Tematizando a segurança Pública no Brasil: tendências, programas e conceitos (1988 – 2007) - Monografia

June 13, 2017 | Autor: Felipe Freitas | Categoria: Politicas Publicas, Segurança Pública, Politica Criminal
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO

FELIPE DA SILVA FREITAS

TEMATIZANDO A SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL: TENDÊNCIAS, PROGRAMAS E CONCEITOS (1988 – 2007)

Feira de Santana 2010

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FELIPE DA SILVA FREITAS

TEMATIZANDO A SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL: TENDÊNCIAS, PROGRAMAS E CONCEITOS (1988 – 2007)

Monografia apresentada ao Curso graduação Direito da Universidade Estadual de Feira Santana, como requisito parcial para obtenção grau de Bacharel em Direito sob a orientação Professor Msc. Riccardo Cappi.

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FELIPE DA SILVA FREITAS

TEMATIZANDO A SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL: TENDÊNCIAS, PROGRAMAS E CONCEITOS (1988 – 2007)

Monografia apresentada ao Colegiado de Direito da Universidade Estadual de Feira de Santana, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito. Feira de Santana-BA, 2010.

Apresentada perante a Banca examinadora composta por:

_______________________________________________ Prof. Ms. Riccardo Cappi (UEFS) Orientador

________________________________________________ Prof. Dr.ª Marília Lomanto Veloso (UEFS) Membro -Titular da Banca

________________________________________________ Prof. Dr.ª Luiza Bairros (UFBA) Membro -Titular da Banca

________________________________________________ Profª. Msc. Ludmila Cerqueira Correia (UEFS) Membro –Suplente da Banca

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A Mãe, por ser a referência de todo o amor que há nesta vida e por ter me ensinado a perguntar o porquê das coisas me dando a senha para sonhar com dias melhores nunca abaixando a cabeça e nem calando a boca diante de quem não me dê fundados motivos para isto e a Pai, por me encorajar a ser um homem de bem, seja lá o que isso signifique, dando, com sua própria vida, um exemplo de honestidade, resistência e sensibilidade, exemplo do qual sou orgulhoso e quero ser eterno herdeiro e guardião! A Vó Pequena, por nunca ter duvidado das minhas capacidades, ainda nos momentos em que eu mesmo tinha dúvidas sobre elas; e Vô Nezinho a quem pouco conheci, mas, que permitiu que todos nós, seus netos, só ouvíssemos sobre ele histórias de sensibilidade, honestidade, coerência e amor, orgulhando-nos de sermos chamados de “Netos de Nezinho da Aurora”. Ao NENNUEFS e a Pastoral da Juventude, minhas escolas de sonho, poesia e luta, A todos e todas que resistem à opressão, ao medo, a tirania e afirmam com suas histórias legados revolucionários em favor de um mundo justo e igual.

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AGRADECIMENTOS A Jusandra, por ser a irmã que escolhi no coração, ajuda constante em todos os momentos deste trabalho; a Elis Souza, por me dar a certeza de que nunca estarei sozinho e por me lembrar que é possível viver, amar e ser feliz sendo carinho e cuidado nas minhas aventuras mais audaciosas; a Maria Priscila, com quem vivi encontros e despedidas marcadas por dores e delícias que, de algum modo, alegram (ou não) este texto e a Vanessa Mascarenhas e Lilian Gomes, que entraram e saíram como minhas companheiras nessa árdua caminhada do curso e da monografia sendo, de algum modo, co-autoras da minha graduação. Aos amigos do curso Leonardo Marques, Celso Fernandes, Kleidiane Santiago, Fábio Lemos, Mauricio Correia, Thays Carvalho e Thaiane Praxedes, pelos sonhos partilhados e pelas conversas mais intensas que estão aqui, em todas essas páginas e em tudo aquilo que eu me propuser a fazer! Aos mestres André Uzêda, pelas aulas (práticas) de democracia, a Jerônimo Rodrigues pelo ensinamento de que teoria e prática não se separam, a Adriana Nogueira e a Flávia Pita, pela dureza com que sempre me mandaram estudar mais, desinflando meu ego e estapeando a minha arrogância, a Elizete Silva, por me fazer reencontrar a poesia de uma atividade acadêmica séria e engajada, a Lucilene Reginaldo, pelo cuidado com a pesquisa e pelo compromisso com a profissão, a Elói Barreto, por ter sido meu professor fora da sala de aula, me advertindo quanto aos riscos do poder institucional e lembrando sempre: “Felipe, cuidado com o excesso de atividades.” e a Companheira Marília Lomanto, por sua presença incendiária e militante entre os cantos frios da vivência do direito e por aceitar compor a banca de examinadoras deste trabalho. Aos amigos do Pereira, Pereira e Sales por terem me proporcionado deliciosos momentos de descoberta profissional, especialmente a Dr.ª Beatriz Pereira, pelo exemplo de compromisso com a vida e com as pessoas; a Luciano Cotrim, Leandro Fernandes e a Lívia Costa pelo companheirismo e pela fraternidade, a Dr. Carlos Wilson pelo bom humor inteligente e pela solidariedade elevada à máxima potência e a Carlos por salvar-nos naquilo que parecia não ter mais salvação. Dentre os(as) companheiros(as) da militância agradeço a Sérgio São Bernardo, pela

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valorosa contribuição à minha reflexão acadêmica sobre o povo negro sendo sempre a vanguarda de minhas tímidas reflexões, a Hamilton Borges, por sempre convidarme, pela prática, a um engajamento efetivo na luta e a Vilma Reis, por denunciar toda a branquitude machista impregnada nos porões da sociedade brasileira a que temos sido relegados e relegadas. Aos Companheiros de Juventude: Éden Valadares, Vladimir Costa e Juremar Oliveira fundamentais pela cobertura na reta final deste trabalho. Um sincero agradecimento pela parceria e pela solidariedade. Vocês me alimentam na utopia! A Riccardo Cappi, por ter sido companheiro de angústias e reflexões numa orientação que ultrapassou o trabalho e avançou na vida, fazendo com que hoje sejamos grandes amigos. A Hilário Dick S.J, pela leitura e comentário da versão preliminar do primeiro capitulo, a Solange S. Rodrigues pela fraternidade, pelas discussões sobre a forma e o conteúdo do trabalho e pelas mais variadas colaborações absolutamente fundamentais para a concretização deste estudo e a Lúcia Figueredo, pela colaboração na formatação e nas normas da ABNT. A Prof.ª Luiza Bairros, por ter aceitado participar da banca examinadora deste trabalho, apesar das suas inúmeras atividades como Secretária de Estado. Ao MAIS UEFS, pela luta por uma universidade autônoma e democrática agradeço em nome dos Magníficos Companheiros Zé Carlos Barreto e Washington Moura. Ao NENNUEFS, por reinventar-me como homem negro agradeço em nome de: Reginilde, Urânia, Elane, Railma, Yves, Marianna, Beatriz e Karine... As Pastorais da Juventude, pelos primeiros passos na militância e por terem me permitido, através da Campanha Nacional contra a violência e o extermínio de Jovens, retomar os estudos sobre violência e viajar pelo o país nas lutas em defesa da juventude, agradeço nas pessoas de Hildete Emanuele (minha liderança) e ao casal Quel e Quim (pouso fraterno para meus sonhos e angústias). Ao Núcleo de Estudos Criminológicos pelas discussões que embasam este trabalho, pelas importantes (re)visões deste projeto e, sobretudo, a oportunidade de conhecer a Escola de Criminologia de Louvain, numa viagem em que confirmei as minhas certezas e dúvidas sobre esta monografia!

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Para os que erraram mas souberam aprender com a lição dos revezes, os que já levaram tanta porrada mas não desanimam e continuam firmes no seu amor revolucionário, fazendo a sua parte todos os dias - em qualquer lugar do mundo pela redenção dos injustiçados e dos oprimidos. Thiago de Mello

A escrita, eu sei, é um recurso muito limitado. É como véu de fumaça que se dissipa ao simples sopro da história. A escrita não serve para nada, é inútil ao pragmatismo da história. Como sonhar com um mundo novo?De todo modo, eu arremesso verbos ao futuro enquanto repouso, abrindo caminhos com picaretas. Hamilton Borges Walê

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RESUMO

O presente trabalho estuda a noção de segurança pública entre 1988 e 2009, a partir das políticas públicas em nível federal, destacando as tendências apontadas no campo da política criminal e as representações produzidas pela sociedade civil e pelo poder público na construção da idéia de segurança no país. Com base na pesquisa qualitativa, com referência da análise indutiva dos dados o presente estudo analisou o Plano Nacional de Segurança Pública (2000), Projeto Segurança Pública para o Brasil (2002) e Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (2007), identificando as categorias pelas quais estes programas interpretam, explicam e intervém na questão da violência, enfatizando as tendências políticas dessas classificações. No primeiro capítulo, faz-se uma apresentação dos principais eventos sobre segurança pública, com destaque para a cobertura da mídia nacional, com base em revisão bibliográfica e consulta às fontes escritas de jornais, revistas e bases de dados digitais do período. No segundo capítulo, são apresentados os programas nacionais investigados, indicando as estruturas e temas abordados, assim como as leituras da violência e propostas de intervenção apresentados. No terceiro capítulo, uma discussão teórica sobre neoliberalismo e democracia, refletindo sobre a formação política do estado brasileiro, com ênfase na sua caracterização autoritária e racista, constitutivas da idéia de “estado penitência” formulado por Loïc Wacquant, e, por fim, uma reflexão sobre as modalidades hegemônicas de violência – interpessoal, institucional e estrutural – em contraposição à tese do mito do Brasil não violento formulado por Marilena Chauí, apontando para a um novo conceito de segurança pública, a partir das abordagens da reação social. Palavras-chaves: políticas públicas; segurança pública; política criminal.

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LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Síntese da tematização da Segurança Pública do Brasil ............ 54 Quadro 2 – Estrutura do Plano Nacional de Segurança Pública....................

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Quadro 3 – Estrutura do Projeto Segurança Pública para o Brasil 2002 .......

72

Quadro 4 – Estrutura do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania ................................................................................... 81 Quadro 5 – Resumo das Políticas de Segurança Pública .............................

94

Quadro 6 – Modalidades da violência ...........................................................

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ALERJ

Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro

CIEP

Centro Integrado de Educação Pública

CPI

Comissão Parlamentar de Inquérito

CPMI

Comissão Parlamentar Mista de Inquérito

ONG

Organização Não Governamental

PIAPS

Plano de Integração e Acompanhamento de Programas Sociais de Prevenção à Violência Urbana

PNDH

Programa Nacional de Direitos Humanos

PNSP

Plano Nacional de Segurança Pública

PRONASCI

Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania

Pronasci

Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania

PSP

Projeto Segurança Pública para o Brasil

RONDESP

Rondas Especiais

ROTA

Rondas Ostensivas Tobias Barreto

ROTAMO

Ronda Tático Motorizada

SENASP

Secretaria Nacional de Segurança Pública

SUSP

Sistema Único de Segurança Pública

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...............................................................................................

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2 UM PANORAMA DA TEMATIZAÇÃO DA SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL: (1988 a 2009) ..................................................................................

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2.1 POLÍTICAS PÚBLICAS: DE QUE MESMO ESTAMOS FALANDO? ............

18

2.2 UM HISTÓRICO DO CENÁRIO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL (1988 – 2009) ...............................................................................................

20

2.2.1 Entre a Ditadura e a Democracia: Abertura Democrática e Segurança Pública no Brasil (1970 a 1982) ............................................

20

2.2.2 As experiências locais e o esforço de inovação: o caso do rio de janeiro e a eleição de Brizola (1982 – 1988) ...........................................

25

2.2.3 A Constituição Federal e a segurança pública: poucos avanços e muitas demandas (1988) ..........................................................................

28

2.2.4 Neoliberalismo, crescimento da violência e repressão penal (1989 – 1994) ........................................................................................................... 31 2.2.5 A Era FHC e os descaminhos da segurança pública: o começo da institucionalização e poucos avanços na integração das políticas (1995 – 1998) .............................................................................................. 38 2.2.6 A criação da primeira Política Nacional e passos na construção da segurança como tema nacional (1998 – 2002) .......................................

40

2.2.7 O primeiro Governo Lula: muitas expectativas, um bom plano e poucos avanços (2003 a 2006) ................................................................

46

2.2.8 O segundo Governo Lula: O PRONASCI e o novo começo do debate nacional .....................................................................................................

49

2.3 O OBJETO TEÓRICO ...................................................................................

59

11

3 POLÍTICAS NACIONAIS DE SEGURANÇA PÚBLICA: AS PROPOSTAS E OS CONCEITOS APRESENTADOS .............................................................

60

3.1 O ITINERÁRIO METODOLÓGICO: OS CAMINHOS E DESCAMINHOS DA ANÁLISE DE POLÍTICAS PÚBLICAS ..........................................................

61

3.2 UMA ANÁLISE GERAL DOS PROGRAMAS: ESTRUTURA, AUTODEFINIÇÃO E TEMAS ABORDADOS ..........................................................

62

3.2.1 O Plano Nacional de Segurança Pública – 2000 ...................................

63

3.2.2 O Projeto de Segurança Pública para o Brasil– 2002 ...........................

70

3.2.3 Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania – 2007 ...... 80 3.2.4 Considerações comparativas sobre a estrutura dos programas ........

84

3.3 VIOLÊNCIA, (IN)SEGURANÇA, CAUSAS E RESPOSTAS: UMA LEITURA DOS TRÊS PROGRAMAS ...........................................................................

87

3.3.1 Violência ou Violências: visões a partir das políticas públicas ........... 88 3.3.2 As explicações dos programas nacionais de sobre a violência: respostas da (in)segurança .....................................................................

90

4 EM BUSCA DOS CONCEITOS: SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL ........

95

4.1 A EMERGÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO SOCIAL DA VIOLÊNCIA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO: NEOLIBERALISMO E AUTORITARISMO ... 4.2 VISIBILIZAÇÃO E OCULTAÇÃO DAS

DIVERSAS FORMAS

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DE

VIOLÊNCIA NO BRASIL ............................................................................

103

4.3 CONCEITO E TENDÊNCIAS POLÍTICAS EM MATÉRIA DE SEGURANÇA PÚBLICA ..................................................................................................... 108 4.4 VOLTANDO AOS PROGRAMAS: UM OLHAR TEÓRICO SOBRE OS PLANOS NACIONAIS DE SEGURANÇA PÚBLICA ..................................

110

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................

112

REFERÊNCIAS ..................................................................................................

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ANEXO ................................................................................................................ 122

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1 INTRODUÇÃO1

O objetivo do presente trabalho é investigar as formas pelas quais a noção de segurança pública foi tematizada nas políticas públicas em nível federal, entre 1988 e 2009. A partir de uma análise sobre os conceitos e práticas do poder público, da mídia e da sociedade civil no campo das questões da violência, pretende-se, neste trabalho, destacar os três principais planos nacionais de segurança pública apresentados no período, evidenciando suas tendências em matéria de conceituação da noção de segurança pública no país. Antes, porém, faz-se necessário explicitar como este tema foi construído e de que lugar este trabalho foi escrito. Do ponto de vista acadêmico, faz-se necessário evidenciar a trajetória pela qual fui incorporando este tema no horizonte das minhas preocupações e qual a abordagem assumida para orientar esta reflexão teórica. Militando entre as Pastorais da Juventude, o Partido dos Trabalhadores, as Comunidades Eclesiais de Base e o Núcleo de Estudantes Negras e Negros da UEFS, sempre tive o interesse de entender melhor as relações de poder na sociedade brasileira, com o objetivo expresso de atuar na perspectiva de um saber emancipador, capaz de empoderar sujeitos coletivos no seu processo de emancipação. Apesar de estudante de direito, tido por alguns como um saber hermético e, por vezes, como mera técnica de resolução de conflitos por meio da subsunção do fato ao valor e a uma norma,2 sempre entendi que poderia usar esse 1

O Decreto nº 6.583, de 29 de setembro de 2008, que promulga o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, assinado em Lisboa, em 1990, dispõe como período de transição o compreendido entre 1º de janeiro de 2009 e 31 de dezembro de 2012, lapso este em que coexistem as duas normas ortográficas no país. Dessa forma, é importante registrar que o presente trabalho não respeita o novo acordo ortográfico, se baseando nas antigas regras de ortografia ainda válidas no território nacional. 2 A este respeito, é clássica na Brasil a definição do jurista Miguel Reale segundo a qual o direito é “ordenação heterônoma, coercível e bilateral atributiva das relações de convivência, segunda uma

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conhecimento de modo diverso do que aquele que me era cotidianamente apresentado e, por decorrência lógica do meu engajamento político, fui procurar “no Direito” um campo de investigação que pudesse me libertar do formalismo retórico e da vestimenta tradicional na qual eu achava que não cabia enquanto militante social.3 O meu foco de interesse acadêmico, na graduação, sempre foi a questão do poder e das suas formas de expressão na sociedade de modo que a ciência política, a sociologia, a antropologia e o próprio direito sempre me serviram como campos do conhecimento pelos quais buscava entender as relações de poder na sociedade com vistas a alteração do cenário de exclusão e desigualdades a que grupos humanos vem sendo expostos ao longo da história. Assim, tive que conciliar uma necessidade objetiva de aprender “o direito” como instrumento de luta política para a defesa dos interesses dos grupos subalternizados a que me vinculo na luta social e produzir “sobre o direito” um conhecimento capaz de criticar aquele mesmo sistema normativo que eu usava e, portanto, avançar para um modelo de sociedade com outras normatizações e outras sociabilidades, por que não dizer para uma sociedade livre e igualitária. Diante desta tensão, fui buscar abrigo (político e teórico) junto a um campo interdisciplinar com grande penetração com o Direito, mas, com fundamentos diferentes dele, em que era possível dialogar com a questão que me movia na graduação e a pretensão política de comprometer-me com os desafios políticos que se punham a minha realidade. Falo, então, da criminologia, que foi o abrigo em que passei a desenvolver a minha reflexão. No campo criminológico sempre me interessei pelos aspectos relativos à integração normativa de fatos segundo valores.” REALE, Miguel. Lições Preliminares de direito. 20ª Ed., São Paulo: Saraiva, 1975, p.67. 3 Neste sentido, cumpre destacar as reflexões do Prof.º Augusto Sérgio São Bernardo, em sua dissertação de mestrado defendida em 2006 na UnB, sobre a relação entre identidade e direito a diferença, na perspectiva de refletir sobre os conceitos de raça, estado, direito e intersubjetividade. Tal pesquisa de mestrado traz importantes contribuições na construção de outras narrativas sobre o direito e seu lugar na modernidade, inclusive no que se refere à contestação da clássica definição de direito como fato, valor e norma defendida pelo jurista Miguel Reale. A leitura e a discussão deste trabalho, ao lado da leitura da obras consagradas do direito crítico brasileiro (Antonio Carlos Wolkmer, Luis Alberto Warat, José Geraldo de Souza Júnior, Edmundo Arruda Jr. e Boaventura de Souza Júnior), foram decisivos para a concepção de direito e de fato jurídico que orientam esta monografia, posto que permitiram uma abordagem mais ampla e contextualizada da temática da emancipação e da alteridade no mundo jurídico, fundamentais para os pressupostos teóricos e políticos da presente reflexão. Ver: BERNARDO, Augusto Sérgio S.. Identidade racial e direito a diferença. Xangô e Thémis. Dissertação (Mestrado em Direito, Estado e Sociedade) – Mestrado em Direito, Universidade de Brasília – UnB, Brasília: 2006.

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política criminal. As estratégias de “enfrentamento” à violência e as políticas públicas destinadas à promoção da segurança pública sempre me chamaram muito a atenção, notadamente porque são inúmeros os dados que apontam para o alto índice de letalidade e violência com que estas ações, pretensamente destinadas a reduzir a violência e promover a segurança4, atingem os grupos sociais subalternizados, especialmente negros, moradores das periferias urbanas, sem acesso aos mais elementares dos direitos sociais. 5 Causa-me questionamentos a reprodução inercial das formas tradicionais com que se fala e se faz segurança pública no Brasil, bem como a naturalização das ações de segurança como ações em que estão intrínsecos índices de letalidade, violência institucional e formas arbitrarias de relação com os grupos subalternizados. O embrutecimento do sistema e dos seus agentes, ao lado das conseqüências nefastas dessa combinação é algo que sempre inquietou a mim e aos grupos de ativismo político aos quais me vinculo. Assim, a princípio instigava-me pensar sobre as formas pelas quais o poder repressivo estatal selecionava seus alvos e, com isso, pretendi investigar os aparelhos policiais. Contudo, a pesquisa foi demonstrando que o caminho para a interpretação das formas de seleção do sistema penal e dos tipos de interferência estatal em matéria de manutenção da ordem e de preservação da paz social não se encontravam exatamente na estrutura da polícia ou nas formas hegemônicas de

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Quanto a questão das mortes ocorridas em operações policiais e/ou pela ação de milícias ou grupos de extermínio destaquem-se as várias denúncias ocorridas nos últimos 20 anos como o Relatório da CPI dos Grupos de Extermínio do Nordeste da Câmara dos Deputados, que demonstrou a sistemática de execuções ilegais na região; o Relatório da CPI das Milícias na Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, que diagnosticou o funcionamento de grupos paramilitares de execução em mais de 171 comunidade cariocas; os indicativos de violência policial contra comunidades rurais apontados pela CPMI da Terra, em 2005; ou ainda as insistentes denúncias de Organizações Não Governamentais como a Human Rights sobre a Força Letal e a Violência Policial nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, apontando o aumento do número de homicídio praticados por policiais entre 2000 - 2009 e o Relatório do Conselho de Direitos Humanos da ONU sobre execuções sumárias, extrajudiciais ou arbitrárias no Brasil, apresentado à sociedade em novembro de 2007 que recomendou medidas urgentes para o combate à violência policial no país. 5

Segundo pesquisa elaborada pela UNESCO em parceria com o Ministério da Justiça e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública o Brasil é o quarto país em taxas de homicídio (27 por 100mil) num ranking composto por oitenta e quatro nações, sendo que, entre os jovens, o Brasil sobe para a terceira posição internacional apresentando uma taxa de homicídios de 51,7 por 100 mil habitantes, um número extremamente alto em comparação com os padrões mundiais. Segundo esta mesma pesquisa tais índices de letalidade obedecem a uma “geografia de vulnerabilidade” de modo que, segundo o Projeto Juventude e Prevenção da Violência “a vítima de homicídio no Brasil tem um perfil bem definido: ela é jovem, masculina, negra e mora em áreas marcadas pela exclusão socioeconômica e pela precária presença do Estado, com destaque para municipalidades com alta proporção urbana.”

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policiamento, mas, no modelo de gestão de segurança (ou na falta de modelo) em que se introduz esse ou aquele tipo de aparelho policial. Em verdade, eu pretendia estudar as políticas de segurança pública. Desta forma, passei a me dedicar ao estudo da noção de segurança pública, ou, mais especificamente, das formas pelas quais essa noção é tematizada na agenda pública nacional investigando a forma com que esta tematização aparece nas políticas públicas a nível federal. Aí estava a minha questão de pesquisa. Construída na interação entre o engajamento social e a reflexão acadêmica, essa questão de pesquisa foi insistentemente lapidada pelas importantes intervenções do Grupo de Pesquisa em Criminologia, formado por estudantes e professores da UEFS, que me proporcionou uma aproximação com a criminologia enquanto campo teórico e, em seguida, com as suas tendências mais modernas, iniciando com a criminologia crítica latino-americana e se seguindo pelas tendências da Escola de Criminologia de Louvain, com a qual o Grupo estabelece profundas e proveitosas relações políticas e acadêmicas.6 Deste modo, caberia perguntar: Ora, esta é uma investigação científica ou um manifesto das posições políticas do seu autor? Sem medo, gostaria de enfrentar esta questão lançando sobre ela uma outra igualmente contundente e direta: Ora, o que é então a produção do conhecimento se não um caminhar cuidadoso e ético por entre as posições políticas colocadas “no mundo” e “para o mundo”? Sobre este assunto – dos riscos do abandono da empiria nas pesquisas sociais – é interessante lembrar a contribuição da Prof.ª Jacqueline Muniz que, em sua tese de doutoramento, afirma logo no primeiro capítulo: Os estudiosos encantados com os fenômenos que observam, por vezes se deixam convencer ou mesmo se enganar pela realidade que estudam. Na ânsia de comprovar a consistência de suas hipóteses, esquecem que a empiria que recortam é, também, o produto das expectativas do seu olhar no diálogo com as expectativas presentes no olhar do outro (MUNIZ, 1999, p.12).

Sem dúvida, não podemos nos enganar pelas nossas hipóteses. É preciso buscar, entre as expectativas dos olhares do pesquisador e do seu sujeito de

O Grupo de Pesquisa em Criminologia da UEFS (GPCRIM – UEFS), formado em 2007, desenvolve pesquisas na área de Controle Social, Violência e Direitos humanos tendo realizado, entre 2008 e 2009, vários Seminários e estudos sobre metodologia da pesquisa criminológica nos quais o presente trabalho monográfico fora idealizado, apresentado e discutido com o objetivo de aprimorar a abordagem e o percurso metodológico que ora se desenvolve neste estudo. 6

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pesquisa, uma mediação interativa em que a realidade pode ser analisada com tudo o que de complexo ela apresenta. Busco, neste trabalho, o rigor científico e metodológico necessários à validação científica do mesmo e não prescindo, portanto, da busca pelo rigor metodológico, pela boa utilização das técnicas e pelo aprofundamento teórico exigido para uma monografia de conclusão de curso. Contudo, o que tento fazer inicialmente é zelar pelo pressuposto ético de dizer claramente de onde se fala e, com isto, afastar, desde logo, qualquer interpretação reducionista daquilo que gostaria de chamar de engajamento intelectual. A investigação que ora se apresenta em forma de monografia é uma incursão sobre a forma pela qual o tema da segurança pública foi sendo apresentado na agenda pública nacional (entre 1988 e 2009) compondo-se, então, como um trabalho dividido em três capítulos cuja articulação passamos a apresentar. No primeiro capítulo faz-se uma apresentação da forma com que, no Brasil, a questão da segurança pública foi sendo tematizada a partir da Constituição de 1988, indicando o cenário no qual se desenrolaram os processos de elaboração dos documentos objeto desta investigação científica – os planos nacionais de segurança pública. Do ponto de vista metodológico, construiu-se tal cenário a partir de uma pesquisa nos jornais e revistas da época e, sobretudo, através da consulta dos dados eletrônicos sistematizados nos portais de notícia de circulação nacional possibilitando a recomposição da representação midiática da violência e da segurança pública nos últimos 22 anos. No segundo capítulo, pretende-se uma apresentação dos dados obtidos na pesquisa empírica, com a descrição sistematizada da estruturação dos programas, associada a análise da sua estrutura, dos temas abordados, das explicações da violência e das propostas de intervenção para o controle da violência, com o objetivo de oferecer ao leitor um panorama do que dizem os programas e, de quais as grandes tendências – explicativas e de intervenção – identificadas na apreciação dos próprios documentos. Por fim, no quarto e último momento busca-se retomar alguns elementos teóricos da conjuntura de formação da política criminal brasileira, com ênfase na formação autoritária do estado brasileiro e na articulação da idéia de “estado penitência”. Dentro da perspectiva de uma sociedade racista e neoliberal, pretendese analisar as modalidades de violência praticadas no Brasil, bem como as suas

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principais tendências de representação social, no esforço de compreender as imagens constitutivas dos modelos de leitura da violência no âmbito das noções de segurança pública identificados na pesquisa empírica realizada.

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2 UM PANORAMA DA TEMATIZAÇÃO DA SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL: (1988 a 2009)

Neste primeiro capítulo, faremos uma abordagem panorâmica sobre os fatos ligados à segurança pública que tiveram cobertura destacada da mídia no período entre 1988 e 2009. Com base em pesquisa bibliográfica, (consulta a jornais e revistas) indicaremos o cenário em que a questão da segurança pública emerge na sociedade brasileira nos últimos vinte anos indicando quais as ações da máquina pública, nesse setor; quais os principais planos nacionais de segurança e quais as relações entre o campo intelectual e o campo político quanto à tematização da segurança pública em nível nacional com objetivo de oferecer ao leitor o quadro – ainda que geral e não exaustivo – em que se localiza política e historicamente o objeto estudado nesta monografia. Contudo, antes de passar à apresentação histórica, faz-se necessário delinear o que sejam políticas públicas, ou, como elas são entendidas neste trabalho pretendendo esclarecer ao leitor que tipo de abordagem se fará, nivelando os entendimentos sobre o tema.

2.1 POLÍTICAS PÚBLICAS: DE QUE MESMO ESTAMOS FALANDO?

As políticas públicas são as diretrizes impressas à ação coletiva visando alcançar metas determinadas, como o desenvolvimento econômico, a redução das desigualdades sociais, a promoção de direitos ou o controle social da ordem pública (ADORNO, 2008). Trata-se de um conjunto expresso em leis, decretos, programas, linhas de

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financiamento etc., que informam o modo pelo qual se desenvolverão as ações estratégicas com vistas à produção de condições para a vida do conjunto da sociedade, para a garantia das previsões legais de direitos, bem como as ações específicas, seja para a reparação de grupos sociais historicamente excluídos, seja para a compensação de desigualdades econômicas e/ou socais, seja para a promoção do desenvolvimento econômico, político, social, ambiental, cultural ou territorial. Deste modo, as políticas públicas são os meios pelos quais os custos e benefícios sociais são repartidos, em função das interações entre as próprias metas dos Governos, as pressões e demandas dos grupos sociais interessados na adoção (ou não adoção) das políticas, os recursos e meios disponíveis para a garantia das ações, e, os conflitos existentes no conjunto da sociedade que criam, ou não, ambiente para a concretização deste ou daquele propósito. Em outras palavras, podemos falar em políticas públicas como “formas de exercício do poder político, envolvendo a distribuição e redistribuição de poder, o papel do conflito social nos processos de decisão, a repartição de custos e benefícios sociais” (TEIXEIRA, 2002). Em matéria de segurança a definição do que seriam políticas públicas torna-se um pouco mais complicada. Diferentemente do que se pode afirmar em áreas como educação, saúde, trabalho e assistência social, em que é auto-evidente a noção de um sistema normativo, com transparência, controle social, recursos e planejamento destinados à consecução de finalidades claras e específicas com vistas à garantia do interesse comum naquele seguimento, em matéria de segurança pública tal formulação não é tão direta e a noção de uma política pública de segurança, ou, política de segurança pública resulta como uma idéia dispersa sem forma e sem sínteses minimamente consensuadas, de modo que, qualquer tentativa de definição cairá, rapidamente, na confrontação de outra tese igualmente em disputa sem alcançar-se sobre o tema entendimento razoável entre pesquisadores especialistas na questão. Assim, tendo em vista a dificuldade de definir o que sejam políticas de segurança pública fiquemos provisoriamente com a idéia de que estas relacionam-se com o poder político de uma sociedade e de que a forma pela qual se organiza uma política pública – inclusive a política de segurança – é eminentemente a forma de

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uma disputa de interesses e projetos sociais, na perspectiva da garantia de direitos e da consolidação do estado democrático.

2.2 UM HISTÓRICO DO CENÁRIO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL (1988 – 2009)

Para apresentar o cenário da segurança pública no Brasil adotamos a seguinte periodização com o objetivo de facilitar o entendimento: entre a década de 1970 (auge da Ditadura Militar) e 1982 (ano das primeiras eleições para governador após o Golpe de 64); entre 1982 e 1988 (ano de promulgação da Constituição Cidadã); entre 1989 (ano das primeiras eleições diretas para presidente após a nova constituição) e 1994 (ano da eleição de FHC); entre 1995 (primeiro ano do Governo FHC) e 2002 (ano da eleição do presidente Lula); entre 2003 e 2006 (primeiro Governo Lula) e, por fim, o período entre 2006 e 2009, parte do segundo governo do presidente Lula.

2.2.1 Entre a Ditadura e a Democracia: Abertura Democrática e Segurança Pública no Brasil (1970 a 1982)

Na década de 70, com o avanço da urbanização (MARICATO)7, com a formação de espaços urbanos segregados e sem acesso à estrutura urbana básica e, sobretudo, com a forte restrição democrática do auge do período ditatorial brasileiro, cresce no país a percepção do problema da violência como problema social, bem como avança a idéia de que é preciso desenvolver ações policiais amplas de caráter repressivo e práticas autoritárias, típicas do modelo político ainda vigente. Seja na repressão política aos dissidentes do regime, seja no combate às formas de crime que avançavam no recém criado espaço urbano das favelas e nos bairros populares das grandes cidades, cresce a idéia de que apenas as polícias 7

Após séculos de um processo de urbanização concentrado na faixa litorânea ou próximo dela, em especial nas regiões Sul e Sudeste, o Brasil mostra sinais evidentes de mudanças no padrão de urbanização e migração interna rumo ao Centro-Oeste e ao Norte. Em 1970 o Brasil tinha cinco metrópoles com mais de 1 milhão de habitantes: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife e Salvador. (MARICATO, Emínia. Metrópoles Brasileiras. Publicado em http://www.itaucultural.org.br/proximoato/pdf/textos/textoerminiamaricato.pdf, acesso em 16 de maio de 2010)

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possuiriam um papel decisivo na “solução” de conflitos e na manutenção da ordem social, sobretudo porque, a partir da década de 1970, cresce o comércio de drogas ilícitas e começa a se constituir o estereótipo do “traficante”, tido como o anti-herói da sociedade brasileira. Capaz de justificar as maiores e mais impactantes incursões policiais de caráter bélico sobre as favelas do país “o traficante” era hegemonicamente representado como o jovem negro, pobre, financiado pelo dono da boca8 ou aquinhoado com o resultado de um assalto de sucesso, que, mediante dinheiro, armas e habilidade política, pudesse controlar o comércio de drogas na região e potencializar lucros em favor de possibilidades de maior crescimento. Frente a essa imagem, construída com forte contribuição da mídia, inicia-se no país a consolidação de altos investimentos no sistema penal com o aporte internacional das grandes campanhas antidrogas norte-americanas e com o apoio popular decorrente da ideologia do combate ao “mal do século XX” difundida pela imprensa e pelo discurso encetado pelas campanhas oficiais (FLAUZINA, 2008, p. 108). Significa, como bem analisa Vera Malaguti, uma base político ideológica sobre a qual vai se estruturar o modelo de formulação e gestão em segurança pública no país, inclusive nos anos posteriores à Constituição de 1998, pois,

com o auxílio luxuoso da mídia, permitiu-se que se mantivesse intacta a estrutura de controle social, com mais e mais investimentos na ‘luta contra o crime’. E, o que é pior, com as campanhas maciças de pânico social, permitiu-se um avanço sem precedentes na internalização do autoritarismo (BATISTA, 2001, p. 7).

Nesse período da década de 70 firma-se uma explicação na qual a violência nas cidades era entendida como resultado do tráfico e consumo de drogas que só seriam resolvidos com o combate sistemático ao “domínio das favelas pelos traficantes” com uma repressão ostensiva e com ação policial “dura e eficiente” – posicionamento ainda vigente em muitas das práticas e discursos sobre segurança pública na primeira década do século XXI. Por outro lado, além da violência estatal destinada a “combater o crime”, o país assistiu, em toda a década de 70, um

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Boca ou boca de fumo é a expressão pela qual se designam os pontos de comercialização de substancias ilícitas (gíria).

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aumento da atuação de grupos extermínio, como por exemplo a Scuderia Le Coq9 e o Esquadrão da Morte10, que atuavam com a participação ilegal de policiais e/ou expoliciais, causando verdadeiro terror nas favelas das cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, em movimentos que, como destaca o Prof. Luiz Eduardo Soares, marcam o cenário político de transição para o regime democrático e inseriram, lentamente, a temática da segurança pública no horizonte das preocupações atinentes à refundação da ordem democrática:

Desde o início da década de setenta, as denúncias de crimes contra os direitos humanos praticados pelas forças de segurança do Estado se avolumaram, a princípio timidamente, ganhando mais espaço e consistência à medida que a censura se tornava mais flexível. Instituições da Igreja e da sociedade civil, como a CNBB, a ABI e a OAB, manifestavam-se publicamente contra os excessos e desmandos ocorridos em quartéis e outros órgãos de segurança. A trégua parcialmente pactuada pela lei da anistia não poderia ser suficiente para aplacar as feridas, tampouco para se considerar resolvida a questão dos crimes contra os direitos humanos perpetrados pelo Estado. Operou-se, contudo, um deslocamento de foco. Se as lideranças políticas de esquerda, os intelectuais, os artistas, os estudantes não eram mais vítimas do arbítrio, o objeto historicamente preferencial da violência do Estado não granjeara ainda qualquer benefício dos novos tempos que, supunha-se, estavam por vir. As classes mais pobres da sociedade não haviam sido, até então, incorporadas ao elenco de vítimas portadoras dos mesmos direitos violados pelo Estado autoritário (SOARES; SENTOSÉ, 2000).

Assim, a preocupação com a violência policial e o recrudescimento autoritário, antes focado nos setores médios intelectualizados, voltou-se para os pobres, segregados do espaço urbano atingidos não só pelos já citados grupos de extermínio, mas, também com a referida “guerra ao tráfico”. Contra os negros essa violência institucionalizada tornou-se caso público na luta social11, notadamente 9

Scuderie Le Cocq ou Esquadrão Le Cocq é uma organização extra-oficial criada por policiais no Rio de Janeiro, por volta de 1965, e que atuou nas décadas de 60, 70, 80 e no começo de 90. 10 O Esquadrão da Morte foi uma organização surgida no final dos anos 1960 que eliminava supostos bandidos comuns (não os chamados subversivos). Começou no estado da Guanabara comandado pelo detetive Mariel Mariscot, um dos chamados "Homens de Ouro da Polícia Carioca", e se disseminou por todo o Brasil. Em geral, seus integrantes eram políticos, membros do Poder Judiciário, policiais civis e militares e era mantida, via de regra, pelo empresariado. A atuação deste grupo fora investigada pelo então promotor Hélio Bicudo e pelo Juiz Dirceu de Mello e está relatada no livro “Meu depoimento sobre o Esquadrão da morte” escrito pelo primeiro. 11

Na década de 70, no século XX, um fato importante que não podemos nos esquecer é de que, em 1978, ocorreu uma manifestação de vários grupos negros em São Paulo. Reunidos nas escadarias do

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após o surgimento do MNU (Movimento Negro Unificado) em 197812 e de outras organizações como o Ilê Ayê na Bahia em 1974 que insistentemente se mobilizaram, tendo como pauta permanente de reivindicação o fim da violência policial contra os negros no país e o respeito aos direitos humanos desta parcela da população. Nesse contexto, entre o fim da década de 70 e início da década de 80, com os indícios da derrocada (lenta e gradual) do regime ditatorial e com a renovação do tecido associativo nacional13, deflagra-se um debate sobre como proceder a transição de uma política de controle social dos conflitos por via penalrepressivo, inserido na lógica da doutrina da segurança nacional, para uma outra matriz de atuação policial e controle social, agora numa ordem democrática que começa a se esboçar e que, pela tensão dos movimentos sociais, pretendia-se contraposta à ordem que então seria vencida. Desde modo, antes de prosseguir na narração dos processos de tematização social da segurança pública na agenda nacional, cabe uma rápida digressão para demonstrar como, neste contexto, a partir do fim da década de 1970, passa-se a caracterizar o caso de segurança pública no Rio de Janeiro como caso nacional, cabendo neste estudo uma abordagem específica sobre estes processos antes de continuar na análise dos processos nacionais. Num ambiente marcado pela euforia de uma geração impedida de votar Teatro Municipal protestaram contra a morte sob torturas do trabalhador negro Róbson Silveira da Luz e a discriminação sofrida por quatro atletas juvenis negros, expulsos do Clube de Regatas Tietê, em São Paulo. Durante o ato público que acompanhou a manifestação, ocorreu a unificação de várias organizações negras, nascendo assim o Movimento Negro Unificado, mais conhecido como MNU (...).MUNANGA, Kabengele; GOMES, Nilma Lino. O Negro no Brasil de hoje. São Paulo: Global, 2006, p. 129. 12 A formação do Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial, que depois passou a se intitular apenas Movimento Negro Unificado (MNU), contestava a idéia de que se vivia uma democracia racial brasileira, idéia que os militares adotaram na década de 1970. Mas a questão racial também não encontrava lugar nas organizações de esquerda. Para a maioria delas, a desigualdade e o preconceito raciais eram decorrentes da exploração da classe dominante no sistema capitalista. Para a esquerda, só a revolução socialista poderia aniquilar toda e qualquer desigualdade, por isso não fazia sentido uma luta específica contra o racismo. Ao eliminar a desigualdade social, automaticamente se eliminaria a desigualdade racial – era assim que a maioria da esquerda pensava. ALBUQUERQUE, Wlamyra R. de, FILHO, Walter Fraga. Uma História do Negro no Brasil. Brasília: Fundação Palmares, 2006, p. 290. 13 Destaque-se nesse período a legalização de partidos políticos que sobreviveram clandestinamente no país como o PCdoB (Partido Comunista do Brasil) e o PSB (Partido Socialista Brasileiro), a fundação do Partido dos Trabalhadores, da Central Única dos Trabalhadores e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, bem como uma evidente revitalização das Pastorais Sociais da Igreja Católica, das Pastorais da Juventude, das Comunidades Eclesiais de Base, das Comissões Brasileiras de Justiça e Paz, bem como de várias outras importantes organizações populares no país.

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durante os 18 anos da ditadura, e num momento de forte rearticulação das forças sociais com vistas à construção da retomada democrática, em 1982 (SOARES, 2000) , realizaram-se as primeiras eleições estaduais diretas após o Golpe de 1964, marcada pelo retorno à cena pública de importantes lideranças regionais 14 que, em decorrência da repressão, estavam exiladas fora do país e que neste momento retornavam engajadas para se reposicionarem no cenário político nacional. Neste contexto, emerge no quadro nacional em matéria de segurança pública, o caso do estado do Rio de Janeiro, notadamente a sua capital, como caso emblemático da violência urbana no país, sendo importantes, para os fins deste trabalho, os motivos que conduzem o Rio de Janeiro ao centro do debate em matéria de segurança pública, seja na representação midiática dos crimes ocorridos no estado, seja no destaque dado pela imprensa às políticas de segurança adotadas pelo governo ou, ainda, pelo número de centros de pesquisa sobre violência e criminalidade que ali se desenvolveram. Com uma dinâmica de ocupação urbana irregular e com a constituição precoce de grandes conglomerados urbanos encravados nos sinuosos morros que conformam a sua geografia acidentada (MARICATO), a cidade do Rio de Janeiro possui níveis assustadores de desigualdade social, visivelmente identificada nas famosas favelas cariocas, construídas por barracos precários posicionados ao lado de grandes construções imperiais e/ou de luxuosos prédios residenciais e comerciais, que, já na década de 70, se erigiam nos contornos litorâneos da bela Baía de Guanabara.(ZALUAR; ALVITO, 2004, p. 7) Trata-se do resultado do processo em que, diante da estratégia dos republicanos radicais e dos teóricos do embranquecimento de construir cordões sanitários para afastar da cidade os negros pobres e sem terra, passou-se a ocupar espaços urbanos vazios dos morros e charcos fluminenses dando origem às favelas (ZALUAR; ALVITO, 2004, p. 7) que cresceram sem qualquer política de urbanização e de planejamento da ocupação do solo urbano, sem regularização fundiária e sem

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Dentre as lideranças que foram exiladas e que retornaram no fim da década de 70 por conta da Lei de Anistia destacam-se Miguel Arraes, que em 1982 fora eleito Deputado Federal pelo PMDB e em 1986 eleito Governador de Pernambuco; Waldir Pires, que regressara em 1970 tendo sido eleito Governador da Bahia em 1986; Leonel Brizola que fora eleito Governador do Estado do Rio de Janeiro em 1982 após o exílio em Paris e João Capiberibe que fora eleito Prefeito de Macapá em 1988 e em seguida Governador do Amapá em 1994 e 1998.

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plano de oferta aos serviços essenciais (água, esgoto, posto de saúde). Surgiram as imagens que fizeram da favela o lugar da carência, da falta, do vazio a ser preenchido pelos sentimentos humanitários, do perigo a ser erradicado pelas estratégias políticas que fizeram do favelado um bode expiatório do problema da cidade, o “outro”, distinto do morador civilizado da primeira metrópole que o Brasil teve. Lugar de lodo e da flor que nele nasce, lugar das mais belas vistas e do maior acúmulo de sujeira, lugar de finura e elegância de tantos sambistas, desde sempre, e da violência dos famosos bandidos que a cidade conheceu ultimamente, a favela sempre inspirou e continua a inspirar tanto o imaginário preconceituoso dos que dela querem se distinguir quanto os tantos poetas e escritores que cantaram suas várias formas de marcar a vida urbana no Rio de Janeiro (ZALUAR; ALVITO, 2004, p. 7).

Neste momento, o que se pretende aqui destacar é que, por meio de exacerbações caricaturais, o Rio passou a ser tematizado como emblema da violência urbana no país ao passo em que, por outro lado, as políticas e as idéias ali discutidas passaram a ser referência para a tematização da segurança em toda a agenda pública nacional. Assim, neste estudo que pretende analisar a forma pela qual a questão da segurança foi tematizada no país o Rio de Janeiro assumirá muitas vezes um destaque maior como forma de demonstrar aquilo que, mesmo tendo acontecido em nível estadual foi alçado pela representação da mídia como caso nacional merecendo uma análise destacada neste estudo.

2.2.2 As experiências locais e o esforço de inovação: o caso do Rio de Janeiro e a eleição de Brizola (1982 – 1988)

No fim da ditadura militar ocorre um momento chave dessa “proeminência carioca” na tematização da questão da segurança pública no país. Em 1982, o gaucho Leonel Brizola, tido durante anos como o inimigo número 01 do regime militar, surpreende aos analistas políticos, e torna-se governador do Rio de Janeiro com altos índices de aprovação popular. (SOARES; SENTO – SE, 2000) Desde a Campanha Eleitoral, Brizola apresentou-se como um grande

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renovador das políticas de segurança pública do Rio de Janeiro e prometeu, ao lado do seu vice-governador, o renomado intelectual Darcy Ribeiro, apresentar um programa de segurança pública radicalmente novo, capaz de deslocar a atenção da ação meramente policial e trazer para o manto da legalidade a ação dos homens responsáveis por garantir a segurança do país. Como primeiro ato de seu Governo, Leonel Brizola extinguiu a Secretaria de Segurança Pública do estado do Rio de Janeiro e criou para o seu lugar o Conselho de Justiça, Segurança Pública e Direitos Humanos, fazendo das chefias de polícia militar e polícia civil órgãos com status de secretaria dentro da estrutura administrativa do executivo estadual. Além disso, Brizola desenvolveu ainda ações “de caráter social” com destaque para os CIEP’s (Centros Integrados de Educação Pública) e o “Cada Família um lote”, programa de habitação popular, ambos destinados a promover inclusão social e reduzir os índices de segregação nas favelas alterando os rumos das políticas de educação antes desenvolvidas no Rio de Janeiro. Tais medidas, porém, não foram capazes de produzir na sociedade carioca um sentimento de segurança15 e nem mesmo de reduzir os índices de violência vividos no estado do Rio, notadamente em sua capital. Boicotes de setores das polícias, oposição do Governo Federal, pressão por parte da imprensa e, ainda, a incompreensão de setores intelectuais identificaram as medidas do então governador Leonel Brizola como um entrave à efetiva atuação policial, construída no período anterior como medidas duras de clara inspiração autoritária. Tratou-se de medidas que, mesmo rompendo com a lógica reativa em matéria de segurança pública não foram capazes de alterar o rumo das políticas no estado, e nem mesmo de inspirar iniciativas semelhantes em outras unidades federativas ou nas políticas do Governo Federal16. A noção de “sentimento de segurança” é uma noção complexa que neste trabalho é usada como forma de identificar uma certa representação hegemônica sobre o assunto sem contudo afirmar que este “sentimento” fora aferido empiricamente através de pesquisas científicas, pois, em matéria de vitimologia, são raras no país as pesquisas abalizadas tratando do período. Ao afirmarmos que não se produzira um sentimento de segurança referimo-nos à representação majoritária de jornalistas da época que falavam de um forte “medo social” sem pretender esgotar os usos acadêmicos da expressão. Sobre o assunto valemos prioritariamente dos achados do Prof. Luiz Eduardo Soares indicados no texto: SOARES, Luiz Eduardo; SENTO-SÉ, João Trajano. Estado e segurança pública no Rio de Janeiro: dilemas de um aprendizado difícil. Janeiro de 2000. Publicado no site: http://www.ucamcesec.com.br 16 A trajetória política do governador Leonel Brizola tem sido objeto de inúmeras investigações acadêmicas não só na área de segurança pública, mas também no campo da ciência polícia, 15

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Apesar de adotar medidas interessantes o pioneirismo do Governo Brizola em matéria de segurança pública, foi interditado por uma série de fatores de ordem política e, também, gerencial. Na análise do Prof. Luiz Eduardo Soares:

(...) o projeto de Brizola passou a ser entendido como permissivo e complacente com o crime, sendo a ele atribuído o crescimento dos índices de criminalidade no estado, principalmente na capital. A série de ocupações de áreas públicas e particulares ocorridas nos anos de 83 e 84, quando a Polícia Militar, seguindo orientação do próprio governo, evitava a intervenção com uso de força, acabaram por dramatizar a imagem que se construiu ao longo do primeiro governo Brizola. O sentimento que tomava forma era de que a segurança pessoal e a propriedade dos "cidadãos de bem" encontravam-se ameaçadas por um governo "populista" que não apenas era conivente como incentivava a desordem. Antigos fantasmas foram reavivados. A imagem do líder agitador, pouco afeito ao respeito à ordem e dotado de uma incontrolável atração pelo levante, divulgada desde antes do golpe de 64 e insistentemente cultivada ao longo do regime militar, reapareceu com enorme poder de persuasão. É nessa ocasião, já nos dois primeiros anos de governo, que tal imagem sofre uma redefinição significativa. Se a suposta vocação "subversiva" de Brizola tivera outrora um caráter eminentemente político, se seu alegado irredentismo voltava-se contra a ordem institucional democrática, a partir da primeira metade da década de 80 ela é deslocada para a questão social. A associação de Brizola à desordem passa a ser respaldada pelas denúncias de comprometimento com o crime organizado. (...)É nessa atmosfera de descrédito quanto à eficácia dos princípios orientadores da política de segurança pautada no respeito aos direitos humanos que Moreira Franco, candidato pelo PMDB e respaldado pelo apoio de uma frente composta por doze partidos, vence as eleições de 1986 (SOARES; SENTO-SÉ, 2000).

Assim, entre 1987 e 1990, durante o governo de Moreira Franco, aumentaram os índices de violência criminal no estado do Rio de Janeiro (SOARES, SENTO-SE, 2000) e, por outro lado, cresceu a sensação de insegurança17 da

sociologia e história em pesquisas que buscam compreender o significado das suas gestões a frente do governo do Rio de Janeiro bem como o impacto político de suas idéias no cenário político nacional. Sobre o brizolismo, nome pelo qual se designa a corrente política liderada por Brizola, ver: SENTO-SÉ, João Trajano. Brizolismo: estetização na política e carisma. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1999. 17 Novamente cumpre ressaltar que ao afirmarmos que há um aumento da sensação de insegurança não estamos minimizando o significado do conceito de “sensação de segurança”, idéia muito cara à reflexão vitimológica. Usa-se a expressão apenas como forma referenciar uma maior cobertura da violência pela mídia e, portanto, uma maior inserção do tema na agenda pública, aspecto fundamental para os fins deste trabalho.

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população, que, do ponto de vista da gestão, não encontrava resposta do estado e permitia a construção de alianças entre as comunidades e os traficantes que, de fato, passavam a desempenhar um papel suplementar no campo da assistência social nas favelas cariocas. Neste contexto, o governo Moreira Franco acontece, no período em que o país vivia a efervescência política de um processo de Assembléia Nacional Constituinte (1987 – 89), sem que grandes contribuições fossem dadas no que tange à intervenção estatal em matéria de segurança pública no estado do Rio de Janeiro em que a violência se identificou como um “caso-tipo” da violência urbana em todo o país.

2.2.3 A Constituição Federal e a segurança pública: poucos avanços e muitas demandas (1988)

Com o fim da ditadura militar iniciou-se, no país, uma séria e aprofundada disputa entre os grupos que defendiam um radical movimento de ruptura com o regime e aqueles que sustentavam a tese da transição lenta, gradual e segura (GASPARI, 2004, p. 409). De um lado, os grupos alinhados aos setores de esquerda, interessados em aprofundar as mudanças sociais e radicalizar em relação aos militares que ora se fragilizavam no poder, e, de outro lado, os setores militares que defendiam a tese da constituição de um pacto para que, lentamente e sem sobressaltos, fossem acordados os termos da nova Constituinte. Contando com o apoio da grande imprensa e com a utilização da sua forte maioria parlamentar venceu a posição dos que defendiam um lento processo de abertura política que passou, inicialmente, pela aprovação da Lei de Anistia, em 1979, e, em seguida, por uma série de medidas liberalizantes18 que culminaram em O governo do presidente João Baptista Figueiredo (1979 – 1985), apesar das resistências, deu continuidade à abertura política iniciada no Governo anterior [Governo Geisel 1974 – 1979]. “(...)Sob pressão, cada vez maior da sociedade. Além do MDB, a oposição ao regime era liderada pela Igreja Católica e outras instituições, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e vários sindicatos, entre eles o dos Metalúrgicos do ABC, liderados por Luís Inácio da Silva, o Lula. O governo Figueiredo foi marcado por intensa mobilização popular, destacando-se, além das greves por melhoria de salários e pela democracia, inúmeras manifestações, reivindicando o fim do regime 18

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1987 com a instalação da Assembléia Nacional Constituinte. (GURAN, 1988, p. 104) Deste modo, é importante observar que a Carta Constitucional de 1988 possui contradições decorrentes do tipo de arranjo político que deflagrou as eleições constituintes. Em alguns aspectos, pouco ou nada avançou a Carta Política de 1988 em relação à ordem constitucional anterior ao passo que, em outros aspectos, verdadeiras inversões de paradigmas tenham sido promovidas em função da refundação constituinte. Em matéria de segurança pública temos um destes temas em que as permanências foram mais fortes que as rupturas. Do ponto de vista constitucional, mantiveram-se as mesmas estruturas policiais da ordem constitucional precedente, deixando de apresentar à opinião pública “projetos que adequassem a polícia à democracia então estabelecida” (SOARES, 2003, p. 80) e mantendo inalteradas as formas de policiar em disputa no país. Sob o aspecto histórico, perdeu-se a oportunidade de, naquele momento fértil, avançar para modelos mais modernos de segurança pública e mais adequados à ordem democrática que ora se instituía. (MUNIZ, 1999, p. 16) Na ordem constitucional a segurança pública foi alçada à condição de direito da sociedade e dever do estado19, a ser garantida pela ação das polícias (federal, rodoviária federal, ferroviária federal, civil, militar e corpo de bombeiros). Contudo, manteve a Polícia Militar como força auxiliar do Exército Brasileiro fixando a obediência dos policiais a uma forte hierarquia e a constituição de uma jurisdição militar à qual se submetem os policiais que atuam no policiamento ostensivo.

de exceção, a anistia aos condenados por razões políticas e as eleições direitas para todos os níveis de governo. A pressão popular surtiu efeito, e as conquistas vieram gradativamente: fim do bipartidarismo, em 1979 (...); anistia a todos os punidos pelo regime militar, sendo esta lei de iniciativa do Executivo (1979), possibilitando o retorno imediato ao Brasil de numerosos exilados políticos; reestabelecimento das eleições diretas para governados (1982). Aos pouco, a ditadura militar definhava, enquanto o ideal da redemocratização se fortalecia. Apesar dos esforços de Figueiredo para eleger um sucessor militar ou um civil controlável pelos militares, seu governo seria o último da ditadura, que terminaria com as eleições presidenciais de 1985.” DUARTE, Gleuso Damasceno. Jornada para o nosso tempo: o mundo contemporâneo. Vol. 4, Belo Horizonte: 1997, p. 141. 19 Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV polícias civis; V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

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Em que pese a Constituição de 1988 seja a primeira a referenciar a expressão “segurança pública” como um direito social na história das constituições brasileiras, na prática, a Carta Política não adiciona um novo formato às já conhecidas polícias brasileiras que passavam a responsabilidade dos estados, porém, ainda militarizadas, com fortes princípios de hierarquia e superposição em relação às polícias civis. (MUNIZ, 1999) O debate sobre desmilitarização e unificação das polícias, construção de ouvidorias independentes com status constitucional, apuração dos crimes cometidos pelas polícias no âmbito da ditadura militar – sejam as torturas decorrentes de motivação política por dissidência ao regime ou as torturas e assassinatos em comunidades pobres fruto da violência policial – não foram temáticas aprofundadas pela Assembléia Nacional Constituinte. No que tange à Justiça Militar houve um retrocesso. Diferentemente da Constituição de 1969 a Constituição Cidadã criou “foro privilegiado” para julgamento de policiais.

Antes de 1988, existiam tribunais militares em poucos estados. Com o novo texto constitucional, qualquer estado do país onde o efetivo dos policiais militares seja superior a 20 mil homens ficou autorizado a criar, mediante proposta do Tribunal de Justiça, a Justiça Militar Estadual, constituída em primeiro grau, pelo Conselho de Justiça e, em segundo, pelo próprio Tribunal de Justiça ou por Tribunal de Justiça Militar nos estados (artigo 125, incisos 3º e 4º) (MARIANO, 2004, p. 49).

A Constituição furtou-se a temas muito caros à efetiva inovação nesta área. Temas como um fundo constitucional para a segurança pública foram evitados pelos constituintes e, diferentemente do que aconteceu com a educação, em que se criou o FUNDEF (Fundo Nacional de Desenvolvimento do Ensino Fundamental); ou com a saúde, onde o SUS (Sistema Único de Saúde) foi criado, na esfera da segurança pública, não aconteceu a institucionalização de instrumentos definidores de políticas públicas que merecem este nome. Como analisa Luiz Eduardo Soares:

Essa omissão [referindo-se à não discussão dos temas da desmilitarização e das competências municipais em matéria de segurança pública] condenou a polícia à reprodução inercial de seus hábitos atávicos: a violência arbitrária contra excluídos (particularmente pobres e negros), a tortura, a chantagem, a

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extorsão, a humilhação cotidiana e a ineficiência no combate ao crime, sobretudo se os criminosos pertencem a altos escalões. Claro está que sempre houve milhares de policiais honestos, corretos, dignos, que tratam todos os cidadãos com respeito e apresentam-se como profissionais de grande competência. Mas as instituições policiais, em seu conjunto e com raras exceções regionais, funcionaram e continuam a funcionar como se estivéssemos em uma ditadura ou como se vivêssemos sob um regime de apartheid social. Constrói-se uma espécie de “cinturão sanitário” em torno das áreas pobres das regiões metropolitanas, em benefício da segurança das elites. Nesse sentido, poder-se-ia afirmar que o negligenciamento para com a polícia, no momento da repactuação democrática, em certa medida, acabou contribuindo para a perpetuação do modelo de dominação social defendido pelos setores mais conservadores. Ou seja, essa negligência apresenta-se muito mais como estratégia do que uma indiferença política propriamente dita (SOARES, 2000, p. 90).

A Assembléia Nacional Constituinte consagrou um dilema que marca a relação entre os mais variados campos políticos no Brasil em matéria de segurança pública. Das mais diferentes formas, vive-se a tensão entre eficiência da intervenção, com o objetivo de conter a violência, e o respeito aos direitos humanos, como meio de garantir liberdades individuais e a integridade da pessoa humana.

2.2.4 Neoliberalismo, crescimento da violência e repressão penal (1989 – 1994)

Em 1989, no primeiro embate eleitoral pós-Contituinte, essa “falta de novidade” quanto aos complexos questionamentos apresentados sobre segurança pública fez com que a discussão sobre a matéria aparecesse na fala dos candidatos apenas como sintoma20 do aumento da violência. Sem um campo normativo que apresentasse inovações sobre o assunto os candidatos viram-se cercados por um mundo de demandas e uma pequena quantidade de respostas revezando-se em repetir, sem muitas novidades, as velhas fórmulas clichês, não muito diferentes daquelas ouvidas em tempos de ditadura. 20

Fala-se em sintoma como forma de identificar que a questão da segurança pública não era tematizada na fala dos candidatos como uma questão sobre a qual repousavam reclamos por direitos sociais, estabilidade política, cidadania e participação social, mas, pelo contrário, apenas como uma percepção sensorial da criminalidade registrada, como uma demanda por proteção por parte da classe média ou como uma sensação de que era preciso estabelecer limites aos setores sociais desenfreados ou estabilidade à falta de coesão social.

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Tratou-se de um processo eleitoral que logo se polarizou entre Fernando Collor, o candidato desconhecido que se apresentava como “Caçador de Marajás” prometendo o combate à corrupção e Luis Inácio Lula da Silva, candidato do Partido dos Trabalhadores, importante liderança sindical do ABC com um programa democrático popular de esquerda. Neste cenário, a discussão sobre segurança apareceu muito mais por causa de ocorrências periféricas, como o caso do seqüestro de Abílio Diniz – cujo resultado influenciou a eleição prejudicando o PT – do que efetivamente discutindo temas capazes de atualizar a abordagem sobre o assunto no país. A polarização de conteúdo mais evidente no debate eleitoral sobre segurança pública em 1989 foi entre aqueles mais comprometidos com os direitos humanos, a consolidação da democracia e a afirmação de garantia das liberdades e conquistas dos trabalhadores e, por outro, aqueles candidatos que, apesar de disputarem na nova ordem democrática, permaneciam como caudatários do receituário ditatorial – pautado na lógica da repressão -, sem capacidade de produção de um discurso inovador para o momento. Contudo, em ambos os pólos da disputa (seja nos candidatos mais à direita ou naqueles mais à esquerda) faltavam as formulações teóricas e práticas em matéria de segurança pública. Em ambos os campos os candidatos limitaram-se a apresentar respostas superficiais e simplórias ao tema da segurança pública. Neste embate eleitoral, venceu o candidato Fernando Collor de Melo, que prometeu focar a sua intervenção no campo do combate à corrupção e afirmou conduzir o país a uma nova quadra da sua história, por meio de reformas modernizantes capazes de inserir a República Brasileira no circuito das grandes nações do mundo21. Contudo, apesar das fortes expectativas desencadeadas pelo acirramento da disputa eleitoral e pelas fortes demandas sociais reprimidas por anos de ditadura, o país teve que enfrentar a rápida interrupção das suas expectativas posto

que

fora

rapidamente

surpreendido

pelas

denúncias

de

corrupção

apresentadas contra o presidente Fernando Collor, ainda na primeira metade do seu Governo. 21

Neste cenário, de derrocada dos regimes do Leste Europeu e queda do Muro de Berlim nascia como receituário em matéria econômica o neoliberalismo que influenciou decisivamente o programa do presidente Collor que, influenciado pelas tendências econômicas norte-americanas, proponha uma inserção brasileira no mundo neoliberal.

33

O início da entrada do Brasil na lógica do neoliberalismo econômico, associada a um governo sobressaltado pelas inúmeras denúncias de corrupção fizeram com que o Governo Collor fosse inexpressivo em termos de avanços na área social, assim como o governo provisório do seu vice-presidente Itamar Franco.22 Com um forte nível de desigualdade social, concentração de renda e corrupção o país viveu os anos posteriores à ditadura (1990 a 1993) marcado por um aumento significativo da violência urbana e quase absoluta omissão a nível federal no que se refere às políticas de segurança pública. Já em junho de 1990, primeiro ano do Governo Collor, ocorreu a Chacina de Acari, na cidade do Rio de Janeiro, em que onze jovens foram seqüestrados e mortos por policiais militares apontando, ainda no primeiro semestre de 1990, para uma permanência autoritária que configurará toda a década de 90 no que tange à atuação policial (ARAÚJO, 2007, p. 23). Verificou-se nos dois primeiros anos do novo governo um aumento da violência urbana com foco para o crescimento da violência policial. No estado de São Paulo, por exemplo, enquanto em 1990 foram registradas, segundo a Ouvidoria de Polícia do Estado, 585 (quinhentos) civis mortos pela polícia militar; em 1991 o registro foi de 1.056 (mil e cinqüenta e seis) e, em 1992, de 1.421 (mil quatrocentos e vinte um), ou seja, um aumento significativo do número de mortes com a participação de policiais militares.23 Tal avanço possibilitou que, do ponto de vista da imprensa, crescesse o interesse pela violência como produto a ser comercializado: em 1991, começou a ser transmitido pelo SBT (Sistema Brasileiro de Televisão) o programa Aqui Agora, destinado à transmissão de reportagens policiais com foco nos assassinatos e crimes escandalosos. (RAMOS, 1998, p. 111) O programa, pioneiro numa linguagem jornalística agressiva, com a projeção ao vivo de cenas de perseguição policial, deu origem a um gênero jornalístico no país que teve como outras expressões o programa Cidade Alerta, transmitido a partir de 1995 pela Rede Record, o Linha 22

Para as finalidades deste estudo referimo-nos ao período de 1990 a 1993 como um único governo, contudo, é importante esclarecer que o governo do Presidente Fernando Collor de Melo vai de 01 de janeiro de 1990 a 02 de outubro de 1992 quando assume o seu vice-presidente, Itamar Franco que comanda o país até 31 de dezembro de 1993. 23 Tais dados são apresentados no livro “Por um novo modelo de polícia no Brasil” de autoria de Benedito Domingos Mariano. Segundo o autor, estes números foram publicados conforme determinado pela Resolução n.º 168 da Secretaria de Segurança Pública, de 7 de maio de 1998. Tais resolução foi elaborada pelo secretário interino de Segurança Pública, após a Ouvidoria de Polícia do Estado de São Paulo descobrir que os dados oficiais publicados anteriormente não eram completos.

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Direta, transmitido pela Rede Globo de Televisão e o Brasil Urgente, transmitido pela Rede Bandeirantes de Televisão a partir de dezembro de 2001. Tal gênero televisivo foi responsável pela introdução de um componente novo na opinião pública brasileira em matéria de justiça criminal e de segurança pública. Funcionando como um holofote para a atuação dos grupamentos especiais das policiais militares (tipo ROTA, ROTAMO, RONDESP, etc.) o filão do jornalismo policial foi amplamente explorado a partir do caso do Aqui Agora com ampla aceitação popular e grande influência na emissão de opiniões sobre as políticas de segurança pública. (RAMOS, 1998, p. 13) Este novo gênero jornalístico fortaleceu na sociedade a idéia de segurança associada a uma atuação policial reativa, equivalente ao modelo de polícia novaiorquino24, com destaque para as mega operações e para as insistentes ofensas proferidas no ar aos acusados de terem cometido algum crime. (ROLIM, 2007; BARCELOS, 2009) Paralelamente ao período do Governo Collor (1990 – 1994) os dois estados mais populosos e urbanos do país experimentaram diferentes tipos de gestão em matéria de segurança pública, com efeitos igualmente letais. No Rio de Janeiro, com o retorno de Leonel Brizola ao poder, e, em São Paulo, com o Governo de Luiz Antonio Fleury. No Rio de Janeiro, quatro grandes fenômenos ocorrem no campo da criminalidade no estado neste período. De um lado, cresce a percepção do comércio ilegal de drogas nos morros como um problema sério para a população ao passo em

Este tipo de policiamento é conhecido mundialmente dentro da política de “tolerância zero” implementada no início dos anos 90 em Nova Iorque. “A idéia central do pensamento ali desenvolvido [do tolerância zero] é o de que uma pequena infração, quando tolerada, pode levar ao cometimento de crimes mais graves, em função de uma sensação de anomia que viceja em certas áreas da cidade. A leniência e condescendência com pequenas desordens do cotidiano não devem ter sua importância minimizada. Ao contrário. Não se deve negligenciar essa importante fonte de irradiação da criminalidade violenta. Esse pensamento é metaforicamente exposto com a teoria das janelas quebradas. (...) No que concerne às atitudes iniciais de policiamento sob a égide da política de tolerância zero, passou-se a reprimir todo tipo de desordem social, ainda que isso não significasse necessariamente um crime. (...) Até mesmo sentar-se na calçada passou a ser uma infração a ser reprimida pela polícia de Nova York. A política de “guerra às drogas” ganha novos coloridos, com a exacerbação da repressão. Ela se dá através da postura conhecida como stop and frisk, mecanismo relativamente incomum nos Estados Unidos, que permitia parar os suspeitos para revistá-los com objetivo de apreensão de drogas.” SHECAIRA, Sérgio Salomão. Tolerância Zero. In Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 5, p. 165 – 176, outubro/2009. 24

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que crescem os famosos “arrastões” nos bairros de classe média com forte cobertura midiática; por outro, avança a idéia de uma criminalidade controlando o estado, notadamente através dos magnatas do jogo do bicho com forte penetração nas comunidades populares e poder de influência nos poderes públicos e, por fim, crescem visivelmente as ocorrências de chacinas com participação de agentes da força policial (SOARES; SENTO-SE, 2000). Em 1992, ano das eleições municipais, ocorre no Rio de Janeiro a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD), conhecida como ECO 92, em que lideranças de todo o mundo estiveram presentes para discutir as tendências da degradação ambiental no planeta e as medidas necessárias para a sua redução. Neste período, a capital da república fora transferida para cidade do Rio, num reconhecimento da importância do evento, e, por isto, as Forças Armadas assumiram a segurança da capital fluminense. Tal fato, representou sérios problemas para a população das periferias da cidade que passaram a viver tempos de muito medo por decorrência desta medida que militarizou as favelas entendida como meio para assegurar a integridades dos chefes de estado presentes ao encontro. Por outro lado, o sentimento das classes médias no período da ECO 92 foi o de segurança e paz social de modo que, após o encontro cresceram as defesas da utilização permanente das tropas do exército para o controle da crimininalidade do Rio. Em tal contexto, marcado pelo avanço da criminalidade ocorreram, no ano de 1993, três fatos que marcaram a segurança pública em todo o país: em fevereiro, durante o famoso carnaval carioca o bicheiro Castor de Andrade concedeu entrevista às redes de TV que cobriam a festa proferindo críticas contra a “perseguição aos bicheiros” desenvolvida pelo ministério público e pelo Poder Judiciário do Rio; em julho, ocorreu na cidade a Chacina da Candelária, com a morte de oito meninos de rua com idade entre 11 e 19 anos pela ação de policiais militares,e, em agosto do mesmo ano, a Chacina de Vigário Geral que vitimou vinte e um moradores da favela. Tais episódios, desencadearam um forte sentimento de insegurança25 que constrastavam com as medidas integradas de segurança pública que tentava Esta idéia de “sentimento de insegurança” é uma noção de natureza vitimológica que será retomada nos capítulos posteriores deste trabalho. 25

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desenvolver o então governador Leonel Brizola e criaram um forte movimento social em defesa de mais eficiência na atuação policial, ainda que em detrimento dos direitos humanos. (BATISTA, 2003, p. 29) Neste mesmo ano (1993) aconteceu na cidade do Rio de Janeiro, uma manifestação pela paz com a participação de milhares de pessoas no dia 17 de dezembro e em seguida a criação da ONG Viva Rio que depois vai se tornar uma grande organização no debate de segurança pública no país enfrentando fortes críticas26, especialmente da intelectualidade de esquerda do Rio que identificavam, naquela organização, uma iniciativa

de

tendência neoliberal27 sem compromisso com a efetiva transformação social e com a construção de instrumentos de combate a violência. Em São Paulo, por sua vez, crescia também o sentimento de violência descontrolada e vulnerabilidade dos setores médios da população. Apesar das medidas duras adotadas pelo então Governador Luiz Antonio Fleury, opostas às tentativas de respeito aos direitos humanos do governador Brizola no Rio, a violência cresceu em demasia em todo o estado de São Paulo e a questão carcerária apresentou-se como um verdadeiro ponto frágil do Governo do Estado. Cadeias lotadas, constantes rebeliões, alta insalubridade nos presídios e denúncia de violações de direitos humanos, crescimento do número de crimes contra a vida e contra o patrimônio e aumento do tráfico de drogas marcam o período de 1990 a 1993, também no estado de São Paulo. Tudo isso, combinado com um forte recrudescimento da ação policial liderada pelo Governor Fleury, que foi expresso de forma simbólica no caso do Massacre do Carandiru, em que 111 presos foram mortos pela Polícia Militar do estado quando o próprio chefe do executivo acompanhava as negociações. (VARELA, 2001, p. 100) Tal episódio, apesar não ser estritamente um caso de segurança pública e Em amplos setores dos movimentos sociais o Viva Rio é conhecido como “Viva Rico” numa referência à sua formação majoritariamente composta por setores empresariais e da elite fluminense inseridos no movimento de terceiro setor, sem enraizamento e relação com movimentos sociais mais populares. Sobre esse assunto, o pesquisador Nilo Batista pronunciou-se de modo peremptório afirmando que o Viva Rio era um “movimento social de proveta (...) para ajudar a alavancar 1994, quando o neoliberalismo ia se estabelecer com Fernando Henrique e Brizola ia ser ferrado.” BATISTA, Nilo. “Todo crime é político”. Caros Amigos, São Paulo, v. 77, p. 28-33, ago. 2003. Entrevista concedida a Hugo R. C. Souza, Luciana Gondim, Maurício Caleiro, Paula Grassini, Rodolfo Torres e Sylvia Moretsohn. 27 Sobre a crítica ao marketing social e a exploração de situações de desigualdade e injustiça ver o filme “Quanto vale ou é por quilo” faz uma grande crítica as ONGs e suas capitações de recursos junto ao governo e empresas privadas 26

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sim de política carcerária, representou a exposição de um sério problema de gestão no campo do controle estatal sobre a violência criminal como um todo no estado de São Paulo, de modo que,

pode ser apresentado como caso ícone da crise da

segurança pública no estado, já no começo da década de 90. Nos

outros

estados

a

tendência

de

aumento

generalizado

da

criminalidade registrada também se verificava e, por parte dos governos estaduais, nada de novo vinha sendo apresentado como alternativa a já tradicional e ineficaz repressão policial intensiva, aumento das operações contra o tráfico e pedidos pelo recrudescimento das penas. Assim, com sérios problemas nos estados em matéria de segurança pública e com uma verdadeira crise política decorrente das instabilidades econômicas que ocorreram nos primeiros cinco anos da década de 90, das desigualdades sociais e das denúncias de corrupção crescente em todo o país o Governo Federal não apresentou nada de novo em matéria de políticas de segurança. Os destaques a serem feitos, a nível nacional, neste período (1990 a 1994) são a Lei n.º 8.072 que dispôs sobre os crimes hediondos e determinou o cumprimento de pena privativa de liberdade em presídios de segurança máxima, proibindo a fiança e ampliando o prazo de prisão temporária e a lei que previu a inclusão do homicídio qualificado no rol dos crimes hediondos. (SANTANA, 2003, p. 130) Em 1994, ano das eleições presidenciais, o país vivia o início de um processo de estabilização econômica dentro da lógica neoliberal que não representou efetiva melhoria de vida para a população, tão pouco incidência nas áreas estratégicas do desenvolvimento nacional como reforma agrária, reforma urbana e desconcentração de renda. Sem alterações significativas em termos de redução da desigualdade social, o país enfrentou o debate eleitoral com sérias tensões referentes a grandes dívidas sociais acumuladas num grande período de omissão absoluta do estado. (GOMES) Diante dos sobressaltos decorrentes das chacinas cariocas (da Candelária e de Vigário Geral) e da carnificina do Massacre do Carandiru, todas repercutindo em nível internacional, o país viveu o ano de 1993 tateando em todos os campos das políticas sociais, sem rumos do ponto de vista de estratégias capazes de interferir no sentido de garantia do direito a vida, dimensão central do

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estado democrático de direito. Sob esse contexto foi eleito, novamente, tendo como principal oponente o candidato do PT, Luis Inácio Lula da Silva, o ex-Ministro da Fazenda do Governo Itamar, o sociólogo Fernando Henrique Cardoso que, numa controvertida aliança com o pernambucano Marco Maciel (PFL) que, diferentemente do FHC, não só atuou como colaborou na articulação política dos governos militares tendo sido deputado federal pelo ARENA, partido de apoio à ditadura, eleito presidente da Câmara dos Deputados em 1977 e, em seguida, Senador biônico por indicação do presidente Geisel.28

2.2.5 A Era FHC e os descaminhos da segurança pública: o começo da institucionalização e poucos avanços na integração das políticas (1995 – 1998)

Em matéria de segurança, contudo, o presidente FHC foi responsável por alguns avanços institucionais sem alteração da rota em matéria de política criminal. Já no começo do ano de 1995, primeiro ano do seu governo, Fernando Henrique assinou a MP 813 criando a Secretaria de Planejamento de Ações Nacionais de Segurança Pública – SEPLANSEG, ligada ao Ministério da Justiça(art. 16, IX, j), constituindo-se como primeiro organismo institucional destinado especificamente às questões de segurança pública em nível nacional. Contudo, também em seu primeiro mês de governo, o presidente FHC confirma as tendências em uso na política brasileira e, em resposta aos reclamos do novo governador do Rio de Janeiro, autoriza a utilização das tropas do exército na “Operação Rio” que, mais uma vez, consistiu na ocupação militar das favelas cariocas (COIMBRA, 2001). Ainda no primeiro ano do Governo FHC acontece a primeira Conferência Nacional de Direitos Humanos, com a aprovação do primeiro Plano Nacional de

28

A eleição presidencial brasileira de 1994 foi decidida no primeiro turno quando Fernando Henrique Cardoso, candidato do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), elegeu-se com 55% dos votos válidos seguido por Luiz Inácio Lula da Silva, candidato do Partido dos Trabalhadores (PT), que obteve 27,04% dos votos e por Leonel Brizola, Partido Democrático Trabalhista (PDT), com apenas 3,18% da preferência do eleitorado. Nesta eleição, candidataram-se ainda: Enéas Carneiro (PRONA); Orestes Quércia (PMDB); Esperidião Amin (PPR); Carlos Antônio Gomes (PRN) e Hernani Goulart Fortuna (PSC).

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Direitos Humanos do país, e, no ano seguinte (1997), é criada, em abril, a Secretaria Especial de Direitos Humanos e, em setembro, a Secretaria Nacional de Segurança Pública que substituiu a SEPLANSEG mantendo-se ligada ao Ministério da Justiça. Em agosto de 1995 ocorrera, no estado de Rondônia, o Massacre de Corumbiara em que trabalhadores rurais em confronto com a polícia do estado, foram mortos sumariamente com a anuência do comandante da operação o Capitão José Hélio Pachá. O caso, denunciado internacionalmente pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e pela Comissão Pastoral da Terra, revelou a gravidade das tensões existentes no campo brasileiro prenunciando um outro massacre de trabalhadores que ocorrera no ano de 1996, agora no estado do Pará, na região de Eldorado dos Carajás (SYDOW, 2006). Conhecido como Massacre de Eldorado dos Carajás (SYDOW, 2006, p.31-32), o episódio vitimou dezenove trabalhadores mortos pela polícia militar do estado do Pará e dezenas de outros manifestantes atingidos por bombas de gás lacrimogêneo e por balas de borracha usadas na operação. Assim como o caso de Corumbiara, o Massacre de Carajás foi amplamente divulgado internacionalmente e colaborou para o descrédito da polícia perante a sociedade, bem como forçou o Governo Federal a uma tomada de posição perante reivindicações antigas do movimento social como a demissão do então Ministro da Agricultura e a criação imediata do Ministério do Desenvolvimento Agrário, que passou a ser chefiado pelo então Diretor do Ibama, Raul Jungmann. Em nível urbano, cresceu no país a percepção da violência e do tráfico de drogas como um problema nacional. Episódios com a cobertura midiática como a prisão do traficante carioca Fernandinho Beira Mar, no ano de 1996, fizeram com que se ampliasse a indignação da sociedade difundindo um sentimento de insegurança coletivo em vários segmentos da população brasileira. Por outro lado, aconteceu na cidade de Brasília em abril de 1997, o assassinato do índio Galdino, em que jovens da classe média alta brasiliense jogaram álcool e atearam fogo em um indígena que dormia num banco da cidade durante as manifestações do Dia do Índio. Segundo o relato dos próprios jovens eles desejavam apenas brincar e justificavam suas atitudes alegando que pensavam se

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tratar de um mendigo. Tal episódio causou um debate nacional sobre violência juvenil e sobre os crimes cometidos pela classe média alta. O caso reascendeu a discussão sobre a necessidade de um maior rigor na punição dos crimes desta natureza e, por outro lado, deflagrou reflexões sobre a educação familiar dos jovens ricos e sobre o tipo de tematização que a criminalidade juvenil desencadeia no conjunto da sociedade. 29 Ainda no ano de 1997, continuam a surgir, na esfera da sociedade civil, iniciativas de reação ao aumento da sensação de violência e às políticas de recrudescimento penal do estado como a instalação do escritório do Instituto LatinoAmericano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente (Ilanud) no Brasil, a criação do Instituto Sou da Paz, de característica parecida com o Viva Rio, a Campanha da Fraternidade sobre o sistema carcerário realizada pela CNBB e o Seminário São Paulo Sem Medo, promovido pelo Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo em parceria com a Rede Globo e com a Fundação Roberto Marinho no qual foi criado o Instituto São Paulo contra a violência.

2.2.6 A criação da primeira Política Nacional e passos na construção da segurança como tema nacional (1998 – 2002)

Em 1998, ano de eleição30 e último ano do Governo FHC, em âmbito do executivo federal merece destaque, em matéria de institucionalização das políticas de segurança pública, a reforma administrativa da SENASP (Secretaria Nacional de Segurança Pública), que ganhou força política dentro da estrutura de governo e o

29

Sobre o caso do índio Galdino ver: FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo, SP: Ed. UNESP, 2000.v. 30 O presidente Fernando Henrique Cardoso, Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), foi reeleito em primeiro turno com 53% dos votos válidos, com o apoio do Partido da Frente Liberal (PFL) e do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) tendo em segundo lugar Luiz Inácio Lula da Silva do Partido dos Trabalhadores (PT) com quase 32% dos votos. Além dos dois primeiros colocados a disputa pela presidência em 1998 contou com outras dez candidaturas: Ciro Gomes (PPS); Enéas Carneiro (PRONA); Ivan Moacir da Frota (PMN); Alfredo Sirkis (PV); José Maria de Almeida (PSTU); João de Deus Barbosa de Jesus (PT do B); José Maria Eymael (PSDC); Thereza Tinajero Ruiz (PTN); Sergio Bueno (PSC); Vasco Azevedo Neto (PSN).

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desmembramento do Departamento de Entorpecentes que passou a ser chamado de Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, então ligado ao Gabinete de Assuntos Estratégicos da Presidência. Tais movimentos de incorporação das temáticas da segurança em campos mais firmes do ambiente do executivo nacional decorrem, por um lado, da necessidade de conferir à questão da violência espaço proporcional à relevância que o tema passa a ter no conjunto da sociedade, e, por outro, do acúmulo de reflexão decorrente das insistentes investidas de intelectuais, profissionais e militantes que, cada vez mais, a partir da segunda metade da década de 90, passam a dedicar-se a temas relacionados com políticas públicas de segurança. A título de exemplo, podemos citar a contribuição do NEV – USP que colaborou sobremaneira para a formulação do PNDH 1 (Programa Nacional de Direitos Humanos 1), ou ainda, do Instituto Carioca de Criminologia, presidido pelo ex-Governador do Rio, Nilo Batista, que fazia uma série de intervenções sobre a crítica ao direito penal e que em 1998 publicara o livro Difíceis Ganhos Fáceis que trata da questão das drogas e da juventude pobre do Rio de Janeiro, de autoria de Vera Batista. Em outras palavras, os avanços vividos neste primeiro Governo FHC decorrem não só de um movimento interno do próprio governo, mas, também, de uma série de fatores externos que o pressionam pela incorporação de temas caros aos militantes dos direitos humanos no país. Nos estados, dentro do processo eleitoral do ano de 1998, cumpre destacar o plano de governo apresentado em forma de livro pelo candidato Antony Garotinho. Assessorado pelo Prof. Luiz Eduardo Soares, reconhecido especialista na temática de segurança publica, o Plano apresentado sob o título “Segurança Pública tem saída”, representou grande expectativa em matéria de segurança pública e introduziu verdadeiras inovações no que tange à tematização da noção de segurança pública no campo das políticas públicas debatidas em nível nacional. Além disso, cabe ressaltar ainda, no plano dos governos estaduais, a experiência exitosa do estado do Amapá que adotou um plano inovador em matéria de segurança pública, com bolsas formação para policiais e de criação do Sistema

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Unificado de Segurança Pública, com pouca repercussão no cenário nacional decorrente do discurso hegemônico da mídia e das sérias desigualdades regionais do Brasil que dificultam a tematização de fatos e experiências ocorridas fora do eixo Centro-Sul do país. Ainda no ano de 1998, dois fatos emblemáticos ocupam a preocupação nacional no que se refere à segurança: o seqüestro do irmão dos cantores Zezé di Camargo e Luciano, o jovem Welington Camargo, que fora seqüestrado e, entre dezembro de 1998 e março de 1999, e a ação de Francisco de Assis, conhecido como Maníaco do Parque, que fora acusado de uma série de estupros seguidos de morte no estado de São Paulo. Tais fatos ganharam ainda maior expressão em decorrência de, neste ano, estarem em plena atuação os vários programas do gênero de jornalismo policial antes indicados (Brasil Urgente, Linha Direta, etc.), o que permitiu uma verdadeira massificação destes casos fazendo deles verdadeiros temas de discussão nacional. Em 1999, com a reeleição do presidente FHC, novos episódios em matéria de segurança ocupam o cenário nacional. No Rio de Janeiro, tem início a gestão do antropólogo Luiz Eduardo Soares, escolhido como Secretário de Segurança Pública do Governador Antony Garotinho, lançando o documentário Notícias de uma guerra particular31 que trata sobre o tráfico de drogas carioca causando grande polêmica entre as forças policiais do estado (BARCELOS, 2005). Sem meias palavras, o documentário apresenta um sério relato de como funcionam as facções criminosas do Rio de Janeiro o que desencadeou uma série de crises institucionais dentre as quais as acusações de que o cineasta João Moreira Sales teria pagado mensalidade ao traficante Marcinho VP (principal informante do filme) para facilitar as investigações, e a queda do secretário de segurança, Luiz Eduardo, que teria se posicionado publicamente, minimizando a conduta do cineasta. Ainda em 1999, continuam a crescer as publicações e linhas de pesquisa referentes à segurança pública, havendo, neste ano, a defesa da dissertação da professora Jacqueline Muniz, referência na discussão sobre polícia no Brasil, e a 31

NOTÍCIAS DE UMA GUERRA PARTICULAR. Direção: Kátia Lund, João Moreira Salles. Roteiro: Kátia Lund, João Moreira Salles. Elenco Original: Nilton Cerqueira, Carlos Luís Gregório, Paulo Lins, Hélio Luz, Rodrigo Pimentel e Itamar Silva. Rio de Janeiro: 1999. 1 DVD (57min), color.

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criação do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (CRISP), ligado à UFMG tendo como referências pesquisadores que atuam no campo da formulação em políticas de segurança, com importantes colaborações na formulação das SENASP. Em 2000, um fato emblemático da questão da violência urbana agita o cenário nacional e precipita processos de construção de políticas públicas em nível nacional. Com transmissão ao vivo das maiores cadeias de TV do país, o jovem Sandro Nascimento, sobrevivente do Massacre da Candelária e ex-interno da FEBEM, seqüestra um ônibus que fazia a linha 174, no Rio de Janeiro e passa a ameaçar os passageiros que agonizam desesperados ante o olhar atento de todo o país que assiste atônito os episódios que passam como filme pelas telas em todos os cantos do país. (SOARES, 2007, p. 87) Tal fato, deslanchado tragicamente com a morte de uma das reféns e do jovem que cometeu o seqüestro, coloca em caráter de urgência o debate da segurança pública na agenda nacional e obriga o Governo Federal a antecipar a divulgação do Plano Nacional de Segurança Pública que vinha sendo discutido por intelectuais com o fito de dar uma resposta à questão da criminalidade no país. (SOARES, 2007, p. 90) Em 2000, ano de eleição municipal, o Presidente Fernando Henrique Cardoso lança, em 20 de junho, o Plano Nacional de Segurança Pública que viria a ser o primeiro documento executivo sistemático de intervenção estratégica em matéria

de

segurança

pública

em

nível

nacional.

Composto

por

quinze

compromissos e cento e vinte e quatro ações, com destaque para o PIAPS (Plano de Integração e Acompanhamento de Programas Sociais de Prevenção à Violência Urbana), vinculado ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República e o Fundo Nacional de Segurança Pública, são iniciativas pioneiras e centrais no processo de institucionalização das políticas de segurança pública que viriam a se ampliar nos anos seguintes. Trata-se de uma iniciativa que, apesar de tardia e modesta, representou uma virada na percepção da temática da segurança pública como assunto nacional e na avocação da coordenação política do tema para o âmbito do Governo Federal. Contudo, apesar do esforço modernizante “(...) faltava àquele documento a vertebração de uma política (...) O documento apresentado à nação como um plano

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não atendia aos requisitos mínimos que o tornassem digno daquela designação.” (SOARES, 2007, p.26) ressalta Luiz Eduardo Soares apontando os limites desta pretensa política do Governo FHC produzida como resposta às demandas insistentemente apresentadas como drama cotidiano da sociedade brasileira. Em 2000 é lançado, na Bahia, o livro A outra face da moeda editado pela Comissão Arquidiocesana de Justiça e Paz que denunciava o aumento das mortes em todo o estado. No mesmo ano, no mês de agosto, o país choca-se com o assassinato da jornalista Sandra Gomide, morta pelo seu ex-companheiro, o editor da revista Época, também jornalista Pimenta da Viega, abrindo o debate sobre o avanço dos crimes cometidos pelas classes médias e altas e crescendo o sentimento de insegurança nos mais variados estratos sociais. No plano acadêmico, movimentos importantes também ocorrem dando qualidade ao tipo de tematização proposto sobre a segurança pública no âmbito das universidades. Em 2000, Luiz Eduardo Soares publica o seu livro Meu Casaco de General, contando a sua experiência como Secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro e o NEV (Núcleo de Estudos de Violência) da USP passa a editar a Coleção Polícia e Sociedade que traduziu para o português clássicos de estudo da polícia permitindo que no país crescessem importantes linhas de pesquisa sobre o assunto. Ainda neste ano foi criado, na Universidade Cândido Mendes, o Centro de Estudos Segurança e Cidadania que passa a apresentar valorosas contribuições sobre o tema seja na esfera da formulação teórica seja no campo da extensão e da intervenção em matéria de segurança pública. No ano seguinte, 2001, cresce no país o debate sobre o tráfico de drogas e as ramificações do crime organizado decorrente da prisão de grandes traficantes (como Fernandinho Beira Mar, preso na Colômbia, com relações com as FARC); da Campanha da Fraternidade promovida pela CNBB que neste ano discutiu o tema das drogas; e a instalação da CPI do Narcotráfico na Câmara dos Deputados que investigou as relações entre políticos e lideranças do tráfico no país. Neste mesmo ano (2001), ocorreu no país uma série de greves da polícias militares (BA, SP, MG) o que pôs em cheque a organização constitucional militarizada em matéria de estrutura de polícia e revelou fraturas sérias da

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pactuação promovida pelo estado democrático de direito pondo em questão a aparentemente sólida vedação constitucional de greve dos policiais militares. Sem qualquer rumo os Chefes de Executivos Estaduais convocaram as Forças Armadas para protegerem os palácios dos Governos, numa engenhosa conformação de “campos de batalha” entre diferentes atores responsáveis pela defesa do Estado. Em 2002, ano eleitoral, continua em alta a tematização dos conflitos urbanos no cenário nacional. No campo do cinema, dois filmes agitam a cena cultural e colocam em discussão importantes valores na representação do crime e da criminalidade no país. O documentário Ônibus 17432 e o filme Cidade de Deus33 colocam em cena dois pontos de vista antagônicos sobre o que sejam as favelas brasileiras e sobre como se desenvolve a criminalidade nestes dois espaços. No primeiro, o documentário com pequena circulação nas grandes salas de cinema do país, mas, com grande entrada nas universidades e salas de artes mais conceituadas, narra a trajetória do menino Sandro, protagonista do episódio do seqüestro do ônibus 174, ocorrido em 2002, na cidade do Rio de Janeiro; por outro lado, o filme Cidade de Deus, faz uma representação do que seria a urbanização do Rio na década de 70 e sobre a disputa pela liderança do tráfico numa conhecida favela da cidade, a comunidade de Cidade de Deus. Enquanto o primeiro faz uma abordagem complexa, identificando as múltiplas intercorrências na construção da trajetória de invisibilidade do jovem sobrevivente do Massacre da Candelária e em 2002 seqüestrador do ônibus, o filme Cidade de Deus reproduz uma visão estigmatizada da favela e dos seus moradores, transmitindo uma noção endêmica da violência das comunidades populares como se o crime resultasse de uma combinação simples de fatores ambientais sem tecer uma interpretação sistêmica do que seja a violência urbana como fenômeno social. Cotado para o prêmio do Oscar, e com sucesso de bilheteria em todos os cantos do país, o filme Cidade de Deus confirmou a visão estigmatizada da cidade do Rio de Janeiro colaborando ainda mais para a sua identificação como caso 32

ÔNIBUS 174. Direção: José Padilha. Roteiro: José Padilha. Produção: José Padilha e Marcos Prado. Rio de Janeiro: Rio Filme, 2002. 1 DVD (150min), color. 33 CIDADE DE DEUS, Direção: Fernando Meirelles. Roteiro: Bráulio Montovani. Elenco original: Leandro Firmino da Hora, Douglas Silva, Alice Braga e Matheus Nachtergaele. Rio de Janeiro: O2 Filmes, 2002. 1 DVD (130min), color. Baseado no livro “Cidade de Deus” de Paulo Lins.

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emblemático da violência urbana no país. Sob certos aspectos ampliou a noção de guerra ao tráfico já tão fortemente difundida nas políticas de segurança do país. Neste mesmo ano (2002), a morte do jornalista Tim Lopes, supostamente a mando do traficante Elias Maluco e as sucessivas reportagens sobre o fato dando a ele contornos de crime bárbaro e hediondo, associado à rebelião ocorrida na prisão de segurança máxima de Bangu I – supostamente sob coordenação do também traficante Fernandinho Beira Mar – e, em setembro, a prisão do traficante Elias Maluco, acusado da morte de Tim Lopes, fez com que no campo das políticas de segurança se iniciasse uma trajetória ascendente de recrudescimento policial. Em outubro, enquanto o país participava do processo eleitoral ora em curso, acontecia pela TV mais um dos recentes episódios de espetacularização da violência, quando a jovem Suzane Von Richtofen em parceria com o seu namorado arquitetou a morte dos seus pais, abrindo no país uma onda de debates sobre a necessidade do aumento das penas. Neste contexto deve-se destacar a elaboração da segunda edição do Plano Nacional de Direitos Humanos que, num ano marcado pelo avanço das tensões em matéria de violência, passou sem grande cobertura da mídia nacional.

2.2.7 O primeiro Governo Lula: muitas expectativas, um bom plano e poucos avanços (2003 a 2006)

Eleito, após três tentativas ao cargo de presidente da república, Lula trouxe consigo a responsabilidade de atender aos anseios de parcelas importantes do movimento social que, durante mais de doze anos, atuaram pela construção do seu governo.34

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Em 2002, Lula (PT) venceu José Serra (PSDB) no segundo turno, tendo obtido 61,27% contra 38,72% do seu oponente. No primeiro turno, Luis Inácio Lula da Silva (PT) havia obtido 46,44%, seguido de José Serra (PSDB), com 23,19%; Anthony Garotinho (PSB) com 17,86%; Ciro Gomes (PPS) com 11,97%; José Maria de Almeida (PSTU) com 0,47%; e, Rui Costa Pimenta (PCO) com 0,04%.

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Num momento de profunda instabilidade econômica, elevados índices do risco-país, descrédito no mercado internacional e contenção de imensas demandas sociais, com alta privatização da máquina pública, desvalorização da moeda e crise de desemprego, o presidente teve ainda que enfrentar, no campo da segurança, uma séria instabilidade decorrente de dez anos de aumento das ocorrências criminais, estabelecimento do tráfico de drogas como um problema nacional e manutenção das práticas autoritárias e criminosas por partes das forças policiais. Por outro lado, o presidente Lula tinha consigo a tarefa de estar à altura dos discursos em defesa dos direitos humanos enunciados pelo seu próprio Partido, e, sendo ele uma própria vítima da repressão policial na época da ditadura, não desapontar aqueles que apostaram na sua trajetória dando respostas concretas seja ao avanço da criminalidade, seja a questão da garantia dos direitos humanos. Com estas questões postas sobre a mesa, o presidente incorporou, em seu programa de governo, as proposições que haviam sido formuladas por um seleto rol de intelectuais em matéria de segurança pública – o Plano Nacional de Segurança Pública – e escolheu para a SENASP (Secretaria Nacional de Segurança Pública) o igualmente reconhecido Luis Eduardo Soares, um dos autores do PSP (Projeto Segurança Pública para o Brasil). O Projeto Segurança Pública para o Brasil (PSP 2002) avançou em relação ao documento apresentado em 2000 pelo Governo FHC, mantendo-lhe as linhas centrais no que tange à incorporação da temática da prevenção como eixo estratégico do debate sobre política de segurança. Contudo, apresentou uma análise mais ampla da temática da violência indicando princípios, prioridades, estratégias, metas e ações, configurando as bases daquilo que temos como conceito de formulação de política pública: órgão gestor, previsão de princípios, metas, estratégias e ações, indicação de financiamento e formas de avaliação, monitoramento e controle social, no mesmo ano foi apresentada à sociedade a Matriz Nacional de Formação de Segurança Pública uma importante conquista em matéria de institucionalização das políticas pública para o setor (SOARES, 2007; ADORNO, 2008; TAVARES, 2008). Entretanto, apesar desses avanços institucionais indicados pelo PSP 2002, tal Plano não significou a imediata alteração do tipo de gestão em segurança

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no país ou, mesmo, uma nova gramática para a tematização deste assunto. Pelo contrário, persistiram vários cacoetes oriundos de outras experiências institucionais e, dentro do próprio governo, faltou empenho na incorporação dos avanços políticos por ele mesmo anunciados. Ainda em 2003, no primeiro ano do Governo Lula, no mês de outubro, fora demitido o então Secretário Nacional de Segurança Pública, alegando não ter encontrado espaço para a aplicação do plano que fora construído para subsidiar a intervenção do Governo Federal no setor. (SOARES, 2007, p. 90) No plano estadual, no mesmo ano, ocorreu no Rio de Janeiro a Chacina do Borel, em que quatro jovens foram mortos por policiais na entrada da favela causando mais um escândalo e novas denúncias contra a polícia carioca, bem como ocasionando a troca do Secretário de Segurança Pública com indicação para o cargo do marido da então Governadora, Rosinha Garotinho, o Sr. Anthony Garotinho. Conhecido pela sua tradição populista, o Secretário adotou medidas paliativas e de caráter eminentemente repressor, sem qualquer nova orientação no campo da contenção das ações policiais arbitrárias e/ou com uso excessivo da força. A partir de 2004 é reduzido o destaque conferido inicialmente ao conjunto das ações do PSP 2002 dentro do Governo Federal, ao passo em que crescem, sobretudo na gestão do então Ministro da Justiça Márcio Thomas Bastos, as ações polícia federal, com alto grau de cobertura da mídia como, por exemplo, a Operação Sathiagara que resultou na prisão do banqueiro Daniel Dantas e de outras importantes lideranças políticas nacionais, dando origem à crise do mensalão que causou séria instabilidade no Governo Federal. (SOARES, 2009) Trata-se de um raciocínio complexo que reivindica a maximização da atuação da Polícia Federal, entendida pela sociedade como a “polícia que funciona”, apostando no forte papel de combate aos “crimes de colarinho branco”. Neste mesmo ano, ocorreu, no âmbito do Ministério da Justiça, a criação da Força Nacional de Segurança Pública destinada a auxiliar os estados na garantia da ordem pública e no combate a violência, medida amplamente criticada por setores do movimento social e dos intelectuais ligados à segurança pública que identificam, nesta iniciativa, uma tendência ao fortalecimento repressivo da ação do estado, com fortes tendências ao avanço da letalidade, tendo em vista o despreparo

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dos membros das forças armadas para a relação de policiamento urbano. Assiste-se a um retrocesso punitivo em nível federal decorrente das operações da polícia federal, da perda do foco em institucionalizar a política de segurança pública e, sobretudo, o abandono das prioridades apontadas pelo PSNP. Altera-se a modalidade de gestão de segurança indicada pelo PNSP e foca-se acriticamente nas medidas da polícia federal como únicas medidas entendidas pelo Ministro Márcio Thomas Bastos, em detrimento das importantes reformas estruturas necessárias e apontadas pelo Plano.

2.2.8 O segundo Governo Lula: O PRONASCI e o novo começo do debate nacional

Em 2007, primeiro ano do segundo governo Lula35, toma posse como Ministro da Justiça, o ex-prefeito de Porto Alegre, Tarso Genro, que, já no começo do seu mandato, promete criar um Plano Nacional que resgatasse os princípios do PSP e avançasse na institucionalização das políticas e alterar as relações da segurança pública no país, incorporando-a definitivamente como política de estado, com marco legal, previsão orçamentária e órgão gestor definidos. Em cumprimento à sua promessa Tarso Genro anunciou, em 20 de agosto, o PRONASCI (Plano Nacional de Segurança Pública com Cidadania) composto por 94 ações, com orçamento de mais de R$ 6 bi com penetração em vários ministérios. Em linhas gerais, trata-se de um plano que busca aprofundar os avanços introduzidos pelos dois que lhe precederam, incorporando uma maior institucionalização e orçamento com o fito de ampliar-lhe a intersetorialidade e a integração.

Neste ano (2007), continuaram os escândalos envolvendo a policia

militar que ganharam novamente destaque na imprensa nacional pelo lançamento do

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Em 2006, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi reeleito no segundo turno com 60,83% dos votos válidos contra 39,17% do seu adversário, o ex Governador de São Paulo, Geraldo Alckmim (PSDB). No primeiro turno foram candidatos: Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que obteve 48,61% da preferência do eleitorado; Geraldo Alckmin (PSDB) com 41,64%; Heloísa Helena (PSOL), com 6,85; Cristovam Buarque (PDT) com 2,64%; Ana Maria Rangel (PRP) com 0,13%; José Maria Eymael (PSDC) com 0,07%; Luciano Bivar (PSL) com 0,06% e Rui Costa Pimenta (PCO) com 0,00%.

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filme Tropa de Elite36 e pela divulgação dos dados da Operação Pan, no Rio de Janeiro, chefiada pela Força Nacional de Segurança, que, só em 27 de junho, foi responsável pela morte de vinte e uma pessoas em uma operação que contou com 1.350 agentes policiais e 1.080 fuzis, pondo em evidência nacional o caso do Complexo do Morro do Alemão37 e motivando a reação política de amplos setores do movimento social das favelas. Na Bahia, um episódio ocorrido na praia de Ondina em janeiro de 2007, chamou a atenção de organizações da sociedade civil, notadamente do movimento negro e foi transformado em caso nacional no campo da violência policial. Na praia de Ondina, cidade de Salvador, um policial aborda, sem qualquer evidência, um jovem negro que passava acusando-o de ter cometido um furto contra uma turista espanhola. Não satisfeito, o policial ameaça com a arma o jovem tido como suspeito e, em seguida, pisa sobre sua cabeça com o coturno chamando a atenção de um fotógrafo do Jornal A TARDE que registrou o momento e produziu matéria sobre o assunto na capa do jornal do dia seguinte. O fato foi motivos de fortes questionamentos ao recém eleito Governador Jaques Wagner e foi tido como símbolo por parte do movimento social negro que viu no episódio a reedição de práticas escravistas, naquilo que passaram a chamar de racismo institucional. Entre os setores médios da sociedade o destaque nacional em matéria de violência, no ano de 2007, ficou por conta do trágico episódio do menino João Hélio, de seis anos, assassinado após um assalto em que fora arrastado pelo cinto de segurança do automóvel ao qual ficou preso pelo lado de fora do veículo motivando 36

TROPA DE ELITE. Direção: José Padilha. Roteiro: José Padilha, Rodrigo Pimentel, Bráulio Montovani. Produção: Marcos Prado e José Padilha. Co-Produção: Elianee James D’Arc. Rio de Janeiro: 2006. 1 DVD (117min.), widescrem, color. Baseado no livro “Elite da Tropa” de Luiz Eduardo Soares, André Batista e Rodrigo Pimentel. 37 O Complexo do Alemão é um complexo de várias favelas na Zona Norte do Rio de Janeiro, que tem como núcleo o Morro do Alemão. O bairro foi construído sobre a serra da Misericórdia, uma formação geológica de morros e nascentes naturais, quase toda destruída pela construção do Complexo. Restam poucas áreas verdes na região, apesar dos esforços de preservação empreendidos por determinadas organizações atualmente. Ainda há poucas áreas de mata e alguns pontos de nascentes de rios que são usados como fonte de água pela população. Todavia, logo após a nascente, os rios já se tornam valões de esgoto. Boa parte da serra foi destruída devido às pedreiras, muito comuns na segunda metade do século XX. Hoje em dia tal empreendimento é proibido na região, considerada Área de Proteção Ambiental, embora subsistem algumas ilegamente. Nacionalmente, a região ficou conhecida pelos altos índices de criminalidade e tráfico de drogas, notadamente após a exibição da reportagem “Feirão das Drogas” exibida pelo programa televisivo semanal Fantástico (Rede Globo) na qual mostrou a venda de drogas no Complexo. A matéria foi produzida pelo jornalista Tim Lopes que foi morto supostamente a mando de Elias Maluco, um comerciante de drogas da região.

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a deflagração de uma grande campanha nacional pela punição dos acusados e notadamente, pela redução da idade penal, haja vista que um dos envolvidos tinha menos de dezoito anos. (FREITAS, 2007) Nos anos de 2008 e 2009 seguiram as tendência de vários fatos violentos revezando-se nas capas dos jornais e nas chamadas dos programas de TV ou nos encontros e eventos de direitos humanos em que foram insistentes as denúncias dos organismos nacionais e internacionais no que se refere a violência policial, ação de grupos de extermínio e violações de direitos humanos no espaço prisional. Revistas nacionais publicaram várias edições com destaque para a questão da violência no período. Em fevereiro de 2008, a Revista Carta Capital editou matéria sobre os vários assassinatos ocorridos no país dando destaque para o caso do jovem Djair de Jesus, 16anos, morto na cidade de Salvador por policiais militares na porta de casa, com todas as evidências de crime de extermínio. Em março de 2009, foi a favela de Paraisópolis em São Paulo o caso a ser destacado pela imprensa nacional. Na edição mensal da revista Caros Amigos, foi destacada a manchete, contundente: “O Ar está irrespirável na favela” (SHABIB; LAVIERI, 2009), referindo-se às conseqüência da ocupação militar realizada pela Força Nacional na região. A prisão do traficante colombiano milionário Juan Carlos Abadía, ocorrida em março de 2008, ocupou as páginas dos jornais até que, no mesmo mês, a cena foi ocupada pelo episódio da morte da menina Isabela Nardoni, estrangulada pela madrasta e arremessada do sétimo andar de um prédio pelo pai, o casal Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá. O caso da morte da menina Isabela foi pauta de uma longa matéria do Fantástico, programa semanal da Rede Globo, tornando-se, por várias semanas, motivo de um verdadeiro desfile de especialistas que, numa clara intenção de orientar a opinião pública iam revezando análises psicológicas, jurídicas, sociológicas e médicas das condutas dos acusados, alimentando um espetáculo midiático que transformou o caso num dos grandes casos de comoção nacional provocando falas apaixonadas dos âncoras de TV, manifestações quentes pela punição dos culpados e discursos inflamados de parlamentares no Congresso

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Nacional. O Caso Isabela é um desses fenômenos criados pela mídia que dá contornos de grande tragédia a fatos que sempre ocorreram na história da humanidade. Sem dúvida, não se pretende menosprezar a dimensão ética da indignação popular ante o caso verdadeiramente deplorável da morte da garota, contudo, é interessante notar para os fins desse estudo, que analisa a tematização da segurança na história recente do país a comoção nacional criada em torno de casos como o da menina Isabela, do garoto João Hélio ou da jovem Suzane Von Richtofen, são expressões de uma construção midiática que justificam medidas no campo da política criminal e ampliam nos cidadãos, um sentimento de medo e de insegurança conduzido pelas intervenções e controles da mídia e de seus recursos. Em abril de 2007 um fato em especial marcou , o Comandante do 1° Comando de Policiamento de Área (CPA), coronel Marcus Jardim declarou que “A PM é o melhor inseticida social”, em referência à ação da polícia militar na Vila Cruzeiro, onde foram mortas nove (9) pessoas e feridas seis (6) e, em junho do mesmo ano, três jovens foram mortos após terem sido presos por policiais do exército e entregues a traficantes no Morro da Providência – Rio de Janeiro, onde acontecia uma obra do PRONASCI, com o acompanhamento da Força Nacional. (MENDONÇA, 2007) Tais fatos deflagraram uma verdadeira cruzada do movimento social que passou a identificar nessas ações do Governo uma tendência de militarização das favelas o que, na interpretação desses grupos, era responsável pelo aumento das ocorrências policiais e do aumento da letalidade nas comunidades. Em outubro de 2009, a Caros Amigos volta à tematização da questão da segurança, desta vez alertando para a questão dos Autos de Resistências, afirmando, na manchete principal: “Auto de resistência é licença para matar”. Nesse período, de 2008 a 2009, vários relatórios de direitos humanos são apresentados com grande inserção na imprensa nacional, ao passo que na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro foi instalada a CPI das Milícias para investigar o avanço de grupos paramilitares na capital fluminense. Na Câmara dos Deputados foram instaladas outras duas comissão parlamentares de inquérito: uma

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em 2008, para avaliar a situação do sistema carcerário no país, e outra em 2009 para investigar a questão da violência urbana. No campo dos relatórios vale destacar em agosto de 2008 a divulgação do Relatório do Conselho de Direitos Humanos da ONU sobre execuções sumárias extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias no Brasil com foco para os casos do RJ e de SP, demonstrando a sistemática violação de direitos humanos nestas cidades

e,em

2009, mais três dossiês: o Relatório sobre Violência Policial e Segurança Pública no RJ e em SP da ONG Human Rights Watch; o Relatório sobre o Índice de Homicídios de Adolescentes demonstrando as tendência de aumento da letalidade das ações policiais nos últimos anos produzido pelo Laboratório de Análise da Violência da UERJ e os primeiros resultados do Programa Juventude e Prevenção da Violência com o índice de vulnerabilidade juvenil a violência em municípios com mais de 100mil habitantes apresentado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em parceria com o PRONASCI. Tais relatórios ganham grande destaque na mídia e fazem um balanço dos últimos 10 anos em matéria de segurança pública e violência policial demonstrando os contornos recentes da verdadeira guerra urbana instalada no país quando se fala em índice de mortalidade e violação de direitos humanos. Em linhas gerais, os documentos apresentados no fim da primeira década do século XXI são unânimes em apontar a gravidade dos altos índices de assassinatos no país, seja cometidos por agentes estatais, seja praticados por outros agentes causando um verdadeiro déficit populacional dentro do perfil dos “alvos preferenciais” da violência letal no país – jovens, negros, do sexo masculino, moradores da periferia das médias e grandes cidades. No campo das políticas nacionais é importante ainda destacar os desdobramentos advindos do PRONASCI em matéria de formalização de políticas públicas e tematização do assunto para o interior da máquina pública. Entre 2008 e agosto de 2009, acontece em todo o país a mobilização pela realização da I Conferência Nacional de Segurança Pública, ato inaugural de uma estrutura mais consolidada de controle social sobre as políticas públicas no setor. No mesmo ano é lançada a terceira edição do PNDH, mantendo as tendências dos dois planos

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antecedentes, contudo, divulgado em meio a uma série de críticas e crises institucionais, advindas de setores das Forças Armadas, dos grandes agricultores e das forças conservadoras das Igrejas, notadamente da Igreja Católica. Assim, podemos sintetizar a periodização aqui apresentada através do seguinte quadro resumo38:

Processo Constituinte (1987 – 1988 ) e Eleições Presidenciais (1989) 05/out. Promulgação da Constituição Federal 15/nov. Eleições Presidenciais (1º Turno) Dez. Sequestro do empresário Abílio Diniz 1989 17/dez. Eleições Presidenciais (2º Turno) Aprovada no Congresso Nacional a Lei 8.072/90 que altera a definição de crimes hediondos Governo Collor/Itamar (1990 – 1994)  15/mar. Posse do Presidente Fernando Collor  25/jul. sancionada a Lei 8.072 que dispôs sobre os crimes hediondos e determinou o cumprimento de pena privativa de liberdade em presídios de seg. máxima, proibiu fiança e 1990 ampliou o prazo de prisão temporária,  Jul./90 – Chacina de Acari RJ – Onze Jovens seqüestrados por policiais  15/ nov. Eleições Estaduais – Brizola (segundo mandato RJ) e Fleury (SP)  Segundo dados da Justiça Global em 91 em SP (Gov. Fleury 1991 – 1994) ocorreram 1991 1.140 mortes sendo que, destas, 25% teriam sido praticadas pela PM  Início da exibição do programa Aqui Agora nos fins de tarde pelo SBT.  Out.92 / Eleições Municipais  Por ocasião da ECO – 92 o exército assume o monitoramento das favelas do RJ 1992  Set./02 – Massacre do Carandiru  Assassinato da atriz da Globo Daniela Perez  Por meio da Lei 8.764/1993 foram alteradas as disposições referentes ao Fundo de Prevenção e Combate as Drogas de Abuso,  Fev. Castor de Andrade (famoso bicheiro carioca) profere discurso nas TVs contra a perseguição aos bicheiros, 1993  23/Jul. - Chacina da Candelária  Ago. – Chacina de Vigário Geral  Surgimento do PCC  17/dez – Ato no RJ com milhares de pessoas pela paz  Surgimento da ONG Viva Rio  Out./1994 – Vitória de FHC Primeiro Turno  O homicídio qualificado foi incluído no rol dos crimes hediondos / Lei 8.930/9439 1994  O então Promotor de Justiça Biscaia desbarata a fortaleza do bicheiro Castor de Andrade  out. – Castor de Andrade é preso em Curitiba Governo FHC (1995 a 1998)  01/jan - Posse de FHC  Hélio Luz (PT) dirige a Divisão anti-seqüestro do RJ e em seguida parte para a Chefia da Polícia Civil. A partir deste ano o RJ passa a verificar uma queda no número de 1995 seqüestros.  Jan./95 – Operação de Ocupação das favelas cariocas pelo Exercito Brasileiro (Operação RIO)  Criação da Secretaria de Planejamento de Ações Nacionais de Segurança Pública – 1988

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Esta é uma versão resumida. A versão completa da tabela elaborada para subsidiar este capítulo encontra-se no Anexo A desta monografia.

55 SEPLANSEG, MP 813, de 1º de janeiro de 1995 Ago. – Massacre de Corumbiara Dez. – Início das transmissões do Cidade Alerta (Rede Record) Out./96 Eleições Municipais Realizada a 1ª Conferência Nacional de Direitos Humanos Plano Nacional de Direitos Humanos 01 1996 Spike Lee e Michael Jackson pediram autorização a Marcinho VP (Dona Marta) para gravar um clipe e isso vira caso de investigação no RJ – nesse episódio João Moreira Sales conhece Marcinho VP  Abr. – Massacre de Eldorado dos Carajás  17/abr. - Criação da Secretaria Especial de Direitos Humanos  Set./1997 – Criação da Secretaria Nacional de Segurança Pública  20/abr. – Assassinato do índio Galdino 1997  Campanha da Fraternidade sobre a questão carcerária  É criado no Brasil um escritório do Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente (Ilanud)  Eleições Presidenciais – FHC Eleito Primeiro Turno  Eleição de Garotinho tendo Luiz Eduardo Soares como Sec. de Segurança Pública  No Amapá o Governador João Capiberibe adota um plano inovador em matéria de segurança pública com bolsas formação para policiais e adoção do Sistema Unificado de Seg. Pública  19/Jun Por meio de MP 1669 e do Decreto 2632 foi criada a Secretaria nacional de políticas sobre drogas;  Aprovadas no Congresso Nacional as Lei Leis 9.677/98 e 9.695/98 que tratam do conceito 1998 de crimes hediondos,  Publicação da Lei nº 9.649, de 27 de maio de 1998 que dispõe sobre a estrutura da SENASP;  Dez. – Seqüestro de Wellington Camargo (Irmão de Zezé di Camargo) – até março de 1999  Uma série de estupros e assassinatos praticados por Francisco de Assis conhecido como o Maníaco do Parque em SP  Apresentação do texto “Difíceis Ganhos Fáceis – drogas e juventude pobre do Rio de Janeiro” / Vera Batista. (Governo FHC 1999 – 2002)  Posse de FHC  Gestão de Luiz Eduardo Soares a frente da SSP RJ  Mar. – Libertação de Wellington Camargo  Lançamento do Documentário “Notícias de uma guerra particular”  Início da exibição do programa Linha Direta / Rede Record 1999  Fundada no RJ a ONG Justiça Global  Defesa da dissertação de mestrado da Prof. Jacqueline Muniz sobre cultura e cotidiano da PMERJ “Ser polícia é, sobretudo, uma razão de ser. Cultura e Cotidiano da Polícia do Estado do Rio de Janeiro”  É criado na UFMG o Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (CRISP)  Eleições Municipais  Luiz Eduardo Soares foi demitido pelo Gov. Garotinho  21/Dez. – Decreto 3695 cria os Subsistemas de Inteligência de Segurança Pública no âmbito do Sistema Brasileiro de Inteligência,  12/jun. – Seqüestro do Ônibus 174  20/06/2000 - Lançamento do PNSP (Governo FHC) com os PIAPS 2000  Ago. – Assassinato de Sandra Gomide praticado pelo jornalista Pimenta da Veiga  Luiz Eduardo Soares publica “Meu Casaco de General”  Foi criado o CESEC – Centro de Estudos Segurança e Cidadania ligado a Universidade Cândido Mendes  O NEV lança a Coleção “Polícia e Sociedade” que publicou uma série de traduções clássicas do estudo da polícia no Brasil, bem como lançou livro brasileiro pioneiros na temática,  Realização da CPI do Narcotráfico 2001  Fev./2001 – Institui o Fundo Nacional de Segurança Pública  Campanha da Fraternidade sobre a questão das drogas      

56  Seqüestro da Filha de Silvio Santos. No primeiro trimestre de 2001 – 154 casos de seqüestro em SP  Fev./2001 – Uma série de rebeliões em presídios de SP 4coordenadas pelo PCC  Greve da PM na Bahia, Ceará, Minas Gerais e São Paulo.  Prisão de Fernandinho Beira Mar na Colômbia onde tinha apoio da Guerrilha - abr./2001 – As autoridades discutem qual será a destinação de Beira Mar  Mai./2001 – Fernandinho Beira Mar depõe na CPI do Narcotráfico  Jun./2001 – Fernandinho Beira Mar depõe na CPI do Roubo de Cargas  Ago./2001 – A Rede Globo exibe a reportagem “Feirão das Drogas” produzida pelo jornalista Tim Lopes, retratando o comércio de drogas no Complexo do Alemão – RJ;  Nov. – 106 presos fogem do presídio do Carandiru – A maior fuga da história  Dez./2001 – Estréia do programa Brasil Urgente / Rede Bandeirantes  Abr/2001 com a presença do autor, o Instituto Carioca de Criminologia lança simultaneamente no Brasil três livros de Loïc Wacquant: As prisões da miséria, Os condenados da cidade e Punir os pobres  Eleições presidenciais – Vitória do Lula  Introdução do Blindado Caveirão nas políticas de segurança públicas do RJ  Fevereiro de 2002 - Apresentação do Plano Nacional de Segurança Pública (Instituto Cidadania)  Lançamento do PNDH 02  Lançamento do Filme Cidade de Deus 2002  Lançamento do Documentário Ônibus 174  Jun./02 Elias Maluco, tido como sócio de Beira Mar, é acusado de torturar e matar o repórter da Globo Tim Lopes  Beira Mar comanda uma rebelião no Presídio Bangu I  Set./02 prisão de Elias Maluco  Out./2002 – Suzane Von Richthofen e os irmãos cravinhos matam os pais de Suzane sob coordenação da mesma. Governo Lula (2003 – 2006)  Jan./Posse de Lula  Aprovação do Estatuto do Desarmamento;  Fev./2003 – o Secretário de Seg. Pública do RJ, Josias Quintal, declara: “Nosso bloco está na rua e, se tiver que ter conflito armado, que tenha. Se alguém tiver que morrer por isso, que morra. Nós vamos partir pra dentro” por ocasião da implantação da Operação Rio Seguro  28/04/2003 – Posse de ‘'Garotinho como Secretário de Segurança Pública do RJ (até set. / 2004)  CPI dos Grupos de Extermínio NE  Jan. / 2003 - Luiz Eduardo Soares a frente da SENASP;  Posse de Márcio Thomas Bastos como Ministro da Justiça 2003  Out./2003 – Demissão de Luiz Eduardo Soares  Apresentação da 1ª Versão da Matriz Curricular de Formação  Jan/2003 – O homicídio da Sr. Maria do Carmo Alves praticado por Farah Jorge Farah com requintes de crueldade em SP  Mar./2003 – Morte de Marcinho VP (Dona Marta)  16/Abr.– Chacina do Borel – Quatro jovens mortos pela polícia na entrada da favela – RJ  Out./2003 – Os jovens que mataram o índio Galdino são encontrados bebendo fora do horário permitido no livramento condicional por uma equipe de reportagem do Correio Braziliense,  Nov./2003 – Assassinato de Liane Friendebach e Felipe Caffé por um adolescente fugido da ASE – SP, este episódio reascendeu o debate sobre redução  Out./02 – Eleições Municipais  Criação da Força Nacional de Segurança Pública  A PF desencadeia a Operação Sathiagara que resultou na prisão do banqueiro Daniel Dantas; 2004  Morte do dentista negro Flávio Sant’Anna morto por PM’s no aeroporto de SP  Lançamento do livro Guerra Civil – Luis Mir  Lançamento do livro Abusado – Caco Barcellos  O CESeC UCAM inicia pesquisa pioneira sobre a forma pela qual a imprensa cobre a questão da violência no país.

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2005

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2006

       

Realização do Referendo das Armas Realização da CPI das Armas – Câmara dos Deputados Jun. 2005 - Realização da CPI dos Bingos – Senado Federal Apresentação do Relatório da CPI dos Grupos de Extermínio no Nordeste Primeira revisão da Matriz Curricular Nacional Assassinato da Ir. Dorothy Stang 30/03/2005 - Chacina da Baixada (RJ) supostamente em retaliação pela morte de 2 PM’s Mai. / Lançamento da Campanha Reaja na BA como reação ao aumento do número de mortes de jovens no estado. É publicado o livro Cabeça de Porco Vilma Reis defende a dissertação de mestrado intitulada Atucaiados pelo Estado – As políticas de segurança implementadas nos bairros populares de Salvador e suas representações (1991-2001) Eleições Presidenciais – Vitória do Lula Aprovação da Nova Lei de Drogas CPI do Tráfico de Armas / Congresso Nacional Sancionada a Lei Maria da Penha Por meio do Decreto 5.912/2006 se alteraram as competências da SENAD (Secretaria Nacional Sobre Drogas) Mar./06 – A Anistia Internacional inicia uma campanha com entidades brasileiras contra o uso do Caverão no RJ 19 de mar - Fantástico programa da Rede Globo passa a exibir o documentário Falcões – Meninos do Tráfico 40 21 e 28 de mar. – O PCC coordena uma série de atentados em SP Abr./2006 – O Fantástico exibe uma entrevista de Suzane Von Richtofen em que ela é orientada pelo advogado a encetar um teatro como forma de se inocentar do crime. Tal entrevista gera grande comoção nacional, Jun./2006 – Advogado do PCC é preso Jun./2006 – Na sede da Bovespa reuniram-se organizações de SP para combater a violência e discutir os atentados de maio na cidade. Diante da conjuntura foi criado o Fórum de Cidadania Contra a Violência coordenado pelo Inst. SP contra violência, 13/08 a Rede Globo é obrigada a exibir o manifesto do PCC após sequestro de uma das suas equipes de jornalismo Set. a out. 2005 – Prisão de Paulo Salim Maluff Nov. – Sergio Cabral, Governador Eleito do RJ, declara-se contra a utilização do Caverão, É publicado livro “Segurança tem saída” / Luiz Eduardo Soares e Anthony Garotinho É publicado o livro “Síndrome da Rainha Vermelha” / Marcos Rolim É criado o Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Governo Lula (2007 - ?)  Posse de Lula  Posse de Tarso Genro como Ministro da Justiça  Realização da Operação Pré-Pan Coordenada pela Força Nacional no Rio de Janeiro  Operação para atuar no auxílio da preservação da Ordem Pública dos municípios goianos de Luziânia, Novo Gama, Valparaíso de Goiás e Cidade Ocidental. A operação começou em outubro de 2007 e terminou em agosto de 2008. – Força Nacional  20/Ago. - Lançamento do PRONASCI  Lançamento do Filme “Tropa de Elite” 2007  Fev./2007 – Um policial pisa na cabeça de um jovem negro que estava sendo acusado de assaltar uma turista espanhola em Salvador (Bahia), contudo, se comprova que o jovem não havia feito nada. A foto aparece na mídia e os movimentos sociais e reagem com várias manifestações.  Fev./2007 Assassinato do menino João Hélio – São Paulo  27/jun – 21 pessoas são mortas e 09 feridas em operação conjunta da Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro com a Força Nacional no Complexo de Morros do Alemão, A operação contou com a participação de 1.350 agentes policiais, a utilização de 1.080 fuzis, 180.000 balas e teve duração de cerca de oito horas. Após o término da

58 operação, o Estado divulgou a apreensão de 14 armas, 50 explosivos e munição de 2.000 balas, supostamente em poder de traficantes.  Nov./2007 – É descoberta em Abaetetuba no Pará uma adolescente de 15 anos presa em uma cela com 30 homens e sendo abusada sexualmente.  Out./08 – Eleições Municipais  Primeira reunião de Ministros de Segurança das Américas  Instalada a CPI das Milícias na ALERJ  CPI do Sistema Carcerário / Câmara dos Deputados  Operação Jogos Para e Panamericanos e ao término dos jogos, foi criada a Operação específica para atuação na orla e pontos turísticos do Rio de Janeiro, vias expressas e Complexo do Alemão  Ago/2008 - Apresentação do Relatório do Conselho de Direitos Humanos da ONU sobre execuções sumárias extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias no Brasil com foco para os casos do RJ e de SP,  Operação realizada no período de abril a novembro de 2008, no intuito de apoiar o Sistema Estadual de Segurança Pública, através de patrulhamento motorizado visando a diminuição do índice de criminalidade, principalmente dos crimes contra a vida, na região metropolitana de Maceió e adjacências. – Força Nacional  No período de 24 de novembro e terminou dia 21 de dezembro de 2008, executando ações de policiamento de proximidade com a comunidade nas Capitais dos Estados do Rio de Janeiro e Acre, e no Distrito Federal; a fim de apoiar os órgãos componentes do sistema de segurança pública locais na segurança do lançamento do Projeto “Territórios de Paz”. 2008  04/dez. – O Presidente Lula visitou o Complexo do Alemão, junto com um forte aparato de segurança mobilizado pela Força Nacional, em que lançou o programa “Territórios da Paz”  Lançada a 3ª Versão da Modificada e ampliada da Matriz Curricular Nacional para formação de prof. de Segurança Pública  Lançado o filme “Ultima Parada 174”  Fev./2008 – A Revista Carta Capital lança matéria de capa sobre a violência policial destacando o caso do jovem Djair de 16 anos, morto pela polícia baiana. A matéria repercutiu nacionalmente e foi amplamente divulgada por setores da sociedade civil,  Mar./2008 – Prisão de Juan Carlos Abadia traficante colombiano preso em SP  Mar./2008 – Morte de Isabela Nardoni, estrangulada pela madrasta e jogada da janela pelo pai,  30/mar. – O Fantástico exibe uma entrevista em que o casal Alexandre e Anna Carolina Jatobá falam sobre o ocorrido. A entrevista alcança altos níveis e audiência e causa grande comoção nacional.  14/jun. – Três jovens são mortos após terem sido presos por policiais do exército e entregues a traficantes no Morro da Providência – RJ  Out./2008 – O seqüestro da Jovem Eloá que ficou por oito dias em poder do namorado e acabou morta quando da invasão da polícia,  PM’s matam o menino João Roberto no RJ;  Constituição da CPI da Violência Urbana  Mar./2009 – Prisão do ex-Comandante da PM BA  Ago./09 – realização da 1ªCONSEG  Lançamento do PNDH 03  Campanha da Fraternidade sobre a questão da Segurança Pública  A Favela de Paraisópolis SP é ocupada por uma operação militar em parceria entre PM SP e Governo Federal (PRONASCI). As invasões de casa pela PM e a reação dos Policiais cria um crime de terror na comunidade. 2009  Dezembro – Apresentação do Relatório da ONG Human Rights Watch sobre Violência Policial e Segurança Pública no RJ e em SP  O Laboratório de Análise da Violência da UERJ lança relatório sobre o índice de homicídios de adolescentes demonstrando as tendência de aumento da letalidade das ações policiais nos últimos anos. O Relatório tem grande impacto na mídia.  O Fórum Brasileiro de Segurança Pública apresenta em parceria com o PRONASCI os primeiros resultados do programa Juventude e Prevenção da Violência com o índice de vulnerabilidade juvenil a violência em municípios com mais de 100mil hab. Fonte: Coleta de dados - 2010. Elaboração: Felipe Freitas Quadro 1: Síntese da tematização da Segurança Pública do Brasil

59

Assim, apresentado o painel de fundo no qual as tensões e disputas da segurança pública aconteceram no período de análise dessa pesquisa cabe retomar a questão de partida desta investigação e indicar quais as pretensões de análise empírica que orientam esta monografia, apontando o corpus empírico analisado.

2.3 O OBJETO TEÓRICO

O objeto deste estudo são os três planos nacionais apresentados no país entre 1988 e 2009, quais sejam: o Plano Nacional de Segurança Pública do governo FHC, lançado em 200; o Projeto Segurança Pública para o Brasil elaborado pelo Instituto Cidadania em 2002 e incorporado como Plano Nacional de Segurança Pública do governo Lula em 2003, e, por último, o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania, apresentado à sociedade brasileira em 2007. O objetivo desta análise é investigar quais as representações de segurança pública produzida nestes três documentos oficiais sobre o tema em nível nacional. Partindo do pano de fundo apresentado e destacando a estrutura normativa dos planos, seus instrumentos de avaliação, os temas enfocados e as representações das causas e causadores da violência por eles indicados. Em outras palavras, o presente estudo pretende indicar respostas às seguintes questões: o Diante do quadro exposto o que disseram os documentos que apresentaram as três políticas nacionais de segurança pública nos últimos anos? Qual a estrutura das políticas nacionais de segurança pública? Quais os temas prioritários de cada programa? o Qual é a noção de segurança pública em disputa dentro deste quadro sociopolítico apresentado? o E, por fim, quais as representações de prevenção e repressão indicada em cada política pública? Qual a representação sobre as causas da violência e da criminalidade que ampara cada formulação de ação política nos programas?

60

3 POLÍTICAS NACIONAIS DE SEGURANÇA PÚBLICA: AS PROPOSTAS E OS CONCEITOS APRESENTADOS

Compreender

as

políticas

de

segurança

pública

pressupõe,

necessariamente, compreender a forma pela qual os governos enunciam discursos sobre o tema, assim como as modalidades pelas quais articulam sua intervenção, e, sobretudo os códigos que acionam para representar a questão da violência e as saídas para sua resolução. Trata-se de avaliar não só as ações desenvolvidas, mas, a forma pela qual são propostas, planejadas, apresentadas e defendidas essas ações, num esforço de compreender, além da execução, a própria formulação das políticas públicas. Tradicionalmente as pesquisas na área de políticas públicas concentramse nas avaliações dos agentes envolvidos, nos impactos das ações realizadas, nos orçamentos e estrutura destinados a estas finalidades, enfim, são pesquisas sobre a fase de execução das políticas públicas. No presente estudo opta-se por investigar as políticas públicas de segurança na sua fase de elaboração, pesquisando não a aplicação das políticas, mas, a sua formulação teórica perquirindo o tipo de representação social e política que subjaz à enunciação pública das propostas apresentadas. Em outras palavras, analisaremos aqui não as políticas como um todo, mas, apenas os documentos que as anunciam investigando as formas pelas quais se processam representações e discursos dentro da formulação política da máquina pública em matéria de segurança nos três documentos pesquisados abordando, neste capítulo, quatro pontos prioritários:

a) apresentação e discussão da estrutura e dos temas abordados;

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b) auto-definição dos programas e a noção de segurança pública por cada um enunciada. c) discussão sobre a forma pela qual o programa representa as causas e causadores do aumento da violência; a forma pela qual propõe saídas à questão da violência e a idéia de prevenção e repressão na conceituação de segurança pública enunciada pelos programas;

Contudo, antes de prosseguir na apresentação dos dados e na sua análise cumpre uma explicação sobre a metodologia utilizada e sobre os desafios na coleta dos dados.

3.1 O ITINERÁRIO METODOLÓGICO: OS CAMINHOS E DESCAMINHOS DA ANÁLISE DE POLÍTICAS PÚBLICAS

Com o objetivo de compreender a noção de segurança pública enunciada pelas políticas públicas nos três programas nacionais de segurança pública apresentados após a Constituição de 1988 no Brasil realizou-se uma investigação sobre os três planos nacionais implementados no período, com base na análise dos documentos de apresentação destes planos: o documento de apresentação do Plano Nacional de Segurança Pública e o texto final do Projeto Segurança Pública para o Brasil, ambos disponibilizados na internet, o primeiro no site do Movimento Nacional de Direitos Humanos e o segundo no site do Partido dos Trabalhadores, e com a cartilha Pronasci, distribuída pelo Ministério da Justiça. Inicialmente, uma dificuldade apresentou-se ao trabalho da pesquisa no que se refere. A diferença entre o tamanho e a estrutura dos documentos revelavam um sério obstáculo ao esforço comparativo que se pretendia desenvolver, e, portanto, um risco à própria sustentação metodológica do trabalho: como analisar comparativamente documentos com estrutura e tamanho tão distintos? A resposta a esta questão foi dada a partir da escolha da metodologia indutiva para a coleta, sistematização e análise dos dados. Inicialmente, os programas foram lidos e analisados na perspectiva de dissecar sua estrutura e de identificar os temas e eixos temáticos presentes em cada um dos documentos. Com esta operação o propósito era o de encontrar as unidades de sentido dos textos que,

62

neste

caso,

eram

macro-unidades

posto

que

representavam

os

grandes

agrupamentos de temas e propostas presentes no programa. Feito isto se obteve um elenco amplo de temas (macro-unidades) que passaram a ser reagrupados segundo a seguinte duas grandes categorização: estrutura e temas abordados e, por outro lado, os conceito, as causas e as respostas à violência. Como se pode notar, a estrutura desigual entre os programas, antes tida como desafio à análise comparativa dos documentos, passou para condição de uma das categorias de análise, pois, também a estrutura, é informativa de tendências e perspectivas das políticas públicas, com será possível detalhar mais adiante.

3.2 UMA ANÁLISE GERAL DOS PROGRAMAS: ESTRUTURA, AUTO-DEFINIÇÃO E TEMAS ABORDADOS

Numa primeira análise sobre os significados dos programas temos como base importante de estudo e investigação a própria estrutura dos textos que os apresentam: sua organização, sua lógica interna e a forma com que os próprios autores das políticas as definem. Sob o aspecto político são, de fato, reveladoras não só as palavras, mas, também os elementos metatextuais envolvidos na produção de sentido pretendida pelo gestor ao divulgar cada programa, sendo útil a este trabalho observar não somente os temas levantados, mas, além disso as formas e métodos indicados em cada documento tecendo deste modo um panorama elucidativo do conjunto das ações em segurança pública e das posições em disputa neste campo. Como forma de apresentação didática dos resultados da pesquisa apresentaremos neste tópico a descrição das políticas analisadas nos aspectos de: estrutura e temas abordados. Tais dados serão apresentados programa a programa para, ao final, tecer algumas indicações comparativas entre os dados coletados. Nos pontos seguintes apontaremos a maneira de cada programa indicar as causas da violência bem como as discussões sobre prevenção e repressão, e, por último as noções de segurança pública presentes em cada política.

63

3.2.1 O Plano Nacional de Segurança Pública – 2000

O Plano Nacional de Segurança Pública, lançado em julho de 2000 pelo então presidente da república FHC, foi apresentado à sociedade através de um documento de 35 páginas, organizado em quatro capítulos, com 15 compromissos e 124 ações. Tratou-se de um documento elaborado pelo Governo Federal a partir da Secretaria Nacional de Segurança Pública, que, enquanto forma jurídica não fora acompanhado de uma legislação que o enunciasse, não possuindo, portanto, indicações orçamentárias novas para sua execução, mantendo apenas os recursos advindo do incipiente FNSP (Fundo Nacional de Segurança Pública). Como ressalta Fabiano Augusto Martins Silveira:

O Plano, na sua essência, é um documento que baliza as ações do governo federal na área da segurança pública, estabelecendo “compromissos”, pontuando demandas e estratégias. A rigor, goza de existência jurídica precária: a um, porque não figura entre as rubricas orçamentárias, a dois, porque desprovido de qualquer forma ou aspecto normativo (decreto, A.2 portaria, resolução, instrução, etc.). A única referência legal ao PNSP, como assinalado, é a que consta do art. 1º da Lei nº 10.201, de 14 de fevereiro de 2001.

O PNSP 2000 foi planejado para o período de 2 (dois) anos, estruturandose da seguinte forma:

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Esfera de Atuação

A - Medidas no Âmbito do Governo Federal

B - Medidas no Âmbito da Cooperação do Governo Federal com os Governos Estaduais

C - Medidas de Natureza Normativa D - Medidas de Natureza Institucional

Eixos Temáticos A.1 Compromisso nº 1 - Combate ao Narcotráfico e ao Crime Organizado A.2 Compromisso nº 2 - Desarmamento e Controle de Armas A.3 Compromisso nº 3 - Repressão ao Roubo de Cargas e Melhoria da Segurança nas Estradas A.4 Compromisso nº 4 - Implantação do Subsistema de Inteligência de Segurança Pública A.5 Compromisso nº 5 - Ampliação do Programa de Proteção a Testemunhas e Vítimas de Crime A.6 Compromisso nº 6 - Mídia x Violência: Regulamentação B.1 Compromisso nº 7 - Redução da Violência Urbana B.2 Compromisso nº 8 - Inibição de Gangues e Combate à Desordem Social B.3 Compromisso nº 9 - Eliminação de Chacinas e Execuções Sumárias B.4 Compromisso nº 10 - Combate à Violência Rural B.5 Compromisso nº 11 - Intensificação das Ações do Programa Nacional de Direitos Humanos B.6 Compromisso nº 12 - Capacitação Profissional e Reaparelhamento das Polícias B.7 Compromisso nº 13 - Aperfeiçoamento do Sistema Penitenciário C.1 Compromisso nº 14 - Aperfeiçoamento Legislativo D.1 Compromisso nº 15 - Implantação do Sistema Nacional de Segurança Pública

Fonte: Coleta de dados - 2010. Elaboração: Felipe Freitas Quadro 2 – Estrutura do Plano Nacional de Segurança Pública.

Como se pode notar, o PNSP 2000 estrutura-se segundo critérios de competência administrativa, com ações de coordenação do executivo federal, ações de colaborações para os executivos estaduais, ações de reforma legislativa e ações de reforma administrativa. Vejamos como os temas foram colocados em cada uma destas esferas:

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A – Medidas no Âmbito do Governo Federal

Na

esfera

das

ações

em

âmbito

federal

os

eixos

temáticos

(compromissos) articularam-se com ações ligadas a repressão do tráfico de drogas, com ações de fortalecimento da polícia federal, combate ao contrabando e ao descaminho e combate a lavagem de dinheiro; compromisso com o desarmamento e o controle de armas com ações de repressão para o combate à venda, porte e uso ilegal e de conscientização por meio de campanhas pelo desarmamento (A.1 e A.2); sobre a questão da violência nas rodovias(A.3) o PNSP previu um compromisso com repressão ao roubo de cargas e melhoria da segurança nas estradas, com ações de fiscalização por meio de patrulhamento e socorro às vítimas e, no que se refere à inteligência de segurança pública (A.4), o propósito de implementar um subsistema de inteligência no setor, coordenado pela ABIN, com núcleos estaduais e federais relacionados com o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República. Ainda na esfera das ações de âmbito federal foram previstos eixos temáticos: a ampliação do PROVITA (A5) e a regulamentação da questão da mídia X violência (A6). No que tange à proteção de vítimas e testemunhas o Plano estabeleceu, além da ampliação do programa já existente o serviço de proteção ao réu colaborador, a capacitação de agentes para atuação no PROVITA e a regulamentação para acesso aos dados coletados pelo programa. Quando a mídia e violência ficaram fixados objetivos ligados a criação de mecanismos de controle social da mídia no sentido de garantir a defesa dos direitos humanos, baseados na estratégia da auto-regulamentação e medidas de caráter formativo com o objetivo de conscientizar empresários do setor, profissionais e a própria população. B - Ações de colaboração com os Governos Estaduais

No segundo grande eixo de atuação, as ações de colaboração com os governos estaduais, o PNSP previu os seguintes eixos temáticos (compromissos): Redução da Violência Urbana (B.1), Inibição de Gangues e Combate à Desordem Social (B.2), Eliminação de Chacinas e Execuções Sumárias (B.3), Combate à Violência Rural (B.4), Intensificação das Ações do Programa Nacional de Direitos

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Humanos (B.5), Capacitação Profissional e Reaparelhamento das Polícias (B.6) e Aperfeiçoamento do Sistema Penitenciário (B.7), com destaque para a previsão de estruturação das ações de repressão policial. No que se refere à redução da violência urbana (B.1) as ações destacadas foram voltadas a combater as muitas formas de violência contra o cidadão - crimes, assaltos, lesões e inúmeras outras violações – por meio de ações que congreguem “estados e municípios, e especialmente grandes centros urbanos que apresentam altas taxas de criminalidade, em torno de estratégias que levem a reduzir, de forma drástica, as taxas de assaltos, homicídios e outras graves violações à pessoa.”. Neste eixo foram indicadas ações ligadas a policiamento integrado, a policiamento focal em pontos críticos, mutirão para cumprimento de mandados judiciais com o objetivo de “não tolerar o descumprimento da lei e, por outro lado, aumentar o grau de percepção da população de que quem tem contas a ajustar com a justiça é, de fato, punido.” (BRASIL, 2000), além de ações antiseqüestro, fortalecimento da guarda municipal e ações comunitárias com vistas a “canais permanentes de diálogo com as lideranças e os movimentos comunitários legítimos (...) com o propósito de construir alianças capazes de ao mesmo tempo mudar o comportamento da Polícia em relação a essas populações e combater o crime, livrando essas comunidades do poder dos marginais e dos falsos benefícios dos bandidos” (BRASIL, 2000). No eixo Inibição de Gangues e Combate à desordem (B.2) o programa traz o objetivo de “conferir cada vez mais praticidade ao Estatuto da Criança e do Adolescente, caminhar na direção principal de reinserir os jovens em suas comunidades, despertando-os para uma efetiva participação que inclua o sentido de responsabilidade, sonhos, desejos de realização e felicidade.” (BRASIL, 2000) com vistas a combater a “omissão ou superproteção das famílias, da escola e dos poderes públicos, que não conseguem construir, principalmente com a participação dos jovens, uma perspectiva de futuro” (BRASIL, 2000). Entre as ações apresentadas no eixo de inibição das gangues e combate à desordem (B.2) podemos destacar as ações pela redução do consumo de bebidas alcoólicas através de iniciativas de conscientização até medidas sancionatórias à venda de bebidas a menores; medidas de fortalecimento do sistema nacional previsto pelo ECA com destaque para Delegacias Especializadas de Crianças e Adolescentes, atendimento a crianças e adolescentes cumprindo medidas

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socioeducativas; ampliação da “fiscalização de organizações, grupos e associações que congregam jovens, sob pretexto esportivo, de lazer ou cultural, mas cujas atividades sejam o tráfico de drogas, exacerbação da violência e outras práticas criminosas” (BRASIL, 2000) e apoio a famílias por meio da criação dos Núcleos de Atendimento às Famílias com o objetivo de aproximar vínculos familiares. No eixo eliminação de chacinas e execuções sumárias (B.3) temos uma evidente resposta do poder executivo às inúmeras denúncias feitas por organizações de direitos humanos quanto aos fatos ocorridos nos anos anteriores. As ações destacadas nesse ponto foram: a criação de forças tarefas para combater os crimes de extermínio nas regiões mais atingidas do país; apreensão dos bens dos integrantes de grupos de extermínio e fechamento dos estabelecimentos que contratam os serviços de extermínio em suas regiões de atuação. Quanto à violência rural (B.4) o PNSP 2000 apresentou ações de prevenção dos conflitos (Sistema de Informações de Conflitos Agrários e Tensões Sociais no Campo – SICA e Constituição de Equipes de Prevenção de Conflitos Rurais), bem como ações de combate a violência no campo como Instalação das Ouvidorias Agrárias Estaduais, Acompanhamento das Ações Reintegratórias e Estruturação da Divisão de Conflitos Agrários da Polícia Federal com o objetivo de diminuir os conflitos no campo por meio de uma ação mais dinâmica do Governo Federal, integrando-se às ações então desenvolvidas por estados e municípios dentro do contexto do recém criado Ministério do Desenvolvimento Agrário. No que se refere aos direitos humanos o PNSP 2000 congregou seus esforços no compromisso com o fortalecimento do PNDH I (B.5). Com o objetivo de promover uma cultura de paz e não-violência o eixo Intensificação das Ações do Programa Nacional de Direitos Humanos (B.5) compôs-se de ações de fomento ao voluntariado juvenil, ações de erradicação do trabalho infantil, de redução do consumo de drogas, de assistência a mulheres vítimas de violência, de promoção do esporte, cultura, lazer e cidadania e de formação comunitária. Sobre a questão do voluntariado jovem o PNSP 2000 previu a ampliação do projeto "Paz na Escola" do Ministério da Justiça, inclusão no programa "TV Escola" do tema "Violência e Direitos Humanos" e incentivo, junto a organizações da sociedade civil para o desenvolvimento de projetos voltados para a juventude; Ampliação do Programa "Pelotões Mirins" e Programa "Serviço Civil Voluntário". No que tange ao trabalho infantil a proposta fora a da ampliação do Programa de

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Erradicação do trabalho infantil, com vistas a uma ação particularmente voltada para crianças de área urbana em situação de risco, à semelhança do que já ocorria na área rural. Acerca da redução do consumo de drogas e apoio à recuperação de dependentes o programa previa a formação na modalidade e ensino a distância de agentes multiplicadores, numa parceria entre a SENAD e a UnB com a distribuição de 90mil bolsas de estudo para tal finalidade. Quanto à assistência de mulheres vítimas de violência a previsão do PNSP foi de um programa de construção de "Abrigos para Mulheres em Situação de Risco" renovando os esforços para disseminação da campanha "Uma Vida Sem Violência é Um Direito Nosso". Quanto à promoção do esporte, cultura, lazer, cidadania e formação comunitária são apresentadas ações ligadas a reforçar o programa "Agente Jovem de Desenvolvimento Social e Humano", cujo público alvo são jovens de 15 a 17 anos residentes na periferia urbana; bem como desenvolver programas de promoção de atividades esportivas, culturais e de lazer, voltados preferencialmente ao público jovem e à população em situação de risco; além da implantação de Centros Integrados de Cidadania em áreas críticas da Grande São Paulo, Grande Rio de Janeiro e cidades do entorno do Distrito Federal, onde funcionarão unidades integradas do Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública e polícias, e de outros serviços públicos voltados para as demandas básicas do cidadão como implementação do programa bolsa escola e incentivo as ações de articulação e cooperação entre a comunidade e autoridades públicas com vistas ao surgimento de grupos de autoproteção comunitária que possam desenvolver estratégias de ajuda mútua e de requisição de serviços policiais. Ainda na esfera das parcerias com os governos estaduais o PNSP previu um eixo ligado à capacitação e ao aparelhamento das polícias (B.6) com iniciativas como a criação do Fundo Nacional de Segurança Pública, apoio a polícias estaduais e comunitárias, de fortalecimento dos direitos dos policiais (moradia, salário, estímulo a formação etc.), reaparelhamento as polícias, estímulo à terceirização dos serviços burocráticos dentro das corporações, núcleo de combate a impunidade e criação de órgãos de controle externo da atividade policial. Por fim, é apresentado na esfera de cooperação com os governos estaduais o eixo do aperfeiçoamento do sistema penitenciário (B.7) com o propósito de reduzir os altos índices de reincidência e o déficit de vagas então identificado.

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Como ações o plano apresentou a ampliação do número de vagas nos estabelecimentos, a melhor formação dos agentes, o atendimento aos presos e egressos, o apoio aos mutirões penitenciários, assistência à vítima, ao egresso e ao preso e a adoção de penas alternativas. C – Medidas no âmbito da reforma legislativa

Na esfera das reformas legislativas o PNSP apresenta uma série de alterações em curso (ou em vias de serem propostas à época) ligadas à tipificação de novos crimes (Projetos de Lei que reformulem ou tipifiquem algumas figuras delituosas da Parte Especial do Código Penal; Projeto de Lei que permita uma punição mais eficaz ao contrabando; Projeto de Lei para previsão de punição mais eficaz ao roubo e à receptação de cargas; Projeto de Lei que estabeleça punição severa a crimes contra policiais; Projeto de Lei que penalize a tentativa de fuga), alteração de bases conceituais do direito penal brasileiro (Projeto de Lei atualizando a Parte Geral do Código Penal) e reformas na execução penal (Modernização do Código de Processo Penal; Projeto de Lei reformulando o sistema de execução das penas Projeto de Lei regulamentando a identificação criminal), todas com o objetivo de “proteger os direitos mais fundamentais da pessoa humana.”, nos dizeres do próprio documento. D – Medidas voltadas as reformas institucionais

Por fim, o PNSP prevê ainda uma quarta esfera de atuação destinada às medidas institucionais ligadas à criação do Sistema Nacional de Segurança Pública que pretendia a construção de uma base de dados mais sólida, por meio da criação de um sistema nacional de segurança pública que aprimore o cadastro criminal unificado – INFOSEG, e da criação do Observatório Nacional de Segurança Pública, dedicado à identificação e disseminação de experiências bem sucedidas na prevenção e no combate da violência.

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3.2.2 O Projeto de Segurança Pública para o Brasil– 2002

Apresentado à sociedade em fevereiro de 2002, o Projeto Segurança Pública para o Brasil, elaborado pelo Instituto Cidadania e escrito por quatro especialistas em segurança pública – Luiz Eduardo Soares41, Antonio Carlos Biscaia42, Benedito Mariano43 e Roberto Aguiar44 -, o PSP 2002 fora apresentado à nação pelo então pré-candidato a presidência da república e presidente do Instituto Cidadania, Luiz Inácio Lula da Silva, ante a presença do Ministro da Justiça, Aloysio Nunes Ferreira, do presidente da Câmara, Aécio Neves e do presidente do Senado Ramez Tebet, num ato que reuniu importantes personalidades da política de segurança pública no país. Em 2003, com a eleição de Lula como presidente da república tal plano passou da condição de proposta de um Instituto da sociedade civil para plano de governo na área de segurança sendo escolhido para capitanear a sua execução, como Secretário Nacional de Segurança Pública, um dos autores do plano, o antropólogo Luiz Eduardo Soares. Composto por 14 capítulos o PSP 2002 é um documento amplo, com 100 páginas, que traz análises sistemáticas da questão da violência e da segurança pública no país, a partir de uma visível preocupação interdisciplinar, com ênfase na explicação multicausal da violência, na necessidade das reformas institucionais e legislativas e nas articulações entre prevenção e repressão no tratamento da criminalidade. “O objetivo do presente documento é submeter à apreciação da sociedade um projeto de segurança pública cuja meta é a redução daquelas modalidades da violência que se manifestam sob a forma da criminalidade.”

41

Assessor Especial para Segurança Pública da Prefeitura de Porto Alegre (2001); professor Licenciado do IUPERJ e da UERJ e professor visitante das Universidades de Columbia, de Pittsburg e de Vírginia, Instituto Vera de Justiça, Nova York; ex-Subsecretário de Segurança e Coordenador de Segurança, Justiça, Defesa Civil e Cidadania do Estado do Rio de Janeiro (entre janeiro de 1999 e março de 2000) 42 Professor de Direto Processual Penal da Universidade Cândido Mendes (1975); ex-Deputado Federal pelo Partido dos Trabalhadores do Rio de Janeiro (1999 – 2000); foi Procurador Geral de Justiça do Estado do Rio e Janeiro (1984 – 1986; 1991 – 1995) e Assessor Jurídico da Comissão Justiça e Paz – Rio de Janeiro 43 Foi Ouvidor Geral do Município de São Paulo (2001 – 2002); Ouvidor da Polícia do Estado de São Paulo (1995 – 2000) e primeiro Coordenador Executivo do Fórum Nacional de Ouvidores; Fundador do Movimento Nacional de Direitos Humanos. 44 Ex-Prof. Titular de Filosofia do Direito no Curso de Graduação e no Mestrado em Direito Público do Departamento de Direito da Universidade de Brasília (1989 – 2009); foi Consultor Jurídico do Governo do Distrito Federal; ex-Secretário de Segurança Pública do Distrito Federal; ex-Coordenador de Extensão da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília..

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(INSTITUTO CIDADANIA, 2002, p. 4) afirma o documento que continua da maneira seguinte:

As interfaces e superposições com outras problemáticas são tantas e tão relevantes, que se torna imperioso tratá-las, definindo-se como pertinentes ao âmbito de abrangência do objeto principal. No entanto, sempre que este projeto apontar para a necessidade de transformações socioeconômicas estruturais, tal exigência será apenas indicada, não sendo este o espaço adequado para o enfrentamento de todo o conjunto de desafios postos para quem assume o compromisso de transformar o Brasil num território de paz e justiça. Este projeto se volta para uma área temática específica, por mais que se reconheça o caráter multidimensional dessa área e, portanto, por mais que se esteja atento aos riscos de simplificação que estão presentes quando se separa o assunto da complexidade sócioeconômico-cultural a que pertence (INSTITUTO CIDADANIA, 2002, p. 5).

Em sua instituição como Plano Nacional o Projeto de Segurança Pública para o Brasil (PSP 2002) também não contou (assim como o PNSP 2000) com um marco legal que o instituísse. Sem recursos previstos para o primeiro ano 45 o PSP 2002 previa cinco etapas iniciais para sua institucionalização, começando pela construção de um consenso com os governadores em torno do Plano, como meio de dar-lhe

envergadura

normatização

do

institucional SUSP

e

(Sistema

sustentação Único

de

política,

seguindo-se

Segurança

Pública)

da e

desconstitucionalização das polícias, implantação dos GGIS (Gabinetes de Gestão Integrada da Segurança Pública) ampliação progressiva dos recursos do FNSP (Fundo Nacional de Segurança Pública) e, por fim, celebração de um Pacto pela Paz assinado pelos 27 governadores com o fito de consolidar, em definitivo, o PSP como política nacional. Será necessário convocar, a partir da Presidência da República todos os governadores de estado e propor um pacto em torno desse plano nacional de segurança, visando à instalação de um processo de construção social da paz. Será muito importante que, ato contínuo, a sociedade civil seja também convocada para uma grande mobilização nacional pela construção social da paz, em cujo âmbito as entidades não-governamentais, as associações, os sindicatos, as instituições religiosas, as universidades e os representantes da Período em que o Governo contava com as indicações orçamentárias do Plano Plurianual 1999 – 2003 e com a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2003, aprovada em 2002 ainda com a Legislatura anterior no Congresso Nacional 45

72

iniciativa privada serão chamados a participar de um amplo mutirão, a ser desenvolvido em múltiplos níveis, simultaneamente, visando integrar a juventude excluída (INSTITUTO CIDADANIA, 2002, p. 15).

Verifica-se, deste modo, uma preocupação com a constituição de um pacto federativo em torno da temática da segurança pública e da construção de unidades em torna da Política apresentada. Estruturando-se a partir deste tema (da construção de uma pacto federativo), o PSP 2002 traz como eixos a questão das reformas estruturais ao lado de outros temas relevantes que podem ser apresentados resumidamente da seguinte forma: Eixo

A - Reformas estruturais

B - Temas relevantes

Ações A.1 Reformas substantivas na esfera da união e dos estados, A.2 Reformas substantivas na esfera municipal; A.3 Mudanças constitucionais relativas às agências policiais, A.4 Mudanças relativas a persecução penal: o inquérito e o Ministério Público. B.1 Prioridade na prevenção a violência, B.2 Problemática das drogas, B.3 Combate ao sequestro, B.4 Problemática das policiais, B.5 Violência doméstica e de gênero, B.6 Violência contra as minorias, B.7 Acesso a justiça: importância da Defensoria Pública B.8 O sistema penitenciário, B.9 Segurança privada, B.10 Programas de proteção a testemunhas ameaçadas, B.11 Redução da idade penal, imputabilidade penal e o ECA, B.12 Violência no trânsito B.13 Desarmamento e controle de armas no país.

Fonte: Coleta de dados - 2010. Elaboração: Felipe Freitas Quadro 3 – Estrutura do Projeto Segurança Pública para o Brasil 2002

O PSP 2002 destaca a relevância de tratar a temática da segurança pública como campo de políticas multidimensionais e plurissetoriais, com forte papel coordenador do Governo Federal, e com adequação conforme cada realidade local específica. Neste sentido, o programa propõe uma coordenação unificada da gestão

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da política, com a integração em relação aos governos estaduais e suas secretarias de segurança pública, propondo a criação de uma rede responsável por planejar, executar e monitorar as questões da segurança pública no país:

(...) o novo sujeito institucional apresentará a mesma abrangência da política a ser formulada e executada. Guardadas as especificidades das esferas governamentais, será formada uma coordenação unificada para a gestão da política integrada de segurança pública. Seus membros serão os ministros ou os secretários das pastas pertinentes, isto é, daquelas cujos âmbitos de responsabilidade apresentem interfaces com a problemática da violência, segundo os recortes propostos em cada programa específico de governo. Nesse contexto, as secretarias de segurança e, por conseqüência, as polícias, assim como o Ministério da Justiça, não estarão mais isolados no comando da política de segurança pública. Cada projeto, cada estratégia, cada intervenção será pensada e implementada a partir da articulação entre a secretaria de segurança ou o Ministério da Justiça e os setores governamentais responsáveis por educação, saúde, esporte e lazer, cultura, trabalho e ação social, planejamento, habitação, transporte, saneamento etc. Os projetos serão sempre integrados, assim como os problemas enfrentados são novelos compostos por fios diversos e quase indiscerníveis (INSTITUTO CIDADANIA, 2002, p. 22).

No eixo das reformas estruturais, aspecto no qual o PSP 2002 lança grande destaque, apresentaram-se reformas na esfera da união e dos estados (A.1) focando na criação do Sistema Único de Segurança Pública nos Estados, indicando a criação de “iniciativas que possibilitem às políticas trabalharem de forma integrada, compartilhando determinadas rotinas, procedimentos e estruturas, racionalizando a administração dos recursos humanos e materiais, e otimizando a eficácia do aparato policial” (INSTITUTO CIDADANIA, 2002, p. 26) através de medidas de mais variadas ordens, no sentido de viabilizar a maior articulação entre as iniciativas estaduais na gestão da segurança. Como passos para a concretização do Sistema de Segurança Pública nos Estados indicou-se: a) Criação do Conselho Consultivo de Segurança Pública, composto por “representantes da sociedade civil e pelos chefes e comandantes das polícias”;

74

b) Unificação progressiva das academias e escolas de formação; c) Criação de órgão integrado de informação e inteligência policial; d) Corregedoria única ligada ao Gabinete do Secretário de Segurança Pública com o objetivo de resguardar a autonomia e independência do órgão; e) Programa Integrado para a Saúde Mental do Policial; f) Proteção a integridade física do policial por meio da compra dos equipamentos necessários; g) Garantia de que policiais não integrem empresas de segurança privada e proibição de que policiais que participaram de tortura ocupem cargos dentro da estrutura do Sistema Integrado de Segurança Pública, h) Grupo Unificado de Medicação de Conflitos para atuação em greves, reintegrações de posse, etc.; i) Ouvidorias autônomas e independentes. Ou seja, indica-se no PSP 2002 um itinerário de ações com vista à consolidação de uma nova dinâmica no que tange a atuação policial, mesmo que para estas medidas não fossem necessárias, ainda, alterações na ordem constitucional. Como ressalta o documento, essas medidas de modernização das policiais estaduais representam avanços infraconstitucionais, que podem ser obtidos imediatamente pela decisão política dos governos estaduais, associados ao apoio político do governo federal e do Congresso nacional. Ainda entre as reformas estruturais o PSP 2002 destaca: qualificação para o policiamento preventivo e comunitário, mudanças nos regulamentos disciplinares das polícias, diminuição dos graus hierárquicos das forças policiais, controle do uso da força letal (arma de fogo), redução do efetivo nas funções administrativas, alteração das prioridades no campo da investigação criminal da polícia civil com uso de táticas de geoprocessamento e uso de novas tecnologias, desvinculação

entre

os

Departamentos

de

Trânsito

e

as

polícias

civis,

75

descaracterização de viaturas para investigação, modificação na direção da polícia civil possibilitando a nomeação para a chefia de delegados a faixa inferior, o que aumentaria o leque de possibilidades de escolha dos gestores, reformulação das Leis Orgânicas das polícias estaduais com fixação de regras claras para a atividade das polícias civis, melhores condições para o Corpo de Bombeiros e Defesa civil, autonomia dos órgãos periciais e alterações na estrutura das Guardas Municipais (A.2). Ademais, o PSP 2002 traz em caráter de reformas infraconstitucionais, propostas relativas à persecução penal (A.4), com ênfase para o inquérito policial e para a atuação do Ministério Público. Conforme o PSP 2002 o modelo acusatório no Brasil é marcado pelo domínio do poder e da força sobre a razão, com desrespeito do trabalho da análise periocial e da investigação criminal, resultando em métodos violentos e ilegais para a elucidação dos crimes. Como meio de alterar esta realidade o PSP propõe mudanças na perspectiva de extinguir a figura do indiciamento policial, com a adoção de meios de controle externo da atividade policial, fixação de diretrizes gerais para condução dos trabalhos investigativos, sob supervisão do Ministério Público. Entre as mudanças indicadas sugere-se a transformação do inquérito policial – instrumento arcaico e superado – em investigação criminal em que a titularidade da atribuição investigativa não é exclusiva da polícia, mas, compartilhada com mais proximidade pelo Órgão Ministerial que passa a poder opinar mais diretamente, ainda na fase preliminar da apuração dos fatos o que resultaria em menos tempo e mais agilidade no processo:

Essa simples alteração significará a valorização do trabalho da polícia, além do desafogo dos agentes policiais, que terão mais tempo para destinar ao trabalho complexo e importante de apurar os responsáveis por delitos cuja autoria não foi de pronto determinada, além de investigar as ações de quadrilhas e do crime organizado. Em pouco tempo, a persecução criminal ganhará novos contornos, com resultados práticos nas investigações e nas ações penais (INSTITUTO CIDADANIA, 2002, p. 65).

A título de mudanças constitucionais as propostas focaram-se nas

76

agências policiais e na constituição de polícias estaduais de ciclo completo (A.3). Segundo o PSP 2002 as mudanças constitucionais instituidoras de novo marco para as políticas de segurança no país são: extinção dos tribunais e auditorias militares, Lei Orgânica Única para as polícias estaduais, desvinculação entre as policiais militares – enquanto reserva – e o Exército, investigação preliminar sem indiciamento, estabelecimento de vencimento básico para as policiais, órgãos periciais autônomos e ouvidorias de Polícia autônomas e independentes. Como estratégia

para

a

conquista

destas

mudanças

o

PSP

2002

indicou

a

desconstitucionalização do tema da segurança pública, pois, desse modo, os Estados teriam ampla liberdade institucional e legal para tratarem do tema:

Em síntese, propõe-se ao Congresso Nacional que inclua na Constituição a exigência de que todas as instituições policiais organizem-se como polícias de ciclo completo. Propõe-se também que, via desconstitucionalização, se transfira aos estados o direito de legislar sobre suas polícias, resguardado o respeito ao princípio do ciclo completo. Desde já, entretanto, enquanto essas mudanças não ocorrem, é urgente a criação do Sistema Único – em cujo âmbito se instalará a dinâmica da progressiva integração, compatível com os marcos legais vigentes (INSTITUTO CIDADANIA, 2002, p. 56).

No segundo eixo, dos temas prioritários, o PSP 2002 trouxe uma série de indicações, metas, objetivos, prazos e ações organizados segundo grupos estratégicos de intervenção com base na articulação entre prevenção e repressão dentro da proposta de uma resposta ampla e sistêmica à questão da segurança pública. Já no seu capítulo introdutório o PSP 2002 apresenta como tema relevante a questão da prevenção da violência (B.1), da problemática das drogas (B.2), do combate ao seqüestro(B.3) e dos princípios para uma Nova Polícia (B.4), temas centrais à compreensão deste Projeto. Em matéria de prevenção o PSP 2002 apresenta propostas em nível mais imediato, compreendidas como produzindo resultados a curto prazo e medidas intermediárias – de médio prazo, que conciliariam a construção de medidas de pontuais com a construção de estratégias estruturantes no campo da prevenção da violência e da criminalidade.

77

Como medidas preventivas de curto prazo o PSP 2002 presta as seguintes indicações: (1) iluminar as áreas problemáticas; (2) ocupá-las com ações agregadoras, lúdicas ou de lazer; (3) reaproveitar os espaços públicos, reformando-os para inundar os bairros populares com áreas para esporte e para atividades culturais: artísticas, festivas, musicais; (4) urbanizar os territórios para reduzir o isolamento; (5) apoiar a construção de redes locais; (6) implementar políticas integradas que focalizem os três domínios fundamentais para a vida social: a casa, a rua – ou a comunidade e o bairro – e a escola, inclusive seu desdobramento profissionalizante, que conduz ao trabalho (INSTITUTO CIDADANIA, 2002, p. 48).

Ou seja, segundo o próprio documento, pretende-se “desarmar o cenário de uma tragédia anunciada” (INSTITUTO CIDADANIA, 2002, p. 49). Por outro lado, ainda no campo da prevenção, o PSP 2002 apresenta recomenda medidas de nível médio entre as medidas claramente pontuais e aquelas de natureza mais estruturante, são elas:

(a) promoção da segurança alimentar, acompanhada de educação nutricional; (b) garantia das condições básicas de saúde, o que envolve saneamento e habitação; (c) garantia de renda mínima; (d) redução da violência doméstica contra mulheres e crianças, e proteção às vítimas (reeducação dos agressores); (e) combate ao trabalho infantil e a toda forma de exploração e abuso da integridade das crianças – física, moral e emocional –; (f) qualificação do atendimento escolar, com redução da evasão; (g) oferta de oportunidades de retorno à educação fundamental e secundária, via supletivo em formatos compactados e criativos; (h) oferta de cursos profissionalizantes, com flexibilidade compatível com a plasticidade da nova realidade do mundo do trabalho, mesmo informal; (i) conscientização sobre as responsabilidades da paternidade e da maternidade, e (j) difusão de informações sobre drogadicção e oferta de tratamento para os dependentes; (l) difusão de informações sobre sexualidade, contracepção e prevenção das doenças sexualmente transmissíveis, particularmente a AIDS (INSTITUTO CIDADANIA, 2002, p. 45).

A problemática das drogas (B.2) é entendida pelo PSP 2002 como extremamente complexa. Indicando a historicidade dos vários usos possíveis de substancias psicoativas ao longo da trajetória humana o Projeto aborda questões

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controvertidas como a da descriminalização das drogas, apontando para os problemas derivados da mercantilização do consumo e da industria milionária que se articula por causa da ilegalidade no comércio desta substância. Assim, o PSP 2002 aponta para a necessidade de um amplo envolvimento da sociedade para a questão, indicando os riscos seja da generalização – que faz com que sejam equiparadas as drogas psicanaléticas, os opiáceos e a maconha, enquanto ficam excluídas do estigma o tabaco e o álcool – seja da forma maniqueísta – que nada mais é do que preconceito e discriminação – propondo uma ação em favor dos brasileiros que se tornam vítimas das drogas. No tocante às medidas repressivas ligadas ao combate as drogas o PSP sugere que seja priorizado o combate às organizações criminosas, em especial as operadoras do atacado, e, no campo da prevenção, o aspecto das campanhas educativas direcionadas aos jovens. No que se refere a questão do combate ao seqüestro cuja explicação encontra-se, segundo o plano, na grande dificuldade de apuração do crime e identificação da sua autoria, ao lado da ilegal participação de policiais nesta atividades criminosas apresenta-se como estratégia indicou uma maior participação do Ministério Pública no estabelecimento de diretrizes de investigação da polícia, por meio de um sistemático processo de monitoramento local integrado da questão da segurança, funcionando também como meio de controle externo da atividade policial. No que se refere a violência doméstica (B.5) o PSP aponta para a necessidade de um Programa Nacional de Prevenção e Redução da Violência Doméstica e de Gênero capaz de “incorporar as conquistas representadas pelos movimentos sociais que o antecederam” e com o “propósito de avançar na consolidação de um planejamento nacional para adoção de políticas eficientes”, indicando como pressupostos deste programa: a compreensão do problema da violência doméstica como fenômeno generalizado, que põe em risco a vida e a integridade de milhares de pessoas, a percepção da dimensão do problema de saúde pública associado à questão da violência de gênero como questão de segurança pública, a percepção de que conflito conjugal e violência conjugal não são a mesma coisa e que é necessário transpor a questão da violência contra a

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mulher como questão de esfera pública, e, por último a questão da importância da segurança das vítimas e do seu fortalecimento individual como objetivos fundantes deste programa. A partir destes pressupostos o PSP indica uma série de metas e ações específicas, articuladas em âmbito nacional e regional. Associado à questão da violência o PSP traz em ponto específico a questão da violência contra as minorias (B.6) entendidas como medidas que destinam-se a “toda a sociedade a mensagem de que o Estado deseja, pode e vai desenvolver políticas compensatórias de construção da autoconfiança e de autonomização de populações marginalizadas”. Nesta ação o grande apontamento é a construção de Centros de Referência de Proteção das Minorias entendidos como espaços de elaboração de políticas de segurança de políticas alvos com foco nas temáticas de racismo, homofobia, criança e adolescente e pessoas idosas. O acesso à justiça e a importância da defensoria pública (B7) também está indicadas com destaque entre o conjunto das proposições do PSP 2002. Trazendo uma abordagem da questão do acesso à justiça como direito humano de todos e dever do Estado o Projeto propõe medidas na perspectiva de garantir assistência jurídica e judiciária por meio de políticas públicas, com foco no atendimento aos setores sociais mais vulneráveis e nas ações de fortalecimento da Defensoria, destacando-se os riscos de medidas que transfiram ou dividam as atenções entre o órgão constitucionalmente responsável pelo acesso a justiça – as defensorias – e iniciativas pontuais e esporádicas como os mutirões e os Serviços da Assistência da OAB, ou das Universidades, que devem, segundo o PSP ter natureza complementar e não disputar atenção com as defensorias:

A reivindicação por Defensoria Pública inscreve-se, assim, na agenda pela urgente mudança de rumos nas políticas públicas, por ser o mais eficaz, eficiente e efetivo mecanismo posto à disposição da cidadania empobrecida para afirmação dos seus direitos mais elementares, bem como para a solução civilizada de seus conflitos de interesses. Todas as demais soluções aventadas para a garantia do acesso universal à Justiça, como credenciamento de advogados, via Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), municipalização do serviço e convênios com universidades, devem ser prontamente descartadas, não apenas por significarem a demissão do Estado de um setor onde sua atuação é imprescindível para atender demandas prementes das populações excluídas, mas sobretudo porque, onde elas têm sido aplicadas, como São Paulo e Santa Catarina, têm-se revelado como práticas clientelistas, ineficazes e frontalmente

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contrárias à moralidade e à impessoalidade requeridas Administração Pública (INSTITUTO CIDADANIA, 2002, p. 54).

da

Entre os temas prioritários para uma intervenção em políticas de segurança o PSP indica ainda: a questão da segurança privada (B.9), indicando a importância de um marco regulatório claro para o setor e evidenciando o significado de que o Estado tenha papel relevante e exclusivo no campo das ações ostensivas de segurança; a questão dos programas de proteção a testemunhas ameaçadas, (B.10) ressaltando a importância de consolidar o PROVITA com firmeza nas condições de garantia da vida da pessoa ameaçada e condições para a institucionalização e sinal de sigilo para as pessoas atendidas; a questão da infância e da adolescência, com destaque para a posição contrária do programa à redução da idade penal (B.11), a defesa do fortalecimento do sistema de garantia de direitos e das medidas socioeducativas como importante estratégia de proteção e educação para crianças e adolescentes; a questão da violência no trânsito (B.12), com ênfase nas ações educativas de prevenção, de urbanismo e de engenharia de tráfego, e, por fim, ações direcionadas ao desarmamento e controle das armas de fogo (B.13), com iniciativas de controle da oferta, como a criação do Sistema Nacional de Armas, e campanhas educativas pelo desarmamento.

3.2.3 Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania – 2007

Em agosto de 2007, cerca de sete anos após a divulgação de um primeiro Plano Nacional de intervenção estratégica em segurança pública, o Governo Federal lança o seu terceiro documento sistematizado de iniciativas voltadas à segurança no país o Pronasci (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania), instituído pela Medida Provisória 384, com indicações de recursos da ordem R$ 6,707 bilhões até o fim de 2012. Organizado em 94 ações, com o envolvimento de dezenove municípios o Pronasci concentra-se em ações de reforma institucional, apoio à atividade policial e iniciativas que combinem prevenção e repressão de modo articulado. Constituído por ações estruturais e programas locais o Pronasci desdobra-se nos seguintes eixos temáticos: Modernização das Instituições de

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Segurança Pública e do sistema prisional, valorização dos profissionais de segurança pública e agentes penitenciários, enfrentamento à corrupção policial e ao crime organizado, territórios de paz, integração do jovem e da família, segurança e convivência, podendo ser esquematicamente descrito da seguinte forma:

Eixos Temáticos Modalidade de Intervenção

A - AÇÕES ESTRUTURAIS

B - PROGRAMAS LOCAIS

A.1 Modernização das instituições de segurança pública e do sistema prisional A.2 Valorização dos profissionais de segurança pública e agentes penitenciários A.3 Enfrentamento à corrupção policial e ao crime organizado B.1 Território da Paz B.2 Integração do jovem e da família B.3 Segurança e convivência

Fonte: Coleta de dados - 2010. Elaboração: Felipe Freitas Quadro 4 – Estrutura do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania

A – Ações Estruturais A primeira modalidade de intervenção do programa são as ações estruturais, referindo-se a um conjunto diverso de eixos temáticos com iniciativas que vão desde o campo da atividade policial a ações mais articuladas de inteligência policial e gestão integrada da segurança pública. Sem estabelecer com clareza de que estrutura se trata a intervenção apresentada pelo documento o programa prevê ações focadas na atuação auto-identificada como “atividades de segurança pública” na dimensão da articulação política do executivo federal, na perspectiva de promoção da segurança por meio do combate ao crime.

A.1 – Modernização das Instituições de Segurança Pública e do sistema prisional No eixo da modernização das instituições de segurança pública e sistema prisional são previstas ações ligadas a Força Nacional de Segurança Pública, com sede em Brasília, destinada a “responder às demandas necessárias, muitas vezes em territórios dominados pela criminalidade, sem deixar de se ater aos

82

procedimentos preventivos e à difusão de temas ligados aos direitos humanos.”; Escola Superior da Policia Federal, “que servirá como espaço para estudos e pesquisas em segurança pública e capacitação de policiais de outras corporações”; controle de rodovias, que tem como propósito reduzir o tempo máximo para chegada da

policias

em

eventuais

ocorrências

nas

rodovias;

estruturação

dos

estabelecimentos penais, com a promessa de criar 41 mil vagas para homens e 5,4 mil para mulheres, com destaque para os presídios para jovens com foco no atendimento de pessoas com idade entre 18 e 24 anos, com 421 vagas disponíveis; aprovação da Lei Orgânica das Polícias Civis; Regulamentação do SUSP, conforme pacto realizado com os estados, e, por último, consecução da Campanha Nacional de Desarmamento, com ações de prevenção, conscientização e controle sobre o uso de armas de fogo no país.

A.2 – Valorização dos profissionais de segurança pública No eixo da valorização dos profissionais de segurança pública destacamse as iniciativas para melhoria das condições de vida do policial como programa de bolsa moradia; iniciativas de formação policial, como a bolsa formação, rede de educação a distância para capacitar policiais civis, militares, bombeiros e agentes penitenciários e constituição de capacitações especializadas em nível superior por meio da RENAESP; iniciativas de melhoria das técnicas de policiamento ostensivo e investigativo com ações de formação direcionadas ao atendimento de grupos vulneráveis, uso de tecnologias não-letais, modernização da investigação de crimes, fortalecimento das guardas municipais e desenvolvimento do conceito de policiamento comunitário.

A.3 – Enfrentamento à corrupção policial e ao crime organizado Quanto ao eixo do enfrentamento à corrupção policial e ao crime organização os tópicos destacados foram o combate a lavagem de dinheiro, por meio da infra-estrutura do Laboratório do Departamento de Recuperação de Ativos (DRCI); Ouvidorias e Corregedorias de Polícia independentes e autônomas e ações de combate ao tráfico de pessoas.

83

B – Programas Locais Na segunda modalidade de intervenção do Programa, os PROGRAMAS LOCAIS o Pronasci apresenta os eixos temáticos Território da Paz e Integração do jovem e da família, elencando ações de prevenção à violência como foco para a intervenção direta em áreas de maior incidência de criminalidade registrada com destaque para as atuações com juventude e com comunidades urbanas conflagradas pelos conflitos armados e com altos índices de letalidade.

B.1 – Territórios da Paz Dentro das ações do “Território da Paz” sete iniciativas são apresentadas na perspectiva de pacificar regiões em conflito por conta do tráfico, das ilegalidades de setores do corpo policial ou mesmo do acirramento da violência urbana. Uma primeira iniciativa incluída nas ações do Território da Paz é a criação de Gabinetes de Gestão Integrada Municipal, projetados como espaços democráticos sobre questões referentes à segurança pública com lideranças comunitárias e agentes do sistema de justiça criminal, Canal Comunidade que prevê mecanismos de acesso aos órgãos de defesa do consumidor, Geração Consciente, que visa capacitar jovens em situação de risco nos temas relacionados ao direito do consumidor, medidas que garantam a implantação da Lei Maria da Penha, Núcleos de Prática de Justiça Comunitária por meio de técnicas de mediação e composição de conflitos, e, por último a capacitação a magistrados, promotores e defensores públicos na área de direitos humanos.

B.2 – Integração do Jovem e da família Ainda no campo das ações dos programas locais o Pronasci prevê o eixo integração do jovem e da família com ações estabelecidas através dos programas: a) Protejo – Proteção dos Jovens em Território Vulnerável , que prevê ações de assistência, formação e inclusão social mediante o pagamento de bolsas de R$ 100,00 por mês durante o ano para os jovens atendidos, b) Reservista Cidadão que prevê a formação de jovens oriundos do serviço militar como multiplicadores em oficinas sobre direitos humanos, cidadania e ética, em áreas conflagradas pela

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violência e criminalidade, também mediante as bolsas mensais de R$ 100, c) o programa Mulheres da Paz que assim como os outros dois programas prevê a formação de mulheres moradoras de áreas vulneráveis, e, d) o desenvolvimento de ações formação junto aos apenados.

B.3 – Segurança e Convivência Por último, o Pronasci prevê ações ligadas a segurança e convivência com iniciativas de urbanização de regiões precarizadas da cidade, formação de jovens para o ENEM e o fortalecimento de atividades culturais, com o objetivo de estimular o interesse dos jovens por outras sociabilidades afastadas da criminalidade e da violência.

3.2.4 Considerações comparativas sobre a estrutura dos programas

A partir da apresentação da estrutura e dos temas que compõem os documentos analisados pode-se perceber algumas tendências que emergem da leitura dos textos analisados permitindo algumas considerações comparativas fundamentais para a aproximação em relação ao objeto deste trabalho. Quanto à estrutura, fica evidente que o PSP 2002 é, entre os três documentos analisados, o que possui maior extensão seja no tamanho (com 100 páginas e 15 capítulos) seja no que se refere à complexidade da abordagem e a profundidade da análise. Ao invés de uma apresentação sintética das propostas e metas como fazem o PNSP 2000 e o Pronasci o PSP 2002 traz uma abordagem mais acadêmica, buscando elaborar os diagnósticos de cada temática e indicando ações em escalas de prioridades como: ações emergenciais, ações preventivas de médio prazo e ações estruturais de médio e de longo prazo, com foco nas reformas legislativas e institucionais e na construção de um outro paradigma político para a abordagem do tema da segurança pública. O PNPS 2000 possui um formato declaradamente executivo, com poucas contextualizações do cenário em que se tecem as relações da violência e

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com ações e propostas apresentadas diretamente sem consideração das variações regionais e sem indicação de foco da intervenção (curto, médio ou longo prazo) com destaque para a estruturação em “compromissos” numa expressão de caráter tipicamente eleitoral, com pouca ênfase na perenidade das iniciativas desenvolvidas e com muitos destaque para o seu impacto imediato. O Pronasci, assim como o PNSP 2000, também se esquiva em relação a análises de natureza mais sociológica sobre o cenário em que se desenvolvem as relações de violência que a princípio se pretende eliminar. As ações são apresentadas também de modo direto, com pouca contextualização e baixo detalhamento das iniciativas. Destaque-se que, enquanto o documento que apresenta o PSP 2002 é composto por 100 páginas os outros apresentam 30 páginas o PNSP 2000 e 24 o Pronasci. Por óbvio que, sozinho, o número de páginas da política não é suficiente para indicar o grau de aprofundamento da proposta, mas, nesse caso, é importante, pois denota o esforço gasto, ainda que retoricamente, para legitimar perante a sociedade a finalidade e o sentido das iniciativas ali adotadas. Ainda do ponto de vista da estrutura, é importante destacar o tipo de segmentação interna dos textos. Enquanto o PNSP 2000 se organiza em esferas de atuação (federal, estadual, competência legislativa e competência administrativa), ou seja, se organiza em função das competências e responsabilidades do Estado, o PSP 2002 anuncia-se em 15 capítulos com ações articuladas em função da modalidade de intervenção (reformas estruturais e temas prioritários), com destaque para a questão da prevenção e das reformas estruturais, por fim, o Pronasci, organiza-se em função de dois eixos (ações estruturais e programas locais), com destaque para o tema das ações nas comunidades pobres e na formação policial. Com relação aos temas os programas apresentam grandes variações entre si sendo interessante observar como os diversos temas ora são destacados, ora são esquecidos pelos programas, obedecendo a lógicas nem sempre lineares de reconhecimento dentro das estratégias de segurança pública adotadas por cada documento. Alguns temas aparecem nos três programas variando apenas o tipo de enfoque e a relevância que possuem dentro do conjunto das propostas

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apresentadas. A questão da redução do consumo de bebidas alcoólicas, a idéia de prevenção e repressão como aspectos de uma política de segurança pública, a exigência de integração entre prevenção e repressão quando se fala em segurança pública, a questão do combate ao narcotráfico e ao tráfico de drogas; a questão dos acidentes de trânsito; a temática da atividade policial e dos desafios do policiamento; a questão da violência doméstica; da guarda municipal; do atendimento jurídico aos presos; dos direitos humanos; da mediação de conflitos e dos acidentes de trânsito são os temas que aparecem nos três programas mesmo que com ênfases e definições distintas. Por outro lado, temas como erradicação do trabalho infantil, violência no campo e fortalecimento do programa nacional de direitos humanos são tratados apenas no Programa Nacional de Segurança Pública do Governo FHC, não sendo mais abordados pelos programas seguintes. Todavia,

se

observarmos

isoladamente

o

PSP

2002

também

encontraremos temas que são exclusivos ao seu conteúdo e que não são trazidos nem pelo PNSP 2000 e tão pouco pelo Pronasci, demonstrando quais os diferenciais deste em relação àqueles. No conjunto das suas abordagens o PSP 2002 trata de temas polêmicos como redução da idade penal, assunto sobre o qual o documento manifesta-se expressamente contrário; a descriminalização das drogas, temática para qual o documento propõe discussão e bom senso, criticando a atual interdição política posta ao debate sobre o tema e a questão da militarização das polícias estaduais, posição sobre a qual o Projeto também se manifesta contrariamente. Além disso, o PSP 2002 diferencia-se dos demais no que tange à abordagem da questão da violência contra as minorias tratando – ainda que tangencialmente – das questões relativas a homofobia, racismo e discriminação da pessoa idosa. É importante destacar, por exemplo, que as palavras: racismo, raça, negros, discriminação racial, preconceito racial, afro descendentes, homossexuais, lésbicas, transexuais, transgêneros, bissexuais, homofobia, diversidade sexual e liberdade sexual sequer são citadas no PNSP e no Pronasci ratificando, portanto a absoluta exclusividade do PSP 2002 em relação aos demais documentos quanto a análise destas questões que o Projeto intitula de “violência contra as minorias”.

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Ademais, cabe ainda destacar que o PSP 2002 traz – com exclusividade em relação aos demais documentos – o tema da política nacional de acesso a justiça, de um programa nacional de redução dos homicídios de jovens e da necessidade de reforma no atual sistema de persecução penal. Por fim, temos ainda o Pronasci que traz, como inovação temática, as questões das tecnologias não-letais, da força nacional de segurança pública e da necessidade de um programa de combate ao tráfico de pessoas. Na relação entre os dois primeiro programas (PNSP 2000 e PSP 2002) e o Pronasci nota-se o “abandono” de alguns temas que foram tratados entre 2000 e 2002, e que desaparecem no programa de segurança lançado em 2007; por exemplo, a proteção de vítimas e testemunhas ameaçadas, ações anti-seqüestro e o controle da segurança privada são os temas que apareceram no PNSP e no PSP e não são abordados no Pronasci. Por fim, destaque-se ainda o tema do ordenamento social que fora tratado no PNSP e retomado no Pronasci. A idéia de políticas de Inibição de Gangues e Combate à Desordem Social, afirmada no PNSP como um compromisso estratégico, é abandonada no PSP, que opta pela tematização da noção de políticas de reconstrução do vínculo comunitário, é retomada no Pronasci com a questão das “estratégias de ordenamento social e repressão qualificada” baseada numa proposta de várias intervenções nas favelas como meio de conter a desordem e aplicar medidas de contenção voltadas à repressão e controle dos territórios violentos da cidade.

3.3 VIOLÊNCIA, (IN)SEGURANÇA, CAUSAS E RESPOSTAS: UMA LEITURA DOS TRÊS PROGRAMAS

A violência é um fenômeno social cujo significado vem sendo objeto de inúmeras e diversificadas explicações por parte dos mais variados campos do conhecimento humano. Do ponto de vista da psicologia, da sociologia, da antropologia, do direito ou da filosofia várias são as explicações possíveis para a violência (problema), assim como incontáveis são as propostas para preveni-la,

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combatê-la ou resolve-la (respostas). Neste tópico, discutiremos as representações da violência, a noção de (in)segurança, assim, como as causas da violência e as respostas à (in)segurança apresentadas em cada um dos programas, com o objetivo de indicar elucidações no que se refere ao conjunto dos documentos analisados.

3.3.1 Violência ou Violências: visões a partir das políticas públicas

No que se refere à temática da violência duas questões se colocam inicialmente. Primeiro, a indagação sobre como a violência é definida nos programas analisados, e, em seguida: Qual a relação entre violência e segurança pública na ótica de cada programa? A partir desta distinção é possível mensurar o que é que se encontra no universo de tematização de cada um dos programas – considerando os temas prioritários apontados no tópico anterior – num esforço de compreender a noção de segurança pública posta em disputa nos documentos analisados. O PNSP 2000, que se auto-define como “um plano de ações” com o objetivo de “aperfeiçoar o sistema de segurança pública brasileiro, por meio de propostas que integrem políticas de segurança, políticas sociais e ações comunitárias, de forma a reprimir e prevenir o crime e reduzir a impunidade, aumentando a segurança e a tranqüilidade do cidadão brasileiro.” (BRASIL, 2007, p. 7), traz uma noção de violência estreitamente relacionada à noção de crime e criminalidade. Temas como impunidade, combate a desordem social e inibição da atuação de gangues alcançam destaque dentro da proposta de abordagem deste documento, ao passo que assuntos como racismo, homofobia, acesso a justiça e várias outras questões não ligadas diretamente à temática criminal não são citadas, ou, ocupam lugar periférico dentro da proposta do PNSP 2000. Assim, entendendo a violência com fenômeno hegemonicamente jurídicopenal, no sentido de violação de norma legal, o PNSP relaciona a noção de segurança a uma idéia de legalidade e imparcialidade. O campo de abordagem da segurança pública para o Plano está vinculado ao prisma da violência criminal, com uma estrutura focada na intervenção do Estado para a idéia de “combate a criminalidade”. Em outras palavras, para o PNSP a violência existente é a violência

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criminal, e, portanto, a segurança que se quer construir é a segurança do combate a violência criminal. O PSP 2002 se auto-conceitua como um projeto “cuja meta é a redução daquelas modalidades da violência que se manifestam sob a forma de criminalidade” destacando, contudo, que compreende a inter-relação entre este problema (da violência criminal) em interface com “uma constelação mais ampla de práticas, circunstâncias históricas, condições institucionais e relações sociais violentas.” Destacando a importância da prevenção e abordando um conjunto de questões ligadas aos mais variados temas no campo das transformações socioeconômicas estruturais, o Projeto ressalta a existência de “várias expressões da violência que se alimentam reciprocamente”, gerando um ciclo vicioso que produz relações violentas em toda a sociedade, ou seja, a violência é entendida para o Projeto como uma série de questões articuladas, numa complexa teia de desigualdades e injustiças em que a criminalidade é, apenas, um dos muitos aspectos de um grande e multifacetado fenômeno social.46 Do ponto de vista do PSP 2002 a segurança é um bem democrático, legitimamente desejado por todos os setores sociais, que constitui direito fundamental de cidadania, obrigação constitucional do Estado e responsabilidade de cada um de nós. Na leitura proposta pelo Projeto segurança pública é uma “constelação de temas que dizem respeito a um espectro abrangente de áreas de atuação do Estado e da sociedade, da educação e da saúde, até o esporte, a habitação e o planejamento urbano”. Como se pode notar, o PSP apresenta uma noção em que o campo de intervenção das propostas de segurança pública ultrapassam a esfera do sistema de justiça criminal e transitam para uma dimensão ampliada com ações sistemáticas para a garantia do bem estar do conjunto da sociedade. 46

(...) As expressões da violência se alimentam reciprocamente: a impunidade promove injustiças, que estimulam crimes, que geram gastos, difundem a cultura do medo, condicionam a redução de investimentos e ameaçam a indústria do turismo (entre outras), o que, por sua vez, exerce impacto negativo sobre o nível de emprego e amplia a crise social. O ciclo vicioso gira indefinidamente em torno do próprio eixo, aprofundando os problemas pela degradação de toda a rede de interconexões em que prosperam. O tecido social se esgarça e deteriora. Ficam abaladas a confiança mútua entre as pessoas, esteio da sociabilidade cidadã e do convívio humano cooperativo; e também a confiança nas instituições públicas. Sem credibilidade, elas perdem as bases de sua legitimidade, o que traz riscos aos alicerces da democracia, cuja reconstrução vem custando tanto ao povo brasileiro. (INSTITUTO CIDADANIA, 2002, p. 07)

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O Pronasci se auto-define como uma articulação entre políticas de segurança e políticas sociais, falando da sua ênfase na prevenção e controle da criminalidade, com destaque nas estratégias de “ordenamento social e segurança pública” numa leitura que alinha violência, desordem social e segurança pública. Sem esclarecer ao leitor de que está falando quando trata de políticas de segurança pública ou quando está falando em políticas sociais, o documento do Pronasci possui, já nas suas primeiras páginas, uma confusão conceitual que persiste em todo o conjunto do Programa. Ao afirmar que “O projeto articula políticas de segurança com ações sociais; prioriza a prevenção e busca atingir as causas que levam à violência, sem abrir mão das estratégias de ordenamento social e repressão qualificadas.” (BRASIL, 2007, p. 5) O programa envolve-se numa cilada teórica em que não deixa claro se as políticas de segurança são entendidas como políticas sociais ou se estaria mantida a conceituação tradicional de políticas de segurança como políticas de repressão, associadas unicamente à temática policial. No que se refere às representações da violência o programa oscila entre uma ênfase nas estratégias de “ordenamento social”, com base na associação entre violência e criminalidade, e a declaração (por vezes estritamente retórica porque desassistida de uma explicação clara sobre o que se está afirmando) da importância da prevenção e das políticas de transformação da realidade. Sem clareza quanto aos seus objetivos de curto, médio e longo prazo o programa insiste em antigas fórmulas-clichês como: “atuação nas raízes sócio-culturais da violência” e “articulação entre ações de segurança pública com políticas sociais” e não envolve em seu campo de atuação temáticas exteriores ao universo jurídico-penal.

3.3.2 As explicações dos programas nacionais de sobre a violência: respostas da (in)segurança

Como já assinalamos, se são variadas as interpretações sobre o conceito de violência e sobre suas interconexões com a noção de segurança, múltiplos também são os caminhos explicativos para as causas da violência e para a indicação de respostas para o seu enfrentamento. Neste subtópico, analisaremos as

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representações das causas da violência, assim como, as respostas trazidas por cada programa indicando as tendências de cada abordagem. Acerca das causas explicativas do fenômeno da violência o primeiro documento (PNSP) traz uma leitura – como já destacamos no item anterior – profundamente associada à questão da criminalidade urbana. Ao tempo em que o PNPS 2000 reconhece que “não existem soluções milagrosas para enfrentar a violência” ele indica ainda uma forte associação entre a violência e a (in)segurança no que se refere a questões criminais, apresentando tema como narcotráfico, tráfico de armas de fogo e crescimento do crime organizado enquanto grandes eixos explicativos da violência no Brasil devendo ser estes, portanto, os focos principais quanto a atuação em matéria de segurança pública, segundo o entendimento do PNSP. Para a interpretação proposta pelo PNSP 2000 as causas da violência concentram-se entre as causas da criminalidade e o foco para a garantia da segurança situa-se entre o cumprimento das leis, o combate a impunidade, a construção de medidas preventivas e reformas estruturais de longo prazo, conforme se depreende da análise dos temas apresentados pelo programa e pela indicação interpretativa trazida no seu próprio conteúdo. No Plano a noção de prevenção não aparece como um eixo específico, mas, nas seguintes ações pontuais dentro dos quatros capítulos do documento: Na ação 38 (Implementar o subsistema de Inteligência de Segurança Pública) fala-se em ações destinadas a prevenção, por meio da sistematização dos fluxos de informações com vistas ao planejamento de ações preventivas no país; na ação 48, que trata das campanhas de comunicação social fala-se em prevenção através de ações de defesa da cultura de paz na mídia; na ação 79 sobre conflitos rurais tratase da prevenção por meio de equipes para monitoramento da questão agrária nos estados, e no ponto 81 aborda-se a questão da prevenção em diálogo com a questão da escola e das ações de conscientização ali desenvolvidas. No PSP 2002 a violência, ou melhor, as expressões da violência, como prefere o projeto, são apresentadas como uma série de situações que vão “da fome à tortura, do desemprego à corrupção, da desigualdade injusta à corrupção” (INSTITUTO CIDADANIA, 2002, p. 66). Já em seu primeiro capítulo o documento

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deixa evidente sua compreensão de que as as violências no Brasil alimentam-se reciprocamente e de que suas causas são articuladas fazendo deste um fenômeno multicausal e sistêmico, para o qual a(s) resposta(s) deverão ser portanto articuladas e intersetoriais. Apesar de declarar prioridade no enfrentamento às modalidades de violência criminal o PSP deixa bastante frisado o risco de explicações simplificadas sobre a questão, bem como seu destaque para vinculação do tema (da violência) a toda a complexidade sócio-economica-cultural que envolve. Ao descrever as causas da violência o documento faz um grande traçado da conformação da sociedade brasileira, passando desde as causas estruturais da pobreza e da desigualdade, entendidas pelo Projeto como formas de violência contra segmentos sociais específicos, até as formas de violência criminal apontada como foco da intervenção das políticas apresentadas indicando a necessária combinação entre ações emergenciais, ações preventivas emergenciais e preventivas de médio e longo prazo e ações estruturais, sem a dicotomia prevenção /repressão. O PSP 2002 adota uma abordagem específica em relação à temática da prevenção. Em um tópico específico do capítulo de introdução do documento faz-se uma leitura geral da concepção do Projeto sobre o assunto indicando sua relevância dentro do conjunto das ações apresentadas definindo prevenção como a intervenção que busca alterar as condições propiciatórias imediatas, isto é, as condições diretamente ligadas às práticas que se deseja eliminar. Com isto, o projeto distingue as ações de prevenção das ações estruturais de longo prazo afirmando que a ação preventiva não é “a ação voltada para mudanças estruturais cujos efeitos somente exercerão impacto desacelerador sobre as dinâmicas criminais em um futuro distante.” O Pronasci pela sua própria definição é uma estratégia de “controle e repressão da criminalidade” não pretendendo, portanto atuar fora do circuito do combate a criminalidade. No entanto, o Programa é novamente confuso ao declarar que, por meio da prevenção, pretende atingir as causas da criminalidade sem abrir mão das estratégias de ordenamento social e segurança pública, ou seja, mesmo reconhecendo que a desordem social não é, em si, única causa para a explicação dos fenômenos de violência e de criminalidade o Programa reconhece o papel deste

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fator como significativa causa para explicação da violência no país e pretende “atacá-lo” com ênfase e destaque no conjunto das suas ações. Trata-se de uma representação demasiadamente confusa do ponto de vista conceitual demonstrando que, para o programa, a noção de violência, criminalidade e segurança encontram-se por demais sobrepostas não sendo possível, dentro da ótica do Pronasci, ampliar a representação das causas e, por conseqüência ampliar o âmbito de intervenção das respostas, pois, não mais que retoricamente,

não



no

programa

reconhecimento

das

implicações

multiexplicativas e multifacetadas da questão da violência dentro dos programas. Com relação ao documento do Pronasci as propostas no campo da prevenção são bastante evidentes localizam-se no eixo “Programas Locais. Tratamse de propostas de prevenção da violência que focam-se na constituição do GGIM (Grupo de Gestão Integrada Municipal), nos Conselhos de Segurança e nos projetos de intervenção ligados a formação de jovens e programas de fortalecimento da comunidade. Deste modo, podemos dizer que o Pronasci constitui um híbrido que, apesar de reconhecer a importância de medidas preventivas e de apresentar Programas Locais para tratar destacadamente as medidas de intervenção ligadas a jovens e programas de fortalecimento da comunidade, não articula um conceito claro do que entende por prevenção e acaba resultando nas tradicionais ações de assistência social aos pobres – de cunho tipicamente individualizante – sem avançar na tematização da violência e da criminalidade como fenômenos multifatoriais com várias facetas distribuídas em todos os segmentos da sociedade e legíveis de maneira mais sistêmica ou política. Assim, podemos resumir a presente análise por meio do seguinte quadro, que demonstra comparativamente a estrutura, os temas abordados e as representações da violência e das suas interconexões da idéia de segurança, possibilitando ao leitor a identificação de algumas tendências que, do ponto de vista teórico, serão mais cuidadosamente trabalhadas no capítulo seguinte:

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Estrutura

Temas Abordados

PNSP

PSP

- Organizado em quatro esferas: âmbito federal; de cooperação com os estados; de medidas legislativas e de medidas institucionais

- Organizado em dois grandes eixos: reformas estruturais e temas prioritários

- Organizado modalidades intervenção: estruturais e locais

Dividido compromissos ações

- Dividido em 14 capítulos

- Dividido em 94 ações

Foco nos temas relacionados à criminalidade urbana, com destaque para as medidas de combate e impunidade e ordenamento social

- Ênfase nas reformas estruturais (constitucionais e infra-constitucionais) e nas medidas de prevenção da violência.

- Ênfase nos programas de assistência na periferia, na melhoria das condições para atividade policial e na idéia de repressão qualificada.

- Traz com exclusividade em relação aos demais programas a questão da erradicação do trabalho infantil, a violência no campo e o fortalecimento das ações do PNDH I.

- Traz com exclusividade em relação aos demais programas a redução da idade penal, a descriminalização das drogas, a desmilitarização das polícias estaduais, a violência contra as minorias, reformas no modelo de persecução penal, programa de redução dos homicídios juvenis e política nacional de acesso a justiça.

- Traz com exclusividade em relação aos demais programas a questão da repressão qualificada, das tecnologias não-letais, da força nacional de segurança pública e da necessidade de um programa de combate ao tráfico de pessoas.

em e

15 124

Pronasci em

duas de ações programas

São abordados pelos três programas, ainda que com ênfases diferentes, os seguintes temas: redução do consumo de bebidas alcoólicas, a idéia de prevenção e repressão como aspectos de uma política de segurança, a exigência de integração entre prevenção e repressão, a questão do combate ao narcotráfico; a questão dos acidentes de trânsito; a temática da atividade policial e dos desafios do policiamento; a questão da violência doméstica; da guarda municipal; do atendimento jurídico aos presos; dos direitos humanos; da mediação de conflitos e dos acidentes de trânsito. Leituras da Violência

Interpretação da violência associada à idéia de criminalidade

- Interpretação da violência como fenômeno multicausal, com várias modalidades de expressão

- Interpretação da violência como fenômeno associado à idéia de criminalidade, ainda que com raízes sóciohistóricas e culturais

Modalidades de Intervenção

- Ênfase na intervenção de caráter punitivo

- Ênfase na intervenção de caráter integrado: prevenção (fortalecimento da comunidade) e reformulação do aparato repressivo (reformas estruturais)

- Ênfase na intervenção de caráter integrado: prevenção (assistência individual aos pobres) e repressão qualificada (ampliação do sistema punitivo).

Noção de Segurança

- Associada à idéia de ordenamento social e de combate à criminalidade

- Associada à idéia de fortalecimento das relações comunitárias.

- Associada à idéia de ordenamento social e políticas de prevenção.

Fonte: Coleta de dados - 2010. Elaboração: Felipe Freitas Quadro 5: Resumo das Políticas de Segurança Pública

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4 EM BUSCA DOS CONCEITOS: SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL

Neste capítulo retomaremos algumas idéias indicadas nos programas analisados a partir de uma discussão teórica sobre os modelos de política criminal em disputa nos últimos 20 anos da sociedade brasileira, focando a relação entre os padrões de leitura da violência e os padrões de resposta, possivelmente relacionados com tais leituras. Inicialmente faremos uma apresentação sumária da questão democrática dentro da sociedade contemporânea, destacando as grandes tendências sociais no que tange à idéia de violência nesta sociedade e, em seguida, faremos uma reflexão sobre os aspectos relevantes da produção social acerca da noção de segurança dentro deste cenário.

4.1 A EMERGÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO SOCIAL DA VIOLÊNCIA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO: NEOLIBERALISMO E AUTORITARISMO

Para compreender a forma como vem sendo construída a representação social da violência no Brasil contemporâneo, é necessário perceber como se estabelecem as relações entre autoritarismo e democracia no contexto neoliberal, destacando suas características de ênfase no avanço da penalidade, encurtamento da possibilidade de reflexão sobre o espaço público como lugar de interpretação coletiva do fenômeno da violência, e o enfraquecimento da noção de cidadania e da produção de sujeitos “sem direitos”. Trataremos primeiramente deste conjunto de questões e, em seguida, faremos uma rápida panorâmica sobre as principais abordagens da violência na sociedade brasileira.

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O neoliberalismo, mais do que um conjunto de práticas econômicas consolidado a partir do Consenso de Washington47, constituiu-se historicamente enquanto um sistema hegemônico de pensamento, que possibilitou a manutenção do modelo capitalista dentro da ordem política e econômica do mundo. Sob esse aspecto, o neoliberalismo constituiu uma perspectiva política pela qual se reduziram os investimentos públicos nas áreas sociais, fomentou-se o deslocamento do controle de setores estratégicos do estado à iniciativa privada, ao passo em que se criaram as condições para uma leitura segundo a qual as noções de democracia, liberdade e cidadania foram alteradas em função do paradigma de centralidade do mercado, vencendo as teses e posições opostas àquelas sustentadas pelos socialistas ou de social-democratas na disputa ocorrida no momento de derrocada dos regimes do Leste Europeu na virada dos anos 80 para os anos 90. Neste sentido, é possível afirmar que o neoliberalismo além de uma reinvenção do modelo do capital para sobreviver às transformações em curso na sociedade, constituiu uma parte importante da cultura de seu tempo podendo-se falar, sob esse aspecto, na formação de uma cultura neoliberal, com base nos pressupostos

do

individualismo,

que

enfraquece

os

ideais

coletivos;

na

mercantilização de direitos e de espaços, o que reduz e fragiliza o espaço público, causando despolitização das relações sociais, e, por último, no agravamento das desigualdades econômicas e sociais, com perda de direitos coletivos e aumento da marginalização de grupos empobrecidos. Este fenômeno de construção da hegemonia neoliberal no mundo acompanhou-se de uma série de alterações em conceitos como o de cidadania, soberania e democracia, possibilitando rearranjos nas sociedades modernas com base nos valores novos (ou nas novas roupas dos velhos valores) apresentados neste novo cenário político e social. A democracia, por exemplo, surgida como aspiração revolucionária no final do século XVIII e no século XIX, sofreu sérios e contundentes ataques nas duas últimas décadas do século XX com a ascensão dos governos neoliberais e a vitória 47

Formulado em novembro de 1989 o Consenso de Washington é um conjunto de medidas apresentado por economistas de instituições financeiras baseadas em Washington D.C., como o FMI, o Banco Mundial e o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, fundamentadas num texto do economista John Williamson, do International Institute for Economy que se tornou a política oficial do Fundo Monetário Internacional em 1990, quando passou a ser "receitado" para promover o "ajustamento macroeconômico" dos países em desenvolvimento que passavam por dificuldades.

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do conceito do mercado único. (BOAVENTURA.....) Com o encolhimento do estado e a progressiva perda dos direitos sociais a questão democrática no neoliberalismo abandona a discussão sobre igualdade e sobre a necessidade de conquista de direitos como fundamento de uma ordem social efetivamente democrática. Sob esse aspecto, desenha-se, no plano mundial, uma tendência voltada a perda dos referenciais de contrapoderes sociais e, por conseguinte, a noção de sociedade civil como arena de disputas pela composição de posições majoritárias e construção de hegemonia. (BOAVENTURA, CHAUI, 2006; GENRO) Deste modo, podemos falar na sociedade neoliberal como uma sociedade em que há, por excelência, uma restrição ao debate democrático. (CHAUÍ, 2006, p. 311 - 339) Sem direitos sociais e sem a garantia do espaço público como espaço conflitivo para a construção de novas questões, direitos e posições na esfera da sociedade civil, a idéia democrática na ordem neoliberal é substituída pela idéia de pensamento único e o espaço público trocado pela noção de respostas globais, criando interpretações singulares para problemas complexos e reduzindo as possibilidades de reinvenção criativa das localizações políticas dos temas na sociedade. (SANTOS, 2006) No campo do controle penal, esse processo de restrição ao debate democrático, intensificado pelo neoliberalismo, se estabeleceu com base na idéia de uma penalidade neoliberal, entendida como uma instituição social e suas aparelhagens jurídicas, ideológicas e técnicas, assentada em torno de uma ameaça de sanção específica e aparentemente obrigatória que se vincula às práticas e aos ideais do neoliberalismo. (WACQUANT, 2001) Em outras palavras, é possível dizer que esta penalidade neoliberal é instituída no vácuo deixado pela restrição democrática que, como instituição, como convenção social, assume a tarefa de “pensar em nosso lugar”, ou seja, assume a função – política e simbólica – de produzir sentidos ideológicos para a manutenção da ordem social instituída, negando aos sujeitos a possibilidade de novos olhares e reflexões sobre esta questão. Segundo Loic Wacquant, ao analisar o sistema de encarceramento norteamericano:

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A penalidade neoliberal apresenta o seguinte paradoxo: pretende remediar com um “mais Estado” policial e penitenciário o “menos Estado” econômico e social que é a própria causa da escalada generalizada da insegurança objetiva e subjetiva em todos os países, tanto no Primeiro como Segundo Mundo. Ela reafirma a onipotência do Leviatã do domínio restrito da manutenção da ordem pública – simbolizada pela luta contra a delinqüência de rua – no momento em que este afirma-se e verifica-se incapaz de conter a decomposição do trabalho assalariado e de refrear a hipermobilidade do capital, as quais, capturando-a como tenazes, desestabilizam a sociedade inteira (WACQUANT, 2001, p. 7).

É a idéia segundo a qual as intervenções em matéria penal se associam com a lógica neoliberal retroalimentando o próprio sistema em termos de mercado de trabalho, mercado consumidor e eliminação dos grupos e sujeitos sociais indesejáveis: negros, imigrantes e minorias étnicas. Segundo Wacquant, há uma “guinada do social para o penal” (2001, p. 10) que se articula com o projeto neoliberal na medida em que se constitui como uma “política de criminalização da miséria que é complemento indispensável da imposição do trabalho assalariado precário e sub-remunerado como obrigação cívica, assim como o desdobramento dos programas sociais num sentido restritivo e punitivo que lhe é concomitante” (2001, p. 9). Assim, perante a ausência do Estado nas áreas como educação, saúde, trabalho, habitação, cultura, há uma concentração de esforços nas políticas de controle e repressão, com base numa lógica de maximização do poder punitivo estatal e minimização da intervenção pública no campo dos direitos sociais, configurando aquilo que Loïc Wacquant chamou de passagem do “estado providência” para o “estado penitência”. No

Brasil,

este

fenômeno

neoliberal

associou-se

às

tendências

patrimoniais e autoritárias já arraigadas na sociedade brasileira configurando, no campo penal, um modelo de controle social da violência bastante identificado com formas de controle físico dos corpos, como bem analisa Michel Foucault (2009), com ênfase na questão da biopolítica48 que tem por base o conceito de ordem pública e a “Por ‘biopolítica’ Foucault entende ‘a maneira como se tentou, a partir do século XVIII, racionalizar os problemas postos à prática governamental pelos fenômenos próprios a um conjunto de viventes constituídos em população: saúde, higiene, natalidade, longevidade, raças...’ Não podemos dissociar todos esses problemas específicos da vida e da população do quadro da racionalidade política no interior do qual eles apareceram e adquiriram sua acuidade. A saber, diz ele, o ‘liberalismo’ (FOUCAULT, Michel. Naissance de la biopolitique. Cours au Collège de France (1978 – 1979). Paris: 48

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crise dos ideais coletivos, com o agigantamento da perspectiva individualista e a flexibilização do ideal democrático. Neste sentido, é importante frisar que, a despeito da aparente oposição liberalismo X autoritarismo, no campo da segurança, tem-se uma perfeita associação entre o continuum autoritário brasileiro e as novas práticas de vigilantismo globalizado. Seguindo à tradição conservadora e antidemocrática o neoliberalismo no Brasil se associa com outros elementos constitutivos desta sociedade notadamente personalista, corporativista e hierarquizada. Marcada por um perverso passado escravista, por um longo período colonial e monárquico, do racismo como peça constitutiva do seu tecido social e por longos períodos de exceção na sua frágil república, o Brasil não conheceu a consolidação de um Estado efetivamente democrático, transitando entre o débil status de Democracia Social e a subalterna condição de cidadania tutelada. (DEMO) Segundo Batista (2004), poderíamos falar da história dos sistemas penais brasileiros a partir de quatro grandes períodos – colonial-mercantil; imperial-escravista; republicano-positivista e neoliberal – que se constituem enquanto “empreendimentos sofisticados de controle penal da miséria”, sustentados na idéia de individualismo, crise dos ideais coletivos e fortalecimento da noção de ordem pública, que ganharam ênfase e centralidade no período neoliberal.

No Brasil, como em outros espaços marginais do planeta, a ofensiva neoliberal gerou a concentração da renda, a diminuição do crescimento econômico, o desemprego endêmico e a conseqüente incrementação da econômica informal, além do enfraquecimento progressivo dos programas assistenciais assumidos pelo Estado desenvolvimentista (BATISTA, 2004, p. 55).

Como se nota, é evidente que a sociedade brasileira não se forjou como sociedade democrática seja por causa do passado colonial, pela reprodução das práticas de violência física perpetrada insistentemente pelos aparelhos do Estado, pela baixa representação política dos segmentos sociais subalternizados, ou ainda pela própria cultura fortemente relacionada ao servilismo, com práticas de grave Seuil/Gallimart, 2004, p. 323)” MAGALHÃES, Theresa Calvet de. Violência e/ou Política. In: PASSOS, Izabel C. Friche (org.). Poder Normalização e Violência: incursões foucaultianas para a atualidade. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2008, p. 24 -2 25

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apropriação privada do espaço público e de baixo controle social sobre as ações do Estado. A idéia de democracia como sistema fundado na noção de direitos, oposto à noção de carências e de privilégios em que, por meio da luta política, o contrapoder social determina, dirige, controla, limita e modifica a ação estatal e o poder dos governantes, efetivamente não se concretizou na sociedade brasileira que permaneceu autoritária e verticalizada:

Conservando as marcas da sociedade colonial escravista, a sociedade brasileira caracteriza-se pelo predomínio do espaço privado sobre o público e, tendo o centro da hierarquia familiar, é fortemente hierarquizada em todos os seus aspectos: nela, as relações sociais e intersubjetivas são sempre realizadas como relação entre um superior, que manda, e um inferior, que obedece. As diferenças e assimetrias são sempre transformadas em desigualdades que reforçam a rlação mando-obediência. O outro jamais é reconhecido como sujeito nem como sujeito de direitos, jamais é reconhecido como subjetividade nem como alteridade (CHAUÍ, 2007, p. 353).

Apesar da recepção otimista da novidade constitucional de 1988, o país permaneceu atado às velhas práticas de controle e repressão, típicas dos modelos de ditadura, com forte restrição da idéia de espaço público e pouco engajamento social nas questões da cidadania, com destaque para a intervenção policial do estado, conforme aqui já assinalado (SOARES, 2003). Assim, podemos falar do estado brasileiro como um estado desigual, conservador e autoritário, com pouca oxigenação das instituições públicas e baixa fiscalização por parte da sociedade. Nos dizeres de Débora Pastana, trata-se de um modelo em que liberalismo e estado punitivo se articulam, multiplicando crimes, aumentando penas e endurecendo a execução, por meio de expedientes que, diante do medo hegemônico crescente, amplia as ações de rigor no combate ao crime proveniente das classes populares, num ciclo vicioso, em que eficiência e repressão se associam:

o surgimento e a consolidação do que a teoria social denominou “Estado punitivo”, incorporado sempre ao tema da democracia, alçou,

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portanto, a questão do combate ao crime como peça do grande consenso presente na uniformização dos valores políticos, morais e sociais das sociedades contemporâneas. A defesa constante da “guerra contra o crime”, agindo como elo hegemônico consensual, amplia a defasagem entre o formal e o real, bem como a utilização meramente simbólica e autoritária do Direito Penal. Nesse contexto, marcado pela incessante busca da “tranqüilização da vida social”, o que se verifica é a consolidação de uma sociedade de exclusão, de uma democracia sem cidadania, de um cidadão sem direitos. Esse é também o retrato nacional (PASTANA, 2007, p. 29).

Neste tocante, cumpre ressaltar a associação entre neoliberalismo e racismo que compõem um aspecto central à conformação da sociedade brasileira. Segundo Loïc Wacquant, tal associação significa um agravante do problema no país, posto que o os negros “se beneficiam” de uma vigilância particular, por parte da polícia, com mais dificuldade no acesso à justiça:

Uma vez (que, os negros) atrás das grades, são ainda submetidos às condições de detenção mais duras e sofrem as violências mais graves. Penalizar a miséria significa aqui “tornar invisível” o problema negro e assentar a dominação racial dando-lhe o aval do Estado. (WACQUANT, 2001, p. 77).

Segundo Flauzina (2008, p. 72),

O empreendimento neoliberal gerencia o medo para criar uma ambiência favorável para que a atuação do sistema penal – ainda fortemente atrelado às práticas de um direito penal de ordem privada – possa cumprir uma agenda política baseada na reprodução das assimetrias estruturais e administração/eliminação dos segmentos em desafeto com o poder hegemônico.

Trata-se de considerar o racismo não de um componente adicional do modelo penal brasileiro, mas, como argumenta Flauzina (2008) num modelo de base racial, com assento na idéia de controle físico e de biopoder, como analisa Foucault (2009), produzindo uma dirigência da temática racial na interpretação do fenômeno da violência no país. Como argumenta Sérgio São Bernardo (2006) o racismo moldou o mundo da vida no Brasil, encetando um modo de relacionamento com o

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“outro” baseado na idéia de uma inferioridade atávica que impede o reconhecimento da sua condição de alteridade e de protagonismo social e político:

O racismo sustenta-se na razão hegemônica do Estado, através de uma bem montada ordem política e jurídica, que por meio da força e da violência, produz leis e políticas estatais que reproduziam os papéis sociais de mando e submissão. Assim, o aparelho de estado aparece como um dos realizadores de um violência material e institucionalizada como suporte a uma manifesta de estratificar e segregar, preconizando aquilo que iremos chamar na atualidade de racismo institucional. (BERNARDO, 2004, p. 23)

No sistema neoliberal a idéia de ordem governa e preside as formas com que se formula a questão da segurança instituindo uma perspectiva fortemente legalista, em que a questão dos conflitos sempre é administrada em função de uma grande demanda por ordem pública, conceito pelo qual se definem lugares e expectativas em relação a grupos sociais em condição de subalternidade:

O conceito de ordem pública assumido nesses novos tempos se dá a partir de uma perspectiva que tende a avaliar a segurança não por meio de padrões de qualidade de vida experimentado por determinado contingente populacional, mas pelos índices de criminalidade que comprometem essa qualidade de vida embebidos nessa visão estreita, a agência executiva responsável por manter a ordem pública no país assume, cada vez mais declaradamente, a função de proteger os interesses hegemônicos, usando uma metodologia de extermínio explicitada (FLAUZINA, 2008, p. 79)

A própria posição dos sujeitos na dinâmica espacial é influenciada pela idéia de ordem, que se articula com os valores do mercado na perspectiva da limpeza social. Políticas de segregação urbana, de favelização de bairros populares e de reordenamento do espaço comercial, com ênfase para o controle de flanelinhas, pedintes e ambulantes situam-se no rol de “sujeitos” indesejáveis passíveis de extermínio e eliminação do espaço público:

Atravessado por pressupostos racistas, marca de nascença irremovível do sistema penal brasileiro, o aparato neoliberal assume mais uma vez a metodologia calcada na intervenção física para o

103

controle ostensivo dos corpos. Como se sabe, tal metodologia tomou seus primeiros contornos sob a égide do período colonial. Dos maustratos nas delegacias de polícia à “limpeza” dos centros urbanos, caracterizada pela remoção de “flanelinhas” e camelôs, chegando às ações dos grupos de extermínio – que, pelos números de sua intervenção, institucionalizaram-se por dentro das agências policiais, sendo, mesmo inconfessadamente, considerados essenciais para a garantia da “ordem” –, a agenda do sistema penal em tempos globalizantes vai sendo executada (FLAUZINA, 2008, p. 133).

Dentro da lógica neoliberal as idéias de cidadão e de sujeito político foram progressivamente encurtadas perante a idéia de consumidor e de cliente. Ao passo em que o conceito de cidadão, entendido como agente social que defende novos direitos sociais na esfera do espaço público, foi sendo reduzido; o papel de consumidor, formatado segundo as demandas e necessidades de sobrevivência do modelo do capital moldado às ofertas do consumo e vítima foi se maximizando obtendo a hegemonia da representação social dos sujeitos na ordem neoliberal. O cidadão foi substituído pelo consumidor (SANTOS, 2006). A representação política, a importância social, a visibilidade e a relevância dos sujeitos passou a ser percebida em termos de capacidade de consumo de poder de compra e de pagamento. Neste sentido, emerge na sociedade a figura dos excluídos, dos sujeitos sociais invisibilizados pelas tendências hedonistas do sistema que produz os “lixos sociais”, aqueles sujeitos “descartáveis” a quem se designa a condição errante de não cidadãos: sem terra, sem escola, sem saúde. Trata-se da já amplamente denunciada tragédia neoliberal que institui aquilo que, para Vera Batista (2003), pode-se chamar de cidadania negativa controlada pela via penal através da intervenção coercitiva do Estado.

4.2 VISIBILIZAÇÃO E OCULTAÇÃO DAS DIVERSAS FORMAS DE VIOLÊNCIA NO BRASIL

Tradicionalmente, a violência é percebida e tematizada quando há em seu entorno a dimensão da violação da integridade física ou não física de outrem nas relações interpessoais. As brigas entre os colegas de escola, o assalto da idosa na esquina, o estupro à jovem que sai casa a noite, a morte a tiros do empresário que saia do seu trabalho quando fora abordado numa tentativa de assalto, enfim, é a

104

violência interpessoal a mais visível forma de violência de que se tem notícia no mundo. Entretanto, a despeito da tematização hegemônica da violência centrar-se na questão da violência interpessoal, notadamente em sua modalidade de violência física, existem outras modalidades de violência em jogo na sociedade, de maneira especial a violência institucional e a violência estrutural49. A primeira – a violência institucional – refere-se às “práticas das instituições que atuam sistematicamente no desrespeito aos indivíduos, à sua subjetividade, à sua expressão, enfim a seus direitos mais elementares” (CAPPI, 2009, p. 31), sendo, as próprias instituições agentes de violência. Por outro lado, a violência estrutural diz respeito à violência que “caracteriza o conjunto das relações sociais e o funcionamento da própria sociedade” (CAPPI, 2009, p. 31) referindo-se àquela violência em torno da qual a própria sociedade organiza o seu desenvolvimento, “desconhecendo, oprimindo ou excluídos seus componentes”. “Neste sentido é possível dizer que a estrutura social, pela injustiça que a caracteriza, é violenta.” (CAPPI, 2009, p. 31) Deste modo, podemos representar esta categorização por meio do seguinte quadro50:

Violência Interpessoal

Institucional

Estrutural

Física Furto / estelionato Estupro Homicídio Letalidade trabalhista Violência penal Omissão de socorro hospitalar Desemprego Desigualdade

Não Física Calúnia Insulto Difamação Demissão arbitrária Exclusão institucional Impedimento à participação Exclusão social e política Discriminação social, racial, gênero

de

Fonte: Coleta de dados - 2010. Elaboração: Felipe Freitas Quadro 6 – Modalidades da violência

49

Poderíamos ainda refinar mais a análise para falar de violência simbólica ou outros tipos de violência, mas, para as finalidades e limitações deste trabalho restringimo-nos à três formas citadas como suficientes para apresentar um panorama do que aqui se pretende analisar. 50 Este quadro está publicado em: CAPPI, Riccardo. Mediação e Prevenção da Violência. In: VELOSO, Marília Lomanto, AMORIM, Simone, LEONELLI, Vera (org). Mediação Popular: uma alternativa para a construção da justiça. Salvador: 2009, p. 30.

105

Assim, podemos falar da violência como um fenômeno complexo, em torno de múltiplas e interativas relações sociais. Ou seja, como um fenômeno que possibilita múltiplas leituras e múltiplas respostas – aquilo que, neste trabalho, chamamos de: modelos de leitura e modelos de resposta da violência. Em vários estudos sobre o “mito do Brasil como sociedade não violenta”, Marilena Chauí ressalta alguns traços formadores do nosso ideário nacional que justificam a forma pela qual, no Brasil51, a idéia de violência, ou melhor, a representação

hegemônica

da

violência,

situa-se

no

campo

da

violência

interpessoal, invisibilizando socialmente tanto as formas de violência institucional quanto as formas de violência estrutural presentes nessa sociedade. Por meio desta operação, de desconsideração da leitura da violência institucional e da violência estrutural e de supervalorização da violência interpessoal, o Brasil conforma o mito, tão bem descrito por Chauí de “sociedade não autoritária”, (CHAUI, 2007) produzindo uma forma sui generis de leitura e explicação da violência no país. Deste modo, valendo-nos do aporte conceitual que propõe a categorização acima apresentada sobre as modalidades hegemônicas de violência, passemos a uma tentativa de interpretação das tendências brasileiras na leitura da violência com o objetivo de relacioná-las aos modelos hegemônicos de leitura propostos pelos programas analisados. Inicialmente, lembremos que a forma hegemônica da representação social da nação brasileira é marcada pela idéia de “povo generoso, alegre, sensual, solidário, que desconhece o racismo, o sexismo, o machismo, que respeita as diferenças étnicas, religiosas e políticas” (CHAUI, 2007, p. 345). Tal noção desenvolveu-se na história em profunda articulação com o que se chamou de mito da democracia racial (GUIMARÃES, 2002). Lastreada em autores como Gilberto Freyre (1977), que propuseram uma leitura do fenômeno do choque cultural brasileiro

minimizando

a

dimensão

violenta

das

nossas

relações

raciais,

desenvolveu-se uma idéia de uma sociedade pacífica e harmônica, cuja idéia de nação estaria articulada com a abordagem de um pacto pacífico entre três raças.

51

Ao enfatizarmos que esta análise refere-se ao caso brasileiro não estamos excluindo a hipótese de que, em outros países tais tendências se confirmem e se reforcem, mas, apenas ressaltando que os estudos feitos nesta monografia circunscrevem-se ao caso nacional, não permitindo generalizações internacionais sobre o tema.

106

Trata-se da constituição de um mito. Uma noção baseada “num suporte de ideologias criado com o objetivo de, simultaneamente, enfrentar as mudanças históricas e negá-las, pois cada forma ideológica está encarregada de manter a matriz mítica inicial.” (CHAUI, 2007, p. 346) O mito por sua “natureza”, constrói a realidade mostrando algumas coisas e ocultando outras: no nosso caso o mito contribui para a construção de uma idéia especifica de “(não) violência”. Como mito, a idéia de “não-violência” difundida na sociedade brasileira vale-se de cinco grandes mecanismos ideológicos de conservação mitológica (CHAUI, 2007, p. 346-347), que constituem uma interessante matriz explicativa da leitura hegemônica sobre a questão da violência no Brasil: a)

Inicialmente, temos o mecanismo da exclusão pelo qual afirma-se a idéia de que a nação brasileira é não violenta e que, se houver violência, esta é praticada por gente que não faz parte da nação (mesmo que tenha nascido e viva no Brasil). O mecanismo da exclusão produz a diferença entre um nós-brasileiros-não-violentos e um eles-não-brasileiros-violentos.52 “Eles” não fazem parte do “nós”.

b)

Em seguida, desenvolve-se a distinção entre o essencial e o acidental, ou seja, “os brasileiro não são violentos” e, portanto, “a violência é um acidente”; um “surto”; “uma epidemia” localizada na superfície de um tempo e de um espaço definidos, o que deixa intacta a nossa essência não violenta;

c)

Por outro lado, circunscreve-se a violência ao campo da delinqüência e da criminalidade e define-se o crime “como sendo ataque à propriedade privada”. Com tal movimento determina-se que os “agentes violentos” são os pobres e que está legitimada a ação violenta “contra esses ‘agentes violentos’’: negros, pobres, crianças de rua e favelados;

Em termos criminológicos tal questão tem sido formulada em termos de “sociedade do bem” contra “sociedade do mal” referindo-se à hegemonia maniqueísta que associa a violência a uma idéia de mal e o crime à noção ontologizada de pecado, culpa, dívida. Tal questão é reeditada mais contemporaneamente seja nas perspectivas de “neutralização/eliminação” seja nas perspectivas de “direito penal do inimigo”. Ver: ZAFFARONI, Eugênio R.. O inimigo do direito penal. Trad.: Sérgio Lamarão, 2ª Ed.,Rio de Janeiro: Revan, 2007. 52

107

A violência policial, por exemplo, só é tematizada como “chacina”, “massacre”, ou seja, quando refere-se a casos extremos de barbárie policial, mas, a violência policial como prática cotidiana é ocultada ou naturalizada; d)

Outro mecanismo ideológico de (re)produção do mito da sociedade não-violenta diz respeito à questão sociológica, por meio da difusão da idéia de que seria a migração que causaria o fenômeno temporário da anomia, responsabilizando os migrantes pobres pela violência como fenômeno temporário durante a transição para a modernidade nacional;

e)

Por fim, temos o mecanismo da inversão do real, em que produzem-se máscaras que permitem dissimular comportamentos, idéias e valores violentos como não-violentos. O machismo, por exemplo, é colocado como proteção à natural fragilidade feminina; o paternalismo branco é visto como proteção para auxiliar a natural inferioridade dos negros etc..

Como sintetiza Chauí (2007, p. 349):

Em resumo, a violência não é percebida ali mesmo onde se origina e ali mesmo onde se define como violência propriamente dita, isto é, como toda prática e toda idéia que reduza um sujeito à condição de coisa, que viole interior ou exteriormente o ser de alguém, que perpetue relações sociais de profunda desigualdade econômica, social e cultural. Mais do que isso, a sociedade não percebe que aos próprias explicações oferecidas são violentas por que está cega para o lugar efetivo de produção da violência, isto é, a estrutura da sociedade brasileira.

Olhando para os programas de segurança pública desenvolvidos no Brasil nos últimos 20 anos e analisados no capítulo antecedente podemos afirmar que a maneira hegemônica pela qual os programas interpretam a questão da violência é flagrantemente marcada pelas tendências analíticas que se apresentam sobre o mito do Brasil “não-violento”, com a supervalorização da violência interpessoal em

108

detrimento da violência institucional e da violência estrutural e a ênfase na associação entre violência e criminalidade.

4.3 CONCEITO E TENDÊNCIAS POLÍTICAS EM MATÉRIA DE SEGURANÇA PÚBLICA

Neste tópico, faremos uma leitura em busca de marcos para um conceito teórico de segurança pública, abordando as tendências da política criminal no Brasil a partir da retomada do discurso encontrado nos programas e apresentado no segundo capítulo deste trabalho. Segundo Theodomiro Dias Neto (1997) é possível falar em duas dimensões fundamentais da noção de segurança. A primeira, relacionada à dinâmica interna dos Estados resulta da fusão entre segurança e criminalidade representando o conceito em que segurança é representada pelos meios e formas de prevenção e controle do delito; por outro lado, uma segunda noção, mais localizada no campo da ciência política, em que segurança deriva da noção hobbesiana de proteger-se através do Estado, de modo que, ao proteger-se “a “segurança de estado’ se estará garantindo a ‘segurança dos cidadãos”. Estas duas noções esbarram sempre na seguinte questão, explicativa do grande dilema da segurança no país (quiçá no mundo): “Quais são os temas pertinentes a uma política de segurança pública?” Sem dúvida, não é fácil responder a esta pergunta sobretudo diante da pluralidade das iniciativas de resposta à violência apresentadas no Brasil especialmente após 1988. Assim, passemos a uma tentativa de agrupamento teórico sem a pretensão de esgotar o tema, tão pouco de oferecer alinhamentos e categorizações certeiras, mas, apenas, com o intuito de sistematizar alguns dos vários acúmulos produzidos no campo intelectual sobre o assunto, dialogando para isto com a análise dos programas aqui já apresentada. Seguindo as reflexões do Prof. Theodomiro Dias Neto (1997) dentro da atual abordagem da questão da segurança pública os conflitos sociais se convertem em ameaça à segurança pública quando a perspectiva penal de interpretação torna-

109

se hegemônica. Para Neto, a noção de interpretação penal das situações é a idéia que preside todo o aparato teórico na conceituação contemporânea de segurança pública. A idéia de centralidade do sistema penal, ou, mais especificamente, a instituição da penalidade como centro da formulação em matéria de segurança. Trata-se de um modelo em que o único tema acionado quando se fala em segurança é o tema da pena e a tradução possível proposta é a tradução criminal. Neste modelo, crime e violência se confundem, de modo que a leitura da violência passa a ser a leitura da criminalidade, ou, a leitura da criminalização. Ao invés de produzir respostas baseadas na noção de conflito, ou, do reconhecimento de que toda a sociedade é recortada por inúmeros tipos de conflito (CAPPI, 2009), o modelo de segurança pública penalocêntrico53 prioriza a resposta penal e interdita canais de debate democrático sobre outras possibilidades de leitura do fenômeno da violência. A própria noção de democracia – retomando o que afirma Loic Wacquant – dissolve-se ante a hegemonia do discurso (e das práticas) punitivo. Há uma minimização do espaço público e dos direitos sociais em favor da maximização da idéia de penitencia/punição. Segundo Theodomiro Dias Neto (1997, p. 12).

A falta de nitidez do campo temático das políticas de segurança deve-se ao fato de que esta ótica penal de interpretação dos problemas de integração social se consolida e se estende a novos campos. A hegemonia do discurso penal, ou seja, a tematização dos conflitos sociais no “espaço da pena” é o outro lado de um processo de esvaziamento do “espaço da política”.

Num esforço de sistematização Delmas-Marty (1992) fala em duas grandes concepções dos modelos de política criminal. De um lado, sobre uma concepção restritiva, lastreada na idéia de organização das formas de criminalização das condutas no âmbito legislativo, com ênfase na modalidade interventiva da punição como foco no autor dos delitos e base na idéia de castigo como solução. Por outro, a concepção abrangente de política criminal, com ênfase na integração dos diversos meios de redução da criminalidade, incluindo distintos níveis de normatividade, de atores e de ações.

53

Tal expressão refere-se ao tipo de organização em que a noção de pena ocupa lugar central.

110

Trata-se de uma categorização que demonstra como a segurança pode ser percebida em um universo de temáticas e abordagens sempre muito maior do que aquelas tradicionalmente apresentadas, centradas na questão jurídico-penal. Valendo-nos da referência de Dias Neto (1997), podemos falar numa segurança que aborde novas tematizações no amplo e multi facetado universo da questão dos direitos, da subjetividade criativa dos cidadãos, e, sobretudo, da possibilidade do estabelecimento de relações comunitárias. Do ponto de vista teórico é valiosa a abordagem proposta por Dias Neto (1997) na perspectiva de acionar outros comandos para traduzir as problemáticas da violência, bem como para desenvolver formas de controle social das modalidades interpessoal, institucional e estrutural da violência, não necessariamente centradas e parametrizadas na noção de crime e criminalidade.

4.4 VOLTANDO AOS PROGRAMAS: UM OLHAR TEÓRICO SOBRE OS PLANOS NACIONAIS DE SEGURANÇA PÚBLICA

Retornando à análise dos programas é evidente a priorização da modalidade de violência interpessoal, sobretudo as questões ligadas à violência física. No PNSP 2000 e no Pronasci 2007 é manifesta a primazia das temáticas relacionadas à violência praticada entre as pessoas seja no caso dos crimes contra a vida, crimes contra o patrimônio, etc. A violência é entendida nestes programas como uma série de ocorrências de natureza majoritariamente individual, produto de relações sujeito-sujeito. No PSP 2002, contudo, a leitura da violência ganha outro destaque. A abordagem sobre a noção de violência e de suas causas são apresentadas como parte de um complexo que possui não só dimensão interpessoal,

mas,

além

disso,

modalidades

institucionais

e

estruturais

retroalimentando-se no circuito de fraca ação do Estado. Quanto a associação entre violência e criminalidade novamente repete-se a polarização entre o PNSP 2000 e o Pronasci 2007, por um lado, em contraposição ao PSP 2002, por outro. Enquanto os dois primeiros (PNSP e Pronasci) produzem uma leitura da realidade que privilegia a associação entre violência e criminalidade,

111

declarando expressamente, em ambos os programas, o foco na questão da violência criminal e o alinhamento entre a idéia de crime e violência. Do ponto de vista da leitura da violência os dois programas PNSP e Pronasci temas como racismo, homofobia e sexismo não aparecem, confirmando a idéia de que, para estes programas, a modalidade de violência estrutural e/ou de violência institucional não ganham relevo na compreensão do conjunto das explicações e significados da violência no país. Sob certo aspecto, poderíamos afirmar que, segundo a lógica dos dois programas, a explicação da violência no país vincula-se, ao menos em termos hegemônicos, à formulação do mito da nãoviolência do Brasil. O PSP 2002, ao seu passo, inclusive por causa dos elementos presentes à sua elaboração – devidamente destacados nos capítulos precedentes, aborda a questão das “violências contra as minorias” enfatizando o seu papel na constituição do fenômeno da violência no país, incorporando, portanto, a dimensão da violência estrutural e da violência simbólica. Por fim, podemos afirmar, em matéria de modelos de leitura da violência, que a abordagem apresentada pelo programas analisados confirmam a tendência proposta no receituário neoliberal, reforçando (através do PNSP e do Pronasci) a interpretação da questão da violência com ênfase no aspecto da criminalidade, sem penetração na dimensão da violência praticada pelas instituições, e, tão pouco, na violência constitutiva das próprias formas de organização da sociedade (racismo, sexismo, homofobia, etc.).

112

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como considerações conclusivas desta obra, apresentamos, além das constatações e diagnósticos da análise realizada, algumas novas questões que reabrem leituras e olhares, na perspectiva de ampliação da compreensão sobre o fenômeno da violência e sobre as múltiplas formas de intervenção sobre esta realidade. Inicialmente, cumpre destacar a importância da discussão sobre segurança pública na agenda da consolidação da democracia no país e a relevância de movimentos que, academicamente, investiguem o controle social da violência e as formas de tematização da democracia, das demandas por cidadania, direitos, igualdade e participação na sociedade. A. Primeiramente, cumpre informar que adotamos como método desta pesquisa a abordagem indutiva, a partir de uma análise qualitativa dos dados. Esta opção é, no campo das ciências sociais no Brasil, ainda pouco consolidada, sobretudo no que se refere às pesquisas em direito. B. A

segurança

pública,

enquanto

tematização

social,

está

profundamente relacionada aos movimentos centrais da política brasileira, sendo, portanto, um interessante campo de investigação social, na perspectiva de identificar não só as lógicas no âmbito do controle social da violência e da política criminal em si, mas, além disso, como eficiente caminho para acessar questões decisivas da própria formação social brasileira, e do seu viés autoritário e racista.

113

C. As políticas públicas de segurança, seja do ponto de vista da pesquisa, seja do ponto de vista das ações governamentais são, ainda, um campo em constituição na direção de elaborar de marcos legais para este setor ajustados à ordem democrática, construir espaços institucionais de gestão da política e de formular estrategicamente ações de curto, médio e longo prazo, com intersetorialidade e interdisciplinariedade. Tais tarefas – até então interditadas pelo alto grau de autoritarismo presente à formação do arranjo social brasileiro – apresentam-se como fundamentais para a consolidação de uma transição democrática no país. D. Da análise dos planos nacionais de segurança ficou evidente a característica “penalocêntrica” com que fora tematizada a questão da segurança pública na sociedade brasileira. Sem referências democráticas consolidadas e com baixo nível de assimilação das idéias de equidade e direitos humanos, o Brasil não conseguiu através dos seus três Planos Nacionais de Segurança Pública alterar a tendência punitiva inaugurada ainda na formação do sistema penal mercantil-colonial, com altos graus de intervenção física e grave limitação no espectro de modalidades de intervenções não penais para o controle social da violência. Por fim, uma evidente conclusão deste trabalho é a imperiosa a produção de novos olhares para a compressão da penalidade como senha na montagem dos discursos e práticas da contemporaneidade em matéria de segurança pública no Brasil. Tendo em vista o já citado nível de dispersão das informações teóricas em matéria de segurança e o baixo grau de organização, monitoramento, eficiência e planejamento na formulação das ações no âmbito do poder público, é fundamental que novas pesquisas avancem para desvendar o campo das políticas autoritárias no campo da segurança e consolidar a democracia brasileira, interrompendo o atual ciclo de violações dos direitos humanos e de violência institucional. Como bem adverte Luiz Eduardo Soares (2004) é preciso coragem intelectual e ousadia ética para debruçar-se sobre estes temas impertinentes da

114

segurança pública e dos direitos humanos, questionando as supostas neutralidades, e, sobretudo, recusando as naturalizações hediondas que admitem a perpetuação de práticas autoritária e/ou invisibilizam formas cruéis de violência – sobretudo as institucionais e estruturais. É preciso que a segurança pública seja, muito mais, do que uma retórica policial, ou, um enredo de jornal sensacionalista. Segurança pública é relação, política e democracia.

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punitivo

no

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122

ANEXO

ANO 1988

1989

1990

Fatos marcantes da política nacional relacionados à temática da segurança pública e direitos humanos - 05/out. Promulgação da Constituição Federal - 15/nov. Eleições Presidenciais (1º Turno) - Durante as eleições presidenciais Maluff fez uma campanha que tinha entre seus propósitos agravamento das penas para crime de estupro seguido de morte em que ele afirmava: Tá bom, está com vontade sexual, estupra mas não mata”que foi entendido como uma apologia ao estupro e gerou grande comoção social contra o candidato, - 17/dez. Eleições Presidenciais (2º Turno) - Aprovada no Congresso Nacional a Lei 8.072/90 que altera a definição de crimes hediondos - 15/mar. Posse do Presidente Fernando Collor -15/ nov. Eleições Estaduais – Brizola (segundo mandato RJ) e Fleury (SP) - Em 25/jul. sancionada a Lei 8.072 que dispôs sobre os crimes hediondos e determinou o cumprimento de pena privativa de liberdade em presídios de seg. máxima, proibiu fiança e ampliou o prazo de prisão temporária,

Planos nacionais de Direitos Humanos e Segurança Pública

Fatos ligados a violência e segurança pública com ampla cobertura da mídia nacional - Dez. Sequestro do empresário Abílio Diniz

- Jul./90 – Chacina de Acari RJ – Onze Jovens seqüestrados por policiais

- Segundo dados da Justiça Global em 91 em SP (Gov. Fleury 1991 – 1994) ocorreram 1.140 mortes sendo que, destas, 25% teriam sido praticadas pela PM 1991

- Início da exibição do programa Aqui Agora nos fins de tarde pelo SBT. O jornal de 1991 tinha como slogan "um jornal vibrante, uma arma do povo, que mostra na TV a vida como ela é!". Foi pioneiro no Brasil no uso do

123 Fatos e eventos do meio acadêmico ligados à temática da segurança pública

124 Gerador de Caracteres ao exibir manchetes bastante escandalosas sobrepostas às imagens. Seu grande foco era em reportagens policiais especialmente sobre assassinatos e crimes escandalosos. Também exibia fofocas do meio artístico e um quadro de defesa do consumidor. Alcançou altos índices de audiência e chegou a ameaçar a Rede Globo no horário na Grande São Paulo. - Por ocasião da ECO – 92 o exército assume o monitoramento das favelas do RJ - Set./02 – Massacre do Carandiru - Assassinato da atriz da Rede Globo Daniela Perez - Fev. Castor de Andrade (famoso bicheiro carioca) profere discurso nas TVs contra a perseguição aos bicheiros, - 23/Jul. - Chacina da Candelária - Ago. – Chacina de Vigário Geral - Surgimento do PCC - 17/dez – Ato no RJ com milhares de pessoas pela paz - Surgimento da ONG Viva Rio

- Out.92 / Eleições Municipais 1992

- Por meio da Lei 8.764/1993 foram alteradas as disposições referentes ao Fundo de Prevenção e Combate as Drogas de Abuso, 1993

1994

- Out./1994 – Vitória de FHC Primeiro Turno - O homicídio qualificado foi incluído no rol dos crimes hediondos (Lei Daniela Perez) Lei

- Loïc Wacquant participa ANPOCS em Caxambu (MG)

do

- Em jul. / 93 – Realizou-se no RJ um Seminário sobre Mídia e Violência, com a presença de Alessandro Barata e Lola Anyar de Castro

- O então Promotor de Justiça Biscaia desbarata a fortaleza do bicheiro Castor de Andrade - out. – Castor de Andrade é preso em Curitiba

8.930/94

1995

- 01/jan - Posse de FHC - Hélio Luz (PT) dirige a Divisão antiseqüestro do RJ e em seguida parte para a Chefia da Polícia Civil. A partir deste ano o RJ passa a verificar uma queda no número de seqüestros. - Jan./95 – Operação de Ocupação das favelas cariocas pelo Exercito Brasileiro (Operação RIO) - Entre 1995 e 97- O Sec. de Segurança

- Criação da Secretaria de Planejamento de Ações Nacionais de Segurança Pública – SEPLANSEG, MP 813, de 1º de janeiro de 1995

-Ago. – Massacre de Corumbiara - Dez. – Início das transmissões do Cidade Alerta (Rede Record)

- Loïc Wacquant leciona por cinco semanas como professor visitante da UFRJ

125 Pública do RJ instituiu a “gratificação faroeste”como ficou conhecida entre os movimentos sociais a “promoção por bravura”, “gratificação por mérito” concedida aos PM’s nas operações “contra o tráfico no RJ, -Out./96 Eleições Municipais - realizada a 1ª Conferência Nacional de Direitos Humanos

- Plano Nacional de Direitos Humanos 01

- Lançamento do Filme “Quem matou Pixote?” - Spike Lee e Michael Jackson pediram autorização a Marcinho VP (Dona Marta) para gravar um clipe e isso vira caso de investigação no RJ – nesse episódio João Moreira Sales conhece Marcinho VP - Abr. – Massacre de Eldorado dos Carajás - jun. – Assassinato de PC Farias - Primeira prisão de Fernandinho Beira Mar (BH)

- 17/abr. - Criação Secretaria Especial Direitos Humanos - Set./1997 – Criação Secretaria Nacional Segurança Pública

- 20/abr. – Assassinato do índio Galdino - Campanha da Fraternidade sobre a questão carcerária - É criado no Brasil um escritório do Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente (Ilanud) - Ago – Estudante de Direito de SP fazem campanha pelo recolhimento de armas de fogo, - Jan. – Foi criado o Instituto Sou da Paz - Nov. Durante Seminário São Paulo sem medo, promovido pela Rede Globo, NEV – USP e Roberto Marinho foi lançado o Instituto SP contra Violência,

1996

- Set./97 – O Sec. de SEc. Pública do RJ Hélio Luz fora demitido em episódio midiático

da de da de

1997

1998

- Eleições Presidenciais – FHC Eleito Primeiro Turno - Eleição de Garotinho tendo Luiz Eduardo Soares como Sec. de Segurança Pública - No Amapá o Governador João Capiberibe adota um plano inovador em matéria de

- Publicação da Lei nº 9.649, de 27 de maio de 1998 que dispõe sobre a estrutura da SENASP

- Dez. – Seqüestro de Wellington Camargo (Irmão de Zezé di Camargo) – até março de 1999 - Uma série de estupros e assassinatos praticados por Francisco de Assis conhecido como o Maníaco do Parque em SP

- Sérgio Adorno defende tese de livre docência sobre A gestão Urbana do Medo e da Insegurança

- Apresentação do texto “Difíceis Ganhos Fáceis – drogas e juventude pobre do Rio de Janeiro”

126 segurança pública com bolsas formação para policiais e adoção do Sistema Unificado de Seg. Pública - 19/Jun Por meio de MP 1669 e do Decreto 2632 foi criada a Secretaria nacional de políticas sobre drogas e - Aprovadas no Congresso Nacional as Lei Leis 9.677/98 e 9.695/98 que tratam do conceito de crimes hediondos,

1999

2000

- Mar. – Libertação de Wellington Camargo - Lançamento do Documentário Notícias de uma guerra particular - Início da exibição do programa Linha Direta - Fundada no RJ a ONG Justiça Global

- Posse de FHC - Mar./2009 – Ferreira Pinto assume a SSP SP em substituição a Ronaldo Marzagão. A posse ocorre em meio a denúncias de corrupção na gestão anterior. - Gestão de Luiz Eduardo Soares a frente da SSP RJ - Em 30/jun. o FUNCAB passa a se chamar Fundo Nacional Anti-Drogas (FUNAD) por força da Lei 9.804/99 - Eleições Municipais - Luiz Eduardo Soares foi demitido pelo Gov. Garotinho - Posse de José Gregori como Ministro da Justiça - 20/ago. - Publicado no DOU portaria do CNPCP instituindo comissão para elaborar Documento 'referente ao Plano Nacional de Segurança Pública, constituída pelos Conselheiros Jose Benedicto De Azevedo Marques (Presidente), ANA SOFIA Schmldt DE OLIVEIRA (Relatora), Rosa Maria Cardoso De Oliveira, Eleonora De Souza Luna E Eduardo Real 21/Dez. – Decreto 3695 cria os Subsistemas de Inteligência de Segurança Pública no âmbito do Sistema Brasileiro de Inteligência,

- Defesa da dissertação de mestrado da Prof.ª Jacqueline Muniz sobre cultura e cotidiano da PMERJ “Ser polícia é, sobretudo, uma razão de ser. Cultura e Cotidiano da Polícia do Estado do Rio de Janeiro” -É criado na UFMG o Centro de

Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (CRISP) 20/06/2000 Lançamento do PNSP (Governo FHC) com os PIAPS

- 12/jun. – Seqüestro do Ônibus 174 - ago. – Assassinato de Sandra Gomide praticado pelo jornalista Pimenta da Veiga - A Comissão Brasileira de Justiça e Paz da Arquidiocese de Salvador lançam, como livro, o relatório “A outra face da moeda” que trata do aumento significativo do número de mortes na cidade de Salvador. Este relato torna-se emblemático em todo o país e é usado como fonte de informações para militantes do movimento social contra a violência policial.

- Luiz Eduardo Soares publica Meu Casaco de General - Foi criado o CESEC – Centro de Estudos Segurança e Cidadania ligado a Universidade Cândido Mendes - O NEV lança a Coleção “Polícia e Sociedade” que publicou uma série de traduções clássicas do estudo da polícia no Brasil, bem como lançou livro brasileiro pioneiros na temática,

127 – Experiência da administração de Porto Alegre – Tarso Genro - Realização da CPI do Narcotráfico - Posse de Aloysio Nunes Ferreira Filho como Ministro da Justiça

- fev./2001 – Institui o Fundo Nacional de Segurança Pública

- Eleições presidenciais – Vitória do Lula - Introdução do Blindado Caveirão nas políticas de segurança públicas do RJ - Posse de Miguel Reale Jr. como Ministro da Justiça - Posse de Paulo de Tarso Ramos como Ministro da Justiça

- Fevereiro de 2002 Apresentação do Plano Nacional de Segurança Pública (Instituto Cidadania) - Lançamento do PNDH 02

- Entre 1996 e 2001 há entre RJ e SP uma alteração no perfil do número de seqüestros. Enquanto em SP esse tipo de crime cresceu em RJ essas ações diminuíram - Seqüestro da Filha de Silvio Santos. No primeiro trimestre de 2001 – 154 casos de seqüestro em SP - fev./2001 – Uma série de rebeliões em presídios de SP 4coordenadas pelo PCC - Greve da PM BA, CE, MG e SP - Prisão de Fernandinho Beira Mar na Colômbia onde tinha apoio da Guerrilha - abr./2001 – As autoridades discutem qual será a destinação de Beira Mar - mai./2001 – Fernandinho Beira Mar depõe na CPI do Narcotráfico - jun./2001 – Fernandinho Beira Mar depõe na CPI do Roubo de Cargas - Ago./2001 – A Rede Globo exibe a reportagem “Feirão das Drogas” produzida pelo jornalista Tim Lopes, retratando o comércio de drogas no Complexo do Alemão – RJ; - Nov. – 106 presos fogem do presídio do Carandiru – A maior fuga da história - dez./2001 – Estréia do programa Brasil Urgente (Rede Bandeirantes)

2001

2002

- Campanha da Fraternidade sobre a questão das drogas

- Lançamento do Filme Cidade de Deus - Lançamento do Documentário Ônibus 174 - Em jun./02 Elias Maluco, tido como sócio de Beira Mar, é acusado de torturar e matar o repórter da Globo Tim Lopes - Beira Mar comanda uma rebelião no Presídio Bangu I

- A ativista do movimento social Cecília Coimbra publica o livro: Operação Rio – o mito das classe perigosas: um estudo sobre a violência urbana, a mídia impressa e os discursos de segurança pública. – Abr/2001 com a presença do autor, o Instituto Carioca de Criminologia lança simultaneamente no Brasil três livros de Loïc Wacquant: As prisões da miséria, Os condenados da cidade e Punir os pobres

128 -Em set./02 prisão de Elias Maluco - Out./2002 – Suzane Von Richthofen e os irmãos cravinhos matam os pais de Suzane sob coordenação da mesma,

2003

2004

- Jan./Posse de Lula - Aprovação do Estatuto do Desarmamento; - Fev./2003 – o Secretário de Seg. Pública do RJ, Josias Quintal, declara: “Nosso bloco está na rua e, se tiver que ter conflito armado, que tenha. Se alguém tiver que morrer por isso, que morra. Nós vamos partir pra dentro” por ocasião da implantação da Operação Rio Seguro - 28/04/2003 – Posse de ‘'Garotinho como Secretário de Segurança Pública do RJ (até set. / 2004) - CPI dos Grupos de Extermínio NE – Jan. / 2003 - Luiz Eduardo Soares a frente da SENASP; - Entrevista de Nilo Batista a Caros Amigos - Posse de Márcio Thomas Bastos como Ministro da Justiça - Out./2003 – Demissão de Luiz Eduardo Soares

- Apresentação da 1ª Versão da Matriz Curricular de Formação

- Jan/2003 – O homicídio da Sr.ª Maria do Carmo Alves praticado por Farah Jorge Farah com requintes de crueldade em SP - Mar./2003 – Morte de Marcinho VP (Dona Marta) - 16/04/2003 – Chacina do Borel – Quatro jovens mortos pela polícia na entrada da favela – RJ - Out./2003 – Os jovens que mataram o índio Galdino são encontrados bebendo fora do horário permitido no livramento condicional por uma equipe de reportagem do Correio Braziliense, - Nov./2003 – Assassinato de Liane Friendebach e Felipe Caffé por um adolescente fugido da CASE – SP, este episódio reascendeu o debate sobre redução

- O NEV desenvolve o projeto “O Policiamento que a sociedade deseja” na cidade de São Paulo, - Apresentação da tese de Doutorado da Prof.ª Vera Batista “O Medo na cidade do Rio de Janeiro”

- Out./02 – Eleições Municipais - Em 2004, a Força Nacional realizou sua primeira operação de ajuda no restabelecimento da ordem pública – Espírito Santo

- Criação da Força Nacional de Segurança Pública

- A PF desencadeia a Operação Sathiagara que resultou na prisão do banqueiro Daniel Dantas; - Morte do dentista negro Flávio Sant’Anna morto por PM’s no aeroporto de SP

- Lançamento do livro Guerra Civil – Luis Mir - Lançamento do livro Abusado – Caco Barcellos - O CESeC UCAM inicia pesquisa pioneira sobre a forma pela qual a imprensa cobre a questão da violência no país. - Vera Batista publica o livro “O medo na cidade do Rio de Janeiro: dois tempos de uma história” discutindo a historiografia da

129

2005

2006

- Realização do Referendo das Armas - Realização da CPI das Armas – Câmara dos Deputados - Jun. 2005 - Realização da CPI dos Bingos – Senado Federal - Apresentação do Relatório da CPI dos Grupos de Extermínio no Nordeste - Lançada a Política Nacional sobre Drogas coordenado pelo Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (Resolução 03/2005)

- Eleições Presidenciais – Vitória do Lula - Aprovação da Nova Lei de Drogas - CPI do Tráfico de Armas - Gestão de Luiz Eduardo Soares na Pref. De Nova Iguaçu como Sec. de Prevenção da Violência e Valorização da Vida - Sancionada a Lei Maria da Penha - Por meio do Decreto 5.912/2006 se alteraram as competencias da SENAD (Secretaria Nacional Sobre Drogas)

- Primeira revisão da Matriz Curricular Nacional

- Assassinato da Ir. Dorothy Stang - 30/03/2005 - Chacina da Baixada (RJ) supostamente em retaliação pela morte de 2 PM’s - mai. / Lançamento da Campanha Reaja na BA como reação ao aumento do número de mortes de jovens no estado.

- mar./06 – A Anistia Internacional inicia uma campanha com entidades brasileiras contra o uso do Caveirão no RJ - Em 19 de março de 2006, o Fantástico passou a exibir o documentário Falcões – Meninos do Tráfico - 21 e 28 de março de 2006 – O PCC coordena uma série de atentados em SP - Abr./2006 – O Fantástico exibe uma entrevista de Suzane Von Richtofen em que ela é orientada pelo advogado a encetar um teatro como forma de se inocentar do crime. Tal entrevista gera grande comoção nacional, - Jun./2006 – Advogado do PCC é preso - jun./2006 – Na sede da Bovespa reuniram-se organizações de SP para combater a violência e discutir os atentatos de maio na cidade. Diante da conjuntura foi criado o Fórum de Cidadania Contra a Violência coordenado pelo Inst. SP contra violência,

violência na cidade, - É publicado o livro Cabeça de Porco - Vilma Reis defende a dissertação de mestrado intitulada Atucaiados pelo Estado – As políticas de segurança implementadas nos bairros populares de Salvador e suas representações (1991-2001) - Mai./2005 – Cristina Buarque de Holanda publica o livro Polícia e direitos humanos Política de Segurança Pública no Primeiro Governo Brizola (Rio de Janeiro: 1983-1986) fruto de sua dissertação de mestrado orientada por João Trajano Sento Sé. - É publicado o livro Elite da Tropa - É publicado livro Segurança tem saída - É publicado o livro Síndrome da Rainha Vermelha - É criado o Fórum Brasileiro de Segurança Pública

130

2007

2008

- Posse de Lula - Posse de Tarso Genro como Ministro da Justiça - Antonio Biscaia assume a SENASP - Mai/07 – Está sendo lançada por meio da SENAD a Política Nacional sobre Álcool - Posse de Beltrame como SSP – RJ (até o presente momento) - Realização da Operação Pré-Pan Coordenada pela Força Nacional - Operação para atuar no auxílio da preservação da Ordem Pública dos municípios goianos de Luziânia, Novo Gama, Valparaíso de Goiás e Cidade Ocidental. A operação começou em outubro de 2007 e terminou em agosto de 2008. – Força Nacional

20/08/2007 Lançamento PRONASCI

do

- Set./2008 – Greve da Polícia Civil de SP - Out./08 – Eleições Municipais - Primeira reunião de Ministros de Segurança das Américas - Instalada a CPI das Milícias na ALERJ – O Dep. Marcelo Freixo fora ameaçado - CPI do Sistema Carcerário - Operação Jogos Para e Panamericanos e ao término dos jogos, foi criada a Operação específica para atuação na orla e pontos

- Lançada a 3ª Versão da Modificada e ampliada da Matriz Curricular Nacional para Formação de Professores de Segurança Pública

- 13/08 a Rede Globo é obrigada a exibir o manifesto do PCC - Set. a out. 2005 – Prisão de Maluff - Nov. – Sergio Cabral, Governador Eleito do RJ, declara-se contra a utilização do Caverão, - Lançamento do Filme Tropa de Elite - Fev./2007 – Um policial pisa na cabeça de um jovem negro que estava sendo acusado de assaltar uma turista espanhola, contudo, se comprova que o jovem não havia feito nada. A foto aparece na mídia e os movimentos sociais e reagem com várias manifestações. - Fev./2007 Assassinato do menino João Hélio- 27/jun – 21 pessoas são mortas e 09 feridas em operação conjunta da SSP RJ com a Força Nacional no Complexo de Morros do Alemão, A operação contou com a participação de 1.350 agentes policiais, a utilização de 1.080 fuzis, 180.000 balas e teve duração de cerca de oito horas. Após o término da operação, o Estado divulgou a apreensão de 14 armas, 50 explosivos e munição de 2.000 balas, supostamente em poder de traficantes. - Nov./2007 – É descoberta em Abaetetuba no Pará uma adolescente de 15 anos presa em uma cela com 30 homens e sendo abusada sexualmente. - Término da exibição do programa Linha Direta - Lançado o filme “Ultima Parada 174” - fev./2008 – A Revista Carta Capital lança matéria de capa sobre a violência policial destacando o caso do jovem Djair de 16 anos, morto pela polícia baiana. A matéria repercutiu nacionalmente e foi amplamente divulgada por setores da sociedade civil, - Mar. 2008 – Prisão de Juan Carlos Abadia

- Pela Editora Revan é publicado o livro Acionistas do Nada do Delegado Carioca Orlando Zaconne, com prefácio de Vera Malaguti,

131 turísticos do Rio de Janeiro, vias expressas e Complexo do Alemão -Agosto - Apresentação do Relatório do Conselho de Direitos Humanos da ONU sobre execuções sumárias extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias no Brasil com foco para os casos do RJ e de SP, - Operação realizada no período de abril a novembro de 2008, no intuito de apoiar o Sistema Estadual de Segurança Pública, através de patrulhamento motorizado visando a diminuição do índice de criminalidade, principalmente dos crimes contra a vida, na região metropolitana de Maceió e adjacências. – Força Nacional - No período de 24 de novembro e terminou dia 21 de dezembro de 2008, executando ações de policiamento de proximidade com a comunidade nas Capitais dos Estados do Rio de Janeiro e Acre, e no Distrito Federal; a fim de apoiar os órgãos componentes do sistema de segurança pública locais na segurança do lançamento do Projeto “Territórios de Paz”. - Em 04/dez. – O Presidente Lula visitou o Complexo do Alemão, junto com um forte aparato de segurança mobilizado pela Força Nacional, em que lançou o programa “Territórios da Paz” - Constituição da CPI da Violência Urbana - Mar./2009 – Prisão do ex-Comandante da PM BA - Ago./09 – realização da 1ªCONSEG 2009

traficante colombiano preso em SP - Mar./2008 – Morte de Isabela Nardoni, estrangulada pela madrasta e jogada da janela pelo pai, - 30/mar. – O Fantástico exibe uma entrevista em que o casal Alexandre e Anna Carolina Jatobá falam sobre o ocorrido. A entrevista alcança altos níveis e audiência e causa grande comoção nacional. - 15/abr. – O comandante do 1° Comando de Policiamento de Área (CPA) coronel Marcus Jardim declarou que “A PM é o melhor inseticida social” em referência à ação da polícia militar na Vila Cruzeiro, onde foram mortas nove (9) pessoas e feridas seis (6). - 14/jun. – Três jovens são mortos após terem sido presos por policiais do exército e entregues a traficantes no Morro da Providência – RJ - Out./2008 – O seqüestro da Jovem Eloá que ficou por oito dias em poder do namorado e acabou morta quando da invasão da polícia, - A polêmica envolvendo a liberação do banqueiro Daniel Dantas ocupa parte significativa da imprensa nacional. - PM’s matam o menino João Roberto no RJ; - dez./2008 – o Programa Domingo Espetacular da Rede Record exibe entrevista com Beira mar sobre sua vida no presídio - Lançamento do PNDH 03

- Campanha da Fraternidade sobre a questão da Segurança Pública - A Favela de Paraisópolis SP é ocupada por uma operação militar em parceria entre PM SP e Governo Federal (PRONASCI). As invasões de casa pela PM e a reação dos Policiais cria um crime de terror na comunidade. Em março/2009 a Caros Amigos traz matéria em que afirma que o “ar está irrespirável” na favela.

- O Laboratório de Análise da Violência da UERJ lança relatório sobre o índice de homicídios de adolescentes demonstrando as tendência de aumento da letalidade das ações policiais nos últimos anos. O Relatório tem grande impacto na mídia. - O Fórum Brasileiro de Segurança

- Morte de Isabela Nardoni - Dezembro – Apresentação do Relatório da ONG Human Rights Watch sobre Violência Policial e Segurança Pública no RJ e em SP

132 Pública apresenta, em parceria com o PRONASCI, os primeiros resultados do programa Juventude e Prevenção da Violência com o índice de vulnerabilidade juvenil a violência em municípios com mais de 100mil hab.

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