Tempos de Modernidade

May 29, 2017 | Autor: Sandra Guedes | Categoria: Historia, Modernidade
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III Simpósio Nacional de História Cultural Florianópolis, 18 a 22 de setembro de 2006

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TEMPOS DE MODERNIDADE

Profa. Dra. Sandra P.L. de Camargo Guedes UNIVILLE/CNPq [email protected]

O conceito de “Modernidade”, amplamente utilizado pela historiografia geralmente como sinônimo de “modernização” é atribuído no Brasil a meados do século XIX e início do XX, mas na verdade está presente em diferentes temporalidades em várias cidades brasileiras. Este estudo pretende abordar a questão, comparando cidades muito próximas geograficamente, mas distantes no tempo histórico. Trata-se de seis cidades localizadas no entorno da baía da Babitonga, no nordeste de Santa Catarina: Joinville, São Francisco do Sul, Araquari, Balneário Barra do Sul, Garuva e Itapoá. A chegada da modernidade para essas cidades ocorreu em tempos diferentes, sendo que, em algumas, ela mal começou. O olhar da população dos municípios envolvidos, registrados através de matérias de jornais, entrevistas em formulários e gravadas e outros documentos escritos é o foco das imagens do moderno que serão discutidas neste artigo.

Entender o tempo histórico é, muitas vezes, bastante difícil, já que na maioria das vezes ele não corresponde ao tempo físico, aquele do calendário. Diferentes

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comunidades em diferentes localidades podem conviver, em um mesmo tempo físico, diferentes realidades que, historicamente, poderiam ser atribuídas a tempos também diferentes. Enquanto em uma cidade convive-se com as tecnologias mais avançadas de automação, sinônimo da contemporaneidade, em outra não se dispõe sequer de energia elétrica, coexistindo, em um mesmo país, práticas típicas do século XIX e do XXI. Essa afirmação pode ser útil para se discutir um conceito amplamente utilizado pelos historiadores e que, sem levá-la em conta, poderá parecer anacrônico: o conceito de modernidade. Tratado, no Brasil, geralmente, como um conceito datado e ligado principalmente às mudanças ocorridas em meados do século XIX e início do século XX,

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percebem-se múltiplas interpretações e diferentes temporalidades para esse conceito que muitas vezes é tratado como sinônimo de modernização1. Inicialmente é preciso diferenciar modernidade de modernização. Segundo Raymundo Faoro2, o primeiro pode ser entendido como um processo natural conquistado por uma comunidade ou nação, enquanto o segundo é imposto por uma

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elite dominante que procura seguir padrões alcançados por países considerados “desenvolvidos” em determinado momento histórico. [...] a modernidade compromete, no seu processo, toda a sociedade, ampliando o raio de expansão de todas as classes, revitalizando e removendo seus papéis sociais, enquanto a modernização, pelo seu toque voluntário, se não voluntarista, chega à sociedade por meio de um grupo condutor, que, privilegiando-se, privilegia os setores dominantes. Na modernização não se segue o trilho da “lei natural”, mas se procura moldar, sobre o país, pela ideologia ou pela coação, uma certa política de mudança.3

Na mesma linha, Perry Anderson traduz a modernização nos países latino-

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americanos como “um eco tardio e deficiente dos paises centrais”. Para ele, o modernismo é “o modo como as elites se encarregam da intersecção de diferentes temporalidades históricas e tratam de elaborar com elas um projeto global.”4 Esse projeto que procura uma homogeneização ou globalização, não se dá em um único momento e nem é estático, mas sazonal, seguindo os interesses das elites que se encontram no poder. A busca dessa modernização a qualquer custo acaba por mascarar, momentaneamente, realidades consolidadas sem que as novas sejam totalmente assimiladas pela maioria da população. Existem diferentes “surtos” modernizadores e o Brasil já passou por vários,

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como aqueles que apresentavam as ferrovias como sinônimo de progresso; aqueles que decidiam modificar a estrutura arquitetônica das cidades, tornando-as mais arejadas para o bem da saúde pública; aqueles que pregavam a industrialização como única saída e, ainda, mas não por último, os que asseguravam à ciência todos os poderes desenvolvimentistas. Percebe-se que os dois conceitos – modernidade e modernização – apesar de teoricamente serem considerados distintos, são entendidos, pelo senso comum, como se o primeiro só fosse alcançado a partir do segundo, ou seja, o processo de modernização leva ao objetivo maior que é a modernidade. Apesar de boa parcela da historiografia tratar esses momentos como nacionais, eles não atingiram todas as localidades brasileiras ao mesmo tempo nem da mesma

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maneira. Os chamados processos modernizadores, conduzidos primeiramente pelo governo imperial e depois pelo republicano, tiveram mais sucesso nas principais cidades, destacando-se o Rio de Janeiro enquanto capital do Império e depois da República e nas parcelas letradas da população das cidades menores. Essas elites letradas, informadas pelos jornais dos acontecimentos ocorridos nas grandes cidades, procuravam dirigir o processo modernizador, principalmente no centro das cidades, ou

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seja, nos locais de maior visibilidade política, alcançando apenas uma pequena parte da população. Essas diferenças puderam ser observadas durante pesquisa5 realizada em seis cidades situadas geograficamente muito próximas (Fig.1) e que já fizeram parte de um mesmo município, hoje denominado São Francisco do Sul, ou seja, Joinville, São Francisco do Sul, Araquari, Balneário Barra do Sul, Garuva e Itapoá.

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Fig. 1. Mapa da região nordeste do Estado de Santa Catarina evidenciando as cidades estudadas. Fonte: IBGE, 2006, base cartográfica digital: folhas São Francisco do Sul, Araquari e Joinville, escala 1:50.000

Pertencendo inicialmente à então Capitania de São Paulo, a Freguesia de Nossa Senhora da Graça do Rio São Francisco, criada pelo Alvará Régio de 18 de dezembro de 1656, compreendia o território que ia de Paranaguá até aproximadamente onde se encontra a cidade de Balneário Camboriú, envolvendo, portanto, os espaços hoje ocupados pelas seis cidades em estudo e várias outras que não serão estudadas neste

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trabalho. Em 1849, uma parte considerável daquele território foi desmembrada criando a então Colônia Dona Francisca, que deu origem, em 1851, a Joinville e outras cidades. Anos mais tarde, em 1876, Parati, atual Araquari, passou à condição de Vila, desmembrando-se de São Francisco do Sul, sendo o Município instalado em 1877. Depois disso seguem-se as emancipações de Garuva de São Francisco do Sul em 1963, Itapoá de Garuva em 1990 e Balneário Barra do Sul de Araquari em 1992.

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Deve-se destacar que a criação de Joinville a partir da colonização promovida por uma companhia colonizadora germânica – a Companhia Colonizadora de Hamburgo de 1849 – propiciou a vinda para a região de uma grande quantidade de imigrantes que implementaram a colonização não só de Joinville, mas também dos municípios vizinhos. Posteriormente, em meados do século XX, a mesma cidade, que teve suas características industriais acentuadas, recebeu grande quantidade de migrantes vindos de várias partes do país, inclusive das localidades vizinhas, tornando-a a mais populosa6 e o maior pólo industrial do estado de Santa Catarina.

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Os discursos modernizadores, no entanto, chegam na pequena cidade de Joinville, de cerca de vinte mil habitantes, no final do século XIX e início do XX. A imprensa escrita da cidade apresentava, à população letrada, notícias sobre a nova moda que atingia as principais cidades da Europa e que o Brasil tentava copiar, ou seja, a necessidade de se modernizar. Naquele momento, essas preocupações modernizadoras estiveram ligadas, principalmente, às questões sanitárias que invariavelmente levavam a população a situações de doenças que ameaçavam a todos. Nesse sentido, o discurso científico é também o discurso da modernidade. Somente o povo educado poderia ser

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moderno, civilizado, como salientava o Relatório do Prefeito de Joinville em 1922:

[...] a não ser sob o ponto de vista da higiene pública, [Joinville é] um dos mais adiantados municípios do Estado. [...esgoto a céu aberto e a criação de animais nas ruas] Absurdos que os povos civilizados não toleram por serem 7 condenados pela higiene .

A intolerância à falta de instrução esteve presente em inúmeros discursos modernizadores e todos os males do mundo moderno eram atribuídos à ignorância da população. Além das doenças, como citado anteriormente, também aspectos da cultura regional foram vistos como sinal de atraso. Acreditar em lendas ou mitos, por exemplo, era desta forma, sinônimo de ignorância. Os “mais ilustrados” procuravam explicar, através da razão, o que eram, na verdade, os monstros vistos pelo “homem simples ou

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supersticioso”, mostrando-os como fruto de “peças” pregadas pela escuridão e pela natureza, cujos ventos, ruídos e vários tipos de sons e objetos, faziam os “nativos” darem corda à imaginação.

Então, batendo o queixo, no terror doentio do homem supersticioso, procura esconder-se no fundo da canoa, franzido de pavor, na antevisão desoladora de espectros macabros de “mulas sem cabeça”, de “boy-tatás”, de “lobishomens”, a cujos malefícios atribui aquela súbita mutação do cenário circunvolvente.8

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Em um país onde a maioria da população era analfabeta é natural compreender que os discursos modernizadores não atingiam a maioria da população, mas apenas uma parcela e essa parcela atingida ainda hoje mantêm a representação de que só o ignorante acredita em lobisomens, bois-ta-tás, bruxas ou outros mitos. Percebe-se que entre os entrevistados9 que moram no centro urbano e possuem um “status” social mais elevado dizem que nunca viram qualquer daqueles “seres” e repetem os discursos modernizantes, relacionando-os ao atraso. Segundo Canclini, em 1890 havia no Brasil “84% de analfabetos, 75% em

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1920, e, ainda em 1940, 57%”, o que não poderia garantir uma difusão real dos ideais modernistas. Para ele, a existência dessa massa enorme de excluídos facilitava a dominação. “Os desajustes entre modernismo e modernização são úteis às classes dominantes para preservar sua hegemonia, e às vezes, para não ter que se preocupar em justificá-la, para ser simplesmente classes dominantes.”10 Desde o início do século XX, o discurso da cidade moderna ganhava espaço nos principais periódicos, legitimando a derrubada das construções mais antigas, tudo em nome da higiene e/ou da beleza, como se pode ver no comentário de “Um Catarinense”

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publicado no jornal A Razão de São Francisco do Sul em 13 de março de 1920.

Nossa igreja, que está situada no começo de uma pequena praça, si ao visitante impressiona bem pelo seu interior, impressiona mal pelo seu exterior, por ser sua frente ainda um atestado daquela falta de gosto que se nota em quase todas as construções portuguesas dos tempos colônias [...] Assim a demolição daquele renque de casas acachapadas, de janelas quadradas e pequenas, e de telhado pesado e enegrecido, que olham para a Igreja e enfeiam a praça se imporia como uma necessidade.[...] não só a demolição desse renque de casas do tipo colonial falado, si não a de toda a quadra, [...]Seria o ponto mais belo desta futurosa cidade[...] de modo que esta cidade, que já tem uma estrada de ferro cortando-a e um porto sempre animado de vapores, que lhe levam para fora mate e madeira, bananas e camarões, não apresente mais este aspecto triste, que tanto nos faz lembrar os tempos da arquitetura do: feio e forte para durar uma eternidade!

A cidade que olhava para o futuro, que já tinha até estrada de ferro, a cidade

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“futurosa” como diz o trecho acima, não poderia ter construções que lembrassem o passado, para ser moderna era necessário demolir o feio, o antigo. As demolições no centro da cidade de São Francisco do Sul realmente aconteceram e o que está preservado, desde 1988 pelo Patrimônio Histórico Nacional é o que sobrou das derrubadas ocorridas no início do século XX. Essa onda modernizadora, no entanto, não atingiu as localidades mais afastadas e que também

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pertenciam àquele município, ou seja, onde hoje estão Garuva, Itapoá, Balneário Barra do Sul e Araquari. Se pensarmos que naquela época Araquari era recém emancipada de São Francisco do Sul, ela ainda não possuía um centro cívico passível de ser remodelado, não sendo atingida por essas “novidades”. Essa preocupação com a arquitetura da cidade, em Joinville, aparece com mais força um pouco mais tarde, a partir da segunda metade do século XX quando muitas medidas ligadas à infra-estrutura urbana tiveram que ser tomadas por conta do crescimento populacional desordenado ocorrido no período. Nesse momento surgem

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conflitos, principalmente, quando se tem que escolher entre abandonar o tradicional, que passou a ser considerado atrasado, pelo moderno, parâmetro de desenvolvimento, progresso.

Há que considerar, porém, as imposições do progresso, numa cidade nova como Joinville, que está procurando modernizar e tem que seguir os impulsos evolutivos da época, em que a poesia das tradições é desprezada se não puder harmonizar-se com as exigências do conforto na concepção atual11.

Essa afirmação de que o progresso tem um preço que, para o autor do texto era o de trocar “a poesia das tradições” pelo moderno, nem sempre foi aceita por todos.

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Os defensores das tradições de Joinville afirmavam que substituir o único pelo comum era uma coisa incoerente de pessoas que não conheciam e não tinham apego à cidade, eram atitudes tomadas por “pessoas de fora da cidade”. Discretamente acusava “os de fora”, ou seja, os migrantes, de estarem descaracterizando a cidade ao substituir as construções tradicionais por monstros funcionais que estão invadindo quais gigantes a Cidade dos Príncipes. Substituir uma coisa feita aqui, [...] que nasceu aqui, [...] que é difícil encontrar pelo Brasil afora, por uma coisa de toda parte [...] sem raízes, sem pátria, uma coisa fria, sem calor, sem apego ao chão em que foi colocado12

Se por um lado o discurso modernizador era passado por uma elite letrada que

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queria se impor, por outro lado também havia resistência ao novo que, no caso da citação anterior, era de uma outra elite que sentia estar sendo substituída.13 Tentava-se impedir o que Canclini chama de hibridismo cultural, formado pela mescla entre diferentes tipos de culturas, o que, segundo o autor, é natural e impossível de se evitar. No entanto, a intensidade e velocidade com que essas mudanças ocorrem podem ser diferentes e também podem gerar conflitos. “A incerteza em relação ao

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sentido e ao valor da modernidade deriva não apenas do que separa nações, etnias e classes, mas também dos cruzamentos socioculturais em que o tradicional e o moderno se misturam”14 Esta velocidade de integração entre o tradicional e o moderno, citada por Canclini, fica muito clara quando se analisa a realidade das comunidades que estiveram afastadas dos discursos modernizadores, quer seja pela própria distância física dos locais em que moravam para os centros cívicos das cidades, quer por não terem acesso aos meios de comunicação ou às idéias modernizadoras.

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Apesar de já serem habitadas nos períodos em que os discursos modernizadores chegaram ao centro das cidades de Joinville e São Francisco do Sul, as demais localidades eram, na época, afastadas dessas cidades e talvez por isso mesmo, o fato de aderirem ou não àquelas idéias, não chegava a incomodar as elites no poder. As pesquisas de campo e as entrevistas orais realizadas nas seis cidades mostraram claramente a permanência de crenças e mitos que foram menosprezados pelos discursos modernizadores em diferentes localidades nas atuais cidades de Araquari, Balneário Barra do Sul, Itapoá, Garuva e também entre as comunidades que

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moram mais afastadas do centro das cidades de Joinville e São Francisco do Sul.

Z: Aparecia [assombração, lobisomem] porque na época [...] a comunidade era pequena, então não existia a movimentação que existe agora, que agora nós estamos num município, [Itapoá] é uma cidade, virou cidade há muitos anos já, faz quatorze anos que virou cidade. Então agora já não é mais sítio e de primeiro aqui nós tínhamos só moradores pescadores só. Você saia daqui para Itapema, Barra do Saí a pé pela praia porque não existia estrada e você iria encontrar, se visse uma pessoa lá embaixo, ou se viesse de lá para cá [...] Naquela época existia, agora a gente não vê, porque agora é comum se encontrar uma pessoa e não saber quem é[...]15

A elevação de uma localidade para a condição de cidade parece transformar as relações sociais na medida em que a população cresce e dá lugar ao desconhecido. Por outro lado, todos aqueles que afirmaram tê-los visto, dizem que atualmente não

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aparecem mais. Apesar de, há mais de vinte anos, os intelectuais estarem tentando retirar dos mitos e das lendas brasileiras o estigma de serem sinônimo de crendices oriundas de populações atrasadas e ignorantes16, percebe-se que, mesmo assim, eles ainda estão ligados àquela concepção. As contradições nas falas da população entrevistada são muito claras, as pessoas mais jovens dizem conhecer muitos mitos e lendas, mas afirmam não acreditar, pois “isso é coisa dos antigos”, “é bobagem”, denotando um

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menosprezo ao que não é moderno, atual. A cidade moderna afasta os “monstros” que eram identificados como Lobisomem, boi-ta-tá ou assombrações, porém, ela traz outros, mais modernos, conhecidos como ladrões, ou “gente de tudo quanto é tipo”.

[...]Bom, toda cidade que a gente nasce a gente gosta, não é? Pra mim [São Francisco do Sul] é a melhor cidade do mundo, para mim morar. Agora, está ficando ruim, por que veio o progresso e o progresso está nos atrapalhando. [...] além de nos prejudicar no futuro, a nossa fauna, a nossa flora, nosso rio, [...], e com o bojo do progresso, vem muito ladrão ai, ta enchendo de gente, tudo quanto é tipo de gente, ta enchendo de gente, de gente que eu nunca vi..[...] A gente não conhece mais ninguém, no meu tempo eu sabia quem era.17

A imagem que se faz da cidade moderna, a cidade que tem progresso é a de um local onde vale o impessoal, onde “a gente não conhece mais ninguém”. A própria modernidade cria novos medos e mitos que, talvez, venham a substituir os antigos. Nas cidades com orla marítima a especulação imobiliária pode ser vista como um desses novos medos, já que afasta o morador nativo que, sem recursos nem

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instrução, não tem como se defender. M: E daí também vieram tirar o nosso. A senhora vê, que é uma rua direitinha, costada pelo mato, vai embora, ele não veio fazer uma casa ali? E não veio fazer uma casa na praia, que ele não pode? [...] Eu sei que construiu, a senhora vê, nós quase ficamos sem nada! S: Mas o pai da senhora comprou essas terras de quem, a senhora sabe? M: Meus pais? Compraram não, eles ganharam dos pais deles, e ele também comprou um pedaço. Ele ganhou da velha mãe dele, da velha Joaquina.18

A valorização das terras devido a infra-estrutura urbana que vai sendo criada atrai uma elite que financia e sonha com novos projetos que trarão a modernidade para esses lugares ainda considerados afastados

S: A Costa do Encanto, que é um projeto do Governador [...] acho que vai sair, [...] vai estar asfaltado daqui [Itapoá] até Joinville, aí nós vamos conseguir essa ligação aqui por dentro, aí sim, aí eu acredito que a partir daí o Joinvilense vai começar a vir para Itapoá. [...]Nós vamos ter o paranaense entrando e saindo por Santa Catarina, [...] então vai ser um passeio muito bonito.[...] aí vamos ter o turista realmente, [...]o projeto? Ele tem um plano diretor, vamos dizer, que só pode ser vendido tais coisas, não vai deixar assim, haver uma poluição visual, nada, as estradas vão ser asfaltadas da maneira que elas são: é para andar devagar mesmo! São estreitas. É uma estrada estritamente turística, tipo lá em Camboriú, que fizeram aquela Interpraias, que é para você andar devagarzinho mesmo, uma coisa muito bacana, vai ser muito bom isso aí.19

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Assim, percebe-se que as cidades mais novas, que não foram atingidas pelos surtos de modernização no século XIX ou no início do século XX, estão passando por eles agora, porém com um agravante: os discursos não se atualizaram, eles permanecem os mesmos daquele período e continuam sendo dirigidos por uma elite. Vê-se ainda que o que era sinal de “atraso” no início do século XX, ainda o é na atualidade, denotando um descompasso histórico de quase um século!

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Não será tratado aqui o conceito enquanto relativo ao período historicamente conhecido como aquele que separa a Idade Média da Contemporânea ou a evolução do conceito desde então, mas somente ao que se refere às concepções direcionadas à história do Brasil. Sobre o conceito de forma mais integral ver REIS, José Carlos. História & Teoria. Historicismo, modernidade, temporalidade e verdade. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003; FAORO, R. Existe um pensamento político brasileiro? São Paulo: Ática, 1994; CANCLINI, Néstor Garcia. Culturas Híbridas. São Paulo: EDUSP, 2000. 2 FAORO, R. op. cit. 3 FAORO, R. ob. cit. p.99. Grifo do autor. 4 PERRY, Anderson. Modernity and Revolution. In: New left Review, n.144, mar-abr, 1984 Apud CANCLINI, Néstor Garcia. Op.cit. p.71 e 73. 5 “Representações sociais sobre o patrimônio histórico e pré-colonial dos municípios circunvizinhos à baía da Babitonga”. Pesquisa desenvolvida entre 2003 e 2006 pelo Grupo de Pesquisas História Regional e financiada pela UNIVILLE e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNPq. 6 O Censo Demográfico do IBGE de 2000 atribui para Joinville uma população de 429.604 habitantes; Araquari 23.645; Balneário Barra do Sul 6045; Garuva 11.378; Itapoá 8.839; São Francisco do Sul 32.301. 7 RELATÓRIO DA GESTÃO DOS NEGÓCIOS DO MUNICÍPIO DE JOINVILLE DURANTE O ANO DE 1922. p.138, 139. Ver mais sobre este assunto em GUEDES, Sandra P.L. de Camargo. Instituição e sociedade: a trajetória do Hospital Municipal São José de Joinville 1852-1972. Joinville: Movimento & Arte, 1996. 8 THIAGO, Arnaldo S. Pescadores da Babitonga. Bom fruto de árvore boa. Um pescador germano-carijó. Razão. São Francisco do Sul. 15 dez. 1928. p.l 9 Foram aplicados proporcionalmente à população dos seis municípios 853 formulários, de forma aleatória, visando-se uma homogeneidade entre os sexos e abordando as pessoas em diferentes pontos das cidades. 10 CANCLINI, N. Ob.cit. p.69 11 PULLS, J.J. Tradição que desaparece. Jornal A Notícia. Joinville, 14 dez. 1963. 12 SCHNEIDER, Adolfo Bernardo. Incongruências. Jornal A Notícia. Joinville, 25 nov. 1971 13 Ver mais sobre este assunto em GUEDES, S.P.L.C. Representações sobre a cidade: Joinville e a modernidade. Anais do XI Encontro Estadual de História. no prelo. 14 CANCLINI, ob.cit. p.18 15 ROSÁRIO, Zózimo Neres do. Zózimo Neres do Rosário: depoimento [jun. 2003]. Entrevistadora Alessandra Dias Bello. Itapoá, 2003. Entrevista concedida ao projeto de pesquisa Escravidão e Preconceito em São Francisco do Sul. 16 A substituição da palavra “folclore” por “cultura imaterial” e a sua inclusão como parte integrante do Patrimônio cultural brasileiro, no artigo 216 da Constituição Federal de 1988, fizeram parte desta tentativa de retirar o estigma de atraso ligado ás manifestações populares. 17 OLIVEIRA, Toríbio de. Toríbio de Oliveira: depoimento [set.2004]. Entrevistadora: Sandra P. L. de Camargo Guedes. São Francisco do Sul - SC, 2004. 1 cassete sonoro. Entrevista concedida ao projeto de pesquisa Representações sociais sobre o Patrimônio Histórico e pré-colonial da Baia da Babitonga. 18 SILVEIRA, Maria da. Maria da Silveira: depoimento [nov.2005]. Entrevistadora: Sandra P. L. de Camargo Guedes e Joelma Sartor. Itapoá - SC, 2005. 1 cassete sonoro. Entrevista concedida ao projeto de pesquisa Representações sociais sobre o Patrimônio Histórico e pré-colonial da Baia da Babitonga.

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AGUIAR, Sérgio Ferreira de. Sérgio Ferreira de Aguiar. depoimento [jul.2005]. Entrevistadora: Sandra P. L. de Camargo Guedes e Joelma Sartor. Itapoá - SC, 2005. 1 cassete sonoro. Entrevista concedida ao projeto de pesquisa Representações sociais sobre o Patrimônio Histórico e pré-colonial da Baia da Babitonga.

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