo-socialistas da pequena burguesia. A social-democracia, que baseia toda sua política no método científico do materialismo his-

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tórico e na luta de classes, não pode fazer uma exceção da questão nacional. (...)Para dizer a verdade, o programa do partido russo contém ainda outros dois postulados extremamente importantes e que se referem ao mesmo problema. Trata-se do sétimo ponto, que exige a supressão dos Estados e a completa igualdade de direitos para todos os cidadãos sem diferença de sexo, religião, raça ou nacionalidade, e do oitavo ponto, que proclama o postulado de que a população da nação deve ter o direito de frequentar escolas gratuitas e autônomas que ensinem o idioma nacional, a utilizar sua língua nas assembleias, como também em todas as repartições estatais e públicas, conjuntamente com o idioma do Estado. (...) Contudo, é evidente que os autores do programa consideraram insuficientes para solucionar a questão das nacionalidades a igualdade de direitos, a autonomia local e provincial e o direito ao idioma próprio, já que julgaram indispensável o acréscimo de um parágrafo especial pelo qual cada nacionalidade devia ter o “direito à autodeterminação”. O que caracteriza principalmente esta formulação é a circunstância de que não contém nada relacionado especificamente com o socialismo ou com a política operária. “O direito das nações à autodeterminação” parece à primeira vista uma paráfrase da velha palavra de ordem do nacionalismo burguês de todos os países em todos os tempos: “o direito das nações à liberdade e à independência”. [...] O caráter demasiadamente geral do nono ponto do programa social-democrata russo já nos indica que soluções desta natureza são estranhas à doutrina do socialismo marxista. “O direito das nações” – que abarque todos os países e todos os tempos com idêntica justiça – não é outra coisa senão um clichê, uma frase metafísica, como seus análogos “direitos de homem” e “direitos do cidadão”. O materialismo dialético – fundamento do socialismo científico – eliminou definitivamente de seu vocabulário estes axiomas “eternos”. (...) Além disso, o materialismo dialético

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demonstrou claramente que os conteúdos reais dessas verdades, fórmulas e direitos “eternos” são impostos em cada oportunidade pelas relações materiais do meio ambiente social correspondente e de sua época histórica” (LUXEMBURG, 1988).

Significa dizer que o pensamento crítico não pode ancorar suas análises acerca do desenvolvimento do capitalismo e de suas estratégias de reprodução e acumulação na esfera do Estado-Nacional, ou, aqui, particularmente, no antiamericanismo. O que resulta em importância na lógica de acumulação, não é efetivamente a mediação do Estado estadunidense sobre as estratégias de controle territorial na zona do petróleo e nas outras esferas de apropriação dos recursos naturais, mas sim, o conceito de accumulation by dispossession. Harvey (2004) elaborou esse conceito em uma aproximação direta ao pensamento de Luxemburg, como forma econômica do capitalismo, em seu processo de ampliação da acumulação, quase derivando e, também, comparável ao da acumulação primitiva, no que ele tem de destruição da natureza, de rapina, pilhagem, ou como afirmou Lenin, das formas de obtenção de controle dos recursos naturais e do mais valor do trabalho, aplicado em escala internacional e mediada pelo capital financeiro. “La particularidad fundamental del capitalismo moderno consiste en la dominación de lasasociaciones monopólicas de los grandes empresarios. Dichosmonopoliosadquieren la máxima solidez cuandoreúnen en sus manos todas lasfuentes de materias primas, y yahemos visto con qué furor los grupos internacionales de capitalistas dirigen sus esfuerzos a arrebatar al adversario toda posibilidad de competencia, a acaparar, por ejemplo, lastierras que contienen mineral de hierro, los yacimientos de petróleo, etc” (LENIN, 2007:62).

Exatamente nessa esfera, David Harvey (2004) deteve seu discurso em O novo imperialismo, com o objetivo de demarcar as ações do Estado, que não são outras, ou mais, que as ações do próprio capital nos conflitos territoriais no Oriente Médio e, em seu texto, particularmente, LOCAL-GLOBAL: TERRITÓRIO, FINANÇAS E ACUMULAÇÃO NA AGRICULTURA ••• 71

na guerra do Iraque, para manutenção e ampliação de sua hegemonia de partilha entre os grupos monopolísticos, tal como exemplificara Lenin no início do século XIX. Destaca-se ainda que, nem mesmo as práticas do militarismo que são levadas a efeito no jogo de forças geopolítico contemporâneo (hard power) pode ser tomado intrínseca e exclusivamente “como ação de Estado”, seja pelo controle territorial, seja pelas formas de subordinação das nações. O próprio militarismo, ou ação militar de Estado, desde a consolidação da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN); da condução da presidência dos EUA por Dwight D. Eisenhower (19531961) e, marcadamente, sua “Mensagem especial ao Congresso sobre a situação no OrienteMédio”, em 05 de janeiro de 1957, considerado como Doutrina Eisenhower, se estabeleceu como uma atividade econômica, uma indústria capitalista como qualquer outra, com a capacidade latente de destruir e criar a necessidade de reconstrução (trade war), com a particularidade de estar articulada umbilicalmente ao poder de Estado. Mampaey e Serfati definem a indústria militar como um sistema, diante de sua lógica particular de reprodução, afirmando que essa abordagem ultrapassa a análise setorial. “(...) que não permite esclarecer o caráter totalmente singular da produção de armas no que diz respeito ao seu destino (um único cliente ou monopsônico), nem seu lugar na reprodução macroeconômica (o bem “armamento” não é nem um bem de produção nem um bem de consumo), e ainda menos o entrelaçamento robusto e orgânico entre os grupos industriais e as instituições estatais” (MAMPAEY, SERFATI, 2015:223).

Descrevem os autores, nesse excelente artigo, os mesmos processos de reestruturação industrial na lógica das finanças, de concentração (fusão e aquisição), de valorização bursátil e de perspectiva de realização econômica pelo conceito de “conflito permanente”, que garante a lógica especulativa do sistema de guerra. 72 ••• José Gilberto de Souza

Não se desconsidera, portanto, em nossa análise a importância do Estado nesse processo de expansão territorial capitalista, na esfera produtiva e financeira. Sustentamos que o próprio militarismo é em essência um exemplo capital acerca da vinculação dessas esferas e, sobretudo, como o Estado é um agente singular nessa valorização e autovalorização do capital vinculado à ação militar. As reflexões que o próprio Harvey (2004) constrói na perspectiva crítica de demonstrar como essa instância é fundamental nos processos de acumulação do capital e seu papel regulador são evidentes. A questão é que a perspectiva dual entre lógica territorial e lógica do capital separa essas dimensões dos processos de acumulação, como se a lógica territorial e suas determinações fossem constructos independentes do movimento do capital financeiro, descaracterizando a totalidade social do capital. O próprio autor reconhece que o prisma do nacional é tênue quando as intencionalidades e objetivos do capital se colocam como imperativos nas relações do Estado, seja na perspectiva de uso de seus instrumentos mais “duros” (hard power) nas relações interestatais, seja de instrumentos de negociação e atração para campo de poder, denominados de soft power8, o fato é que tais mediações são apenas constructos imanentes do capitalismo e de suas esferas de reprodução. Para Harvey, nem mesmo os “interesses estadunidenses” enquanto lógica de preservação das condições econômicas internas de reprodução (desenvolvimento e crise econômica) foram suficientemente capazes de deter a insaciabilidade do capital financeiro, o que configura o Estado-Nacional como uma metáfora, ou seja, trata-se eminentemente do Estado capitalista, nos moldes de como analisou o próprio Marx (1983). A lógica financeira tem o Estado como instrumento do capital, como segue a tradição crítica marxista, ainda que se reconheça os elementos de antieticidade imanentes em qualquer instância social, mas 8 “The ability to get what you want through attraction rather than coertion or payment. It arises from the attractivenes of as country's culture, political ideals, and polices” (NYE, 2004:X). LOCAL-GLOBAL: TERRITÓRIO, FINANÇAS E ACUMULAÇÃO NA AGRICULTURA ••• 73

não se configura como uma lógica em exterioridade às finanças, que o autor chamou de lógica do capital. A primeira (territorial) não o seria ? Nesse sentido, o capital, a que se referiu Harvey é efetivamente finanças, mas que não opera de forma distinta, ou em separado das formas produtivas de realização do capital, centradas na produção do valor, do mais valor e da renda, mediadas, ou não, pelo Estado. O que o autor propôsfoi separar a atuação do poder político na forma de acumulação do processo produtivo, bem como sua natureza e capacidade constantes de realizar a acumulação primitiva – ou como a própria Rosa Luxemburgjá apontava, sobre sua capacidade de reprodução sobre relações nãocapitalistas – de criar formas de ampliação, ou acumulação exponencial na esfera financeira9. A questão é: em que medida o Estado não media essas duas formas de acumulação (produtiva e financeira), cujas características mesmas se estabelecem sobre o trabalho e a renda da terra? O que está posto em Harvey é a lógica da expansão geográfica do capitalismo que se concretiza em ajustes espaciais pela mediação do Estado, na atuação geopolítica dos Estados Unidos da América, por exemplo. Observa-se que essa expansão geográfica, mediada pelo Estado, se configura em um “arcabouço territorializado” pelo qual se realizam os processos moleculares de acumulação, o que evidencia, pelo próprio autor, a importância dessa instância social na reprodução ampliada do capital. A questão do autor é o Estado estadunidense e as formas de realização da acumulação na periferia do capitalismo. Mas, em nossa análise, a centralidade não está nas instâncias superestruturais pelas quais o capitalismo se realiza e sim, efetivamente, sob o jugo que se impõe às classes proletárias e camponesas nos processos de apropriação do mais valor e da renda da terra. Nesse ponto, demarcamos que a mediação dos processos de acumulação não se realiza pelo capital apenas na lógica espacial (físico territorial) centro-periferia, e sim na realização do mais valor em todas as esferas das relações capitalistas, demonstrando na 9 O que veremos à frente é queChesnais estabeleceu sobre a questão política e a mundialização financeiraesse mesmo pensamento dual. 74 ••• José Gilberto de Souza

perspectiva luxemburguiana que, quanto mais periférica, contraditoriamente, quanto mais se distancia do cerne das relações formais capitalistas, mais se amplia a acumulação. Ela se realiza nos países centrais e nos países nãocentrais, em todas as relações periféricas do capitalismo em que o Estado tenha ou não capacidade de legitimar as formas de exploração, e se processa em transições econômicas (circulação do capital é uma necessidade absoluta) produtivas e financeiras. O trabalho de migrantes e dos cidadãos atingidos pelas grandes crises econômicas nos países centrais é um dado concreto sobre as formas de acumulação que se materializam nos subempregos, nos empregos informais e nas relações econômicas de subconsumo e subdireitos, como totalidade social do capital. A acumulação intensiva não se realiza no plano das relações entre os Estados-Nacionais e ou nos processos de reprodução do capitalismo central e periférico, mas sim nas formas de atuação do capital em suas centralidades e atuações periféricas orgânicas e técnicas sobre o trabalho e a terra10. Reduzidas as dinâmicas de acumulação, tendência geral de queda da taxa de lucro, os mecanismos de controle devem efetivamente ressurgir como lógica territorial (produtiva) do capital, mediado ou não pelo Estado, mas que em verdade são lógicas precisas do capitalismo que se reconstroem nos limites de incorporação de lucro e renda, como mecanismos de regulação. Em nosso entendimento, a lógica territorial é um equivoco recorrente do materialismo histórico quando quer tratar das ações de dominação como lógica de Estado, quando em verdade se configura em lógica de dominação do capital que transita agora com maior fluidez como finança (lógica do capital). A matriz leninista das alianças de Estados, em contraposição a lógica imperialista-capitalista, faz-se presen10 Um exemplo concreto é o que se denomina de feminilização do trabalho migrante nos países centrais, em que as atividades e condições de exploração antes vinculadas apenas ao trabalho da mulher passam a ser paradigma para todo e qualquer trabalhador privado de direitos e que se posicionam “espacialmente” na periferia das relações sociais de produção. LOCAL-GLOBAL: TERRITÓRIO, FINANÇAS E ACUMULAÇÃO NA AGRICULTURA ••• 75

te no pensamento do autor como “esperança” (HARVEY, 2000) de resistência ao império, quando o que se processa e, nesse ponto estamosde acordo com Chesnais, é uma mundialização financeira, como forma de controle social e produtivo. O capital ultrapassou a barreira da nação, tornou-se internacional, mundializado, como considerou o autor francês e comanda as formas de acumulação em todos os espaços passíveis de autovalorização. Não se desconsidera, com isso, a necessária análise sobre o papel do Estado, mas ele não é mediador de uma lógica distinta do capital, há um risco de tergiversar sobre a gênese do capital e sua forma primeira de valor (trabalho e renda), na mesma perspectiva de dar exterioridade ao capital financeiro, como apontou Chesnais, e que passaremos a refletir.

3.

Capital produtivo e capital portador de juros: a moeda em pé

Partimos do pressuposto de que o capital financeiro ou fictício é espelho do capital produtivo e nele se sustenta sua lógica de reprodução. O capital produtivo não se constitui como lastro do capital financeiro, mas como base de especulação em sua potencialidade de realização. A partir dessa abordagem, apontamos para as formas concretas que assumem na agricultura, inclusive mediadas pelo Estado. A questão é que a forma mercadoria-dinheiro ganha uma expressão autônoma de reprodução característica de um processo de trocas de moedas e papéis que, em sua natureza própria, como aponta Marx, se configura em fetiche. As relações sociais tomam a aparência de relações entre coisas, há uma consideração extrema nesse processo quando o dinheiro toma a forma de mercadoria e essa mediação resulta em uma aparência de relação direta entre as coisas. O fato é que o fetichismo é algo imanente à produção de mercadorias, pois a produção se autonomiza em relação aos homens (MARX, 1983). O capital financeiro, tratado por Chesnais (2005) como capital portador de juros, é apresentado em sua proeminência no seio do capital em geral e figura a primeira negatividade como parasita, por cons76 ••• José Gilberto de Souza

truir seus processos de autovalorização, em aparência, de forma externa ao processo de produção. Não apenas o dinheiro na forma capital ganha essa característica, mas também os proprietários do capital, o que o define como patrimonialista, que atuam como operadores do crédito e se colocam como parasitas, ao estarem “externos” ao processo produtivo, mas vinculados ao interesse rentista. Há ainda uma segunda negatividade do capital portador de juros, sua capacidade de rebaixar as expectativas de crescimento da economia (o que faz com que Chesnaisdesse, ao capital financeiro, o apanágio de “mal maior”) e, nesse conjunto, o assume como exterioridade, caracterizando-o como desenvolvimento anômalo, ou disforme do processo de acumulação que se estrutura primariamente no excedente da produção. Essa forma do capital que, Marx já sintetizara como D – D’, se realiza por meio de instituições financeiras, bancárias e não bancárias que fazem “dinheiro sem sair da esfera financeira” (CHESNAIS, 2005:35), a partir da introdução de capitais nas atividades produtivas e não produtivas em níveis nacional e internacional. Uma produção de “valor” em que o capital-mercadoria a realiza no âmbito da produção e fora dela, na medida em que coordena todas as atividades econômicas – desde as produtivas até a circulação e o consumo. Consolida-se um regime de acumulação, mediado por práticas de normatização e liberalização, operado em compras e vendas de títulos, direitos, ações, entre outros ativos, visando a obtenção de juros e dividendos, o que segundo o autor se efetiva em “um regime de acumulação patrimonial” (CHESNAIS, 2005). Nesse ponto, o autor aproximou sua compreensão daquela que apresentamos em Harvey, quando descreveu nos capítulos 4 e 5 de O novo imperialismo, as ações do poder político e do capital, indicando que as crises de sobreacumulação, que já se apresentavam nos anos 1980, passaram a ser espacializadas (mundializadas) sob a tônica do neoliberalismo, evidenciando as ações do Estado no processo de desregulamentação, que deram fluidez ao capital e ampliaram sua capacidade de dominação. Chesnais afirmou que o capital financeiro: LOCAL-GLOBAL: TERRITÓRIO, FINANÇAS E ACUMULAÇÃO NA AGRICULTURA ••• 77

“não foi levado ao lugar que hoje ocupa por um movimento próprio. Antes que ele desempenhasse um papel econômico e social de primeiro plano, foi necessário que os Estados mais poderosos decidissem liberar o movimento dos capitais e desregulamentar e desbloquear seus sistemas financeiros” (CHESNAIS, 2005:35).

Para Harvey essa “mundialização” é resultado de estratégias imperiais (de Estados) que se realizam na lógica de acumulação por espoliação e de lógicas específicas (moleculares) do capital. Mas, para Chesnais, o Estado, nessa interpretação, aparece como um agente externo que “decide” liberar, quando em verdade sua atuação vem ao longo dos anos assumindo características monolíticas, dado o elevado grau de sua privatização (essência da acumulação por espoliação), de sua apropriação enquanto esfera pública-social, transformando-se em esfera efetiva do capital, sobretudo na Europa com a crise e destruição de l’Etatprovidence. Nesse ponto, se aproximaram Chesnais (2005) e Harvey (2004), na medida em que os autores particularizaram a política nas esferas produtivas e financeiras do capital. Os movimentos anticíclicos desse processo, que apareceram como desejo imanente do autor francês na “revalorização conceitual” do capital produtivo/industrial – o “capital bom” -, se realizam histórica e pontualmente sob as formas de resistência de governos trabalhistas que se impuseram de forma diferenciada, notadamente na América Latina. O que Harvey denominou de “espaços da esperança”, mas que seguiram suas trajetórias sem rupturas mais concretas ao papel que lhes foi creditado no cenário internacional desde o Consenso de Washington (SOUZA, 2009a, BRENT, 2015). O intelectual francês, seguindo a essência da escola francesa da regulação, não apenas retomou a máxima acerca do parasitismo do capital financeiro sobre o capitalismo e o homem em geral, mas também recorreu a uma perspectiva reformista/regulacionista de que é possível destruir o capital financeiro, dada sua insaciabilidade, mas também pelas condições que seu desenvolvimento impõe ao crescimento econômico, defendendo assim, um capitalismo menos ruim, o capital produtivo.

78 ••• José Gilberto de Souza

Pode-se inferir que Chesnais atuou como um “esclarecedor” aos capitalistas industriais sobre o papel “negativo” do capital financeiro, sua condição parasitária e que seu movimento de reprodução aponta para uma inflexão negativa das taxas de lucros e de crescimento econômico. O autor, ao explicitar que a “propensão do capital portador de juros para demandar da economia ‘mais do que ela poder dar’ é uma consequência de sua exterioridade à produção” (CHESNAIS, 2005:61), quase defendeu um enfrentamento intracapitalista. No entanto, essa perspectiva é pueril na medida em que o entrelaçamento de capitais e capitalistas rentistas e capitalistas das esferas produtivas está enredado, claramente, desde as análises de Lenin no início do século XX. O capital produtivo e o capital financeiro atuam de forma imbricada, e mesmo que esse último possa circular de forma “externa” à produção, é nela que ele se espelha, e atua no seio das relações como totalidade social constituída. O movimento de valorização, aparentemente autônomo recorre sempre ao processo de elevação constante da produtividade do trabalho. Nesse processo, como capital de empréstimos, na forma de crédito, punciona a mais-valia, mediada pelos mercados de ações, moedas, títulos da dívida pública e todas as formas possíveis de sua manifestação em juro (CHESNAIS, 2005). Assim, o certo apelo “territorial” de Harvey (2004), enquanto Estado-Nação, não pode garantir a ruptura das ações do capital financeiro que são claramente mediadas pelo Estado estadunidense, mas não apenas, e que fazem fundir as lógicas territorial e de finanças como lógicas intrínsecas de acumulação. Da mesma forma, a falsa dualidade e exterioridade do capital financeiro e capital produtivo, em Chesnais (2005), aponta para rupturas concretas, dada a existência de uma fragmentação teórico-política. O autor dissertou como se fosse possível a busca da destruição das formas de acumulação rentistas que se expressam na realização de um (por meio do crédito, por exemplo), sem a crítica e superação dos processos de acumulação do mais valor que se espelha (mesmo especulativamente) em outro, como realização e potência. Nas duas situações se proLOCAL-GLOBAL: TERRITÓRIO, FINANÇAS E ACUMULAÇÃO NA AGRICULTURA ••• 79

movem a subsunção do trabalho e a negação do homem como sujeito histórico e as permanentes fetichização e transformação das relações sociais em relações de coisas. O fato é que mesmo na periferia, em que se consolidam os processos de resistência às imposições estadunidenses, como expressão do “império”, essas devem ser concebidas, muito mais como concorrências intracapitalistas do que como processos de impedimento às lógicas de dominação do capital. Considera-se ainda que a perspectiva do capital como um processo de operação das finanças, em nossa análise, emerge da dinâmica central do capital produtivo e seu tratamento em separado promove uma prestidigitação do território e de sua função na reprodução ampliada na lógica das finanças. Há uma interposição, uma intermediação, uma indissociabilidade dos processos de acumulação das esferas produtivas e das finanças, em que pese a fragilidade econômica dessa última em sua capacidade de produzir e reproduzir-se em crises, e fica sempre o apontamento do próprio autor de que não importa quem são os devedores, ou quem será responsável por pagar, mas sim “saber se os mercados permanecerão líquidos” (CHESNAIS, 2005:49).

4.

Capital produtivo e capital financeiro na agricultura: unidade do local-global ?

Diante das exposições acerca da indissociabilidade dos capitais produtivo e financeiro, neste item nos propomos a refletir sobre as formas de articulação dessas esferas de produção e ampliação do valor. Algumas de nossas reflexões já estiveram pautadas em dois artigos publicados (SOUZA, 2009a; 2013), quando apontamos para os elementos críticos da geografia agrária sobre os avanços do capital monopolista no campo, sobre os processos de acumulação e a questão da apropriação das terras indígenas, e a economia política do agronegócio, respectivamente. As categorias centrais, em nossa análise, iniciam-se no campo do capital produtivo e as atuações das grandes empresas em dois

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processos de expansão, produção e de controle territorial que Oliveira (2012) denominou de monopolização do território e territorialização do monopólio: “A territorialização do monopólio atua simultaneamente, no controle da propriedade privada da terra, do processo produtivo no campo e do processamento industrial da produção agropecuária. Esse processo deriva da especificidade de dois setores: o sucroenergético e o de celulose e madeira plantada” (OLIVEIRA, 2012, p. 8). “A monopolização do território é desenvolvida pelas empresas de comercialização e/ou processamento industrial da produção agropecuária, que sem produzir no campo, controlam através de mecanismos de subordinação, camponeses e capitalistas produtores do campo. As empresas monopolistas atuam como players no mercado futuro das bolsas de mercadorias do mundo, e, às vezes, controlam a produção dos agrotóxicos e fertilizantes” (OLIVEIRA, 2012, p.10).

As duas dinâmicas de atuação monopolística da produção no campo revelam-se como formas de acumulação e estão pautadas em duas lógicas distintas e complementares: na exploração do trabalho (mais-valia) e na retenção da renda da terra. Nesse último caso, apropriação e acumulação ganham evidência empírica na retenção da renda nas formas absolutas, de monopólio e diferencial I e II. Nesse caso, abrimos um parêntese para refletirmos sobre duas posições que começam a ganhar interesse no debate geográfico. A primeira se refere ao conceito de renda informacional, apontada por Dantas (2008), em que se destaca a possibilidade de consolidação de monopólio sobre a informação e extração de renda. O fato é que a produção a que se refere o autor está assentada no trabalho e não em condições específicas de propriedade como a terra e a renda como um tributo so-

LOCAL-GLOBAL: TERRITÓRIO, FINANÇAS E ACUMULAÇÃO NA AGRICULTURA ••• 81

cial total11, ou em elementos casuais em que o valor de uso ganha legitimações idiossincrásicas, como afirmou Marx: “cabe registrar que o preço das coisas que não têm por si nenhum valor, ou seja, não são produto de trabalho, como terra, ou que ao menos não podem ser reproduzidas mediante trabalho, como antiguidades, obras de arte de determinados mestres etc., pode ser determinado por combinações casuais. Para vender uma coisa é preciso apenas que seja comercializável e alienável” (Marx, 1983:137).

As condições específicas de apropriação de um conhecimento se remetem às condições de produção do valor (dada sua origem no trabalho) e não do preço. Na condição de valor se remete especificamente ao trabalho e ao mais valor. A informação, que poderia ser um “atributo ao preço”, na verdade, de maneira geral, se remete apenas a capacidade especulativa passível de ser vinculada ao bem, nesse caso a terra, dando-lhe maior liquidez em decorrência de sua demanda no mercado. Mas, o que representa essa velocidade à liquidez? Ela não está em imanência na informação, mas no trabalho em potência e na possibilidade de renda futura da terra, em uso ou em mercado, por sua dimensão de propriedade privada, que não é um atributo da informação e não lhe engendra capacidade de renda, mas apenas maior liquidez/especulação em sua realização. Outra posição seria a ideia de que a incorporação de insumos, atributos produtivos da terra, poderia ser geradora de uma nova renda (diferencial). A renda diferencial I vincula-se aos atributos naturais 11 Em nossa análise há um problema que precisa ser apontado na interpretação de Dantas (2008) e ele não é exclusivo da questão renda/monopólio e trabalho como empreendeu o autor. Carece aqui o necessário debate sobre o conteúdo do trabalho e sua centralidade no capitalismo. A evolução desse debate tem produzido uma ampla gama de significados o que torna imprescindível que se considere, nessa reflexão, a distinção entre o trabalho como categoria fundante do ser social e o trabalho abstrato (produtivo e improdutivo). Esse me parece o caminho mais adequado para compreender as formas de apropriação do trabalho intelectual no capitalismo contemporâneo. 82 ••• José Gilberto de Souza

da terra e a diferencial II se remete, como demonstraremos abaixo no discurso de Lenin (2007), acerca dos terrenos berlinenses, às condições locacionais, que derivam de trabalho social “que se vinculam” à terra. A incorporação de atributos produtivos não representa uma nova renda diferencial, mas alteração no preço, pelo valor trabalho incorporado à propriedade fundiária. As empresas fundiárias que incorporam terras ao mercado atuam no sentido de ampliar sua volatilidade, sua liquidez e utilizam tanto as informações como os investimentos (trabalho e capital) em busca de uma realização específica: a renda da terra. Ampliam os capitalistas fundiários um atributo particular da terra: a capacidade especulativa, a simples expectativa de ganhos futuros. Particularmente, a terra com investimentos amplia sua potencialidade produtiva e, assim, sua renda em imanência, o que nos faz considerar sua condição sui generis: patrimônio (reserva de valor), liquidez (forma monetária) e renda potencial em uso ou em especulação, esses processos lhe são intrínsecos. É necessário cuidado na mediação entre a realidade e os “objetos-conceituais ideais” que sustentam as teorias. (Fechamos o parêntese). Assim, os processos de produção agrícola estão pautados pela lógica da circulação e da composição do mercado mundial. Nesse ponto, Chesnais fez uma precisa associação entre a produção e a insaciabilidade das finanças ao referir-se à sua necessária expansão espacial, sendo esse um ponto chave de sua análise ao considerar, assim como Lenin, sua intrínseca relação com a mundialização12 do capital, citando Marx, quando considerou que a tendência de formação do mercado mundial deriva diretamente da noção de capital. Essa imanente necessidade de expansão espacial, também presente no capítulo V do texto de Lenin (2007), (A exportação de capital) está associada não apenas à circulação das mercadorias, mas funda12 Oliveira (2009), ao analisar a trajetória econômico-financeira das grandes corporações do setor sucroenergético, em seus processos de abertura de capitais, fusão e aquisição, tomou essas trajetórias como exemplos dos processos de mundialização do capital. LOCAL-GLOBAL: TERRITÓRIO, FINANÇAS E ACUMULAÇÃO NA AGRICULTURA ••• 83

mentalmente à circulação do dinheiro que se torna imperativa nos tempos vigentes, dada a maximização de suas formas patrimonialistas de atuação. O dinheiro que atua como meio de circulação, de pagamento e de entesouramento, quando se realiza como crédito, tomando a forma de portador de juros, permite não apenas a extração da mais valia, mas ganha um valor de uso adicional e passa a ser capaz de gerar uma renda específica aos proprietários desse capital (CHESNAIS, 2005). Observa-se, assim, a direta relação da expansão da produção de mercadorias agrícolas, suas estandardizações, o que as constitui em commodities, e as formas do dinheiro-papel (mercados futuros e derivativos). A expansão das commodities se materializa na produção de valor e de mais valor e, nesse primeiro momento, se consolida uma forma específica de acumulação, que ganha ampliação na alteração da composição orgânica do capital. Nesse caso, nos referimos basicamente ao capital produtivo, a perspectiva concorrencial que se reduz gradativamente e as formas de monopolização do território e territorialização do monopólio pelo controle da terra e da produção e das transformações técnicas produtivas que ampliam a mais valia relativa, pois puncionam a produtividade do trabalho e a capacidade de exploração produtiva da terra (renda diferencial I e II). Nessa esfera, do capital produtivo, maisvalia e renda da terra são materializadas no processo físico de circulação das mercadorias e compõem o núcleo central das determinações territoriais produzidas no campo pelo capital e que se desenvolve, em muito, articulado ao capital financeiro, considerando a ampliação das relações intersetoriais, característico do capital monopolista: a. a homogeneização da paisagem, ou redução da diversidade produtiva – expressa-se, evidentemente, sob a lógica das áreas ocupadas por monoculturas e sua posição homogênea e extensiva promovendo a substituição da matriz produtiva regional/local. Trata-se da eliminação das culturas regionais/tradicionais e alimentares, sobretudo porque são paulatinamente substituídas por culturas denominadas de flexgroups, dada sua demanda no mercado mundial e a capacidade de conversão 84 ••• José Gilberto de Souza

produtiva/processamento em alimentos e energia. No Brasil, claramente, estamos nos referindo a produtos como a soja, cana-de-açúcar, embora reconheçamos que este processo de produção de valor se materialize em todos os produtos direcionados ao mercado externo e interno em grande escala (SOUZA, 2009a). A espacialização desta homogeneidade se expressa pelo volume e valor da produção de agropecuária, que se apresenta em expansão contínua (SOUZA, 2008; SOUZA, CABERO DIEGUES, 2011); b. a homogeneização do território – deriva das relações sociais produtivas, as relações de poder que se impõem de duas formas: a primeira como trabalho assalariado, e a segunda nas estratégias mercantis de subsunção da terra de camponeses (na esfera de produção nãocapitalista) e proprietários rurais, no seio de suas lógicas de acumulação, na forma de produção de mercadorias. Não se desconsidera a existência das lutas de resistência social que camponeses estabelecem ao avanço das estratégias monopolísticas, nem mesmo aqui se vincula uma tese de proletarização e internalização produtiva destes sujeitos sociais, a análise recai sobre a dimensão territorial, como relação de poder imposta a estes sujeitos sociais, muitos em resistência (OLIVEIRA, 2012; SOUZA, 2008; ESQUINAZI, SOUZA, 2013); c. a reconfiguração do espaço de circulação e consumo– a partir de um enorme conjunto de infraestruturas, muitas vezes forjada pelas esferas públicas (municipal, estadual e federal), consolidando complexos de logística. (CASTILLO, 2007; BRAGA, CASTILLO, 2013) e de novas espacialidades urbanas com funcionalidades específicas à reprodução do capital; d. a concentração fundiária e do capital – que se materializa: a) pelos sistemas de aquisição, ampliando o mercado de terras rurais, mas principalmente no caso brasileiro, pelas formas de grilagem de terras públicas, pela expropriação, materializada LOCAL-GLOBAL: TERRITÓRIO, FINANÇAS E ACUMULAÇÃO NA AGRICULTURA ••• 85

nos conflitos no campo, nas terras de camponeses, quilombolas e indígenas (OLIVEIRA, 2012, SOUZA, 2013) e, b) pelos processos de controle da posse e acesso a terra. Cabe considerar que se os indicadores de propriedade da terra fundiária no Brasil se colocam em níveis de concentração extremamente elevados, os patamares de controle e acesso ampliam a lógica de exclusão socioprodutiva, compondo mecanismos diversos de controle fundiário (BORRAS JR.; FRANCO; WANG, 2013;BRENT, 2015) e c) pelas lógicas de fusão monopolística territorial, que se realiza pela associação e concentração de empresas em suas estratégias monopolísticas (OLIVEIRA, 2012; BELLENTANI, 2014). e. os financiamentos privados e públicos e o antivalor – o crédito público e a expansão creditícia privada reúnem importância significativa na lógica da produção de commodities. (BORGES; COSTA, 2011). No caso dos recursos públicos, o Estado brasileiro retroalimenta a base de investimentos que se realiza nas seguintes etapas do processo produtivo: custeio, investimentos de bens de produção e comercialização. Destaca-se que são sobre esses mesmos patamares que atuam as empresas de crédito privado, com ou sem intermediação de agentes bancários e ou monetária, nesse último caso a produção/produto se consolida na própria moeda, como meio de pagamento. O antivalor se expressa, segundo Oliveira (1988), pela origem dos recursos, de caráter público, que se inserem na lógica da produção sem ser essa sua origem e finalidade, as antimercadorias produzidas pelos “fundos públicos funcionam como um ersatz do capital, ao compor-se”como tributo social que passa a ser incorporado na esfera econômica da reprodução do capital, como resultado da tendência da queda da taxa de lucros. “O fundo público, em resumo, é o antivalor, menos no sentido de que o sistema não mais produz valor, e mais no sentido de que os pressupostos da reprodução do valor contêm, em si mesmos, 86 ••• José Gilberto de Souza

os elementos mais fundamentais de sua negação. Afinal, o que se vislumbra com a ‘emergência’ do antivalor é a capacidade de passar-se a outra fase em que a produção do valor, ou de seu substituto, a produção do excedente social, toma novas formas. E essas novas formas, para relembrar a asserção clássica, aparecem não como desvios do sistema capitalista, mas como necessidade de sua lógica interna de expansão” (OLIVEIRA, 1988:19).

f. preço da terra e renda da terra – essas últimas determinações territoriais sintetizam monetariamente o processo de demanda por terras a serem integradas ao processo produtivo de commodities e as alterações específicas na sua capacidade produtiva. A terra, nesse caso, apresenta um crescimento exponencial de preços dada sua integração aos mercados fundiários (NASCIMENTO; SOUZA; GEBARA, 2012)principalmente sob as formas de sua aquisição como apontadas anteriormente (item d). Lenin faz referência a esse processo de incorporação e alteração de preços: “Una de lasoperaciones particularmente lucrativas del capital financiero es también la especulación con terrenos en lasafueras de las grandes ciudades que crecenrápidamente. El monopolio de los bancos se funde en este caso con el monopolio de la renta delsuelo y con el monopolio de lasvías de comunicación, pues el aumento de los precios de los terrenos, la posibilidad de venderlosventajosamente por partes, etc., dependen principalmente de los buenosmedios de comunicación con el centro de la ciudad, y dichasvías de comunicación se hallan en manos de grandes compañías, ligadas, por el sistema de la participación y por la distribución de los puestosdirectivos, con esosmismos bancos” (LENIN, 2007:37).

A articulação dos sistemas financeiros à questão da terra se demonstra no excerto acima, mas deve-se retomar aqui as formas de apropriação da renda da terra e que já foram expostas. Para Marx,“apropriar-se da renda é a forma econômica em que se realiza a propriedade LOCAL-GLOBAL: TERRITÓRIO, FINANÇAS E ACUMULAÇÃO NA AGRICULTURA ••• 87

fundiária, e a renda supõe propriedade fundiária” (MARX, 1983, p. 227). Dessa forma, quando: “o capitalista se apropria da terra, ele o faz com o intuito do lucro, direto ou indireto. Ou a terra serve para explorar o trabalho de quem não tem terra; ou serve para ser vendida por alto preço a quem dela precisa para trabalhar e não tem. Por isso, nem sempre a apropriação da terra pelo capital se deve à vontade do capitalista de se dedicar à agricultura. O monopólio de classe sobre a terra assegura ao capitalista o direto de cobrar da sociedade inteira um tributo pelo uso da terra” (MARTINS, 1990:60-61).

Considerando, portanto, a diferenciação nas formas de propriedade da terra, dos camponeses e capitalistas latifundiários, Oliveira afirmou que o: “processo de relações nãocapitalista de produção como recurso para garantir a sua própria expansão, tem-se dado, no caso brasileiro, inicialmente pela intensificação das relações comerciais, que tem, através da circulação da mercadoria de origem agrícola toda a renda diferencial para este setor, onde graça toda a sorte de representantes do capital comercial, também conhecidos como intermediários, atravessadores, atacadista, etc. Mas o processo não se restringe aí. O Estado se incumbe de mediar esse processo e acelerá-lo. Agindo pois através do crédito bancário (oficial), cria os limites de dependência do produtor. (...) No final do processo, drena através de juros cobrados pelos empréstimos a outra parte da renda da terra, mesmo no caso de não ser proprietário dela. A outra parte é extraída pelos componentes do capital comercial, que tem atuado no sentido de impor preços abaixo do valor ao produtor” (OLIVEIRA, 1981:09-10).

Esses processos definem, portanto, as formas de retenção da renda da terra, que se amplificam na medida em que adquirem maior com88 ••• José Gilberto de Souza

plexidade nas relações mercantis e bancárias e de serviços no sistema produtivo. Na produção da soja, essas relações econômicas de retenção se estabelecem, por exemplo, nas seguintes atividades: na classificação de produtos, que em decorrência de sujeira, coloração e danos apresentados nas sementes, podem sofrer reduções de seus preços entre 7 a 10%; nas atividades de secagem de sementes (grãos de soja), que no pós-colheita apresentam um teor de umidade próximo de 23%, sofrem redução de 1% do preço para cada 1% de umidade, até 18% de umidade, e 1,5% de redução do preço quando o teor for superior a esse patamar, considerando que a semente para estocagem e comercialização necessita estar com 14% de umidade (SOUZA, BORGES, TEIXERA, 2010). Nessa atividade econômica, a média de redução de preços é de 8 a 10%. Considerando, ainda, as ações do capital comercial que atuam na venda e financiamento de sementes, fertilizantes e defensivos, pode-se inferir que são ainda retidos percentuais de 6 a 11%, do preço da soja, na forma monetária ou em produto, configurando todas essas atividades e, simultaneamente, as principais estratégias de apropriação da renda da terra. A questão central de todas essas lógicas e determinações territoriais é que elas se assentam nas relações econômicas estabelecidas com os camponeses, os pequenos e médios agricultores, que se encontram em maior vulnerabilidade socioeconômica e de infraestrutura produtiva e de armazenamento. Quais as implicações desses processos com o capital financeiro em geral? Ocorre que as empresas que atuam nesse setor, com raras exceções, são empresas de capital aberto e demonstram seus resultados econômicos (estratégias de “governança” corporativa) como forma de permitir a circulação de seus papéis, ações, e juntamente com outros instrumentos (ativos) financeiros denominados de derivativos. Os resultados econômicos produtivos ampliam sua capacidade de captar no mercado os recursos de famílias, fundos e empresas na lógica de capital portador de juros. Todas essas são determinações progressivas das relações de classe e na formação e apropriação do valor. Mediadas pelo LOCAL-GLOBAL: TERRITÓRIO, FINANÇAS E ACUMULAÇÃO NA AGRICULTURA ••• 89

Estado promovem o desenvolvimento dessas determinações territoriais e suas formas de manifestação na lógica de acumulação. Reconhece-se, portanto, as atividades como necessárias à realização dessa acumulação e que aparecem como distintas (produtivo e financeiro), mas existem em condicionamento recíproco e que constituem a forma de movimento do capital, sobretudo na agricultura. Como asseveramos, ainda que se produza autonomização funcional de cada elemento, esse movimento se estabelece no aumento da mais-valia e alteração da composição orgânica do capital, pois presidem a acumulação e determinam a produtividade do trabalho, mas não somente, eles ampliam exponencialmente a autovalorização do capital na forma rentista, na forma de especulação, o que é sua essência fictícia. Significa dizer que as estratégias de atuação na valorização dos capitais dessas empresas se realizam mediadas pelos preços de commodities, pelas relações econômicas de mais valor e retenção da renda da terra, sem os quais não podem apontar para seus resultados e possibilidades de distribuição de dividendos. A lógica financeira não se realiza em exterioridade, sobretudo quando vinculada à agricultura e à terra. O dinheiro na formade mercadoria, como capital portador de juros, realiza a prestidigitação do trabalho realizado e de sua potencialidade de realização, assume a dimensão de fetiche, tal como a ideia de sua autovalorização, que se processa na circulação de papéis patrimoniais (CHESNAIS, 2005). Outro componente fundamental de sua valorização é sua estrutura orgânica, uma vez que quanto maior a incorporação de trabalho morto, menor é sua mobilidade e sua capacidade de transferência para outros setores da economia; por sua vez, na agricultura, com exceção da terra, a mobilidade financeira se realiza com maior intensidade, associada aos ciclos produtivos, e os derivativos representam esse nível de volatilidade ou de liquidez, metamorfoses formais do capital, consubstanciando a ação rentista (capital fictício) na agricultura o que reafirma nossa consideração de que o capital portador de juros espelha as estruturas e as formas de realização do capital produtivo. 90 ••• José Gilberto de Souza

Nesse último ponto, sobre a essência fictícia do capital, cabe considerar principalmente o papel da terra. A terra rural tem sido caracterizada como um ativo que é, ao mesmo tempo, de “capital” e líquido, negociada em uma estrutura de mercado flexível e onde seu preço é determinado em função das expectativas de que os vendedores e compradores tenham ganhos futuros, com seu uso ou sua valorização (PINHEIRO; REYDON, 1981; REYDON, 1992). Dessa perspectiva emerge a compreensão de que a terra tem como característica de formação de seus preços a mesma medida da formação de preços de títulos financeiros, capitalização de rendimentos futuros e, simultaneamente, a condição de ativo mercantil. Essa dinâmica de composição de preços explicita que o mercado financeiro realiza a comercialização de títulos em geral e os títulos patrimoniais (securities) como a terra, e passa a homogeneizar os diferentes rendimentos desses títulos (DELGADO, 2012). Esse processo de composição de preço da terra (ativo) é que dá o constructo do capital fictício, na medida em que a renda é passível de circular e apontar essa rentabilidade nas transações do mercado imobiliário e em ganhos produtivos futuros. Assim, a formação do preço da terra de forma singular aos outros ativos financeiros é apenas uma das transformações que se operam no desenvolvimento capitalista (DELGADO, 2012:50), um preço que se materializa em renda fundiária, uma vez que ela é a expressão do direito de propriedade, um “capital” em potência (fictício). Nota-se, portanto, que as lógicas territoriais e do capital e o capital produtivo e financeiro, os quais discutimos ao longo do texto, se interpõem e a compreensão de seus níveis de realização na esfera da circulação ocorre como fetichização do valor. Essa lógica patrimonial difusa dos instrumentos do capital financeiro (rentismo) parece erigir o valor na circulação. O fato é que a propriedade fundiária e mobiliária, com todas as suas representações sociais, todas as suas mediações econômicas e todas as suas históricas formas de dar concretude às relações de poder, e, na atual conjuntura, cada vez mais financeirizadas, LOCAL-GLOBAL: TERRITÓRIO, FINANÇAS E ACUMULAÇÃO NA AGRICULTURA ••• 91

estabelecem papel central no funcionamento do sistema capitalista e na determinação de seus constructos territoriais. Local-global só têm sentido ao geógrafo se forem capazes de explicitar as particularidades dessas lógicas de acumulação, sem conduzir a elementos de exterioridade e, no capitalismo, essa é a lógica efetiva de produção do espaço. As determinações territoriais que se estabelecem nessa produção, são efetivamente as formas de apropriação do espaço, a consolidação dos territórios do capital. Local, regional, global são escalas desses processos de acumulação e revelam os possíveis níveis de entendimento. Produzida localmente, a forma mercadoria constituiu o mercado mundial, como afirmara Marx, o dinheiro na forma mercadoria amplia as formas de acumulação, os níveis de circulação e a velocidade com que se processam globalmente, contraditoriamente, expressam os espaços de exclusão, de exploração do trabalho e de retenção (concentração) da renda. Esses espaços podem até estar circunscritos ao Estado-Nacional, mas isso pouco importa à emancipação dos trabalhadores e camponeses.

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A IIRSA/COSIPLAN E SUAS IMPLICAÇÕES NA FLUIDEZ DO TERRITÓRIO BRASILEIRO Márcio Rogério Silveira Vitor Hélio Pereira de Souza

1.

INTRODUÇÃO

Na última década, o comércio exterior brasileiro cresceu a índices significativos, impulsionado, principalmente, pela ampliação do comércio extrarregional, resultante da elevação da demanda por commodities do mercado chinês, mas também pelo comércio intrarregional, como foi o caso do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL). Tal acréscimo dos fluxos comerciais intra e extrarregionais, por sua vez, colocaram em foco a necessidade de retomar os projetos de integração territorial (com foco nas infraestruturas), para expandir/ melhorar a conexão entre os países. Esse objetivo passou a ser perseguido a partir do ano 2000, com as obras delineadas na Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA) e, por conseguinte, no Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e Planejamento (COSIPLAN). A lógica é facilitar a integração intrarregional no/ do continente sul-americano, mas também possibilitar maior interação espacial com mercados extrarregionais, orientando-se pelos princípios do multilateralismo e tendendo a diversificar parceiros comerciais. A pesquisa aborda as desigualdades regionais no que diz respeito à distribuição territorial das obras (transnacionais1) de transportes da 1 O termo obras transnacionais utilizado nesse trabalho não remete a obras que estão localizadas entre áreas fronteiriças. Assim como não se refere a obras financiadas

••• 97

IIRSA/COSIPLAN no Brasil, mais especificamente para o período de 2000 a 2013. Para alcançar tais resultados, a metodologia foi pautada em revisão bibliográfica, atrelada à análise de dados secundários e entrevistas a diversos órgãos, como a Coordenadoria Geral de Planejamento da “Secretaria de Política Nacional de Transportes”, no Brasil e, na Directora Nacional de Planificación de la Integración Territorial Internacional,na Argentina,além de entrevistas com diversos especialistas. Para tornar mais eloquente a pesquisa, dividimos o capítulo em três subtópicos: 1. “O crescimento do comércio exterior brasileiro no limiar do século XXI”. Essa parte verifica como a estratégia de diversificar os parceiros comerciais e, concomitantemente, aprofundar a integração regional garantiu ao governo brasileiro elevado crescimento do comércio exterior, tornando-se uma das importantes estratégias para o desenvolvimento nacional. Por outro lado, esse crescimento de fluxos comerciais criou a necessidade da existência de maior oferta de infraestruturas de transportes entre os territórios, visando garantir o escoamento de commodities agrícolas e minerais. Conjuntura que colocou a região Centro -Oeste, composta pelos estados de Goiás (Distrito Federal), Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, enquanto importante recorte espacial escolhido pelo grande capital e, consecutivamente pelo governo brasileiro, como área demandante de políticas públicas, que visam à ampliação da fluidez territorial, a fim de contribuir com o processo de crescimento econômico regional e nacional. Assim, a demanda por infraestruturas é crescente nesse espaço, com a atuação da “logística de Estado” (planejamento, gestão e estratégias públicas com a finalidade de aumentar a fluidez territorial e atrair investimentos) e da “logística corporativa” (estratégia, gestão e planejamento de transportes e armazenamento realizados pelo capital privado). 2. “O Brasil, a IIRSA/COSIPLAN e a necessidade de incrementar o comércio exterior”. Após debater a importância do aprofundamento por mais de um país. As mesmas referem-se a obras incluídas nos portfólios da IIRSA/COSIPLAN, que visam favorecer interações espaciais em âmbito transnacional. 98 ••• Márcio Rogério Silveira • Vitor Hélio Pereira de Souza

dos movimentos integracionistas e dos diversos acordos de cooperação econômica, enquanto tática utilizada pelos países para resguardar-se dos efeitos do liberalismo econômico, focaremos na questão da integração territorial. Essa voltou a ser pensada no intuito de dar suporte, em especial, às aspirações brasileiras de reduzir seus custos comerciais, a fim de ampliar a participação dos produtos nacionais no mundo. Isso posto, concebe-se um duplo movimento: a integração territorial e econômica na/da América do Sul, que facilita a circulação de mercadorias intrarregional, mas que, simultaneamente, possibilita a utilização dessas infraestruturas para o comércio extrarregional, isto é, para mercados localizados fora do bloco econômico. No caso brasileiro, essa é uma estratégia interessante, pois possibilita integrar-se com os países da região, mas também consolidar saídas para o mar do Pacífico, reduzindo os custos de exportação para o mercado asiático, em especial para China. 3. “A necessidade de um planejamento integrado da fluidez territorial para exportação no Brasil: articulando escalas”. Apontamos que os planos dos Portfólios e das Agendas da IIRSA/COSIPLAN tomados isoladamente são insuficientes para ampliar a fluidez territorial nacional. No entanto, o mesmo torna-se fundamental, uma vez que se apresenta enquanto uma política setorial complementar a outras agendas de projetos nacionais, destinadas ao setor. Nesse sentido, propomos uma agenda de pesquisa, objetivando a análise do conjunto de políticas setoriais de transportes, que de maneira complementar podem configurar um novo contexto à fluidez territorial nacional.

2.

Evolução do comércio exterior brasileiro no limiar do século XXI

Ao adentrar o século XXI, o comércio mundial alcançou seu clímax, com crescimento de 136% no período de 2000 a 2010 (AEB, 2012). Esse aumento intensificou-se a partir do ano de 2003, com o governo do presidenteLuiz Inácio Lula da Silva, devido à retomada do papel ativo do Estado, por meio de uma política externa pautada na ampliação das A IIRSA/COSIPLAN E SUAS IMPLICAÇÕES NA FLUIDEZ DO TERRITÓRIO BRASILEIRO ••• 99

relações comerciais com países latino-americanos, na diversificação de parceiros comerciais visando à conquista de mercados pouco tradicionais e na intensificação do comércio internacional Sul-Sul, que embora com grande potencial estratégico, parecia uma meta difícil de ser conquistada. Como jáafirmavaJoyOgwuem 1982: “Está claro que el esquema multilateral sur-sur será lento de materializar. Una relación trilateral entre Africa, Asia y América Latina podría ser una gran idea, pero es casi inalcanzable. Ello puede ser atribuido a las largas distancias existentes entre ellos, lo que eleva demasiado el precio de los productos y su transporte” (JOY OGWU, 1982, n.p).

De fato, trata-se de uma relação que ainda está se consolidando, mas que, nas últimas décadas, com a evolução das inovações técnicas, organizacionais, normativas e tributárias, aplicadas aos sistemas de transportes, por meio das “Evoluções e Revoluções Logísticas” (SILVEIRA, 2009),apresentou gradativa redução dos custos para circulação de mercadorias e pessoas. Contudo, as despesas com os transportes seguem em destaque na mídia nacional enquanto importante componente do custo Brasil, uma vez que o mesmo imbui um custo de produção mais alto a toda a cadeia produtiva, ligada direta e indiretamente às exportações brasileiras. Custo que, em conjunto com práticas desleais de comércio exterior, como subsídios, dumping, antidumping, entre outros, tornam-se fator limitante ao desempenho das exportações nacionais. Portanto, mesmo com o chamado custo Brasil (do qual o custo Brasil de transportes é um dos componentes), o país é, em diversos setores, altamente competitivo. Por outro lado, a concomitante aproximação política e econômica entre os países da região Sul-Sul influiu redefinindo o direcionamento dos fluxos de comércio internacional. Resultando, consequentemente, na ampliação de um espaço econômico de trocas, que até certo nível, é contraditório às políticas globalizantes imperialistas. Ora, a ampliação das relações comerciais e de cooperação sul-sul, a coalizão dos Brics 100 ••• Márcio Rogério Silveira • Vitor Hélio Pereira de Souza

(Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e a institucionalização de organizações internacionais de integraçãoregional, como foi o caso da Unasul (União de Nações Sul-Americanas) e da Celac (Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos), contrapõem-se aos interesses globais hegemônicos e, até certa medida, ampliam as disputas geopolíticas. Nesse sentido, constata-se o desejo de reduzir a dependência das exportações brasileiras, principalmente em relação ao mercado estadunidense (HURRELL, 2006), bem como a vulnerabilidade do país em relação a crises de demandas externas advindas do centro do sistema capitalista. Se porum lado, deve-se considerar também que o governo percebe que a proporção atual do comércio com mercados tradicionais do norte atingiram seu limite, apresentando acanhado potencial para ampliação das relações comerciais, por outro lado os novos mercados do Sul apresentam um grande potencial a ser explorado (LIMA, 2005). Esse argumento sustenta-se ao considerarmos que os países emergentes, principalmente os denominados pelo economista inglês Jim O’Neill como BRIC2 (Brasil, Rússia, Índia e China), foram os que, no período de 2000 a 2010, apresentaram crescimento acima da média mundial, destacando-se os seguintes índices: Brasil 267%; Rússia 277%; Índia 424%; China 534%. Por outro lado, os países desenvolvidos, embora também tenham crescido, revelaram índices inferiores à média mundial: EUA, 63%; Japão, 61%; França, 58%; Reino Unido, 42%; e Canadá, 40% (AEB, 2012). Ademais, esses países conformam uma coalizão que: “The fundamental goal is to tie down Gulliver in as many ways as possible, however thin the individual institutional threads may be. It is therefore not surprising that Brazil and India should be the fourth and fifth most active complainants under the WTO dispute settlement mechanism. Nor is it especially puzzling that Brazil, China and India should wish to use international institutions 2 Na reunião de 2011, a África do Sul foi convidada a compor o grupo, momento em que a sigla muda para BRICs (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). A IIRSA/COSIPLAN E SUAS IMPLICAÇÕES NA FLUIDEZ DO TERRITÓRIO BRASILEIRO ••• 101

to resist attempts by the US to promote new norms on the use of force or the conditionality of sovereignty, or the right to use force to promote regime change” (HURRELL, 2006, p. 11)3.

O Brasil, embora faça parte do BRIC, foi o país do grupo que apresentou menor crescimento. Porém, inegavelmente, o país vem progredindo para se tornar um global trader, ampliando gradativamente suas exportações mundiais, desempenho esse que resultou, no ano de 2011, na conquista de 1,33% do comércio mundial, saldo somente inferior ao alcançado por ele mesmo no ano de 1950 (AEB, 2012). Nesse sentido, estabelece-se um novo padrão das relações comerciais em que o mercado asiático, que no ano de 2006, correspondia a 15,1% do comércio, evoluiu, no ano de 2013, para 32,1%, tornando-se o principal destino das mercadorias (em sua maioria commodities) brasileiras, seguido pela América Latina e Caribe, União Europeia, Estados Unidos, África e Oriente Médio e, por fim, Europa Oriental4. 3 “O objetivo fundamental é amarrar Gulliver de tantas maneiras quanto possível, ainda que finos possam ser os fios institucionais individuais. Portanto, não é surpreendente que o Brasil e a Índia sejam o quarto e quinto queixosos mais ativos no âmbito do mecanismo de solução de controvérsias da OMC. Nem é especialmente intrigante que Brasil, China e Índia queiram usar as instituições internacionais para resistir às tentativas dos EUA em propor novas normas sobre o uso da força ou a condicionalidade da soberania, ou o direito de usar a força para promover a mudança de regimes”(HURREL, 2006, p. 11 – tradução nossa). 4 Para o ano de 2013, destacaram-se as seguintes pautas de exportações brasileiras para os distintos mercados mundiais: Ásia, 44% de matérias-primas e intermediários, 28% de bens de capital, 22% de bens de consumo, 7% de combustíveis e lubrificantes; para UE, 49% de matérias-primas e intermediários, 30% de bens de capital, 18% de bens de consumo, 4% de combustíveis e lubrificantes; para América Latina e Caribe, 45% de matérias-primas e intermediários, 11% de bens de capital, 27% de bens de consumo, 17% de combustíveis e lubrificantes; para os EUA, 49% de matérias-primas e intermediários, 26% de bens de capital, 8% de bens de consumo, 17% de combustíveis e lubrificantes; para África, 23% de matérias-primas e intermediários, 77% de combustíveis e lubrificantes; para o Oriente Médio, 24% de matérias-primas e intermediários, 71% de combustíveis e lubrificantes, e aproximadamente 5% de bens de capital e bens de consumo; para Europa Oriental, 91% de matérias-primas e intermediários, 8% de bens de capital, e para as demais regiões do mundo, 46% de matérias-primas e intermediários, 21% de bens de capital, 17% de bens de consumo, 16% de combustíveis e lubrificantes (MDIC, 2015). 102 ••• Márcio Rogério Silveira • Vitor Hélio Pereira de Souza

Nessa conjuntura, a crescente demanda global por alimentos e a intensa modernização do setor agropecuário permitiu uma inserção competitiva do país no mercado mundial. Haja vista que, para o período de 2000 a 2013, o volume exportado de commodities cresceu quase 230% e os preços externos 101%, corroborando para a elevação em 468% dos saldos comerciais brasileiros, implicando em uma receita decorrente das exportações do agronegócio de US$ 99,9 bilhões para o ano de 2013 (ESPÍNDOLA, 2014). É oportuno chamar atenção para o caso do comércio exterior com o continente africano, esse ainda ocupa uma das últimas posições entre os parceiros comerciais brasileiros, argumento utilizado muitas vezes para afirmar o fracasso da tentativa brasileira de ampliar as relações com a região. No entanto, deve-se destacar que, além do alargamento da cooperação em diversos temas, como agricultura, saúde, educação entre o Brasil e os países africanos, as relações comerciais também ganharam impulso, uma vez que o comércio brasileiro com esse continente evoluiu entre os anos 2000 e 2013 de US$ 1.347.098.183 para US$ 11.087.040.582, ou seja, um crescimento de, aproximadamente, oito vezes. Caso similar ocorre com o comércio exterior realizado com o Oriente Médio. A interpretação correta dos dados seria que o comércio brasileiro, com as diferentes regiões do mundo, cresceu substancialmente. Entrementes, o comércio com mercados menos tradicionais, embora tenha apresentado considerável aumento, não foi elevado o suficiente a fim de superar o posto ocupado por mercados tradicionais às exportações brasileiras. Quando reduzimos a escala de análise para os principais países importadores de produtos brasileiros, torna-se possível um maior entendimento das relações comerciais do país, uma vez que se percebe que esse crescimento para determinadas regiões (mercados), muitas vezes, é preconizado por alguns países em particular. Deve-se destacar o caso do mercado asiático, que teve na China o principal destino das mercadorias brasileiras, provenientes de diversas unidades federativas do A IIRSA/COSIPLAN E SUAS IMPLICAÇÕES NA FLUIDEZ DO TERRITÓRIO BRASILEIRO ••• 103

país, ainda que preconizadas pelos estados de Minas Gerais, Pará, Mato Grosso, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Paraná, São Paulo, Goiás, Bahia e Mato Grosso do Sul (tabela 01)5. Tabela 01. Principais estados brasileiros exportadores para

a China no ano de 2013 Nº 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Descrição da UF Minas Gerais Pará Mato Grosso Rio Grande do Sul Rio de Janeiro Paraná São Paulo Goiás Bahia Mato Grosso do Sul

US$ 11.666.017.329 5.508.591.585 5.009.097.743 4.550.981.715 4.144.317.220 3.978.886.299 3.242.842.883 1.946.184.522 1.850.942.985 1.619.330.400

Kg Líquido 111.569.215.059 57.333.776.819 9.141.758.371 7.262.713.347 6.124.406.267 6.894.880.371 4.933.401.412 3.106.109.798 2.155.386.979 2.979.947.537

Fonte: MDIC, 2015.

À vista disso, registrou-se um crescimento das exportações brasileiras, para o mercado chinês, muito proeminente. No ano de 1990, o mesmo era destino de apenas 1,2% das exportações brasileiras e evoluiu gradativamente, nos últimos anos, sua participação no comércio mundial, em particular com o mercado brasileiro, do qualse tornou o principal parceiro comercial, respondendo por 19,01% das exportações para o ano de 2013. Em contrapartida, os Estados Unidos que, no ano de 1990, correspondiam a 24,2% das exportações, no ano de 2013, tiveram sua participação nas exportações brasileiras reduzida para 10,18%. No caso das relações com o mercado latino-americano, a grande concentração do comércio ocorreu no âmbito do MERCOSUL, um mercado em contínua expansão para as empresas exportadoras brasileiras; vale frisar que no ano de 1989, o comércio com o bloco representava 5 Como pauta de produtos exportados para China no ano de 2013, destacaram-se: soja, mesmo triturada; minérios de ferro e seus concentrados; óleos brutos de petróleo; celulose; açúcar de cana em bruto; couros e peles, depilados, exceto em bruto; catodos de cobre; óleo de soja em bruto; ferro-ligas; fumo em folhas e desperdícios; demais produtos (MDIC, 2015). 104 ••• Márcio Rogério Silveira • Vitor Hélio Pereira de Souza

apenas 4% das exportações brasileiras, já nos anos seguintes as relações comerciais seguiriam crescendo, alcançando seu ápice no ano de 1998, com 17%. Dessa maneira, a partir desse mesmo ano, a participação do bloco nas exportações apresentou um decréscimo que se acentuaria nos anos marcados por crises externas, como a crise argentina, no ano de 2002, em que a participação do bloco chegou, aproximadamente, a 5%. Após tal episódio, o comércio com o MERCOSUL voltou a recuperar sua importância, tendo sua participação nas exportações brasileiras, nos anos seguintes, variando entre 9% e 11%. Ao analista pouco atento, tais dados podem influir numa avaliação pessimista e equivocada em relação ao desempenho do comércio no âmbito do bloco. Porém, é importante situar que, embora o MERCOSUL tenha reduzido sua participação nas exportações totais brasileiras, isso não quer dizer que as exportações para o bloco não cresceram, mas que a evolução do comércio intrarregional foi abaixo do crescimento das exportações brasileiras destinadas ao restante do mundo. Uma avaliação errônea parece ter sido a motivação das declarações realizadas, em abril de 2010, pelo candidato à presidência do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), José Serra, que ocasionou alvoroço na imprensa internacional ao defender que o país deveria desvincular-se da Argentina, Paraguai e Uruguai a fim de ampliar as relações com os EUA, sem a necessidade de “arrastar” seus sócios. Contudo, devemos considerar que o crescimento do comércio brasileiro com outros mercados impõe uma tendência irrevogável de perda de importância do MERCOSUL no total exportado, porém essa supressão é relativa, uma vez que o bloco mantém sua importância para determinados setores nacionais, como o de manufaturados (ALMEIDA, 2011). Esse bloco tem na Argentina o principal país importador, responsável por aproximadamente 8,1% das mercadorias,compostas em sua maioria por produtos manufaturados, provenientes das empresas brasileiras, ou seja, com valor agregado acima das tradicionais commodities. Ademais, outros países que se tornaram importantes parceiros

A IIRSA/COSIPLAN E SUAS IMPLICAÇÕES NA FLUIDEZ DO TERRITÓRIO BRASILEIRO ••• 105

comerciais do Brasil foram: Países Baixos, Japão, Alemanha, Venezuela, Coreia do Sul, Chile e Panamá (tabela 02). Tabela 02. Principais países de destino das exportações brasileiras,

valor em US$ Milhões para o ano de 2013 Países China Estados Unidos Argentina Países Baixos Japão Alemanha Venezuela Coreia do Sul Chile Panamá Total Total das exportações do Brasil

Valor (US$ F.O.B) 46.026 24.862 19.615 17.326 7.964 6.552 4.850 4.720 4.484 4.230 140.629

2012/2013 (%) 11,64 -7,67 8,99 15,19 0,10 -9,97 -4,08 4,86 -2,57 16,49

Participação (%) 19,01 10,18 8,10 7,15 3,29 2,71 2,00 1,95 1,85 1,83 58,07

242.178.649.273

-0,16

100

Fonte: MDIC, 2015.

A diversificação das relações comerciais possibilitou ao país apaziguar os efeitos da crise internacional (subprimes) resultantes da quebra do banco de investimentos Lehman Brothers,no ano de 2008, nos Estados Unidos, considerando-seque no ano seguinte, o comércio mundial apresentou queda de 22,6% em valor. Países importantes apresentaram queda, comoo Japão, de 25,3%, a União Europeia, de 13,7% e o Brasil, que teve uma queda mais amena, de 8% (OLIVEIRA, 2010), ou seja, a famosa “marolinha” apregoada pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva. Desse modo, no biênio de 2010 e 2011, o comércio exterior apresentou recuperação acelerada, com oscilações para o biênio de 2012 e 2013, momento em que o crescimento desacelerou, mantendo índices de apenas 2%. No caso brasileiro não foi diferente, após alcançar os me-

106 ••• Márcio Rogério Silveira • Vitor Hélio Pereira de Souza

lhores resultados no ano de 2011, com exportações recorde de US$ 256 bilhões, as mesmas declinaram para US$ 242,2 bilhões no ano de 20136. A ampliação das cifras referentes ao comércio exterior, brevemente demonstrada, ainda que, em momentânea involução, implicou em um incremento crescente de mercadorias provenientes de diferentes regiões do território nacional com destino a mercados externos. Tal movimento possibilitou que regiões do país pouco dinâmicas, economicamente, conquistassem relevância na economia nacional, como foi o caso da região Centro-Oeste do país, devido à enérgica inserção de algumas de suas empresas7 no comércio exterior, impulsionadas pelo crescimento do comércio com o mercado asiático, que concentrou 52,65% das exportações, das quais a China respondeu por 30,38% das mesmas para o ano de 20138 (tabela 03).

6 Entre os dez principais produtos exportados pelo país, no ano de 2013, destacamse: minérios de ferro e seus concentrados; soja, mesmo triturada; óleos brutos de petróleo; açúcar de cana, em bruto; plataformas de perfuração ou de exploração, dragas, etc.; carne de frango congelada, fresca ou refrigerada incluindo miúdos; farelo e resíduos da extração de óleo de soja; milho em grãos; automóveis de passageiros; carne de bovino congelada, fresca ou refrigerada; celulose (MDIC, 2015). 7 Na região Centro-Oeste, apenas 10 empresas centralizaram 58,68% das exportações em valores, a saber: Bunge Alimentos S/A, 12,90%; ADM do Brasil LTDA, 9,11%; Louis Dreyfus Commodities Brasil S.A., 7,34%; Cargill Agrícola S/A, 6,65%; JBS S/A, 6,51%; BRF – Brasil Foods S.A., 5,60%; Amaggi Exportação e Importação LTDA, 4,24%; Caramuru Alimentos S/A., 2,57%; Eldorado Brasil Celulose S/A, 2,10%; Mineração Maracá Indústria e Comércio S/A, 1,66% (MDIC, 2015). 8 Entre os dez principais produtos exportados pela região Centro-Oeste, no ano de 2013, destacavam-se:soja, mesmo triturada, exceto para semeadura (33,46%), milho em grão, exceto para semeadura (16,79%),bagaços e outros resíduos sólidos da extração do óleo (9,73%); carnes desossadas de bovino, congeladas (7,22%); pasta química de madeira de não conífera à soda ou sulfato, (3,67%); pedaços e miudezas, comestíveis de galos/galinhas congelados (3%); outros açúcares de cana (2,63%); algodão simplesmente debulhado, não cardado nem penteado (2,56%); carnes de galos/galinhas, não cortadas em pedaço (1,83%); ouro em barras, fios e perfis de seção maciça (1,70%), totalizando dez produtos que centralizavam 82,59% das exportações provenientes da região (MDIC, 2015). A IIRSA/COSIPLAN E SUAS IMPLICAÇÕES NA FLUIDEZ DO TERRITÓRIO BRASILEIRO ••• 107

Tabela 03. Destinos das mercadorias da região Centro-Oeste,

principais blocos e países, ano de 2013 Principais blocos de destino Ásia (exclusive Oriente Médio) União Europeia Oriente Médio África (exclusive Oriente Médio) Demais blocos Total Principais países de destino China Países Baixos (Holanda) Japão Coreia do Sul Hong Kong Total Total da área

US$ 14.940.831.134 5.563.135.711 2.009.112.843 1.546.939.323 3.016.983.928 27.077.002.939 US$ 8.620.988.984 2.696.369.083 1.167.097.253 1.061.356.137 923.402.044 14.469.213.501 28.377.754.175

% 52,65 19,60 7,08 5,45 10,63 95,41 % 30,38 9,5 4,11 3,74 3,25 50,98 100

Fonte: MDIC, 2015.

Esse intenso comércio dos estados da região Centro-Oeste com o mercado asiático resultou na geração de um intenso fluxo de mercadorias no território nacional. Seu destino são os portos e deles para o mercado asiático. Ao analisarmos isoladamente os principais modais de transportes utilizados para a exportação, no caso do estado do Mato Grosso do Sul, constata-se, referente ao valor das exportações, a supremacia do modal marítimo, ou seja, concentrou 88,2%, seguido pelo fluvial com 8,6%, pelo rodoviário com 2,4% e pelos demais modais com menos de 1%. Já ao considerarmos as toneladas exportadas, o modal marítimo ainda mantém a supremacia, com 61% das exportações. Contudo, o modal fluvial (hidrovia Paraguai-Paraná), até então pouco relevante, passou a concentrar 37,4% dos fluxos, seguido pelo rodoviário com 1,1%, o ferroviário e o aéreo com 0,2% cada um e, por fim, os demais modais com cifras pouco representativas (tabela 04).

108 ••• Márcio Rogério Silveira • Vitor Hélio Pereira de Souza

Tabela 04. Principais modais de transportes utilizados para exportação de mercadorias do Mato Grosso do Sul (a partir do último local de embarque), em 2013.

Vias de Transporte Marítima Rodoviária Fluvial Ferroviária Aéreo Meios próprios Postal Linha de transmissão Total

Valor US$ Bilhões 4.634.043.089 126.068.945 453.502.734 2.610.963 38.548.121 1.314.825 195.550 0 5.256.284.227

Part. % 88,2 2,4 8,6 0,0 0,7 0,0 0,0 0 100

Peso 1.000 Tons. 8.270.816.913 150.894.429 5.081.949.198 32.136.768 25.506.480 847.612 11 0 13.562.151.411

Part. % 61,0 1,1 37,5 0,2 0,2 0,0 0,0 0,0 100

Fonte: ALICE Web/ MDIC, 2015. Nota: nas exportações, trata-se do modal utilizado para o transporte da mercadoria a partir do último local de embarque para o exterior.

Não é demais enfatizar que a região Centro-Oeste, composta por estados que não possuem litoral, ao ampliar sua geração de fluxos para exportações, utiliza-se das infraestruturas de transportes localizadas em outras unidades federativas, canalizando em determinadas rotas um intenso fluxo de passagem em outros estados. É o caso das cargas, por rodovias direcionadas a SP-280, no estado de São Paulo, para acessar o Porto de Santos/SP e das cargas canalizadas pela BR-277, no Paraná, para alcançar o Porto de Paranaguá/PR. Essa particularidade da região corrobora para que exista uma consonância de “interesses regionais” a respeito da necessidade dos investimentos em obras de transporte na região, em especial de projetos de responsabilidade do governo federal, que objetivam a integração da região à rede nacional e internacional de comunicação. Uma vez que a fluidez territorial da região está condicionada às políticas públicas setoriais, que transcendem as fronteiras dos seus respectivos estados. Para sustentar a política externa brasileira, pautada na ampliação do comércio exterior, tornou-se necessário retomar os investimentos em infraestruturas de transportes. Lógica compartilhada, principalmente, pelos estados enclaves, a fim de garantir o contínuo crescimento A IIRSA/COSIPLAN E SUAS IMPLICAÇÕES NA FLUIDEZ DO TERRITÓRIO BRASILEIRO ••• 109

das exportações brasileiras, visto que ao reduzir os custos de transportes, armazenamento e logística “atinge-se um dos elementos que influi na competitividade internacional” das exportações nacionais, anseios que se procurou contemplar com a IIRSA/COSIPLAN. Contudo, a garantia da competitividade e da ampliação das exportações não é consequência somente da diminuição do custo Brasil de transportes, de armazenamento e de logística (que têm como um dos componentes a ampliação das infraestruturas). Há outros elementos que influem na competitividade e no desempenho do comércio internacional e que envolvem acordos de cooperação regional, custos de produção, subsídios, normas, tributos, estratégias competitivas (dumping e antidumping), marketing, entre outros.

3.

O Brasil, a IIRSA/COSIPLAN e a necessidade de incrementar o comércio exterior

No ano 2000, ocorreu a I Cúpula de países da América do Sul em Brasília, evento impulsionado pelo, então, presidente Fernando Henrique Cardoso, que contou com a presença dos mandatários do Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai, Chile, Bolívia, Colômbia, Equador, Peru, Venezuela, Guiana e Suriname, estabelecendo um espaço de diálogo para buscar soluções conjuntas para temas como democracia, infraestrutura de integração, drogas e delitos conexos, relacionados ao tráfico de armas e drogas (COUTO, 2010)9. As evoluções das iniciativas integracionistas resultaram na consolidação da União de Nações Sul-Americanas (UNASUL), no ano de 2008. Essa, por sua vez, criou o Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e Planejamento (COSIPLAN), que incorporou as atribuições da IIRSA, ocasionando uma reorganização institucional da política de integração territorial sul-americana. 9 Como pudemos verificar, a Guiana Francesa não está inclusa, pois não é um país, mas sim, um departamento ultramarino francês; assim como as Ilhas Malvinas (Falkland) e as Ilhas Geórgia do Sul e Sandwich do Sul não estão inclusas, pois são territórios pertencentes ao Reino Unido. 110 ••• Márcio Rogério Silveira • Vitor Hélio Pereira de Souza

O Brasil, devido a sua dimensão continental, apresenta uma extensa fronteira com um total de 15.179 km compartilhados com dez países sul-americanos, não possuindo fronteira somente com Chile e Equador. Dessa maneira, o país expressa uma importante participação dentre os projetos delimitados pela IIRSA/COSIPLAN, inclusos nos Portfólios Gerais da iniciativa, na Agenda de Implementação Consensuada (AIC) e na Agenda de Projetos Prioritários de Integração (API). Conforme dados do COSIPLAN, para o ano de 2013, o Portfólio Geral foi ampliado de 531 projetos para 583, com investimentos previstos de U$S 158,62 bilhões, dos quais o Brasil participava em 110 obras (19%), que totalizaram U$S  79,75 bilhões de investimentos(50%). Do total, 81 projetos eram exclusivamente nacionais, com investimentos de U$S 70,576 bilhões. Cerca de 27 projetos eram binacionais, com investimentos de U$S 8.787 bilhões e apenas 2 projetos eram resultantes de cooperação trinacional, com investimentos estimados em U$S 389,1 milhões. Mesmo que sejam projetos visando à integração regional, percebe-se que, devido à inexistência de uma organização internacional de integração regional financiadora, grande parcela das obras foi realizada com investimentos nacionais. No entanto, apesar dos poucos projetos financiados em conjunto pelos países, esse número representa um avanço, pois implica em esforços entre os países para o estabelecimento de arranjos jurídicos, visando facilitar o financiamento associado. Essas obras apresentavam uma distribuição setorial, com enfoque no setor de transporte, com 97 projetos e investimentos de U$S 47,63 bilhões, seguido pelo setor de energia, com 11 projetos e investimentos de U$S 32,12 bilhões e somente 2 projetos de comunicação, com investimentos ainda não mensurados. Desse total, para o ano de 2013, apenas 23 projetos haviam sido concluídos, com investimentos de U$S 6,96 bilhões; 43 se encontravam em execução, com investimentos de U$S 53,02 bilhões e, em fase de perfil e pré-execução, contabilizavam-se 44 obras, com investimentos de U$S 19.77 bilhões (tabela 05).

A IIRSA/COSIPLAN E SUAS IMPLICAÇÕES NA FLUIDEZ DO TERRITÓRIO BRASILEIRO ••• 111

Tabela 05. Participação do Brasil nos projetos referentes ao

Portfólio Geral do COSIPLAN para o ano de 2013 Tipo de investimento Nacional Binacional Trinacional Total Projetos por setor Transporte Energia Comunicação Total Situação dos projetos Perfil Pré-execução Execução Concluído Total

Projetos do Portfólio Númerode projetos 81 27 2 110 Número de projetos 97 11 2 110 Númerode projetos 19 25 43 23 110

Investimentos em US$ 70.576.566.714 8.786.749.356 389.100.000 79.752.416.070 Investimentos em US$ 47.635.271.856 32.117.144.214 n/d 79.752.416.070 Investimentos em US$ 4.748.971.000 15.020.128.356 53.021.672.500 6.961.644.214 79.752.416.070

Fonte: COSIPLAN, 2013.

O COSIPLAN, para o ano de 2013, possuía 9 Eixos de Integração e Desenvolvimento (EIDs), a saber: Andino, Sul, Amazônico, Escudo Guianês, MERCOSUL-Chile, Capricórnio, Hidrovia Paraguai-Paraná, Interoceânico Central, Peru-Brasil-Bolívia (figura 01). O Brasil não apresenta obras somente nos EIDs Andino e no do Sul. Ao estabelecermos uma compartimentação da América do Sul em porção setentrional e austral, podemos constatar que, na primeira, o país participou dos EIDs Amazônico, Escudo Guianês e Peru-Brasil-Bolívia, com 50 obras. Na porção austral, ocorre a convergência dos EIDsMercosul-Chile, Interoceânico Central, Hidrovia Paraguai-Paraná e Capricórnio,com 60 obras (tabela 06). Como se pode notabilizar, a porção central da América do Sul, em que está inserida a porção Centro-Oeste brasileira, foi abarcada por dois importantes EIDs: o Interoceânico Central e a Hidrovia Paraguai -Paraná, que concentraram 21 projetos referentes ao Portfólio Geral do 112 ••• Márcio Rogério Silveira • Vitor Hélio Pereira de Souza

COSIPLAN no território brasileiro, para o ano de 2013. Já na Agenda de Projetos Prioritários de Integração (API)10 da iniciativa, que abarca obras consideradas estratégicas para promover a integração regional nos EIDs Interoceânico Central e a Hidrovia Paraguai-Paraná, destacavam-se importantes conjuntos de obras como poderemos constatar a seguir. Figura 01. COSIPLAN – eixos de integração e desenvolvimento para o ano de 2013.

10 Para o ano de 2013, seguindo a prática adotada pela iniciativa, foi selecionada, em meio ao Portfólio Geral do COSIPLAN, uma lista com os principais projetos. Dessa maneira, foi criada a Agenda de Projetos Prioritários de Integração (API), composta por 31 projetos classificados como “Projetos Estruturados”, ou seja, obras que favorecem as redes de conectividade física, com alcance regional e com potencial de fomentar sinergias e de solucionar as deficiências da infraestrutura existente e, por conseguinte, 88 “Projetos Individuais”, aqueles que apresentam função complementar aos projetos estruturados, geralmente de menor porte. Trata-se se um pacote de obras que passou a funcionar enquanto vitrine da iniciativa, ganhando destaque enquanto marketing governamental do projeto e tornando-se objeto de grande parte das análises acadêmicas (SOUZA; SILVEIRA, 2014). A IIRSA/COSIPLAN E SUAS IMPLICAÇÕES NA FLUIDEZ DO TERRITÓRIO BRASILEIRO ••• 113

Tabela 06. Participação Brasileira nos EIDs delimitados no Portfólio Geral

do COSIPLAN para o ano de 2013 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. Total

Eixos Andino Sul Amazônico Escudo Guianês MERCOSUL-Chile Capricórnio Hidrovia Paraguai-Paraná Interoceânico Central Peru-Brasil-Bolívia

Nº Projetos n/d n/d 33 8 30 9 8 13 9 110

Fonte: COSIPLAN, 2013.

O EID Interoceânico Central apresentou quatro grupos de trabalhos11, compostos por quatro projetos estruturados que abarcaram 7 projetos individuais, com investimentos estimados de US$ 460,2 milhões. Tais projetos objetivavam melhorar as conexões viárias, ferroviárias e aeroviárias entre Brasil, Bolívia, Paraguai e Peru, apresentando a Bolívia como área de articulação. Ademais, havia outros projetos que visavam ampliar a capacidade do aeroporto de Viru Viru, em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, a melhora do Posto de Fronteira RivarolaCañada Oruro entre Bolívia e Paraguai, além de consolidar o corredor ferroviário bioceânico central da Bolívia (COSIPLAN, 2013). Dessa lista de obras, o Brasil participou de dois projetos, um destinado ao modal rodoviário e outro a um posto de fronteira, somando ambos US$ 32 milhões. Sendo assim, foi realizada a adequação da área de controle integrado entre Puerto Suárez e Corumbá no valor de US$

11 Para o ano de 2013,tinham sido definidos cinco grupos de trabalho, sendo que quatro apresentavam projetos inclusos na API, a saber: G1 (Conexão entre Chile-Bolívia-Paraguai-Brasil); G2 (Otimização do Corredor Corumbá-São PauloSantos-Rio de Janeiro); G3 (Conexão entre Santa Cruz-Porto Suárez-Corumbá); e G5 (Conexão do eixo ao Pacífico Ilo/Matarani-Desaguadero-La Paz/Arica-La Paz/ Iquique-Oruro-Cochabamba-Santa Cruz). 114 ••• Márcio Rogério Silveira • Vitor Hélio Pereira de Souza

2 milhões12 em conjunto com a Bolívia e o contorno viário da cidade de Campo Grande/MS, projeto incluso no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), no valor de US$ 30 milhões. Essas são importantes obras que complementam outros projetos realizados em território boliviano, como a duplicação da rodovia de La Paz à Santa Cruz e da rodovia de Toledo-Pisiga, projetos inseridos no Plan Nacional de Desarollo boliviano (COSIPLAN, 2013). Já no caso do EID Hidrovia Paraguai-Paraná – recorte que abarca a bacia dos rios Paraguai, Paraná, Uruguai e inclui as fronteiras do Brasil, Bolívia, Paraguai, Argentina e Uruguai, além do rio Tietê, que nasce no oeste do estado de São Paulo e desemboca na represa de Jupiá no rio Paraná – foram definidos cinco grupos13que originaram quatro projetos estruturados, que agruparam 15 projetos individuais. O objetivo foi melhorar a navegabilidade e complementar as conexões ferroviárias entre Paraguai, Uruguai e Argentina, com obras que totalizam US$ 1,56 bilhões em investimentos (COSIPLAN, 2013). O Brasil esteve inserido em três projetos que totalizam US$ 864 milhões em investimentos. O primeiro projeto é em conjunto com a Bolívia e o Paraguai, com a intenção de melhorar a navegabilidade do rio Paraguai entre Apa e Corumbá, no valor de US$ 39 milhões. Visava ampliar a competitividade dos produtos regionais produzidos nas áreas distantes dos portos marítimos, além da redução do tráfego de caminhões, acidentes e da depreciação das rodovias. Já o projeto de melhoramento da navegabilidade do rio Tietê, no valor de US$ 800 milhões, facilita o escoamento de soja e combustíveis produzidos no Brasil para Argentina e também o trajeto do trigo argentino para o mercado brasileiro, além de dar vazão a algumas cargas com origem no Paraguai,des12 O governo federal brasileiro prevê a construção de galpões de depósito de mercadorias confiscadas à aquisição de uma empilhadeira, e a readequação do Posto Esdras em Corumbá/MS. 13 Para o ano de 201,3 foram definidos cinco grupos de trabalho com projetos inclusos na API, como: G1 (Rio Paraguai, Asunción-Corumbá); G2 (Tietê-Paraná [Itaipu]); G3 (Rios Paraguai-Paraná, Asunción-Delta do Paraná); G4 (Rio Paraná, Itaipu- Confluencia), e G5 (Rio Uruguai). A IIRSA/COSIPLAN E SUAS IMPLICAÇÕES NA FLUIDEZ DO TERRITÓRIO BRASILEIRO ••• 115

tinadas ao mercado consumidor de São Paulo e ao Portode Santos. E, por fim, o melhoramento da navegabilidade do rio Alto Paraná (águas acima do Salto del Guairá) no valor de US$ 25 milhões. Ambos os projetos, em algumas etapas das obras, contaram com financiamento do PAC (COSIPLAN, 2013). Deve-se considerar que essas áreas delimitadas pelos EIDs apresentam dinâmicas econômicas que extrapolam o recorte territorial adotado pelo projeto, havendo geralmente uma sobreposição dos eixos da IIRSA/COSIPLAN (SOUZA; SILVEIRA, 2014). Tal prerrogativa verifica-se, sobretudo, nos casos dos EIDs Interoceânico Central e a Hidrovia Paraguai-Paraná, ondese constata a justaposição aos EIDs: Andino, Capricórnio, Peru-Brasil-Bolívia e MERCOSUL-Chile. Uma vez que esses EIDs, que apresentam obras direcionadas à porção central do continente, mais especificamente no caso brasileiro para região Centro -Oeste, tendem a apresentar um desenho, subjugado a outros eixos que abarcam a fachada litorânea brasileira. Esse é o caso dos EIDs Interoceânico Central, Hidrovia Paraguai-Paraná e Capricórnio, que estão sobrepostos ao EID MERCOSULChile. Uma vez que esse último engloba no Brasil os estados de Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, que não só se tratam de grandes mercados consumidores, mas também de importantes acessos às rotas para exportação intrarregional (destaque ao MERCOSUL), mas, sobretudo, áreas de ingresso para mercados extrarregionais (com ênfase no mercado asiático), por se tratarem de estados com uma importante rede portuária localizada no oceano Atlântico(exceto o estado de Minas Gerais). Nesse ínterim, compreende-se por que o EID MERCOSUL-Chile, que abarca uma região economicamente dinâmica, na qual existe uma maior intensidade de fluxos entre os países, também tratar-se de uma área que concentra obras e investimentos da IIRSA/COSIPLAN. Vale lembrar que, ao analisar as obras destinadas ao Brasil no “Portfólio Geral” da iniciativa para o ano de 2013, o mesmo concentrava o maior número de obras, isto é, 30, sendo 21 de responsabilidade nacional e ou116 ••• Márcio Rogério Silveira • Vitor Hélio Pereira de Souza

tros 9 projetos binacionais com investimentos estimados em US$ 19,96 bilhões. O setor de transportes seguia sendo o responsável pelo maior número de obras, um total de 23 com valor de US$ 13,75 bilhões, seguido pelo setor de energia com 6 obras e investimentos de 6,21 bilhões e, por fim, o setor de comunicações – sempre preterido – com apenas 1 projeto, o qual ainda se encontrava em estudo, portanto não apresentava o custo definido. Tais projetos certamente são de irrefutável necessidade, pois com a incessante busca por melhor fluidez, por meio de uma “logística corporativa”otimizada, as empresas procuram uma nova lógica de organização dos seus fluxos no território. As empresas exigem do Estado uma reorganização territorial das redes de comunicação e transporte (“logística de Estado”), a fim de sociabilizar os custos para otimização das “condições gerais de produção” existentes, aspirando maiores vantagens comparativas para as regiões em que as mesmas operam. Racionalizar, otimizar e ampliar os sistemas de transportes e armazenamento, com apoio da logística, para incorporar e seletivizar espaços, é o ponto nevrálgico da recente reestruturação econômica mundial. Estamos falando da mobilidade geográfica do capital. Como se constatou ao analisar os dados do Portfólio do COSIPLAN para América do Sul, grande parcela das obras foram destinadas ao setor de transportes, principalmente ao modal rodoviário, que canalizou grande percentual dos investimentos. Exceto na porção setentrional do continente, que apresenta um maior número de obras destinadas à geração de energia hidroelétrica (SOUZA; SILVEIRA, 2014). Esse padrão identificado para as obras distribuídas pelo continente ocorre, em particular, ao analisarmos o caso brasileiro. Ou seja, grande parcela dos investimentos foi destinada para a recuperação das infraestruturas já existentes, como a ampliação da capacidade das rodovias atuais, tornando-se uma característica limitante dos projetos. A IIRSA/COSIPLAN não consegue modificar efetivamente a desequilibrada matriz de transportes regional, além do que determinadas obras contribuem para reforçar a seletividade espacial do capiA IIRSA/COSIPLAN E SUAS IMPLICAÇÕES NA FLUIDEZ DO TERRITÓRIO BRASILEIRO ••• 117

tal. Mesmo que nas atualizações dos Portfólios Gerais do COSIPLAN, para os anos consecutivos (2014 e 2015), tenham sido destinados maiores investimentos para os demais modais, contribuindo para a alteração dessa orientação inicial dos projetos notabilizada. Para compreender essa limitação, toma-se como exemplo o caso da BR-101, rota inclusa na AIC e API da IIRSA/COSIPLAN, que objetiva a ampliação e duplicação da rodovia entre os municípios de Palhoça/SC e Osório/RS. Trata-se de uma extensão de 337,5 km (249 km no estado de Santa Catarina e 88,5 km do estado do Rio Grande do Sul) em que ocorreram a restauração de pontes, construção de túneis, viadutos, passagens interiores e passarelas, a fim de reduzir tempo e custo de viagem pelo trajeto, além de conquistar melhor segurança para a rota. Obra importante que possibilitará a sobrevida dos intensos fluxos, porém, caso não seja complementada com a melhoria do sistema portuário e estabelecimento de modais alternativos, será novamente ineficiente em médio prazo, pois continuará gradativamente a concentrar os fluxos existentes, provenientes não só de Santa Catarina, mas também de outras unidades federativas do país. Para explicar melhor a argumentação desenvolvida até o momento, devemos recordar que a expansão do capital corporativo no campo influiu no alargamento da fronteira agrícola para a região Centro-Oeste do país. Fator esse que – agrupado à tecnificação da agricultura, à não realização da reforma agrária e ao avanço das monoculturas – originou novas demandas por transportes. Essas cargas, devido à inexistência e/ ou baixa eficiência do sistema rodoviário, atreladas à reduzida quilometragem de ferrovias disponíveis eà falta de investimentos nos modais hidroviários, têm seu escoamento até os portos realizado, em grande medida, pelo modal rodoviário. As novas cargas originadas no interior (região Centro-Oeste) do país com destino a mercados intrarregionais (sentido norte-sul) ou extrarregionais (sentido oeste-leste), após percorrer uma longa distância pelo modal rodoviário, ao atingir a porção litorânea do país, uma das áreas com maior densidade urbana e econômica, são canalizadas prin118 ••• Márcio Rogério Silveira • Vitor Hélio Pereira de Souza

cipalmente pela rodovia BR-101, que cruza, de norte a sul, o país em sua fachada litorânea, além de outras rodovias adjacentes. Prontamente, os veículos de cargas com destino ao MERCOSUL ou aos portos, em determinados trechos das rodovias que servem à região da fachada litorânea, passam a disputar espaço com os fluxos inter/ intraurbano, uma vez que em algumas cidades a urbanização avançou no entorno das vias. E, por fim, ao alcançar as cidades portuárias, a urbanização nos arredores dos portos, atrelada à sua baixa eficiência, torna-se outro entrave, situação que aponta para a complexidade e necessidade de um planejamento integrado da fluidez territorial no país.

4.

A necessidade de um planejamento integrado da fluidez territorial para exportação: articulando escalas

A IIRSA/COSIPLAN, embora configure como um importante esforço para garantir a fluidez territorial para as exportações, não é suficiente, pois a solução parte do planejamento da rede de transportes de forma integrada, isto é, os projetos definidos enquanto de interesse para a integração regional sul americana devem ser complementados por uma agenda de projetos nacionais. Podemos considerar que, nos últimos anos, o planejamento da fluidez territorial avançou. Dado que, após o ano de 2007, foi retomado o planejamento do setor de transportes em âmbito nacional pelo governo federal a médio e longo prazo, por meio do lançamento do Plano Nacional de Logística e Transporte (PNLT), um documento com caráter indicativo para o horizonte de 2007-203114, que ofereceu (e oferece) subsídio imediato para a elaboração dos Planos Plurianuais (PPA) para o período de 2008-2011 e 2012-2015, além de auxiliar na composição do Programa de Aceleração do Crescimento 1 e 2 (PAC 1 e 2), que financiou, também, algumas obras da IIRSA/COSIPLAN. 14 Em sua primeira versão, lançado em 2007, o PNLT limitava-se até o período de 2023. Todavia, após a atualização do plano no ano de 2009, o mesmo estendeu seu recorte temporal até o ano de 2033. Vale frisar que, ambos os documentos consideram as obras da IIRSA/COSIPLAN. A IIRSA/COSIPLAN E SUAS IMPLICAÇÕES NA FLUIDEZ DO TERRITÓRIO BRASILEIRO ••• 119

O PAC 1 (2007-2010) foi o primeiro programa executivo de desenvolvimento implantado, após os governos militares, com investimentos de R$ 618 bilhões, destinados a obras de infraestrutura social, urbana, logística e energética no país, dos quais o setor de transportes captou R$ 65,4 bilhões, sendo R$ 42,9 bilhões destinados às rodovias (6.377 km), R$ 17 bilhões (301 embarcações e 5 estaleiros) à marinha mercante, R$ 3,4 bilhões (909 km) às ferrovias, R$ 281,9 milhões (12 obras em 10 aeroportos) aos aeroportos, R$ 789,1 milhões (14 obras) aos portos e R$ 965,5 milhões (para 10 terminais e as eclusas de Tucuruí) às hidrovias (SILVEIRA, 2013). O PAC 2 (2011-2014) realizou investimentos de R$ 1,066 trilhão, alcançando 96,5% do R$ 1,104 trilhão previsto para ser investido no período. Sendo que no setor de transportes foram aplicados R$ 66,9 bilhões em todo o país, dos quais 5.188 km foram de rodovias (grande parcela para duplicações). Já para as ferrovias foram concluídos 1.088 km dos quais já entraram em operação 855 km. Em portos foram concluídos 30 empreendimentos entre ampliação de cais, construção de porto, terminais de passageiros e dragagem para receber navios de maiores calados nos portos. No setor aeroportuário foram concluídas 37 obras, que garantiram a ampliação da capacidade dos aeroportos brasileiros para 70 milhões de passageiros por ano. Entre as hidrovias foram concluídos 19 empreendimentos. Além disso, os municípios com menos de 50 mil habitantes foram contemplados com 15.181 máquinas, para construção de estradas vicinais (retroescavadeiras, motoniveladoras e caminhões caçamba) (PAC 2, 2015). Visando impulsionar as transformações no setor, além dos investimentos do PAC 1 e 2, o governo resolveu ampliar as parcerias com a iniciativa privada, por meio do lançamento, no ano de 2012, do Programa de Investimento em Logística (PIL): Rodovias e Ferrovias. Esse programa, apelidado de “PAC das Concessões”, busca angariar investimentos da ordem de R$ 113 bilhões nos próximos 30 anos. Recursos esses que deverão ser destinados à duplicação de 7,5 mil km de rodovias (R$ 23,5 bilhões em cinco anos e R$ 18,5 bilhões em 20 anos, totalizan120 ••• Márcio Rogério Silveira • Vitor Hélio Pereira de Souza

do R$ 42 bilhões de investimentos), além da construção/manutenção de 10 mil km de ferrovias (R$ 56 bilhões em cinco anos e R$ 35 bilhões em 25 anos, totalizando R$ 91 bilhões de investimentos) (MDIC, 2013)15. O PAC 2 tem uma importância significativa para as diversas regiões do país. Haja vista o caso do Mato Grosso do Sul, em que, no período de 2011 a 2013, foram investidos R$ 12,65 bilhões no estado, além de R$ 4,94 bilhões de inversões em cooperação com outras unidades federativas, que totalizaram R$ 17,59 bilhões. Dessa soma, foram destinados ao setor de transportes, no período de 2011 a 2013, cerca de R$1,133 bilhões,além de R$ 375,67 milhões em conjunto com outros estados, sendo previsto para após o ano de 2014, R$ 89,65 milhões para projetos exclusivos ao estado e R$ 2,447 bilhões para projetos em cooperação com outros estados (tabela 07). Tabela 07. Mato Grosso do Sul: investimentos (em milhões de reais)

destinados ao setor de transportes pelo PAC 2 Tipo Rodovias Ferrovias Portos Hidrovias Aeroportos Equipamentos para estradas vicinais Total

Exclusivo 2011 a 2014 Pós 2014 1.056,79 89,65 6,00 10,12 -

Regional 2011 a 2014 Pós 2014 148,38 54,20 2.447,40 61,81 111,28 -

60,44

-

-

-

1.133,35

89,65

375,67

2.447,40

Fonte: PAC 2 Mato Grosso do Sul. 11º Balanço 2011-2014.

Desse total, R$ 1,056 bilhões foram investimentos exclusivos do estado do Mato Grosso do Sul para a construção do anel rodoviário de Campo Grande, na BR-262/MS (projetos inclusos nas obras do COSIPLAN), assim como a construção de subtrechos da BR-359 e, a manu15 Na proposta inicial para esse novo modelo de concessão, a iniciativa privada não terá o monopólio da ferrovia, possibilitando a outras empresas utilizá-la. Logo, será de responsabilidade da concessionária realizar a manutenção da qualidade da infraestrutura e dos serviços, assim como a gradativa redução das tarifas, a fim de ampliar a competitividade dos trechos (SILVEIRA, 2013). A IIRSA/COSIPLAN E SUAS IMPLICAÇÕES NA FLUIDEZ DO TERRITÓRIO BRASILEIRO ••• 121

tenção, operação, sinalização e controle de velocidade de outros trechos rodoviários do estado. Cerca de R$148,38 milhões de investimentos regionais foram direcionados à construção de uma ponte na BR-262, sobre Rio Paraná (entre MS e SP);R$ 6 milhões de investimentos foram reservados paradragagem, derrocamento e sinalização do Rio Paraguai no Passo do Jacaré e R$ 61,81 milhões de investimentos regionais foram destinados à dragagem, derrocamento e sinalização do Rio Paraguai (MS, MT), e no Rio Paraná, dragagem e sinalização (GO, MG, MS, PR, SP); R$10,12 milhões foram investidos no aeroporto de Campo Grande para serviços de manutenção, compreendendo a recuperação de condições funcionais das taxiways charlie, “delta” e echoe, R$111,28 milhões de investimentos regionais foram destinadosà aquisição de veículos contra incêndio e outros equipamentos; R$ 60,44 milhões foram investidos em equipamentos destinados a obras em estradas vicinais (retroescavadeiras, motoniveladoras e caminhões caçamba); R$ 54,20 milhões de investimentos regionais foram destinados às ferrovias, a saber: a preparação da concessão da Ferrovia Estrela d’Oeste-PanoramaDourados (MS e SP) por meio do PIL; além de uma série de estudos de projetos destinados ao Corredor Ferroviário Bioceânico – Bitola Métrica (MS, PR, SP), ao prolongamento da Ferrovia Norte-Sul conexão com a Ferrovia do Pantanal (MS, SP) e, por fim ao Corredor Ferroviário do Paraná (Maracaju – Lapa – Paranaguá entre MS e PR) incluso no PIL16. Ademais, de modo similar ao PIL, a Medida Provisória nº 595/12, aprovada pelo Congresso Nacional, em 17 de maio de 2013, e convertida na Lei nº 12.815/2013 (Lei dos Portos) estabeleceu um novo marco regulatório para o setor portuário brasileiro, com o objetivo de viabilizar maiores investimentos no setor, por meio da parceria com a iniciativa

16 Na categoria Cidade Melhor do PAC 2, destinado ao estado do Mato Grosso do Sul, foram planejados investimentos de R$ 560,15 milhões para obras de pavimentação asfáltica, drenagem, qualificação de vias e, foram aprovados R$ 249,38 milhões para mobilidade urbana, visando fomentar estudos, projetos e a implementação de corredores de ônibus, além da reforma e requalificação de terminais de ônibus. Assim como estudos para implantação de um VLT (Veículo Leve sobre Trilhos). 122 ••• Márcio Rogério Silveira • Vitor Hélio Pereira de Souza

privada17. Essa mudança anula a exclusividade do transporte de carga própria nos portos privados e amplia a oferta por transporte, entre outras medidas. Tais estratégias, em conjunto, podem colaborar para consolidação de uma matriz de transporte mais equilibrada para o período de 2011 a 2031. As metas almejadas pelo PNLT (2011) conjecturam a redução da participação do modal rodoviário de 52% para 38% e, por outro lado, a ampliação da participação do ferroviário de 30% para 43%, seguido da ampliação do hidroviário de 5% para 6%, a redução do dutoviário de 5% para 4% e a elevação da navegação de cabotagem de 8% para 9%18. A aproximação de tais índices resultaria em uma importante redução no custo Brasil de transportes, não fosse o fato da participação atual do modal ferroviário no país ser superestimada; haja vista que ao retirar o minério de ferro transportado pela Estrada de Ferro Vitória-Minas (EFVM), Estrada de Ferro Carajás (EFC) e Ferrovia Centro -Atlântica (FCA), a participação da ferrovia cai (SILVEIRA, 2013). Essa participação cai mais significativamente, quando tiramos dela os grãos. Isso implica dizer que as ferrovias são, no Brasil, essencialmente transportadoras de commodities. Segundo as estimativas presentes no PNLT (2011), sem o minério de ferro, teríamos uma previsão mais modesta e realista da matriz de transportes, que visa à redução do modal rodoviário de 68% para 55% e à elevação da participação do ferroviário de 10% para 21%, acompanhadas da manutenção da participação do hidroviário em 6%, a redução do

17 A Secretaria de Portos ficou com a responsabilidade de elaborar o plano de outorgas e fixar diretrizes para os regulamentos de exploração dos portos, entre outras atribuições. Já a ANTAQ(Agência Nacional de Transportes Aquaviários) será encarregada de arbitrar conflitos e controvérsias nos contratos. 18 Na primeira edição do PNLT, planejado para o horizonte de 2007 a 2023, foi prevista a ampliação da participação em toneladas por km do modal ferroviário de 25% para 32%; do aquaviário de 13% para 29%; do dutoviário de 3,6% para 5% e do aéreo de 0,4 para 1%, reduzindo a participação do modal rodoviário de 58% para 33% (SOUZA, 2010). A IIRSA/COSIPLAN E SUAS IMPLICAÇÕES NA FLUIDEZ DO TERRITÓRIO BRASILEIRO ••• 123

dutoviário de 6% para 5% e a elevação da navegação de cabotagem de 10% para 13% (tabela 08). Tabela 08. Distribuição da matriz de transporte brasileira, por modal em

toneladas por km para o período de 2011-2031 Ano 2011 2015 2019 2023 2027 2031 Ano 2011 2015 2019 2023 2027 2031

Rodoviário 52% 44% 40% 39% 38% 38% Rodoviário 68% 60% 56% 55% 55% 55%

Modais (com minério de ferro) Ferroviário Hidroviário Dutoviário 30% 5% 5% 36% 6% 7% 40% 6% 6% 42% 6% 4% 43% 6% 4% 43% 6% 4% Modais (sem minério de ferro) Ferroviário Hidroviário Dutoviário 10% 6% 6% 14% 7% 9% 19% 6% 7% 21% 6% 5% 21% 6% 5% 21% 6% 5%

Cabotagem 8% 7% 8% 9% 9% 9% Cabotagem 10% 10% 12% 13% 13% 13%

Fonte: PNLT, 2011.

Esses dados ratificam a necessidade de políticas públicas que visem ampliar a participação dos demais modais na matriz de transporte do país. Deve-se salientar que, em nível regional, com a IIRSA/COSIPLAN, os investimentos em grande parte, destinados ao modal rodoviário, embora imprescindíveis, não são a melhor saída para a ampliação da competitividade que, em âmbito internacional, tornou-se cada vez mais acirrada, em especial, devido à capacidade chinesa de inserção internacional e, que para isso, utiliza uma rede de infraestruturas de transportes e armazenamento com elevada qualidade, assim como um sistema de normas e tributação eficientes. A ampliação dos fluxos econômicos que estamos observando pelo sistema de circulação, no território brasileiro, não ocorre somente por causa de uma ampliação proporcional das infraestruturas de transportes e armazenamento. Esse alargamento só é foi possível por meio da 124 ••• Márcio Rogério Silveira • Vitor Hélio Pereira de Souza

“logística de Estado” (planejamento e investimentos em pontos estratégicos das infraestruturas de transportes, flexibilização normativa e tributária, entre outros), mas, sobretudo, pela “logística corporativa” (estratégia, planejamento e gestão de transportes e armazenamento). Essa forma de estratégia competitiva adotada pelas empresas, para diminuir custos de transportes e armazenamento, é também responsável pela inserção das commodities brasileiras no mercado mundial. As empresas ao utilizarem a “logística corporativa”,otimizam o uso das infraestruturas de transportes e armazenamento existentes e, por conseguinte, ampliam sua lucratividade (SILVEIRA, 2014). Mesmo com o significativo acréscimo de inversões em infraestruturas de transportes, ou seja, seu aumento em relação ao PIB (Produto Interno Bruto) e o considerável incremento do PIB brasileiro nos últimos anos, os investimentos em infraestruturas não foram suficientes para atender às demandas por transportes geradas pelo crescimento da economia brasileira. Porque havia uma demanda reprimida de mais de 20 anos, pois as décadas de 1980 e de 1990 até 2003 foram as décadas perdidas também para as infraestruturas brasileiras. A manutenção da concentração dos investimentos no modal rodoviário não proporcionou modificações significativas na matriz de transportes, mantendo-a. E esse é um dos gargalos que necessitam ser superados e, em especial, em áreas onde a competividade é prejudicada, ou seja, onde a renda diferencial da terra poderia ser amenizada com mais infraestruturas adequadas de transportes. Uma alternativa para a recuperação dos investimentos em infraestruturas pode ser retirada dos ensinamentos do economista Ignácio de Mourão Rangel, por meio de seu plano de concessões de serviços públicos subinvestidos a setores da iniciativa privada com capacidade ociosa. Os investimentos privados, em setores retardatários, podem fomentar um efeito multiplicador interno e, por conseguinte, repercutir positivamente na economia e na sociedade. Os investimentos em projetos regionais sul-americanos atrelados aos projetos realizados nacionalmente (e sub-regionais) podem, em conjunto, garantir o estabelecimento de uma matriz de transportes A IIRSA/COSIPLAN E SUAS IMPLICAÇÕES NA FLUIDEZ DO TERRITÓRIO BRASILEIRO ••• 125

mais equilibrada. Ainda que a situação atual da matriz de transportes brasileira – ao retirar o minério de ferro e os grãos – pareça alarmante, é fundamental a sua ampliação. Porque com o aumento da participação do modal hidroviário e do ferroviário, ainda que em índices modestos, os efeitos serão positivos, visto que a utilização desses modais pode ser, respectivamente, 62% e 37% mais “barata” que a do transporte rodoviário (PNLT, 2007). Logo, os efeitos para fluidez territorial ocorrerão com intensidades diferentes em cada região, afinal o desenvolvimento tende a ser desigual e combinado. Os resultados serão favoráveis ao gerar mudanças no Sistema Nacional de Viação (SNV), em especial, ao ampliar a fluidez territorial e proporcionar menos desequilíbrios à matriz de transportes e estabelecer uma coesão territorial com os países fronteiriços.

5.

CONCLUSÃO

Após esse percurso, constata-se que ocorreram mudanças na orientação da política externa brasileira, decorrente da transição do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) para o governo Luís Inácio Lula da Silva (2003-2011), no que tange a busca por autonomia, isto é, a capacidade do país em tomar decisões e adotar estratégias visando resguardar os interesses nacionais. As mudanças influenciaram na intensificação das relações comerciais intra e extrarregionais, ampliando a participação do comércio exterior para o desenvolvimento nacional. A maior inserção internacional do país decorreu na ampliação da quantidade de mercadorias em circulação, provenientes de diversas regiões do país. Colocando em foco a necessidade da retomada dos projetos de integração territorial regional, para expandir/melhorar a integração entre os países. Esse objetivo passou a ser perseguido a partir do ano 2000, com as obras delineadas na IIRSA/COSIPLAN, que ao reduzir os custos de circulação ampliaram ainda mais as interações espaciais intra/extrarregionais.

126 ••• Márcio Rogério Silveira • Vitor Hélio Pereira de Souza

Nesse movimento, a região Centro-Oeste do país, até então pouco inserida no comércio internacional,transformou-se numa importante região para a geração do superávit comercial brasileiro, resultando na intensificação da geração de fluxos de mercadorias no interior do país, com destinos a mercados internacionais. Tornou-se proeminente a necessidade de direcionar investimentos ao setor de transportes para os estados que compõem essa região, a fim de garantir a fluidez territorial necessária para uma inserção competitiva das empresas da região no mercado mundial. Não é surpresa que muitas análises acadêmicas apontem enquanto objetivo da IIRSA/COSIPLAN o favorecimento para escoamento das commodities brasileiras provenientes do agronegócio. De fato, a política externa, com olhos postos nas infraestruturas, é formulada a fim de responder as demandas domésticas de alguns setores exportadores, que possuem interesses de investimentos públicos em determinadas parcelas do território. Ainda que o objetivo inicial seja favorecer determinados setores exportadores, deve-se destacar uma particularidade das infraestruturas de transportes: essas, por se tratarem de uma “condição geral de produção”, ao serem inseridas no território, articulam um conjunto de capitais. Definir os setores econômicos interessados inicialmente na promoção dos projetos é possível, porém, após os investimentos realizados, apontar os setores econômicos beneficiados com as obras e as repercussões espaciais em suas diversas escalas torna-se uma tarefa complexa, possível de ser alcançada, mas somente com estudos de caso. Ao analisar as obras dos Portfólios Gerais da IIRSA/COSIPLAN, para o Brasil, constatou-se que o plano destinou investimentos aos principais eixos de transportes do país, isto é, que canalizam grande parcela dos fluxos. Ao ampliar a fluidez territorial intrarregional das áreas seletivizadas pelo capital se perdeu a possibilidade de elaborar políticas que propiciem maiores repasses de investimentos para áreas menos interessantes ao capital coorporativo e que poderiam atuar na redução das assimetrias regionais. A IIRSA/COSIPLAN E SUAS IMPLICAÇÕES NA FLUIDEZ DO TERRITÓRIO BRASILEIRO ••• 127

Deve-se considerar que essas infraestruturas que servem às áreas seletivizadas, como é caso da BR-101, geralmente são as mesmas vias utilizadas pelas unidades federativas menos desenvolvidas. Elas servem para dar vazão aos produtos exportados para mercados intrarregionais, como é o caso do MERCOSUL e para mercados extrarregionais, como é o caso das exportações para os mercados asiáticos, entre outros. Também são obras de interesse prioritário ao setor industrial, principalmente das regiões Sudeste e Sul do país, tendo em conta que são utilizadas para exportação de produtos manufaturados destinados ao mercado argentino. Ademais, a BR-101, na Região Metropolitana de Florianópolis, mas também em outros espaços brasileiros, foi fator determinante para o desenvolvimento de um processo de conurbação, pois a mesma adquiriu a função de viabilizar fluxos interurbanos. Embora a obra seja estratégica para o comércio exterior, tornou-se de grande interesse para a população local, que também utiliza a rodovia para mobilidade cotidiana, com destaque para deslocamentos pendulares entre municípios. São os casos, por exemplo, que dão origem à construção de contornos rodoviários (como aedificação do contorno rodoviário da Região Metropolitana de São Paulo, Florianópolis, Campo Grande, entre outros). Apontar o interesse inicial que influenciou a elaboração de uma política pública destinada ao setor de transportes não permite compreender de antemão e com exatidão as repercussões espaciais que tais investimentos ocasionarão. Os interesses podem ser diversos e estarem ligados à sobreposição de interesses dos agentes hegemônicos em diversas escalas (municipais, metropolitanos, estaduais, nacionais, supranacionais e até mesmo globais). Assim, tanto num projeto local como entre nações pode haver diversos agentes hegemônicos e de diversas escalas envolvidos. Outra análise que podemos fazer aos projetos definidos pela IIRSA/COSIPLAN, além do direcionamento de grande parcela dos investimentos para áreas economicamente dinâmicas, é o fato de grande parte das inversões terem sido direcionados para obras de melhoria e 128 ••• Márcio Rogério Silveira • Vitor Hélio Pereira de Souza

ampliação do modal rodoviário, não implicando na consolidação, em curto prazo, de uma matriz de transportes mais equilibrada e com menores custos de transportes e logística. Portanto, podemos afirmar que a IIRSA/COSIPLAN, embora apresente importantes projetos para integração suprarregional, tornase limitada na tarefa de assegurar a fluidez territorial brasileira. Nesse sentido, além de serem fundamentais os estudos de caso (das obras em particular) para entender a política de integração infraestrutural em âmbito continental, deve ser considerado o contexto das políticas públicas destinadas ao setor de transportes. O que estamos propondo é avaliar a conjuntura em que se desenvolveram tais políticas públicas destinadas ao setor de transportes. Uma vez que, no início do século XXI, ocorreu a retomada do planejamento do Sistema Nacional de Viação brasileiro, com PNLT (2007), que possibilitou as bases para o PAC 1 (2007- 2010) e o PAC 2 (2011-2014), que pretendia e colocou em execução uma série de obras de infraestruturas pelo país. No ano 2012, o lançamento do Programa de Investimento em Logística (PIL): Rodovias e Ferrovias e, posteriormente, no ano de 2013, o Decreto da Lei dos Portos (Lei nº 12.815/2013), acrescentaram esforços para angariar investimentos da iniciativa privada ao setor, por meio das Parcerias Público-Privadas (PPPs). Por outro lado, ao analisarmos o caso particular da região Centro-Oeste, ressalta-se a importância dos investimentos destinados ao modal rodoviário inclusos na IIRSA/COSIPLAN. Esses devem atender uma necessidade de curto e médio prazo decorrente das projeções ascendentes de fluxos regionais destinados à exportação, canalizados por determinados trechos do modal rodoviário. Comodemonstramos, a região Centro-Oeste, por ser composta por estados enclaves, sem saída direta para o oceano, reforça a necessidade de uma política setorial de transportes em que prevaleça o interesse nacional. Isto implica no estabelecimento de infraestruturas em outras unidades federativas do país que, não necessariamente, serão

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utilizadas com maior intensidade para o escoamento dos produtos originados nos estados em que as mesmas estão alocadas. Esse é o caso de alguns dos estudos de ferrovias inclusas no PIL, que partem do estado do Mato Grosso do Sul para o litoral, com objetivo de escoar commodities para os portos. Esses investimentos, embora de imediato pareçam desinteressantes aos estados dispostos na fachada litorânea, em médio e longo prazo tornar-se-ão, também, estratégicos aos mesmos, pois permitirão a redução do número ascendente de veículos pesados que transitem nessas rodovias, como se verifica na BR-101, BR -116, BR -277, entre outras. A política externa, no decorrer da gestão de Lula da Silva e de Dilma Rousseff, priorizou a ampliação do comércio exterior, componente importante da estratégia nacional de desenvolvimento. Dessa maneira, promover a integração territorial torna-se precondição para continuidade da ascensão dos fluxos destinados ao comércio exterior intra/extrarregional. Nesse sentido, no início do século XXI, a fluidez territorial tornou-se assegurada por meio do conjunto de políticas públicas, cuja evolução, convergências e divergências devem ser sistematizadas, analisadas e problematizadas, para vislumbrarmos políticas setoriais mais eficientes e capazes de garantir a fluidez territorial almejada. Logo, essa tarefa complexa que é a análise das diversas políticas públicas destinadas ao setor de transportes não se esgota nesse ensaio. Mas, configuram uma importante agenda de pesquisa para a Geografia da Circulação, Transportes e Logística, assim como para demais áreas do conhecimento que se dedicam ao estudo da temática na atualidade.

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DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO: POLÍTICA INDUSTRIAL E INSERÇÃO INTERNACIONAL NOS GOVERNOS FHC E LULA Caio Cézar Pedrollo Machado1 Hermes Moreira Jr.2

1.

Introdução

A redemocratização no Brasil trouxe novidades importantes nos campos político, institucional, social e econômico. A partir da Constituição de 1988, uma série de medidas foi tomada pelos governos para colocar a nação no grupo de países desenvolvidos, garantindo à população acesso ao consumo e ao bem-estar. Porém, o desenvolvimento econômico não é um conceito com definições rígidas, o que permite que diferentes estratégias sejam adotadas e distintos objetivos sejam perseguidos sob sua justificativa. Não obstante, há certo consenso de que o desenvolvimento econômico é caracterizado fundamentalmente pela ampliação do progresso técnico e científico de uma sociedade, ou seja, por avanços no processo de industrialização e produção de bens de consumo que permitam ampliação do bem-estar e qualidade de vida de sua população. Sua realização, todavia, está atrelada à realidade política de uma determinada sociedade e da forma como ela se relaciona com as demais unidades do sistema internacional. 1 Graduado em Relações Internacionais e Especialista em Gestão Públicapela Universidade Federal da Grande Dourados. 2 Doutor em Relações Internacionais pela UNESP. Professor da Faculdade de Direito e Relações Internacionais da Universidade Federal da Grande Dourados.

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Para que sejam atingidos índices significativos de desenvolvimento econômico, agentes políticos e econômicos precisam estar dispostos a assumir riscos. A trajetória desse desenvolvimento contemporâneo mostra que,nos casos de maior sucesso, o projeto foi conduzido por políticas direcionadas pelo Estado, seja na viabilização de mercados consumidores interna e externamente, na consolidação dos fundamentos básicos para o desenvolvimento ou no fortalecimento de agentes do mercado para suportar a pressão e a concorrência internacional (FIORI, 1999; CHANG, 2003; AMSDEN, 2004; NAYYAR, 2014; BIELSCHOWSKI, 2014). De acordo com Cano e Silva (2010), estímulos como incentivos fiscais, política cambial e controle da taxa de juros, compras governamentais, investimentos em pesquisa e desenvolvimento tecnológico são formas com as quais o Estado pode promover políticas de desenvolvimento econômico no âmbito doméstico. Já no plano internacional, o fortalecimento e defesa de sua moeda, o exercício diplomático e a garantia da própria soberania permitem ao país galgar nova posição e atingir um patamar de nação desenvolvida. Esse trabalho referenda a importância do Estado na condução da trajetória nacional de desenvolvimento a partir da construção de uma política voltada para a indústria, partindo do pressuposto da necessidade de um ritmo acelerado de industrialização para a efetivação de um projeto de desenvolvimento. Nesse sentido, para contribuir com os debates sobre o desenvolvimento econômico do Brasil contemporâneo, nos propusemos a discutir as características dos governos FHC e Lula no entendimento sobre o papel do Estado no incentivo ao desenvolvimento econômico por meio de sua política industrial e de sua estratégia de inserção internacional para o país. Na sequência, após breves apontamentos sobre o debate a respeito do subdesenvolvimento e do desenvolvimento no Brasil, discutiremos a concepção ideológica, a política industrial e o modelo de inserção internacional concebidos nos anos de FHC e Lula. Ainda que a retórica da busca por crescimento e desenvolvimento econômico seja comum a ambos, e que os dois governos te134 ••• Caio Cézar Pedrollo Machado • Hermes Moreira Jr

nham sido responsáveis por implantar importantes transformações na estrutura social do país, inclusive com traços de continuidade, verificase que as estratégias traçadas para atingir seus objetivos se orientaram por distintas concepções teóricas, ideológicas e programáticas.

2.

Desenvolvimento, industrialização e política industrial

O desenvolvimento econômico se tornou o objetivo fundamental das elites políticas e econômicas das sociedades contemporâneas. Sua essência está no progresso técnico e científico que uma sociedade pode alcançar para oferecer melhores bens de consumo e bem-estar à população. A indústria se constitui como principal vetor desse processo. A atividade industrial condiciona não somente a configuração técnico-científica de um país, mas o modo como ele se insere nas relações econômicas internacionais. Partindo da lógica estabelecida por Celso Furtado (1974) de que o subdesenvolvimento não é uma etapa para o desenvolvimento, mas sim um tipo de conformação socioeconômica, típica de países ex-colônias de exploração e exportadores de produtos primários, tem-se a intenção de mostrar que o desenvolvimento econômico tem seu conceito fundamentado majoritariamente no progresso da indústria por meio das transformações estruturais que ela pode promover nas sociedades contemporâneas, bem como nas potencialidades que ela oferece às nações em seu processo de ocupação de espaços na divisão internacional do trabalho em uma economia-mundo cada vez mais integrada. É de grande importância identificar e compreender as causas que levaram um grupo de países a se desenvolver e outro a tornar-se dependente de capital e tecnologia estrangeiros. Para isso, osestudos sobre desenvolvimento, em uma orientação diversa da economia clássica, sempre buscaram estabelecer ligação entre a economia e a política, explicando os fenômenos econômicos no tempo e no espaço como consequências de decisões políticas dos agentes, em conjunto, ou não, com representações sociais no poder.

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O desenvolvimento promove transformações na produção e no consumo. Complementarmente, opera necessárias transformações sociais e políticas, por meio de rearranjos institucionais e legais, que contribuem para a sustentação de novas técnicas de produção e trabalho e de novas relações sociais. Segundo Paul Baran (1986), o desenvolvimento econômico sempre foi impulsionado por classes e grupos interessados em uma nova ordem econômica e social, tanto em âmbito doméstico, quanto internacional. Não obstante, sempre encontrou oposição e tentativas de obstrução por parte dos interessados na preservação do status quo. Por isso a necessidade de enquadrar a discussão sobre desenvolvimento no campo das disputas políticas. Para ele: “[...] historicamente, o desenvolvimento econômico sempre significou uma profunda transformação da estrutura econômica, social e política, da organização dominante da produção, da distribuição e do consumo. O desenvolvimento econômico sempre foi marcado por choques mais ou menos violentos; efetuou-se por ondas, sofreu retrocessos e ganhou terreno novo – nunca foi um processo suave e harmonioso se desdobrando, placidamente, ao longo do tempo e do espaço” (BARAN, 1986, p. 37).

Em paralelo, Celso Furtado corroborou com a ideia de que o desenvolvimento possui diferentes dimensões que dialogam entre si, reconhecendo, dentre todas, uma relacionada à transformação da produção e do consumo, materializada pelo progresso técnico, o que se faz pela atividade industrial: “A rigor, a ideia de desenvolvimento possui pelo menos três dimensões: a do incremento da eficácia do sistema social de produção, a da satisfação de necessidades elementares da população e a da consecução de objetivos a que almejam grupos dominantes de uma sociedade e que competem na utilização de recursos escassos. A terceira dimensão é, certamente, a mais ambígua, pois aquilo a que aspira um grupo social pode parecer para outro simples desperdício de recursos. Daí que esta terceira dimensão somente che136 ••• Caio Cézar Pedrollo Machado • Hermes Moreira Jr

gue a ser percebida como tal se incluída num discurso ideológico. Assim, a concepção de desenvolvimento de uma sociedade não é alheia à sua estrutura social, e tampouco a formulação de uma política de desenvolvimento e sua implantação são concebíveis sem preparação ideológica” (FURTADO, 2000, p. 22).

Tomando a visão de ambos, acreditamos que o desenvolvimento econômico se faz por meio de uma transformação global da sociedade, porém, destacada essa dimensão fundamentada na mudança do modo de produção e de consumo, com o fortalecimento da indústria nacional para ampliar a evolução tecnocientífica e as condições de concorrência no ambiente internacional. No processo de condução da sociedade ao desenvolvimento, portanto, a dimensão política é complementada por um necessário esforço institucional para que ocorra uma transformação significativa das forças produtivas de um país. O papel do Estado sempre ocupou lugar de destaque na condução desse processo, seja nas experiências dos países do capitalismo central, como Inglaterra, Estados Unidos e Alemanha, ou nos processos de desenvolvimento tardio de asiáticos e latino-americanos. Ainda de acordo com Celso Furtado (2007), no século XIX, novas técnicas de produção difundiram de maneira jamais vista novos modos de consumo, mas não a difusão das técnicas de produção em si, criando um distanciamento ainda maior entre as economias coloniais e as industrializadas. Como consequência da distorção na propagação das novas técnicas de produção da sociedade industrial, controladas fundamentalmente pelos países centrais de economias industriais avançadas, se cristalizou a diferenciação entre economias desenvolvidas e subdesenvolvidas no sistema internacional. As nações que pretenderam promover alterações nessa estrutura sem a ruptura com o sistema estabelecido, impulsionaram fortes estímulos à constituição de parques produtivos nacionais com importante conteúdo tecnológico, por meio de políticas nacionais de incentivo e estímulo ao desenvolvimento da indústria.

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Essas ações, denominadas pela literatura como política industrial, possuem o objetivo de promover setores econômicos fundamentais para a geração de divisas, difusão de tecnologias e expansão dos níveis de emprego, colaborando para o aumento da competitividade industrial (KRUGMAN, 1989). Sua finalidade é a promoção da atividade produtiva na direção de estágios de desenvolvimento superiores aos preexistentes, acelerando processos de transformação produtiva que as forças de mercado são incapazes de articular (KUPFER, 2003). Uma política industrial pode se materializar por meio de regimes de regulações ou de incentivos. Os regimes de regulação tratam de política antitruste, de regulação de propriedade intelectual, de política de concessões, de controle de preços, de prevenção à concorrência desleal etc. Já os regimes de incentivo sustentam medidas financeiras e fiscais como taxas de juros subsidiadas, modificações na estrutura de tarifas de importação, deduções fiscais, políticas de crédito e de financiamento em longo prazo, investimentos públicos e privados em pesquisa e desenvolvimento científico-tecnológico etc. Ela ainda pode ser implementada de forma horizontal ou vertical. Ou seja, como políticas horizontais, atuando na totalidade da economia, focando a ação governamental nas condições que configuram o ambiente econômico, como infraestrutura logística, investimentos em capital humano ou fundamentos da política macroeconômica. Ou como políticas verticais, em que a atuação seletiva do Estado promove medidas discricionárias direcionadas a determinados setores industriais que apresentem características como potencial para maior valor agregado, elevado poder de encadeamento na cadeia produtiva, grande dinamismo potencial no mercado internacional, retornos crescentes de escala, entre outras (KUPFER et al, 2002). Dessa maneira, conceber a política industrial como instrumento político para a promoção de crescimento com mudança estrutural e viabilização efetiva de desenvolvimento não implica em escolhas taxativas. Diversas estratégias e combinações podem ser aplicadas com o anseio de criar trajetórias de desenvolvimento com base na atividade produtiva industrial, representando a correlação de forças que está esta138 ••• Caio Cézar Pedrollo Machado • Hermes Moreira Jr

belecida no tecido social que sustenta e legitima o governo em questão, e a capacidade e a disposição desse em enfrentar os constrangimentos sistêmicos resistentes a qualquer alteração no status quo. Com efeito, escolhemos avaliar as medidas tomadas pelos governos FHC e Lula para a promoção do desenvolvimento econômico, por acreditar que elas podem ilustrartal distinção, entre os caminhos escolhidos a serem percorridos como trajetória de desenvolvimento, no padrão de inserção internacional e na política industrial, como veremos na sequência.

3.

Neoliberalismo e reforma do Estado: o Brasil dos anos 1990

Após sucessivos anos de crise fiscal, econômica e política durante a década de 1980, o Brasil faria nova tentativa para traçar o caminho do desenvolvimento no início da década de 1990, momento em que a transição democrática encontrava-se parcialmente consolidada. Era possível perceber três pressupostos básicos dessa busca na opção pelo recurso às recomendações do chamado Consenso de Washington: um de ordem macroeconômica, com a previsão de corte de gastos públicos, disciplina fiscal e reformas administrativas, principalmente; outro dizia respeito à desoneração do capital, pois com o crescimento do comércio internacional, as economias deveriam tornar-se mais competitivas no mercado; e por fim, havia o pressuposto de que era necessário abandonar a ideia de industrialização baseada no conteúdo nacional para que o livre-comércio prosperasse. Essas três premissas originaram o processo de privatizações de empresas e serviços públicos, a desregulamentação das finanças e do mercado de trabalho, o aumento das trocas comerciais entre os países, com as garantias de proteções de propriedade aos estrangeiros (PRAIA, 2010). A falta de credibilidade nas instituições do Estado em relação ao combate à crise da dívida e à inflação contribuiu muito para que as forças que defendiam a adoção das premissas do neoliberalismo pros-

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO ••• 139

perassem. A nova ordem pregava, principalmente, a reinserção no mercado global, o estabelecimento de relações diplomáticas privilegiadas com os Estados Unidos e políticas de cooperação e integração regional baseadas no livre-comércio (CERVO, 2007). O neoliberalismo seria responsável por grandes transformações na economia brasileira, principalmente no que dizia respeito à reforma do Estado, praticamente intacto em suas estruturas burocráticas e funcionais, desde a década de 1930. Seguindo as recomendações dos agentes do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, o governo brasileiro fortaleceu o processo de globalização dentro do país, integrou mercados e trouxe novos desafios para os setores produtivos nacionais. Novas estratégias para o desenvolvimento foram tentadas, agora com o desafio de conseguir posicionar o país da melhor maneira possível nas relações econômicas internacionais. Além da conquista da estabilidade política e econômica, o governo de FHC imprimiu uma reforma administrativa na máquina burocrática estatal. Com a criação do Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, e a nomeação de Luiz Carlos Bresser-Pereira para conduzir a pasta, foi criado o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado e colocada em prática uma articulação política para aprovar um Projeto de Emenda Constitucional que, em 1998, viria a se tornar a Emenda Constitucional n.º 19, da reforma administrativa. O objetivo dessas reformas era manter o equilíbrio orçamentário do governo e tornar a administração pública menos burocrática, dando a ela uma forma gerencial (BRESSER-PEREIRA, 1998). A Reforma do Estado incluía um extenso plano de privatizações que atingiram importantes empresas estatais consideradas ineficientes para ampliar sua condição de competitividade frente à exposição à concorrência internacional. O governo defendia o plano como forma de estabilizar a economia, uma vez que, segundo a lógica do poder público naquele momento, a venda de empresas poderia gerar divisas imediatas para o pagamento da dívida pública e dos juros, atrair investimentos estrangeiros, melhorar

140 ••• Caio Cézar Pedrollo Machado • Hermes Moreira Jr

a credibilidade da economia nacional, e estimular a modernização do parque industrial brasileiro.

4.

A Política industrial no governo FHC

Para o governo FHC, a prioridade para a construção de uma trajetória de desenvolvimento econômico estava assentada na necessidade da conquista da estabilidade macroeconômica. Desse modo, sua política industrial ficou subordinada à convicção de que uma economia com sólidos fundamentos macroeconômicos era a condição necessária para a alavancagem do setor industrial (CORONELet al, 2014). Ocupado em promover a reforma do Estado e confiando nas privatizações e nas medidas macroeconômicas como elementos propulsores do mercado e das estruturas produtivas, o governo não elaborou uma política industrial integrada, teria articulado uma política industrial implícita, baseada nos fundamentos macroeconômicos e nos objetivos de estabilização da economia, e em um conjunto de instrumentos administrativos no âmbito do poder executivo para promover transformações no setor industrial brasileiro (RESENDE, 2000). Mesmo diante da ausência de uma estratégia clara para a inserção da indústria produtiva brasileira no contexto de um mercado tecnológico globalizado, a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior elaborada pelo Ministério da Indústria, Comércio e Turismo, em 1995, e o Programa Brasil em Ação visaram contemplar investimentos diversos na área de infraestrutura, cujo objetivo era a redução do “custoBrasil” e a consequente dinamização da indústria no país. Ainda assim, o programa “Brasil em Ação” listava uma série de obras de infraestrutura sem primar pela apresentação de uma linha clara de política industrial para o país. Para Resende (2000), a interferência das medidas do Plano Real no setor industrial brasileiro, como a sobrevalorização do Real frente ao dólar e as altas taxas de juros para o controle inflacionário, afetou o setor produtivo nacional, uma vez que tais medidas encareciam a produção e o crédito, tornando mais viável ao mercado consumidor interno optar pela importação de manufaturas. DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO ••• 141

Sarti e Hiratuka (2011) observaram que a estratégia industrial do governo consistia mais em modernizar as estruturas produtivas por meio da importação de equipamentos do que em desenvolver uma política industrial voltada para a expansão da capacidade produtiva e inovação tecnológica. O governo tinha a intenção, com o câmbio valorizado, de substituir os fornecedores locais por fornecedores estrangeiros de insumos e máquinas, principalmente. A venda de empresas estatais, especialmente na área de infraestrutura, foi outra estratégia do governo visando o aumento de fluxo de capitais e o investimento em novas estruturas produtivas. O governo esperava que o capital da reforma do Estado, mais especificamente das privatizações, fosse revertido em aumento da produtividade. Ocorre que a indústria não recebeu inversões e parte do setor passou por dificuldades, já que as importações mais baratas competiam mais facilmente. Depositava-se na abertura econômica, ou seja, na liberalização do mercado, a promessa para o aumento dos investimentos e da produtividade, o que não se concretizou na dimensão esperada. FHC não teve a preocupação de assegurar uma base de financiamento ou uma política que incentivasse o incremento da produção e da produtividade para a indústria brasileira. Dadas as regras do Consenso de Washington, o que se esperava era que os fundamentos macroeconômicos por si só conduzissem a atividade industrial nacional, de acordo com o aporte de capitais estrangeiros. A liberalização da economia, porém, gerou instabilidade macroeconômica, principalmente se levarmos em conta as crises financeiras da década de 1990, que desencadearam intensa fuga de capitais, para o que a solução do governo era aumentar os juros, além de impor o corte de investimentos públicos. Com juros mais altos, a dívida pública interna aumentou, a formação bruta de capital, enquanto porcentagem do PIB,foireduzida e o problema do desemprego agravou-se (TEIXEIRA; PINTO, 2012). A indústria nacional sentiu esse golpe. Na esteira desse processo, a integração da China, da Índia e de outros países de baixa renda à economia global, com alto grau de competitividade, sobretu142 ••• Caio Cézar Pedrollo Machado • Hermes Moreira Jr

do em fator humano, teve impactos imediatos na indústria produtiva brasileira, acelerando um movimento de especialização em vantagens comparativas baseadas em commodities na economia brasileira, e oferecendo espaço para discussões a respeito do processo de desindustrialização no país (PESSOAet al, 2013). Esse quadro condicionou a inserção do Brasil na economia global ao longo dos anos 1990, e dificultou qualquer estratégia de alteração do status quo da ordem internacional.

5.

A inserção internacional do Brasil no governo FHC

As frustrações da política industrial no Governo FHC acabaram por interferir diretamente nas expectativas de desenvolvimento e do papel que o Brasil poderia cumprir em suas relações exteriores num cenário de globalização. Dessa forma, começou a ser delineada uma nova compreensão do papel internacional do Brasil e de sua estratégia de inserção internacional, a de autonomia pela integração, que se consolidaria durante os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso. Contrariamente à postura mais reativa da política externa brasileira durante quase todo o período da guerra fria (sob a lógica da autonomia pela distância), o entendimento agora era de que somente a partir de uma participação ativa nos regimes e instituições multilaterais – ainda que com a manutenção do eixo assimétrico das relações internacionais – o Brasil poderia exercer um papel de relevância no cenário internacional (VIGEVANI; OLIVEIRA; CINTRA, 2003). A formulação do novo conceito de autonomia objetivava “criar as condições para a modernização da economia brasileira a partir da sua internacionalização, na tentativa de estabelecer o modelo de desenvolvimento ajustado ao apelo da liberalização econômica” (MARIANO, 2007 p.48). Não obstante, foi relevante a contribuição da estabilidade econômica, da abertura e das importações para o país. A globalização e as privatizações recriaram os determinantes do investimento nacional e internacional. A invasão das importações não seria apenas uma ameaça, mas “uma procura das empresas aqui instaladas para reduzir custos e enfrentar a concorrência externa que, pela primeira vez, soDESENVOLVIMENTO ECONÔMICO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO ••• 143

friam sem a proteção do Estado” (GUERRA, 1997 p. 49). Nesse sentido, o desenvolvimento no Brasil durante o governo FHC foi marcado pela ruptura com o modelo de substituição de importações. Após décadas de protecionismo, a abertura do país seria a solução para os problemas econômicos nacionais, o que proporcionaria um aumento de trocas e a possibilidade de parte dos empresários brasileiros modernizar suas estruturas produtivas para então se lançar de maneira competitiva no mercado internacional. A interpretação do governo, porém, se configurou errônea, visto que não acompanhou corretamente as mudanças nos padrões de acumulação capitalista que foram estabelecidos a partir da década de 1970, em que a dominância financeira funcionava como o novo motor da economia mundial. A partir da década de 1990, os países subdesenvolvidos passaram a ser vistos mais como “plataformas de valorização financeira” (TEIXEIRA; PINTO, 2012) e a suposição de que os mercados estrangeiros fariam investimentos produtivos no Brasil não se concretizou. O desenvolvimento brasileiro ficara condicionado, portanto, mais à atividade especuladora dos mercados de capitais do que ao planejamento estatal e outras políticas públicas. A ausência de instrumentos públicos e privados nacionais capazes de formular em conjunto uma estratégia nacional para o desenvolvimento fez com que o Brasil se inserisse de maneira subordinada nas suas relações econômicas internacionais, pois o capital encontrava-se, na época, concentrado nos bancos, governos e multinacionais dos países centrais do capitalismo. Celso Furtado criticou o modelo adotado na época, dizendo que a sua manutenção acarretaria em maior dependência externa: “Essa estratégia de desenvolvimento que privilegia a inserção internacional reduz o peso político da massa trabalhadora, em particular do setor sindicalizado. Essa é uma maneira de flexibilizar o sistema econômico e reduzir salários. Há um movimento indiscriminado no sentido de aumentar a produtividade microeconômica, ignorando os efeitos sociais. Ora, o importante não é 144 ••• Caio Cézar Pedrollo Machado • Hermes Moreira Jr

ser competitivo em si mesmo. O Brasil sempre foi competitivo em certas áreas. (...) Mas, colocar a competitividade internacional como objetivo estratégico ao qual tudo se subordina é instalar-se numa situação de dependência similar à da época pré-industrial” (FURTADO, 2007 p. 75)

A crítica é direcionada justamente ao núcleo da ação política do governo FHC, a abertura econômica com ampliação da competitividade internacional. Uma vez que, como visto anteriormente, os capitais buscavam mercados financeiros e não produtivos, os países subdesenvolvidos não passariam de objetos de especulação, ao invés de investimentos produtivos. A modernização da economia ocorreria em setores específicos e não de maneira generalizada, limitando novamente a pauta exportadora brasileira e inserindo o Brasil em um novo contexto de dependência tecnológica e de produção. Isso ocorreu de fato, porque apesar de setores específicos da economia terem conseguido modernizar-se, grande parte do setor privado nacional não resistiu à abertura do mercado, e a falta de ação do Estado, tomado pela ideologia neoliberal, fez com que o país não conseguisse estabelecer uma política clara de desenvolvimento independente e se inserisse de maneira dependente no cenário econômico internacional, sob o controle do capital financeiro.

6.

Retomada do Estado e o novo desenvolvimentismo: o Brasil dos anos 2000

Uma série de fatores de ordem política e econômica levou a um novo arranjo doméstico que possibilitou ao Partido dos Trabalhadores, e seu candidato Luiz Inácio Lula da Silva, após três derrotas consecutivas, vencer as eleições presidenciais no ano de 2002, em sua quarta disputa. Assumiria um novo grupo, conhecido, interna e internacionalmente, pelo seu ímpeto crítico às políticas adotadas pelo governo anterior ao longo dos anos 1990, sobretudo aquelas voltadas à adesão de condicionantes propostos pelas instituições econômicas internacionais, como a liberalização cambial, a diminuição de subsídios à indústria, a

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adoção de uma nova legislação sobre propriedade intelectual, a maior liberalização de importações e de investimentos, a privatização de empresas estatais e a renegociação da dívida externa. Aprofundando essa visão, a proposta articulada para a campanha de 2002 preconizava a inserção soberana no mundo e a recuperação dos espaços de autonomia na gestão da economia nacional, com a promoção de políticas dirigidas a reduzir a dependência e a vulnerabilidade externas: “[negar a] adoção de uma política “desenvolvimentista” que agrega o “social” como acessório, mas sim uma verdadeira transformação inspirada nos ideais éticos da radicalização da democracia e do aprofundamento da justiça social, não pode restar dúvida de que um governo democrático e popular precisará operar uma efetiva ruptura global com o modelo existente, estabelecendo as bases para a implementação de um modelo de desenvolvimento alternativo. Tal projeto deverá incorporar o combate à dependência externa e a defesa da autonomia nacional; é hora de ousar, pois é em momentos de grandes mudanças mundiais, como este, que se abrem novas possibilidades para os países da periferia do sistema, como o Brasil, conquistarem uma posição de inserção soberana no mundo” (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 2002, p. 5).

Todavia, ao contrário do que grande parte dos analistas internacionais e parcela da sociedade brasileira (tanto por parte dos que apoiaram o projeto do PT quanto daqueles que se opuseram a ele) esperavam, o governo Lula manteve o compromisso de seu antecessor com a estabilidade macroeconômica e abertura comercial. Tal qual os princípios do governo anterior, a estabilidade econômica foi perseguida e conquistada, com controle da inflação, câmbio flutuante e disciplina fiscal. Outrossim, adicionou três outras prioridades: a inclusão e o aumento da cobertura e gasto social público; uma política industrial organizada em torno de parcerias público-privadas e de coordenação e financiamento de longo prazo do BNDES; e uma política externa voltada a impulsionar uma “nova geografia mundial” (LIMA, 2010). 146 ••• Caio Cézar Pedrollo Machado • Hermes Moreira Jr

Ademais, despertava a atenção – e, em alguns casos,a desconfiança e o desconforto – da comunidade internacional, a linha de ação que seria exercida pelo novo governo. Isso porque, além de combativo da diplomacia do governo Fernando Henrique Cardoso e de sua opção pelo seu modelo de integração e participação nos arranjos institucionais multilaterais, o Partido dos Trabalhadores sempre demonstrou forte engajamento com temas internacionais, sobretudo como crítico aos programas das instituições econômicas multilaterais, como o FMI e o BIRD, aos projetos de promoção do livre comércio capitaneados pelos países desenvolvidos. Portanto, nota-se uma inversão na prioridade e papel conferido à política nacional. A estratégia de governo estaria calcada em mais três pilares: manutenção da estabilidade econômica; inclusão social e formação de um expressivo mercado de massas; e retomada do papel do Estado nacoordenação de uma agenda novodesenvolvimentista. Nesse chamado novodesenvolvimentismo, o Estado desempenha um papel estratégico em prover o arcabouço institucional apropriado para sustentar o processo estrutural de desenvolvimento econômico, haja vista que, segundo seus entusiastas, esse requer uma estratégia nacional de desenvolvimento que capture oportunidades globais. O Estado que busca essa política deve ser forte o suficiente para executar políticas macroeconômicas defensivas, que reduzam sua vulnerabilidade frente a crises cambiais, ou expansionistas, que se referem às medidas de promoção do pleno emprego. Políticas de comércio exterior e industriais também devem ser utilizadas para melhorar a inserção desse país no comércio internacional. Sua implantação visa estabelecer o controle do capital para correção das falhas de mercado, manutenção dos índices de crescimento e garantia de manutenção de políticas voltadas à redução da desigualdade social. O novo desenvolvimentismo não é protecionista. Supõe que os países de desenvolvimento médio já superaram a fase da indústria infante e exige que as empresas sejam competitivas em todos os setores industriais aos quais se dedicarem, e que, em alguns, sejam especialmente competitivas para poderem exportar (BRESSER-PEREIRA, 2006). PreDESENVOLVIMENTO ECONÔMICO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO ••• 147

vê um Estado forte que estimule o crescimento de um mercado forte. Sua concepção é a de que não há mercado forte sem um Estado forte, e para isso deve haver um projeto de desenvolvimento nacional que gere desenvolvimento com equidade social (SICSÚ, 2005). Há hoje grande debate no Brasil em torno do conceito e de seus reflexos para a economia nacional, que coloca o conceito em disputa (ALVES, 2014; BASTOS, 2012; BOITO JR., 2013; BRESSER-PEREIRA, 2012; MERCADANTE, 2010; SAMPAIO JR., 2012). De todo modo, o Estado teria o papel de coordenador do desenvolvimento, o que nos remete ao conceito de Cervo (2008) de “Estado logístico”, segundo o qual o Estado é internamente desenvolvimentista, mas conserva como elemento externo o liberalismo econômico. Em outros termos, ao mesmo tempo em que se busca uma inserção internacional por meio do mercado, o Estado age como estimulador do desenvolvimento econômico nacional. Porém, sua função é a de garantir a estabilidade econômica e as “condições logísticas” necessárias para que o desenvolvimento seja possível, cabendo à sociedade promover tal progresso. Ainda de acordo com essa concepção, o Estado busca uma postura mais autônoma e a superação das assimetrias entre as nações.

7.

A Política industrial no governo Lula

Quando o governo Lula se iniciou, faltava ao país uma política definida para o desenvolvimento da indústria. O novo governo faria um esforço na tentativa de transformar essa realidade, criando bases para um novo padrão de desenvolvimento, fundamentado na ação estatal. A política industrial no governo Lula esteve ligada aos fundamentos do novodesenvolvimentismo. Diferentemente das diretrizes adotadas no modelo anterior, o governo Lula se preocupou em criar um programa específico para a indústria, ou seja, uma política industrial de fato. Sem prejuízo de manter elementos macroeconômicos como o câmbio flutuante, a disciplina fiscal e a abertura econômica, o novo governo se preocupou também em criar condições financeiras e institucionais para incentivar a indústria brasileira. 148 ••• Caio Cézar Pedrollo Machado • Hermes Moreira Jr

A atuação do Estado revelou-se com a criação da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE), lançada, em março de 2004, “com o objetivo de fortalecer e expandir a base industrial brasileira por meio da melhoria da capacidade inovadora das empresas” (ABDI, 2014). Tendo como objetivo principal a inovação na indústria, a PITCE focava em quatro eixos: (i) inovação e desenvolvimento tecnológico; (ii) inserção externa; (iii) modernização industrial e ambiente institucional e (iv) aumento da capacidade produtiva (CORONELet al, 2014). Buscava, com isso, financiar a aquisição de novas máquinas e equipamentos nacionais, estimular a realização de parcerias públicas e privadas, desenvolver a capacidade produtiva das empresas com o propósito de melhor inseri-las no mercado mundial, adequá-las às exigências dos principais mercados importadores e atuar na melhora da infraestrutura nacional. A PITCE se alinhava teoricamente com o que havia de moderno sobre política industrial, inovação e desenvolvimento, e visava ainda reduzir tributos a setores-chave, como o de semicondutores, softwares, bens de capital e fármacos. Em continuidade à PITCE foi criada, em 2008, a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), objetivando “fortalecer a economia do país, sustentar o crescimento e incentivar a exportação” (ABDI, 2014). Tinha como principais metas: aceleração do investimento fixo, o estimulo à inovação, a ampliação da inserção internacional do Brasil e o aumento do número de micro e pequenas empresas exportadoras. O programa da PDP foi dividido em 3 grandes grupos (programas para consolidar e expandir a liderança, para fortalecer a competitividade e programas mobilizadores em áreas estratégicas), além de um quarto grupo chamado de “destaques estratégicos”. Esse abrangia os seguintes programas: promoção das exportações; regionalização; micro e pequenas empresas, produção sustentável, integração com a África; integração produtiva da América Latina e Caribe (CANOESILVA, 2010). É importante mencionar que o BNDES teve papel muito importante para a operacionalização da PDP.

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O objetivo central da PDP era dar sustentabilidade ao atual ciclo de expansão da economia brasileira, atacando quatro aspectos fundamentais: “a ampliação da capacidade de ofertar, a preservação da robustez do balanço de pagamentos, a elevação da capacidade de inovar e o fortalecimento das micro e pequenas empresas”(FERRAZ, 2009). Seria, portanto, uma ampliação dos objetivos estabelecidos na primeira política industrial do governo, com importante menção agora às micro e pequenas empresas, que não haviam conquistado espaço relevante no programa anterior. Apesar de conter falhas, a sua implementação mostrou-se importante no sentido de revelar ao setor produtivo que o governo se preocupava com o problema da indústria. Diferentemente de épocas anteriores, agora o governo delimitava temas e propostas e os sistematizava em uma política específica para a indústria, com o objetivo de que seus resultados pudessem acelerar o processo de crescimento pelo qual passava o país. A PDP cumpriu um papel importante no cenário econômico contemporâneo, pois deu ao setor industrial a possibilidade de voltar a discutir de maneira específica as dificuldades e necessidades das estruturas produtivas, o que é fundamental para uma política de desenvolvimento. Os objetivos da nova política industrial estavam ligados ao contexto econômico em que se inseria a economia nacional. Após alguns anos de aumento da demanda e de expansão do crédito, havia uma preocupação por parte do governo de que a inflação escapasse ao controle, visto que a manutenção da oferta para o consumo nos mesmos níveis poderia ser insuficiente para acompanhar a crescente demanda. Daí o incentivo à inovação e um aumento da oferta de crédito para a indústria, no sentido de dar ao setor mais competitividade. Os desafios, portanto, não se limitavam a elementos ligados apenas ao desenvolvimento da indústria em si, mas também com a preocupação de atender a crescente demanda nacional por bens. Também foram relevantes os investimentos em infraestrutura, bem como a criação das parcerias público-privadas, uma forma de captar recursos junto ao mercado para efetivar projetos de interesse público. Não se deixou que apenas o mercado se incumbisse de investir e pensar o desenvolvimento

150 ••• Caio Cézar Pedrollo Machado • Hermes Moreira Jr

econômico, mas incluiu-se o Estado nesse contexto, por meio de acordos entre poder público e setor privado. As duas políticas industriais descritas convergem ao que propõe o paradigma logístico em relação à participação do Estado na condução da política industrial do país e ao esforço evidente de garantir maior inserção internacional do mesmo como estratégia de desenvolvimento. Sendo assim, aliando os objetivos de desenvolvimento nacional e inserção internacional em busca de autonomia, os formuladores da política externa do governo Lula da Silva investiram na estratégia de diversificação das parcerias internacionais para potencializar os efeitos da retomada de sua estratégia de desenvolvimento com base em uma formulação nacional de retomada do investimento industrial.

8.

Inserção internacional no governo Lula

A estratégia buscada para uma inserção mais autônoma do Brasil no sistema internacional durante o governo Lula se efetivou por meio da diversificação de parcerias, chamada por Vigevani e Cepaluni (2011) de estratégia de “autonomia pela diversificação”, segundo a qual “países com posições parcialmente similares na hierarquia de poder e com problemas sociais semelhantes buscam aprofundar suas identidades internacionais” (VIGEVANI; CEPALUNI, 2011, p.22). Sob essa perspectiva, o Brasil formou alianças com outros países em desenvolvimento, bem como com países desenvolvidos na busca de seus objetivos. Como exemplos podem ser citados o G43, o G20 (comercial4 e financeiro5), 3 O chamado G4 é um acordo diplomático entre Brasil, Alemanha, Japão e Índia, países que buscam a reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas e pleiteiam uma vaga como membro permanente. 4 O G20 comercial é composto por África do Sul, Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, China, Cuba, Egito, Equador, Filipinas, Guatemala, México, Nigéria, Paquistão, Peru, Paraguai, Tailândia, Tanzânia, Uruguai, Venezuela e Zimbábue. Surge em meio à preparação da V Conferência Ministerial da Rodada de Desenvolvimento de Doha da OMC (Organização Mundial do Comércio). Sob a liderança da Índia e do Brasil, a coalizão é formada em torno das discussões referentes aos subsídios agrícolas. 5 O G20 financeiro é formado pelos membros do G-7 (Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Canadá), o BRICS (Brasil, Índia, China e África do DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO ••• 151

o IBAS6 e o BRICS7. Além disso, o Brasil também buscou uma maior aproximação com seus vizinhos sul-americanos por meio do aprofundamento dos processos de integração regional na América do Sul. No que tange aos aspectos conceituais presentes no Itamaraty, Saraiva (2010) afirmou que teria predominado uma corrente de pensamento chamada por ela de autonomistas que, embora não tenha nascido dentro do Partido dos Trabalhadores, encontrou respaldo nas ideias do chanceler Celso Amorim e do secretário geral Samuel Pinheiro Guimarães. Tal corrente prioriza valores tradicionalmente presentes na diplomacia brasileira, como a autonomia, o universalismo e o fortalecimento do país no sistema internacional. Assim, busca relações com os países do Sul, uma postura mais ativa do Brasil no mundo e a alteração das regras do sistema internacional. No campo econômico, defende uma atuação mais forte do Estado na política industrial e maior projeção internacional das indústrias nacionais, especialmente em direção à América do Sul (SARAIVA; VALENÇA, 2012). A integração regional teria, nesse sentido, importância estratégica para o Brasil, enquanto instrumento de abertura de novos mercados e de possibilidade da inserção externa das empresas brasileiras. As relações de dependência com o capital financeiro, conforme visto no governo FHC, se mantiveram, mas o governo Lula buscou reorientar as relações internacionais brasileiras a partir de novas relações econômicas com o mundo. As mudanças nos preços das commodities, Sul) além de Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Coreia do Sul, Indonésia, México, Turquia e a União Europeia, cujo objetivo é servir de “foro privilegiado de interlocução das principais economias de países desenvolvidos e em desenvolvimento nos marcos da crise financeira que eclodiu ao fim de 2008” (IPEA, 2010, p.159). 6 Também conhecido com G3, o IBAS é uma “fórum de diálogo” formado por Índia, Brasil e África do Sul. O objetivo é promover a cooperação entre países em desenvolvimento nas mais diversas áreas e elaborar propostas conjuntas e, assim, tentar modificar a arquitetura do sistema internacional. 7 O conceito BRIC foi criado pelo economista Jim O’Neil, em 2001, mas somente a partir de 2006 passou a ser um agrupamento e a fazer parte da política externa do Brasil, Rússia, Índia e China. A partir de 2011, a África do Sul integrou o grupo que passou a ser chamar BRICS. Apesar de não ter um documento constitutivo, tendo apenas caráter informal, o grupo tem importante papel político no sistema internacional. 152 ••• Caio Cézar Pedrollo Machado • Hermes Moreira Jr

bem como a reorientação das relações comerciais do Brasil para a China, principalmente, contribuíram para que os termos de troca refletissem ganhos maiores para o Brasil, conduzindo o país em um processo de aumento das reservas internacionais e do fortalecimento da indústria nacional. (TEIXEIRA; PINTO, 2012). As novas relações da indústria nacional com o mercado externo geraram resultados satisfatórios. O envolvimento entre as empresas nacionais e a política externa do Governo Lula na busca por novos mercados para os produtos brasileiros e dentro de uma estratégia de projeção internacional do país foi consolidada. Ocorreu no Brasil, nesse período, um aumento da oferta de crédito. Esse aumento foi proporcionado, em boa parte, por novas relações econômicas internacionais que permitiram o aumento dos termos de troca nas exportações. Com o aumento do fluxo de capitais e de uma importante política industrial, foi possível fortalecer as estruturas produtivas e o mercado interno, criando um novo ciclo de desenvolvimento para o país, em que não apenas o setor exportador contribuía para a demanda, mas também o mercado consumidor interno. Considerando esse conjunto de fatores, aliado a parceria com o BRICS, principalmente a China, o Brasil conseguiu,não total, mas parcialmente, diminuir a dependência financeira vista no governo anterior, e proporcionar à sua própria economia um aumento do investimento produtivo com o fim de se inserir nas relações econômicas internacionais como um país capaz de inovar e competir na indústria.

9.

Considerações Finais

Compreendemos que o processo de desenvolvimento econômico de uma nação depende de sua capacidade de promover crescimento com transformações na estrutura social. Para isso, na atual conjuntura da sociedade contemporânea, é imprescindível a constituição de uma indústria nacional competitiva e que promova inovações de conteúdo tecnocientífico. Dessa forma, permitirá à economia nacional uma inser-

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO ••• 153

ção positiva e soberana no sistema internacional, condição necessária para alterar a ordem que estabelece os constrangimentos ao desenvolvimento nacional. O que se percebe é que para que a indústria encontre condições para se desenvolver é necessário que o Estado atue em algumas frentes. As principais são uma política macroeconômica voltada para a estabilidade e uma política industrial que assegure crédito e possibilidades de ampliação de mercados e inovação. No Brasil, ao longo dos últimos vinte anos, duas posições distintas marcaram a política nacional. O governo de Fernando Henrique Cardoso optou por concentrar esforços nos elementos macroeconômicos, ao invés de propor uma política industrial delimitada e direcionada a setores estratégicos nacionais. O resultado foi uma transformação do parque industrial, visto que com uma maior liberalização dos mercados, as forças produtivas tendem a se concentrar nos setores em que possuem vantagens de produção e produtividade, sucumbindo naqueles que não estão preparados para a maior concorrência internacional. O período de FHC, portanto, é representado por maior especialização e modernização de setores do parque industrial, uma vez que o câmbio valorizado proporcionou a esses setores possibilidade de compra de equipamentos e bens de capital de maior tecnologia de países mais avançados. A consequência disso para a inserção internacional é a redefinição da dependência brasileira frente ao capital internacional, sobretudo o financeiro-especulativo. Já no governo Lula houve diferenças sensíveis quanto à política para o desenvolvimento e a definição de seu perfil nas relações econômicas internacionais. Desde o início do mandato, houve a criação de políticas industriais complexas com programas e metas, o que trouxe ao setor industrial possibilidade de discussão sobre os rumos da indústria nacional. Tal confiança levou a um aumento sensível no investimento em bens de capital, o que somado a estabilidade macroeconômica permitiu um aumento da renda e do emprego, com o consequente aumento do mercado consumidor interno.A nova dinâmica de desenvolvimento insere o país como um importante consumidor internacional, o que, 154 ••• Caio Cézar Pedrollo Machado • Hermes Moreira Jr

juntamente com as políticas industriais de incentivo ao crédito e a inovação, abriu oportunidades para o investimento produtivo se instalar em território nacional. Além do mais, a oferta de crédito e os direcionamentos das políticas industriais do governo Lula permitiram a criação de grupos multinacionais brasileiros que ampliaram sua atuação em mercados emergentes, ampliando assim a influência econômica internacional brasileira nesses novos espaços. Importante frisar, porém, que apesar de diferenças entre os governos na tentativa de promover a indústria nacional e um novo modelo de desenvolvimento, o país não conseguiu de maneira efetiva transformar sua pauta exportadora. A inserção do país ainda se dá por meio, principalmente, da exportação de produtos primários ou commodities, o que coloca o país em relevante dependência dos preços externos e oscilações maiores do mercado internacional, sem prejuízo ainda da extensa dominância do investimento estrangeiro no mercado financeiro, ao invés do investimento produtivo.

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APONTAMENTOS SOBRE A POLÍTICA DE INCENTIVOS FISCAIS E A INDUSTRIALIZAÇÃO DE MATO GROSSO DO SUL1 Cristovão Henrique Ribeiro da Silva* Thayná Nogueira Gomes**

1.

INTRODUÇÃO

A ação estatal na economia sempre foi um tema controverso nos debates sobre o desempenho das atividades produtivas. Nos países de industrialização tardia, como o Brasil, a atuação do Estado desenvolvimentista tornou-se a saída para o fomento da atividade industrial e as políticas industriais foram/são peças-chave nessa equação (RODRIK, 2009). A retomada delas, no Brasil, ocorreu num momento em que a economia mundial encontrava-se em ritmos acelerados de crescimento com mercados do sudeste asiático em ascensão, como China e Índia que fomentaram a demanda por commodities agrícolas e minerais durante meados dos anos 2000, essa conjuntura nutriu a expansão de alguns setores industriais brasileiros (BRESSER-PEREIRA, 2012). Por outro lado, os incentivos fiscais, desde 1990, são as válvulas de escape adotadas pelos governos estaduais para fomentar o desenvolvimento industrial, e o acirramento entre as unidades federadas na 1 Resultado de pesquisas de mestrado e doutorado inseridas no projeto de pesquisa “Territorialização e mapeamento das unidades exportadoras de Mato Grosso do Sul”, financiado pela FUNDECT – Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul. * Professor do curso de Geografia UFMS/CPTL; Doutorando em Geografia pela UFGD/PPGG. ** Mestranda em Geografia pela UFMS/CPTL.

••• 159

atração de empresas consolidou uma instabilidade jurídica chamada guerra fiscal, que o geógrafo Milton Santos intitulou de guerra dos lugares (SANTOS, 1999). E foi nesse panorama que o estado de Mato Grosso do Sul, a partir dos anos 2000, industrializou-se com base em dois nexos. O primeiro, ligado às políticas industriais do governo federal para criar líderes nacionais nas cadeias produtivas globais como JBS e BRFoods (ALMEIDA, 2009). Não aprofundaremos, aqui, as questões relacionadas às PIs na instância federal2. E no segundo nexo, a política de incentivos fiscais redefiniu as atividades industriais em algumas regiões do estado, sob a influência da industrialização paulista, cujas fábricas encontraram, em Mato Grosso do Sul, condições favoráveis para se instalar, sobretudo, com base nos incentivos fiscais e mão de obra barata. Nesse cenário, esse trabalho aponta a dimensão territorial da política de incentivos fiscais na industrialização de Mato Grosso do Sul. Para desempenhar essa tarefa, foram adotados na pesquisa os referenciais de diversos autores renomados na matéria (MANZAGOL; 1985; SANTOS, 1996; RODRIK, 1999; KUPFER, 2003; ALMEIDA, 2009; AMSDEN, 2009; COUTINHO, 2009; LAMOSO, 2011 para citarmos alguns. E nos valemos, ainda, da coleta de dados disponíveis nas bases estatísticas do Ministério do Desenvolvimento da Indústria e Comércio Exterior (MDIC); Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Econômico do estado de Mato Grosso do Sul (SEMADE) e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Uma vez feita a seleção dos dados, a tarefa consistiu em aliar os softwares como PhilCarto e CorelDraw e elaborar o material cartográfico, ambos apresentados ao longo da narrativa.

2 Para mais, ver Cano (2010). 160 ••• Cristovão Henrique Ribeiro da Silva • Thayná Nogueira Gomes

2.

Política industrial e incentivos fiscais: aproximações

No debate sobre política industrial3, os incentivos fiscais são umas das vertentes estratégicas no fomento à indústria. As concepções teóricas de PI’s são bem variadas e podem entrar num quadro descritivo de acordo com a natureza delas e, ainda, nas metas pretendidas de cada governo que as adotam (KUPFER, 2003). Grosso modo, as correntes econômicas tradicionais vinculam as políticas industriais a estratégias corretoras de falha de mercados. Todavia, os neoshumpeterianos e evolucionários4 defendem uma abordagem mais profunda das PIs com a inserção de instituições em sentido amplo, difusão de inovação, com alto poder de coordenação (SUZIGAN E FURTADO, 2010)5. Como apresentado anteriormente, nossa intenção com este trabalho é salientar alguns aspectos territoriais da industrialização do estado de Mato Grosso do Sul, após os anos 2000, com a retomada das políticas governamentais de fomento à industrialização. Mato Grosso do Sul está localizado na divisa com os estados de São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Paraná e Mato Grosso (mapa 1), sua proximidade com o Sudeste, aliada aos incentivos fiscais, promove uma industrialização com uma peculiaridade, cujas plantas industriais são oriundas em sua maioria (40%) do estado de São Paulo (RIBEIRO SILVA, 2014).

3 No trabalho, usaremos PI para nos referir a Política industrial e PIs para fazer referência ao plural. 4 Ver Suzigan e Furtado (2010). 5 Os economistas da corrente heterodoxa, que é uma expressão ampla que cobre campos, projetos ou tradições separadas e, às vezes, distantes, como a economia pós-keynesiana, feminista, marxiana e austríaca. E eles são a favor da atuação do Estado na economia por meio das políticas industriais, sobretudo os autores neoshumpeterianos, pós-keynesianos, neokeynesianos e neoinstitucionalistas (MORAIS, 2006). APONTAMENTOS SOBRE A POLÍTICA DE INCENTIVOS FISCAIS E A INDUSTRIALIZAÇÃO DE MATO GROSSO DO SUL ••• 161

Mapa 1. Localização de Mato Grosso do Sul.

O tema polêmico relacionado aos incentivos fiscais advém do contexto em que o artigo 24 § 4º, da Constituição de 1967, menciona que o ICM – Imposto sobre Circulação de Mercadorias (hoje em dia, ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) possuiria uma alíquota uniforme para todas as mercadorias no país. Para evitar a concentração da arrecadação nos estados mais ricos, como São Paulo, Paraná e Rio de Janeiro, foi admitida a estratégia de diminuir a base de cálculo dessas operações do ICMS, o que reduziu a concentração de arrecadação em São Paulo em 22%, por exemplo, em 1972. Diante disso, para evitar que essa estratégia fosse usada outra vez, indiscriminadamente pelas unidades federadas, foi estabelecida uma edição, em janeiro de 1975, com a Lei Complementar nº 246, definindo regras bem declaradas sobre a concessão de incentivos, favores fiscais e/ ou financeiro-fiscais que passara a ser condicionada a partir da decisão unânime de todos os estados da federação dentro do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ). 6 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp24.htm 162 ••• Cristovão Henrique Ribeiro da Silva • Thayná Nogueira Gomes

E o descumprimento dessa norma anulava qualquer acordo, ineficácia do crédito para empresas/empresários e emitia a presunção de irregularidade das contas governamentais para os governos que usassem dessa estratégia. Esse pano de fundo político funcionou muito bem até a segunda metade da década 1980. Com a Constituição de 1988, e a consequente maior autonomia aos estados na administração do ICMS, o que se deu foi um generalizado descumprimento da lei, já que os estados aderiram à concessão de incentivos de fomento à indústria como instrumento de desenvolvimento regional, que, de início, era limitada ao setor industrial, mas, durante a década de 1990, houve um transbordamento das isenções fiscais para o setor de comércio, atividades de importação do exterior e, inclusive, atacadista, como aconteceu no Ceará em 20127. Essas estratégias adotadas pelas unidades federadas sustentaram demasiadamente, durante as décadas de 1990/2000, os planos de desenvolvimento industrial dos estados. Para aproximar o nosso debate de uma perspectiva geográfica, Santos e Silveira (2008) apontam para uma guerra dos lugares no Brasil. Na qual, Fala-se hoje muito em guerra fiscal, na medida em que a disputa de estados e municípios pela presença de empresas e a busca pelas empresas de lugares para se instalar lucrativamente é vista, sobretudo nos seus aspectos fiscais. A realidade é que, do ponto de vista das empresas, o mais importante mesmo é a guerra que elas empreendem para fazer com que os lugares, isto é, os pontos onde desejam instalar-se ou permanecer, apresentem um conjunto de circunstâncias vantajosas do seu ponto de vista. Trata-se na verdade de uma busca de lugares ‘produtivos’ (p. 296).

Nessa perspectiva de vantagens locacionais, Ibañez (2006) apresenta as visões de guerra que seria esboçada assim: de um lado a guerra 7 http://www.sindiatacadista.com.br/?pagina=noticias&id=310 APONTAMENTOS SOBRE A POLÍTICA DE INCENTIVOS FISCAIS E A INDUSTRIALIZAÇÃO DE MATO GROSSO DO SUL ••• 163

fiscal que está no plano jurídico, e de outro, a guerra dos lugares, a isenção de impostos (ICMS) associada aos incentivos territoriais – concessão de terrenos pelas prefeituras, isenção de Imposto Territorial Predial Urbano (IPTU), melhoria das vias de acesso, disponibilidade de gás e energia. Santos e Silveira (2008) nos apontam que essas estratégias interferem na localização das atividades produtivas, geralmente privilegiando apenas o segmento empresarial com efeitos territoriais muitas vezes, ou sempre, contraditórios para a sociedade como um todo. Todavia, avancemos para entendermos o debate que gira em torno dos incentivos. Para exemplificar essa questão de uma instabilidade jurídica, o Mato Grosso do Sul, segundo o relatório de assuntos econômicos do Senado, foi o primeiro estado a criar um ato normativo instituindo benefícios relativos ao ICMS, sem a prévia e necessária celebração de convênio entre os estados e o Distrito Federal. Contrariava, assim, os dispositivos constitucionais por meio da Lei nº 1.798/97, que buscava diversificar a atividade industrial no estado com até 90% de isenção, chamado plano PROAÇÃO do governo estadual (STF-Pleno ADI 2.439/MS). Essa lei foi revogada após a instituição da ADIN 2.439 e, diante disso, uma nova lei foi instituída em 5 de novembro de 2001, a Lei nº 93/2001, que criou o Programa Estadual de Fomento à Industrialização, ao Trabalho, ao Emprego e à Renda (MS EMPREENDEDOR)8 sob o comando do Governador José Orcírio (1999-2007) e vigente até 2015. Vale lembrar que essa lei ainda é alvo de ADINS do estado de São Paulo, e seus objetivos são estipulados assim: I – A instalação de novas empresas e a ampliação, modernização, reativação ou relocação das existentes, especialmente no sentido 8 Para saber mais sobre as leis de incentivos fiscais antes dos anos 2000, ver Souza (2002). Ele faz uma análise geográfica dessas leis desde a criação do estado, discursos, posicionamentos políticos dos principais gestores do estado até então. Nessa pesquisa, focaremos no período pós-lei 93/2001 e os processos advindos dela. 164 ••• Cristovão Henrique Ribeiro da Silva • Thayná Nogueira Gomes

da interiorização dos empreendimentos econômicos produtivos e do aproveitamento das potencialidades econômicas regionais [...]

II – A transformação de produtos primários em produtos industrializados, favorecendo a integração e verticalização das cadeias produtivas e agregando valores a esses bens [...] III – A diversificação das bases produtiva e circulatória de bens e serviços, dinamizando a economia e propiciando a geração de novos empregos estáveis, o aumento da renda per capita [...] IV – A melhoria aferível das condições de trabalho dos operários, inclusive a implantação de cursos profissionalizantes pelas empresas ou em parceria com essas; V – A ampliação ou, no mínimo, a manutenção dos postos de trabalho; VI – O estímulo à parceria ou à troca de informações entre empresas e universidades, com ou sem a participação direta de órgãos governamentais nos projetos e atividades, nas áreas de pesquisa, desenvolvimento e difusão de novas tecnologias, concretamente aplicáveis aos empreendimentos locais, melhorando a produção e a circulação de bens e serviços; VII – O fornecimento dos meios ao seu alcance para que as empresas locais possam tornar-se competitivas no mercado, tendo em vista, dentre outras causas, os benefícios ou incentivos, fiscais ou financeiro-fiscais, inclusive as reduções indiretas da carga tributária, atribuídos por outras Unidades da Federação às suas empresas [...] VIII – Estímulo e fomento à instalação e desenvolvimento das micro e pequenas empresas instaladas no Estado [...] (MATO GROSSO DO SUL, 2001).

Com a instituição do programa MS EMPREENDEDOR, a política de isenção de ICMS fica padronizada à alíquota de 67% passível de alteração pelo governo estadual. Nos objetivos do programa, o adenAPONTAMENTOS SOBRE A POLÍTICA DE INCENTIVOS FISCAIS E A INDUSTRIALIZAÇÃO DE MATO GROSSO DO SUL ••• 165

samento de cadeias produtivas, qualificação de mão de obra, iniciativas de P&D e geração de empregos encenam como as suas principais estratégias. Após a instituição da lei, novas ADINS foram ajuizadas pelo estado de São Paulo, o que fez com que o governo sul-mato-grossense, em 2003, publicasse a Lei Complementar nº 939, que estabeleceu novos marcos fiscais e englobou outros decretos (cerca de 34), que versam sobre incentivos ou benefícios fiscais de caráter geral em várias outras cadeias produtivas. Visava, com isso, o fortalecimento da economia industrial do estado e, mesmo com essas novas diretrizes, o desenvolvimento industrial se manteve, sobretudo, nos polos regionais de Corumbá, Campo Grande, Dourados e Três Lagoas. Esse contexto de desenvolvimento industrial é detentor de uma institucionalidade que é conduzida por esse amplo elenco de políticas de incentivos fiscais, regulações e normas implementadas em escala estadual apresentadas até aqui. As dimensões territoriais dessas políticas de fomento industrial, divididas em setores em Mato Grosso do Sul, serão apresentadas a seguir.

3.

Os setores industriais fomentados em Mato Grosso do Sul

No estado de Mato Grosso do Sul, setores industriais beneficiados com a política de incentivos são: o setor de processamento de soja, a bovinocultura de corte, a avícola de corte, a suinocultura de corte, o setor de beneficiamento do leite e derivados, o processamento do couro, o setor têxtil, as indústrias de construção, as indústrias de açúcar e álcool e as indústrias de madeira e mobiliário, entre outros. Para compreendermos como atuam as leis de incentivos fiscais na decisão de localização e permanência industrial no estado, analisaremos os seguintes setores industriais: o setor de carnes e o de laticínios, 9 Acesse na íntegra a lei http://goo.gl/Dsg7c1 . Acesso em: 6 de jul. 2015. 166 ••• Cristovão Henrique Ribeiro da Silva • Thayná Nogueira Gomes

que fazem parte de uma mesma divisão, os produtos alimentícios; o setor têxtil, um dos mais numerosos presentes no estado; e ainda o de biocombustível, que apresenta uma territorialização recente, mas muito importante para o fortalecimento do estado.

3.1

O setor de carnes

O setor de carnes é composto pela bovinocultura de corte, a avícola de corte, a suinocultura de corte e produtos de carne, de acordo com os dados da CNAE – Classificação Nacional de Atividades Econômicas10. Tomando como referência o cenário industrial dos anos de 200711, esse setor apresentava, no estado, 54 unidades industriais, aumentando a quantidade de indústrias para 64 unidades fabris, no ano de 2014. Entretanto, foi no ano de 2012, quase um ano após o lançamento das leis que regulamentaram o MS Forte-Indústria, que está inserido no programa MS Empreendedor, que o setor atingiu seu maior índice, com o número de 71 unidades industriais presentes no estado. Devido às diferenças entre as atividades produtivas que fazem parte desse setor e visando melhor compreensão da dinâmica territorial estabelecida, vejamos separadamente os segmentos que o compõe, iniciando pela bovinocultura. A bovinocultura de corte possui maior expressividade em quantidade de indústrias do setor de carne no estado, com um total de 31 unidades industriais no ano de 2014, haja vista que os segmentos de produtos de carne e abate de suínos, aves e pequenos animais, possuem respectivamente 17 e 16 unidades industriais em Mato Grosso do Sul. Destacam-se, na bovinocultura de corte, cidades como Eldorado, com 10 Utilizaremos a metodologia estabelecida pela CNAE – Classificação Nacional de Atividades Econômicas, que estabelece divisões de acordo com a característica da atividade exercida pela empresa. 11 2007 é o primeiro ano em que verificamos os dados das indústrias do setor alimentício – no qual as indústrias do setor de carne estão inseridas de forma desagregada, devido à mudança de metodologia estabelecida pela CNAE, entre os anos de 2006 – 2007, portanto adotaremos esse ano como referência mais antiga nessa análise. APONTAMENTOS SOBRE A POLÍTICA DE INCENTIVOS FISCAIS E A INDUSTRIALIZAÇÃO DE MATO GROSSO DO SUL ••• 167

quatro unidades fabris, assim como Maracaju e Sete Quedas com duas unidades fabris em cada uma (SEMADE, 2015). Apesar dessas três cidades possuírem as maiores quantidades de indústrias de bovinos por município, essas indústrias não usufruem dos benefícios dos incentivos fiscais estaduais. Quando se trata de indústrias receptoras desses incentivos fiscais até o ano de 2013, municípios como Anaurilândia, Batayporã, Campo Grande e Rochedo entraram em evidência, resultando em aproximadamente 1.400 empregos gerados no total. A partir de 2014, com as leis de incentivos fiscais estaduais, pretende-se gerar mais de 4.000 empregos ao total, desses a maior parte na capital, Campo Grande, pois possui uma das grandes empresas desse segmento. Também, municípios como Iguatemi, que não possuem trajetória industrial muito presente nesse segmento, mas que por meio dos incentivos fiscais, exercem poder de atração e manutenção da indústria nessas localidades segundo dados da SEPROTUR – Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agrário da Produção da Indústria, do Comércio e do Turismo(MATO GROSSO DO SUL, 2014)12. Quando observamos sua distribuição espacial, vimos que essa atividade é dispersa, localizando-se em todas as mesorregiões do estado, no entanto, a maioria das unidades fabris localizava-se na mesorregião Sudoeste de Mato Grosso do Sul, 16 unidades no ano de 2014, seguida pela mesorregião Leste do estado com nove unidades (SEMADE, 2015). Esses lugares possuem uma herança da pecuária extensiva, principalmente no caso da mesorregião Leste do estado, caracterizando-se como uma atividade industrial, subproduto da atividade anteriormente predominante. Contudo, observamos a existência de uma dinâmica territorial nesse segmento, na medida em que há uma mobilidade loca12 Os órgãos aqui elencados fazem referência aos anos de 2007 a 2014, disponível em: http://goo.gl/oaQE4J Em 2015, houve a mudança de governo, logo, o arranjo institucional foi reemoldurado. A SEPROTUR – Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agrário da Produção da Indústria do Comércio e do Turismo foi desmembrada em duas: SEPAF – Secretaria de Produção e Agricultura Familiar e SEMADE – Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Econômico, cujos dados debatidos aqui são retirados dessa última. 168 ••• Cristovão Henrique Ribeiro da Silva • Thayná Nogueira Gomes

cional das indústrias do segmento de bovinocultura de corte durante o período de sete anos. Em 2007, as mesorregiões Sudoeste e Centro-norte de Mato Grosso do Sul, possuíam juntas, 16 unidades fabris, de um total de 22 unidades industriais voltadas à bovinocultura, no ano de 2012, a mesorregião Sudoeste apresentava 13 unidades, as mesorregiões Centro-norte e Leste possuíam oito unidades cada, enquanto que a mesorregião dos Pantanais possuía somente uma indústria desse segmento (SEMADE, 2015), como vemos no mapa 2. Já no ano de 2014, a mesorregião Leste ultrapassou em quantidade de indústrias desse segmento a Centronorte, chegando a nove unidades fabris, enquanto que a mesorregião Centro-norte possui cinco unidades e as mesorregiões Sudoeste e dos Pantanais permanecem com a mesma quantidade apresentada no ano de 2012, porém alterando a localização das indústrias entre alguns municípios das respectivas mesorregiões (SEMADE, 2015). Mapa 2. Espacialização das Indústrias de bovinocultura

nos anos de 2007, 2012 e 2014.

Quanto às atividades de suinocultura e avícola de corte, traçaremos uma análise conjunta com animais pequenos, devido à normatização estabelecida pela CNAE, que trata esses segmentos de forma agregada, classificando-os como abate de suínos, aves e pequenos animais. Esse segmento, ao contrário, apresentou-se, durante o período em análise, sempre em maiores quantidades na mesorregião Centro-norte, seguido da Sudoeste. A mesorregião Leste possuía, em 2014, somente uma indústria desse segmento, localizada em Aparecida do Taboado e APONTAMENTOS SOBRE A POLÍTICA DE INCENTIVOS FISCAIS E A INDUSTRIALIZAÇÃO DE MATO GROSSO DO SUL ••• 169

a mesorregião dos Pantanais não possui nenhum estabelecimento industrial voltado para esse segmento. Vejamos com detalhes no quadro1. Quadro 1. Localização das Indústrias de abate de suínos,

aves e pequenos animais no estado.

Mesorregião

Mesorregião Centro-norte

Município Camapuã Campo Grande Coxim Rio Verde de Mato Grosso São Gabriel do Oeste Sidrolândia

Total/mesorregião Mesorregião Sudoeste

Caarapó Dourados Itaquiraí

Total/mesorregião Mesorregião Leste

Aparecida do Taboado Chapadão do Sul

Total/mesorregião TOTAL GERAL

2007 1 7 1 1 2 1

2012 0 6 0 0 2 2

13

10

1 5 1

1 4 1

7

6

3 0 3

1 1 2

23

18

2014 0 5 0 0 2 2 9 1 4 1 6 1 0 1 16

Fonte: SEMADE, 2015.

As indústrias voltadas para esse segmento apresentaram pouca mobilidade locacional de 2007 a 2014. Cabe-nos ressaltar que esse segmento localiza-se, principalmente, em municípios que tiveram uma ocupação diferenciada de outras regiões do estado, pois passaram por um processo de colonização que atuou como fator mister para definir uma estrutura fundiária mais desconcentrada. Isto os diferenciou de municípios localizados na mesorregião Leste, que possuem áreas de grande concentração fundiária e grandes extensões territoriais que, juntamente com as condições naturais, exerceram influência para a consolidação da pecuária extensiva como principal atividade econômica de outrora e atualmente também de indústrias voltadas para a bovinocultura (BERTHOLI, 2006).

170 ••• Cristovão Henrique Ribeiro da Silva • Thayná Nogueira Gomes

As indústrias de abate de suínos, aves e pequenos animais, devido às diferenças inclusive no processo produtivo, concentram-se na porção Centro-sul do estado. Formam aí, uma espécie de especialização desse segmento, ainda tímida frente aos demais setores industriais, como o setor de processamento de grãos, nessa região, muito embora, o segmento tenha sofrido um decréscimo no total de unidades industriais em todo o estado, caindo de 23 unidades fabris em 2007 para 16, em 2014 (SEMADE, 2015). As indústrias desse segmento que usufruem das leis de incentivos fiscais estaduais totalizavam até o ano de 2013, aproximadamente, 1.500 empregos gerados, em municípios como Aparecida do Taboado, Campo Grande, Itaquiraí e, também, Rochedo. Entretanto, os projetos existentes que envolvem indústrias desse segmento aproximam-se de 9.000 empregos gerados, sendo que desses, em torno de 5.500 serão gerados no município de Dourados, onde localizamse duas empresas expoentes nesse segmento, a BRF – Brasil Foods S. A. e a empresa JBS S/A. É válido ressaltar que essas empresas resultantes de estratégias joint ventures são representativas no setor, mas vão se beneficiar efetivamente dos incentivos à exportação atribuídos a Lei Kandir e, inclusive, de diretrizes da política industrial do governo federal. Outro segmento inserido no setor de carnes, são as indústrias de produtos de carne, que se diferem dos segmentos trabalhados anteriormente (bovinos, suínos e pequenos animais) tanto no processo produtivo, quanto em sua espacialização no estado. É um segmento que consiste em poucas unidades industriais em todo estado. Em 2007 possuía nove unidades fabris, em 2012 chegou ao número de 23 e em 2014, possuía 17. Apesar da queda em quantidade, as indústrias de produtos de carne, assim como as de abate de bovinos, também apresentaram mobilidade locacional entre os anos de 2007 e 2014. Os municípios como Maracaju, Rio Verde e Guia Lopes da Lacuna abriram indústrias desse segmento, porém somente em Campo Grande há empresas que recebem os incentivos fiscais do governo APONTAMENTOS SOBRE A POLÍTICA DE INCENTIVOS FISCAIS E A INDUSTRIALIZAÇÃO DE MATO GROSSO DO SUL ••• 171

do estado e geraram, até 2013, menos de 50 empregos (SEMADE, 2015; MATO GROSSO DO SUL, 2014). Essas indústrias em geral, se instalaram em municípios que já possuíam outras indústrias do setor de carnes. O setor de carnes, em sua totalidade (bovinos, suínos e pequenos animais e, produtos de carne), apresentou crescimento em unidades industriais no Mato Grosso do Sul, haja vista que em 2007 possuía 54 unidades fabris e, em 2014, passou a ter 64, localizadas em todas as mesorregiões do estado, mas concentrando a maior parte delas nas mesorregiões Sudoeste e Centro-norte (mapa 3). Mapa 3. Localização das Indústrias do setor de carne em Mato Grosso do Sul

em 2007 e 2014.

As indústrias do setor de carne, inicialmente, localizaram-se em regiões tradicionalmente voltadas a esse setor, como a porção Centrosul e Leste do estado. Entretanto, devido aos incentivos fiscais estaduais juntamente com outros fatores, como os naturais, políticos e sociais, moveram-se para outras localidades menos tradicionais, mas que emergiram como oportunidade de investimento e competitividade industrial, as chamadas greenfields, ou seja, regiões com pouca ou nenhuma tradição industrial (FIRKOWSKI, 2005). Ademais, corrobora a autora sobre os chamados greenfields: [...]regiões cujas características principais são: inexistência de tradição industrial; fraca atuação sindical; baixos salários e gover172 ••• Cristovão Henrique Ribeiro da Silva • Thayná Nogueira Gomes

nos interessados em atrair investimentos estrangeiros, o que, no Brasil, se manifestou no intenso processo de concessão de incentivos fiscais e financeiros, denominado de ‘guerra fiscal’. (FIRKOWSKI, 2005, p. 76, grifo da autora).

Dessa forma, espaços que anteriormente não exercia poder de atração para novas indústrias, passam a se destacar na economia do estado, como é o caso dessas regiões que possuem indústrias do setor de carne, altamente lucrativas.

3.2 O setor de laticínios O setor de laticínios também se encontra entre os setores industriais que se beneficiam das políticas de incentivos fiscais estaduais. Compreendem nessa divisão estabelecida pela CNAE 2.0 (2015) o grupo dos laticínios e o grupo dos sorvetes e outros gelados comestíveis, os quais serão tratados nessa análise. O setor de laticínios está presente em quase todos os municípios do estado, sendo sua maioria voltada propriamente para o grupo de laticínios. O grupo de sorvetes e outros gelados comestíveis apresentam-se em menor quantidade de indústrias no estado, destacando-se em municípios como Campo Grande que possuía em 2014, 31 unidades fabris voltadas a esse grupo, enquanto que para o grupo de laticínios possuía 28 unidades no ano de 2014 (SEMADE, 2015). Três Lagoas também se destaca no grupo de sorvetes e gelados comestíveis. Possuindo, no ano de 2014, seis unidades fabris desse segmento, número maior se comparado ao grupo de laticínios, que possuía, no mesmo ano, somente uma indústria. Ademais os municípios de Coronel Sapucaia, Corumbá e Ribas do Rio Pardo possuem somente uma indústria desse setor, cada, sendo voltada para o grupo de sorvetes e gelados comestíveis. Esse setor, apesar de estar espacialmente distribuído por todas as regiões do estado, apresenta um maior adensamento de unidades industriais nas mesorregiões Centro-norte e Sudoeste, tendo os municípios de Campo Grande e Dourados as maiores concentrações de unidaAPONTAMENTOS SOBRE A POLÍTICA DE INCENTIVOS FISCAIS E A INDUSTRIALIZAÇÃO DE MATO GROSSO DO SUL ••• 173

des fabris, 92 somando os dois municípios, segundo dados da SEMADE (2015). Contudo, quando se trata de crescimento durante o período de sete anos, os municípios de Coxim, Nova Andradina e Sidrolândia entram em evidência, já que apresentaram as maiores taxas de crescimento no estado, durante o período em questão. Coxim e Sidrolândia, situadas na mesorregião Centro-sul, saltaram de 3 e 2 unidades fabris em 2007, para 18 e 14, em 2014, respectivamente (mapa 4). Nova Andradina, situada na mesorregião Leste do estado, apresentava, no ano de 2007, oito unidades fabris desse setor, já em 2014, passou a ter 20 unidades do setor de laticínios em operação. Esses três municípios citados possuem maiores quantidades de indústrias no setor, que se enquadram no grupo também de laticínios, sendo que o grupo de sorvetes e gelados comestíveis se apresentou em menores quantidades. Vemos novamente municípios pouco tradicionais no setor de laticínios, se destacando nesse setor e industrialmente, o que antes não era uma realidade plausível, mas que pode ser entendida, como uma atividade industrial que deriva da pecuária, antes predominante. Mapa 4. Espacialização das indústrias do setor de laticínios em

Mato Grosso do Sul nos anos de 2007 e 2014.

No setor de laticínios, as políticas de incentivos fiscais geraram maiores quantidades de empregos entre os anos de 2000 a 2013, 174 ••• Cristovão Henrique Ribeiro da Silva • Thayná Nogueira Gomes

aproximadamente 890 empregos gerados, em indústrias localizadas em municípios como Bataguassu, Campo Grande, Inocência, São Gabriel do Oeste e Terenos (MATO GROSSO DO SUL, 2014). Com exceção de Campo Grande, que concentra a maior diversidade industrial do estado, os outros municípios que se utilizaram das leis de incentivos fiscais não são tradicionalmente industriais, mas que por meio das políticas de incentivos puderam dinamizar suas economias interioranas.

4.

Alguns apontamentos sobre o setor de produtos alimentícios

Outros setores como o de processamento de grãos, de mel e de frutas e de mandioca e féculas estão entre os principais receptores de incentivos fiscais no estado. Esses setores, assim como os de carne e de laticínios, analisados anteriormente, fazem parte de um setor maior ou setor “guarda-chuva”, identificado como setor alimentício, de acordo com as especificações da CNAE 2.0 (2015) e recebe a nomenclatura de “fabricação de produtos alimentícios”. Os dados desses outros setores citados encontram-se agregados, impossibilitando-nos uma análise precisa de cada um deles como fizemos com os setores de carne e laticínios. Entretanto, em um panorama geral, o setor alimentício está presente em praticamente todos os municípios do estado, com exceção dos municípios de Alcinópolis, Jateí, Taquarussu e o recentemente emancipado município de Paraíso das Águas, que não possuem nenhuma indústria alimentícia, muito embora próximo a eles encontrem-se outros municípios, que devido à presença de um possível potencial industrial os fazem mais atrativos do que os municípios citados. O setor alimentício quase que dobrou em quantidade de indústrias no estado desde o ano de 2000 até o ano de 2014, sendo que de 689 unidades industriais em 2000, passou a ter 1295, em 2014, com destaque para Campo Grande, com 379 unidades industriais, em 2014 (SEMA-

APONTAMENTOS SOBRE A POLÍTICA DE INCENTIVOS FISCAIS E A INDUSTRIALIZAÇÃO DE MATO GROSSO DO SUL ••• 175

DE, 2015). Vejamos no gráfico 1, a evolução e crescimento desde setor em um período de 14 anos. Gráfico 1. Indústrias de Alimentos em Mato Grosso do Sul – 2000 – 2014.

Fonte: SEMADE, 2015.

Além da grande quantidade de indústrias do setor alimentício no estado, elas também se tornaram maioria, no que diz respeito as indústrias receptoras de incentivos fiscais estaduais, haja vista que em torno de 58 empresas do setor receberam incentivos do estado até o ano de 2013 (MATO GROSSO DO SUL, 2014), gerando 4.900 empregos, aproximadamente. Outro dado interessante é sobre as indústrias de mandioca e féculas, que se destacam no setor de alimentos com 14 unidades industriais receptoras de incentivos fiscais, no entanto, a geração de emprego desse grupo ainda é baixa, ficando em torno de 591 empregos até o ano de 2013. Já o setor de processamento de grãos, com seis unidades industriais receptoras de incentivos fiscais, empregou 465 pessoas até o ano de 2013, segundo os dados da SEPROTUR (MATO GROSSO DO SUL, 2014). Entretanto, não podemos esquecer que o setor de processamento de grãos volta-se para exportação de commodities, enquanto que o setor de produção de mandioca e féculas abastece o mercado local e nacional, sendo realidades dispares de cadeias produtivas. Ademais, o setor de carnes e laticínios foram, entre as empresas que usufruem das

176 ••• Cristovão Henrique Ribeiro da Silva • Thayná Nogueira Gomes

leis de incentivos fiscais, os responsáveis pelo maior número de empregos gerados até 2013, pelo setor alimentício. Para sermos mais específicos, cabe aqui a ressalva de que o setor de processamento de soja, assim como o de carnes e de indústrias que se voltaram para exportação, muitas vezes optam por usufruir dos benefícios da Lei Kandir (Lei Complementar nº 87/96), que isenta o imposto cobrado sobre o produto exportado – ICMS, do que propriamente utilizar as leis de incentivos fiscais estaduais, como as implementadas pelo MS-Forte Indústria. Já as indústrias do setor de produção de mandioca e fecularias, processamento de mel e de frutas são exemplos de indústrias de pequeno alcance ao mercado externo e que, por possuir mercado consumidor nacional, não usufruem da Lei Kandir. Dessa forma, o Estado articulou outras medidas que possam atraí-las para o território, como as políticas de incentivos fiscais do Mato Grosso do Sul, a partir dos anos 2000. Entretanto, os projetos para utilização dos incentivos fiscais existentes para implantação ou ampliação de indústrias, a partir de 2014, segundo a SEPROTUR (MATO GROSSO DO SUL, 2014), apresenta uma direcionamento às grandes corporações, que anteriormente não requisitaram o benefício, como indústrias do setor de carne e processamento de soja, que possuem o maior potencial para geração de empregos, em torno de 18.000 postos de trabalho. Há também, o caso de empresas que foram instaladas há mais tempo, mas que só agora aparecem como possíveis receptoras de incentivos fiscais, por exemplo, a Indústria e Comércio de Café Meridional LTDA, situada, desde 1987, em Paranaíba e a empresa CIPA Indústria de Produtos Alimentares LTDA e a fábrica de biscoitos Mabel, situada em Três Lagoas desde 1998.

4.1 O setor têxtil Outro setor que se utiliza dos benefícios das leis de incentivos fiscais no estado é o setor têxtil, composto por dois grupos: produtos têxteis diversos e produtos têxteis – preparação e fiação de fibras de al-

APONTAMENTOS SOBRE A POLÍTICA DE INCENTIVOS FISCAIS E A INDUSTRIALIZAÇÃO DE MATO GROSSO DO SUL ••• 177

godão (CNAE, 2015). Na análise desse setor, será possível estabelecer um panorama desde os anos 2000 até o ano de 2014, haja vista que a alteração de metodologia da CNAE realizada entre os anos de 2006 e 2007, não alterou a divisão do setor têxtil possibilitando uma análise mais ampla do mesmo. Na medida em que as primeiras políticas de incentivos fiscais tenham sido lançadas em 2001 (MS Empreendedor), esses dados se tornam de suma importância para a análise. O setor têxtil apresentava-se em pequena quantidade até os anos 2000, estando presente apenas em oito municípios do estado, tendo em Três Lagoas a maior quantidade de indústrias em um mesmo município, com nove unidades industriais. Em 200713, o setor têxtil aumentou em número de municípios com unidades desse setor, passando a estar presente em 17 municípios do estado, e quase dobrou em quantidades industriais, passando de 23 para 40 unidades fabris em 2007. A partir desse ano, podemos observar que começaram a aparecer municípios como Aparecida do Taboado, Batayporã, Itaquiraí, Ivinhema, Paranaíba e São Gabriel do Oeste, para citar somente alguns, com ao menos uma planta industrial desse setor, sendo que nos anos anteriores não havia nenhuma, ou seja, com a atuação das leis de incentivos fiscais, o estado tornou-se mais atrativo, possibilitando às indústrias de setores não tradicionais serem implantadas em Mato Grosso do Sul. A partir de 2010, o setor têxtil experimentou grande crescimento que continuaria nos anos seguintes como podemos evidenciar no gráfico 2. Em 2009, esse setor contava com 39 unidades industriais, já em 2010, passou a ter 74 unidades industriais e, em 2014, chegou à marca de 178 indústrias desse setor (SEMADE, 2015).

13 Iremos analisar também o setor têxtil no ano de 2007, para não perdermos a possibilidade comparativa com os setores analisados, anteriormente, neste trabalho. 178 ••• Cristovão Henrique Ribeiro da Silva • Thayná Nogueira Gomes

Gráfico 2. Indústrias do setor Têxtil – 2000 – 2014.

Fonte: SEMADE, 2015.

Quanto à espacialização, o ano de 2010 também representou mudanças, na medida em que as indústrias têxteis se expandiram para outros municípios, principalmente para os situados na mesorregião Sudoeste. No ano de 2010, observamos que o município de Campo Grande ultrapassou Três Lagoas em unidades industriais desse setor, ficando o primeiro com 16 e o último com apenas nove indústrias têxteis. Passados somente quatro anos, o setor têxtil experimentou grande crescimento em unidades industriais, chegando ao total de 178 unidades. O maior número de indústrias têxteis no estado concentra-se em municípios de destaque na economia sul-matogrossense, como em sua capital, Campo Grande, que possuía em 2014, 59 unidades fabris desse setor, Três Lagoas, que já possuía um parque industrial diferenciado, sendo um município de forte apelo industrial, com 20 unidades em 2014 e Dourados, que apesar da predominância de atividades econômicas ligadas a produção de grãos e carne, também se encontra entre os municípios mais industrializados do estado, possuindo em 2014, 11 unidades fabris voltadas para o setor têxtil (SEMADE, 2015).

APONTAMENTOS SOBRE A POLÍTICA DE INCENTIVOS FISCAIS E A INDUSTRIALIZAÇÃO DE MATO GROSSO DO SUL ••• 179

Embora esse setor tenha se assentado principalmente em municípios que já possuíam uma atividade industrial considerável, é notável o destaque que outros municípios vêm recebendo no setor industrial, como é o caso de Coxim. Esta possuía, em 2010, uma fábrica têxtil e, em 2014, passou a ter cinco unidades industriais. Já Iguatemi, que não possuía indústria do setor têxtil, passou a ter seis unidades em 2014 e Mundo Novo, que possuía somente uma indústria do setor, também passou a ter seis unidades industriais (SEMADE, 2015). Observemos no mapa 5, a dinâmica territorial do setor têxtil em Mato Grosso do Sul. Mapa 5. Espacialização do setor têxtil nos anos 2000, 2007, 2010 e 2014.

Sobre os incentivos fiscais, esse setor está entre os que mais utilizam esse benefício, tendo em Três Lagoas a maior concentração de 180 ••• Cristovão Henrique Ribeiro da Silva • Thayná Nogueira Gomes

empresas do setor têxtil que recebem incentivos fiscais do estado. Das 20 indústrias presentes no município até 2013, oito empresas usufruíam das leis estaduais de incentivos fiscais, gerando aproximadamente 1.070 empregos (MATO GROSSO DO SUL, 2014). Essas empresas presentes no município de Três Lagoas, em grande parte, possuem origem nos estados do Sudeste brasileiro e veem no município a oportunidade de redução de custos e com isso, a possibilidade de lograr o aumento da competitividade de seu produto no mercado. Esse fato deriva da localização limítrofe com o estado de São Paulo e também a presença de modais de transporte, como o rodoviário pela BR-262 entre os estados de Mato Grosso do Sul e São Paulo, sendo esse o mais utilizado pelas empresas do setor têxtil; o modal ferroviário por meio da Ferrovia Novoeste, adquirida, em 2006, pela empresa América Latina Logística LTDA – ALL; e o transporte pela hidrovia Tietê-Paraná, ainda pouco utilizado. Outro fator determinante para a mudança locacional das unidades produtivas para o interior do país está na grande oferta de mão de obra barata. Esse movimento é conhecido geograficamente como desconcentração industrial (LENCIONI, 1994), processo em que empresas partem em busca de espaços produtivos que sejam mais vantajosos, fugindo das chamadas “deseconomias de aglomeração” (SPOSITO, 2007), que aumentam o custo de produção para empresa, instalando filiais primeiramente na região metropolitana de São Paulo, com o passar dos anos chegando ao interior do estado e mais recentemente se espraiando para outros estados, como o caso de Mato Grosso do Sul. Entretanto, Sposito (2007), quando trabalha a existência de eixos de desenvolvimento, salienta que devida às inovações tecnológicas se estabelecem novas lógicas de localização industrial. Nas palavras do autor: A introdução e a difusão das inovações tecnológicas são vitais para a modernização do sistema produtivo das empresas, contribuindo para uma maior competitividade e rentabilidade. São representadas por melhorias nas ferramentas, na qualidade das

APONTAMENTOS SOBRE A POLÍTICA DE INCENTIVOS FISCAIS E A INDUSTRIALIZAÇÃO DE MATO GROSSO DO SUL ••• 181

máquinas e equipamentos e na organização das empresas que aumentam a produtividade da mão de obra e dinamizam os produtos para uma melhor aceitação no mercado, assegurando os lucros que estimulam a ação empresarial, a produção e novos investimentos em tecnologias, que se torna um processo contínuo. E isso provoca, territorialmente, novas lógicas de localização das atividades (SPOSITO, 2007, p. 5).

Nesse sentido, Três Lagoas emerge como um espaço atrativo para o setor industrial, como evidenciado em trabalhos anteriores de Ribeiro Silva (2014). Ademais, esse município, de acordo com os dados da SEPROTUR (MATO GROSSO DO SUL, 2014), possui maior quantidade de projetos de indústrias que sinalizaram para a utilização dos incentivos fiscais do estado, com capacidade de geração de mais de 800 empregos, seguido pela capital estadual Campo Grande, com possibilidade de geração de, aproximadamente, 660 empregos.

4.2 O setor de biocombustível Analisemos, agora, o setor de biocombustíveis no estado de Mato Grosso do Sul. Esse setor insere-se na divisão: “Fabricação de coque, de produtos derivados do petróleo e de biocombustíveis”, segundo a CNAE (2014) e se encontra agrupado segundo a SEMADE (2015) entre as “Indústrias de Combustíveis e Biocombustíveis – Fabricação de Álcool”. Para esse setor, os dados mais antigos disponíveis são do ano de 2007, os quais tomaremos como primeira referência em análise. No ano de 2007, as indústrias do setor de biocombustível somavam 40 unidades industriais em todo o estado e estavam localizadas nas mesorregiões Sudoeste e Centro--norte, e em menor número, com apenas seis unidades industriais na mesorregião Leste. Nesse mesmo ano, Campo Grande e Nova Alvorada do Sul eram os municípios com o maior número de indústrias de biocombustíveis no estado, cinco e quatro unidades, respectivamente. Entretanto, sete anos mais tarde, esses municípios apresentaram queda no número de indústrias desse setor, 182 ••• Cristovão Henrique Ribeiro da Silva • Thayná Nogueira Gomes

ficando, em 2014, com duas unidades industriais em cada município. Em contrapartida, aumentaram o número de unidades industriais do setor em outros municípios, como Sidrolândia, que ultrapassou a capital Campo Grande em 2014, com um total de seis unidades industriais e Rio Brilhante que, em 2007, possuía duas empresas do setor e passou a ter cinco unidades industriais. Ademais, municípios como Caarapó, Costa Rica, Fátima do Sul e Novo Horizonte do Sul, que antes não possuíam nenhuma indústria do setor, passaram a ter uma indústria de biocombustível em cada município (SEMADE, 2015). Paraíso das Águas, que também não possuía nenhuma indústria do setor em 2007, passou a ter, em 2014, duas indústrias de biocombustíveis. Lembremos que esse município é o mais novo do estado de Mato Grosso do Sul, emancipado em 2003, mas fundado somente em 2013, devido aos impasses políticos que arrastaram até 2009 a validade de sua emancipação. Esse município, em 2013, produziu 992.718 toneladas de cana-de-açúcar, principal matéria-prima utilizada para a produção de álcool no estado, possuindo uma área plantada e colhida de 12.452 hectares, ultrapassando a produção de cana-de açúcar do município de Sidrolândia que, no mesmo ano, somou 672.703 toneladas em uma área plantada e colhida de 13.997 hectares. Paraíso das Águas segue a tendência da economia estadual, com a sua economia voltada para a produção de grãos como soja e milho para exportação, mas a produção de cana-de-açúcar representou, em 2013, sua maior produção em lavoura temporária (IBGE, 2015). De toda forma, a localização desse setor no estado não apresentou muitas alterações, com exceção aos municípios que não possuíam nenhuma indústria do setor em 2007 e subiram para uma indústria em 2014; manteve-se praticamente o mesmo panorama locacional durante esse mesmo período, somente a mesorregião Leste que aumentou suas unidades industriais nesse setor de seis em 2007, para dez em 2014 (SEMADE, 2015), mas em sua maioria houve crescimento do setor, em municípios que já possuíam indústrias de biocombustível, como podemos observar no mapa 6, além de grande produção de cana-de-açúcar. APONTAMENTOS SOBRE A POLÍTICA DE INCENTIVOS FISCAIS E A INDUSTRIALIZAÇÃO DE MATO GROSSO DO SUL ••• 183

Mapa 6. Localização das indústrias de biocombustível em 2007 e 2014

no Mato Grosso do Sul.

Como pudemos ver no mapa 6, não houve alterações significativas quanto a localização industrial do setor de biocombustível, assim como não houve grandes alterações quanto ao total de indústrias do setor durante o período de sete anos – ver o gráfico 3, mostrando uma estabilidade no setor, haja vista que sua cadeia produtiva necessita de fatores como matéria-prima e recursos naturais, como água em abundância, para se tornar viável. Dessa forma, se o lugar não possuir esses requisitos e/ou se caso determinado lugar já possuir outra cadeia produtiva consolidada, como é o caso da mesorregião Leste, que possui a cadeia produtiva da celulose altamente concentrada na região, principalmente em Três Lagoas, dificilmente nesses lugares se instalarão indústrias voltadas para o setor de biocombustível. Esse setor sofreu pouca variação de 2007 para 2014, sendo que 2011 foi o ano em que o estado apresentou maior quantidade de indústrias do setor de biocombustíveis, com o número de 54 unidades industriais (gráfico 3). Quanto aos incentivos fiscais, 12 municípios possuíam indústrias receptoras até o ano de 2013, sendo que desses, em Brasilândia e Fátima do Sul, o setor de biocombustível é o único a usufruir do benefício. Nos outros municípios receptores de incentivos fiscais do setor, também 184 ••• Cristovão Henrique Ribeiro da Silva • Thayná Nogueira Gomes

chamado sucroalcooleiro, apresentam-se poucos projetos que estão entre os beneficiados. Dourados, com dez unidades industriais beneficiadas, sendo duas do setor sucroalcooleiro, é o que possui mais empresas que usufruem do benefício dentre os 12 municípios receptores, ademais os dois estabelecimentos são de uma mesma corporação. Destacam-se ainda, os municípios de Maracaju e Nova Alvorada do Sul, que de um total de dois processos em cada município, um está voltado para indústria de biocombustível (MATO GROSSO DO SUL, 2014). Gráfico 3. Quantidade de Indústrias de Biocombustível no

Mato Grosso do Sul: 2007 – 2014

Fonte: SEMADE, 2015.

O setor de Biocombustível se encontra entre os maiores geradores de emprego, sendo que, de 2001 a 2013, gerou, aproximadamente, 16.300 postos de trabalho em todo o estado, somente contabilizando as indústrias que receberam incentivos fiscais até 2013, segundo dados do RAIS/CAGED. No ano de 2014, com os projetos futuros das empresas em implantação/ampliação que utilizaram das leis de incentivos fiscais no estado, existe a possibilidade de geração de, aproximadamente, 13.000 empregos, nos municípios de Angélica, Batayporã, Caarapó, Costa Rica, Eldorado, entre outros, que anteriormente não usufruíram do benefício para esse setor, muito embora seja o caso dos municípios de Costa Rica e Caarapó, por não possuírem esse tipo de indústria até os anos de 2008 e 2010.

APONTAMENTOS SOBRE A POLÍTICA DE INCENTIVOS FISCAIS E A INDUSTRIALIZAÇÃO DE MATO GROSSO DO SUL ••• 185

Os setores analisados, mesmo com suas especificidades, sinalizam para um crescimento e implantação de plantas industriais no estado de Mato Grosso do Sul, tanto em locais mais tradicionais, que possuem um parque industrial mais desenvolvido, como os municípios de Campo Grande, Dourados e Três Lagoas, como exercem poder de atrair novas indústrias a lugares pouco tradicionais, mas que se tornam atrativos por meio das leis de incentivos fiscais e dinamizam economicamente o lugar em que se instalam. Vale ressaltar que as quantidades de empregos gerados, trabalhados aqui para o ano de 2014, consideram somente o potencial das indústrias que receberam ou possuem futuros projetos para usufruírem dos incentivos fiscais do estado, sendo assim, não representam o número de empregos gerados por esses setores em suas totalidades dentro do período.

5.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A industrialização de Mato Grosso do Sul pode ser explicada por meio de uma reunião de fatores que podemos assim esboçar: estruturas de transporte e logística, disponibilidade de recursos hídricos, estrutura fundiária e a política de incentivos fiscais. Desse último fator, tentamos, aqui, sublinhar a importância entre os anos de 2000 e 2014, após a criação da Lei nº 93/2001. Esse contexto, por mais que tenha instigado a instabilidade jurídica entre outras unidades federadas, por outro lado, fomentou a atividade industrial no estado de Mato Grosso do Sul e ainda reestruturou espacialmente a indústria, como vimos no setor têxtil. A querela sobre a guerra fiscal e a guerra dos lugares é notória. As políticas de incentivos fiscais, entretanto, são incluídas nas estratégias de desenvolvimento regional, integrando no processo de industrialização, municípios com pouca tradição industrial, tais como Mundo Novo, Iguatemi e Batayporã. A política industrial do governo federal, pouco trabalhada aqui nesse texto, por uma opção metodológica, entra na agenda da industrialização fomentando corporações transnacionais

186 ••• Cristovão Henrique Ribeiro da Silva • Thayná Nogueira Gomes

como Cargill, Eldorado Brasil, JBS e ADM Alimentos em outros municípios mais dinâmicos como Campo Grande, Três Lagoas e Dourados. Porém, o que é colocado na mesa para o poder público, seja para o Brasil como um todo ou para Mato Grosso do Sul, é pensar uma agenda de desenvolvimento industrial sem os incentivos fiscais, já que as empresas procuram em outras unidades federadas, além de vantagens locacionais tradicionais, não mais encontradas no estado de São Paulo, os incentivos, esses que, de curto a médio prazo, possuem data para ter fim. Em outras palavras, resta saber quem vai sair perdendo no desfecho das guerras (fiscal e dos lugares).

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APONTAMENTOS SOBRE A POLÍTICA DE INCENTIVOS FISCAIS E A INDUSTRIALIZAÇÃO DE MATO GROSSO DO SUL ••• 189

A INTEGRAÇÃO FERROVIÁRIA NACIONAL E O DESENVOLVIMENTO DOS MERCADOS INTERNO E EXTERNO: PROPOSIÇÕES À REALIDADE BRASILEIRA E SUL-MATO-GROSSENSE Márcio Rogério Silveira Alessandra dos Santos Julio

1.

INTRODUÇÃO

As grandes corporações capitalistas elegem alguns territórios como locais para produção e, por conseguinte, para investimentos. Tal aspecto da dinâmica capitalista, referente à mobilidade geográfica do capital, infere nesses territórios padrões diferenciados de desenvolvimento e, entre muitos aspectos, contribuem para ampliar as seletividades espaciais/territoriais e assim a reprodução das desigualdades econômicas e espaciais. Essa lógica imperialista (WOOD, 2014) também interfere na organização dos sistemas de transportes (infraestruturas, logística, fluxos, normas e tributação), pois os mesmos são importantes demandas corporativas e essenciais para a ampliação capitalista. A formação econômica e social brasileira formatou uma lógica espacial na qual os sistemas de movimentos existentes atendem, principalmente, as áreas economicamente mais dinâmicas. A construção do território nacional e a instalação dos sistemas de transportes e comunicação seguiram a organização das atividades econômicas em cada período histórico. Esse aspecto é particularmente significativo quando tratamos do sistema ferroviário de cargas. Haja vista que a malha ••• 191

foi construída majoritariamente, a partir da segunda metade do século XIX, ligando as fazendas agroexportadoras aos portos e as áreas de pequena produção mercantil aos principais mercados internos (SILVEIRA, 2007). Portanto, algumas regiões brasileiras possuem uma malha ferroviária maior, apesar de mais antiga e pouco eficiente, enquanto outras sofrem com a falta de alternativas para o transporte da sua produção. A economia sul-mato-grossense está muito atrelada ao mercado externo. Diferentemente de outros estados que tiveram uma participação direta no processo de industrialização nacional, o desenvolvimento das forças produtivas no Mato Grosso do Sul é mais recente. Estando esse diretamente associado à expansão da fronteira agrícola e a demanda global por insumos agroalimentares e minerais (além de alguns produtos para o mercado interno). Contudo, o desenvolvimento da economia regional sofre, apesar de muitos investimentos, com as deficiências nos sistemas de transportes e armazenamento, pois esses não esses conseguem ser estruturados pelo poder público de acordo com as demandas globais e o crescimento do PIB brasileiro. Apesar da economia do estado estar ligada ao comércio internacional – principalmente com a exportação do minério de ferro, o complexo de soja e de carne bovina – e suas fronteiras estarem distante dos principais portos, o modal ferroviário possui uma pequena participação na matriz de transporte estadual. As duas ferrovias com trechos no estado não atendem plenamente às necessidades da fluidez regional. O modal ferroviário é eficiente, no que se refere à relação custo/benefício, para o transporte de carga em distâncias entre 400 e 1500 km e grandes volumes. Outras vantagens do modal para o transporte de cargas são os baixos custos unitários, a inexistência de grandes congestionamentos, a menor vulnerabilidade a acidentes e roubos, o maior rendimento espacial e o consumo de energia inferior e, portanto, menores impactos ambientais. Um sistema ferroviário maior e mais integrado, rompendo os tradicionais sistemas litoral-interior (interior-produtor aos portos-empó192 ••• Márcio Rogério Silveira • Alessandra dos Santos Julio

rios), representaria uma melhora na competitividade, impactando na renda diferencial da terra e proporcionando a continuidade da expansão econômica para além da região Centro-Oeste. As infraestruturas de transportes que permitiram a incorporação da região à economia internacional também são incipientes face às novas demandas do mercado global e, em especial, da China. Por isso, há necessidade de concretizar grandes planos de integração nacional, como a Ferrovia Norte-Sul. A despeito do papel impreterível das estradas de ferro para a economia do século XIX e primeiras décadas do século XX, o Brasil atravessou um período de baixo investimento em infraestruturas, entre a década de 1980 e início da década de 1990. A crise internacional, o esgotamento da capacidade de investimento da União e a falta de um plano de desenvolvimento nacional conduziram a cortes dos mecanismos de financiamento das inversões públicas nos sistemas de transportes. Além disso, a capacidade de endividamento externo do país, a elevação dos impostos e a ampliação da dívida pública foram direcionadas para a manutenção do Plano Real. Nesse contexto, houve um arrefecimento das expansões e deterioração das infraestruturas e meios de transportes, por falta de manutenção, assim, os diversos setores de transportes e, em particular, as ferrovias se converteram, ainda mais, em um setor com anticapacidade ociosa. Os governos Fernando Collor de Mello e, substancialmente, Fernando Henrique Cardoso lançaram o Brasil num programa anfibológico de concessões de serviços públicos à iniciativa privada e privatizações. Eles fizeram a opção pela manutenção da dependência econômica brasileira ao invés da superação da crise, por meiodo desenvolvimento econômico com a utilização da conversão da capacidade ociosa da economia brasileira, na eliminação dos pontos de estrangulamento das infraestruturas. Na última década houve algumas mudanças na política nacional. A partir de 2003, com o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, instalouse uma maior preocupação com o escoamento da produção agroindustrial e mineral do Centro-Oeste brasileiro e também uma necessidade de resolver as deficiências de acesso nos principais portos litorâneos e A INTEGRAÇÃO FERROVIÁRIA NACIONAL E O DESENVOLVIMENTO DOS MERCADOS INTERNO E EXTERNO ••• 193

dointerior para atender os períodos de altas safras (portos marítimos, fluviais, de transbordo e alfandegamento terrestres). A retomada dos investimentos públicos atrelada ao crescimento do mercado externo, haja vista o contexto de expansão da demanda internacional por produtos primários, refletiu numa maior procura pelo transporte ferroviário de cargas. Houve, portanto, investimentos em infraestruturas de transportes no Centro-Oeste, não apenas no modal ferroviário, mas também a abertura de novos portos para completar o necessário escoamento da produção. De modo que a compreensão do papel do setor ferroviário para a economia sul-mato-grossense requer uma análise multiescalar que abranjaas escalas nacional e internacional. A questão que norteia este capítulo está relacionada às possibilidades de desenvolvimento regional com a manutenção e ampliação da malha ferroviária no estado do Mato Grosso do Sul. O capítulo está organizado em três partes, além da introdução e conclusão. A primeira apresenta o sistema ferrovário, após as concessões, com destaque para as ferrovias existentes no estado sul-mato-grossense. A segunda expõe dados da economia nacional e estadual, entendendo a dinâmica estadual atrelada ao contexto nacional. O terceiro é para analisar a estratégia da União, nos últimos anos, para o modal ferroviário e como a maior integração das ferrovias podem contribuir para a ampliação do desenvolvimento regional e, por conseguinte, nacional.

2.

As características do transporte ferroviário de carga no início do século XXI

Ao final do último século, teve início um processo de reestruturação das estradas de ferro em diferentes países. Essa política foi amplamente difundida por organismos internacionais (comoo Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio – OMC) e tinha como objetivo uma maior participação do setor privado no modal, a fim de eliminar o monopólio das grandes empresas públicas, as quais eram vistas como deletérias para a qualidade do serviço de transporte ferroviário de cargas. 194 ••• Márcio Rogério Silveira • Alessandra dos Santos Julio

Seguindo essa lógica, o governo federal brasileiro optou por um modelo de concessão da malha ferroviária às empresas privadas. Para a concessão, o governo dividiu a malha brasileira em seis trechos e cada um foi concedido a um consórcio. A malha oeste da Rede Ferroviária Federal (RFFSA), antigo trecho Noroeste do Brasil, a qual parte do município de Bauru/SP e segue até Corumbá/MS, com um ramal até PontaPorã/MS, foi a primeira a ser leiloada. Em março de 1996, o trecho foi concedido a um grupo de investidores norte-americanos, o “Noel Group” sob o nome de Ferrovia Novoeste S.A. O pagamento da entrada foi totalmente financiado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o restante parcelado pelo período da concessão, isto é, por 30 anos. Vale ressaltar que o país atravessava um período de escassez de investimentos e, apesar disso, o BNDES teve atuação na organização e financiamento das concessões e privatizações. No que tange a malha da Ferronorte, em 1989, o governo federal realizou um contrato de concessão para construção e operação de uma via férrea no Centro-Oeste e Norte, pelo período de 90 anos. A malha ferroviária ligaria as cidades de Aparecida do Taboado/MS, Rondonópolis/MS, Cuiabá/MT, Uberlândia/MG, Porto Velho/RO e Santarém/ PA. Sua construção foi iniciada em 1992, mas o início da operação do primeiro trecho foi somente em 1999. Antes dos leilões das malhas, o governo insistia que o desempenho das concessionárias seria no sentido de aumentar os investimentos, diminuir os acidentes, recuperar e modernizar as vias e o material rodante. A falta de fiscalização e mesmo a conivência das entidades do poder concedente, responsáveis por acompanhar a ação das concessionárias, decorreu da inobservância dos contratos. Muitos problemas existentes até então foram ampliados, como o baixo investimento e a desativação de trechos. Problemas que perduraram com a criação das agências reguladoras, como a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Houve também uma série de fusões e aquisições entre as empresas concessionárias, de modo que se formaram grandes monopólios privados, como é o caso da América Latina Logística (ALL), originada da antiga A INTEGRAÇÃO FERROVIÁRIA NACIONAL E O DESENVOLVIMENTO DOS MERCADOS INTERNO E EXTERNO ••• 195

Ferrovia SulAtlântico S.A. (FSA), detentora da concessão de toda malha ferroviária do Sul do país, parte do Centro-Oeste e de parte da malha paulista1. É pertinente assinalar que os argumentos para justificar as concessões se baseavam nos problemas decorrentes dos monopólios públicos. Contudo, as concessionárias se tornaram monopólios privados, ou seja, não houve uma real ampliação da competitividade. No caso da Ferrovia Novoeste, a empresa não conseguiu arcar com suas obrigações junto ao governo federal e tampouco realiz’dx/-ar os investimentos e manutenção da malha férrea previstos em contrato. Ao final da década ela já apresentava déficits e, em função disso, conseguiu na justiça o direito ao pagamento parcial da dívida com o Estado. No ano de 2002, em meio a um processo de revisão do contrato de concessão e sucateamento da via, ela foi incluída na holding Brasil Ferrovias. A Ferronorte também passava por problemas financeiros e apesar da venda de ações e incorporação de novos acionistas, a partir de 1997, ela precisou recorrer ao financiamento público para conclusão dos trechos entre a ponte rodoferroviária sobre o rio Paraná e o terminal de Inocência/MS, de Inocência à Chapadão do Sul/MS e de Chapadão do Sul até Alto Taquari/MS, completando os 410 km da Fase I do projeto. Souza (2011) revela que a atuação dessa ferrovia sempre esteve atrelada à existência de recursos públicos, pois foram investidos na Ferronorte, entre o início da obra até 2001, um total de R$ 1,321 bilhão, entre financiamentos e renegociações de dívidas. Ela também foi incluída na holding Brasil Ferrovias. Portanto, a necessidade de financiamento por parte de instituições públicas às concessionárias como único meio de alavancar recursos no mercado para realizar investimentos é mais uma deficiência das concessões da década de 1990. A holding Brasil Ferrovias foi criada em 2002 e controlava as ferrovias Ferronorte, Ferroban (Ferrovias Bandeirantes) e Novoeste. Em 2005, foi realizada uma reestruturação, com a divisão da holding se1 A ALL também era detentora da concessão da malha na Argentina, mas perdeu a concessão do país por não cumprir o contrato de concessão. 196 ••• Márcio Rogério Silveira • Alessandra dos Santos Julio

guindo os sistemas de bitolas. Assim, se formou a Nova Brasil Ferrovias S.A., composta pela Ferronorte e pela Ferroban (bitola larga) e a Novoeste Brasil S.A. (bitola métrica) que, além da malha Oeste, controlava também o trecho de bitola métrica oriunda da Ferroban, entre Mairinque/SP e Bauru/SP. Após a reestruturação, em 2006, os acionistas da Nova Brasil Ferrovias (Previ, Funcef, Constran S/A, BNDESPAR, Laif V. LLC e J.P. Morgan Partners – BHCA) concordaram em vender a malha de bitola larga para a América Latina Logística Malha Norte S.A. A malha métrica da Novoeste Brasil (que possuía como acionistas: Previ, Funcef, Constran S/A, Laif V. LLC, Bradesco, BRP, J.P. Morgan Partners e outros com pequenas participações) também foi vendida e tornou-se América Latina Logística Malha Oeste S.A. (ANTT, 2005; SILVEIRA, 2007)2. Após assumiro contrato de concessão da Malha Norte,a ALL realizou alterações de modo a ampliar as datas limites para início de operação dos trechos ainda em projeto3. Em 2010, a ALL celebrou um termo de alteração de contrato ampliando a data para entrada em operação do trecho Alto Araguaia-Rondonópolis, no estado de Mato Grosso. O trecho foi inaugurado em setembro de 2013. Para a construção dos 262 km entre Alto Araguaia e Rondonópolis, a ALL conseguiu um financiamento de aproximadamente R$ 700 milhões, que correspondeu a 90% do investimento junto ao BNDES, com prazo de 20 anos para o pagamento (CNT, 2011). O mesmo termo de alteração de 2010, celebrado com a ANTT, também excluiu da concessão os trechos não construídos na ALL-Malha Norte, compreendidos entre as cidades: a) Cuiabá/MT e Uberaba/Uberlândia/MG; (b) Cuiabá/MT e Rondonópolis/MT; (c) 2 Na cisão das empresas houve a incorporação de ações, a ALL tornou-se detentora da totalidade das ações de emissão da Brasil Ferrovias e da Novoeste, passando os antigos acionistas de Brasil Ferrovias e Novoeste à acionistas da ALL. 3 Em 2008, foi celebrado entre a União e a ALL-Malha Norte o oitavo Termo Aditivo ao Contrato de Concessão, estipulando a data limite de 31/12/10 para a entrada em operação comercial do trecho ferroviário: Alto Araguaia e Rondonópolis, no estado de Mato Grosso. E em outubro de 2010, foi celebrado o nono Termo Aditivo ao Contrato de Concessão da ALL-Malha Norte, alterando o prazo de construção do trecho Alto Araguaia/MT e Rondonópolis/MT por mais 24 meses (ANTT, 2013). A INTEGRAÇÃO FERROVIÁRIA NACIONAL E O DESENVOLVIMENTO DOS MERCADOS INTERNO E EXTERNO ••• 197

Cuiabá/MT e Porto Velho/RO e (d) Cuiabá/MT e Santarém/PA (ANTT, 2013). Tal fato significa que para a construção desses trechos, o governo federal necessitará realizar uma nova licitação. A expansão da ferrovia entre Rondonópolis até Cuiabá é uma solicitação antiga do estado de Mato Grosso e, apesar do fim da concessão para a ALL/Rumo, o estado busca formas, junto ao governo federal, de viabilizar o trecho. A última mudança entre as concessionárias ferroviárias foi a incorporação das ações da América Latina Logística4 pela Rumo Logística Operadora Multimodal S/A, do Grupo Cosan5, em maio de 2014. O Grupo Cosan era um dos principais clientes da ferrovia, mas após os investimentos na aquisição de material rodante e descontentamento com os serviços prestados pela concessionária, o grupo entrou na justiça contra a mesma, por descumprimento de contrato. No decorrer do processo as partes acordaram que seria menos prejudicial para ambas uma fusão. A negociação foi aprovada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), em fevereiro de 2015 (REVISTA FERROVIÁRIA, 2015). Após a operação de incorporação, o Grupo Cosan passou a ser o maior acionistaindireto da ALL6. A alteração da estrutura acionária representa uma mudança de estratégia da empresa. No documento final de julgamento do CADE consta a necessidade de cumprimento de um conjunto de medidas para evitar a restrição de mercado aos usuários concorrentes do grupo Co4 A América Latina Logística possui grande parte da malha paulista. A ALL-Malha Paulista juntamente com a ALL-Malha Oeste e a ALL-Malha Norte formam um sistema ferroviário que envolve os estados de São Paulo, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, atuando, também, nos estados de Goiás e Minas Gerais (CNT, 2011). A ALL ainda possui a Malha Sul que abrange quase a totalidade das malhas ferroviárias do sul do Brasil. 5 O Grupo Cosan teve origem no ano de 1936, na fundação da Usina Costa Pinto pela família Ometto, no município de Piracicaba/SP. A partir da década de 1980, a empresa expandiu sua atuação para outras regiões e mercados. Hoje ela é um dos maiores grupos sucroalcooleiros, com grande produção para o mercado externo. 6 Segundo informações disponibilizadas pela ALL, a atual estrutura acionária da empresa é: Cosan Logística (26,3%), BNDES Participações S.A. (8,0%), TPG (4,3%), GIF Rumo Fundo de Investimentos em Participações (4,3%) e demais acionistas (57,1%) (ALL/RUMO, 2015). 198 ••• Márcio Rogério Silveira • Alessandra dos Santos Julio

san e a venda casada dos serviços de fretes ferroviários e dos serviços de logística da Rumo Logística da Operadora Multimodal S/A. Considerando que as duas malhas ferroviárias que atravessam o estado do Mato Grosso do Sul são da ALL (Malha Oeste e Malha Norte), as mudanças na estratégia da empresa, juntamente com as medidas de ampliação da concessão, anunciadas em 2015, pelo governo federal, terão impacto direto no estado. O que se observa, com referência a constante troca de acionistas, envolvendo as concessões ferroviárias, é um grande jogo financeiro e pouco investimento produtivo: 1) forte captação de recursos públicos (empréstimos públicos) e baixos investimentos das concessionárias em materiais rodantes e permanentes; 2) consecutivos descumprimentos dos contratos de concessão com o Estado; 3) desativação de trechos que, do ponto de vista das empresas, são antieconômicos, mas do ponto de vista do desenvolvimento regional e nacional são estratégicos; 4) canibalização de trilhos e dormentes de trechos antieconômicos para os trechos com elevados fluxos e denominados de corredores de exportação; 5) clientes dos serviços ferroviários que possuem ações e, até mesmo, o controle acionário de empresas ferroviária impõem aos seus concorrentes uma competição desleal, pois se preocupam pouco com sua função de prestadores de serviços para terceiros, como no caso da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), da Vale e, a partir de 2015, da Cosan. O resultado é, por consequência, um prejuízo público que está relacionado à captação de recursos e negativa interferência no desenvolvimento nacional e regional. Os trechos ferroviários sob a concessão da América Latina Logística apresentam uma série de problemas por falta de manutenção da via, passagens de nível sem sinalização e abandono de trechos. Como é o caso da via entre Presidente Epitácio e Presidente Prudente no interior de São Paulo e trechos da Malha Sul (SILVEIRA, 2007). Alguns trechos da Malha Sul estão classificados como subutilizados no banco de dados do Ministério dos Transportes, quando na verdade muitos estão desativados e abandonados há anos, como o trecho da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande nosestadosde Santa Catarina e Rio Grande

A INTEGRAÇÃO FERROVIÁRIA NACIONAL E O DESENVOLVIMENTO DOS MERCADOS INTERNO E EXTERNO ••• 199

do Sul. De acordo com a ALL, os trechos não apresentam demandas que sustentem a reativação da malha. A ALL também depredou ativos arrendados – que são patrimônios públicos, uma vez que ela é detentora de uma concessão de bem público e não proprietária da mesma – a favor de trechos com fluxos, ou seja, os corredores de exportação. A desativação de trechos não rentáveis e a racionalização das operações são táticas das concessionárias para reduzir os custos e melhorar a produtividade da empresa. Como a maioria dos acionistas das empresas ferroviárias éformada, como já relatado, por uma conjugação de grupos de investimentos e típicos clientes ferroviários, o resultado é um grande jogo financeiro envolvendo as ações dessas empresas e a manutenção de trechos ferroviários com alto fluxo de cargas e de interesse de grandes grupos econômicos do setor mineral e agroindustrial. Apesar de contextos econômicos diferentes e de processos de reestruturações diversos, a maioria dos países tiveram suas malhas reduzidas após os processos de reestruturações. Nos Estados Unidos as companhias ferroviárias foram desde o princípio privadas, mas sob a forte regulação do Estado. Ao final da década de 1970, houve um processo de desregulamentação que permitiu abandonar a prestação de serviço em malhas que não eram econômicas e/ou transferir para empresas regionais e locais (WATERS II, 2007). Após 1992, as grandes empresas ferroviárias americanas passaram aproximadamente 30.088 km de linhas para operadoras locais e regionais. Em 2013, a ANTT autorizou7 a devolução de 3.989 km de vias pela Ferrovia Centro-Atlântica (FCA). Como base nesse precedente, outras regiões com ferrovias subutilizadas podem questionar a atuação da ANTT no sentido de cobrar o cumprimento do contrato das concessionárias, a fim de evitar futuras devoluções e maiores danos àfluidez regional. Inclusive, existem várias ações judiciais contra as concessionárias ferroviárias, mas a maioria das decisões do judiciárioéfavorávelàs empresas. 7 Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT). Resolução de 03 de Julho de 2013. 200 ••• Márcio Rogério Silveira • Alessandra dos Santos Julio

O descaso da ALL com trechos ferroviários que, segundo a empresa, não possuem viabilidade econômica e a omissão da ANTT conduziu o Ministério Público Federal a entrar com uma representação junto ao Tribunal de Contas da União (Processo 016.848/2011-0). O Tribunal de Contas da União emitiu parecer, em 2012, determinando prazos para a ALL-Malha Sul apresentar um plano de providência para execução dos serviços de manutenção da via. Contudo, a ALL recorreu e,por meiode recursos jurídicos, conseguiu se eximir dos pagamentos. Houve outros processos contra a empresa em função de poluição sonora e danos ao meio ambiente também no Mato Grosso do Sul8. A malha no Mato Grosso do Sul não foge a essa realidade de falta de investimentos nas vias e material rodante. Alguns trechos figuramcomo subutilizados há anos, como consta na Deliberação nº 124, de 2011, da ANTT. O documento cita como subutilizados o trecho Indubrasil-Ponta Porã, de 304 km e o ramal de Ladário, de 5 km de extensão. Apesar de odocumento mencionar apenas os dois trechos, o Sindicato dos Ferroviários vem denunciando na mídia a constante redução do fluxo de cargas na malha do estado, assim como, o corte no número de funcionários (SINDICATO DE TRABALHADORES EM EMPRESAS FERROVIÁRIAS DE BAURU, MS e MT, 2015). Apesar das recomendações do CADE quanto à atuação da nova ALL/Rumo, o serviço da concessionária ferroviária provavelmente atenderá as necessidades do grupo, haja vista as premências de um transporte eficiente da sua produção e os motivos que levaram a junção das empresas. O Grupo Cosan possui unidades em Goiás (canade-açúcar, soja e milho), Mato Grosso (cana-de-açúcar, soja, milho e algodão) e Mato Grosso do Sul (cana-de-açúcar e etanol). Logo, a demanda do próprio grupo pelo sistema ferroviário é grande. Contudo, a presença de um sistema de transporte é uma demanda de toda a região Centro-Oeste.

8 Inquérito Civil nº 23/2011 (DIÁRIO OFICIAL – DOMP-MS, 2015) e Inquérito Civil nº 19/2012 (DIÁRIO OFICIAL – DOMP-MS, 2014). A INTEGRAÇÃO FERROVIÁRIA NACIONAL E O DESENVOLVIMENTO DOS MERCADOS INTERNO E EXTERNO ••• 201

A Malha Oeste e a Malha Norte da ALL ligam o Centro-Oeste aos portos do Sul e Sudeste do Brasil (figura 1). A maior parte das cargas de soja do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás são escoadas pelosPorto de Santos e Paranaguá (SPNT/MT, 2012). Outros fatores, além da qualidade da via, custos de transportes e proximidade, inferem na escolha dos portos para a exportação e no custo final dos produtos, tais como: a questão normativa e tributária e as rotas dos navios cargueiros. Amenizar os fatores da renda diferencial, como produtividades do solo e custos de transportes para insumos e escoamento da produção é uma necessidade constante nas áreas mais distantes dos centros de consumo e dos pontos nodais de exportação. Lembrando que os fatores de competitividade relacionados aos custos de transportes incluem os sistemas de logística, de normas e tributação e os custos de armazenamento. Figura 1. Malha férrea nacional e ferrovias no estado do

Mato Grosso do Sul, 2014.

* Na malha nacional constam as vias abandonadas e os ramais desativados.

202 ••• Márcio Rogério Silveira • Alessandra dos Santos Julio

Segundo estudo da Confederação Nacional de Transporte (CNT) (2011), a ALL Malha Oeste e a ALL Malha Norte integram o corredor Corumbá-Santos e o corredor Santos, respectivamente. O primeiro é um corredor de importância estratégica por ligar Corumbá, principal município exportador do estado aos portos do Sudeste, com destaque para o terminal da Vale em Santos, usado para movimentar amoníaco e granéis sólidos. Esses corredores são responsáveis pelo escoamento de grãos, de açúcar, de celulose e de minério de ferro. O corredor Santos é de grande relevância para o Mato Grosso, pois a Malha Norte é a única ferrovia que atende ao estado. A Malha Oeste faz conexão com a Hidrovia Paraguai-Paraná em Corumbá (Porto Gregório Curvo), a qual é utilizada pela Vale para escoamento de minério de ferro para o Paraguai e Argentina, inclusive em função da baixa capacidade da malha férrea (MENEZES, 2014). As duas ferrovias do estado cruzam a Hidrovia Tietê-Paraná, porém, a intermodalidade ainda é muito incipiente, principalmente em função dos interesses das concessionárias, usuários das ferrovias e problemas técnicos das hidrovias, como vãos estreitos das pontes, baixa profundidade de alguns trechos, falta de sinalização e necessidades de investimentos, como em novas eclusas. Assim, esses modais, exclusivamente eficientes para grandes distâncias, são pouco explorados num país de dimensões continentais como o Brasil. As duas malhas ferroviárias ainda atravessam áreas urbanas de alta densidade no estado de São Paulo. A ALL-Malha Norte também faz conexão com a MRS Logística e compartilha dos trilhos com a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). Existem outros problemas como a falta de manutenção da via e do material rodante. Esses aspectos resultam em uma baixa eficiência e baixa velocidade das composições. De acordo com dados do Relatório da ANTT (2013), tanto a Malha Oeste quanto a Malha Norte possuem velocidade média de comércio de 13,5 km/h. A média nacional para o mesmo ano foi de 23,43 km/h. A Pesquisa CNT de Ferrovias (2011) apresenta a velocidade por trechos e nos seus dados é possível identificar que alguns possuem uma A INTEGRAÇÃO FERROVIÁRIA NACIONAL E O DESENVOLVIMENTO DOS MERCADOS INTERNO E EXTERNO ••• 203

média maior, como é o caso das últimas extensões da Malha Norte, inaugurada pela ALL, ao mesmo tempo, em trechos mais antigos ou que atravessam áreas urbanas a velocidade é bem menor. A baixa velocidade incide na competitividade do produto no mercado externo, pois aumenta o tempo de circulação da mercadoria, o qual redunda em um maior tempo de rotação do capital (tempo de produção + tempo de circulação) (MARX, 2011). Quanto mais o tempo de circulação aproximese de zero, mais funciona o capital, maior se torna sua produtividade e produção de mais-valia (MARX, 2011). As tabelas 1 e 2 demonstram as principais cargas transportadas pelas respectivas ferrovias no ano de 2013. A Malha Norte transportou principalmente soja, farelo de soja e milho (92% sobre o total de TKU transportado). A tabela confirma que a ferrovia é utilizada basicamente por grandes grupos exportadores que atuam nos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Esses dados exemplificam também a valorização de alguns corredores em detrimento de outros, posto que a carga está concentrada em espaços específicos. Tabela 1. Carga transportada América Latina Logística Malha Norte S.A, 2013. Mercadoria

TU – tonelada útil

TKU – tonelada quilômetro útil

Grupo Mercadoria

Subgrupo Mercadoria

Combustíveis, derivados do petróleo e álcool Outras mercadorias Outras mercadorias Outras mercadorias Outras mercadorias Setor agrícola, extração vegetal e celulose Setor agrícola, extração vegetal e celulose Setor agrícola, extração vegetal e celulose Setor agrícola, extração vegetal e celulose Total

Combustíveis, derivados do petróleo e álcool Contêiner Contêiner Contêiner Contêiner

Álcool

561.472

549.021.250

Contêiner cheio de 20 Pés Contêiner cheio de 40 Pés Contêiner vazio de 20 Pés Contêiner vazio de 40 Pés

1.550 297.612 159 528

2.386.128 421.576.128 128.065 316.798

Extração vegetal e celulose

Celulose

578.792

538.692.712

Produção agrícola

Grãos-milho

6.576.884

10.016.457.990

Soja e farelo de soja

Farelo de soja

1.918.625

2.666.428.364

Soja e farelo de soja

Soja

4.480.637

6.399.061.906

14.416.259

20.594.069.341

Fonte: ANTT, 2013.

A Malha Oeste transportou uma quantidade menor de mercadorias (em toneladas km útil), com destaque para o escoamento de miné204 ••• Márcio Rogério Silveira • Alessandra dos Santos Julio

rio de ferro e extração vegetal e celulose. O minério de ferro é extraído das duas mineradoras da Valeem Corumbá e a celulose é carregada no município de Três Lagoas, onde se localizam as empresas Eldorado Brasil Celulose S/A e Fibria-MS Celulose Sul Mato-Grossense Ltda. Diferentemente da Malha Norte, essa ferrovia atende exclusivamente as necessidades do estado sul-mato-grossense, mais especificamente as empresas de celulose e as minas da Vale. A tabela demonstra a realidade, já apontada como o abandono de alguns trechos férreos, haja vista a concentração dos principais produtos transportados em duas regiões específicas do estado. Tabela 2. América Latina Logística Malha Oeste S.A., 2013. Grupo Mercadoria

Subgrupo Mercadoria

Combustíveis, derivados do petróleo e álcool Combustíveis, derivados do petróleo e álcool Combustíveis, derivados do petróleo e álcool Indústria siderúrgica, cimento e construção civil Indústria siderúrgica, cimento e construção civil Indústria siderúrgica, cimento e construção civil Indústria siderúrgica, cimento e construção civil Minério de ferro Setor agrícola, extração vegetal e celulose Setor agrícola, extração vegetal e celulose Total

Combustíveis, derivados do petróleo e álcool Combustíveis, derivados do petróleo e álcool Combustíveis, derivados do petróleo e álcool

Mercadoria Álcool

TU – tonelada útil

TKU – tonelada quilômetro útil

94.975

98.034.670

2.784

3.682.567

Óleo diesel

18.923

18.948.225

Granéis minerais

Manganês

930

1.186.766

Indústria siderúrgica

Ferro gusa

83.547

106.777.146

Indústria siderúrgica

Prd. siderúrgicos – bobina – BF

34

44.107

Indústria siderúrgica

Prd. siderúrgicos – outros

102.032

132.361.112

Minério de ferro

Minério de ferro

3.537.477

417.492.344

Adubos e fertilizantes

Sal

8.558

8.826.589

Extração vegetal e celulose

Celulose

775.976

696.229.721

4.625.236

1.483.583.247

Gasolina

Fonte: ANTT, 2013.

A malha ferroviária, da mesma forma que as outras infraestruturas de transportes, a logística e o sistema de normas e tributação são importantes fatores na competitividade territorial(SILVEIRA, 2014). A manutenção apenas das vias que interessam a determinadas empresas e grandes corporações representam um fator que reforça as desigualdades regionais. Portanto, o modal ferroviário no Mato Grosso do Sul, e A INTEGRAÇÃO FERROVIÁRIA NACIONAL E O DESENVOLVIMENTO DOS MERCADOS INTERNO E EXTERNO ••• 205

no Brasil como um todo, é um demonstrativo da contradição do sistema capitalista.

3.

Comércio internacional, aumento da produção e a demanda do setor de transportes

No primeiro decênio do século XXI, o Brasil viveu um período de mudanças no que concerne às políticas públicas, principalmente quanto à retomada dos investimentos públicos em obras de infraestruturas, inclusive na expansão da malha ferroviária, por meioda implantação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O PAC foi um projeto interministerial responsável também pela retomada da discussão sobre o planejamento de longo prazo no país. Por meiodesse programa, o governo federal buscou resolver gargalos infraestruturais, induzir novos investimentos e atender as demandas postas pelo crescimento. A retomada dos projetos nacionais de infraestruturas foi uma resposta do país em face de um projeto de desenvolvimento, crescimento da produção e do aumento da demanda global. Sendo também uma forma de conduzir os ativos e poupanças do mercado financeiro para a esfera produtiva. Algumas medidas do governo que influenciaram diretamente oaumento da produção estão relacionadas ao mercado externo, os quais exigem maior demanda dos sistemas de transportes, armazenamento e logística. Os acordos comerciais realizados internacionalmente na escala Sul-Sul, principalmente com a China e o Mercosul, estimularam o aumento das exportações. Assim, o melhor desempenho da economia nacional, nos últimos anos, foi resultado de uma política pública, mas também do contexto internacional favorável, o qual diminuiu a fragilidade das finanças internacionais do país. O superávit comercial permitiu ao governo Lula da Silva abrir quatro trincheiras: 1) a capitalização dos setores ligados ao agronegócio, a produção mineral e serviços de exportação e, por conseguinte, algum tipo de reinvestimentos produtivos e geração de poupança desses setores; 2) o equilíbrio das contas nacionais, superávits primários e aumento das reservas internacionais; 3) o financiamento do aumento da demanda interna (consumo interno) por 206 ••• Márcio Rogério Silveira • Alessandra dos Santos Julio

meiode isenções fiscais, créditos, entre outras medidas e; 4) os investimentos em infraestruturas ligadas às exportações e, por conseguinte, geração de emprego e renda na construção civil pesada (efeito multiplicador interno e setorial). A mudança política brasileira, com um governo pactuado com os setores agroexportadores, contribuiu, por algum tempo, com a expansão do mercado interno por meio da superação dos déficits comerciais do Brasil. A balança comercial brasileira dos últimos anos (tabela 3) apresentou superávit, um avanço em relação o final da década de 1990. Na segunda metade da década de 1990 até 2000, a balança comercial demonstrou constantes déficits ocasionados pela desvalorização do Real, pela política cambial e por significativas mudanças no que concerne às alíquotas de importações. Essas medidas resultaram no aumento da importação e do desemprego, com expressão nos índices de desigualdade regional. A baixa do saldo da balança comercial após 2009 está relacionada aos efeitos da crise internacional, iniciada em 2007, nos Estados Unidos. A forte queda no ano de 2013 está vinculada ao setor de petróleo e derivados. Houve um aumento das importações do setor em decorrência da manutenção programada de plataformas e de refinarias (MDIC, 2014). O resultado das exportações em 2014 teve como um dos fatores a queda dos preços de algumas commodities, como o minério de ferro e o petróleo, além disso, a crise na Argentina reduziu a exportação de automóveis e outros países também amorteceram a importação. Em função desse cenário, no último ano, o Brasil apresentou um déficit da balança comercial.

A INTEGRAÇÃO FERROVIÁRIA NACIONAL E O DESENVOLVIMENTO DOS MERCADOS INTERNO E EXTERNO ••• 207

Tabela 3. Balança comercial brasileira (US$ 1000 FOB), 1998-2014. Exportação Ano 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

Valor 51.139.862 48.012.790 55.118.920 58.286.593 60.438.653 73.203.222 96.677.497 118.529.184 137.807.470 160.649.073 197.942.443 152.994.742 201.915.276 256.039.366 242.572.846 242.178.649 225.100.884

Var. (%) ---6,11 14,80 5,75 3,69 21,12 32,07 22,60 16,26 16,58 23,21 -22,71 31,98 26,81 -5,26 -0,16 -7,00

Importação Valor 57.763.476 49.301.558 55.850.663 55.601.758 47.242.654 48.325.567 62.835.616 73.600.376 91.350.841 120.617.446 172.984.768 127.722.343 181.768.427 226.246.756 223.183.477 239.627.495 229.140.035

Var. (%) ---14,65 13,28 -0,45 -15,03 2,29 30,03 17,13 24,12 32,04 43,42 -26,17 42,32 24,47 -1,35 7,37 -4,5

Saldo

PIB em milhões de R$ de 2014

Variação Percentual Real

-6.623.614 -1.288.768 -731.743 2.684.835 13.195.999 24.877.655 33.841.882 44.928.809 46.456.629 40.031.627 24.957.675 25.272.399 20.146.848 29.792.610 19.389.369 2.551.155 -4.039.150.352

3.380.725.96 3.397.271.55 3 546 144.86 3 591 393.87 3 701 872.79 3 747 165.46 3 959 246.92 4 083 929.95 4 247 298.93 4 502 390.10 4 728 319.78 4 717 238.66 5 074 363.77 5 273 049.15 5 366 041.81 5 513 184.28 5 521 256.07

0,4 0,5 4.4 1.3 3.1 1.2 5.7 3.1 4.0 6.0 5.0 -0.2 7.6 3.9 1.8 2.7 0.1

Fonte: Secex, Base ALICE, IBGE, Banco Central do Brasil (2015).

No que se refere à política interna, a opção pelo superávit comercial (com a exportação de produtos básicos), juntamente com o desenvolvimento de uma política social e medidas para expansão do mercado interno, auxiliaram para uma maior estabilidade do Brasil e para o enfrentamento da crise de 2008. Apesar da queda do PIB em 2009, em função da crise, o crescimento foi retomado no ano seguinte. A partir de 2011, o quadro internacional está mais desfavorável, os resultados da balança comercial de 2014 e da variação real do PIB são indicativos da mudança do cenário internacional e de seus reflexos na econômica nacional. Nesse contexto, em 2015, o governo federal realizou um ajuste fiscal, incorporando uma política econômica ortodoxa pautada pela oposição, com o objetivo de manter o equilíbrio das contas públicas. É claro, também, que o pacto de poder entre capital e trabalho, que garantiu a vitória de Lula da Silva e Dilma Rousseff nas eleições presidenciais de 2002, 2006 e 2010, foi redefinida entre os anos de 2012 e 2014. Isso le208 ••• Márcio Rogério Silveira • Alessandra dos Santos Julio

vou o capital financeiro, os grupos de mídia e parte do capital industrial para a oposição e, por consequência, alimentando grupos conservadores. Enquanto isso, os movimentos sociais e representações de classes de trabalhadores foram desmontadas por adesão às estruturas de governo ou definharam ao contentarem-se com algumas políticas públicas e esparsas reposições salariais. Compreender o contexto internacional é importante para analisar o quadro nacional, as demandas de transportes e as tendências, principalmente a partir dos novos acordos de investimentos com a China, inclusive da Ferrovia Bioceânica. Salientando que a China já é o principal parceiro comercial do Brasil, destino de 18% das exportações e origem de 16,3% das importações nacionais, em 2014. A China também é o primeiro destino das exportações do Mato Grosso do Sul e segundo em número de importação, perdendo apenas para a Bolívia, devido à importação nacional de gás natural (MDIC, 2015). O Mato Grosso do Sul seguiu o contexto nacional, no que concerne ao aumento da produção para o mercado externo. Os principais produtos exportados em 2014 (tabela 4) foram: soja, mesmo triturada, exceto para semeadura (23,43%); pasta química de madeira (20,30%); carnes desossadas de bovino, congeladas (11,13%) e minérios de ferro não aglomerados (8,94%) (SECEX/MDIC, 2015). As exportações sul -mato-grossenses corresponderam a 2,33% do valor total das exportações nacionais e 2,68% em tonelagem, no ano de 2014. As maiores empresas exportadoras do Mato Grosso do Sul, ou seja, aquelas que exportam acima de 50 milhões por ano, foram: Eldorado Brasil Celulose S/A (papéis do tipo ”tissue” (sanitário), imprimir e escrever, especiais e cartões); Fibria-MS Celulose Sul Mato-Grossense Ltda (papéis do tipo ”tissue” (sanitário), imprimir e escrever e especiais); Mineração Corumbaense (Minério de Ferro – Granulados e Sinterfeed); JBS S/A (carnes bovinas, suínas, aves e derivados); Seara Alimentos Ltda (carne suína e aves); ADM do Brasil Ltda (oléo de soja, fertilizantes); Minerva (carne bovina e gado vivo); Bello Alimentos (pedaços de aves); Bunge Alimentos (soja e seus derivados e algodão) e Monteverde Agro A INTEGRAÇÃO FERROVIÁRIA NACIONAL E O DESENVOLVIMENTO DOS MERCADOS INTERNO E EXTERNO ••• 209

-energética S.A. (álcool) (MDIC, 2015). Confirmando que as maiores exportadoras são as grandes usuárias do sistema de transporte ferroviário no estado, pois seus produtos são típicos do transporte ferroviário, ou seja, alto peso, volume e distância percorrida para sua efetivação em mercadoria versus valor agregado. Tabela 4. Principais produtos exportados pelo Mato Grosso do Sul, 2014. Produtos exportados

US$ F.O.B

Part.%

Kg Líquido

Total dos produtos exportados 1 Soja, mesmo triturada, exceto para semeadura 2 Pasta química de madeira de não coníferaa soda/sulfato 3 Carnes desossadas de bovino, congeladas 4 Minérios de ferro não aglomerados

5.228.812.876 1.229.119.492 1.064.784.647 583.778.545 468.978.261

99,68 23,43 20,30 11,13 8,94

15.489.424.028 2.430.892.637 2.292.812.923 129.647.573 6.785.084.750

350.142.050 314.543.262 260.489.472 159.001.619 139.763.030 102.267.515

6,68 6,00 4,97 3,03 2,66 1,95

925.727.964 130.012.788 1.415.150.951 316.275.839 37.986.638 17.292.003

5 6 7 8 9 10

Outros açúcares de cana Pedaços e miudezas, comestíveis de galos/galinhas Milho em grão, exceto para semeadura Farinhas e "pellets", da extração do óleo de soja Outros couros bovinos, inclusive búfalos Carnes desossadas de bovino, frescas ou refrigerados

Fonte: SECEX, MDIC, 2015.

No que tange as causas de crescimento de alguns setores, Espíndola (2013) destacouos fatores da expansão das exportações de produtos do complexo de soja e das carnes. No caso da soja, foi decorrência da demanda asiática, dos ganhos de produtividade e inovações técnicas. No caso da carne, o crescimento no desempenho estáligado ao melhoramento genético, qualidade das pastagens, inovações em produto, redução da oferta mundial de frango e a conquista de novos mercados. Confirmando esse aspecto na economia sul-mato-grossense, os dados da tabela 5 demonstram o aumento das exportações no estado. Ela apresenta a exportação por valor agregado. Fica evidente o aumento dos produtos básicos, mas houve concomitantemente uma elevação, ainda que menos expressiva, dos produtos semimanufaturados e manufaturados. Lamoso (2013), ao analisar a produção estadual,observouque houve uma ampliação do parque industrial, com 210 ••• Márcio Rogério Silveira • Alessandra dos Santos Julio

aumento da participação da indústria de transformação no PIB. Não obstante, o maior crescimento do setor básico está atrelado, como expressouEspíndola (2013), à modernização da agropecuária brasileira, pós-1960. O autor enfatizouos novos segmentos produtivos: a jusante e a montante no beneficiamento de carnes. Trata-se de uma série de atividades e serviços que envolvem a produção, distribuição e consumo. Entre os serviços, os transportes são partes importantes como estratégia para imprimir maiores ganhos ao movimento circulatório do capital. As tabelas 4 e 5 expressam que os principais produtos de exportação do Mato Grosso do Sul são de alto peso, grande volume e valor agregado desproporcional ao peso e ao volume. Para esses produtos, que necessitam de transportes de longas distâncias e várias fases e formas de armazenamentos, os custos de transportes, armazenamentos e logística são responsáveis por uma importante parcela dos custos de produção que, por conseguinte, estão presentes no valor e no preço9 das mercadorias. Portanto, melhorar o sistema de transporte, via investimentos em infraestruturas, inovações tecnológicas e aprimoramento da logística são fatores primordiais para ampliar a competitividade. Como corroborou Marx (2011), o progresso técnico e organizacional nos meios de transportes encurta as distâncias e diminui o tempo de circulação.

9 Isso porque também há especulação nos valores dos fretes, do armazenamento e de vários serviços de logística. A INTEGRAÇÃO FERROVIÁRIA NACIONAL E O DESENVOLVIMENTO DOS MERCADOS INTERNO E EXTERNO ••• 211

Tabela 5. Exportação do estado de Mato Grosso do Sul, por fator agregado

(2000-2015). TOTAL

Básicos

Semimanufaturados

Manufaturados

US$ FOB

US$ FOB

US$ FOB (A)

US$ FOB (B)

2000

253,238,706

204,138,564

19,461,155

29,583,935

2001

473,680,363

406,543,193

35,824,838

31,278,519

2002

384,238,042

296,476,564

49,260,536

38,500,694

2003

498,338,890

369,237,089

73,413,253

55,688,548

2004

644,754,039

435,204,004

141,912,375

67,637,660

2005

1,149,121,782

880,865,931

185,599,459

82,656,392

2006

1,004,338,508

730,402,541

207,954,334

65,382,776

2007

1,297,176,760

994,776,536

238,460,774

62,169,426

2008

2,095,551,415

1,691,621,252

326,436,144

75,277,190

2009

1,937,634,439

1,337,686,603

503,951,403

95,263,496

2010

2,960,507,709

1,916,305,312

853,824,844

188,145,784

2011

3,916,260,636

2,443,236,105

1,280,467,536

190,554,493

2012

4,212,756,213

2,647,521,754

1,357,512,134

205,621,191

2013

5,256,284,227

3,391,805,897

1,717,213,905

146,966,828

2014

5,245,499,753

3,527,726,553

1,606,406,588

111,045,366

Ano/Mês

Fonte: Secex/MDIC, 2015.

Os sistemas de transportes, de armazenamento e de logística são fatores importantes para a manutenção e elevação do valor e dos preços das mercadorias. Cargas perecíveis como carnes, por exemplo, necessitam de um transporte rápido e com sistema de refrigeração para não perder valor. “A valorização e a manutenção do valor dependem dos sistemas de transportes e logística eficientes, pois, segundo Marx (2011), a proporção de valor que os custos de transportes acrescentam ao preço da mercadoria está na razão direta do volume e de seu peso, além da segurança, do dispêndio de trabalho e de meios de trabalho, da fragilidade do produto, do seu grau de deterioração e de periculosidade” (SILVEIRA, 2014, p.30).

212 ••• Márcio Rogério Silveira • Alessandra dos Santos Julio

Para o Mato Grosso do Sul, assim como para todo o Centro-Oeste, distante dos principais portos, esses fatores se agravam, inclusive em função de deficiências também do sistema rodoviário. A despeito do avanço na melhoria das rodovias federais, com as concessões e projetos do PAC, produtos com as características apresentadas nas exportações sul-mato-grossenses devem utilizar essencialmente o sistema ferroviário, haja vista a necessidade de um número maior de caminhões para transportar a mesma quantidade de carga que uma ferrovia10, além da emissão de gases poluentes, os congestionamentos, os danos às infraestruturas, o excesso de peso e conflitos nos acessos aos portos serem maiores pelo modal rodoviário. Logo, a ferrovia é a melhor opção, haja vista as vantagens do modal. Obviamente que essa comparação é referente ao modal rodoviário, pois o transporte hidroviário marítimo e de interior é, em muitas situações, mais vantajoso que o ferroviário. Nesse contexto, existe uma pressão do setor produtivo por mais investimentos nos setores de transportes. Não somente do setor agropecuário, mas da indústria e também de alguns serviços ligados à movimentação de mercadorias. O investimento em infraestruturas de transportes se apresenta como uma condição sine qua nom para o desenvolvimento nacional. Por ora, para superar as deficiências das infraestruturas de transportes os produtores, as empresas exportadoras (logística corporativa) e o próprio governo (logística de Estado) recorrem ao planejamento, gestão e estratégias logísticas. Sendo a logística, aqui compreendida, enquanto estratégia, planejamento e gestão de transportes e armazenamento (SILVEIRA, 2011). “Atualmente, o que verificamos é que o comprometimento que o Brasil assumiu perante o mundo remete à modernização mais acentuada dos sistemas de transportes e de armazenamento. Apesar dos avanços, essa modernização infraestrutural é tímida 10 Um vagão graneleiro pode comportar até 100 toneladas de cargas, para transportar a mesma quantidade seriam necessários 3,57 caminhões tipo graneleiro de carreta com eixo simples ou 2 caminhões graneleiros de Carreta Eixo Alongado Bidirecional. Portanto uma composição com 50 vagões pode substituir até 178 caminhões. A INTEGRAÇÃO FERROVIÁRIA NACIONAL E O DESENVOLVIMENTO DOS MERCADOS INTERNO E EXTERNO ••• 213

se comparada a da logística, principalmente a da logística corporativa que avança a “passos largos” no Brasil. Nesse sentido, há um descompasso entre a expansão das infraestruturas e do planejamento e gestão de rotas, armazenamento, etc. A eficiência operacional hoje é significativa e tenta amenizar os problemas de infraestruturas que, por um lado, foram solicitadas muito além da capacidade nacional de implementá-las e, por outro lado, não são produzidas eficientemente, pois os entraves para sua construção são enormes” (SILVEIRA, 2014, p.32).

Um exemplo de estratégia logística é o agendamento para a chegada dos caminhões no porto de Santos11. Esse tipo de estratégia já estava sendo utilizada por terminais específicos, como o terminal Santos -Brasil no porto de Santos desde 2007 (DONNER, 2012). Entretanto, é necessária uma solução emcurto, médio e longo prazos, ou seja, um planejamento público e privado que contemple a ampliação das infraestruturas existentes para atender a demanda atual e futura de fluxos de mercadorias, pessoas e informações, ou seja, fluxos que, de uma forma ou de outra, se convertem em fluxos econômicos. As políticas dos últimos governos seguem nesse sentido com o aumento do crédito aos produtores para construção de armazéns e projetos de expansão das infraestruturas, mas, apesar de alguns avanços, as infraestruturas ferroviárias não cresceram como esperado. As grandes obras de infraestruturas demandam grandes investimentos e devido à demora no retorno de tais investimentos, a iniciativa privada não está disposta a arriscar. Ao mesmo tempo, em que a ideologia neoliberal apregoa a livre atuação do mercado sem regulamentação por parte do Estado, exige-se da instituição pública a construção e manutenção dos sistemas de transportes, armazenamento e comuni11 Em Dezembro de 2013, a Companhia Docas do Estado de São Paulo publicou uma resolução que determinouque todos os caminhões transportando grãos devem passar por um pátio regulador credenciado junto à autoridade portuária antes de se direcionarem aos terminais do porto. O agendamento para chegada dos caminhões ao porto de Santos é a principal estratégia logística para reduzir os riscos de congestionamento (CODESP, 2013). 214 ••• Márcio Rogério Silveira • Alessandra dos Santos Julio

cação. Ignácio de Mourão Rangel (2005), ao estudar as fases recessivas dos ciclos internos brasileiros, observava que a cada ciclo se reacendia o debate do “estatismo versus privatismo”. Nos períodos ascendentes do ciclo, o Estado assume a responsabilidade pelas atividades que não interessam à iniciativa privada, contudo, no período recessivo, cessam as oportunidades de investimentos para o setor privado e o Estado, consequentemente, fica “sobrecarregado”. Nesse contexto, a capacidade ociosa12 do setor privado deve ser direcionada para os serviços de utilidade pública, via concessões. Para tanto deve haver uma garantia de retorno de investimentos para o capital privado. Ampliar a participação do setor privado nos investimentos de infraestruturas ainda é um desafio para o governo federal, o qual tem esse como parte da estratégia para construção de uma malha férrea integrada. A grande questão está em identificar os recursos ociosos e criar condições institucionais para direcionar os mesmos às áreas antiociosas. A resposta e os procedimentos, com a necessidade de atualizações, pois no presente momentohá aspectos econômicos diferentes das décadas passadas,podem ser encontradas nas obras de Ignácio de Mourão Rangel.

4.

Estratégias logísticas corporativas e estatais para ampliação da fluidez territorial no Mato Grosso do Sul

O governo de Luíz Inácio Lula da Silva iniciou uma política de melhoria do gasto público e expansão dos investimentos estatais em grandes obras de infraestruturas, principalmente com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 1), lançado em 2007. As inversões nas 12 Rangel parte da identificação de que o Brasil se desenvolveu por meiode vagas cíclicas, as quais possuem um fundo econômico-tecnológico e ocasionaram mudanças sociais. Esses ciclos brasileiros, aproximadamente decenais, apresentam uma regularidade composta por uma fase expansiva, durante a qual um setor ou grupo de atividades econômicas expande-se até se por em excesso de capacidade, ao mesmo tempo, ocorre alterações na estrutura da demanda, de modo que são expostos insuficiências e estrangulamentos, levando à fase recessiva. A superação da fase recessiva do ciclo exigirá investimentos que por sua vez deverão utilizar o excesso de capacidade acumulada em um polo (RANGEL, 2005). Com efeito, a oposição dialética entre os dois polos (polo da capacidade ociosa e polo de investimentos futuros) exige que o Estado intervenha no sentido de orientar os fluxos financeiros de um polo a outro. A INTEGRAÇÃO FERROVIÁRIA NACIONAL E O DESENVOLVIMENTO DOS MERCADOS INTERNO E EXTERNO ••• 215

infraestruturas apresentavam como objetivos: eliminar os principais gargalos de restrição ao crescimento da economia; reduzir custos e aumentar a produtividade das empresas; estimular o aumento do investimento privado e reduzir as desigualdades regionais. As obras do PAC foram baseadas nos estudos e recomendações do Plano Nacional de Logística e Transporte (PNLT). Trata-se de uma proposta de longo prazo para o Estado Brasileiro, a qual teve início em 2006 e apontou prioridades de investimentos até 2031. De modo que ele subsidiaria os planos plurianuais e outros planos de investimentos prioritários para o desenvolvimento do país. O PAC 2, lançado em 2011, pela presidente Dilma Rousseff, apresentou uma divisão e objetivos mais claros quanto aos critérios de seleção das obras do setor ferroviário. O texto enfatizou que as obras visavam desenvolver um sistema integrado, ligando as áreas de produção agrícola e mineral aos portos, indústrias e mercado consumidor. Ele reafirmou todas as obras presentes no PAC 1, posto que, somente algumas estavam em execução, e incluiu novos projetos. Em 15 de agosto de 2012, o governo federal lançou o Programa de Investimentos em Logística (PIL). O Programa incluiu um conjunto de projetos visando o desenvolvimento de um sistema de transportes modernos e eficientes, os quais deveriam ser realizados por meio de parcerias com o setor privado. Destarte, ele previu a transferência de parte da construção e da manutenção de trechos ferroviários e rodoviários via concessão à iniciativa privada. De fato, o maior objetivo do governo com o PIL foi ampliar a participação do setor privado. O aumento da participação do setor privado na ampliação das infraestruturas é uma decisão importante para expandir os investimentos e a eficiência da rede ferroviária de transporte. Temos que ter clareza que concretamente nunca existiu uma rede ferroviária nacional, mas o que temos é um conjunto de redes regionais desintegradas e pouco organizadas. O PIL definiu 16 trechos ferroviários a serem construídos, em um total de 11,5 mil km de linhas férreas, perfazendo um investimento de

216 ••• Márcio Rogério Silveira • Alessandra dos Santos Julio

R$ 91 bilhões. Desses, dois teriam um impacto direto nos fluxos econômicos circulantes pelo estado do Mato Grosso do Sul: a extensão do trecho sul da Ferrovia Norte-Sul de Estrela d’Oeste/SP até Doutrados/MS, conectando o estado aos portos do Norte e o trecho entre Engenheiro Bley/PR até Maracaju/MS, ligando o Mato Grosso do Sul via ferrovia até o porto de Paranaguá. Esseúltimo trecho é basilar para o escoamento da produção de soja da porção meridional do estado para o porto paranaense. Esse trajeto é realizado atualmente pelo modal rodoviário. Os investimentos públicos no modal vêm apresentando um aumento desde 2003, apesar disso, a ferrovia representa somente 7,8% do total dos investimentos em transportes da União. Existe também uma série de entraves para o cumprimento dos prazos das obras, entre os principais estão os erros na elaboração do projeto, a morosidade no licenciamento ambiental e a desapropriação fundiária. A questão da terra é o maior entrave para a execução das obras dentro dos prazos, face o papel da renda da terra e a especulação fundiária no Brasil. A demora nos processos de ajuste entre a ValecEngenharia, Construções e Ferrovias S.A e órgãos como a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) também é um complicador para o prosseguimento de alguns trechos. A Ferrovia Norte-Sul (EF-151) é com certeza o exemplo mais ilustrativo, posto que a mesma está em construção desde o final da década de 1980. O primeiro trecho da EF-151, entre Açailândia/MA e Palmas/ GO, foi subconcedida pela Valec à Vale S.A., no mesmo modelo de concessão da década de 1990, pelo período de 30 anos. O segundo trecho entre Palmas/TO e Anápolis/GO ainda não está em operação, apesar de ter sido inaugurado pela presidente Dilma Rousseff, em 22 de maio de 2014, pois a maior parte da malha ainda carece de obras paralelas, como armazéns e terminais intermodais. A Ferrovia Norte-Sul, trecho sul entre Anápolis/GO e Estrela D’Oeste/SP, está sendo construída e a previsão do governo federal é que o trecho seja concluído no ano de 2016. A iniciativa dos últimos governos de retomar os investimentos na ampliação das infraestruturas é extremamente importante, contudo, os A INTEGRAÇÃO FERROVIÁRIA NACIONAL E O DESENVOLVIMENTO DOS MERCADOS INTERNO E EXTERNO ••• 217

entraves à execução das obras e as deficiências da malha existente mantémum cenário onde os custos internos dos transportes para algumas regiões ainda são altos. Um estudo realizado por Moreira (2014) buscou quantificar os custos dos transportes das mercadorias destinadas à exportação. E os dados apresentados corroboram que esses impactam diretamente nas exportações. Entretanto, a metodologia da pesquisa não inclui os custos de armazenamento, pedágios e outras taxas, os quais também variam de acordo com as rotas selecionadas. Como, por exemplo, as rodovias paulistas que apresentam ótima qualidade, mas possuem os pedágios mais caros do país. Assim, considerando que a metodologia se baseou nas rotas de menor custo, ela não demonstra necessariamente as rotas utilizadas pelas empresas. Ao correlacionar os dados encontrados na pesquisa e as obras previstas pelo governo federal, Moreira (2014) apontouque as melhorias previstas contribuirão para a diminuição dos custos de transportes, principalmente, das mercadorias de baixo valor agregado. Outro aspecto interessante é que os grandes projetos de expansão ferroviária estão localizados nas regiões com menor desenvolvimento do sistema de transporte nacional, assim, a conclusão das obras poderia ser uma contribuição para a diminuição das desigualdades regionais, contudo, para se alcançar esse resultado seria necessária uma série de políticas conjuntas voltadas para o crescimento da produção e real atendimento às necessidades regionais. Esse assunto remete às análises sobre o desenvolvimento brasileiro realizado por Ignácio de Mourão Rangel. Para Rangel (2005), “(...) o desenvolvimento é um processo de conflitos internos e externos. Uma economia em desenvolvimento não resolve um problema sem criar outro ainda maior. Por isso, a história do desenvolvimento econômico do Brasil só pode ser a história de desequilíbrios e de problemas que geram problemas” (RANGEL, 2005, p.41)13. Além disso, os custos de transportes não são os únicos fatores que determinam a competitividade do produto nacional destinado à ex13 Parte do trabalho apresentado em espanhol no fim do curso de capacitação da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), Santiago do Chile, em 1954. 218 ••• Márcio Rogério Silveira • Alessandra dos Santos Julio

portação. No chamado “CustoBrasil”, estão inclusos os custos de mão de obra, encargos sociais, entre outros tributos e subsídios, dumping, antidumping e outras estratégias comerciais que recaem sobre a competitividade das exportações brasileiras. O processo de investimentos em grandes obras de infraestruturas do governo federal foi barrado pela desaceleração da economia brasileira no ano de 2015. Para tentar manter o superávit, o governo federal realizou uma série de cortes no orçamento. Vários setores foram afetados e, apesar da importância impreterível dos investimentos em infraestruturas, o PIL também teve cortes. Para o modal ferroviário foram mantidos os projetos de maior importância, como a ferrovia que ligará o Rio de Janeiro/RJ a Vitória/ES; o trecho entre Lucas de Rio Verde/MS à Mirituba/PA, o trecho da Ferrovia Norte-Sul de Barcarena/ PA à Açailândia/MA e a finalização do trecho da Ferrovia Norte-Sul até Estrela d’Oeste. O trecho que ligaria Estrela d’Oeste até Dourados/ MS foi alterado e o projeto atual prevê a expansão da via férrea até Três Lagoas/MS. O novo PIL também prevê um novo projeto: o corredor Bioceânico que deverá passar pelo Centro-Oeste, mas especificamente, por Mato Grosso e Goiás, até Porto de Ilo, no Peru. A alteração do traçado da Ferrovia Norte-Sul, a qual deveria seguir até Dourados, mas de acordo com o novo projeto será concluída em Três Lagoas, representa a manutenção do projeto de integração da Malha Oeste à EF-151. Contudo, com menores custos, haja vista que a extensão do ramal será menor. O objetivo é atender os interesses das grandes empresas exportadoras do Centro-Oeste, conectando as regiões agroexportadoras e mineradoras aos portos. A escolha desses trechos evidencia a tentativa de atrair maior participação da iniciativa privada, haja vista o interesse de grandes empresas na concretização dos projetos, principalmente, as que possuem concessões ferroviárias, como a Vale e a Cosan. A reconfiguração dos traçados coloca algumas regiões e cidades em evidência, em detrimentos de outras. A presença das infraestruturas de transportes pode contribuir para a valorização e desvalorização do A INTEGRAÇÃO FERROVIÁRIA NACIONAL E O DESENVOLVIMENTO DOS MERCADOS INTERNO E EXTERNO ••• 219

espaço geográfico, como já identificado em Marx (2011). No Brasil, existem vários exemplos de concentrações produtivas e valorização de espaços, a partir da instalação de infraestruturas. As infraestruturas, bem planejadas, servem de atração para diversificadas atividades econômicas, podendo, portanto, ser precursoras de concentrações econômicas (produtivas, logísticas, entre outras). Vide o caso do porto de Itajaí, em Santa Catarina, que, em essência, é o precursor de um arranjo de empresas denominado de “complexo logístico do Itajaí”, pois ao longo do rio Itajaí, nos municípios de Itajaí e Navegantes, concentram-se serviços de transportes, de armazenamento, de logística e algumas atividades produtivas acessórias desses. Dado o momento econômico do país e os problemas identificados para o avanço das obras, a lista de projetos apresentadosno novo PIL é mais realista e atende mais diretamente os interesses privados, inclusive das atuais concessionárias. A estratégia do Estado com as novas medidas do PIL é manter as concessões antigas e realizar investimentos para ampliação da capacidade de tráfego e melhoria com novos pátios, redução dos problemas nas passagens de nível e trechos urbanos. Esses investimentos,queserãorealizados conjuntamente com as atuais concessionárias, deverão ser financiados com recursos públicos, via BNDES, como ocorreu nos últimos anos, portanto, o Estado ainda será responsável por uma grande parte dos mesmos. A conservação das inversões em infraestruturas de longo prazo representa uma continuidade, apesar de menos ambiciosa, de dinamização da economia interna, por meioda geração de demanda em outros setores. Contudo, a manutenção do modelo de concessão vertical, ou seja, a concessionária é responsável pelas infraestruturas, investimentos e operação da malha férrea evidencia o atendimento dos interesses das concessionárias, uma proposta que visa viabilizar investimentos de médio e longo prazos (e que, como tal, possuem um longo período de retorno) nas atuais concessões. Porém, o histórico dos baixos investimentos nos fixos, pelas concessionárias, nos últimos anos, permite uma série de questionamentos sobre a respectiva proposta. Ela vai requerer 220 ••• Márcio Rogério Silveira • Alessandra dos Santos Julio

uma atuação mais sólida e ativa da ANTT, caso contrário os problemas atuais serão ampliados e o país permanecerá sem um sistema ferroviário integrado, o qual é impreterível para uma estratégia de desenvolvimento nacional. O Brasil precisa de um sistema ferroviário que seja integrado e não apenas que ligue locais específicos de produção aos portos e que, em certas situações, atendem somente a grupos econômicos exclusivos, ao invés da economia regional e nacional. A integração das malhas já existentes no estado do Mato Grosso do Sul com a Ferrovia Norte-Sul permitiria o escoamento da produção pelos portos do Norte do país e abriria possibilidades para outros produtores interessados no uso do transporte ferroviário. No caso da concretização da Ferrovia Norte-Sul até o porto de Rio Grande/RS abriria a possibilidade de escoamento da produção do Centro-Oeste pelos portos do Sul do país, além de ampliar o alcance das ferrovias para a formação de uma rede nacional, ao invés de várias redes regionais. O que temos hoje são corredores, quer dizer, redes lineares, desconexas e com nós somente na sua extensão, nós, que na maioria dos casos, só realizam intermodalidade com o transporte rodoviário. Outras oportunidades também podem surgir com a viabilização da Ferrovia Bioceânica, ampliando a integração com a América do Sul, promovendo a saída pelo Pacífico para os produtos brasileiros e, pelo Atlântico, para alguns países da América do Sul. A integração da malha férrea nacional e a real permissão de direito de passagem, a saber: quando uma concessionária permite a outra trafegar na sua malha, mediante remuneração, são fatores também necessários para um aumento do modal ferroviário na matriz de transporte nacional e atendimento a um maior número de expedidores. Ademais, a conformação de grandes eixos ferroviários pode aceder em corredores de transportes de cargas. Para esse fim, se faz premente a construção de áreas de armazenamento e a intermodalidade com outros modos de transportes, inclusive para fomentar o desenvol-

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vimento regional e não apenas o atendimento às necessidades dos setores ligados à exportação. Considerando que a maior parte da produção nacional é exportada pelos portos do Sul e Sudeste, a expansão dos portos das outras regiões também é premente, de modo a garantir que realmente haja uma melhoria dos sistemas de transportes nacionais e uma redução das desigualdades regionais. Posto que, conforme já apontado, os acessos ferroviários aos portos de Santos e Paranaguá atravessam regiões densamente urbanizadas, o que demanda uma diminuição ainda maior da velocidade de trânsito do trem, implicando em problemas nas passagens de nível e o compartilhamento da malha férrea. Além da “logísticas de Estado” (planejamento, gestão e estratégias de fluxos, rotas, construção de infraestruturas, normatização e tributação) de responsabilidade do poder público, há a logística corporativa (estratégia, planejamento e a gestão de transportes e armazenamento) realizada pelas empresas. Caso esses dois ambientes funcionem juntos e harmonicamente, a fluidez territorial será ideal para a diminuição dos custos de transportes e aumento da competitividade de uma região e de um país. Seus usos corretos e sobrepostos podem implicar em correções nas desigualdades regionais, pois o desenvolvimento de um espaço poderá ser melhor planejado. Para a expansão do modal ferroviário, identificamos alguns dos aspectos das estratégias logísticas do Estado e alguns interesses corporativos na implementação das inversões públicas. No entanto, para entender o modal é necessário também realizar alguns apontamentos sobre a logística corporativa, mais especificamente, dos principais usuários do modal ferroviário no país e das atuais concessionárias. Lembrando que no atual contexto, existe uma linha muito tênue entre esses dois agentes, basta recordarmos os principais acionistas das ferrovias. Após as concessões ferroviárias, houve mudanças nas estratégias competitivas adotadas pelas empresas em detrimento da ampliação das infraestruturas e materiais rodantes (SILVEIRA, 2007). Dessa maneira, as concessionárias passaram a investir na modernização dos sistemas de comunicação, sinalização, equipamentos e dispositivos que 222 ••• Márcio Rogério Silveira • Alessandra dos Santos Julio

proporcionam aumento da segurança operacional, redução de acidentes e otimização do material rodante (REVISTA FERROVIÁRIA, 2014). As concessionárias priorizaram a busca por economias de escala, relegando assim a questão da qualidade do serviço prestado ao cliente (FLEURY, 2012). A baixa velocidade média comercial, já apresentada, é um claro demonstrativo dessa realidade. Conquanto, é necessário frisar que esse tipo de estratégias – as quaisresultam na otimização dos lucros corporativos em curto e médio prazos – possui limites, por maiores que sejam as inversões em logística e comunicação, pois o material rodante e a via férrea, com o passar dos anos, necessitam de renovações. Ademais, ao limitar os investimentos na ampliação dos materiais rodantes e na ampliação das infraestruturas, ou seja, na instalação de capital fixo, impede-se a geração de um efeito multiplicador para a economia. Houve alguns investimentos destinados à ampliação do número de vagões e locomotivas, especialmente, a partir de 2003, em decorrência da elevada idade da frota ferroviária. A empresa Vale S.A., após a comprada FCA, adquiriu novos vagões para o transporte de minérios. Os novos vagões foram financiados pelo BNDES. Ao total, foram R$ 182 milhões para aquisição de 689 vagões ferroviários de carga (BNDES, 2012). No entanto, não houve grandes inversões na aquisição de contêineres porque a maioria das cargas transportadas, pelas concessionárias, não necessitam ser conteinerizadas, posto que são granéis e, portanto, exportadas em navios graneleiros. O baixo investimento em material rodante conduziu algumas empresas, que são clientes das concessionárias, a adquirir seus próprios contêineres e vagões, caso da Cosan e da Cargill, que utilizam os serviços da ALL e da MRS Logística S.A. Para a Cosan, a estratégia de aquisição de vagões não representou a eficiência esperada nos serviçosprestados pela ALL, e tal fato conduziu ao início das negociações para a junção das empresas.

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Como a maior parte da malha nacional é controlada pelos seus principais clientes, caso da Vale (Estrada de Vitória a Minas, Estrada de Ferro Carajás, Ferrovia Centro-Atlântica, Ferrovia Norte-Sul trecho norte), da MRS Logística14, da CSN e, a partir deste ano, ALL/Rumo, o planejamento é realizado visando, prioritariamente, as necessidades da empresa. A Vale, por exemplo, investe em vagões de grande capacidade de volume e peso com o objetivo de um maior ganho de escala nos trechos que ligam as minas aos portos. Outra estratégia que foi utilizada, tanto pelas concessionárias quanto pelas grandes empresas exportadoras, foi a constituição de uma empresa de logística. A ALL criou a Brado Logística, a Vale possui a VLI Multimodal e a Cosan constituiu a Rumo. Essas empresas de logística atuam no transporte intermodal, armanezagem e outros serviços logísticos. A diversificação é uma alternativa as deficiências do modal ferroviário e também como estratégia para diminuir os custos de transporte. Em 2011, a Vale optou por desmembrar as estradas de ferro FCA e Ferrovia Norte-Sul e criar a VLI Multimodal S/A. A VLI é responsável pela logística das malhas férreas, terminais e portos e administra as cargas que são de outras companhias. A VLI, assim como a Brado Logística, possuia participação de outros fundos e empresas na sua composição acionária. O capital da VLI está distribuído entre a Vale (37,6%), a Brookfield (26,5%), a Mitsui (20%) e o FI-FGTS (15,9%) (ANTF, 2015). Obviamente, que cada empresa possuí objetivosespecíficos, ao criar as empresas de logísticas, entretanto, a estratégia de diversificação em contramão às tendências de terceirização demonstra a importância do setor de transportes, armazenamento e logística, no contexto atual. No que tange, específicamente à malha férrea, o foco das concessionárias são os corredores de maior produtividade, sobretudo, de minério e agrícola. A ALL-Malha Oeste, por exemplo, prioriza os trechos diretamente ligados à exportação de minério de ferro e celulose 14 Os acionistas da concessionária MRS são: MBR (32,9%), CSN (27,3%), UPL (11,1%), Vale (10,9%), Namisa  (10%), Gerdau (1,3%) e  pequenos investidores (6,5%) (MRS, 2015). 224 ••• Márcio Rogério Silveira • Alessandra dos Santos Julio

(Corumbá-Três Lagoas-Santos). Entretanto, essa estratégia produz um efeito negativo, quer dizer, a falta de cargas de retorno. A falta de flexibilidade nos trechos, a prioridade para eixos específicos, a falta de terminais no decorrer das vias férreas e a localização da produção de minério e grãos longe das áreas mais populosas inviabilizam o transporte de outras mercadorias. Além disso, a especificidade de algumas cargas não permite a reutilização dos vagões para outros tipos de cargas. Portanto, apesar da diversificação das principais concessionárias, a qual possibilita uma maior intermodalidade, o modal ferroviário necessita de inversões diretas, em material rodante, vias e terminais para efetivamente atender a um maior número de usuários.

5.

CONCLUSÃO

O planejamento do sistema de transportes nacional requer o entendimento das dinâmicas econômicas do espaço nacional e também a relação desse espaço com o mercado externo. No contexto da mundialização do capital e do aumento do comércio mundial,sãonecessáriosinvestimentos na organização das infraestruturas de transportes, de modo a contribuir para uma diminuição dos custos e uma melhor ligação das áreas de produção aos portos. Isso implica em facilitar a ampliação geográfica do capital. Uma necessidade, portanto, para o capital, mas uma disputa entre territórios e, em especial, na escala dos Estados nacionais. Entretanto, somente o atendimento do capital, por meiodas demandas corporativas, não deve ser o objetivo último do governo federal, no que tange à condução dos projetos para o setor ferroviário. A partir dessa compreensão,estecapítulo buscou analisar a atuação das concessionárias, suas estratégias logísticas, a logística de Estado e os investimentos públicos e privados no modal ferroviário. Exemplos, nesse sentido, para o Mato Grosso do Sul foram mostrados. A análise evidenciou que as concessionárias ferroviárias procuram ampliar ao máximo a lucratividade adotando estratégias de inves-

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timentos mínimos, priorizando alguns trechos e ramais com o objetivo de retornos emcurto prazo. Essa estratégia foi bastante deletéria para o desenvolvimento regional, o qual ficou mais evidente com as demandas advindas, após as alterações na política nacional e crescimento do país, a partir de 2003. Os dados apresentados das exportações do Mato Grosso do Sul e do Brasil demonstraram o crescimento da exportação de cargas tipicamente ferroviárias e confirmaram uma demanda crescente do setor produtivo por maiores inversões nos sistemas de transportes, de modo a diminuir os custos de produção. O projeto do governo para expansão da malha nacional, principalmente nas regiões Centro-Oeste e Norte, é impreterível como parte de um planejamento para melhorar a competitividade e representa uma expansão dos fluxos de mercadorias e a possibilidade de formação de novas interações espaciais no interior do país. Salientamos a necessidade de uma mudança da matriz de transporte nacional, com maior participação dosmodaisferroviário, hidroviário (interior, de cabotagem e de grandes distâncias). Deve haver uma integração de todas as redes de transportes com o objetivo de formar uma única rede nacional de transportes, ou seja, um sistema único de transporte, composto por redes de diversos modais interligadas. Isso quer dizer que precisamos tanto formar uma rede ferroviária nacional, como também criar, ajustar e melhorar outras redes de transportes, como a rodoviária, a aeroviária, a dutoviária, a de cabotagem, a hidroviária de interior, entre outras. Será só por meio da conectividade e complementação de ambas as redes que poderá haver uma rede nacional de transportes. Uma rede que atenda o comércio interno e não apenas às exportações. Inclusive porque a variação do comércio mundial e os períodos descendentes da economia exigem um planejamento econômico que não seja baseado exclusivamente no mercado externo, ao contrário, a experiência dos últimos anos, principalmente com a crise de 2007/2008, evidenciou a importância de investimento na dinamização do mercado interno. Outro fator que justifica maiores aportes de investimentos na ampliação da malha férrea nacional é o efeito multiplicador em setores da 226 ••• Márcio Rogério Silveira • Alessandra dos Santos Julio

cadeia produtiva, com respectiva geração de emprego e renda, diminuição do tráfego de caminhões nas rodovias e, consequentemente, a redução da emissão de gases poluentes e menores danos ao meio ambiente. No que tange ao estado do Mato Grosso do Sul, dois fatos recentes impactarão diretamente o transporte ferroviário. Primeiramente, a fusão da empresa Rumo e a concessionária ALL e, em segundo lugar, a alteração do traçado da Ferrovia Norte-Sul para Três Lagoas e não mais para Dourados. A nova formação acionária da concessionária deverá rebater aestratégia da mesma e a nova proposta do governo; deverá, também, inferir na logística de outros setores interessados na utilização do modal ferroviário. As mudanças ainda são recentes e, portanto, é difícil realizar uma análise prognóstica. Todo o quadro descrito sobre a atuação das concessionárias e as novas definições do governo federal reportamà importância do fortalecimento das instituições públicas de gestão, mas também aoimperativo de ampliar os aportes de investimentos da iniciativa privada na construção dainfraestrutura nacional. Apesar da diminuição do número de projetos ferroviários, no PIL, o governo espera eliminar os entraves à condução das obras. Assim, a confluência das estratégias do Estado com as das concessionárias, no atual contexto nacional, é uma forma de viabilizar a efetuação das obras. Por fim, as possibilidades de desenvolvimento regional do Mato Grosso do Sul não se limitam aos investimentos nas vias existentes e na construção de novos ramais no estado, mas, impreterivelmente, emuma melhor integração com outras regiões, ou seja, a conexão com grandes eixos ferroviários que deem acesso aos diferentes centros consumidores e portos do país.

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ESTABILIDADE E ARTICULAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DO MATO GROSSO DO SUL: PROPOSIÇÕES PARA UMA SUGESTÃO METODOLÓGICA1 Tito Carlos Machado de Oliveira2 Carlos Martins Jr3

1.

Introdução

O Mato Grosso do Sul, jovem estado criado de direito, em 11 de outubro de 1977, e de fato, em 01 de janeiro de 1979, está localizado na região Centro-Oeste do Brasil, em privilegiada condição estratégica: faz divisa com os ricos estados de Minas Gerais e São Paulo, liga-se ao Distrito Federal via território do Estado de Goiás, e disponibiliza seu território aos fluxos oriundos do Norte, via Mato Grosso, em direção ao Sul, prioritariamente ao porto de Paranaguá, noParaná. Além disso, deve-se destacar a excepcional localização do estado em relação às suas fronteiras internacionais.A larga fronteira com a Bolívia suscita, no mínimo, dois elementos que impactam a estrutura natural-econômica do territóriosul-mato-grossense. Por um lado, a presença do extenso Pantanal que, ao se alongar pelo território bolivia1 Como parte do projeto de pesquisa “Polos Geográficos de Ligação”, financiado pela Fundect e CNPq. 2 Geógrafo,professor do mestrado em Geografia (CPTL/UFMS) e do mestrado em Estudos Fronteiriços (CPAN/UFMS). Coordenador do Centro de Análise e Difusão do Espaço Fronteiriço – Cadef/UFMS. Bolsista do DCR-A do CNPq. 3 Historiador, professor titular da UFMS, ligado ao mestrado em Estudos Fronteiriços (CPAN/UFMS). Pesquisador do Centro de Análise e Difusão do Espaço Fronteiriço – Cadef/UFMS.

••• 233

no, faz com que qualquer forma de ocupação e utilização traga sensíveis reflexos para os dois flancos da fronteira. Por outro lado, há que se ressaltar o fato de que por essa fronteira passam,por dia,cerca deU$ 6 milhões em mercadorias transacionadas no corredor São Paulo-Santa Cruz de la Sierra (OLIVEIRA, 2010). De outra parte, há a fronteira entre o Brasil e o Paraguai, que se estende desde o rio Paraguai – ligando a cidade sul-mato-grossense de Porto Murtinho à cidade paraguaia de Carmelo Peralta -, até orio Paraná, onde ocorre a articulação entre o estado de Mato Grosso do Sul e os departamentos paraguaios de Alto Paraguay, Concepción, Amambay e Canindeyú. Mesclando, portanto, as bacias hidrográficas transnacionais dos rios Paraguai, Apa e Paraná, além da enorme biodiversidade materializada, por exemplo, na variada cobertura vegetal caracterizada pela presença do Pantanal, do Chaco, do Cerrado e de resquícios da Mata Atlântica – todas assinaladas no ZEE/MS (2014) – ; essa região de fronteira acolhe sete cidades de Mato Grosso do Sulem condições de conurbação, ou semiconurbação, com cidades paraguaias, destacando-se entre elas Ponta Porã (BR) – Pedro Juan Caballero (PY) e Mundo Novo (BR) – Salto del Guairá (PY),plenamente ligadas ao corredor Asunción -Paranaguá (OLIVEIRA E ODDONE, 2012). Necessário observar que a condição fronteiriçae estratégica do território sul-mato-grossense ainda é mal dimensionada pelos agentes públicos e privados, o que se reflete tanto na subutilização das suas potencialidades no que se refere a terras, economia de arbitragem e trabalho, quanto na maximização de suas debilidades estruturais e conjunturais, em particular no tocante a questões como o tráfico, contrabando, descaminho etc. Pode-se afirmar que,com uma área total de 357.125 km2, onde, conforme dados do IBGE, vivem em 79 cidades distribuídas, majoritariamente, sobre a Serra de Maracaju4, cerca de 2,5 milhões de habi4 A Serra de Maracaju, localizada no grande Planalto Central brasileiro, tem a função natural de dividir as águas das bacias do rio Paraná e do rio Paraguai. Apresenta altitude média superior a 400m, é coberta pela vegetação de “campos sujos” do 234 ••• Tito Carlos Machado de Oliveira • Carlos Martins Jr

tantes, perfazendo uma densidade demográfica inferior a 7 hab/Km²,o Mato Grosso do Sul é, sobretudo, um estado com reduzida população. O fato da maior parte dessa população concentrar-se na Serra de Maracaju não é casual. Como demonstram, entre outros, os estudos de Oliveira (2000), Pebayle (1994) e Silva (2009),sintetizados no quadro 1, a partir da década de 1930, sobretudo em razão do programa varguista de colonização denominado Marcha para Oeste,o processo migratório impactou decisivamente a demografia do sul do antigo Mato Grosso uno, onde anteriormente havia apenas 14municípios e poucas vilas. Quadro-1. Períodos de migração para o sul de Mato Grosso e

Mato Grosso do Sul. Período

Condição e localização de migrantes

Origem

Até a década de 1940

Descapitalizados – que se estabeleceram em mais de oitenta colônias distribuídas desde Coxim ao extremo sul, destaque para a Colônia Nacional de Dourados e colônia São Simão.

Basicamente nordestinos, que antes haviam migrado para São Paulo.

Década de 1950

Minimamente Capitalizados – promovidos pelo loteamento das terras da Cia São Paulo – Mato Grosso, do empresário tcheco Jan Antonin Bata,realizado pelas empresas Someco e Vera Cruz, que vendiam lotes entre 8 e 25 alqueires na região situada, hoje, entre as cidades de Dourados e Bataguassu.

Quase a totalidade dos colonos era original do interior do estado de São Paulo.

Década de 1960

Capitalizados – chamada de colonização “granjera ”, para o sul da parte meridional de Mato Grosso, proporcionada pela desvalorização real da arroba do boi gordo (1961 a 1968) e fim da exportação da erva mate para Argentina, que disponibilizou terras a baixo custo para venda e arrendamento em 1968.

Ainda que se constatasse a presença de paranaenses, a maioria dos granjeiros era de gaúchos do RS .

Década de 1970

Supercapitalizados – empresários de sucesso trazidos pela qualidade das terras, facilidades de crédito para expansão agrícola (base na soja) e mercado internacional favorável.

De várias partes, mas, sobretudo, pela ordem: Rio Grande do Sul, São Paulo e Paraná.

Década de 1980

Funcionais – trabalhadores (qualificados ou não) que migraram para zonas urbanas (Campo Grande e Dourados, em especial) do jovem estado do Mato Grosso do Sul, atraídos pelas possibilidades naturais de expansão do emprego e negócios, quando do nascimento da nova unidade federativa.

Sudestinos, centro- oestinos e sulistas, nessa ordem de importância.

Organização dos autores sobre fontes diversas .

cerrado e possui uma grande faixa de terras de qualidade. No Mato Grosso do Sul, a Serra de Maracaju cobre parte significativa do estado, estendendo-se do centro do estado até a fronteira com o Paraguai. ESTABILIDADE E ARTICULAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DO MATO GROSSO DO SUL ••• 235

Ainda que em termos absolutos, o maior contingente migratório tenha ocorrido nos anos 1980, em termos relativos e políticos, as ondas migratórias de maior significado para a formação demográfico-econômica do atual estado de Mato Grosso do Sul foram as que se verificaram entre as décadas de 1940 e 1970. O fluxo migratório ocorrido nessastrês décadas contribuiu para o estabelecimento de uma nova ordem distributiva da população e, quando observado de perspectiva mais ampliada, das terras e das riquezas. Nesse período, presenciou-se o nascimento de nada menos que30 cidades,a maioria delas localizada na Serra de Maracaju. Fato que acabaria aportando novos ingredientes à lógica da acumulação, com o afloramento de unidades produtivas de tamanho reduzido, que se contrapunham à tradicional paisagem latifundiária. Entretanto, isso não perduraria para além da década de 1970. Os anos 1970 trouxeram a inclusão da moderna sojicultura, ensejando um rígido processo de reafirmação da condição patronal e reconcentração fundiária,em detrimento da estrutura introduzida na região nas décadas anteriores (OLIVEIRA, 2000). Em outros termos, a modernização conservadora fincouseus intransigentes pilares na estrutura produtiva,associando o boi com a soja no comandoda economia e da política local. Como, grosso modo, a terra concentrada dificulta o nascimento de novas cidades, o processo migratório pós-1980 foi destinado a reforçar as atividades urbanas, especialmente as da nova capital, Campo Grande, e não o setor rural como ocorrera anteriormente; o que se observa é a inexistência de qualquer intento capaz de sustentar mudanças estruturais na parte meridional do antigo Mato Grosso unificado, quando da criação do estado de Mato Grosso do Sul. Ao contrário, houve um tímido aumento do número de municípios acompanhado do reforço do grau de concentração populacional, o que implicou no descompasso no desenvolvimento das (poucas) cidades do novo estado. Portanto, salvo raras exceções, as cidades que nasceram pobres continuaram pobres e as cidades que nasceram ricas, mais ricas ficaram. A rigor, 51,7% da população Mato Grosso do Sul habita as cinco maiores cidades do Estado: Campo Grande, Dourados, Três Lagoas, 236 ••• Tito Carlos Machado de Oliveira • Carlos Martins Jr

Corumbá e Ponta Porã.A maioria delas está localizada no eixo que vai do centro do estado, onde está Campo Grande, até a fronteira com o Paraguai, ou seja, a parte centro-leste da Bacia do Rio Paraná. Por outro lado, devido a razões histórias e naturais, permanece o esvaziamento populacional na bacia do rio Paraguai, que abarca a região pantaneira e chaquenha.Diante disso, é possível afirmar que, do ponto de vista natural e populacional, o Mato Grosso do Sul está dividido em duas grandes bandas: uma oriental, correspondente à bacia do rio Paraná, e outra ocidental, referente à bacia do Alto-Paraguai. A metade da população do Estado habita as cinco maiores cidades (Campo Grande, Dourados, Dourados, Três Lagoas, Corumbá e Ponta Porã), somando 51,7% da população.A maioria das cidades estão localizadas no eixo que vai do centro (onde está Campo Grande) até a fronteira com o Paraguai (parte centro-leste da bacia do rio Paraná); mantendo o esvaziamento populacional na bacia do rio Paraguai (região pantaneira e chaquenha) por razões históricas e naturais5. A banda oriental, onde se localizam as cidades de Campo Grande, Dourados, Ponta Porã e Três Lagoas, apresenta, conforme o ZEE/ MS, grau substantivo de consolidação socioeconômica e ambiental, associada ao número de cidades, uso e ocupação mais intensivos do solo, produtividade da agricultura, densidade produtiva mais consistente, ligações rodoviárias entre cidades de tamanhos variados e fluxo aéreo. Nessa parte do Estado, destaca-se o agronegócio, apoiado na moderna agricultura, na modernização pecuária de corte e numa acanhada agroindústria, ainda muito dependente dos subsídios estatais e das oscilações conjunturais. Não obstante, a chamada banda oriental não difere do mosaico geral do estado, em comum composto por municípios em que persiste no esvaziamento demográfico e/ou forte desânimo econômico. A banda ocidental, cuja base econômica é sustentada pela tradicional pecuária extensiva, por uma indústria extrativa de calcário, minério de ferro e manganês bastante dependente da conjuntura inter5 Para entender as razões histórias convido à leitura de Esselin e Oliveira (2008), Esselin (2011) e para as razões naturais o documento ZEE/MS Segunda Aproximação (IMASUL, 2014). ESTABILIDADE E ARTICULAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DO MATO GROSSO DO SUL ••• 237

nacional, e pela atividade turística de caráter seletivo (não de massa) no pantanal e em Bonito, apresenta grandes dificuldades para consolidar uma estabilidade econômica e social, muito embora se constate aqui a presença de alguns poucos municípios com níveis satisfatórios de desenvolvimento. Nunca é demais mencionar que, em Mato Grosso do Sul, a economia produtora de riqueza e mantenedora das estruturas administrativas advém do setor de serviços, em particular o comércio, que se responsabiliza por mais de 70% daarrecadação estadual6. Todavia, a pecuária, a produção de soja, a agroindústria e a extração de minérios representam papel de destaque no glossário econômico local, exercendo forte influência direta e indireta no conjunto geral da economia. A força do setor primário na estrutura produtiva, a alta concentração de riqueza, os índices muito frágeis de diversificação da base econômica e a manutenção de largas desigualdades socioeconômicas e culturais fazem com que a economia sul-mato-grossense seja sustentada por pilares extremamente conservadores. Contudo, é preciso ter claro que ser conservador não significa, necessariamente, ser estático, haja vista que o Mato Grosso do Sul guarda potencialidades diversas, ainda que dispersas, materializadas no setor de mineração, no avanço do agronegócio puxado pela expansão do plantio e beneficiamento da cana- -de-açúcar, no aumento do plantio do algodão e da silvicultura voltada para a produção de celulose e energia, na melhoria dos índices produtivos da soja e do milho, na solidificação e ampliação do turismo e no acréscimo à economia do estado, ainda que de forma tímida, de unidades industriais (OLIVEIRA; PAIXÃO; YONAMINE, 2011). Há, progressivamente, uma substantiva melhoria da infraestrutura (rodovias e pontes), alargamento do oferecimento de energia rural e ampliação das condições de urbanidade (serviços, saneamento, pavi6 Em termos de valor adicionado, apenas 16 municípios possuem a agropecuária como setor mais importante da economia.Em outros 16municípios,o setor de serviços aparece como o mais importante, com a agropecuária ocupando o segundo lugar. 238 ••• Tito Carlos Machado de Oliveira • Carlos Martins Jr

mentação etc.). Esses fatores, aliados ao tamanho reduzido da população (que pode representar, em última análise, custos menores na qualificação abrangente da força de trabalho), apresentam fatores favoráveis ao desenvolvimento regional. Porém, como observado, o estado possui uma planta territorial conflitiva de aparência ingrata, que impede a dissipação e o crescimento mais equânime das cidades. O nível elevado de concentração de riqueza e a centralização de trabalho na banda oriental, com sustentação de terras e capital muito ligada ao oeste paulista, moveu, e move ainda, a economia no sentido estrito da reciclagem do trabalho velho, ao mesmo tempo em que tem criado uma atmosfera insatisfatória para a atração de trabalho novo7. A reciclagem do trabalho velho pautado na troca sequencial do nível tecnológico exercido na produção de commodities,associado à ampliação das relações em redes cada vez mais mundializadas, à mecanização progressiva, técnicas modernas de plantio, procedimentos avançados de utilização de defensivos agrícolas, ao melhoramento do potencial genético, manejo sanitário, processos de rastreamento do rebanho e associação a tradings exportadoras, não tem consubstanciado nem redimensionado a composição orgânica estrutural do capital, nem a alteração da divisão técnica do trabalho de forma mais homogênea. Além disso, é preciso atentar para o fato de que há ainda, apesar da modernização das lavouras no Mato Grosso do Sul, muita contratação de trabalho part-time, ou seja, por tarefa e tempo determinado, que apesar

7 Aqui entendido como um novo processo que possibilita substituir um possível esgotamento orgânico do modelo de reprodução do trabalho especializado e/ou automatizado. Trata-se de trabalho pautado na alta qualificação, cuja base está na incorporação avançada da aprendizagem, com grande capacidade flexível (progressista e não defensiva) na organização do trabalho, atuando com avançado sistema de marketing (estratégia, publicidade e satisfação) e operando em complexas redes de comunicação e cooperação em diversas esferas. Dessa forma, o trabalho novo sustenta mudanças profundas nas estruturas de produção, nos métodos e práticas de circulação, e promove sequenciais rupturas de conceitos, sem, óbvio, quebrar os pilares mestres da acumulação vigente. ESTABILIDADE E ARTICULAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DO MATO GROSSO DO SUL ••• 239

de legal, é definido, por Lima e Soares (2002 p. 167), como uma espécie de “nova informalidade”. A “simples” reciclagem do trabalho velho no campo não tem alargado frentes que permitam engendrar movimentos endógenos (administrativos e sócio-territoriais) de sustentação da melhoria na qualidade de vida citadina de forma perene, uma vez que os atributos mínimos necessários para sustentar uma melhoria das condições de vida e de trabalho da população na maioria das cidades permaneceram movidos por arcabouços envelhecidos sem sinais de reprogramação. Noutros termos, o que está presente no Mato Grosso do Sul é uma lógica produtiva no setor rural que se preserva e se reforça, reverberando para o conjunto das cidades seus elementos mais puros como a concentração, a conservação e a seletividade. Por isso, é possível identificar que, na maioria das cidades sul-mato -grossenses, poucas foram aquelas que se reposicionaram nas relações das redes estabelecidas, que revisaram as condições de suas hinterlândias e que redefiniram o tamanho e a direção dos fluxos externos. Consequentemente, não se depara com alterações expressivas nos níveis de centralização existente coordenadas por Campo Grande e Dourados, tampouco a consolidação de um ambiente propício à conformação de uma nova divisão técnica do trabalho, capaz de incorporar novas habilidades ao desenvolvimento. Tais elementos sugerem a necessidade de resgatar os estudos sobre a constituição da base municipal e da estrutura citadina do Mato Grosso do Sul sob os parâmetros que, se não novos, sejam rearranjados em novos gradientes e possibilitem aprofundar a compreensão do seu desenho espacial e a criação de instrumentos de avaliação e monitoramento. Quanto maior o conhecimento sobre a diferenciação socioespacial e o desenvolvimento particular dos municípios, mais eficiente será um possível planejamento regional “... si es que el proceso del crecimiento espacial debiese ser dirigido u ordenado” (MERTINS, 2000 p. 16).

240 ••• Tito Carlos Machado de Oliveira • Carlos Martins Jr

O fato é que a heterogeneidade do tecido institucional do território sul-mato-- grossense, com fortes aproximações, desigualdades e disparidades sub-regionais; a proximidade com São Paulo como fator determinante e intrínseco a qualquer análise; somada as imposições, diversidades e amplitudes do mercado mundial, interpõe, em todos os sentidos, a necessidade de associar suas interpretações e realizações, ponderando sua localização no platô territorial no qual se insere. E isso passa a ser possível a partir da visualização profunda das partes e suas relações. Além do mais, o processo no qual se assenta o desenvolvimento econômico atribui aos estudiosos a necessidade de se debruçar em teorizações e experimentações contínuas, erigindo modelos e questionando ou reafirmando teorias, técnicas e métodos. O propósito deste texto é apresentar uma metodologia de análise calçada na formulação de uma série de indicadores, constituídos de um conjunto de variáveis embasadas em uma sistematização de dados disponíveis ou disponibilizados para fins específicos. O objetivo é estudar os municípios do Mato Grosso do Sul na perspectiva de sua estrutura interna – acionando a condição da dinâmica administrativa e ressaltando os componentes socioespaciais do território – e sua dinâmica externa pautada na circulação de pessoas e mercadorias nas três dimensões: regional, nacional e internacional. Com isso, pretende-se contribuir para estudos técnicos e acadêmicos sobre a geografia econômica do estado. É importante destacar, por um lado, que este estudo é parte do Projeto de Pesquisa Polos Geográficos de Ligação, que conta com financiamento da Fundação de Apoio ao Desenvolvimento da Ciência e Tecnologia do Mato Grosso do Sul – Fundect e CNPq, tendo o término previsto para outubro de 2016. Por outro lado, do ponto de vista técnico, parte significativa dessa metodologia foi amplamente utilizada pelo ZEE/MS – Segunda Aproximação (IMASUL, 2014), ainda não publicado, para identificar as potencialidades das zonas por ele estabelecidas.

ESTABILIDADE E ARTICULAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DO MATO GROSSO DO SUL ••• 241

2.

Procedimentos Metodológicos – uma proposta

É cogente buscar parâmetros técnicos e instrumentos que permitam aprofundar o conhecimento sobre a realidade regional, construindo medidas de ordenação e de comparação, permitindo diferenciar e/ ou aproximar territórios, definindo potencialidades e debilidades regionais, articuladas as demandas do estado e ao contexto nacional e internacional. Isto significa criar indicadores que sustentem o mapeamento das condições do morfodinamismo socioeconômico do Mato Grosso do Sul. Assim, o esforço aqui é consolidar indicadores que posicionem o município dentro de três feições: a capacidade de autogestão a partir das suas contas; as condições socioespaciais dadas na sua base territorial e a sua capacidade de articulação regional, nacional e internacional. E, dessa forma, posicionar os municípios (e suas cidades) no contexto regional, comparando-os com seus pares, ou seja com os outros municípios do Mato Grosso do Sul, permitindo distanciar das limitações impostas pelas diversidades do território nacional ao compará-los com municípios de outras unidades da Federação. A seguir.

2.1 Indicador de gestão e de sustentação territorial Indicadores para identificar a capacidade de autogestão dos municípios – é indubitável que “el traspaso de mayores competencias administrativas y de decisión (sobreinversiones públicas, aprovisionamiento con servicios públicos) afecta sin embargo a todos los municipios” (MERTINS, 2000, p. 16). Os procedimentos metodológicosaqui utilizados consistem em agrupar, no sentido de observar a evolução das receitas e despesas públicas dos municípios no período de cinco anos (período definido com base na disponibilidade dos dados), para, no momento seguinte, consolidar alguns indicadores fiscais, capazes depurar o nível de gestão dos municípios. A seguir:

242 ••• Tito Carlos Machado de Oliveira • Carlos Martins Jr

a. verificar a capacidade de geração de receitas próprias do município, tendo como objetivo verificar o grau de autonomia das suas receitas8; b. visualizar a dependência do município em relação a outras autarquias9, nesse caso ao repasse do Fundo de Participação dos municípios; c. visualizar o grau de dependência dos municípios em relação ao repasse do ICMS10 – verificar o nível de dependência do município em relação ao estado; d. visualizar o grau de interferência dos gastos sociais em relação às receitas11; e. visualizar o grau de interferência dos gastos com pessoal (em encargos) e as receitas12 – buscar avaliar o grau de comprometimento das receitas com gastos com pessoal, item ligado diretamente ao que é determinado pela Lei de Responsabilidade Fiscal;e, f. visualizar e medir a parcela dos investimentos nos orçamentos municipais13. Os dados para consecução desses indicadores estão disponibilizados no Tesouro Nacional. Conforme determina o Art. 51 da Lei de Responsabilidade Fiscal, a União deverá promover a consolidação das contas de todos os entes federados. Para tanto, cada município e cada estado deverá enviar suas contas até o dia 30 de maio. Esses indicadores possibilitam ter um quadro substancialmente seguro sobre a capacidade do município em se autogerir e, a partir de todos os dados é possível depreender sobre qual aspecto da administração municipal é mais 8 9 10 11 12 13

Receita tributária / receita corrente. Fundo part. dos municípios / receita corrente x 100. Repasse do ICMS / receita corrente x 100. Despesas com saúde + educação + assistência social / despesa total x 100. Pessoal (pessoal, encargos, sentenças judiciais, entre outras) / despesa correntes. Investimentos / receita corrente. ESTABILIDADE E ARTICULAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DO MATO GROSSO DO SUL ••• 243

estável e, consequentemente, qual parte está mais comprometida com possíveis desarranjos. É importante esclarecer que o conjunto total dos índices não é criação dos autores do presente artigo. O Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal, disponível em http://www.firjan.org.br, há tempo contabiliza -os no sentido de visualizar a realidade dos municípios brasileiros e sua capacidade de promover o desenvolvimento. É inegável a contribuição daquela instituição para que seja possível uma visão abrangente (e comparativa) sobre todos os municípios brasileiros. Diferentemente,o indicador seguinte, sobre a sustentação territorial, foi construído pelo grupo Cadef/UFMS ao longo de seus quinze anos de existência, com base nos estudos realizados sobre a realidade socioeconômica do Mato Grosso do Sul, em especial sobre os municípios da área de fronteira. Sobre a capacidade de sustentação territorial dos munícipios – Aqui a base de análise não mais será a parte administrativa do município, mas a sua plataforma territorial, ou melhor, um conjunto de dados, que agrupados e relacionados, propicia a formação de indicadores capazes de demonstrar o contorno da morfologia social e produtiva do território municipal. A intenção é, portanto, agrupar informações da realidade sóciogeográfica para uma apropriada compreensão das condições territoriais, tanto relacionadas aos dispositivos econômicos, quanto sociais e populacionais dos municípios. Com isso, propõe-se desvendar: g. o nível de dependência da população em idade produtiva em relação aqueles em idade de pouca atividade produtiva (estudantes e aposentados em primeiro plano)14; h. o nível de dependência da população total em relação ao número de pessoas dependentes de repasse do programa Bolsa Família e do INSS15; 14 Taxa de dependência: Pop. até 14 anos + Pop. com 65 anos ou mais / Pop. Total x 100. 15 Taxa de dependência de pobres e aposentados: População dependente de BF + Repasses do INSS / Pop. Total x 100. 244 ••• Tito Carlos Machado de Oliveira • Carlos Martins Jr

i. identificar a capacidade técnica e política do município em atrair investimentos públicos para solucionar problemas estruturais, verificando o volume de investimentos externos públicos (estaduais e federais) realizados no período de 2007 a 2011, desdobrados em obras, habitação, saneamento e energia elétrica16; j. conhecer a capacidade de crescimento dos setores fundamentais da economia e do rendimento da população por meiodo crescimento do PIB estratificado (agropecuária, industrial, comércio e serviços) municipal e PIB per capita entre 2007-201117; k. identificar os investimentos destinados ao setor privado da economia (mesmo que com recursos públicos), observando o quantum destinado a agropecuária + FCO (total) + PRONAF (valor contratado) dentro de um quinquênio18; l. visualizar o crescimento do nível do emprego e a participação de pessoas de nível superior no conjunto da PEA, verificando o crescimento de empregos formais no período de um lustro, no intuito de perceber o impacto do nível superior na PEA 201019. Os dados usados para se chegar a esse conjunto de indicadores estão disponíveis em diversos órgãos e instituições. Há que se tomar o cuidado com o número de pessoas que dependem da Bolsa Família, visto que não é divulgado o número de pessoas da família, isso significando a necessidade de multiplicar a quantidade de famílias que recebem esse benefício pelo número médio de pessoas por família do município divulgado pelo IBGE. 16 Percentual de crescimento dos investimentos externos dados: pelo consumo de energia entre 2007-11; e os repasses do governo doestado e do Federal em obras, habitação e saneamento entre 2007 e 2011. 17 Soma do percentual de crescimento entre 2007 e 2011 do PIB Municipal + percentual de crescimento do PIB per capita / 2. 18 Percentual de crescimento, entre 2007 e 2011, do financiamento da agricultura e da pecuária + investimento do FCO + investimentos do PRONAF / 3. 19 Variação percentual entre o emprego formal + (pessoas com ensino superior / PEA x 100) / 2. ESTABILIDADE E ARTICULAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DO MATO GROSSO DO SUL ••• 245

Há que se observar, ainda, que no item “e” deve-se utilizar o valor destinado a investimentos e não o destinado ao custeio, ou seja, o total de investimentos utilizados na agricultura e pecuária, cedidos pelo Banco do Brasil, e osalocados pelo FCO total (incluindo a agropecuária), e o valor contratado(não o valor disponibilizado) do PRONAF. Considerando que o quadro comparativo entre os municípios será restrito ao estado do Mato Grosso do Sul, a classificação a ser atribuída a cada município deverá ter como base a média do estado. Ou seja, após a sistematização de todos os dados por município, tira-se uma média do estado e, a partir dessa média, pontua-se de 1, para a pior condição a 3, para a melhor condição. No caso de quanto mais elevadomelhor a sua condição20 pontuase: 1 para até 90% da média; 1.1 para até 91% da média; 1.2 para até 92% da média, e sucessivamente até 2 para 100% da média; 2.1 para até 102% da média; 2.2 para até 104% da média, e sucessivamente até 3 para 120% da média. No caso de quanto mais elevado pior, pontua-se na sua condição21 invertida: 3 para até 80% da média; 2.8 para até 82%; 2.6 para até 84% (e assim sucessivamente) até 2 para 100% da média; 1.9 para 101%; 1.8 para 102% (e assim sucessivamente) até 3 para 110%. Observa-se, portanto, que para pontuação de quanto mais alta (superior a 2) o espaço será de dois em dois e para pontuação inferior a 2, será de um em um. A soma de todos os índices de a a f, dividido por 6, dará o indicador de autogestão. Nesse formato, constata-se, ao final, que haverá municípios na situação de possuir pontuação superior a 3, assim como haverá outros municípios na situação de pontuação inferior a 1. Em ambos os casos, consolida-se sempre o 1 como pior índice, e 3 para o melhor índice. De fato, a intenção é delimitar a análise considerando o conjunto de municípios que estão nos contornos da média geral do estado, entre 10% menor que a média até 20% maior ou o inverso. Ou seja, não se 20 Como exemplo, os índices a e k. 21 Como exemplo, os índices e e g. 246 ••• Tito Carlos Machado de Oliveira • Carlos Martins Jr

vislumbra fazer um simples ranking dos municípios, mas observá-los de uma perspectiva de grupo para que as possíveis políticas públicas sejam destinadas coletivamente, não individualmente. A soma de todos os índices de g a l, dividida por 6, dará o indicador de sustentação territorial. Cruzando os dois indicadores, de capacidade de autogestão e da capacidade de sustentação territorial, é possível distinguir os municípios ante a sua condição em três categorias: Municípios estáveis – aquele conjunto de municípios que possui índice de autogestão22 igual ou superior a 2.0 e índice de sustentação territorial23 também igual ou superior a 2.0; Municípios inconstantes – aquele conjunto de municípios que apresenta estabilidade (índice igual ou superior a 2.0) apenas na autogestão ou apenas na sustentação territorial; e Municípios instáveis – aquele conjunto de municípios que apresenta instabilidade (índice inferior a 2.0), tanto na autogestão quanto na sustentação territorial.

2.2 Indicador de articulação Por outro lado, a condição do município pode mudar se considerado o seu nível de articulação e seu espaço de fluxo. A articulação que, em síntese, conclui processos de formatação de projetos de desenvolvimento em conjunto, consórcios administrativos, alianças para controle e segurança, programas compartilhados de proteção ambiental etc., possui sua gênese nas diversas formas de circulação, nos fluxos de informações e no alargamento das comunicações. A complexidade da economia moderna globalizada impõe aos atores (públicos e privados) novos e constantes desafios quanto à atuação individual e coletiva. Não basta ser eficiente de forma solitária em um mar de ineficiências acomodadas.Quanto melhor a competitividade terri22 = (a+b+c+d+e+f)/ 6. 23 = (g+h+i+j+k+l)/6 ESTABILIDADE E ARTICULAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DO MATO GROSSO DO SUL ••• 247

torial, melhor será a competitividade individual e vice-versa. Isso coloca a articulação entre atores e territórios como pilar de sustentação da inovação e do crescimento virtuoso. A palavra de ordem é articular os fluxos, ações e projetos nos três níveis – local/regional, nacional e internacional24. A articulação, seja na condição de redes de comunicação, seja na condição de circulação – considerando a separação respondida por Raffestin (1993) entre ambas -, coloca-se como artefato chave para criar vantagens adicionais na localização do município dentro do contexto regional. “Hoje – como bem esclarece Becker, Costa e Costa (2009 p. 10) – éo espaço de fluxos, isto é, as relações externas das cidades para além das suashinterlândias, que comanda o crescimento das cidades e o processo deurbanização. Significa, também, que as relações entre cidades não estão contidasapenas no território nacional, pois que estes não são sistemas fechados e, sim, abertos”. A circulação de pessoas e mercadorias – enquanto elemento primaz da articulação -, possui a aptidão de estimular o nascimento de redes, modernizar malhas, aproximar os agentes econômicos-sociais e estabelecer nós na realização de valor, podendo, em determinado estágio de aproveitamento, se constituir em instrumento eficaz de reparação das debilidades presentes na dinâmica administrativa, na estrutura urbana, na função do município, sendo inclusive capaz de desenhar um novo padrão de desenvolvimento e redimensionar as relações sócio-espaciais25. Em outros termos, a circulação dimensiona a capacidade do município de armar teias de articulação territorial, pois “À medida que o território se torna fluido, as atividades econômicas modernas se difundem e uma cooperação entre as empresas se impõe, produzindo-se topologias de empresas de geometria variável, que cobrem vastas porções do território, unindo pontos distantes sob uma mesma lógica particu24 Isso pressupõe que toda articulação deva ser dotada de mecanismos de cooperação mútua e modelos eficientes, modernos, flexíveis e sustentáveis. 25 Sobre o aprofundamento teórico dessa questão, recomenda-se a leitura do texto de Silva Júnior (2012). 248 ••• Tito Carlos Machado de Oliveira • Carlos Martins Jr

larista (...) e, medida em que grandes empresas arrastam, na sua lógica, outras empresas, industriais, agrícolas e de serviços, e também influenciam fortemente o comportamento do poder público, indicando-lhes formas de ação subordinadas” (SANTOS, 2001, p. 35). De modo que, tanto a participação dos municípios do Mato Grosso do Sul no mercado regional (estadual), nacional quanto internacional são partes indecomponíveis de um mosaico que interfere ampliadamente na divisão territorial do trabalho, de tal maneira que é impossível deixar de considerar a circulação dos municípios como engrenagem das formas e comportamentos da gestão administrativa e da sustentação territorial. Como alerta Salama (2011, p. 58), existem várias maneiras de avaliar os efeitos do mercado externo, um mais estritamente contábil (que superestima ou subestima os efeitos reais) e outro mais econômico (que busca analisar os efeitos dos encadeamentos sugeridos). No entanto, a relação pertinente é entender a trilogia do “desarrollo del mercado externo, expansión del mercado interno y crecimiento”, onde, “El mercado interno y el mercado externo son las dos piernas del crecimiento, ambos se refuerzan mutuamente”, significando que cuidar de um e descuidar do outro implica que os efeitos positivos decorrentes serão sempre de curta duração. A sugestão constitui, assim, considerar essas três modalidades de circulação: o fluxo de transações comerciais no âmbito regional (estadual), a comercialização (saída e entrada) de produtos para outros estados da Nação e o comércio export-import dos municípios; além, do fluxo de passageiros de e para cada cidade do estado. Essas circulações, mantendo relações com lugares (e/ou regiões) hierarquicamente superiores, estão sob a égide de complexasredes geográficas, estudadas aqui mais na sua dimensão espacial com abrangência maior na escala e nas conexões,conforme Roberto Lobato Corrêa (2009, p. 205). A fonteutilizadafoi, para visualizar as relações com o mercado regional e nacional, o número de operações realizadas entre os muniESTABILIDADE E ARTICULAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DO MATO GROSSO DO SUL ••• 249

cípios e o número de operações realizadas dos municípios com as demais unidades da Federação, tendo como base a movimentação realizadapor meioda Nota Fiscal eletrônica (representando mais de 96% das transações comerciais de mercadorias, bens e serviços no MS), ano base de 2012, cedida, sob algumas condições,pela Secretaria de Fazenda do Mato Grosso do Sul26.Quanto aos valores dessas operações, os mesmos não foram utilizados pormenorizadamente neste trabalho de pesquisa, visto que a frequência e a periodicidade das operações de compra e venda, se mostraram mais eficientes para visualizar a consistência das relações entre os municípios. Também se deve observar que para finalidade proposta, não foi distinguido do movimento as entradas (compras) das saídas (vendas), o importante, neste momento, foi observar o total do movimento transacionado e a sua representação no volume total de cada município. No tratamento dos dados não pode deixar de ser observadoque a maior parte da circulação do município é realizada com ele mesmo, esse fato requereu o cuidado de separar a circulação interna da circulação externa, permitindo desse modo, estabelecer o percentual conferido à circulação externa, excluindo o movimento dado dentro do próprio município. E, à circulação para dentro do Mato Grosso do Sul, considerando o grau elevado de centralização de Campo Grande, as relações entre o município e a capital do estado foram analisadas separadamente; assim como também, foi considerada separadamente, a relação de compra e venda com São Paulo pelo fato de representar, em média, 40% de toda a movimentação dos municípios para fora do estado. E, com o mercado internacional, foram utilizados os dados sobre as exportações e importações disponibilizados pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior por unidade da Federação e por município, ano base de 2012. Aqui o valor das operações com exportação e importação é somado como forma de atribuir um padrão mínimo de transações associadas à quantidade de países envolvidos nas operações. 26 Cuja principal condição foi da não divulgação dos dados específicos (número de movimentações e valores transacionados/mês) por município. 250 ••• Tito Carlos Machado de Oliveira • Carlos Martins Jr

Para o movimento de pessoas, foram pensados os dados referentes à distribuição espacial das linhas de coletivos autorizadas no Mato Grosso do Sul; bem como, o movimento de número de passageiros dessas linhas27. E justo alertar que esses dados estão mal sistematizados pela AGEPAN (Agência Estadual de Regulação de Serviços Públicos de Mato Grosso do Sul), onde não é possível definir o destino final dos passageiros, o que permitiu apenas a média geral de circulação por linha, todavia, os números obtidos não inviabilizaram a pesquisa, mas dificultaram a análise, permitindo somente mapear a circulação entre as cidades componentes da linha dos coletivos28. Tal fato está requerendo uma série de ajustes com trabalho de campo para aprofundamento da questão e também considerar o movimento dado pelas empresas que atravessam o estado e promovem o transporte interno. Por conta de uma série de desajustes relacionados a esse movimento de passageiros, preferiu-se não considerá-lo para pontuação da circulação; entretanto é um instrumento valioso na análise geral, em especial para caracterizar os micropolos geográficos de ligação29 no estado. Desse modo, a partir dos dados conquistados e organizados foi possível construir os níveis de articulação – tendo a circulação como instrumento – das cidades dentro de parâmetros muito realísticos. Se a métrica utilizada para estabelecer a capacidade de autogestão e sustentação territorial foi 1 para pior situação e 3 para a melhor, essa mesma medida foi estabelecida para situar a circulação dada pelos municípios. É óbvio que as dimensões aqui estabelecidas estão simetricamente re27 O método aqui utilizado se aproxima, mas não se alinha, à análise sobre redes urbanas elaboradas por GREEN, F.H.W (Urban hinterlands in England and Wales: an analysis of bus services) em 1950 e por CARRUTHERS, IAN (Classification of Services Centers in England and Walles) em 1957, aplicados na Inglaterra e País de Gales. 28 A guisa de exemplo, nos números da AGEPAN aparecem 24 municípios que não se comunicaram entre si no ano de 2012, ao mesmo tempo, 22 outros aparecem apenas com fluxo ou de entrada ou de saída, sendo zerada uma das partes, aparentando inconsistência dos dados. 29 Os micropolos geográficos de ligação com base na intersecção do movimento de cargas com o movimento de viagens é mais uma parte da pesquisa “Polos geográficos de Ligação” com apoio do CNPq e da Fundect. ESTABILIDADE E ARTICULAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DO MATO GROSSO DO SUL ••• 251

lacionadas ao peso geral que a economia mato-grossense possui dentro da economia brasileira. Para a circulação internacional, a pontuação considerou o valor base de U$ 1 milhão/ano do município e a quantidade superior a 10 países, atribuindo 1 para quem não teve operações de export-import ou possuiu circulação inferior ou superior a U$ 1 milhão/ano mas com menos de 10 países. E, somente para aqueles que tiveram operaçõesde export-import superior a U$ 1 milhão/ano, estabeleceu-se: 1.2 para operações com 11 países; 1.4 com 12 ; 1.6 com 13; 1.8 com 14; 2 com 15; 2.2 com 16; 2.4 com 17; 2.6 com 18; 2.8 com 19 e 3 paraoperações com 20 ou mais países. Para a circulação nacional, a pontuação considerou o número de 100 operações/ano realizada por cada município e a quantidade superior a 10 estados, independentemente do valor transacionado, atribuindo 1 para a circulação com até 10 estados da Federação ou com mais de 10 estados e menos de 100 operações/ano. E, para aqueles com mais de 100 operações/ano foi atribuído: 1.2 para operações com 11 estados; 1.4 com 12; 1.6 com 13; 1.8 com 14; 2 com 15 e; 2.2 com 16; 2.4 com 17 ; 2.6 com18; 2.8 com 19 e 3 para operações com 20 ou mais estados. Para visualizar a circulação regional (estadual), foram considerados os números de 100, 500 e 1000 operações de compra e vendas realizadas com outros municípios por ano, excetuando-se as realizadas dentro do próprio município, atribuindo: 1 para municípios que realizaram até 100 operações/ano com menos de 10 outros municípios; 1.2 entre 101 e 200 operações/ano com 10 ou mais municípios; 1.4entre 201 e 300 operações/ano com 10 ou mais municípios; 1.6entre 301 e 400 operações/ano com 10 ou mais municípios;1.8entre 401 e 500 operações/ano com 10 ou mais municípios;2entre 501 e 600 operações/ano com 10 ou mais municípios;2.2entre 601 e 700 operações/ano com 10 ou mais municípios;2.4entre 701 e 800 operações/ano com 10 ou mais municípios;2.6entre 801 e 900 operações/ano com 10 ou mais municípios;2.6entre 901 e 1000 operações/ano com 10 ou mais municípios; e, 3 para município que realizou 1001 ou mais operações/ano com 10 ou mais municípios. 252 ••• Tito Carlos Machado de Oliveira • Carlos Martins Jr

Como se observa, para a circulação nacional e internacional o valor e o número de operações são fixos, enquanto variável é o número de estados e países da relação; diferentemente é a atribuição de pontuação na circulação estadual, onde o número de municípios é fixo e a quantidade de operações variável. Tal condição relaciona-se ao fato do número de municípios (79) no Mato Grosso do Sul ser muito reduzido, significando que o município que possuiu mais de mil transações com mais de 10 outros municípios, também manteve mais de quinhentas transações com mais de 10, etc. contabilizando, no final, o espraiamento e a profundidade de suas relações. A soma da pontuação das circulações (estadual, nacional e internacional) dividida por três, possibilita um número por município que, relacionado com de outros municípios, permite qualificar a capacidade de articulação em três conjuntos: a. com pontuação de 1 a 1.66 – municípios com baixa capacidade de articulação; b. com pontuação ente 1.67 e 2.33 – municípios com capacidade mediana de articulação; e c. com pontuação de 2.34 ou superior – municípios com alta capacidade de articulação. Mereceria, talvez, estabelecer um peso específico para cada uma das circulações abordadas, é muito provável que a circulação estatal se posiciona em dimensão e em importância das outras formas de circulação, corroborando com contorno impactante diferenciado, assim como as outras formas (internacional e nacional) também. Entrementes, o estabelecimento de pesos merece ser respaldado por estudos com um nível de profundidade que ainda faz jus ser construído. O que, por enquanto, mesmo que as circulações se diferenciem em massa (robustez) uma das outras, possuem uma ordem espacial racional e consumada pela dinâmica da lógica capitalista, permitindo e ousar em não adotar pesos diferenciados neste momento.

ESTABILIDADE E ARTICULAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DO MATO GROSSO DO SUL ••• 253

2.3 Associando a estabilidade com a articulação A partir dessa “qualificação”30, é possível associá-la à categorização estabelecida para os municípios, quando interseccionada a capacidade de autogestão com a capacidade de sustentação territorial (estáveis, inconstantes e instáveis), engendrando uma relação passível de vislumbrar três situações diferentes para os municípios do Mato Grosso do Sul, conforme sintetizado no quadro 1. Quadro 1. Situação do município mediante a relação entre a

estabilidade e a articulação. Articulação Estabilidade Estáveis

Articulação Alta

Mediana

Baixa

Situação Satisfatória

Situação Satisfatória

Situação Incômoda

Inconstantes

Situação Satisfatória

Situação Incômoda

Situação Delicada

Instáveis

Situação Incômoda

Situação Delicada

Situação Delicada

Municípios em situação satisfatória – Municípios com bom nível de estabilidade administrativa e territorial e com alta ou mediana capacidade de articulação. Essas unidades administrativas podem ser identificadas como aqueles que possuem ampla capacidade de gerenciamento das condições administrativas – ainda que possuam debilidades em um ou outro aspecto -, possuem condições de monitorar e atuar no sentido de rever, melhorar e intervir positivamente na morfologia social e produtiva do território com grau elevado de autonomia político-administrativa. A ação de ousadia aqui, caso seja instituída pelos atores municipais, é respaldada pela condição de estabilidade. Municípios em situação incômoda – São aqueles que mesmo tendo estabilidade, possuem baixa capacidade de articulação, ou são inconstantes, mas possuem uma articulação mediana, ou ainda aqueles instáveis, mas que, por algum bom motivo, possuem uma alta capacidade de articulação. Esses são municípios que sustentam dificulda30 Paira aqui uma dúvida se a palavra qualificação é verdadeiramente adequada, visto que há uma espécie de disposição separada dos municípios, talvez o termo “classificação” se adeque mais aos propósitos estabelecidos, mas neste momento, optamos pela qualificação. 254 ••• Tito Carlos Machado de Oliveira • Carlos Martins Jr

des de intervir: ou na sua morfologia territorial devido às debilidades administrativas; ou no inverso, não conseguem melhorar sua gestão administrativa por possuir debilidades na morfologia territorial. É obvio, todavia, que não está descartado o fato de suas debilidades estarem associadas a questões de ordem política adjunta, ou a uma má gestão administrativa. Como também, é digno de observação, que para os municípios na condição estáveis e inconstantes, mas com capacidade de articulação mediana ou baixa tem significado peso no desarranjo administrativo e na sustentação territorial. Esses municípios tendem, ao longo do tempo, a sentir declinar sua autonomia para solucionar problemas internos e reduzir sua dependência externa. Municípios em situação delicada – Aqui estão localizados os municípios inconstantes com baixa capacidade de articulação e os instáveis que não consolidam uma alta articulação. Sem dúvidas, esses são aqueles com maiores dificuldades de visualizar suas potencialidades, além de possuírem fragilidades inerentes que estorvam uma mobilização interna, visando um desenvolvimento mais autônomo. Entretanto, esses municípios não podem ser domados pelo desânimo. Todos os municípios brasileiros têm potencialidades (naturais e artificiais) para acondicionar o seu desenvolvimento, basta descobri-las. As dificuldades aparentes podem se constituir em potencialidades ainda ocultas que necessitam de mobilização comunitária, estudos e competência política para revelá-las e inverter o quadro depressivo. Por isso, são municípios que não podem ser identificados como inviáveis. As ações ousadas não podem ser opcionais, pois, são necessárias, porém, não podem ser respaldadas pelo desespero e pela inconsequência. Observando o quadro 1, a circulação (enquanto elemento que possui envergadura suficiente para estimular articulações) interfere sobremaneira na estabilidade do município e na dinâmica das cidades. E, assim, possibilita identificar quão significativa é a importância da circulação para a estabilidade administrativa e territorial dos municípios. Uma alta circulação redistribui municípios inconstantes para a uma situação satisfatória, de certo modo “corrigindo” as debilidades adESTABILIDADE E ARTICULAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DO MATO GROSSO DO SUL ••• 255

ministrativas e territoriais neles contidos. Pelo lado avesso, uma baixa circulação leva uma condição estável de um município a uma situação incômoda, podendo minar os dispositivos econômicos e instabilizar a estrutura sócio-espacial e administrativa ali existente.

3.

Alguns dados para exemplificação – a modo de conclusão

É importante alertar que os dados aqui colocados permitem uma visualização ainda preliminar. Os volumes de dados necessários para consecução dos desígnios estabelecidos neste trabalho de pesquisa impuseram um quantum de trabalho31, em especial na hercúlea sistematização dos dados sobre a movimentação dada pela Nota Fiscal eletrônica cedida pela Secretaria de Fazenda. Necessitando, ainda, de revisão pormenorizada. Por conta desse fato, não haverá, neste texto, exposição dos nomes dos municípios, exceto quando na condição de destaque favorável. Os estudos, até o momento, permitem que seja montada uma tabela que distribua os municípios ante a variável populacional com o seu nível de estabilidade. A tabela 1 conclui que dos 79 municípios no Mato grosso do Sul, 17 estão na condição de estáveis, com quase a mesma quantidade, 16, na condição de instáveis. Enquanto a maioria dos municípios está na condição de inconstante. Tabela 1. Distribuição da condição dos municípios por grupo de população.

Quantidade de Habitantes Até 15 mil Entre 15 mil e 30 mil Entre + 30 mil e 60 mil Entre + 60 mil e 120 mil Mais de 120 mil Total

Estáveis 7 6 0 2 2 17

Inconstantes 24 16 4 1 0 45

Instáveis 10 4 2 0 0 16

Total 41 26 6 3 2 78*

*Não contando Paraíso das Águas. 31 É justo lembrar e agradecer o eficiente trabalho de sistematização dos dados realizados por Jessyca Thomann, Osmair Simões, Vanessa Albuquerque e Claudio Caramori, estudantes com Iniciação Cientifica ligados ao Cadef/UFMS. 256 ••• Tito Carlos Machado de Oliveira • Carlos Martins Jr

A primeira relação visível dessa tabela é o tamanho da população dos municípios e a sua condição. Aqueles com maior população (mais de 60 mil hab.), estão em melhor situação do que os demais de população menor, desses, apenas um se apresenta na condição de inconstante, os demais são estáveis. Com menos de 60 mil hab. a posição quase, proporcionalmente, se inverte: apenas 13 (17%) deles estão na condição de estabilidade. Considerando que as atividades técnicas se desenvolvem mais em localidades de população maior, pela própria necessidade de articulação e melhor aproveitamento das economias de escala, é natural que os municípios de maior população tenham maiores condição de viabilizar sua administração e estabilizar as condições sócio-espaciais do território. Como o avesso, também, pode ser é verdade. É possível vislumbrar que mais de 80% dos municípios, com população até 60 mil habitantes localizados como inconstantes e instáveis, esteja refém da restrição populacional. Porém, tal afirmação se desconcerta, em parte, quando se observa que cidades com menos de 25 mil habitantes, como São Gabriel do Oeste e Chapadão do Sul, possuem níveis muito seguros de estabilidade. Mas, é profundamente importante verificar a associação de instabilidade de um município com a sua taxa de emigração e com suas taxas de decrescimento populacional, seguramente essa associação pode ser fecunda. Há que se observar que a herança e a reminiscência de desigualdades sócias no Mato Grosso do Sul constroem descompassos profundos, tanto nas administrações públicas que são tratadas, na maioria, com amadorismo e conservadorismo, quanto nas ações do conjunto social, onde a tradição latifundiária filantrópica (não solidária) pode sufocar a atuação associativa, participativa e concorrencial da população e do empresariado. Nesse contexto, possivelmente, o modo organizacional das instituições públicas e privadas na maioria dos municípios seja mais eficiente para entender e justificar a inconstância e a instabilidade desses, do que a simples associação com a quantidade de habitantes.

ESTABILIDADE E ARTICULAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DO MATO GROSSO DO SUL ••• 257

Interessantemente, as administrações públicas são, no geral, menos problemáticas que a parte territorial dos municípios. Apenas 8, dos 45 municípios inconstantes, possuem um indicador administrativo baixo32; enquanto os outros 35 estão relacionadas as questões territoriais. Esses, somados aos outros 16 instáveis, estabelecem um total de 51 municípios com problemas na sustentação territorial, ou seja, 65% do total. Possibilitando intuir que o problema central do Mato Grosso do Sul reside nas suas relações sócio-espaciais contidas no seu território e não especificamente nas condições administrativas. O problema se agrava quando se constata que o estado (quase todos os municípios) vive um ótimo demográfico 33, fato que se agravará a partir de 2027, ou seja, há pouco tempo para rever o quadro atual, antes que os gastos sociais se elevem para patamares insustentáveis, empurrando o atual quadro administrativo para condição de profunda instabilidade. Como aludido no início deste texto, o Mato Grosso do Sul possui duas bandas. No contexto trabalhado, até certa medida, se desmonta a tese de que a banda ocidental(bacia do Paraguai) é muito mais problemática do que a banda oriental (bacia do Paraná): ambas possuem dificuldades aparentes. É certo que a banda ocidental possui 25% dos municípios do Estado (3 na MR Alto Taquari, 1 na MR Campo Grande, 1 na MR Dourados e outras 14 nas MR Aquidauana, Baixo Pantanal e Bodoquena) todos na condição de inconstante (15) ou instável (4), embutidos nos números da tabela 2; mas, a banda orientalque possui 75% dos municípios – e produz mais de 80% da riqueza do estado – possui 33 municípios na mesma condição, significando 42% do total do estado. Ampliando o exposto, as MR de Iguatemi e de Dourados, onde o agronegócio fincou pilares com a forte reciclagem do trabalho ali presente, possuem 31 municípios, desses, 24 estão na condição de instável ou inconstante. Ou seja, apenas duas MRs localizadas na banda oriental 32 Lembrando que está relacionado à média administrativa do estado abordado anteriormente neste texto. 33 Atualmente, o número de dependentes para cada 100 pessoas em idade de trabalhar é, em média, de 46 pessoas inativas, um número que indica condições excelentes para a organização das contas públicas. 258 ••• Tito Carlos Machado de Oliveira • Carlos Martins Jr

possuem mais municípios na condição de inconstância e instabilidades que toda a banda ocidental. Tabela 2. Quantidade de municípios na condição de estável, inconstante e

instável por microrregião e total. Microrregião (média geral) Cassilândia* Três Lagoas Alto Taquari Paranaíba Campo Grande Aquidauana Bodoquena Baixo Pantanal Iguatemi Dourados Nova Andradina Total

Estável Estável Inconstante Inconstante Inconstante Inconstante Inconstante Inconstante Inconstante Estável Inconstante

Estável

Inconstante

Instável

2 2 2 2 1 3 4 1 17

2 1 6 2 7 1 4 2 11 7 3 45

2 3 3 1 2 4 1 16

Total municípios 4 5 8 4 8 4 7 3 16 15 5 78

*Não contando Paraíso das Águas.

Também se constatam analogias em relação à articulação. No tocante à circulação pelos municípios da bacia do Paraguai, apenas 1 município (Corumbá) mantém uma média elevada, isso considerando a sua circulação com as cidades da Bolívia. Outros 3 municípios possuem uma circulação média; enquanto os 15 restantes possuem uma circulação muito baixa. Provocando, por efeito, uma baixa capacidade de articulação de toda banda ocidental. Porém, não se difere muito do constatado no conjunto da tabela 3, onde 66% das cidades possuem baixa capacidade de articulação. Outro fato importante é o direcionamento das circulações promovidas pelos municípios do estado. A proximidade com o Sudeste (São Paulo, em especial) faz com que 59% das relações de compra e venda para fora do estado se dê com aquela região, restando uma circulação reduzida para o Sul (28%), para o Centro-Oeste (8%) e, uma circulação mínima para o Nordeste (3%) e Norte (2%). Considerando a mudança na geografia econômica brasileira nos últimos três lustros, ESTABILIDADE E ARTICULAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DO MATO GROSSO DO SUL ••• 259

onde São Paulo perdeu força no conjunto da economia nacional, esse pode se constituir um fato de interrogação com relação ao futuro dos municípios do estado. O estado (seus municípios) possui uma pauta muito restrita de importação direta, compra-se muitos produtos importados via São Paulo, fazendo com que a circulação internacional seja fundamentalmente de exportação. E, como a pauta de exportação é soberbamente regulada por commodities, os principais fregueses dos municípios do estado são Ásia (China, sobretudo), América Latina e outros de menor expressão com mais de 83% do total para esses centros, cujo interesse não está articulando instâncias por alta tecnologia34; restando uma parcela pequena de 16,5% para EUA e Europa, tradicionais centros produtores de alta tecnologia. Tabela 3. Quantidade de municípios com capacidade de articulação baixa,

mediana e alta por microrregião e total. Microrregião (média geral) Cassilândia* Três Lagoas Alto Taquari Paranaíba Campo Grande Aquidauana Bodoquena Baixo Pantanal Iguatemi Dourados Nova Andradina Total

Baixa Mediana Baixa Mediana Baixa Baixa Baixa Baixa Baixa Mediana Mediana

Baixa

Mediana

Alta

1 3 5 1 6 3 7 2 13 9 2 52

2 1 2 2 1 2 1 2 13

1 1 1 2 1 1 5 1 13

Total municípios 4 5 8 4 8 4 7 3 16 15 5 78

*Não contando o municípioParaíso das Águas.

Isso tudo permite observar que mesmos aqueles 26 municípios que possuem níveis de articulação mediana e elevada (tabela 3), não autorizam afirmar que, tal articulação, tenha como consequência dire34 Como se verifica no trabalho de Alcioly, Costa e Macedo, 2011. 260 ••• Tito Carlos Machado de Oliveira • Carlos Martins Jr

ta projetos animadores de autonomia e pactualidade progressista capaz de suscitar novas formas de organização do trabalho. Apenas reafirma uma modernização segurada na reciclagem do trabalho velho, o que retroalimenta os níveis de dependência externa do município. Como se observa na tabela 4, desses 26 municípios, 6 deles não foram retirados de uma situação delicada. O que se observar na tabela 4, apresenta-se como elucidativo diante do conjunto de fatores expostos. Dos 17 municípios na condição estável, 10, por possuir uma baixa capacidade de articulação, são levados a situação incômoda, nesse caso, a baixa articulação é perfeitamente passível de prejudicar as condições territoriais e administrativas, podendo levá-los a alguma instabilidade, como abordado anteriormente. Assim como, 33 municípios dos inconstantes estão em uma situação delicada, por conta de sua baixa capacidade de articulação. Na mesma direção, mas em sentido oposto, verifica-se que 7 municípios, que possuem debilidades, seja na gestão administrativa ou seja na sustentação territorial, considerando a sua alta capacidade de articulação, possuem um situação satisfatória,permitindo eclodir adequadas condições para rever as debilidades existentes. Enquanto o município de Nova Andradina, considerando o volume de sua circulação, constrói uma capacidade alta de articulação que o coloca como sendo o único entre os instáveis com situação incômoda fugindo da situação delicada, como os demais municípios instáveis. Tabela 4. Quantidade de município conforme a situação dada mediante a

relação entre a estabilidade e a articulação (Cf. Quadro 1). Articulação Estabilidade Estáveis Inconstantes Instáveis Total

Alta (5 municípios) Situação Satisfatória (7 municípios) Situação Satisfatória (1 município) Situação Incômoda 13

Articulação Mediana Baixa (2 municípios) (10 municípios) Situação Satisfatória Situação Incômoda (5 municípios) (33 municípios) SituaçãoIncômoda Situação Delicada (6 municípios) (9 municípios) Situação Delicada Situação Delicada 13 52

Total 17 45 16 78

ESTABILIDADE E ARTICULAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DO MATO GROSSO DO SUL ••• 261

Por fim, de todo modo e em todos os sentidos, essa metodologia é uma proposta que assegura enxergar a situação do município ante as condições de estabilidade e a capacidade de articulação que se apresentam. Entretanto, assim como toda fórmula cartesiana é incompleta e mutilada pela ausência de outros fatores que interferem no conjunto da análise para o qual se destina: está, portanto, muito longe de ser posta como definitiva e acabada, assim como todas as outras metodologias. Posto assim, é merecedora de todas as críticas e invariáveis sugestões. No entanto, é digno de registro o fato de que essa maneira de ver e depreender a realidade está associada ao quadro político-administrativo posto sobre um dado território, o Mato Grosso do Sul. As situações satisfatória, incômoda ou delicada, aqui atribuídas aos municípios, se relacionam diretamente às condições administrativas e sócio-espaciais de uma jurisdição do estado que possui natureza, destrezas, fraquezas e potencialidades particulares, submetidas a uma disposição espacial protegida por relações históricas próprias. Não se trata, portanto, de uma proposta que caiba de forma sistemática e sem adequações a todos os outros lugares.

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ESTABILIDADE E ARTICULAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DO MATO GROSSO DO SUL ••• 263

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264 ••• Tito Carlos Machado de Oliveira • Carlos Martins Jr

AS RELAÇÕES COMERCIAIS RECENTES DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL COM O PARAGUAI Márcio Augusto Scherma1

1.

Introdução

Desde a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência do Brasil, em 2003, as relações com a América do Sul ganharam nova ênfase na política externa brasileira. Paralelamente, intensificou-se também a inserção internacional de entes subnacionais, como municípios, províncias e estados, impulsionados também pelos acordos de integração já existentes, como o Mercosul. Os principais centros industriais brasileiros (estados de São Paulo e Rio de Janeiro, em especial) são responsáveis não apenas por grande parte do abastecimento nacional, como também por parte importante das exportações brasileiras – sobretudo no caso de produtos manufaturados. Pelo fato do eixo Rio-São Paulo concentrar as empresas mais competitivas, as indústrias das demais unidades da federação brasileira possuem, em grande parte, alcance local e/ou regional, apresentando dificuldades para competir nos grandes centros dinâmicos da economia nacional. Muitas dessas empresas passaram, então, a buscar oportunidades em outros países. Essa estratégia torna-se ainda mais viável àqueles estados que estão geograficamente mais próximos de outras nações do 1 Professor do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Doutor em Relações Internacionais pela UNICAMP.

••• 265

que do eixo Rio-São Paulo. A existência do Mercosul, uma maior competitividade nesses locais e uma política externa favorável poderiam ser elementos que impulsionariam esse movimento para o mercado externo. A intenção do trabalho proposto é, por conseguinte, avaliar se houve incremento exportador, como também qualificar o comércio Mato Grosso do Sul – Paraguai na última década e analisar os motivos político-econômico-sociais que são a razão do atual cenário comercial entre os dois entes. Serão investigados: a evolução do montante exportado; os principais produtos; os principais municípios exportadores e o tamanho das empresas exportadoras.

2.

A política externa do governo Lula

Os primeiros anos do século XXI foram marcados por alguns movimentos importantes no que diz respeito ao cenário internacional. Podemos destacar, dentre eles, o fortalecimento das chamadas “potências médias” – como China, Rússia, Índia; a forte migração de capitais para a China; insegurança energética; e concentração de poder internacional – e suas decorrentes consequências, como o arbítrio e a violência por parte da potência principal. Nesse cenário, o Brasil – à espera de mudanças de rumo – elegeu Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência em 2002. Embora no plano interno, a gestão Lula da Silva tenha dado continuidade a alguns aspectos do governo anterior – sobretudo no tocante à política econômica (GIAMBIAGI, 2005) – no plano externo a diferença foi bastante significativa. Como ressalta Vizentini (2013, p. 112), a posse de Lula significou a possibilidade de materialização de um projeto de política externa que já vinha sendo desenvolvido há mais de uma década2. Em seu discurso de posse, o novo presidente afirmou: 2 Os nomes escolhidos para comandar as relações exteriores indicam isso. Tanto o Ministro Celso Amorim, quanto o Secretário-Geral Samuel Pinheiro Guimarães e o assessor especial Marco Aurélio Garcia vinham apresentando suas ideias e projetos ao longo dos anos em publicações e palestras. 266 ••• Márcio Augusto Scherma

“ ‘Mudança’: esta é a palavra-chave, esta foi a grande mensagem da sociedade brasileira nas eleições de outubro (...) No meu Governo, a ação diplomática do Brasil estará orientada por uma perspectiva humanista e será, antes de tudo, um instrumento do desenvolvimento nacional. Por meio do comércio exterior, da capacitação de tecnologias avançadas, e na busca de investimentos produtivos, o relacionamento externo do Brasil deverá contribuir para a melhoria das condições de vida da mulher e do homem brasileiros, elevando os níveis de renda e gerando empregos dignos”3.

Manteve-se, assim, o entendimento cristalizado desde o governo Juscelino Kubitscheck de que as relações externas deveriam contribuir decisivamente para o desenvolvimento da economia brasileira, conforme apontaram Cervo e Bueno (2002). Contudo, ainda que o objetivo fosse o mesmo, os métodos trariam diferenças significativas em relação às gestões anteriores. Vigevani e Cepaluni (2011) destacam que os anos em que Fernando Henrique Cardoso esteve na Presidência da República foram marcados, no que diz respeito à ação externa, por um modelo que denominaram “autonomia pela participação”. Segundo os autores (2011, p. 94), imaginava-se que: “(...) participando ativamente na organização e na regulamentação das relações internacionais, a diplomacia brasileira contribuiria para o estabelecimento de um ambiente favorável ao desenvolvimento econômico (...) Nesse sentido, o governo Fernando Henrique Cardoso se caracterizou pela busca constante de normas e regimes internacionais, uma busca que visava fomentar um ambiente internacional o mais institucionalizado possível”.

3 Resenha de Política Exterior, n. 92, 2003. Disponível em < http://www.itamaraty. gov.br/divulg/documentacao-diplomatica/publicacoes/resenha-de-politica-exterior-do-brasil/resenhas/resenha-n92-1sem-2003 >. Último acesso em 15/05/2014. AS RELAÇÕES COMERCIAIS RECENTES DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL COM O PARAGUAI ••• 267

Desse modo, o país mostrava uma postura moderada e, de certa forma, conformista e voluntarista, especialmente no que diz respeito à aceitação de regras formuladas pelas grandes potências. Nesse cenário, apesar de buscar a diversificação de parcerias econômico-políticas, a ênfase estava, sobretudo, no relacionamento com os países responsáveis pela formulação dessas regras – notadamente, Estados Unidos e União Europeia . Além desses centros, os países vizinhos (sobretudo via Mercosul) também ocuparam papel central na gestão de Cardoso. A política externa de Lula da Silva trouxe, portanto, um modo distinto de buscar o desenvolvimento nacional por meio das relações externas. Vigevani e Cepaluni (2011) nomearam esse modelo como de “autonomia pela diversificação”, que, segundo os mesmos (2011, p. 136), pode ser resumido nas seguintes diretrizes: “(...) adesão aos princípios e normas internacionais por meio de alianças Sul-Sul, incluindo alianças regionais, mediante acordos com parceiros comerciais não tradicionais (China, Ásia-Pacífico, África, Leste Europeu, Oriente Médio, etc.), na tentativa de reduzir assimetrias nas relações exteriores com as potências e, ao mesmo tempo, manter boas relações com os países em desenvolvimento, cooperando em organizações internacionais e reduzindo, assim, o poder dos países centrais”.

Por meio dessa centralidade em relação aos países do “sul”, mas sem deixar de lado as relações com os países do “norte”, o Brasil buscou se projetar como potência no sistema internacional. A percepção era de que o país tinha capacidade para se projetar de forma mais forte no sistema internacional. Keohane (1969) desenvolveu o conceito de system-affectingstates” para designar aquelas potências médias que, ainda que não sejam capazes de afetar o sistema internacional agindo isoladamente, são capazes de impactos significativos nesse mesmo sistema ao formar grupos ou alianças em organizações regionais e/ou universais. Essa percepção leva a estratégias de criação de parcerias e/ou de projeção enquanto potência regional. Como observou Hurrell (2009), 268 ••• Márcio Augusto Scherma

a preponderância regional deveria representar parte importante de qualquer reivindicação do status de grande potência. Dessa forma, um país pode enxergar a região em que se insere como meio de agregar poder e fomentar uma coalizão regional para facilitar suas negociações internacionais. A partir de uma reconhecida liderança regional, o país passaria a ser visto como potência na medida em que cumprisse bem o papel de administrador ou produtor da ordem regional, garantindo, por exemplo, participação no gerenciamento de crises regionais, ou também por meio da cooperação internacional. Essa parece ter sido a tônica de atuação do governo Lula para a América do Sul. Conforme destacou Prado (2012, p. 63): “Durante os oito anos de mandato, a América do Sul foi prioridade máxima, não só como um fim, mas também como uma maneira de demonstrar capacidade de liderança regional e alcançar, com isso, um status mais relevante no sistema internacional, de representante da América do Sul. A atuação pragmática da chancelaria nacional em contendas envolvendo os países vizinhos (ou mesmo o próprio Brasil) caracteriza a hipótese de que o Brasil se utilizou, durante esse período, da política externa para a América do Sul como um instrumento de viabilização de poder do país no cenário internacional”.

O Brasil demonstra, em discursos e em ações4, estar disposto a adotar uma postura de liderança benéfica; ou seja, dá mostra de estar disposto a incorrer em perdas relativas em curto prazo em prol do desenvolvimento dos vizinhos, que geraria benefícios futuros. Conforme destacou o então presidente Lula: “(...) é preciso que o Brasil cresça, se desenvolva e que os países vizinhos também cresçam e se desenvolvam, porque aí nós ire4 Casos da Bolívia (nacionalização do gás), e do próprio Paraguai (tarifas da energia de Itaipu), dentre outros. AS RELAÇÕES COMERCIAIS RECENTES DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL COM O PARAGUAI ••• 269

mos criar um continente altamente desenvolvido com o povo tendo uma qualidade de vida extraordinária (...). A um país como o Brasil não interessa ser apenas um país grande, economicamente forte, com um monte de gente pobre do seu lado. É preciso que todos cresçam, que todos tenham condições de se desenvolver”5.

Por conseguinte, tanto a atuação política, quanto a econômica junto aos vizinhos chegam ao posto de prioridade. Destacam-se, sobretudo, a ampliação do Mercosul – e, nele, a criação tanto do Fundo para Convergência Estrutural e Fortalecimento Institucional do Mercosul (FOCEM), quanto do Parlamento do Mercosul (Parlasul) – e a iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional da América do Sul (IIRSA)6. O governo Lula buscou, portanto, alavancar e diversificar o comércio internacional do Brasil, incluindo novos parceiros e conferindo mais ênfase aos países do sul – dentre os quais os sul-americanos. Esses últimos recebiam ainda maior ênfase, dada a importância estratégica mencionada anteriormente. Dessa forma, o destino das exportações brasileiras alterou-se, conforme a tabela a seguir aponta. Tabela 1. Exportações brasileiras por países e/ou blocos econômicos

selecionados (2002 e 2010). U$ FOB

Fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados do Aliceweb/MDIC.

5 O GLOBO. Lula diz que integração da América do Sul depende de gesto do Brasil. Disponível em < http://oglobo.globo.com/economia/lula-diz-que-integracaoda-america-do-sul-depende-de-gesto-do-brasil-3607901 >. Último acesso em 15/05/2014. 6 É importante ressaltar o papel destinado às empresas brasileiras nesse processo, sobretudo na IIRSA. 270 ••• Márcio Augusto Scherma

Conforme pode ser observado, a participação da América do Sul como destino das exportações brasileiras sofreu incremento significativo, passando a representar em 2010 (último ano de mandato de Lula) 18,4% do total, frente a 12,4% em 2002 (último ano de governo FHC). Em valores absolutos, o incremento foi de 496%. Logo após a Ásia, a América do Sul foi a região em que as exportações brasileiras mais aumentaram, tanto em termos absolutos quanto no percentual total. As exportações para a União Europeia (UE) apresentaram crescimento expressivo, embora diminuisse sua parcela de participação total, ao passo que as exportações para os EUA mostraram crescimento modesto e significativa perda de participação no total. Há diferenças quando analisamos as importações: Tabela 2. Importações brasileiras por países e/ou blocos econômicos

selecionados (2002 e 2010). U$ FOB

Fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados do Aliceweb/MDIC.

Enquanto a Ásia praticamente dobrou sua participação no total geral de importações brasileiras, União Europeia, Estados Unidos e mesmo a América do Sul perderam espaço, apesar de incrementos substantivos em valores absolutos. Para a América do Sul, esse cenário certamente confirmou a ênfase propagada pelos policymakers, e apontada pelos estudiosos, uma vez que aumentaram substantivamente tanto as exportações quanto as importações. Contudo, é interessante notar que o saldo comercial, que era ligeiramente desfavorável ao Brasil em 2002, passou a ser bastante favorável em 2010. Quando analisamos as exportações por países, o cenário é o seguinte:

AS RELAÇÕES COMERCIAIS RECENTES DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL COM O PARAGUAI ••• 271

Tabela 3. Exportações brasileiras para os países da América do Sul

(2002 e 2010). U$ FOB

Fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados do Aliceweb/MDIC.

Já no tocante às importações, o cenário pode ser analisado na tabela 4. Tabela 4. Importações brasileiras para os países da América do Sul

(2002 e 2010). U$ FOB

Fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados do Aliceweb/MDIC.

Assim, de um saldo de cerca de U$ 137 milhões, a região passou a ter um déficit de cerca de U$ 11 bilhões. Entretanto, apenas Argentina e Bolívia apresentaram mudanças de “status”: enquanto o primeiro passou de superavitário a deficitário, o segundo fez o movimento inverso.

272 ••• Márcio Augusto Scherma

Em suma, a política externa de Lula mostrou alterações significativas em relação à gestão anterior. A ênfase na projeção internacional do Brasil de modo mais assertivo passou pela busca da construção de liderança regional na América do Sul. Incentivando a integração física (com apoio das empresas brasileiras, claro) e buscando ampliar as relações comerciais, o Brasil conferiu certamente uma ênfase inédita na região. Entretanto, apesar de discursos de “liderança benéfica” e de episódios em que sofreu perdas relativas, o Brasil, no campo comercial, acabou por ampliar seus interesses. Gerou, então, déficits comerciais dos demais países sul-americanos para consigo. Além disso, em muitos casos a atuação de empresas brasileiras gerou críticas na região, de forma que o processo não foi harmônico. A próxima seção busca apresentar o caso específico do Paraguai e sua importância enquanto parceiro comercial para o Brasil. Mais adiante, a análise centrar-se-á na relação do Paraguai com o estado de Mato Grosso do Sul.

3.

O Paraguai e as oportunidades econômicas

O Paraguai localiza-se no centro da América do Sul, tendo divisas com Brasil, Argentina e Bolívia e possui população de cerca de 6,7 milhões de habitantes7. A capital, Assunção, concentra mais de 10% do total da população. Contudo, outras cidades importantes são Ciudaddel Este, Encarnación, Pedro Juan Caballero, Salto del Guairá, Concepción e Coronel Oviedo. O fato de estarem localizadas em regiões de fronteira com cidades de Brasil e Argentina confere a elas um movimento significativo de intercâmbio não apenas econômico, mas também social e cultural.

7 Dados da Dirección General de Estadística, Encuestas y Censos – projeção para o ano de 2012. Disponível em < http://www.dgeec.gov.py/sub_index/Pobreza/index. php>. Último acesso em 16/05/2014. AS RELAÇÕES COMERCIAIS RECENTES DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL COM O PARAGUAI ••• 273

O crescimento da economia paraguaia foi constante entre 2003 e 2008. Teve uma queda significativa em 2009 – em boa medida devido à crise mundial – e retomou vigorosamente o crescimento em 2010. Na comparação com as taxas de crescimento da economia brasileira, em cinco dos dez anos compreendidos entre 2003 e 2012, o Paraguai cresceu a taxas mais elevadas. Gráfico 1. Crescimento do PIB – Brasil e Paraguai (2003 a 2012). Em %.

Fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados do Banco Mundial.

O país aumentou significativamente suas importações ao longo do tempo, sobretudo a partir de 2002, quando houve um movimento que terminou por multiplicar por dez o valor importado (de U$ 1,6 bi em 2002 para U$ 11,5 bi em 2012), conforme pode ser visto no gráfico 2 a seguir.

274 ••• Márcio Augusto Scherma

Gráfico 2. Volume importado pelo Paraguai (1980 a 2012), em U$ milhões.

Fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados da OMC, International Trade.

Na pauta de importações paraguaia estão, sobretudo, os produtos industrializados, já que o país tem poucas indústrias nacionais. Esse foi o cenário,principalmente, no que diz respeito às importações feitas junto ao Brasil. Segundo dados do Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) do Brasil, os produtos manufaturados corresponderam a mais de 90% das exportações brasileiras ao Paraguai em 2013, conforme se observa no gráfico 3. Pode-se constatar, portanto, que o Paraguai é uma economia em expansão. Além disso, as condições históricas de seu desenvolvimento implicaram ao país a necessidade de importação de produtos manufaturados (tanto bens de consumo duráveis quanto nãoduráveis). O Brasil, pela localização geográfica privilegiada e pelo maior desenvolvimento industrial relativo, é um parceiro quase natural da economia paraguaia.

AS RELAÇÕES COMERCIAIS RECENTES DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL COM O PARAGUAI ••• 275

Gráfico 3. Importações do Paraguai junto ao Brasil (2013), em %.

Fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados do MDIC.

Empossado em 2013, o atual presidente Horacio Cartes é conhecido pela sua trajetória empresarial. É presidente do Grupo Cartes – um conglomerado de empresas de bebidas, cigarros e charutos, roupas e carnes, e além de administrar centros médicos, Cartes é um dos homens mais ricos do Paraguai.8 Sua visão empresarial parece ter influenciado na indicação dos gestores públicos de sua administração: em grande parte personalidades atuantes no setor privado e de perfil técnico. Esse novo corpo gestor dá sinais de que pretende melhorar o ambiente infra-estrutural paraguaio – por meio de parcerias com o setor privado – como forma de impulsionar a economia e atrair mais investimentos.9 Feita essa breve explanação, buscar-se-á agora caracterizar as principais dinâmicas da economia sul-mato-grossense e relacioná-las 8 BBC. Conheça Horácio Cartes, milionário eleito novo presidente do Paraguai. Disponível em < http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/04/130421_horacio_cartes_paraguai_perfil_jp.shtml>. Último acesso em 16/05/2014. 9 PORTAL DA INDÚSTRIA. Paraguai espera atrair investimentos de US$ 7,5 bilhões para infraestrutura. Disponível em: . Último acesso em 16/05/2014. 276 ••• Márcio Augusto Scherma

com a inserção do estado no comércio internacional. A seguir, analisarse-á as relações comerciais entre o Mato Grosso do Sul e o Paraguai.

4.

O Mato Grosso do Sul

O estado do Mato Grosso do Sul (MS) é fruto do desmembramento do antigo estado de Mato Grosso, em 1979. É o sexto maior estado brasileiro em área (cerca de 357.000 km2), mas apenas o 21º em população, com cerca de 2,5 milhões de habitantes10. Faz divisa com cinco estados brasileiros (Goiás, Paraná, Mato Grosso, Minas Gerais e São Paulo) e dois países (Bolívia e Paraguai). Tal qual a economia brasileira como um todo, a economia do Mato Grosso (e, depois, do Mato Grosso do Sul) organizou sua economia exportadora a partir das influências recebidas do centro econômico mundial. Nesse sentido, Lamoso (2011b, p. 134) assinalou que: “O papel de Mato Grosso do Sul como uma “extensão” da economia paulista, conforme foi apontado em trabalho de Goldenstein e Seabra (1989) vem se confirmando no Mato Grosso do Sul desde seu processo de ocupação e povoamento, com a produção de arroz, café e gado, para o abate nos frigoríficos do interior paulista. A partir dos anos sessenta houve a expansão do cultivo da soja, enquanto a carne bovina continuou destinada ao mercado interno. O crescimento da produção de grãos (soja e milho), o tamanho médio das propriedades, os custos de produção e sua escala possibilitaram a expansão da agroindústria de aves e suínos, que se localiza preferencialmente na porção meridional do estado. Entre os dez produtos mais exportados também constam os minerais metálicos (minério de ferro granulado e manganês) extraídos da Morraria do Urucum, na planície do Pantanal”.

Marcada, portanto, por produtos básicos, a pauta de exportações de Mato Grosso do Sul é bastante similar à nacional. Senão, vejamos: dos 10 Informações disponibilizadas pelo IBGE. AS RELAÇÕES COMERCIAIS RECENTES DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL COM O PARAGUAI ••• 277

doze itens mais exportados pelo Brasil, sete também estão na lista daqueles exportados pelo Mato Grosso do Sul11. Lamoso (2011b, p. 41) assinalou a esse respeito que “A base exportadora do Mato Grosso do Sul revela o papel que foi destinado ao agronegócio para conter o déficit que se abriu na balança comercial com as políticas neoliberais dos anos 90”. Ora, se a pauta de exportações do MS é composta essencialmente por produtos básicos e a pauta de importações paraguaias composta essencialmente de manufaturados, é de se esperar que as relações comerciais entre ambos não sejam tão acentuadas. De fato, pode-se observar que em 2013, o Paraguai foi apenas o 32º maior receptor das exportações sul-mato-grossenses, conforme mostra a tabela 5. Tabela 5. Principais países de destino das exportações do MS (2013).

Fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados do Aliceweb/MDIC.

Ao analisarmos essa mesma posição ao longo dos últimos anos, é possível constatar que ela é fruto de um movimento descendente; ou seja, o Paraguai tem ocupado um espaço proporcionalmente cada vez 11 São eles: soja, pasta química de madeira, carne bovina, açúcar de cana, milho em grão, minério de ferro e miúdos de aves. 278 ••• Márcio Augusto Scherma

menor como destino das exportações do Mato Grosso do Sul, corroborando a hipótese levantada anteriormente sobre a não complementaridade das pautas. Portanto, observa-se que, quanto mais avança o modelo baseado na exportação de commodities, é proporcionalmente menor o papel do Paraguai como comprador de produtos sul-mato-grossenses, conforme pode ser observado no gráfico 4. Gráfico 4. Posição do Paraguai entre os principais destinos das exportações do

MS (2000-2013).

Fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados do Aliceweb/MDIC.

Quando comparado o papel do Paraguai como destino das exportações brasileiras como um todo com o papel do mesmo nas exportações do MS, pode-se imaginar, inicialmente, que este último seria mais acentuado, dada a proximidade geográfica. Apesar disso se confirmar até o ano de 2009, daquele momento em diante constatou-se justamente o oposto, conforme a tabela 6.

AS RELAÇÕES COMERCIAIS RECENTES DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL COM O PARAGUAI ••• 279

Tabela 6. Comparação da posição do Paraguai entre os principais destinos das

exportações do MS e Brasil (2000-2013).

Elaborado pelo autor a partir de dados do Aliceweb/MDIC.

Ao analisarmos a evolução da composição da pauta de exportações do MS ao Paraguai, notamos que nos dois momentos observados (2003 e 2013), dos dez principais produtos exportados, a maior parte pode ser classificada como produtos básicos, conforme aponta a tabela 7. Tabela 7. Principais produtos exportados:MS/Paraguai (2003 e 2013).

Elaborado pelo autor a partir de dados do Alicewe b/MDIC.

Fazendo a mesma análise para o total de exportações brasileiras, o cenário é bastante distinto. Ainda que haja uma variação considerável nos principais produtos exportados, eles continuam sendo majoritariamente classificados como bens semi- manufaturados ou manufaturados, como consta na tabela 8.

280 ••• Márcio Augusto Scherma

Tabela 8. Principais produtos exportados: Brasil/Paraguai (2003 e 2013).

Elaborado pelo autor a partir de dados do Alice web/MDIC .

Constata-se, portanto, que apesar da proximidade geográfica entre o Mato Grosso do Sul e o Paraguai e dos incentivos à exportação e priorização da América do Sul pela política externa brasileira, o Paraguai não é um destino tão relevante para as exportações do estado. A própria economia sul-mato-grossense, baseada essencialmente na agropecuária é um entrave – uma vez que o Paraguai tem produzido parcela importante desses gêneros em seu próprio território.

5.

Considerações finais

Como o texto mostrou, a política externa de Lula da Silva foi marcada por um incremento nas relações com a América Latina, em grande medida como parte de um projeto de alcance internacional do Brasil. Do ponto de vista econômico, o crescimento tanto das exportações, quanto das importações foi notável, aumentando a importância da região para o comércio internacional brasileiro. Importante destacar, ainda, que nesse processo houve uma tendência de crescimento do déficit da maioria das economias vizinhas junto ao Brasil, o que demonstra o poder econômico brasileiro frente aos parceiros regionais. Constantemente acusado de imperialista, essa situação pode vir a trazer problemas para a imagem e liderança que o país almeja construir. O Paraguai, um de seus vizinhos, tem uma importância regional bastante destacada. Com fronteira bastante viva com os estados brasileiros do Paraná e Mato Grosso do Sul e uma economia que vem

AS RELAÇÕES COMERCIAIS RECENTES DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL COM O PARAGUAI ••• 281

crescendo a uma média próxima de 4% ao ano. Além disso, o novo Presidente – Horacio Cartes – é um empresário que tem declarado a intenção de fomentar o setor privado paraguaio, bem como continuar atraindo investimentos externos. Esse cenário parece indicar boas possibilidades de incremento do comércio paraguaio com o Mato Grosso do Sul. De fato, quando observamos em termos de volume, as exportações do MS para o Paraguai tiveram um crescimento de quase 293%. Entretanto, essa taxa é significativamente menor do que o crescimento das exportações brasileiras para o vizinho (em torno de 423%). Esses dados parecem indicar um contrassenso: ora, como as exportações de um estado vizinho (com todas as facilidades logísticas, portanto) podem ter crescido em proporção menor àquelas feitas pelo país em geral? Parte da explicação para esse aparente contrassenso está na composição da pauta importadora paraguaia e exportadora sul-mato-grossense: enquanto a primeira está focada nos produtos manufaturados, a segunda concentra-se nos produtos básicos. Desse modo, apesar da proximidade geográfica, a complementaridade das economias não parece ser tão significativa. Ressalta-se, ainda, que alguns dos principais produtos primários produzidos no MS também o são em larga escala no país vizinho (caso da soja, por exemplo). Por outro lado, outra parte da explicação pode residir na instalação de filiais de empresas do estado no Paraguai, atraídos pelos custos de produção relativamente mais baixos, energia abundante, proximidade idiomática, isenção de impostos, bem como pelas facilidades logísticas12. É possível, portanto, que parcela importante do que seriam as ex-

12 Importante citar ainda a chamada Lei de Maquila, de 2000. Referida lei é voltada especialmente para empresas estrangeiras cujo objetivo é, especificamente, a exportação. Por meio de inúmeros incentivos fiscais, as empresas instalam-se no Paraguai e podem importar as matérias-primas, maquinários e insumos necessários para fabricação de produtos que são, então, reexportados. Apesar da lei datar de 2000, foi com a ascensão de Horacio Cartes que o movimento de atração de investimentos estrangeiros vem ganhando força – sobretudo junto ao Brasil. 282 ••• Márcio Augusto Scherma

portações do Mato Grosso do Sul para o Paraguai tenham se convertido em investimento estrangeiro direto naquele país. Dessa maneira, longe de esgotar o assunto, o presente trabalho buscou apontar alguns elementos indicativos das relações econômicas entre o Mato Grosso do Sul e o Paraguai. Para compreender melhor as relações econômicas entre ambos, é necessário investigar outros aspectos, como os investimentos diretos, indicado anteriormente. Assim, as informações ora apresentadas são apenas um primeiro passo na direção do estudo dessas crescentes relações, buscando encontrar novas possibilidades e soluções para os possíveis gargalos que porventura impeçam o avanço ainda maior dessa integração econômica.

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AS RELAÇÕES COMERCIAIS RECENTES DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL COM O PARAGUAI ••• 283

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284 ••• Márcio Augusto Scherma

O AMBIENTE INSTITUCIONAL DA ECONOMIA PARAGUAIA Dores Cristina Grechi Eliana Lamberti

1.

Introdução

A sociedade paraguaia se distingue dos demais países latino-americanos desde seus primórdios não somente por se constituir em uma das populações mais homogêneas do território sul-americano1. No decorrer dos séculos, as opções políticas fizeram com que o transcurso da sua história fosse ainda mais singular, seja em função da presença quase constante de regimes ditatoriais, ou pelo envolvimento direto em conflitos bélicos. Em se tratando da geografia econômica do país, a mesma está caracterizada por atividades financeiras que se desenvolvem quase exclusivamente na região oriental, onde se localizam as maiores cidades, as poucas indústrias e as atividades comerciais. Essa concentração também tem importantes implicações. Embora a geografia física tenha, por meio do rio Paraguai, divido o país em duas regiões distintas2, as possibilidades de sobrevivência sublinharam ainda mais essa divisão. Na parte oriental do país, onde se localiza a capital Assunção,3 está, também, 97,5% da população. Os demais 2,5% estão distribuídos na porção 1 91% da população é composta pela miscigenação de espanhóis e índios guaranis. 2 A porção oriental corresponde a 159.827 km2 de planícies, bosques e ampla rede fluvial. A porção ocidental, conhecida como Chaco, abarca 246.925 km2 (ou 2/3 de todo o território) e é caracterizada por uma grande planície, escassez de água e, consequentemente, vegetação e clima semidesértico. 3 O predomínio da capital do país é tão importante que se fala em cultura institucionalmente centralista. A divisão interna está constituída em 17 departamentos, além de distritos e, aproximadamente, 200 cidades que constitucionalmente gozam de

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ocidental, onde se destaca a presença de grupos menonitas4, indígenas, pecuaristas e camponeses. Ainda do ponto de vista da geografia física, o país limita-se com a Argentina (sul, leste e oeste), com o Brasil (norte e leste) e Bolívia (norte e oeste). A base econômica do país, atualmente, é definida pelo setor agropecuário e pelo comércio, e foi se consolidando no decorrer da história econômica do mesmo modo que a ausência de um processo industrializante e a viabilidade da opção de exportação não estimularam o desenvolvimento de centros urbanos. A falta de alternativas decorrente da inexistência de uma política econômica voltada à criação de outras atividades industriais com uso intensivo de mão de obra (fator abundante no país) está na base do elevado número de pessoas ocupadas na triangulação comercial, em serviços bancários e financeiros, além do subemprego urbano5. Os anos de 1990 inauguram um período carregado de desafios e necessidades de mudança. Para Soares (2007), a transição democrática paraguaia em andamento precisa implantar, de fato, uma democracia num país sem experiência democrática. Para isso, é preciso modernizar e desvincular o aparelho estatal do Partido Colorado (historicamente governante). Dessa forma, o século XXI surge sem que as reformas tenham se traduzido em mudanças práticas6 e o setor público permanece paralisado com dificuldades para traçar um projeto de desenvolvimento alternativo. A autora destaca também que o Paraguai é um país desconhecido e o contexto interno atual é resultado da ausência de transformações necessárias, em função dos desafios impostos seja pela queda autonomia política, administrativa e normativa, autonomia de arrecadação e investimento dos recursos. 4 Grupo protestante que teve origem na Suíça em 1525, e se caracteriza pelo tradicionalismo religioso e valores morais rígidos. 5 Os dados para o ano de 2002 indicaram que 56,7% dos 5.163.198 habitantes estavam na área urbana. 6 Até porque, como ressalta a autora, preponderam, ainda, as relações pessoais em todos os âmbitos da vida paraguaia que reforçam a cultura da informalidade no interior do próprio Estado. 286 ••• Dores Cristina Grechi • Eliana Lamberti

do regime militar, seja pelas mudanças do contexto internacional. A falta de investimento, acompanhada pelo crescimento demográfico significativo e a falta de uma estratégia de desenvolvimento econômico, são circunstâncias agravadas pela histórica pratica de corrupção tanto nos setores públicos como privados. Nas palavras da pesquisadora: “O Paraguai possui características socioculturais, econômicas e políticas muito particulares que o diferenciam dos demais países da região. Enquanto estes implantaram, com maior ou menor êxito, o modelo substitutivo de importações, que modernizou suas economias, criaram novas instituições e difundiram valores modernos, reformaram a estrutura política e burocrática do Estado, o Paraguai permaneceu, até a atualidade, um país agrário com um “Estado predador”. Uma circunstância agravante é a mediterraneidade do país, sua tendência ao isolamento, seu viés autárquico e seu temor às influencias externas” (SOARES, 2007, p. 65).

Essas considerações preliminares do contexto paraguaio servem para ilustrar e introduzir o ambiente econômico e institucional complexo, no qual as próximas linhas estão inseridas. Para isso, propõe-se enquanto objetivo geral a construção de uma interpretação da trajetória recente do Paraguai pela ótica das instituições e do desempenho econômico. Para que esse seja contemplado, entende-se ser necessário: apreender o contexto econômico do Paraguai nos anos de 19907; analisar as implicações de alguns aspectos do lado monetário e do lado real da economia e investigar a conformação do ambiente econômico e institucional.

7 A década de 1990 é o limite temporal da análise por razões de ordem prática (como disponibilidade dos dados secundários) e pela expectativa de se identificar mudanças significativas nos rumos políticos, sociais e econômicos (haja vista a queda do regime militar) capazes de alterar o contexto institucional sobre a qual o século XXI deveria se estabelecer. O AMBIENTE INSTITUCIONAL DA ECONOMIA PARAGUAIA ••• 287

As dificuldades de pesquisa sobre a realidade paraguaia (carência, fragilidade e dispersão das fontes primárias e secundárias) foram superadas pela identificação de um considerável acervo bibliográfico junto à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em especial no Centro Brasileiro de Documentação e Estudos da Bacia do Prata (CEDEP), na Biblioteca Setorial de Ciências Sociais e Humanidades (BSCSH) e junto à Biblioteca da Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser (FEE). Do ponto de vista teórico, os conceitos centrais foram emprestados da chamada economia institucional, cuja chave interpretativa incorpora elementos atinentes à sociedade, cultura e política, muito embora a abordagem econômica seja preponderante, haja vista que é a mais fácil de situar e de maior amplitude: “ E ela não só dá o ritmo do tempo material do mundo: todas as outras realidades sociais, cúmplices ou hostis, intervêm incessantemente no seu funcionamento e são, por sua vez, influenciadas: é o mínimo que se pode dizer.” (BRAUDEL, 1998, p. 12). De modo a atender ao objetivo proposto, as próximas páginas estão divididas em dois blocos distintos, porém complementares. Primeiramente, faz-se a exposição dos elementos teóricos e conceituais da escola institucionalista e em seguida a apresentação e análise do ambiente institucional e econômico da realidade paraguaia. São conhecidas as limitações de um trabalho que propõe investigar aspectos tão amplos e complexos com base em fontes secundárias e ainda em apenas algumas páginas, porém, a intenção de preencher as lacunas do desconhecimento (ou negligência) sobre o Paraguai é ainda maior.

2.

Alternativas interpretativas: a proposta institucionalista de Douglass North

A economia institucional é definida como uma alternativa teórica (não marxista) ao neoclassicismo que reúne diferentes abordagens em torno de algumas perspectivas em comum, muito embora algumas con288 ••• Dores Cristina Grechi • Eliana Lamberti

ceitualizações fundamentais não sejam consensuais. As palavras-chave que sintetizam o roteiro de discussão em torno da moderna abordagem institucionalista são instituições, dinamismo, mudança (tecnológica) e evolução8. Segundo Conceição (2002), para os institucionalistas a economia é um processo e está sujeita a mudança cumulativa, portanto, é resultado do passado e se move para um futuro mutável. Tal entendimento ressalta a necessidade de se compreender o conjunto histórico e institucional como um desenvolvimento cumulativo. O processo de mudança, por sua vez, é complexo e suas nuanças do crescimento econômico geram diferentes padrões de desenvolvimento. Nessa perspectiva, a alocação dos recursos escassos é dada pela estrutura organizacional de cada sociedade que é representada por suas instituições e influenciada pela cultura. Por isso, outras problemáticas emergem em torno da distribuição do poder na sociedade e da apreensão dos mercados enquanto instituições complexas que operam e interagem com outras instituições não menos complexas. Posto isso, o corpo de conhecimento que embala o paradigma institucionalista pode ser sintetizado nas seguintes proposições: a) o estudo econômico é necessariamente multidisciplinar; b) as estruturas de poder e as relações sociais não podem ser tidas como dadas; c) os aspectos culturais influenciam a vida econômica e institucional, logo a formação da estrutura social deriva também da cultura; d) é relevante o modo pelo qual os valores se incorporam e se projetam nas instituições, nas estruturas e nos comportamentos sociais; e) os recursos são alocados em função das instituições e estruturas de poder de cada sociedade; f) tecnologia e industrialização influenciam a organização social, po8 Historicamente, a corrente Institucional foi a escola de pensamento econômico dominante nos Estados Unidos no período entre as duas guerras mundiais, e seu caráter inovador correspondeu ao mérito de comprovar a importância das instituições, das rotinas e dos hábitos para a apreensão do sistema capitalista. Contudo, a valorizaçã,o dos trabalhos descritivos sobre a natureza e função das instituições político-econômicas não foi suficiente para se obter uma compreensão precisa da realidade econômica pela mera observação ou recolhimento de dados. O AMBIENTE INSTITUCIONAL DA ECONOMIA PARAGUAIA ••• 289

lítica e econômica, transformando o sistema econômico; g) o controle social e a ação coletiva são importantes; h) a interação humana produz as instituições sociais, fazendo com que a ênfase recaia sobre a ideia de evolução social e econômica.

2.1 Instituições, crescimento e desenvolvimento econômico A abordagem multidisciplinar vincula-se ao termo socioeconômico, que é utilizado para pôr em evidência o fato de a economia ser inseparável de uma série de instituições sociais e políticas na sociedade em geral. Para Hodgson (1994, p.17), essa abordagem holística: “é um imperativo flexível segundo o qual as teorias econômicas e sociais deviam ser ampliadas de modo a abrangerem todas as variáveis e elementos relevantes”. Para Conceição (2002), o ponto de partida para entender a escola institucionalista é a problemática em torno do conceito de crescimento econômico que é resultado de um processo de mudança tecnológica e institucional, logo pressupõe uma perspectiva histórica, processual e cumulativa, muito embora esse conceito, dentro da visão institucionalista, não seja consensual (assim como a definição de instituições). De todo modo, o crescimento econômico deve ser entendido como um processo com profundas raízes históricas e seu caráter qualitativo deve preponderar sobre o quantitativo. Nesse entendimento, destaca-se a tradição teórica heterodoxa para a qual o crescimento econômico é um processo de natureza histórica sem qualquer compromisso com a estabilidade de longo prazo. A mediação é feita pelas instituições que o configuram e são decisivas para a formatação das trajetórias históricas de crescimento. Essa perspectiva explica porque o crescimento econômico só pode ser entendido quando se consideram as mudanças a ele subjacentes. “Isso implica reconhecer que crescimento não é redutível apenas a aumentos no produto per capita, mas decorre da manifestação de um processo dinâmico, com fases sucessivas de início, meio e 290 ••• Dores Cristina Grechi • Eliana Lamberti

fim, intermediadas por mudanças, transformações ou mutações no nível da atividade produtiva. Tais mudanças são de natureza tecnológica ou econômica, que repercutem não só nas esferas micro e macroeconômica, mas também nas esferas social, política e institucional” (CONCEIÇÃO, 2002, p. 604).

Considerando as instituições como engrenagens ou articulações do processo de crescimento econômico (de um determinado tempo e espaço) é consensual que as instituições e o meio ambiente institucional exercem efeito decisivo sobre o processo econômico, induzem (ou não) as inovações tecnológicas, a mudança na organização das firmas, a gestão no processo de trabalho e a coordenação de políticas macroeconômicas. Como a escola institucional reúne um grupo heterogêneo de pesquisadores, Conceição (2002) apresenta diferentes conceitos de instituições de acordo com essa divergência teórica. “Para os discípulos da tradição de Veblen9, o termo instituição está relacionado aos hábitos, às regras e a sua evolução considerando o vínculo das especificidades históricas com a abordagem evolucionária10: “Nesse sentido, instituição é definida como resultado de uma situação presente, que molda o futuro através de processo seletivo e coercitivo, orientado pela forma como os homens veem as coisas, o que altera ou fortalece seus pontos de vista” (CONCEIÇÃO, 2002, p. 609).

A corrente denominada Neo-institucionalista, cujos nomes de destaque são John Kenneth Galbraith, Geoffrey Hodgson e Richard Nelson, apreende o termo instituição como conceito central para explicar a diferença entre as nações, ou seja, as nações possuem trajetórias de desenvolvimento distintas porque possuem instituições distintas. 9 ThorsteinVeblen, fundador do antigo institucionalismo no início do século XX. 10 Os institucionalistas são considerados também evolucionários, porque negam a noção de equilíbrio e porque pressupõem o processo de mudança e transformação. O AMBIENTE INSTITUCIONAL DA ECONOMIA PARAGUAIA ••• 291

Para Hodgson (1994), as instituições podem ser conceituadas de forma global como sendo a organização social que por efeito da tradição, dos costumes e constrangimentos legais cria padrões de comportamento duradouros e rotinizados. O que não deve supor uma perspectiva rígida ou determinista, porque a atividade humana não é assim. Há influências externas que condicionam as ações, mas não as determinam inteiramente, há padrões de comportamento que podem estar relacionados com o meio cultural ou institucional, onde algumas ações são previsíveis, mas outras não. Logo, é essa dimensão de imprevisibilidade que torna incerto o futuro econômico no sentido radical. Como exposto, a conceitualização do termo instituições tem incorporado diferentes estudiosos do tema, mas isso não significa que haja comunhão dos conceitos. Para alguns, o termo corresponde a organizações concretas (como universidades, departamentos de Pesquisa & Desenvolvimento, agências governamentais); para outros, são instrumentos que objetivam estabilidade, coordenação e regulação das atividades econômicas. Podem ser informais, as quais influenciam o comportamento, a cultura, os hábitos e as rotinas (seja das empresas, seja do comportamento individual) ou ainda, enquanto as regras do jogo. A diversidade em torno do conceito pode ser vista de forma negativa, porque negligencia os aspectos normativos e cognitivos, ou de forma positiva, porque a diversidade se caracteriza como uma fonte de riqueza dando um caráter abrangente e multidisciplinar. Entretanto, não se observa a tendência a um conceito único, haja vista que o institucionalismo abarca diferentes metodologias e níveis de análise (FELIPE, 2008). Portanto, o crescimento econômico pressupõe a existência de instituições que mudam, ou seja, surgem e desaparecem em função das mudanças. É o contexto institucional que faz a mediação entre crescimento, desenvolvimento11 e mudança. Os padrões específicos de desen11 Por desenvolvimento, adota-se a abordagem proposta por Sen (2010), para quem o conceito pode (e deve) ser visto como algo decorrente da expansão das liberdades reais que dependem de vários fatores, entre eles, o ambiente social e econômico 292 ••• Dores Cristina Grechi • Eliana Lamberti

volvimento são definidos como resultado das inovações tecnológicas, do comportamento das firmas e das especificidades das instituições. A relação entre desenvolvimento econômico e inovação tecnológica é abordada por Conceição em outro trabalho (2000). A inovação exerce um efeito maior sobre o processo de desenvolvimento econômico do que a invenção e a difusão. Isso porque é capaz de desencadear transformações que ultrapassam os limites tecnológicos: difunde-se em novos processos e produtos que afetam os hábitos e costumes sociais institucionalizados em toda a sociedade. Embora seja uma etapa intermediária entre invenção (geração de novas ideias) e difusão (disseminação dessa nova tecnologia), seu efeito sobre a conformação de novos paradigmas tecnoeconômicos (que sustentam os ciclos longos de acumulação de capital) é crucial. O conceito de inovação relaciona-se à noção de tecnologia e pode ser sintetizado como conhecimento técnico associado à produção de bens e serviços, e sua abrangência foi expandida quando as instituições sociais passaram a estar relacionadas às inovações e à política tecnológica. Então, são inerentes às inovações: a procura, a experimentação, a imitação e a adoção de novos produtos e processos de produção, que também requerem novas formas de organização. O dinamismo, a interatividade e a cumulatividade são inerentes ao processo de inovação e dependem do ambiente organizacional e institucional (que é mutante) e geram a consolidação de um paradigma tecnológico. Para o autor, a inovação é o motor das transformações sociais com base em mudanças tecnológicas, institucionais e organizacionais12.

(oferta de serviços básicos de educação e saúde) e os direitos civis. A liberdade é um produto do desenvolvimento, portanto, desenvolvimento é sinônimo de remoção das principais fontes de privação de liberdade (pobreza, carência de oportunidades econômicas, negligência dos serviços públicos etc.). Esse conceito de desenvolvimento converge com o pensamento das correntes teóricas escolhidas para interpretar a especificidade paraguaia. 12 O ambiente organizacional se refere não somente à produção e às características do trabalho, mas também aos hábitos das pessoas. O AMBIENTE INSTITUCIONAL DA ECONOMIA PARAGUAIA ••• 293

As diferentes formas de desenvolvimento econômico nos países é resultado das condições sociais e institucionais que configuram o paradigma tecnoeconômico: o ambiente institucional, a política macroeconômica, as políticas governamentais de ciência e tecnologia. Logo, as inovações tecnológicas desencadeiam as mudanças estruturais no desenvolvimento econômico.

2.2 As instituições de Douglass North Douglass North, em diferentes publicações, oferece importantes elementos no âmbito das instituições e suas implicações para o desenvolvimento econômico13. O primeiro aspecto que precisa ser destacado para entender a linha de raciocínio do autor é sua abordagem histórica: a história no aspecto econômico e a história da evolução institucional. A justificativa para essa abordagem está na percepção de que o presente e o futuro estão, de tal modo, conectados com o passado, que as instituições são a continuidade desse processo histórico pretérito. De modo pontual, a definição da história é a construção de um relato coerente de aspectos da condição humana através do tempo. Embora não seja possível recriar o passado, o que se faz é construir relatos sobre ele, e tal construção não pode ser imaginária e sim baseada em evidências e teorias disponíveis, de modo que se constitua em um relato coerente e lógico. A história econômica, por sua vez, se preocupa com a explicação dos diferentes aspectos de crescimento, paralisia e mesmo decomposição da sociedade ao longo do tempo e por meio do entendimento das formas e consequências da interação humana, assim como seus resultados nem sempre convergentes. Por isso, é fundamental incorporar a temática instituições na história, não somente para contar uma história melhor, mas principalmente porque a história presente resulta da natureza das limitações institucionais oriundas do passado que, por 13 Uma característica de seus escritos é a preocupação com as fragilidades da teoria neoclássica, assim como sinalizar orientações de modo a superá-las. 294 ••• Dores Cristina Grechi • Eliana Lamberti

sua vez, impuseram limites às possibilidades de escolhas da sociedade, o que permite compreender o contexto em que essas escolhas foram realizadas. As limitações (ou regras), portanto, são tanto de natureza formal como informal, e são elas que dão forma à interação humana assim como se constituem em incentivos (ou desincentivos) para essa interação nos âmbitos econômico, político e social, uma vez que a função das regras é facilitar as relações políticas e econômicas. No aspecto formal, as regras se referem àquelas de natureza política, jurídica, econômica, assim como os contratos. O conjunto de regras formais está organizado de modo hierárquico e define limitações que podem variar de regras gerais a regras específicas. Do ponto de vista político, as normas definem a estrutura hierárquica do governo (estrutura de decisão, características) e do ponto de vista econômico, as regras definem o direito à propriedade, o conjunto de direitos sobre o uso e investimento decorrente da mesma e da capacidade de transferir um valor ou recurso. De um modo geral, as regras são constituídas para favorecer interesses privados e não o bem-estar social, dado que o grau da diversidade dos interesses econômicos e políticos influenciará a estrutura de regras. A simbiose entre economia e política é tal que as regras políticas influenciam as regras econômicas e o contrário é verdadeiro também, de modo que os direitos de propriedade, ou seja, os contratos individuais são especificados e cumpridos por meio da tomada de decisão política. A estrutura dos interesses econômicos também influenciará a estrutura política, dado que pode haver multiplicidade de grupos de interesses diante de diferentes custos de oportunidade e poder de negociação política. Por isso, North (1995) destaca que a evolução política de governos absolutos para governos democráticos é um caminho para a maior eficiência política no sentido de permitir a participação cada vez maior da população no processo de tomada de decisões políticas.

O AMBIENTE INSTITUCIONAL DA ECONOMIA PARAGUAIA ••• 295

Contudo, conhecer e elencar as regras formais não basta para entender o desempenho econômico e político de uma sociedade, porque apresentam desempenho limitado, haja vista que decorre também da interação das características informais o conjunto de escolhas e resultados de uma sociedade: “Por consiguiente, considerando únicamente las reglas formales, tendremos una noción inadecuada y a menudo equívoca de la relación entre limitaciones formales y desempeño” (North, 1995, p. 75). Embora seja mais fácil descrever as regras formais (dada sua natureza “palpável”), as interações diárias são regidas por meio de códigos de conduta, normas de comportamento e convenções intimamente relacionadas com aspectos que derivam da informação transmitida socialmente e são parte da herança cultural. A maneira pela qual o indivíduo processa as informações é a base da existência das instituições e o ponto de partida para o entendimento de como as limitações informais desempenham papel fundamental na formação das escolhas mais imediatas e àquelas relacionadas à evolução da sociedade. E é no curto prazo, que os aspectos culturais influenciam a maneira como os indivíduos processam e utilizam as informações e, portanto, constituem-se em limitações informais. O aspecto cultural14, assim como as ideias, ideologias e religião (ou seja, elementos subjetivos) são fundamentais, porque dão sentido à história e auxiliam a compreensão das limitações institucionais formais, além de ter papel importante na forma pela qual as instituições evoluem. Um conceito clássico na perspectiva de North para instituições é aquele que as define enquanto as regras do jogo de uma sociedade, ou ainda, enquanto as limitações idealizadas pelo homem que dão forma à interação humana e estruturam os incentivos para tal interação no

14 Que se caracteriza pela forte capacidade de sobrevivência e, em geral, as mudanças culturais são incrementais. 296 ••• Dores Cristina Grechi • Eliana Lamberti

âmbito econômico, político e social, portanto, afetam o desempenho da economia15 e podem ser criadas ou evoluir ao longo do tempo. Contudo, é preciso diferenciar instituições de organizações, embora ambas proporcionem a estrutura para as relações humanas. De modo mais específico, as organizações se referem ao contexto político (como os partidos), econômico (empresas, sindicatos, cooperativas), social (clubes, igrejas, associações desportivas) e órgãos educativos (como escolas e universidades) e constituem grupos que estão reunidos por meio de alguma identidade e objetivos comuns. Essas organizações surgem em consequência das oportunidades proporcionadas pelo conjunto de regras e, fundamentalmente, estão em plena interação com as instituições, tanto que a evolução das organizações é determinada pelo marco institucional, assim como são um dos agentes da mudança institucional: as instituições determinam as oportunidades e as organizações são criadas para aproveitá-las e conforme evoluem, alteram as instituições. As organizações podem ainda ser conceituadas enquanto entidades cujo propósito é maximizar a riqueza, o investimento e outros objetivos definidos pelas oportunidades, sendo que na busca por esses objetivos é que está a possibilidade de mudança na estrutura institucional. As instituições são criadas para servir aos interesses de quem tem o poder de negociação para conceber novas normas e têm por função reduzir a incerteza16 por meio do estabelecimento de uma estrutura estável para a interação humana, contudo, essa estabilidade não pode ser confundida como sinônimo de rigidez, ao contrário, a estabilidade das instituições é compatível com a mudança permanente. 15 As instituições afetam o desempenho da economia porque têm efeito direto sobre os custos de produção, que somados ao padrão tecnológico empregado, determinam os custos de transação e transformação. Algumas instituições reduzem e outras elevam tais custos. 16 A incerteza, por sua vez, é consequência da complexidade dos problemas da interação humana e decorre das informações incompletas acerca da conduta dos outros indivíduos no processo de interação humana. O AMBIENTE INSTITUCIONAL DA ECONOMIA PARAGUAIA ••• 297

A estabilidade é obtida por meio de um conjunto complexo de limitações que engloba as regras formais e informais, sendo que essas últimas mostram-se persistentes por meio das rotinas, dos costumes, das tradições e convenções. E tal estabilidade não significa eficiência institucional, uma vez que pode ser condição necessária para a interação humana, mas não é condição suficiente para a eficiência. Por mudança institucional pode-se entender o modo pelo qual as sociedades evoluem ao longo do tempo e pela qual se pode entender a mudança histórica. O processo de mudança, por sua vez, pode ser lento, uma vez que não é um processo simples e, em geral, ocorre de modo incremental como resultado das mudanças quanto às normas formais e limitações informais. Enquanto as regras formais podem mudar repentinamente, as regras informais, que estão baseadas em costumes, tradições e códigos de conduta, são mais resistentes e requerem tempo para adequarem-se. É a persistência dos traços culturais frente à mudança nas normas formais que faz com que as limitações informais mudem em patamares distintos das limitações formais17. As instituições que permitem as mudanças são capazes de captar mais da lucratividade do comércio e estimular as atividades produtivas, embora possam persistir as vias improdutivas por um conjunto de instituições que proporciona desincentivos às atividades produtivas por meio do domínio militar, da política e da economia, do fanatismo religioso ou de organizações redistributivas simples. Dessa forma, as mudanças econômica e tecnológica são imprescindíveis para a evolução social e econômica, e a mudança econômica de longo prazo é consequência cumulativa de muitas decisões de curto prazo dos empresários políticos e econômicos que, direta e indiretamente, dão forma ao desempenho.

17 Para o autor, o principal agente da mudança é o empresário individual que responde aos incentivos presentes no marco institucional. 298 ••• Dores Cristina Grechi • Eliana Lamberti

3.

O ambiente institucional e a economia: o Paraguai em questão

O país foi palco e ator de conflitos bélicos nos dois últimos séculos, cujas consequências econômicas e sociais são significativas. A Proclamação da Independência e da República datam quase do mesmo período (1811 e 1813, respectivamente) e conformaram movimentos “desde arriba”, tal qual a queda do regime ditatorial de Stroessner. Faz parte desse processo um Estado centralizador e a cultura política autoritária. Logo, a ausência de democracia e a cultura da submissão auxiliam na explicação da presença constante de regimes ditatoriais. A partir de então, se tem a definição de um Estado nacional baseado numa sociedade hierárquica e autoritária, cuja organização se daria por meio de alianças entre os atores hegemônicos (oligarquia e forças armadas). A “modernização” se baseou no cultivo da soja e algodão diante dos movimentos conjunturais. A atuação das companhias estrangeiras, a exploração de commodities e a especialização agrícola fizeram parte do projeto de integração regional, também acompanhada pelo estímulo à imigração. Esse movimento de expansão da fronteira agrícola foi chamado de marcha para o Leste e resultou, entre outras coisas, na concentração na porção oriental do país de todo dinamismo econômico, enaltecido também pela construção da Hidroelétrica de Itaipu. A limitação de fontes alternativas de acumulação colaborou para a especialização agropecuária e para o comércio. Algumas mudanças ocorreram nessa trajetória histórica, mas não de forma substancial e quando a modernização foi a palavra de ordem, ela se deu de forma conservadora e, porque não, concentradora. Enquanto isso, a classe trabalhadora foi vivenciando a precarização laboral, a classe média e os segmentos empresariais não foram estimulados num ambiente econômico onde as oportunidades de progresso não dependem da capacidade empreendedora ou da competitividade. Logo, as atitudes e o comportamento dos grupos e atores sociais respondem a esse ambiente. Ademais, os espaços públicos sempre foO AMBIENTE INSTITUCIONAL DA ECONOMIA PARAGUAIA ••• 299

ram percebidos ou valorizados como espaços estatais e utilizados em benefícios dos atores políticos e hegemônicos. O contexto econômico dos primeiros governos de transição (1989 a 1997) era de estancamento. O modelo agroexportador não foi substituído por outro alternativo e os esquemas planificadores tecnocráticos ou estatais perderam relevância. Ou seja, esse período não correspondeu à melhoria nos indicadores econômicos, haja vista o esgotamento do modelo produtivo primário extrativo e extensivo, baixo nível de investimentos privados, déficit do investimento público em capital humano e infraestrutura18, falta de regras claras e perduráveis para os investimentos privados e aprofundamento da desigual distribuição de renda19. Portanto, o Paraguai estava constituído, no final dos anos de 1990, por uma economia estancada e sem modificações substanciais em sua estrutura produtiva, um Estado que não passou por reformas de modo a estar preparado para as necessidades de crescimento e desenvolvimento econômico, e atores sociais ou agentes econômicos frágeis e com pouca incidência sobre políticas de transformação social e econômica.

3.1

O contexto econômico geral

Borda e Masi (1998) lembram que o Paraguai foi um dos últimos países do continente que iniciou um processo de transição política para a democracia. Porém, a singularidade do país não é somente no campo 18 O coeficiente de investimentos privados entre 1974-1988 foi de 21% e entre 19891996 foi de19%. Já os investimentos públicos registraram coeficiente de 6% entre 1982-1988 e de 5% para 1989-1996. O comportamento decrescente do investimento se traduziu em reduzida aquisição de máquinas e equipamentos, piorando a já escassa mudança tecnológica. 19 A retração dos preços internacionais do algodão e da soja começou a manifestar-se na década de 1980 e se converteu em tendência persistente nos anos de 1990. Essa condição, somada à forte restrição das unidades campesinas cuja renda monetária dependia da comercialização do algodão, enfrentou maiores dificuldades devido à perda da fertilidade do solo e crescentes obstáculos para ter acesso a novas terras com o fim da possibilidade de expansão da fronteira agrícola. As consequências econômicas e sociopolíticas desse processo se materializaram na queda da demanda interna, no aumento do êxodo rural e no aprofundamento dos conflitos de terra. 300 ••• Dores Cristina Grechi • Eliana Lamberti

político, mas especialmente no âmbito econômico, uma vez que não experimentou uma estratégia de industrialização por substituição de importações, não teve experiência hiperinflacionária e boa parte de sua dinâmica tem sido estimulada em função da política tributária dos países vizinhos. O Paraguai, nos termos dos indicadores macroeconômicos, pode ser apreendido por meio dos números que comprovam o comportamento bastante específico diante de seus vizinhos. Durante a década de 1980, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), além de positivo, era proporcionalmente maior. Entretanto, nos anos de 1990, enquanto os demais países já haviam efetivado parte de uma agenda de reformas, o PIB paraguaio não manteve o mesmo comportamento em relação aos demais. Em se tratando da taxa de desemprego, os percentuais apresentados no período de 1980 a 1996, seguiram ocupando a segunda menor entre os países do Mercosul. Em se tratando do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), entre os países do Mercosul e incluindo a Bolívia e o Chile, para o ano de 1994, o Paraguai registrou o índice na ordem de 0,706 (e o melhor colocado foi o Chile com 0,891), ficando a frente apenas da Bolívia. Embora a esperança de vida ao nascer seja melhor do que a indicada para o Brasil e Bolívia, assim como a taxa de alfabetização de adultos, o Produto Interno Bruto per capita é consideravelmente inferior ao valor identificado para os demais países (exceto para a Bolívia). Diante do esgotamento do modelo anterior e da emergência de um modelo produtivo alternativo, a condição de economia aberta é potencializada. Mas, ao responder a uma lógica especulativa e, em geral, ilegal, essa dinâmica começa a colidir com políticas econômicas dos países vizinhos e comprometer as possibilidades diante do Mercosul, uma vez que a lógica predominante não impõe limites à importação de produtos estrangeiros, o que incentiva o comércio ilegal e a triangulação. Ou seja, o perfil econômico predominante seguiu sendo a função de triangulação comercial ou de reexportação com suas sequelas de contrabando e ilegalidade. O AMBIENTE INSTITUCIONAL DA ECONOMIA PARAGUAIA ••• 301

Para compreender essa constatação, são necessárias algumas considerações sobre o comportamento e a tendência dos setores econômicos. O sistema econômico paraguaio está baseado principalmente na exploração de seus recursos naturais, haja vista que dispõe de terras aptas para agricultura e pecuária, além da riqueza em madeiras. A exploração desses bens segue a racionalidade própria de país subdesenvolvido e é a principal fonte de recursos. Desde 1930 até princípio dos anos de 1970, a economia paraguaia foi uma das duas ou três menos dinâmicas da América Latina com PIB crescendo em média 3% e manifestando um quadro de estancamento. A década de 1970 é um divisor de águas nessa trajetória porque foi de alto ritmo de crescimento, com uma taxa anual do PIB em 8,5%. As principais explicações para esse comportamento se referem à expansão da produção agrária (soja e algodão), com preços favoráveis no mercado internacional e ampliação da fronteira agrícola, bem como a construção da represa de Itaipu. Entretanto, esse bom comportamento teve curta duração, porque os anos de 1980 foram de recessão econômica mundial com repercussões negativas na economia paraguaia, comprometendo, ainda mais, o cenário já debilitado pela finalização das obras da Itaipu, pela adversidade climática e pelas opções em termos de política econômica, que contribuíram decisivamente para a recessão doméstica. Pois bem, considerando que o Paraguai é um país eminentemente agropecuário e florestal, é compreensível que o setor rural seja importante não somente por gerar a base alimentícia da população, mas principalmente por se constituir na principal fonte de poder aquisitivo, produzir as matérias-primas que são processadas pelo setor industrial (leia-se agroindústrias) e absorver uma considerável proporção de recursos humanos do país. No entanto, uma de suas principais características é a baixa produtividade média.

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O setor primário tinha significativa importância, mesmo que decrescente nas últimas décadas. Em 1950, participava com quase 50% do PIB e em 1980, com 23%. Nos anos iniciais de 1990, representou cerca 28% e continua sendo a base econômica via geração de bens destinados ao consumo interno, processamento industrial e exportações. Ao desmembrar o setor primário em agricultura e pecuária, identifica-se que a participação desses subsetores no PIB agropecuário correspondeu, em se tratando da agricultura, para os anos de 1980, 1985 e 1990, respectivamente: 57,6%, 61,6% e 62,3%; já a pecuária correspondeu, respectivamente, a 31,2%, 28,8% e 27,3%. A diferença ficou a cargo da exploração florestal, caça e pesca. O setor primário teve um forte crescimento, tal qual a economia paraguaia em geral nos anos de 1970, em boa medida em função da expansão da fronteira agrícola que ocorreu por meio de uma política de reassentamento de famílias campesinas na região oriental do país. A eficácia de tal política se viu limitada tanto pela falta da infraestrutura adequada, quanto pela insuficiência da assistência creditícia e técnica. Por outro lado, a referida expansão se deu pela incorporação de agricultores (em especial, japoneses e brasileiros) que contavam com maiores recursos, especialmente, o crédito externo. A grande parte da produção realizada se concentrou na soja e no algodão, produtos direcionados aos mercados externos e geradores de maior parte das divisas. Nessa década (de 1970), a produção aumentou para esses cultivos cerca de 500%. De 1980 a 1992, a taxa média de crescimento do setor primário foi de 3,6%. A dinâmica setorial estava dada fundamentalmente pela atividade agrícola. A combinação soja-trigo se realiza em nível empresarial; já o algodão é um cultivo típico do pequeno campesino e se desenvolve basicamente nas áreas de minifúndio. Outros produtos importantes são o milho, a mandioca e a cana-de-açúcar. Nos primeiros anos de 1990, a agricultura sofreu uma nova crise com fortes taxas negativas de crescimento em decorrência, principalmente, das adversas condições climáticas e da queda do preço interna-

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cional, que repercutiu fortemente nos níveis de renda e vida da população rural. Esse período expôs os principais problemas da atividade no país. A deficiente aplicação dos recursos se expressa pela estrutura latifúndio/minifúndio que é pouco rentável e os recursos financeiros que se orientam quase exclusivamente aos grandes produtores. O sistema creditício para os pequenos e médios produtores historicamente foi insuficiente. A falta de uma política agrária efetiva se justifica pela condição do modelo agroexportador que tende a excluir a maior parte da população campesina dos benefícios da modernização agrícola. A esses problemas, somam-se a escassa diversificação da produção, a falta de incentivo à produção alimentar básica, a falta de infraestrutura viária, a falta de informação sobre preços, mercados e comercialização, a deficiente organização campesina e o baixo nível de inovação e apoio tecnológico para o aumento da produtividade. Um problema de natureza demográfica também corroborou para enaltecer tais deficiências: altas taxas de fertilidade nas áreas rurais. O setor secundário, em especial o componente industrial, é o setor que apresenta uma participação média histórica entre 16% e 17% do PIB nas últimas décadas desde os anos de 1950. Esse setor nunca teve um peso muito significativo dentro da economia paraguaia e a sua produção cresceu a taxas médias de 2% nos anos de 1950, 7% e 8% nos anos de 1960 e 1970 e 2% nos anos 1980. Nos anos de 1990, a estrutura produtiva de transformação esteve baseada no processamento de matérias primas agropecuárias e florestais que representavam cerca de 70% do produto industrial. Destes, 51% são de fonte agrícola (subprodutos da soja, óleos comestíveis e industriais, fibras de algodão, açúcar, farinha de trigo, bebidas alcoólicas e não alcoólicas), 5% de fonte pecuária (carne conservada e congelada, produtos lácteos) e 14% de fonte florestal (madeiras, móveis). Aproximadamente 70% dos bens industriais se destinavam ao mercado interno.

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Em se tratando do aspecto organizativo, a grande maioria das empresas industriais estava composta por menos de 5 trabalhadores. O tamanho dessas empresas se caracterizava, em geral, reduzido: cerca de 75% delas eram consideradas pequenas com menos de 5 funcionários; as empresas médias possuíam entre 5 e 20 e representavam cerca de 20% e os demais 5% correspondiam a grandes empresas com mais de 20 trabalhadores. Com relação à localização, 60% dos estabelecimentos industriais do país estavam localizados em Assunção e outros 25% em torno da capital20. Os principais problemas da atividade industrial se referiam à falta de adequado financiamento e escassez de recursos humanos qualificados. Para Banks, Frotscher e Heikel (1994) uma das principais características da economia paraguaia é o escasso nível de valor agregado que tem sua produção, logo, as atividades transformadoras têm importância significativa, especialmente aquelas que requerem crescente grau de elaboração e uma maior valorização das matérias-primas, haja vista que podem ser importantes fontes de postos de trabalho. Contudo, ressaltam os autores, é necessário romper as barreiras que se opõem à industrialização do país, a saber: estrutura latifundiária, a especulação financeira e o contrabando. Além da falta de crédito (financiamento de médio e longo prazo), o grau de capacidade ociosa do setor é considerável. Em se tratando do setor terciário, o segmento de serviços (eletricidade, água, transporte e comunicação) correspondeu em média de 5 a 6% do Produto Interno Bruto de 1950 a 1980. Contudo, os serviços gerais (comércio, finanças, governo, habitação e outros) registraram 37 a 43%, em especial, por causa do subsetor de comércio e finanças. Esse setor registrou 6% para produtos básicos e 43% para os serviços gerais, dos quais 29% correspondiam ao subsetor comercial e financeiro. 20 É preciso mencionar a presença do Estado em alguns ramos específicos do setor de transformação na produção de: bebidas alcoólicas, cimento, aço, derivados e refino de petróleo. Em 1991, algumas delas foram declaradas privatizáveis, porém até final de 1993 não haviam sido privatizadas. O AMBIENTE INSTITUCIONAL DA ECONOMIA PARAGUAIA ••• 305

O setor comercial destaca-se pela dinâmica do comércio paraguaio, que se baseia, em boa medida, em atividades de caráter informal com os países vizinhos. Ou seja, esse setor se caracteriza por uma particular dinâmica dentro da economia paraguaia, tanto que registra uma tendência crescente no saldo de créditos no sistema financeiro que passou de uma participação de 28%, em 1985, para 37%, em 1993. A atividade comercial, favorecida pela posição de trânsito do país na geografia da região do Prata, é estimulada por meio da importação de bens de luxo e a respectiva reexportação via turismo de compras. Nesse contexto, destacam-se as cidades de Assunção, Ciudad del Este (fronteira com a Argentina) e Pedro Juan Caballero (fronteira com o Brasil). Parte do comércio é de caráter formal e outra parte considerável é informal. A dinâmica setorial se baseia principalmente na informalidade por meio do contrabando e constitui uma importante fonte de emprego21. Tais transações são realizadas por empresas grandes e pequenas que objetivam a evasão de impostos. A vertente mais importante concentra-se nos negócios das exportações e importações não registradas. Esse tipo de operação comercial é tradicionalmente importante no país. Existem muitos quilômetros de fronteira seca e uma grande demanda por importações não disponíveis nos países vizinhos (pela incidência de tarifas e impostos locais muito elevados e procedimentos legais complicados). É a chamada triangulação. Então, algumas considerações referentes ao comércio exterior precisam ser abordadas, haja vista a importância desse setor para a dinâmica da economia do Paraguai. Existem exportações formais que consistem não em produção paraguaia e sim de outros países que buscam beneficiar-se do tipo de câmbio livre frente aos impostos de exportação e outras implicações dos países vizinhos. Nesse contexto, o comércio exterior, para uma eco21 A principal dificuldade para analisar o setor é a falta de estatísticas. 306 ••• Dores Cristina Grechi • Eliana Lamberti

nomia pequena como a paraguaia, constitui um fator dinâmico muito importante. O Paraguai é um país com reduzido mercado interno e, portanto, precisa do seu setor externo, especialmente das exportações, para obter expansão e criação de fontes de emprego. Em 1990, as exportações e importações totalizaram 41% do PIB, o que revela a importância relativa no comércio exterior como ingrediente dinâmico. Tal dinamismo se dá não somente pelas atividades legais de intercâmbio, mas também pelo contrabando. As correntes ilegais, de um modo geral, ocorrem em função das restrições e distorções de variáveis como tipo de câmbio e nível tarifário, além da excessiva burocratização dos procedimentos do comércio exterior. A integração regional na prática é uma realidade, porque os países membros constituem os principais mercados de exportações e importações do Paraguai. Entretanto, também se traduz em desafios. Apesar de seu comércio exterior estar fortemente orientado para os demais integrantes do Tratado do Mercosul (cerca de 40% das exportações paraguaias registradas), a economia paraguaia representa apenas 1% de economia regional. E ainda, a integração poderia ter maiores efeitos positivos por meio de políticas macroeconômicas que permitissem melhorias na competitividade da economia paraguaia, maior cooperação técnica entre os membros, eliminação do contrabando e maior transparência econômica. Contudo, é preciso reconhecer a fragilidade do país diante do estabelecimento de uma tarifa externa comum relativamente elevada que implicaria, para o Paraguai, um aumento dos preços comerciais22. Os primeiros anos de 1990 expuseram de forma acentuada os problemas fundamentais da economia paraguaia: a extrema debilidade de seu crescimento econômico. A conjuntura estava marcada pelo bai22 A redução da proteção tarifária pode ter um severo impacto na economia paraguaia e o país precisará desenvolver atividades produtivas alternativas para absorver os recursos empregados no comércio informal. O AMBIENTE INSTITUCIONAL DA ECONOMIA PARAGUAIA ••• 307

xo crescimento econômico e relativa estabilidade macroeconômica (ou instabilidade controlada).

3.2 Crescimento econômico: algumas considerações sobre o lado financeiro e o lado real O crescimento da economia paraguaia passou por quatro etapas sucessivas nas últimas décadas. Os anos de 1965-1973 foram marcados pelo crescimento moderado, com taxa anual média de 4,2%. Entre 19741981, registrou-se um crescimento acelerado de 9,42%. Entre 1981-1988, imperou o baixo crescimento com taxa anual de 1,97%. E entre 19891997, percebeu-se uma leve recuperação econômica de 3,22%. O crescimento sem precedentes, durante 1974-1981, é resultado da combinação da construção da central hidroelétrica binacional de Itaipu e o boom da agricultura (soja e algodão). Os recursos financeiros externos e os altos preços internacionais dos produtos agrícolas permitiram esse crescimento. E desde 1982, a economia doméstica entrou em retração, sem modificar essa tendência ao longo da década. O problema não estava limitado à baixa taxa de crescimento econômico e sim ao baixo nível do valor da produção23. Durante a transição, essa tendência de estancamento econômico não sofreu modificações. Os obstáculos ao crescimento durante o período de 1989-1998 estavam vinculados a fatores estruturais, como o baixo nível e a qualidade dos investimentos e da mão de obra, o esgotamento do modelo produtivo de caráter extrativo e extensivo, a piora da desigual distribuição de renda, o déficit do investimento público em capital humano e infraestrutura, e a falta de regras claras e duradouras para garantir os investimentos privados. Além da desaceleração dos investimentos, agrega-se a deterioração do tipo de investimento realizado na produção de bens e serviços, 23 O PIB a preços de mercado expresso em dólares correntes tem se mantido em níveis baixos (de 1980 a 1988 foi da ordem de 4,431 milhões de dólares anuais, e entre 1989 e 1997 foi de 7,276 milhões de dólares). 308 ••• Dores Cristina Grechi • Eliana Lamberti

além da escassa participação do Investimento Externo Direto (IED). Os baixos índices de investimento em máquinas e equipamentos explicam o padrão tecnológico da estrutura produtiva do país. Apesar desse atraso nos investimentos privados que debilitou a capacidade competitiva de muitos setores econômicos (tecidos, confecções, couro, calçado e açúcar), algumas exceções a essa tendência foram registradas com os produtos da soja e de alguns produtos não tradicionais da agroindústria (como suco de fruta, farinha de mandioca, hortaliças e bebidas) que têm um desempenho importante mediante a incorporação de tecnologias. Os investimentos privados necessários para a recuperação econômica do país não se efetivaram apesar das vantagens comparativas de energia abundante, mão de obra barata, baixos índices de inflação, contas macroeconômicas ordenadas e mercado ampliado, porque sobre a decisão de investimento preponderam o déficit dos investimentos públicos em serviços básicos como estradas, telefonia, eletricidade, água e serviços sanitários. Outro fator limitante apontado pelos autores pesquisados se referia ao financiamento do investimento. A escassa incidência de poupança nacional como fonte de financiamento constituiu-se em sério problema. Diante da má aplicação ou insuficiência em matéria de poupança doméstica, o financiamento do investimento se torna dependente da poupança externa. O sistema financeiro atuou como fator inibidor do investimento de capital. Os altos custos da intermediação financeira e a preponderância dos empréstimos de curto prazo se converteram em obstáculos para o investimento e a renovação tecnológica. Logo, o custo de oportunidade do projeto de investimento teria que ser muito alto para justificar o endividamento. E ainda, o alto custo do dinheiro refletido nas altas taxas de juros (32% em 1996) desestimulava os investimentos, somados à escassa proteção jurídica e à falta de transparência por parte do governo. As crises financeiras registradas nos anos de 1995 e 1997 explicam esse cenário. Em 1995, o Banco Central interveio em quatro bancos que representavam 10% do capital e reservas do sistema bancário, 12% O AMBIENTE INSTITUCIONAL DA ECONOMIA PARAGUAIA ••• 309

dos depósitos e 14% da carteira de empréstimos. Essas crises evidenciaram algumas fragilidades do sistema paraguaio, como: a falta de autonomia do Banco Central para cumprir sua tarefa de velar pela solvência do sistema financeiro, já que bancos operavam sem ter aprovadas suas contabilidades pela superintendência de bancos; a obsolescência do marco regulatório do sistema representada pela antiga carta orgânica do Banco Central do Paraguai e a desatualizada lei dos bancos; a escassa capacidade de supervisão e controle da superintendência por não contar com suficiente quantidade de funcionários, a escassa formação técnica dos mesmos e a falta de equipamentos adequados; e, por fim, a falta de uma estratégia para sanear o sistema financeiro, que operava com alta porcentagem de empresas não viáveis no mercado. Em se tratando do mercado de trabalho, o Paraguai apresenta um desequilíbrio entre oferta e demanda de mão de obra, tanto do ponto de vista de sua quantidade, como de sua qualificação. Esse mercado se caracteriza pelo predomínio da mão de obra jovem e com baixo nível de instrução. O escasso dinamismo da economia limita ainda mais a absorção dessa prática e alimenta de forma crescente a expansão do setor informal. Entre 1950 e 1992, o Paraguai triplicou o tamanho da sua população com uma taxa de crescimento de 2,8%, que no período de 1982/1992 chegou a 3,2%. Em 1996, 45% da População Economicamente Ativa (PEA) tinham menos de 29 anos e era essa população jovem a mais afetada pela desocupação ou subocupação. A atividade econômica que mais concentra esse crescimento populacional segue sendo o setor agropecuário, embora com progressiva redução de seu peso relativo na estrutura ocupacional. Uma característica peculiar do emprego no Paraguai é o alto peso relativo do trabalhador independente urbano ou rural, cujas características são o reduzido nível de instrução escolar, de produtividade e, por conseguinte, de renda. Portanto, a queda da produção per capita se vincula aos aspectos qualitativos e quantitativos dos investimentos públicos e privados e a deterioração do mercado de trabalho acomodada no setor de serviços 310 ••• Dores Cristina Grechi • Eliana Lamberti

e comércio de forma precária e em empresas pequenas com escassas possibilidades de formação profissional. Outra característica do setor real, para os anos de 1990, era o predomínio das unidades artesanais de caráter familiar na organização da produção tanto agrícola, quanto industrial. A pequena agricultura (unidades menores de 20 hectares) e a indústria artesanal (com menos de 5 operários) tinham alto peso relativo na geração de produção e emprego. Em 1996, 50% da PEA urbana correspondia a empresas com menos de 5 trabalhadores e 40% da produção agrícola dava-se em unidades de produção com menos de 5 hectares. Em geral, a escassa qualificação de mão de obra e o uso de tecnologia tradicional limitam a competitividade das pequenas unidades produtivas, razão pela qual as mesmas não extrapolam o mercado local e são muitos sensíveis à competitividade externa; do mesmo modo existem sérias limitações da rede de serviços empresariais (capacitação, informação, assessoria e marketing) e dos altos custos financeiros que afetam a competitividade das unidades produtivas. Os variáveis níveis de preço, taxa inflacionária e distribuição de renda ilustram a convergência do lado monetário e do lado real da economia. Em se tratando do comportamento dos preços, em 1989, a taxa inflacionária foi de 28,5%, em 1990 registrou 44,1% e em 1996 reduziu para 8,2%, depois da combinação da política monetária restritiva, maior disciplina fiscal e uma queda da demanda interna. A taxa de inflação favorável foi acompanhada por preços internos dos produtos agrícolas deteriorados, assim como o salário mínimo real. Esses aspectos adversos explicam a recessão econômica que, somada ao alto custo do dinheiro e as crises financeiras de 1995 e 1997, pioraram as condições das pequenas empresas que conformavam a maior parte do setor produtivo. A economia paraguaia tem uma das rendas médias em termos do PIB per capita mais baixa do Mercosul, sendo que, em 1996, alcançou O AMBIENTE INSTITUCIONAL DA ECONOMIA PARAGUAIA ••• 311

U$ 1.474. Além desse indicador, a crescente desigualdade da distribuição do produto social permanece. Em 1994, 35% da PEA ganhavam menos de U$ 157, 41% de U$ 157 a U$ 313, e 9% mais de U$ 522. Logo, mais da metade da força de trabalho ganhava um salário menor de U$ 285 por mês, o que explica o pouco dinamismo do mercado interno. E ainda, em 1992, os 10% mais ricos controlavam 42% da renda e os 10% mais pobres dispunham de1%. Essa desigual distribuição de renda limitou o crescimento do mercado doméstico, do qual depende em sua maioria a produção das micro, pequenas e médias empresas. O tipo de distribuição de renda nacional estimulava a demanda por bens importados por parte da classe mais alta.

3.3 Apontamentos finais sobre o papel gestor do Estado Em se tratando das limitações institucionais para o crescimento, Borda e Masi (1998) apontam que o fator fundamental para a determinação do crescimento são os recursos do Estado e o tipo de intervenção do setor público na economia. Para eles, vários são os problemas detectados em nível de superposição de funções e competências, além da dispersão ou excessiva concentração da função pública. Em primeiro lugar, o setor público, incluindo a administração central, estava caracterizado por uma escassa divisão entre a função de determinação de políticas, execução de tarefas, controle e avaliação dos resultados. Em segundo lugar, outra debilidade institucional se referia à superposição de funções. Como exemplo, os autores citam a problemática do comércio exterior e da integração que são temas de competência do Ministério da Integração, da Subsecretaria de Economia e Integração, do Ministério das Relações Exteriores e também do Ministério de Indústria e Comércio. Logo, um assunto importante está distribuído em vários ministérios sem muita coordenação entre os mesmos, constituindo uma das causas da escassa produção paraguaia nas negociações do Mercosul. Outro exemplo é a tendência de concentração burocrática em estruturas pouco ágeis para responder as demandas que lhe competem, 312 ••• Dores Cristina Grechi • Eliana Lamberti

além de muitos entes descentralizados carecerem de direção apropriada e seus membros diretores responderem a critérios fundamentalmente políticos e não técnicos. O Estado, principalmente o poder executivo, tem sido o grande empregador de mão de obra. De 1989 a 1997, houve incremento em termos absolutos de 42.807 novos cargos (ou 29% em nove anos). A questão da qualificação da mão de obra também afetou o setor público porque não existia um plano de carreira de função pública, o acesso aos cargos continuava sendo pelas práticas clientelistas, do mesmo modo que não foi elaborado um sistema de remunerações e de incentivo laboral. A falta de harmonização de salários entre as diferentes instituições denotava a ausência de uma política trabalhista que contemplasse os níveis de responsabilidade, resultados e competência. O sistema de incorporação e promoção de recursos humanos no setor público continuou baseando-se nas lealdades pessoais e o sistema de remunerações desestimulava a especialização, capacitação e produtividade. Em se tratando da origem tributária dos recursos públicos, o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) é um dos impostos com maior participação (28%) sobre o total de receita, mas só, nos anos recentes, participa do PIB numa proporção de 4% (menos da metade da alíquota estipulada por lei de 10%) e, ainda considerando que o setor agrícola (com participação de 26% do PIB) não paga tal imposto, entende-se porque essa cifra é baixa. Ao detalhar a arrecadação por tipo de imposto direto e indireto, percebeu-se que nos anos de 1960, as principais fontes eram os impostos do comércio exterior e o imposto de renda. Passados trinta anos, os percentuais se diluíram de modo que o imposto sobre as vendas, de um modo geral, constituiu-se em importante fonte de recursos, seguido pelo imposto ao comércio exterior e imposto de renda e consumo. A baixa participação do imposto de renda das empresas no total de receita tributária (11,6%) indica uma alta drenagem por meio das múltiplas formas de exceções à aplicação desse imposto. A participação

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limitada desse imposto direto na estrutura da receita revela outra face da iniquidade impositiva, já que não existia imposto de renda pessoal. Novamente, o tema integração emerge com força. O modelo econômico paraguaio caminha na contramão do processo de integração regional e tem significado desvantagens para o país ante as oportunidades que oferece o mercado ampliado. Por mais de duas décadas, o país construiu suas bases de sustentação econômica na agroexportação de duas ou três matérias-primas e no comércio ilegal fronteiriço. As vantagens comparativas se desenvolveram a partir dessas variáveis. O Paraguai não fez a opção pela mudança do modelo de triangulação comercial com alto grau de informalidade para outro de industrialização, e a promoção das exportações não tem ocorrido durante a transição no Paraguai. A abertura econômica exigida pelo processo de integração regional não foi problema para o Paraguai, porque o país já tinha total abertura e permeabilidade de suas fronteiras em função do comércio ilícito. Logo, o modelo do Paraguai caminha na contramão do Mercosul: o país se especializou em comprar e vender, importar bens e revender aos consumidores dos países vizinhos. Tal lógica decorre da não existência de limites para importação de produtos desses países e nem imposição de regras claras para introdução desses produtos. Dessa forma, apreendem-se as principais razões da especialização do Paraguai no comércio não registrado (triangulação). Diante do protecionismo dos países vizinhos e efeitos negativos desse protecionismo sobre as potencialidades de industrialização para exportação, o Paraguai encontrou vantagens comparativas na compra de bens no comércio mundial para sua reexportação, em sua maioria de forma ilegal, aos países vizinhos. Esse comércio ilegal se estendeu nos últimos anos aos próprios bens brasileiros e argentinos, que aproveitando o dinamismo dessas operações, lograram reintroduzi-los a seus próprios territórios com preços menores por efeito da evasão impositiva. Um dos resultados 314 ••• Dores Cristina Grechi • Eliana Lamberti

disso é que as contas fiscais e comerciais do Brasil e Argentina começaram a ressentir-se, razão pela qual esses países começaram a tomar medidas para limitar esse tipo de operação. Logo, o futuro do Paraguai no Mercosul não é muito alentador: as exportações do país não registraram crescimento desde 1989 e as importações cresceram de forma vertiginosa, fortalecendo o déficit estrutural na balança comercial, além de as arrecadações fiscais do país serem dependentes em grande parte do volume de importações com destino final aos países vizinhos (reexportação). Os anos de 1990 deixaram importantes desafios e os primeiros anos do século XXI podem ser sintetizados pelas palavras de Masi (2005-2006): “A economia paraguaia tem o menor peso no Mercosul e foi a que teve o menor crescimento na década de 1990 e nos primeiros anos do novo século. É a mais atrasada do Mercosul não por ser a menor, mas por ter se desenvolvido dentro de um modelo econômico com características adversas, tanto para um crescimento sustentável do produto, quanto para um processo de integração regional. Estas limitações estruturais não puderam ser totalmente superadas até agora” (MASI, 2005-2006, p. 23).

Várias são as explicações para esse cenário de não mudança. O modelo econômico vigente nas últimas décadas esteve baseado na exportação de matérias-primas e no intercâmbio triangular. Esse modelo também estava caracterizado pela informalidade e especulação financeira que conformaram um círculo vicioso de difícil superação, porque a essas características devem ser somados os componentes subjetivos da vida paraguaia (despolitização da sociedade, apatia coletiva e desinformação generalizada) que delinearam um processo de democratização com superficiais mudanças ou, como define Hirst (2005-2006), por um processo de democratização gradual por falta de opção24. 24 Em 2008, assumiu a presidência Fernando Lugo, cuja campanha política foi embalada por propostas atinentes a Reforma Agrária, renegociação dos valores referentes O AMBIENTE INSTITUCIONAL DA ECONOMIA PARAGUAIA ••• 315

4.

Considerações finais

A identificação de uma chave interpretativa capaz de dar conta das particularidades da formação socioeconômica do Paraguai foi o fator decisivo para levar adiante o trabalho de pesquisa apresentado nas páginas anteriores. Nesse sentido, a escola institucionalista, ao entender a economia como um processo embalado por mudanças que são cumulativas, define-a como resultado do passado num processo de movimento para um futuro mutável. O conceito de instituições, para essa escola, extrapola os limites de estruturas organizacionais de uma determinada sociedade: são padrões que normatizam a interação social e estão intimamente relacionados com aspectos culturais, hábitos e a apreensão do conhecimento em cada sociedade. Esses elementos emergem na vida material por meio da capacidade industrial e absorção tecnológica, portanto, o desenvolvimento tecnológico depende das características endógenas. A relação entre o ambiente institucional e o padrão de crescimento econômico não pode ser ignorada, haja vista que o crescimento econômico é sinônimo da configuração das instituições que lhe dão sustentabilidade. As instituições conformam um conjunto de hábitos, costumes e formas de pensar comum entre os homens, ou uma forma de ação coletiva que controla ou favorece a expansão da ação individual, do mesmo modo que resultam de processos coletivos gerados ao longo da história. A mudança, sempre de natureza tecnológica institucional deriva de lutas sociais, conflitos, aprendizagem, tensões entre hábitos antigos e inovações que provocam as normas e novos compromissos (ou valores e rotinas). Logo, as instituições são guia de ação e estruturação da ordem social em um contexto de assimetrias. à Binacional Itaipu, luta contra a corrupção e defesa do nacionalismo. Inicialmente, o governo elaborou o Plano de Reativação Econômica (2009-2010) que consistiu em uma orientação expansiva das políticas monetárias e fiscais, bem como um Plano Estratégico Econômico e Social que deveria nortear a política econômica no período de 2008 a 2013. Entretanto, em 2012, o presidente foi retirado do poder por meio de um processo de impeachment. 316 ••• Dores Cristina Grechi • Eliana Lamberti

É consenso entre os autores estudados que a fragilidade econômica e institucional do Paraguai decorre, também, das causas conjunturais, mas as de natureza estrutural determinam a gravidade dos problemas econômicos. A raiz profunda é o esgotamento dos modelos produtivos tradicionais e a necessidade de novas estruturas produtivas ou de emprego capazes de gerar bens ou serviços de forma eficiente e um mercado de trabalho mais dinâmico. Ou seja, não foram oferecidas alternativas promissoras para a grande maioria dos paraguaios diante das crescentes ocupações informais e trabalhos precários. O que impera é a ausência de novos modelos produtivos e os fatores internos são responsáveis pela falta de alternativas. As análises apresentadas convergem para o entendimento das possibilidades em se tratando das escolhas em termos de políticas públicas. O Paraguai possui algumas vantagens para que sua industrialização seja orientada para a exportação: matéria-prima agrícola e recursos naturais abundantes, assim como a mão de obra é farta e de menor custo que os países vizinhos, haja vista o baixo nível de carga social, além de possuir energia elétrica barata e também em grande quantidade. Entretanto, as desvantagens também existem e se referem à baixa qualificação da mão de obra, aos baixos níveis de financiamento e investimento nos setores industrial, tecnológico e de qualidade. A essa contabilidade devem-se somar os fatores exógenos sobre as vantagens e desvantagens do país. As fontes de financiamento para investimento historicamente não beneficiaram a indústria paraguaia com linhas de crédito oficial ou privada, e sempre houve o privilégio ao crédito comercial, além das altas taxas de juros. Embora possua vantagens tributárias para a industrialização em relação aos países vizinhos, o tratamento tributário diferenciado indica que a política oficial segue dando preferência aos setores não precisamente produtivos. Logo, a indústria nacional permaneceu sendo desfavorecida em relação às operações comerciais e de triangulação.

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O comércio fronteiriço de reexportação, em geral ilegal, é uma das maiores fontes de informalidade da economia paraguaia, tanto em relação às operações econômicas, quanto à fonte de arrecadação tributária. Outra fonte de informalidade é a corrupção pública, a evasão de impostos e tarifas. Isso se constitui em uma competição desleal, que desestimula o investimento nacional e estrangeiro nos setores produtivos, que também sofre em função da debilidade institucional de segurança jurídica nos casos de conflitos comerciais e econômicos. A reforma institucional do Estado é apontada como condição sine qua non para o desenvolvimento industrial. Outro fator relacionase com a estabilidade econômica e política do país. Apesar da inflação não ter sido um problema fora de controle, os déficits fiscais foram reduzidos, ou seja, o país recuperou e manteve a estabilidade a partir de 1989, isso não foi suficiente para estimular as taxas de poupança e investimento, porque não foram acompanhadas de outras medidas necessárias. Apesar do avanço na institucionalização democrática do país, as dúvidas empresariais sobre as possibilidades de se manter a estabilidade política e sobre a eficácia do poder judiciário não favorecem um clima de investimentos. A capacidade de comercialização e o conhecimento para a expansão dos mercados consumidores também se viu historicamente entorpecida, porque embora a indústria nacional não tenha nascido sob a égide da substituição de importações, até os anos 1990, os produtos, em sua maioria, destinavam-se ao mercado nacional. Os fatores apontados comprometeram o desenvolvimento da competitividade industrial do Paraguai. De modo sintético, a trajetória do ambiente institucional do Paraguai pode ser descrita pela palavra ausência: de industrialização e de diversificação produtiva, de dinamismo urbano, de planejamento e política de desenvolvimento e de tradição democrática. E ainda, é conclusivo o entendimento de que preponderam as regras informais. A vulnerabilidade ou mesmo a ausência de um modelo de desenvolvimento alternativo fizeram com que os períodos de pujança econô318 ••• Dores Cristina Grechi • Eliana Lamberti

mica tenham sido historicamente resultado do ambiente conjuntural e não de avanços estruturais e de um planejamento econômico. Esse desempenho explicita que a relativa estabilidade macroeconômica não significou maiores possibilidades para o desenvolvimento e, por isso, a trajetória socioeconômica do Paraguai é a comprovação de que os contornos econômicos de cada nação só podem ser completamente apreendidos se considerados forem os elementos atinentes à política, cultura e sociedade.

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