Temas Transversais, Meio Ambiente e o Programa Escola Sem Partido.pdf

May 24, 2017 | Autor: Ana Arnt | Categoria: Education, Science Education, Education Policy, Brazilian Politics
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Temas Transversais, Meio Ambiente e o Programa Escola Sem Partido Discutindo neutralidade, política e ciência Arnt, Ana de Medeiros; Schwantes, Lavínia [email protected]; [email protected] Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas/Brasil. Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Rio Grande/Brasil. Presentación oral Resumen— Neste artigo, buscamos discutir a relação entre os Temas Transversais, especialmente o tema Meio Ambiente, no Ensino Fundamental e o Projeto de Lei que inclui o Programa Escola Sem Partido nas Leis de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB). Os Temas Transversais de Meio Ambiente discutem a partir da crise ambiental vivida em nossa sociedade e aponta a necessidade de tratarmos de questões sociais emergentes, como mercado, consumo, urbanismo, agricultura, pobreza, globalização. O Programa Escola Sem Partido, procura inserir na LDB artigos em que o trabalho docente deve ser neutro em termos políticos, ideológicos e religiosos. Tal lei propõe modificar artigos da LDB e da própria Constituição Federal, retirando as noções de liberdade pedagógica e de ensino e a pluralidade cultural e social das leis. Neste sentido, questionamos as possibilidades de um trabalho de ciências e biologia pautado em uma concepção de neutralidade trazida pelo Programa, principalmente, porque as questões ambientais vinculam-se às problemáticas sociais e culturais. Além disso, política e ideologia são termos de ampla compreensão, não se resumindo à visão reducionista partidária, bem como à noção de que esses conhecimentos configuram-se como atos doutrinários. Palabras clave: Temas Transversais, Escola Sem Partido, Meio Ambiente, Educação em Ciência, Neutralidade.

INTRODUÇÃO O que significa ensinar Ciências e Biologia na educação básica? A partir de que preceitos temos que trabalhar? Quais conteúdos são obrigatórios? Quais conhecimentos da nossa área devem ficar de fora? Ao longo dos últimos 10 anos trabalhando na formação docente, e em anos anteriores atuando no Ensino de Biologia, nos deparamos com temáticas que se vinculam a uma visão tradicional de conteúdos, com informações estanques – nomenclaturas, fórmulas, conceitos encerrados em si – sem que seja possível, muitas vezes, ao estudante apropriar-se destas informações, vinculando a questões contemporâneas e aos espaços culturais e sociais em que vive. Simultaneamente a este conteúdo, que chamamos usualmente de “tradicional”, temos uma série de documentos, leis, diretrizes, parâmetros oficiais que têm

como função tanto regulamentar, quanto fundamentar o trabalho de escolas e professores no que tange à elaboração dos currículos e conteúdos a serem estudados em nosso país. Podemos citar como documentos básicos e oficiais, além da Constituição Federal (CF) (Brasil, 1988) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB), promulgada em 1996 (Brasil, 1996), outros que instituem as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica e Ensino Fundamental (Brasil, 2010a, 2010b). Podem ser citados, ainda, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), que são documentos resultantes de ampla discussão, realizada por especialistas e educadores de todo o país (Brasil, 1997a). Os PCNs “Foram feitos para auxiliar as equipes escolares na execução de seus trabalhos. Servirão de estímulo e apoio à reflexão sobre a prática diária, ao planejamento de aulas e sobretudo ao desenvolvimento do currículo da escola” (Brasil, 2016). Por fim, temos os PCNs –Temas Transversais para o Ensino Fundamental (Brasil, 1997b), que são temas que devem ser incorporados aos conhecimentos disciplinares escolares tradicionais, com o compromisso de construção da cidadania como prática educacional voltada para a compreensão da realidade social e dos direitos e responsabilidades em relação à vida pessoal, coletiva e ambiental” (Brasil, 1997b, p.15). Recentemente, a educação brasileira tem sido pauta de uma discussão que coloca em xeque os conteúdos e os modos de trabalho docentes em nosso país, a partir do Projeto de Lei (PL) 867/2015, que pretende instituir o “Programa Escola Sem Partido 1 ”. Este PL foi apresentado com base nas discussões da Organização Não Governamental Escola Sem Partido (ESP), que tem encarado a escola, mais do que espaço de aprendizado, mas como um espaço de doutrinação ideológica. Tal PL tem causado desconforto entre diversas instâncias educacionais do Brasil e coloca em questão um importante ponto: seria possível uma educação neutra, do 1

As propostas da ONG ESP podem ser acompanhadas no site: www.escolasempartido.org/ e http://www.programaescolasempartido.org/

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ponto de vista político? O que é uma educação politizada? O que é ideologia, dentro da escola? O que é neutralidade? Existe confronto entre a lei e a liberdade de cátedra? Neste trabalho, apresentamos uma discussão que visa articular os documentos oficiais brasileiros, já citados anteriormente, e o PL em questão, enfatizando especialmente as questões relativas à disciplina de Biologia e Ciências por meio dos PCNs - Temas Transversais de Meio Ambiente (TT-MA), buscando contribuir com a compreensão de nosso papel como docentes e formadores de professores de Ciências e Biologia da Educação Básica. REFERENTES TEÓRICOS a. O Projeto de Lei e suas relações com a Lei de Diretrizes e Bases O PL 867/2015 se pauta na proposta da ESP. Esta ONG vem discutindo a importância de uma escola sem doutrinação política. Para tanto, tem se valido de inúmeras ações, debates, produções textuais a fim de apresentar suas ideias a um público mais amplo. Além disso, nos últimos anos, obteve apoio político em inúmeros estados e municípios, e sua proposta transformou-se em Projeto de Lei de deputados estaduais e vereadores, e atualmente tramita na Câmara de Deputados Federal, com autoria do Deputado Izalci Lucas Ferreira (PSDB/DF). Este PL, busca incluir, entre as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Brasil, 1996), o “Programa Escola Sem Partido”. Mais do que a existência de um debate político-partidário dentro da escola – o que não existe questionamento, uma vez que ninguém apoia a existência de discursos partidários dentro de sala de aula – este PL apresenta outras questões que merecem atenção e cuidado na leitura, frente a problemas que podem gerar a sua interpretação. Neste sentido, faz-se urgente pensar em como algumas noções presentes nos artigos deste PL impossibilitariam o trabalho docente e o estudo de conteúdos em suas mais diversas relações com questões sociais. O artigo 2º deste PL consta: A educação nacional atenderá aos seguintes princípios: I - neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado; II - pluralismo de ideias no ambiente acadêmico; III - liberdade de aprender, como projeção específica, no campo da educação, da liberdade de consciência; (...)

O artigo supracitado aponta uma modificação relevante em dois artigos jurídicos importantes de serem avaliados: o Artigo 3º da LDB (Brasil, 1996), e – de

modo mais problemático – o artigo 206 da Constituição Federal (Brasil, 1988). Tais artigos possuem a redação: O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; (...).

Podemos apontar, como primeira questão, a modificação da redação do Inciso II acerca das palavras “ensinar”, “pesquisar” e “divulgar” a “cultura” o “pensamento”, substituído no PL por “liberdade de aprender, como projeção específica, no campo da educação, da liberdade de consciência”. Tal modificação, além de retirar palavras que são fundamentais para estabelecer relações entre conhecimentos de áreas científicas com a sociedade e acontecimentos que perpassam a vida social cotidiana, inviabiliza o que chamamos “liberdade de cátedra”, que seria a liberdade de ensinar, ou liberdade pedagógica docente. Apenas apontando este fator – da mudança de redação que se contrapõe à CF – este PL tem sido questionado quanto à sua legitimidade. Todavia, compreendendo que esta questão é técnica e jurídica, pensamos ser pertinente apresentar argumentos que apontem tanto a fragilidade desta lei neste quesito, quanto uma imobilidade ao trabalho do professor ao pensarmos sobre algumas palavras dos Incisos I e II deste PL e os conteúdos da Biologia. b. o PL 867/2015, o trabalho docente e os conteúdos escolares Ainda tratando do PL em relação à LDB, é importante apontar o quanto cabe à Federação elaborar o Plano Nacional de Educação, junto com Estados e Municípios. Aos estabelecimentos de ensino (as unidades escolares) cabe, segundo a LDB, Artigo 12, Inciso I (Brasil, 1996) “Elaborar e executar sua proposta pedagógica”, enquanto aos docentes, tal como consta no Artigo 13, Inciso I, cabe a “participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino”. A retirada da palavra “ensinar”, no inciso III, do Artigo 2º aponta um cerceamento de ação do docente, enquanto organizador e participador desta proposta pedagógica escolar. A liberdade de ensinar se faz não somente em sala de aula, mas atende, também a esta elaboração democrática que deve nortear o trabalho dos estabelecimentos de ensino, e que está instituída na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Básica, desde 1996.

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No artigo 26, em que consta que os currículos da Educação Básica devem ter uma base nacional comum a ser complementada pelos estabelecimentos escolares e uma parte diversificada “exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos” (Brasil, 1996, redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013). A partir deste Artigo, outras questões emergem e são importantes de serem tratadas, especialmente acerca da parte diversificada (do currículo) e suas relações com características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos. Aqui, neste ponto, interrogamos: seria possível um estudo que se propõe neutro ao se articular com questões sociais e culturais? Ou ainda: que pressupostos científicos fundamentam a ideia de neutralidade dos conhecimentos e o modo de abordagem destes em sala de aula? Relacionar o conteúdo “tradicional” das áreas científicas com questões sociais e culturais, seria “ideológico” e “político”? E, por último: Seria o conteúdo “disciplinar tradicional” neutro? Para responder essas questões, buscamos elementos na filosofia da ciência que tem o propósito de entender como a produção dos conhecimentos ditos científicos tem sido pensada e quais os limites para a produção científica. Diferentes autores têm enfocado suas discussões em torno da possibilidade da ciência ser neutra e o mais corrente entre estes é uma resposta negativa a essa questão. Podemos apontar os estudos de laboratório feitos por Latour (2000), nos quais ele aponta a rede de elementos que perpassa a produção da ciência, desde as condições econômicas (verbas para as pesquisas) e políticas (articulações de pesquisadores com outros) até os instrumentos e equipamentos utilizados para a produção dos dados nos laboratórios. Todos estes elementos nos mostram a impossibilidade de considerar que o resultado científico é algo imparcial, desvinculado a fatores externos à sua produção. Ou seja, se a própria produção científica não é neutra, como é possível pensar que um conteúdo científico de escola possa ser? Feyerabend (1989), ao discutir uma metodologia para a ciência, destaca que o pluralismo de ideias na ciência é muito mais ligado a uma perspectiva humana do que ao mundo natural dito racional. o entanto, na construção dos fatos científicos, essa perspectiva se apaga, a historicidade da construção da teoria é desarticulada do fato e os “fatos científicos” são tomados como universais, neutros, sem ligação com sua cultura. O autor afirma que nem a ciência nem a racionalidade são medidas universais de excelência. Ambas são tradições particulares, não tendo consciência de sua base histórica. Portanto, nem a ciência é isenta de ideologia, política e história.

c. O estudo do Tema Transversal Meio Ambiente e o PL 867/2015 Os Temas Transversais (TT) foram elaborados com o intuito de não se vincularem a uma disciplina, mas apresentarem temáticas amplas, socialmente relevantes e perpassarem conhecimentos tratados por todas as áreas de saber. Tendo como ponto de partida que a Educação Básica fundamenta-se na formação para o exercício da cidadania, segundo o Artigo 205 da Constituição Federal, (Brasil, 1988), e que isto não significa não priorizar os conhecimentos das disciplinas, mas torná-los ferramentas para a compreensão do mundo pelos sujeitos escolarizados, os TT propõe uma possibilidade de flexibilidade curricular, uma vez que “os temas podem ser priorizados e contextualizados de acordo com as diferentes realidades locais e regionais e que novos temas sempre podem ser incluídos” (Brasil, 1997b, p.25). Os critérios adotados para a escolha dos TT são: urgência social; abrangência nacional; possibilidade de ensino e aprendizagem no ensino fundamental; e favorecer a compreensão da realidade e a participação social. Estes critérios culminam na finalidade dos TT que seria “que os alunos possam desenvolver a capacidade de posicionar-se diante das questões que interferem na vida coletiva, superar a indiferença e intervir de forma responsável” (Brasil, 1997b, p.26). A partir destes critérios citados, foram organizados os Temas Transversais, assim definidos: Ética, Saúde, Meio Ambiente, Pluralismo Cultural, Trabalho e Consumo, Orientação Sexual. Ao voltarmo-nos para as questões dos TT, enfatizando as Diretrizes correspondentes ao Ensino Fundamental (uma vez que os TT se referem a esta etapa de ensino), o Artigo 16, ao abordar os componentes curriculares fala, no parágrafo 2º que a transversalidade constitui uma das maneiras de trabalhar os componentes curriculares, as áreas de conhecimento e os temas sociais em uma perspectiva integrada, conforme as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica (Brasil, 2010b).

No âmbito das disciplinas formais, os documentos que norteiam os conhecimentos são essas Diretrizes (Brasil 2010a, 2010b). Estes documentos, mais do que conhecimentos específicos, apontam objetivos de cada etapa de ensino. Acerca dos objetivos do Ensino Fundamental, das Diretrizes, no Artigo 7, consta que as propostas curriculares visam desenvolver o educando devendo atingir:

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I – o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo; II – a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, das artes, da tecnologia e dos valores em que se fundamenta a sociedade; III – a aquisição de conhecimentos e habilidades, e a formação de atitudes e valores como instrumentos para uma visão crítica do mundo; IV – o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social (Brasil, 2010b)

A partir deste conceito, é apontada a necessidade de situarmos nosso modo de vida como pertencente a uma crise ambiental e civilizatória, uma vez que nosso modelo de sociedade nos levou a problemas de ordem global, em relação à natureza e o quanto esta noção:

Neste sentido, as Diretrizes mais do que conteúdos específicos e formais, buscam uma formação ampla, enfatizando a compreensão das disciplinas formais como um todo e sua relação com a sociedade em que vivemos, incluindo aspectos regionais de cada unidade escolar.

Ao tratar do campo da Biologia, que tem como uma das questões centrais o Meio Ambiente, este tema não precisa ser pensado apenas a partir da obviedade do estudo de Ecologia, mas também vinculando-se às questões de como os avanços tecnológicos e científicos estão implicados neste modelo de sociedade que centraliza o consumo de recursos como se fossem inesgotáveis, sem questionamento ou proposições de mudanças de atitudes efetivas. Justificando a temática e sua importância como transversal no ensino, ainda aponta-se que

Retomando os TT Meio Ambiente (TT-MA), na apresentação do documento, consta que um dos maiores desafios atuais em nossa sociedade é a mudança de atitudes para a melhoria das condições de vida no mundo, especialmente acerca do Meio Ambiente. É fundamental ressaltar que o documento apresenta a questão ambiental e as problemáticas que vivemos enquanto sociedade não como algo intencional humano, mas consequência de atitudes e um modo de vida cultural, construído ao longo de nossa história. Neste sentido, as relações de mercado, agricultura, urbanização, avanços tecnológicos são alguns dos aspectos abordados como relevantes para a compreensão de nosso impacto no meio ambiente (Brasil, 1997b). Há, neste documento, referência aos grandes eventos mundiais, em que o Meio Ambiente foi pauta de discussão, como a conferência internacional, organizada pela Organização das Nações Unidas (ONU), em Estocolmo no ano de 1972 e, posteriormente, no Rio de Janeiro em 1992 (Rio/92). Assim, apresenta o compromisso internacional, e brasileiro, em se buscar soluções e minimizar o impacto ambiental e um engajamento político dos países a fim de manter a vida da humanidade em nosso planeta. Ao falar de sustentabilidade, conceitua o termo como uma prática implicada No uso dos recursos renováveis de forma qualitativamente adequada e em quantidades compatíveis com sua capacidade de renovação, em soluções economicamente viáveis de suprimento das necessidades, além de relações sociais que permitam qualidade adequada de vida para todos (Brasil, 1997b, p.178).

Faz parte dessa nova visão de mundo, a percepção de o ser humano não é o centro da natureza, e deveria se comportar não como seu dono, mas percebendo-se como parte dela, e resgatar a noção de sua sacralidade, respeitada e celebrada por diversas culturas tradicionais antigas e contemporâneas (Brasil, 1997b, p.179)

A questão ambiental impõe às sociedades a busca de novas formas de pensar e agir, individual e coletivamente, de novos caminhos e modelos de produção de bens, para suprir necessidades humanas, e relações sociais que não perpetuem tantas desigualdades e exclusão social, e, ao mesmo tempo, que garantam a sustentabilidade ecológica. Isso implica um novo universo de valores no qual a educação tem um importante papel a desempenhar (Brasil, 1997b, p.180).

Mais do que ensinar conteúdos programáticos estanques, que pouco se modificam/modificaram ao longo das últimas décadas, o que os TT-MA apresentam de proposta é pensar os conteúdos das áreas de conhecimento como articulados a um mundo que se vive e que precisa ser pensado como parte de nossas vidas. Poderíamos questionar, a partir da leitura inicial do documento acerca do Meio Ambiente, o quanto o espaço de socialização e aprendizado em nosso país, e na civilização ocidental, que é a escola, pode se eximir de trabalhar os conteúdos de forma desconectada dos modos de vida contemporâneos. Este debate vincula-se com o que foi tratado na Rio/92, sobre a necessidade de desenvolver o processo educativo, contemplando tanto o conhecimento científico como os aspectos subjetivos da vida, que incluem as representações sociais, assim como o imaginário

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acerca da natureza e da relação do ser humano com ela (Brasil, 1997b, p.182).

empresas por crime ambiental e danos contra o patrimônio histórico e cultural.

Também é relevante ressaltar que pensar os conteúdos escolares como inseridos em uma perspectiva social mais ampla, que não deveriam encerrar-se no formalismo das disciplinas não é recente no âmbito dos estudos pedagógicos. O campo das Teorias do Currículo buscam compreender os modos de produção de subjetividades e identidades em nossa cultura a partir da escola e dos conhecimentos lá trabalhados (Silva, 1995).

O outro exemplo a ser citado é a conhecida PEC 65/2012 (Proposta de Emenda Constitucional), que está tramitando atualmente no Senado Brasileiro, cujo teor Acrescenta o § 7º ao art. 225 da Constituição, para assegurar a continuidade de obra pública após a concessão da licença ambiental:

Silva (1995) a partir dos estudos de Bernstein afirma que não podemos pensar os conteúdos escolares como simples transposições didáticas de suas áreas de origem acadêmica. Este conhecimento é selecionado e organizado como relevante para ser aprendido na escola, não é transmitido linearmente, sofrendo uma recontextualização que consiste, segundo Silva (1995, p.201) “no estabelecimento de regras sobre o qual o conhecimento pode ser transmitido e a quem, quem está autorizado a transmiti-lo, quando e em qual ritmo deve ser transmitido”. Cabe interrogar, referindo-nos ao PL 867/2015, em sua exigência de neutralidade política e pluralismo de ideias de âmbito acadêmico, quais concepções pedagógicas estão postas nesta noção de neutralidade – quando a própria ciência discute esta impossibilidade em sua produção de conhecimentos–; e quais pluralismos podem ficar restritos aos conteúdos acadêmicos, quando existem demandas sociais e culturais emergentes, que não estão apartadas dos conhecimentos que produzimos dentro das instâncias de pesquisa. Que conteúdos seriam esses, livre de ideologia e política? Podemos citar, ao tratar de Meio Ambiente, de dois temas que tem sido debatidos no Brasil e que se entrelaçam com questões sociais, ambientais e culturais, e que podem servir de ponto de partida para tratar de sustentabilidade e crise ambiental. Ao final do ano de 2015, no dia 5 de Dezembro, rompeu-se a barragem de Fundão, situada no subdistrito de Bento Rodrigues, do município de Mariana (Minas Gerais). Nenhum alerta foi emitido no rompimento. A barragem continha dejetos provenientes de atividades de Mineração, cuja empresa responsável era a Samarco (controlada pela Vale do Rio Doce e BHP Billiton). O subdistrito de Bento Rodrigues foi, praticamente, soterrado pela lama proveniente da barragem, estimada em um volume de 50 milhões de metros cúbicos. Nos dias e meses seguintes, a lama atingiu o Rio Doce e, posteriormente, o litoral do Rio de Janeiro e Espírito Santo, espalhando-se rapidamente. Em Bento Rodrigues, 600 pessoas ficaram desabrigadas e estima-se 19 mortes deste local. Passados 6 meses da tragédia, a Polícia Federal encerra o inquérito e indicia 8 pessoas e 3

Art.225 Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 7º A apresentação do estudo prévio de impacto ambiental importa autorização para a execução da obra, que não poderá ser suspensa ou cancelada pelas mesmas razões a não ser em face de fato superveniente (Gurcacz, 2012).

Esta PEC praticamente inutiliza o Licenciamento Ambiental e torna-o obsoleto e sem sentido, uma vez que a apresentação do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) já viabilizaria a realização de obras. O Licenciamento Ambiental é um procedimento administrativo, realizado por órgão público, para licenciar, avaliar, ampliar, modificar qualquer atividade que use recursos naturais e sejam potencialmente poluidores ou causem degradação ambiental. Um parágrafo constitucional, que inutilize o licenciamento, em conjunto com a maior tragédia ambiental vivenciada em nosso país é um tema: ambiental, político, econômico, social. Tem uma relevância de abrangência nacional e urgência social, nos dias atuais, frente ao que consta nos Temas Transversais: pode e deve ser discutido em sala de aula como temática que atravessa diferentes conteúdos das disciplinas, como Ciências, História, Geografia, Sociologia. Os TT-MA (Brasil, 1997b, p.183) apontam como “ponto polêmico” a restrição das questões ambientais à preservação de ambientes intocados e naturais poluição. Deste modo, Deve-se considerar que, como a realidade funciona de um modo complexo em que todos os fatores interagem, o ambiente deve ser compreendido com todos os seus inúmeros problemas. Tratar a questão ambiental, portanto, abrange a complexidade das intervenções: a ação na esfera pública só se consolida atuando no sistema como um todo, sendo afetada e afetando todos os setores, como educação, saúde, transportes, obras, alimentação, agricultura, etc.

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A partir destes dois exemplos, encerramos este trabalho questionando a possibilidade de trabalharmos de forma neutra, a-política e não-ideológica, ao vincularmos os conhecimentos da Biologia com temáticas sociais, tal como sugerido nos Temas Transversais. Seria isto visto como uma atitude doutrinadora? CONCLUSIONES

. Acesso em: 11/06/2016. Brasil, Ministério da Educação. 1996. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Dispõe sobre as Diretrizes e Bases da Educação Brasileira. Disponível em: . Acesso em: 11/06/2016.

Neste trabalho, buscamos apresentar algumas problemáticas vinculadas ao Projeto de Lei 867/2015 e trabalho docente, especialmente ao tratarmos do documento Temas Transversais Meio Ambiente e suas recomendações, apoiando-nos na legislação que dá suporte às questões de educação no Brasil.

___. 1997a. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental: Terceiro e Quarto Ciclos. Brasília: MEC/CNE/CEB.

É pertinente apontar o quanto a ideia uma escola sem ideologia não é nem coerente, nem possível, tendo em vista o significado de Ideologia, como “Ciência da formação das ideias e de um sistema de ideias”, e também “Sistema articulado de ideias, valores, opiniões, crenças etc., organizado como corrente de pensamento, como instrumento de luta política, como expressão das relações entre classes sociais, como fundamento de seita religiosa etc.”.

___. 2010a. Resolução n. 4 de 13 de Julho de 2010. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica. Brasília: MEC/CNE/CEB. Disponível em: Acesso em 11/06/2016

A noção de ideologia como algo negativo, ligado apenas a determinadas correntes de pensamento e, mais ainda, ato doutrinário, embora comum, deve ser questionada, especialmente quando inserida dentro da lógica de uma proposta de lei que pode, facilmente, ser um ponto de ancoragem de um ensino descontextualizado e pouco vinculado à realidade regional e global. Além disso, os termos do PL 867/2015 remontam a uma visão pedagógica que trata os alunos como meros receptores passivos, elos fracos e de cooptação facilitada por uma docência intencionalmente manipuladora – e apenas com um viés teórico, político e partidário. Tal lei, vista por este prisma, mais do que retirar “partidos políticos” da escola, nos leva a um cerceamento de ideias e de liberdade pedagógica, ao impor uma lógica tecnicista para nossa atuação nas escolas, com um ensino pautado em uma formalidade acadêmica que, mesmo dentro do âmbito da produção científica mais tradicional, é combatido como verdade. Ao tomar a palavra ideologia como sistema articulado de ideias, interrogamos qual seria o papel de uma lei que quer uma escola combatendo a existência de um sistema articulado de ideias. Que correntes de pensamento seriam impostas a uma escola sem ideologia? REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS Brasil. 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em:

___. 1997b. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental: Temas Transversais: Meio Ambiente. Brasília, MEC/CNE/CEB.

___. 2010b. Resolução n. 11, de 7 de julho de 2010. Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental. Brasília: MEC/CNE/CEB. Disponível em: . Acesso em: 11/06/2016. ___. 2016. Portal do MEC: Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Disponível em: . Acesso em: 11/06/2016. Ferreira, I L. 2015. Projeto de Lei nº 867 de 2015. Brasília. Disponível em: . Acesso em: 11/06/2016. Feyerabend, P. 1989. Francisco Alves.

. Rio de Janeiro:

Gurcacz, Acir. 2012. Proposta de Emenda Constitucional 65/2012. Brasília. Disponível em: http://legis.senado.leg.br/mateweb/arquivos/matepdf/120446.pdf>. Acesso em: 09/07/2016. Latour, B. 2000. Ciência em ação. São Paulo: UNESP. Silva, T T. 1995. Currículo e Identidade Social: territórios contestados. In: ___ (org.). Alienígenas em sala de aula: uma introdução aos estudos culturais em educação. Rio de Janeiro: Vozes.

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