Templo fechado

June 23, 2017 | Autor: P. Faria Nunes | Categoria: Education, Science Education, Higher Education
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TEMPLO FECHADO Paulo Henrique Faria Nunes Goiânia, Diário da Manhã, 1.º ago. 2012 Era um dia tranquilo. Desses em que a gente torce para que o sinal fique vermelho só pra ter a desculpa de acabar de ouvir uma boa música no carro antes de chegar ao trabalho. Como muitos outros professores, tenho dois empregos... uma jornada suicida e necessária. Já havia entregado as pautas de notas e frequência em uma das universidades e aguardava ansiosamente o início do recesso da segunda. Mês de julho. Vou à universidade onde não preciso dar aulas até o início de agosto; queria pegar alguns livros na biblioteca e tive uma surpresa, consequência de minha desinformação: “a biblioteca – por abrigar somente livros de direito, jornalismo e propaganda – estará fechada durante as férias”. Não acredito nessa balela que o professor é um sacerdote, mas penso que bibliotecas devem ser tratadas como templos. Ou bares, prontos-socorros, hotéis... um lugar que, mesmo longe da perfeição, esteja sempre de portas abertas para os pobres diabos que o procuram. Churrascarias resistem bravamente e permanecem abertas na Quaresma; as igrejas não suspendem suas atividades no Carnaval. Assim deve ser com as bibliotecas. Certamente a maior parte dos docentes quer distância da escola no período de férias; e o mesmo é válido para os professores e pesquisadores. Mas fechar a biblioteca por um mês?! É muito tempo. Além disso, instituições de ensino superior podem ser privadas mas exercem uma função de interesse social. Podem até dizer que só um chato que não tem o que fazer é que procura uma biblioteca nas férias, mas não se pode generalizar. E os estudantes, tanto da graduação quanto da pósgraduação, que aproveitam esse tempo para adiantar suas monografias, dissertações e teses? Aqueles que desejam usar esse espaço em um momento mais tranquilo, sem ter que se equilibrar entre as aulas e a vida profissional? E os que se preparam para concursos ou exames como o da OAB? Quem trabalha no ensino superior – sobretudo no privado – sabe muito bem que há uma crise acadêmica e cultural em curso. O número de pessoas matriculadas aumentou exponencialmente, mas isso não significa que houve um aumento proporcional do número de leitores. Gradualmente as editoras foram se moldando a essa nova realidade e os resumos e as sinopses se tornaram o produto principal de muitas delas: é mais barato, vende mais, transporta-se e armazena-se uma quantidade grande de títulos em um espaço pequeno, o valor venal de cada página impressa é bem superior ao de um livro mais volumoso e, melhor ainda, é o que parcela considerável do público consumidor deseja. Seria bom dizer que o mercado editorial está em crise por causa da Internet, como ocorreu com os CDs. Porém, a coisa não é bem assim. Encontra-se uma infinidade de títulos on line, tanto lícita quanto ilicitamente. Mas isso não significa que os estudantes os leem avidamente e os carregam por todos os lugares em seus aparelhos eletrônicos portáteis. Manter uma biblioteca fechada é contribuir com o marasmo acadêmico e intelectual. Em vez de estimular a leitura, fazemos o contrário. Depois não adianta reclamar, dizer que os alunos não querem nada com os livros. E o pior de tudo, agora tenho um sério dilema: quero que as férias passem o mais lentamente possível, mas preciso de livros que só estarão disponíveis no retorno das aulas. 

Professor e pesquisador na PUC Goiás e na Universo (campus Goiânia).

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