Tempos diversos, vidas entrelaçadas: trajetórias itinerantes de trabalhadores no Extremo-Oeste do Paraná.

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Tempos Diversos Vidas Entrelaçadas Trqetórlas Itinerantes de trabalhadores no Extremo-Oeste do Paraná

Robson Laverdi AOSQÜATW^(p!yBNTOS

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VIDAS ENTRELAÇADAS Trajetórias itinerantes de trabalhadores no Extremo-Oeste do Paraná

AOS QUATRí^^VENTOS

Conselho Editorial

Ana Lúcia R. Barbalho da Cruz Elizabete Berberi Magnus Roberto de Mello Pereira Cláudio DeNipoti Antonio César de Almeida Santos

Ficha Catalográfica

Laverdi, Robson Tempos diversos, vidas entrelaçadas; tra­ jetórias itinerantes de trabalhadores no extremooeste do Paraná. Robson Laverdi.— Curitiba: 2005, 341 p. Bibliografia. ISBN 85.86534.73-0 1.História ; 2. História regional do Paraná I. Titulo CDD981.622m 981.62

Copyright ©2005 by Robson Laverdi

Capa: Lai Bottmann Pereira 2005 Todos os direitos desta edição estão reservados à Casa Editorial Tetravento Ltda. CNPJ 02.615.734/0001-00 R. XV de Novembro, 1222 - 204 80060-010 - Curitiba - PR e-mai!: [email protected]

ww.aosquatroventos.com.b

A Albcmo e Aparecida, meus pais Ao Júlio, meu companheiro

A ilusão do migrante Quando vim da minha terra, se é que vim da minha terra (não estou morto por lá?), a correnteza do rio mc sussurrou vagamente que eu havia de quedar lá donde me despedia. Os morros, empalidecidos no entrecerrar-se da tarde, pareciam me dizer que não se pode voltar, porque tudo é conseqüência de um certo nascer ali. Quando vim, se é que vim dc algum para outro lugar, o mundo girava, alheio à minha baça pessoa, e no seu giro entrevi que ao se vai nem se volta de sítio algum a nenhum. Que carregamos as coisas, moldura da nossa vida, rígida cerca de arame, na mais anônima célula, e um chão, um riso, uma voz ressoam incessantemente em nossas fundas paredes.

Novas coisas, sucedendo-se, iludem a nossa fome de primitivo alimento. As descobertas são máscaras do mais obscuro real, essa ferida alastrada na pele de nossas almas. Quando vim da minha terra, não vim, perdi-me no espaço, na ilusão de ter saído. Ai de mim, nunca saí. Lá estou eu, enterrado por baixo de falas mansas, por baixo de negras sombras, por baixo de lavras de ouro, por baixo de gerações, por baixo, eu sei, de mim mesmo, este vivente enganado, enganoso. Carlos Drumonnd de Andrade (Farewcll, Rio de Janeiro, Record, 1996)

A gradecim entos

Este livro foi originalmente apresentado como tese de doutorado no Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal Fluminense - UFF, defendida em junho de 2003. Ao longo desta trajetória tive o privilégio e a alegria de contar com inúmeras contribuições. Inicialmente, agradeço a Marcelo Badaró Mattos, pela interlocução e o respeito com que me orientou na feitura do trabalho. Além do orientador, aos professores Marcos Alvito, Magali Engel, Paulo Fontes e Yara Aun Khoury, pelas participações nas bancas de qualificação e defesa; agradeço a todos pelos comentários críticos e a gentileza com que apresentaram suas sugestões. Sou grato também a Antônio de Pádua Bosi, Aparecida D’arc de Souza, Cássia Regina Gonçalves dos Santos, Célia Toledo Lucena, Dilma Andrade de Paula, Edmundo Fernandes Dias, Elder de Paula, Geni Rosa Duarte, Heloisa de Faria Cruz, João Fabrini, Maria Aparecida de Morais Silva, Marta de Almeida, Paulo Roberto de Almeida e Rinaldo Varussa, pelas valiosas discussões desde os primeiros passos da pesquisa. Aos professores da Pós-Graduação em História da UFF, especialmente Vânia Leite Fróes e Ismênia de Lima Martins. Aos meus alunos Liane Frederico e Márcio Sbaraini, pela ajuda na transcrição das entrevistas. Ao Curso de História da UNIOESTE pela liberação das atividades acadêmicas durante minha ausência. Ao apoio da CAPES, fundamental na viabilização da pesquisa. Aos depoentes, pela alegria de compartilhar sua companhia e narrativas. A minha família, e particularmente ao Júlio, agradeço pela companhia sempre tão sublime.

P r e fá c io

Robson Laverdi, como ele mesmo explica na intro­ dução deste Tempos diversos, vidas entrelaçadas, migrou, jovem, do norte paranaense para o Planalto Central, mais precisamente para Araguari, em Minas Gerais. Lá, sua traje­ tória de migrante rural ganhou ares urbanos, com o ingresso na Universidade, em Uberlândia. O abandono do labor agrí­ cola pelo oficio urbano do professor foi uma conseqüência. De Uberlândia para São Paulo, onde cursou seu mestrado, outro salto, do interior para a megalópole. A trajetória profis­ sional o levaria ao trabalho na Universidade Estadual do Oeste do Paraná, no Campus de Marechal Cândido Rondon. Feliz­ mente, para mim, houve também uma passagem por Niterói, responsável por nosso encontro. Sua trajetória migrante, com todas as mudanças e estranhamentos próprios, dotou-o de uma aguda sensibilida­ de para escutar, indagar, analisar e conhecer outras migra­ ções, como as que ele nos apresenta neste livro. E se esta sensibilidade transpira de cada página que escreveu, não foi o único ingrediente para a construção que me cabe apresen­ tar. Há aqui também uma elevada dose de inquietude intelec­ tual, um apurado senso crítico e a virtude da permanente des­ confiança em relação às respostas fáceis que caracteriza os bons historiadores, como Robson. Seu objeto de pesquisa foi sendo construído e reconstruído conforme estas suas virtudes foram sendo exer­ citadas no desenrolar do estudo. Partindo do estranhamento ante uma cidade que parecia estratificar-se rigidamente entre os “de dentro” (chegados no início da colonização, na déca­ da de 1950) e os “outros”, “de fora” (migrantes mais recen­ tes), inicialmente se propôs a investigar a migração do cam­ po para a cidade daqueles setores que não se enquadravam no estereótipo rondonense do colono, germano descendente,

importante para a auto-imagem oficial de uma cidade que se esforçava para apresentar-se como a mais germânica do Paraná. Cedo constatou que suas preocupações iniciais, em­ bora justificadamente construídas, eram limitadas e foi mui­ to além. Constatou a imensa diversidade das origens dos que migraram para Cândido Rondon. Achou, entre outros(as), mineiros, baianos, capixabas, pernambucanos, mas também catarinenses, gaúchos e paranaenses de outras regiões. Per­ cebeu, porém, que não migravam para Rondon. No mais das vezes, sua trajetória de migrações incluía Rondon num rotei­ ro muito mais amplo, construído ao sabor da luta pela sobre­ vivência, da busca pelo trabalho, alimentada é certo pelo mito da terra da fartura no Paraná e da fronteira aberta no Oeste do estado. Migração rural urbana também não foi uma via de mão única e a cidade aparece como um ponto da trajetória, mais duradouro para uns, tão provisório quanto paradas an­ teriores para outros. E não couberam facilmente na análise as imagens tradicionais de “velhos” pioneiros, pequenos proprietários, de origem nas famílias germânicas do Rio Grande e Santa Catarina, conquistadores do território e empreendedores do progresso, contrapostos aos “novos” migrantes, vítimas da modernização agrícola e da chaga do latifúndio em outras regiões do país, empurrados pelas circunstâncias para a re­ gião, na qual eram muitas vezes tomados por indesejáveis. Indo mais fundo, na análise, Robson não apenas pode cons­ tatar a pluralidade das trajetórias dos “de fora” e seu peso na construção da cidade, como demonstrou que trajetos de mi­ gração mais longos já eram visíveis desde os anos 1950. Mesmo os “pioneiros” não foram todos incorporados como pequenos proprietários e empreendedores, sofrendo muitas vezes das mesmas dificuldades que os “de fora”, que os emXll

purraram por caminhos de migração diversificados, que não necessariamente desaguaram numa idealizada Rondon. Marcos importantes das diferentes conjunturas - an­ tes a “marcha para o Oeste”; depois a ação da colonizadora Maripá; mais tarde a construção de Itaipu e o surgimento do lago que mudou a paisagem e a relação com a terra em parte significativa da região; e mais recentemente a fase da propa­ ganda turística centrada na germanidade dos anos 1980 - são inseridos na análise, a partir da escuta atenta dos depoimen­ tos de quase trinta pessoas, para esclarecer o quanto os condicionantes sociais influíram nas escolhas, constrangidas é certo, dos que viram a saída na itinerância. Para tanto, Robson nos deu uma lição valiosa sobre as possibilidades do trabalho com depoimentos, através da história oral. E o fez fugindo às regras escolásticas dos ma­ nuais, mas atento aos referenciais teóricos sobre a memória, os mundos do trabalho e os conflitos sociais, bem como aos procedimentos metodológicos necessários para escapar à ten­ tação de procurar nos testemunhos apenas a confirmação das certezas acumuladas pelo pesquisador em suas outras fontes. Tudo isto sem cair na ingenuidade analítica de tomar a coe­ rência elaborada pelo depoente em tomo de uma trajetória vista “de hoje” como algo que dispense o olhar crítico do historiador. E, principalmente, com imenso respeito pelo que tinha a dizer cada um desses entrevistados e grande capaci­ dade de traduzir não apenas seus sotaques e vocabulários diversos, mas também seus sentimentos mais fundos, reve­ lados apenas porque entre entrevistado e entrevistador se es­ tabeleceu uma relação de confiança e, por que não, cumplici­ dade mesmo, entre sujeitos em diferentes papéis que com­ partilham ainda assim esperanças comuns. 0 que fica de mais marcante da leitura atenta deste livro, no entanto, é que esses trabalhadores - sim, fundamen­ xiii

talmente estamos a tratar de trabalhadores e trabalhadoras e a busca pelo trabalho foi em grande parte o guia de suas via­ gens - não foram simplesmente empurrados de um lado para outro pela modernização agrícola, pelo alagamento da barra­ gem de Itaipu, ou pela crueldade do latifúndio em seus locais de nascimento, embora todos esses constrangimentos este­ jam presentes em suas trajetórias. Robson nos mostra que, apesar de tudo, seus depoentes foram, em grande medida, protagonistas de suas próprias trajetórias: fazendo escolhas, recusando situações consideradas absurdamente indignas e/ ou injustas, buscando melhores oportunidades e se recusan­ do a aceitar o prato frio como inevitável. Em certo sentido, suas itinerâncias foram o resultado de uma atitude rebelde em face da idéia de que “não há alternativas”. Como eles, esperamos continuar a construir alternativas. Este livro, exem­ plar autêntico de uma leitura alternativa - crítica e rica - de um passado fortemente atravessado pela memória oficial da região do Oeste paranaense, é um estímulo e um exemplo das outras possibilidades. Saibamos aproveitar sua leitura.

Niterói, setembro de 2004 Marcelo Badaró Mattos

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S umário Prefácio...................................................................................... xi Introdução............................................................................. 01 Capítulo I - O passado colonial e a construção do “ outro” O “outro” como problema histórico........................................... 19 A historiografia da colonização: usos e lugares da memória.... 27 Do local ao regional................................................................47 Migração rural-urbana e a urdidura de trajetórias...............54 Modernização agrícola e processos sociais...............................62 O presente germânico............................................................... 66 Memórias individuais, sujeito coletivo...................................... 70 Capítulo II - Por um mapa de itinerâncias Os números da migração e as itinerâncias.................................85 Tempos diversos, vidas entrelaçadas.........................................92 Itinerantes do Sul ....................................................................121 Trajetórias transfronteiriças .................................................. 130 Trabalhadores urbanos gaúchos e catarinenses........................135 As itinerâncias e o olhar político............................................... 141 Capítulo III - Memórias dos estranhamentos Dimensões plurais do estranhamento....................................... 153 Estranhamentos e trajetórias sociais........................................161 Afirmando identidades em meio ao estranhamento.................. 174 Os estranhamentos e a luta pela moradia................................193 Estranhamento e linguagem.................................................. 205 Os matrimônios.......................................................................213 Os estranhamentos na vivência escolar...............................219 Estranhamentos e alteridades no conflito de classes........... 224 Capítulo IV - T rabalho e inserção social na fronteira As memórias do trab alh o ......................................................235 Pracinha e a importância da lembrança............................... 240 Trabalhadores de múltiplos tempos e lugares...................... 260

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Anos 80 e o trabalho das mulheres.............................. 273 O trabalho e a pobreza...............................................285 Mundos do trabalho e paisagemsocial esgarçada............ 292 C o n s id e r a ç õ e s f in a is

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F o n t e s e B i b l i o g r a f i a ................................................ 324

I ntrodução Muito tem se dito em favor da cultura de nossa região que, infelizmente, até a presente data foi alvo de infiltração de todo e qualquer tipo de cultura, oriunda de vários lugares, que às vezes nem mesmoteveoutra finalidade a não ser de obterbons resultados financeiros, desprezando a formação cultural própria do nosso povo. Conscientes da necessidade de se evitar esses atravessadores e procurando manter acesa a chama do desenvolvimento cultural e da própria criação de valores culturais (...) os diretores de departamentos de várias municipalidades da região tomaram a peito o desafio de manter e elevar a cultura autóctone do oeste (O Alento,1980).'

Este livro nasceu da preocupação de historicizar os processos sociais da afirmação de um “outro” ou “de fora”, constituintesdasexperiênciasdetrabalhadoresquemigraramparao município de Marechal Cândido Rondon, localizado na porção extrema Oeste do estado do Paraná, próxima da fronteira com o Paraguai, nas décadas de 1970 a 1990. Inicialmente, o eixo dessa formulação assumiu muitas direções, sobretudo a do meu estranhamento, como morador chegado àquelacidade em 1997, à insistênciadasvias institudonaispublicase privadas locais acercada predominânciada identidade alemãcomo uma dimensão exclusiva de suaformaçãopopulacional. Aoestranhamentoiniáalsomavam-seoutrosekmentos, mais concretos. Um deles é umpórtico imponente em estilo germânico Enxaimel, eiguido na entrada principal da cidade. Aliás, o mesmo estilo arquitetônicoespalhou-seprincipalmenteno centro da cidade, estimulado pela Lei de Incentivo Fiscal 1627/86, que aufere por tempo determinado descontos e/ou isenções do IPTU para os comerciantese moradoresinteressadosnasuaadoção. Porfim, outro elemento é a realização anual, desde 1987, da Oktoberfest (Festa de Outubro), que sepretende ser“amais simpáticado Brasil”.Além

disso, era dignade destaquea circulaçãovariadadejornais, revistas, cadernos c o m e m o r a t i v o s d e turismo e alguns outdoorsde propaganda, que destacavam as qualidades de Marechal Cândido Rondon, considerada“a cidade mais germânica do Paraná” ou “a terceira cidade em qualidade devida do estado do Paraná”. Noutramaigemdesse estranhamento, constatavaque, além do projeto de implementação do turismo para o desenvolvimento econômico local, tais propagandas ensejavamde muitos modos a constituição de umamemóriahegemônica do lugar. Num primeiro plano,já observavasua imersão emambigüidades e contradições. Primeiramente, pda projeçãodaidéiade eldoradorepresentadapela novafionteira. Alémdo esquecimentodastensõeshavidasnopassado e vividasno presente, essetombuscariagarantiro prolongamentoda corquistapelasforçasdominantes,travestidoemumuiànismoregionaL Outrasvezes, a estruturação dessamemóriaapresentava-se calcada emversões românticassobrea colonização ocorridanos anos 1950 e 1960 do século XX, legitimadas pelas memórias dos primeiros migrantesmaisbem-sucedidoseoonômicaepoliticarnente.Alémdisso, uma permanência da idéia deseletividadedo elemento humano? de origem européia alemã e, em menor escala, italiana, cujas quafidadesexponendaisforanivalorizadascomoatributosdistintivos empregadospek CompanhiaIrdustrialMadeireiraColonizadOTaRio Paraná SA - MARIPA,que executou a suacolonização. Essa dimensão da ocupação, segundo a qual se buscou selecionar os primeiros agricultores sulinos idealizados pela colonizadora, deixoumarcasprofundasna memóriasocial regional, chegando a setransformar emanimo hierarquizador das trajetórias migratóriasaportadasnaqueleespaço posteriormente. Outrasvezes, ^douadelimitarumadiferenciaçãoentreosmigrantesquechegaram antes dos quevieramdepois, para os quais seatribuíramestatutosde pertendmento bemdiferenciados. Subliminarmente, no cenário do viver cotidiano, observei outrasquestõesquedesafinavamas cordasda memóriahegemônica. 2

Na paisagemsocial, bastantemarcadapda presençadetrabalhadores comtraços fisionômicos de ascendência européia, provenientes do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, haviatrabalhadoresvindos de diversas partes do país, alguns chegados à região no início da colonização. Nodia-a-dia, sendoeuummorador“defora”, inquietavamme as insistentes indagações ou classificações com que eram recepcionadosos recém-chegados: “vocênão é daqui?’ou “vocêé fora?’. Otom da expressão, enigmático, impressionavamais que o seu conteúdo estrito, intrigando-mee a outros que compartilhavam do meu convívio. De todas essas constatações, certamente a mais contundente e artificialesca era a tentativa de constituição de uma memóriaúnica, ancoradanaafirmaçãodeumaidentidadegexmânica. No escopo dessas preocupações, preciso sublinhar a circulaçãodo polêmicoProjeto deLei n°003/97-CM, apresentado à CâmaraMunicipal em 14de abril de 1997, que visava instituir a Carteirinha do Cidadão Rondonense, com a finalidade, dentre outras, deidentificaro munídpe, possibilitaro ingressogratuito nas festividadesoficiaisdo Município; garantiratendimentopreferendal no Hospital e no Pronto Socorro 24 horas e o fornecimento de medicamentos nas Secretariasfinsdo munidpio.3 Najustificativado projeto, afirmava-seque“o munidpio de Marechal Cândido Rondontem se destacado, regionalmente, pelo esforçoematendersobremaneirao seuMunídpegratuitamente. No entanto, porfàltade critériosou parâmetroslegais, esseatendimento vemsendoofereado a todos quantoschegaremao Munidpio’\4Em termos práticos, “para obter o documento de que trata a Lei, o interessadodeveráapresentarfotografiarecentee títuloeleitoralcom domicíliono munidpio deMarechal Cândido Rondon”.5 O Projeto de Lei foi pardalmente vetado pelo prefeito da época, em 2 dejunho de 1997, que questionou o seguinte: “a área onde está situado o Parque de Porto Mendes não pertence para a munidpalidade de Marechal Cândido Rondon, a qual é mera 3

detentora de permissão de uso cedida pela Itaipu Binacional”.6 Segundo os termos do veto, “há claro e inequívoco interesse da admiristraçãopúblkarrijniàpalemprivatizaraáreadelazer(toParque de Porto Mendes e, para tanto, as providências iniciais e cabíveis estão sendotomadas”.7

Considerados os termos do Veto, pouco comprometidos com o elemento essencial do debate, qual seja o pertendmento e a classificaçãode diferentestipos de cidadania, a Lei regulamentouos critériosde comprovação do domicOioeleitoral comoquesitopara a obtenção da Carteirinha. Tal exigência pareceu estar muito relacionadaa um dos argumentosfundadoresdainiciativa: regraro atendimento público às populações transfronteiriças, talvez prindpalmentede“brasiguaios”. Alémdaproblemáticade fronteira, observavano cotidiano dos moradores da periferia um universo de vida comum de trabalhadorespobresedetrajetóriasmigratóriasvariadasecomplexas, cujasdemandas eramfortementemarcadas pelalutaportrabalho e pela sobrevivência social e material. Algumas dessas questões, entretanto, impulsionaram a redefinição do projeto e passaram a orientaras discussões. Deoutromodo, emaisimportante, apesquisaganhounovos sentidos e horizontes com o trabalho de História Oral, por abrir caminhos para historidzar os significados e as dinâmicas sociais narradas pelos próprios protagonistas, até então obscurecidas pela historiografiae ausentesda memóriahegemônicaregional e local. Comojá haviaumapreocupação acentuadacomos modos de viver e as trajetórias dos trabalhadores, voltei o foco para suas memórias e não para uma história dos grandes temas ou acontecimentos, comoa colonizaçãoou asuacrise. Épredso ressaltar, todavia, que essenão foi o caminhoque privilegiouos depoimentos orais como a documentação principal. Ao contrário, a riqueza de elementos substanciais que emergiram das narrativas modificou o escopo da pesquisa, tomando imperiosa uma revisão das versões sedimentadas. Se por umlado os depoimentos orais contribuírampara o alargamentodos horizontesespadai e temporal da análise, por outro passarama restringiro conjuntodocumental de outros suportesque havia levantado sobre o espaço local, particularmente o material 5

jornalístico e oficial relacionados com o projeto de germanização. Desta feita, os depoimentos orais adquiriramum estatuto de maior importânciaqueo planejado, pondoemquestãoo desafiodetrabalhar comos dilemas inerentes ao seu uso quase exclusivo. No que se refere à seleção dos depoentes, desde o início buscou-se compreender os desdobramentos da colonização para os trabalhadores migrados para Marechal CândidoRondoa Nesse sentido, a definição dos primeiros depoentes privilegiou os trabalhadoresmigradosdo campoparaa cidadeno período posterior a 1970. Abem daverdade, numprimeiro momento optei por ouvir os migrantesruraisque aportaramnacidadenastrês últimasdécadas do séculoXX, tentandorecuperarosregistrosmemorialistaseoutras indicameaumtempobemanterior, oda colonizaçãoplanejada. Surpreso, pude interceptar trajetórias de trabalhadores chegados à região nas décadas anteriores não como pequenos proprietários, mas na condição de meeiros, parceiros, arrendatários, agregados e assalariados, o que contrariava uma das bases da memória oficial, segundo aqual os migrantes haviammigrado parao trabalho como colonos, tomando-se mais tarde pequenos proprietários de terras. Deoutromodo, o tecidocomplexodastrajetóriasdificultava 6

a composição de qualquer panorama estatístico populacional das migrações para a região. Não se desejavamesmo esquadrinhar ou agrupar, como propõemos estudos demográficose populacionais, quaisquerdados sistematizadossobre essesmovimentos. Aquestão central da pesquisa não se resolvia na apresentação dos números, masna qualificação dos sujeitos sociais, a fimde desmistificar suas imagenssimplificadasemnúmeros. Embora municiado por alguns vetores dos estudos migratórios sobre a ocupação paranaensedurante o séculoXX, foi somentenotrabalhocomos depoimentosquepassa a compreender melhora fragilidadedessasabordagens. Haviaverdadeirosvácuos de sentidos, principalmente em relação aos fàzeres históricos das trajetórias, subsumidosna abordagem da migração dos grupos, as chamadas“frentes” de ocupação. Quanto àstrajetóriassociais, elasde fàto não poderiamser expressas emnúmeros, hajavistao grau de efemeridadedasestadas ros diferenteslugaresporondeosmigrantespassaramouosmúltiplos itineráriosde suastrajetórias, alguns dos quais inconclusos. Nesse caso, cabelembrarque as narrativas selecionadas são de migrantes que, porcircunstânciasvariadas, permaneceramno Oeste do Paraná ou quemigrarampara outras regiões e depois retomado. O primeirodesafioda discussão surgiu do fàto denão estar investigandoumgrupofechadodemigrantes, quetivessemchegado nummesmotempo oubuscassemseconstituircornoumgaipo coeso emtomo de suasidentidades. Essaabordagemtalvezsó pudesse ser trabalhadase priorizassea análisedos primeirosmigrantesdo tempo da colonização, o que não era o meu propósito. Todavia, com a maturação da pesquisa, fui percebendo que a contribuição estaria justamente no tratamento dessa trama heterogênea de trajetórias amalgamadas na constituição daquela fronteira, em grande parte empobrecida pela memória oficial, esta, sim, alimentadapela noção demovimentosmigratórioscoesosnosgruposfechadosdemigrantes. Tal questão se apoiavana idéiàde que qualquer projeção estatística 7

estava fadada a se perder na rede pouco explicável da mobilidade temporária que marcava esse espaço de fronteira. O desafio posto eraencontrarumcaminhoatravésdoqualpudesseoperaressariqueza de experiências no plano analítico, enquanto procedimento metodológico de recortedasfontese emseutratamento. Anecessidadedeavançarestavacolocadaenão haviaoutra alternativasenãopôramão namassa. Compus, assim, umconjunto de 28 depoentes, cujo principal critério de seleção foi a audição dos trabalhadores chegados no espaço urbano entre os anos 1970 e 1990, independentemente dos tempos e lugares de origem Além dessecritério, adotei comoprincípiogeral nãoprivilegiarmoradores deumúnicobairro, deumúnico oficio, deumamesmafàixaetáriaou de mesmo um marco cronológico de chegada Esse caminho constituía-se num cuidado sempre lembrado, talvez não de todo satisfatório, denão estereotiparaindamaisostrabalhadoresnointerior da gangorra do ser ou não alemães, construída e alimentada pela memóriaofidaL Embora o horizonte da diversidade tenha sido um compromisso levado com muita seriedade na composição do conjunto, sempreestivecientedequeumaseleçãonuncaéneutra. E, nesse caso, a diversidadebuscadafoi qualificadora dos sujeitos no interiordadassetrabalhadora, emsuasmaisdiferentesestratégiasde lutaeem seus modos devivo-e trabalhar. Emfàce da problemática, não foi feita uma distinção entre aqueles trabalhadores pequenos proprietários rurais ou mesmo agregados, assalariados ou meeiros. Outro aspecto importante que vale lembrar é o da aproximação e do envolvimento comos depoentes, assimcomo do processo de feituradas entrevistas. Desdeo prindpio não organizd um organograma dos informantes que entrevistaria. Procurei, outrossim, construirumnúdeo inicial de depoentes quejá me eram conheddos, atento às evidêndas trazidas por suas trajetórias, que meaproximaramde outrosentrevistados. Tampoucoutilizd roteiro ou temário na condução das entrevistas. Sua produção tentou

enveredar-se nas próprias narrativas e, sempre que possível, tenta articular as narrativas com referenciais lembrados por outros depoentes. Noutras palavras, busquei amarrar o conjunto dos informantescomoumprocedimentoinspiradonofàzer“etnográfico” de viverno meio social investigado. Procura evitar as tradicionais indicaçõesde pessoas consideradaslegitimadasparafàlare passei a ficar atento às indicações dos próprios trabalhadores. Assim, fui compondo uma trama de informantes da mesma forma que os informantes foram compondo minha problemática. Alguns entrevistadosforaminterceptadosnarua, entreumaconversaeoutra como transeunte, o gari, ojardineiro, a doméstica, adona-de-casa. Os primeiros entrevistados foram moradores da Comunidade Católica do Bairro Primavera, que conhecera em 1998 e 1999, quando ajudarana formação deum núcleo daPastoral Operáriade Marechal CândidoRondon Naquda épocajá via nessacomunidadeuma outra cidade muito diferente daquela apresentada pela memóriaoficial. No ano de2001 retomei ao Bairro Primaveracomo pesquisador, movido ainda por muitasinquietações acerca do distanciado abismo que se abriaentre estes mundos fisicamentetão próximos. Ali começara a tecer a trama dashistóriasdevida que, à frente, tinhamcomo certo um inextricável desafio do viver humano, entre afetividades e confidências, medose esperançascompartilhadas, cujaprofundidade talvezsejainenarrável. No âmbito das motivações pessoais que me levavam à pesquisahá que sublinhar uma intersecção existente entre a minha própria trajetória migrante com as histórias de vida investigadas. Noutraspalavras, encontrava-menacondiçãode sujeitodapesquisa, o quedenenhumamaneiratratei comoumproblema. Pelo contrário, ajudou-me deveras na interpelação aos sentidos das memórias migrantes. Havia eu migrado com minha família, em 1988, do meio rural de Cianorte, no Noroeste paranaense, para o mundo urbano 9

deAraguarí, uma média ddade da região do Triângulo Mineiro. Nesse movimento, nos incorporávamos cheios de esperança, ainda que já tardiamente, a outros grupos de trabalhadores paulistas, paranaensesegaúctosquereocuparamafronteiraagríooladocerrado brasileirono Planalto Central no pós-1970. Comoummigrantebuscai algumentendimentodasnovas realidades que encontravano novo lugar. Muito especialmente, das descobertas feitas durante o Curso de História da Universidade Federal de Uberlândia, onde ingressei em 1991; do movimento estudantil; do meutrabalho de bóia-fnaetambémdavidaurbanade uma casaalugada na periferia. Semcontartambémcomas perdas, como adapequenapropriedadefamiliarnoParanáparaopagamento de financiamentosbancários, alémdos amigose outras referências do antigolugar. De algumamaneira, todas essassituaçõesdo êxodo rural, em cujas pontas havia duas culturas tão diferentes, se amalgamaram ao meu fàzer como pesquisador e profissional da História. A meio caminho da graduação abandonei o trabalho na roçacomafemília. Não maisresistiaàquelarotinadetrabalhopesado e estudo. Quando chegava da Universidade era noite avançada, porque residia emAraguari e estudava em Uberlândia. As cinco horas da manhã já predsava estar de pé, e de marmita na mão enfrentavamaisumajornada detrabalho. Porumtempo fui caixeiro de guichê rodoviário e professor substituto de diversas matérias, inclusivede matemática, quando então memuda paraUberlândia, em 1994. EmUberiândiatoma-me professor-estudantenuma escola de ensino fundamental na periferiada ddade, que tinha dificuldades de compor seu quadro docente. Sobravam aulas, porque a escola era longedo centro ou porque o bairro onde ficavaeraviolento. Ali trabalhd por um ano e pude conhecer mais de perto os viveres dos trabalhadoresurbanospobres. Muito diferentementedasadvertências estereotipadasquerecebiados colegasdetrabalho, conseguiarealizar 10

atividadesimito interessantesdeinvestigaçãohistóricacomosalunos acerca de suas trajetóriase dos mundos do trabalho dos moradores do bairro. Durante o curso de mestrado na PUC/SP, forjado pelas dificuldadesde sobrevivência emSãoPaulo e Minas, lancei-me em buscadetrabalho. Finalmenteem 1996ingressei comoprofessor do Curso de História da UniversidadeEstadual do Oeste do ParanáUNIOESTE, no CampusdeMarechal CândidoRondon, localizada na pequena ddade da fronteira para onde migrei e trabalho até os Na UNIOESTE tive a oportunidade de desempenhar diversas atividades. Umaddas, que memarcou especialmente, foi a da coordenação do Centro deEstudos, Pesquisase Documentação daAmérica Latina - CEPEDAL, onde por quase dois anos pude íàmiliarizar-me, e inquietar-me, comastensõesimplícitasnaslutasde memóriano espaço social do Oeste paranaense. No acervo, pude constatarumagestãodadocumentaçãooraleescritamito organizada emtomo da colonização e dos primeiroscolonizadores, sobretudo em suas demandas de posteridade. Pude constatar também uma fàrtaprodução historiográficano âmbito regional, constituídanum conjunto de trabalhos monográficos, dissertações, teses e livros memorialísticos sobre as pequenas cidades da região. A configuração desse conjunto ajudou-me muito na percepção dós grandes vácuos de significados dos atores nos processosmigratóriosreferendados. Por outro lado, as dificuldades na implementação de outros projetos de gestão da memória com diferentessuportes documentais e/ou produzidos por outros atores, fizeram-me atentar para os significados dessas demandas na constituição de uma pretensa memóriaunificada, tanto quando no esquecimento de outras memórias ou na perpetuação de silêncios interessados. No âmbitodovivercotidiano, comomigrante, predsei, mais umavez, aprendere praticar novos códigos de sobrevivênciasocial 11

e deapartação comos quaissãoiniciadosos‘‘defora”.A dificuldade de penetração nos espaços de convivência social ou mesmo o estranhamento aos modos de viver, marcados pelo cultivo de uma vidamaisprivadaemenos calorosa, fizeram-melutarpelainserção. Todavia, nofàzer-mecomomigrante, e historiador, desvendeinovos lugares,viveresemodosdetrabalhardesujeitospoucocontemplados pelamemóriahegemônica. Na produção dosdepoimentos, tomou-se necessáriauma mudança de perspectiva da cidade de Marechal Cândido Rondon para a trama regional do Oeste e da fronteira, tendo em vista principalmente o conjunto ampliado dastrajetórias e dos itinerários dos migrantes que formaram essa paisagem social. Embora os depoentes tivessem passado a residir no município em tempos diferentes, uma rede de motivações e significaçõeshistoricamente constituídas, muitasvezes não restritas aoviverlocal, os colocavam nummesmoplano. Apesquisapassou então aarticulararelaçãoentreaddade e o mdo regional maisamplo, por suavez subsumidadiantedamaior visibilidadedoprojeto degermanização, emsuatentativade construir uma identidade peculiarao munidpio. Épreaso sublinharque, até 1960, Marechal CândidoRondontinhaoutro nomeenão eraddade, era distrito. O distrito GeneralRondon, do município de Toledo, o centro da administração daMARIPÁ. A qualidadeque distinguiria Marechal Cândido Rondon do resto do território seria uma concentração de migrantes de ascendência européiagermânica E preciso ponderar, ainda, que a imagemda germanidade mostrou-se mais sedutora aos interesses econômicos locais, tanto quanto foi compartilhadapor muitosdos moradoresde ascendência germânica, hzya vista o poderio dos recursos simbólicos utilizados para esse fim. Embora evidendando uma dimensão da experiência sodal local, esta se mostrava muito descolada da formação dessa fronteira agrícola e da região como um todo. As trajetórias dos depoentesmostrarama importânciaemrestabdecera conexão entre 12

essesuniversoslembrados e esquecidos. Tomar a paisagem social da fronteira do Oeste do Paraná como umproblemahistóricotomou possível entretecer itinerários e experiências de sujeitos que lutam por terra e trabalho na região desde osanós 1950. Um dos caminhos importantes trilhados foi tambémde buscar compreenderessapaisagemno interiorde outras condições historicamente dadas desde a sua colonização, então auspiciada púaMarvhapara Oeste, desde o governo de Getúlio \fcigas. Desde as discussões motivadoras desse estudo, haviauma preocupação emtratar dastensõesvivendadospelostrabalhadores diante do projeto de germanização, especialmente de Marechal Cândido Rondon. No desenvolvimento da pesquisa com os depoimentos oraisfoi se mostrando interessante dialogar não mais comos referenciais delineadospela memóriaoficial e a bibliografia credenciada. Tomava-se cadavez maisimportante uma discussão do vivido na região como uma convergência de trajetórias e experiêndas. Sob esse prisma observava que os trabalhadores idealizavam o Oeste do Paraná como um lugar de destino igual a tantos outros quepoderiamter sido escolhidos. Umavez eleito esse destino, projetaramsonhosde conquistaos maisdiversos, o quetraz àtonaaimportândadeumoutrodiálogocomasversõesgeneralizadas sobreo papel sobrevalorizado da colonizadoraem suas vidas. E predso considerar que até então preocupava-me em demonstrar a pluralidade de sujeitosem detrimento da onipresente identidade germânica Apesar de atento para as narrativas, deixdme aindaarrastar pela correntezadas afirmações ofidalizadas. Por algumtempo tomd-me cativo da perspectiva de existênciade um “outro”, que se alimentavado gérmenda memóriahegemônicaque também ajudava a reproduzir. O alargamento do recorte espadai paraapaisagemsocial emsuadimensãoregional contribuiudeforma significativa para superar essas armadilhas postas no campo da memóriadominante. S

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A História Oral foi utilizada como uma importante metodologia de produção de narrativas individuais socialmente compartilhadas. Asnarrativas não forampensadaspara comprovar ou ilustrar os problemas de incompatibilidade entre as diferentes memórias sob tensão. Até porque a seleção dos depoentes foi mediada pelotrabalho de delimitação da problemática da pesquisa, como um sentido integrante de sua feitura. Noutras palavras, não busquei selecionar depoentes entre os tipos ideais consagrados e legitimados; massugeridospda intuiçãode ofido e a minhavivência nesse espaço. Sobre esse aspecto predso ainda chamara atenção para a questão dos usos dessas memórias. Elas não foram questionadas quanto à veraddade acerca dos processos sodais lembrados, mas tomadas como trabalhos da memória, em que os depoentes mostraram-se como sujeitos históricos protagonistas das transformações do lugare deles próprios. Esse caminho foi acentuando a fragilidade dos projetos identitáriosconstruídos, tendo emvistasuainexpressivaarticulação com os agentes sodais. Contudo, predso assumir o ônus de uma possível abordagembeligerante que mantive contra as memórias e os projetos dominantes. Mesmo tendo sido considerada uma perspectivaindesejadafoi a que se constituiu possível nas fronteiras doolharpoítkx^conrcsu^sodaleinteriocutornodebateacadêmico feito nesse espaçocircunscrito. Emlinhasgerais, o texto apresentado buscará discutir, não diretamente, comamemóriaoficial, maspormeiodaheterogeneidade de memórias que lhes impõe pressões e reelaborações. Pretendese, desse modo, não apenas apresentar novas versões acerca da composição da paisagem sodal do Oeste paranaense nas últimas três décadas do século XX, mas também, e fundamentalmente, apreender a riquezade significados desses processos, emparticular os modos comoviveramasmigraçõese os mundosdo trabalhonas intersecções do rural e do urbano, tanto quando seus fàzeres como 14

sujeitossodais emtransformação. Nessesentido, comohistoriadore sujeitoda pesquisa, sinto brotar dessa relação um entrelaçamento de significados da minha própriaexperiênciamigratóriacoma tramacomplexadastrajetórias dos depoentescomosquaisconvivoeinvestigo. No intuitode discutir as questõesapresentadasoigarazãotexto emquatro capítulos, assim constituídos: Noprimeirocapitulo, “O passado colonial e a construção do ‘outro”’, proponhoapresentara trajetóriadapesquisae promover a discussão teórico-metodológica que lhe dá sustentação, evidenciandoasquestõessuscitadaspelahistoriografiaproduzidano circuito regional Oeste do Paraná Na mesma direção, buscarei sublinharsilêndose esquecimentos recorrentesem suasabordagens e discutir alguns dos temas que a põem num plano de reificação da memória hegemônica Em particular, os rdativos a sua formação populadonal desde a colonização. Ainda em relação a essas preocupações, procurarei discutiros contornos de suacumpliddade com projetos dominantes mais amplos da afirmação identitária gexrnânicaúnica Coloca-setambémcomotarefe do capítulo problematizar osusosdasnoçõesde“outro” ou “defora”, quealimentamtipologias sociaisidealizadasou estereotipadas, ou aindaaconstituição deoutros estatutosde pertendmento, constituídos emparticularno conflito de dasses.Assimtambém, cabediscutircomo essasclassificaçõesforam plantadas na produção acadêmica ou mesmo perpetuadas no memoriafismolocal E preciso sublinhar que não se propõe esse caminho para compreenderasbalizasda memóriahegemônica, mas simpara abrir um outro campode investigaçãoquebuscahistoridzara diversidade detrajetórias e bagagens cultuais formadoras dessa paisagemsocial defronteira. O segundo capítulo, “Por um mapa de itinerâncias”, pretendemapearos itinerários detrabalhadorese os significados da 15

sua migração para o viver urbano em Marechal Cândido Rondon depois de 1970. Com o aporte de números migratórios oficiais, buscou-se discutir criticamente a abordagem demográfica dos processos migratórios na ddade e na região. O eixo da análise é historidzar as tramas das trajetórias relembradas pelos migrantes oriundos de diversoslugares e chegados emdiferentestempos. Propõe-se dialogar também com as trajetórias dos trabalhadores gaúchos e catarinenses migrados para e na ddade durantee depoisda colonização. A preocupação é desvendaralguns dos silênciosque os absorvem, cujaspresençassãolembradasmuitas vezes com argumentos para a defesada memóriahegemônica. Emlinhasgerais, buscou-se daborarumadiscussãoacerca do caráteritinerante e inconcluso dastrajetórias movidaspara esse lugardefronteira. Emtermos metodológicos, procurou-se dialogar comasmemóriasdetrabalhadoresprovenientesdevárioslugares e chegados em diferentestempos sem prescindir de qualquer forma de classificação ou tipologias idealizadas. O intuito é apreender as transformações dos sentidosda migração, sobretudo os mediados no embate de classes e não étnico. O terceirocapitulo,“Memórias dos estranhamentos”, se dispõe a discutiras memórias dos estranhamentosrecordadospdos trabalhadoresmigrados, procurando explorar as dimensõesplurais dessas tensões nos diversos espaços sociais do fazer-se da classe. Entretanto, não se pretendeuma apreensão dos estranhamentostal como supostamentetenham aconteddo, mas simdos trabalhos da memória envolvidos com as lutas de enraizamento ou outras transformaçõesde suasvidas. A proposta é de mergulhar no campo das narrativas do estranhamento e explorar suas dimensões no enfrentamento do racismoou outrosestereótiposproduzidosno campodadominação. Tanto quanto, discutirtambémalgumas expressões subliminaresdas tensões consubstandadas em silêndos ou esquecimentos. A idéia fundadora é situar os diferentes espaços sodais envolvidos nessas 16

tensões, procurando apreenda asdiferentesestratégiasutilizadaspara suatransformação ou superação. Porsuavez, éimportantesublinharquenãopõe emquestão a classificação dos estranhamentos lembrados, objetivando tãosomente discutiros sentidosdessasnanativasno campo de afirmação de alteridades da classe, nos espaços da sobrevivência social e do trabalho. Há, porém, que ressaltar o esforço para historicizar os sentidos dessas narrativassobre os própriosfazeres dos sujeitos, os quais enfatizaram seus papéis protagonistas tanto quanto foram transformadospor eles. Finalmente, noquaríoccpíãJo,‘Tr?baiho e inserção social nafronteira”, procurara discutir a importânciaatribuída ao trabalho pefosmigrantesemsuasmemórias. Dessemodo, propõe-seapreender asnarrativasdos depoentesacercados aprendizadosdenovosofícios ou profissões foijados pela migração, além de refietir sobre o significadodessaslembrançasnosprocessos deconstituição de suas alteridadesnaclasseou suasinserçõessodaisnosmundosdafronteira. Ao ater-me às narrativas, proponho uma incursão nos meandrosdos mundosdo trabalhodafronteira, buscando apreender alguns de seus embates e transformações. Pretendo debater com algumas idealizações projetadas nesse espaço, emparticular a sua referência como lugar de predominância da pequena propriedade agrícola. Nesse sentido, busca-semapear o universo das profissões e/ouofkiosdesempenhados, assimcomoseusaprendizados, tentando penetrar no campo das suas tensões. Além disso, buscarei discutir algumas das relações construídas pelos depoentes emtomo de suas memórias sobrevalorizadas do trabalho com outras lutas de enraizamento e inserção social. Interessa sublinhar que não almejo classificar ou comparar os diferentes ofícios ou profissões referidas pelos depoentes, menos ainda especificamente sobre uma ou outra categoriadetrabalhadores, masapreenderas alternativasconstruídas nos mundos do trabalho pelos migrados para a região, tendo em vista principalmenteas promessas de conquistada migração que os envolveram, as itinerânciase os estranhamentosvividos. 17

N otas 'O ALENTO. Mansdial CândidoRondon,if30, de7a 13deíèvaarode 1980, p. 7.Apud. STESN,MiacKlfeSbx.Aconsiniç3o(bDiscunodaGenncnidade em Marechal Cândido Rondon (1946-1996). Florianópolis, UFSC, Dissertação(MestradoemHistória),2000, p. 81. 2(XM*ANHIAINDU5IWALai*jCNIZADC®ARIOPARANÁ,MARIPÁ S/A. Relatório do Plano de Colonização, 1960, passim.

3ProjetodeLei n°003/97-CM,apresentadoàCâmaraMuniàpaldeMarechal CândidoRondon, em 14deabril de 1997,passim. 4Mem. 5Ldrf3.099,Art 4, daPrdèituradoMunicípiodeMarechal CândidoRondon, de2dejunhode 1997. 6\fetoPardal aoProjetodeLei003/97-CM, pela PrefeituradoMunicípiode Marechal CândidoRondem, de 2 dejunho de 1997. 7Ibidem.

C apítulo 1

O passado colonial e a construção do “outro” À medida que nos alongamos nesta viagem do tempo, toma-se claro que está emjogo algo mais que aritmética e, evidentemente, algo mais que história. Sem dúvida, para nos defendermos de relatos sentimentalizados c intelectualizados da 'VfelhaInglaterra’ precisamos do mais aguçado ceticismo. Ao menos algumas dessas testemunhas, porém, escreviam sobre suas vivências pessoais. O que é necessário investigar, nestes casos, não é a veracidade histórica, e sim a perspectiva histórica. Raymond Williams, 1989

O “outro” como problema histórico

O ponto de partida da pesquisa consistiu em dissecar os meandros do universo urbano de Marechal Cândido Rondon e os modos de vida de seus trabalhadores no pós-1970.0objetivo fundamental era compreender a dinâmica dos processos de estruturação da memória oficial em tomo do projeto de germanização e da construção de uma identidade única alemã. De igual maneira, buscava entender o rescaldo dos projetos dominantes para o viver dos trabalhadores, até então reconhecidos como “outros” na composição do tecido social. Com essa perspectiva a pesquisa caminhou por um amargo e demorado tempo. Embora a evitasse desde o início, havia no cerne dessa perspectiva uma dicotomia entre o universo da dominação, proveniente dos ventos da memória oficial, que coexistia no projeto mais amplo de germanização, e o universo dos modos de vida dos trabalhadores envolvidos nesses embates. Apesar de estar atento às dinâmicas complexas da legitimação de poder exercida pelas classes dominantes locais sobre os trabalhadores, ao entrevistá-los precisei rever tanto a forma como enxergava

esses trabalhadores quanto minha noção absolutizante dessas formas dominantes. Durante o desenrolardo trabalho, foi angustiante constatar não só a presença dessa perspectiva desde o início do projeto, como também- e inacreditavelmente- astentativas empreendidas para sua superação. Como havia umgrande interesse em explorar a pluralidade de sujeitos emdetrimento de umainsistente afirmação da identidade germânica, fui arrastado pela correnteza das afirmações que consubstanciavam a memóriaoficial. Como parte dessa opção, investigava de forma obstinada a possível contraposição dessas duas forças emjogo. Tal caminho tomoume cativo de uma dualidade que, em seu âmago, alimentava-se do gérmen da memória oficial que eu em parte ajudava a reproduzir, cegando-me às experiências dos sujeitos e à riqueza dos processos e transformações dessa paisagem social. Como a preocupação estava muito centrada nos processos sodais de construção do “outro” ou “de fora”, os caminhos da investigação assumiram implicitamente algumas direções apontadas pela historiografia regional produzida em diferentes momentos e por alguns de seus matizes socialmente legitimados. Tendo em vista as questões suscitadas no diálogo com a historiografia, tomou-se importante esmiuçar a trajetória da pesquisa, porque isso revelaria as discussões acerca dos problemas teórico-metodológicos centrais tratados na pesquisa empírica e o diálogo com a farta produção acadêmica sobre a região ao longo do século XX. Na literatura mais ampla dessa produção acadêmica, pude constatar uma dualidade estratificadora do tecido social profundamente enraizada. Esta questão era sustentada pela existência de uma relação desigual entre uma maioria de sujeitos sociais vistos como tipos ideais e de uma pequena minoria de “outros”, esporadicamente lembrados pelos seus papas pitorescos 20

e/ou exóticos exercidos no interior dessa composição. Essa distinção, fundamental para a compreensão dessa paisagemsocial, é particularmenteinquietantetendo emvista o fàto de se tratar de uma região queviveu ondas migratórias sucessivas. A primeira, e mais expansiva delas, ocorreu entre os anos 1950 e 1960, sob o influxo da ocupação empreendida pela Companhia Industrial Madeireira Colonizadora Rio Paraná S/A-MARIPÁ No contexto dessaprimeira onda migratória talvez tenha circulado um dos primeiros registros dessa perspectiva dualista, disseminado pelo antropólogo Kalervo Oberg e pelo estatístico Thomas Jabine. O estudo, publicado em 1960 por iniciativa e interesse do Estado, tomou-se uma importante baliza fundadora da perspectiva. No texto, há uma menção atribuída aos “lusobrasileiros” ou “caboclos”, grupo minoritário entre os nãodescendentes de alemães e/ou italianos que habitavam a região. Na versão desses autores: Os nomes luso-brasileiros aparecem, novamente, na parte mais baixa, da escala social, representados pelos trabalhadores caboclos que vieram em busca de trabalho. Esses estão fora da sociedade dos colonos, embora participem da economia do município (Toledo). Numa situação parecida, porém pior ainda, estão os trabalhadores temporários paraguaios, que vivem migrando de um lado para outro da fronteira.1

O estudo, de caráter etnográfico, partira do interesse institucional de relatar o que se chamou à época “Projeto de Desenvolvimento Regional da Zona Fronteiriça do Oeste Paranaense”. Evidentemente, tratava-se de uma avaliação dos primeiros desdobramentos da fronteira em expansão áàMarcha para o Oeste. Importante notar, entretanto, que a menção a esses trabalhadores foi emitida a partir de, Uma observação rápida quanto aos nomes dos indivíduos com preeminència na comunidade, [que] mostra luso-brasileiros nas

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repartições federais e estaduais, tais como na côrte distrital, na policia, nas coletorias, no correio e no banco. Os ocupantes dêsses cargos representam as autoridades estaduais e federais e, de certa forma, não faz parte da sociedade dos colonos.2

Embora o texto tenha abato algumas brechas para uma discussão calorosa sobre a dualidade entre quem era ou não considerado colono, no caso “luso-brasileiros” ou “caboclos”, evidenciava, já em 1960, uma dimensão interessante da diversidade da paisagemsocial constituídanaquele espaço. Assim, o problema permanece e requereu especial atenção nessa discussão historiográfica, em especial pelo modo como essa perspectiva foi sendo modelada posteriormente. Notas classificatórias sobre as minorias de “outros” continuaram a ser lembradas ou mesmo foijadas em diferentes momentos, sendo ainda recorrentes nos dias atuais. Essas referências permaneceram como atributos poderosos de classificação dos que não se enquadravam na paisagem social aspirada pela Colonizadora e nos projetos dominantes que lhe sucederam. As minorias foram sempre lembradas de maneira tópica, limitadas à constatação do seu número reduzido e da classe social baixa a que pertenciam. A medida que a pesquisa avançava com as narrativas orais, a apreensão desse “outro” envolvia-se cada vez mais na memóriaofidal emtomo da identidadeúnicae era, de certo modo, alimentada pela historiografia regional, ambas implicitamente acumplidadas e articuladas com os referendais mais amplos de tipos ideais europeizados e de valorosos trabalhadores preconizados pela Colonizadora. Entre os caminhos e descaminhos da investigação, a idéia de um “outro” deixava de ser uma constatação e podia então ser historicizada. O “outro” não se trataria portanto de mais de uma categoria analítica que operaria a compreensão do conjunto das trajetórias dos depoentes que investigava 22

Um exemplo de assimilação da perspectiva relacionada à idéia de um “outro” era minha própria percepção redutora dessa diversidade. Como ainda enxergava o “outro” sob a ótica da historiografia e sua tradição carregada de estereótipos e estratificações, ao iniciar o trabalho com as histórias orais de vida, príorízd depoentes que fossem nordestinos e negros, justamente por serem os maisvisados por essa lógica. Além de reproduzir a memória historiográfica/social produtora de “outros”, operava com os mesmos critérios seletivos, voltando-me, tão-somente, para o reverso do conflito. Diferentemente do que ocorreu no período da Colonizadora, as transformações decorrentes do processo de mudança econômica e cultural resultante da chegada de novos trabalhadores reivindicavam, de muitas maneiras, uma notação classificatória desse sujeito “outro”. Nas referências a esse processo, que constavam das narrativas dos sujeitos ou das observações, ainda que rasas, das transformações ocorridas no período posterior, as perspectivas sobre um “outro” arrefeciam. Além dos trabalhadores escolhidos de inicio para serem ouvidos, dispus-me a ouvir os trabalhadores migrantesvindos do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e do próprio Paraná, cujas trajetórias de lutas eram tão significativas quanto à dos primeiros selecionados e igualmente tendo as trajetórias pouco contempladas pelas versões oficiais. Independentemente de cor ou origem, dois fortes fatores identitários, a questão da classe é que as afasta da memória oficial. No convívio com a trama das trajetórias de trabalhadores, aos poucos foi-se alargando uma outra percepção de sujeitos que não me havia proposto a investigar. Valelembrar que a discussão em tomo dessa percepção do “outro” teve, na abordagem das alteridades por Tzevetan Todorov, a possibilidade de um mergulho crítico nesses referenciais. Assim, apontou o autor para o fato de que, 23

Pode-se descobrir os outros em si mesmo, e perceber que não se é uma substância homogênea, e radicalmente diferente de tudo o que não se é si mesmo; eu é um outro. Mas cada um dos outros é um eu também, sujeito como eu. Somente meu ponto de vista, segundo o qual todos estão lá e eu estou só aqui, pode realmente separá-los e distingui-los de mim. Posso conceber os outros como uma abstração, como uma instância da configuração psíquica de todo indivíduo, como o Outro, outro ou outrem em relação a mim. Ou então como um grupo social concreto ao qual nós não pertencemos.1

Embora as narrativas tenham se reportado de maneiras tão diferentes aos conflitos vividos no espaço ocupado, não apontaram para uma paisagem social hierarquizada em termos étnicos. Pelo contrário, ao relatarem suas trajetórias, e pelo modo comoolàziam, as narrativasreiteravamos papéis de protagonistas e não os de sujeitos que se autodeclaravam“outros”. Nesse caso, como enfatizou Todorov, o “outro” era abstração, no caso dessa pesquisa construída historicamente. Na procura de inspirações teórico-metodológjcas para o desvendamento desse “outro”, foi especialmente instigante o contato com o estudo etnográfico “Os estabelecidos e os outsiderf', de Norbert Elias, de 1964 mas publicado no Brasil somente em 2000. Ao trabalhar com o conflito entre os dois grupos da pequena cidade inglesa de Winston Parva, esse autor observou que: Os dois grupos (...) não diferiam quanto a sua classe social, nacionalidade, ascendência étnica ou racial, credo religioso ou nível de instrução. A principal diferença entre os dois grupos era exatamente esta: um deles era um grupo de antigos residentes, estabelecido naquela área havia duas ou três gerações, e o outro era composto de recém-chegados. A expressão sociológica desse fato era uma diferença acentuada na coesão dos dois grupos. Um era estreitamente integrado, o outro não.4

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A dimensão da antiguidade de um grupo em relação ao outro, destacado por Elias, foi certamente um dos pontos importantes analisados. Entretanto, sua maior contribuição residiu não somente na análise da forma como esses grupos interagiam, mas do processo dinâmico existente no interior de cadaum desses grupos. Ao se reportar ao grupo outsider, Elias argumentou que “os recém-chegados eram desconhecidos não apenas dos antigos residentes, mas também entre eles; não tinham coesão, e, por isso, não conseguiam cerrar fileiras e revidar”.5 A falta de coesão era um atributo forte do viver dos outsiders de Winston Parva, trazendo-lhes as implicações que teciam o conflito. O principal deles constituía-se nos diferentes tempos de chegada na cidade: O grupo de ‘famílias antigas’de Winston Parva (alguns membros do qual, evidentemente, eram muitojovens) tinha um passado comum; os recém-chegados não. Essa era uma diferença de grande peso, tanto para a constituição interna de cada grupo quanto para a relação entre eles. O grupo estabelecido de antigos residentes compunha-se de famílias que haviam morado naquela região por duas ou três gerações. Elas haviam atravessado juntas um passado grupai - do passado para o futuro através do presente - que lhes dera um estoque de lembranças, apegos e aversões comuns. Sem levar em conta essa dimensão grupai diacrônica, é impossível compreender a lógica e o sentido do pronome pessoal ‘nós’ que elas usavam para se referir umas ás outras.4

A falta de coesão dos migrantes destinados ao Oeste apresentava uma similitude em relação ao grupo estudado por Elias e, por certo, constituía-se num problema que merecia ser historidzado. No caso, a itinerância dos migrantes era um atributo que, embora de difícil tratamento, dava contornos próprios ao não agrupamento de migrantes vindos para a região. Tal diferenciaçãofàzia distanciar-medessa abordagem naformacomo ela se apresentava, ou seja, preocupada exclusivamente com as 25

tensões entre os grupos envolvidos. Como vimos atentando, um “outro” sujeito foi um problema alimentado ou evidenciado nos estudos da região. A questão, de uma maneiraou de outra, foi tambémproblematizada pela pesquisa de Marcos Nestor Stein, especificamente em atenção à cidade de Marechal Cândido Rondon, cujo destaque foi a existência de um sentido ideologjzado da afirmação de um “outro”: A leitura desses discursos, legitimados pela historiografia, apresenta a imagem de uma cidade que, devido ao seu caráter étnico e homogêneo, era um local sem conflitos, um local de solidariedade entre os habitantes, quando há uma percepção da não permanência dessas relações buscam-se as causas desta mudança em pessoas vindas de ‘outros lugares’.7

É preciso sublinhar que a cidade de Marechal Cândido Rondon, desde o final dos anos 1960, foi alvo de severas acusações de se constituir num porto de paragem de possíveis nazistas, dentre elesJoseph Mengele, que desde o fimda Segunda Guerra teriam migrado para a cidade em face da concentração de ascendentes alemães chegados desde os anos 19S0. Aludiuse também ao fato de a ddade abrigar organizações neonazistas articuladas na contemporaneidade. Embora pouco prováveis, essas alusõesimpregnaramos espaços sodais com imagensmuito poderosas acerca de um possível VIReich no Oeste paranaense. Independentemente da veracidade ou não dos argumentos, sobrevivem como imagens míticas deümitadoras de um “outro”. A pechatem raízes profundas. Como investigouo próprio Stein, que dedicou um capítulo inteiro de seu estudo sobre essa questão, a polêmicateria sido lançadanuma reportagem doJomal da Tarde, de maio de 1968, que teria denunciado a existência de nazistas em Marechal Cândido Rondon. Na ocasião, destacou Stein, “esse episódio não ‘correu’ somente à ‘boca pequena’, mas foi motivo de celeuma no Brasil e em boa parte do mundo, 26

por vários órgãos de imprensa (...)”.* A veiculação de imagens de uma eminente instalação do IV Reich em Marechal Cândido Rondon teve repercussão nacional, batendo às portas da Câmara dos Deputados Federais, em 12 de junho de 1968, por meio do pronunciamento de contestação às acusações, pelo então deputado federal paranaense Lírio Bertolli, da ARENA A mercê de especulações de toda ordem, esses temas passaram a fazer parte dos imaginários da ddade. Independentemente dejuízos de valor, apregoados na rememoração, essas imagens corroborarampara uma persistente rejeição de possíveis “outros” imprevistos entre os tipos ideais preconizados. Mesmo porque, como concluiu, Marcos Stein, “todavia, nos anos finais da década de 1970 e a partir da segunda metade da década de 1980 os mesmos ‘indícios’ de nazismo’ foram reapropriados, revisitados com o objetivo de construir a identidade rondonense, baseada na germanidade”.9 Historiografia da colonização: usos e lugares da memória Atemática da colonização, semdúvida, condensa a massa das preocupações dos historiadores e dentistas sodais estudiosos da região Oeste do Paraná, em todos os tempos. Embora exista um lastro orgânico nessas pesquisas voltadas aos processos de ocupação da região, esses trabalhos denotaram abordagens e problemas muitovariados, como veremos a seguir. Antes, porém, é preciso lembrar que a ocupação da região Oeste paranaense como fronteira brasileira é datada do início do século XX, realizada primeiramente por meio de empresas estrangeiras que utilizavam vários portos de navegação construídos às margens do rio Paraná. Até esse período, o território geográfico que abarcava a região era do domínio espanhol, iniciado nos idos do século XVII. 27

Por intermédio da Província do Guairá e da atuação dos jesuítas, a Coroa espanhola ampliou seu domínio, chegando a construir no espaço mais de uma dezena de reduçõesjesuíticas. Como ressaltou JoãoAugusto Colodel, a ocupação foi constituída sob muitos conflitos, principalmente quando entraram em cena os bandeirantes paulistas na busca de nativos, quando então passaram a atacar de modo sistemático as reduçõesjesuíticas do Guairá.10 O Governo do Estado tinha a prerrogativa de conceder terras, cuja produção era exportada para o Paraguai, Argentina e Uruguai. As terras localizadas à maigem esquerda do rio Paraná foram ocupadas por companhias estrangeiras que exploravam erva-mate e madeira nativas da região.11 Asformasdeocupaçãoapresertadaspelahistoriografiasobre o período predecessorao dacolonizaçãopriorizaramas abordagens sistêmicasdo processoprodutivoextrativista, entãopredominante.A obrage, como era chamado esse sistema, manteve-sefuncionando social e economicamente com a utilização da mão-de-obra de trabalhadoresparaguaios, osmensus. ComoobservouVfeldirGregoiy, Os paraguaios presentes na região faziam parte do contingente populacional que servia de mão-de-obra na Fazenda Britânia, antiga proprietária e exploradora de terras. Posteriormente, as terras pertencentes à Fazenda seriam vendidas à Industrial Madeireira Rio Paraná S/A. (MARIPÁ), que exploraria a região nos anos 50 e 60, sob a forma de colonização planejada e executada por empresa privada.11

É importante observar que a primeira metade do século passado (1902-1946) foi apresentada pela historiografia como uma das fases de ocupação da região, entre outras que viriam posteriormente, marcada sobretudo pelo extrativismo de domínio estrangeiro das terras brasileiras do Oeste. Esse processo teria se iniciado com a instalação da Companhia de Madeiras Del Alto Paraná. Como notou Neiva Maccari, tratava-se de uma 28

empresa inglesa com sede em BuenosAires, que adquiriu a área de terras denominada Fazenda Britânia, com aproximadamente 275 mil hectares, que hoje abrangem os municípios de Marechal Cândido Rondon, Quatro Pontes, Entre Rios do Oeste, Toledo, Nova Santa Rosa e parte do município de Palotina.13 Esses estudos enfatizaram, entre outras questões, o processo de exploração, os proprietários das empresas estrangeiras, os portos, a exportação de mercadorias e a violência sofrida pelos mensus, trabalhadores apresentados, sobretudo, na condição de vítimas da lógica predominante. As desintegrações da estrutura produtiva da obrage e de sua organização social foram também alvos da historiografia regional. Conquanto, foramestrotamente relacionadasà passagem da Coluna Prestes pela região, nos idos da década de 1920. Lembrou Venilda Saatkamp, nesse sentido que: A presença em 1925, por mais de seis meses, dos revoltosos da coluna Marechal Isidoro Dias Lopes originária de São Paulo, a passagem da coluna Prestes vinda do Rio Grande do Sul e ainda a lei dos 2/3 criada no Governo Getúlio Vargas, contribuíram para o enfraquecimento e destruição do império socioeconômico instaurado no oeste paranaense.14

A passagem da Coluna Prestes na região Oeste foi abordadatopicamente pela historiografia, considerada impactante emrelação aos seus resultadospráticos. Ressaltou, primeiramente, José Augusto Colodel, a importância da nomeação de Cândido Rondon por Arthur Bemardes como o comandante das forças legalistas que deveriamconter os revolucionários que operavamna região.15Outro feto é a atribuição do nome de General Rondon ao então distrito de Toledo antes de 1960. Mais tarde este seria o nome dado à cidade, com a patente militardevidamente atualizada. É possível inferirque tal homenagema Marechal CândidoRondon e a passagem da ColunaPrestes na região, de uma maneira ou de outra, têm uma relação muito próxima com esse momento.16 29

A questão da passagemda ColunaPrestes nessa fronteira no período anterior ao da colonização também foi mencionada por Neiva Maccari, que assim enfatizou: é importante ressaltar que a passagem das tropas revolucionárias contribuiu para a decadência das obragens, pois tendo em vista as denúncias feitas após a passagem da Coluna Prestes, com relação ao total descaso dos problemas da região e a presença de capital e mão-de-obra estrangeira, o govemo federal - através da chamada ‘Lei dos 2/3’ ou lei de nacionalização de fronteiras exigiu que as companhias instaladas em regiões fronteiriças empregassem no mínimo dois terços do quadro de seus funcionários de nacionalidade brasileira17

Na atualidade, o tema da passagem da Coluna ganhou notoriedade na região, hajavista a construção, na ddade de Santa Helena, do memorial em homenagem às tropas de Luís Carlos Prestes. Evidentemente, interessa ao munidpio a difusão desse acontecimento como incremento ao turismo. Em relação à “Lei dos 2/3” citada na análise de Maccari, foi freqüentemente referenciada também em outros trabalhos desse conjunto historiográfíco. Notou Liliane da Costa Freitag, que estudou pormenorizadamente a questão, que: A chamada Lei dos 2/3, aprovada pelo Decreto 19.482, em 1931, é um exemplo de uma série de medidas tomadas, dentre as quais o controle na entrada de estrangeiros. O referido decreto, entre várias outras cláusulas proibitivas, obrigava as empresas a comporem seu quadro de pessoal com uma maioria significativa debrasileiros.1'

Talvezsejaoportuno atentar para os sentidosmaisamplos tanto da discussão sobre a nacionalização da fronteira na região quanto da crise do sistema extrativista das obragens, porque se revelamelementos substandais para a compreensão das imagens da colonização produzidas posteriormente. 30

O primeiro desses sentidospode sertraduzido no esforço de sobrevalorizar à dramaticidade do cenário anterior ao da colonização. Nesse caso, a passagem da Coluna Prestes foi relatada como parte responsável pela civilização dessa ordenação social e produtiva caóticas. Como defendeu Miriam Zaar, a Coluna: Ocupou o local e combateu as obragens, pois elas representavam alguns dos vários aspectos pelos quais os revolucionários lutavam: de umlado, a miséria dos trabalhadores e de outro, as oligarquias enriquecidas às custas das riquezas nacionais.19

Um outro sentido, mais aparente, diz respeito ao nacionalismo defendido pelas ações governamentais nos âmbitos federal e estadual, no pós 1930: Característico da politica ideológica do Estado Novo, em que a Marcha para Oeste propunha que as fronteiras econômicas coincidissem com as fronteiras políticas. Para Vargas, o verdadeiro sentimento da brasilidade implicava em contemplar a ocupação do território através da colonização.20

Nessa mesma direção, a historiografia explorou o tema da nacionalização da fronteira brasileira defendida no e pelo Estado Novo, assim como sua articulação orquestrada pelos govemos paranaenses de Moisés Lupion e Bento Munhoz da Rocha, engajados a essa mesma diretriz política. As ações governamentais desses dois políticos foram importantes na definição do projeto de colonização e em seu encaminhamento práticojunto à MARIPÁ. Há que se destacar, nessas perspectivas, a valorização do Estado e dos govemos como os sujeitos históricos protagonistas da ocupação da região, além, é claro, da própria Colonizadora. De outro modo também, sobrevalorizam a importância da ocupação desse espaço, antes em mãos estrangeiras e, como tal, incivilizadas. Além da questão da 31

nacionalização da fronteira e dos projetos estatais coordenados organicamente aos da Colonizadora, e vice-versa, foram alvo de estudo as políticas estatais de combate às chamadas “fronteiras perigosas”, que representavam os espaços de fronteira desabitados. Nesse contexto é exemplar o estudo de caso feito por Liliane Freitag, que abrange basicamente o período que vai de 1937 a 1954.0 seu estudo recortou o município de Palotina, que embora pertença ao Oeste, teve sua colonização realizada por outra Colonizadora, aCompanhiaPinho e Terras Ltda. Como sintetizou a autora em sua atenção ao processo de ocupação daquelas “fronteiras perigosas”, no período: Se deu através da articulação de uma prática típica da nossa tradição histórica, ou seja, na centralização pelo Estado dos assuntos territoriais. O seu projeto nacional de expansão interna restabeleceu a idéia de um território que, pela sua população, fronteiras e recursos naturais se constituiu em suporte fundamental para o desenvolvimento e o fortalecimento do Estado Nacional.21

Tais abordagens estavam claramente preocupadas em justificar a colonização, tanto quanto muitas outras práticas. Em linhas gerais, nos estudos da colonização, do final dos anos 1940 até a década de 1960, os paraguaios que viviam na fronteira pareceram ceder lugar aos novos colonizadores à medida que as novas colônias foram soido instaladas. Observou Gregory, nesse sentido, que, “na medida em que a colônia recebia os ‘de origem’ [italo-germânica], que se dedicavamàs lides agrícolas e de criação, os ‘outros’ iam sendo dispensados”.22 De muitos modos, a colonização passava a ser defendida como superação dos problemas fronteiriços,justificando inclusive a dispensa coletiva dos sujeitos que aquijá habitavam. Essas dimensões da história da ocupação no período anterior à década de 1970, acima de tudo, sublinham o campo 32

da tensão e da complexidade que envolveu esses processos, ainda pouco estudados sob o ponto de vista da diversidade de sujeitos, de suas práticas e dos significados que lhe são constituintes. As versões dominantes então apresentadas relacionamse mais com as questões da formação da população desse espaço e com as diversas camadas de memória que mais tarde se somaram em tomo. Penso existirem grandes fendas nesse processo, que persistiram nos embates do presente, principalmente em relação às lutas pela constituição de uma memória oficial em detrimento de outras memórias esparsas, fragmentadas mas de ricas experiências, que parecem sussurrar aos ouvidos do presente. Em linhasgerais, observa-se que os trabalhos acadêmicos sobre colonização a partir do final dos anos 1940 e das diversas histórias publicitárias dos municípios se constituem num esforço de afirmação da região Oeste no contexto nacional e paranaense.23Nesse sentido, importa enfatizar que a colonização mantém-se como um tema de extraordinário interesse entre os pesquisadores. Nesse campo de estudos, muitos estudiosos privilegiaram a atuação da MARIPA no planejamento e execução da colonização, acentuando sobremaneira a sua força hegemônica na ocupação e nos traços atuais dessa sociedade. Há que se mencionar também, a produção expressiva de monografias motivadas por esses debates. Em outras palavras, a vasta produção acadêmica daí resultante aponta para as fortes preocupações do tempo presente com seu passado e suas heranças. Além do interesse pelo estudo da colonização, movimentado pela produção historiográfica local e regional, é preciso lembrartambém o forte apelo social na produção e difusão de sua história. Nesse caso, são de difícil quantificação as iniciativas institucionais de “guarda” da sua memória. /

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Embora se trate de uma iniciativa bastante recente, no Oeste paranaense foramcriadasvárias instituições de preservação da memória, caso do Centro de Estudos e Pesquisas daAmérica Latina (CEPEDAL) e do Núcleo de Documentação e Pesquisa (NDP), ambos constituídos como centros de documentação universitários vinculados à UNIOESTE, do Museu Willy Barth de Toledo, do Museu Histórico de Porto Mendes e do acervo histórico da PrefeituraMunicipal de Marechal Cândido Rondon. Acrescente-se ainda uma série de outras iniciativas e práticas de apelo à história da região, dentre elas: desfiles cívicos e festas dramatizando a colonização, publicação defolders e revistas em datas comemorativas, alémda produção do filmeA Saga, lançado em 1999, em relação ao qual houve de significativa expectativa no circuito regional e grande ritualização em sua exibição. Acerca das questões suscitadas pelas tensões entre a história e os usos da memória, observou Pierre Nora, que “os lugares de memória nascem e vivem do sentimento que não há memória espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso manter aniversários, organizar celebrações, pronunciar elogios fúnebres, notariar atas, porque essas operações não são naturais”.24 A profusão dessas iniciativas e de outras práticasvariadas de preservação da memória no circuito regional mostrou-se particularmente instigantes. Conforme ressaltou Nora: É por isso a defesa, pelas minorias, de uma memória refugiada sobre focos privilegiados e enciumadamente guardados nada mais faz do que levar à incandescência a verdade de todos os lugares de memória. Sem vigilância comemorativa, a história depressa os varreria. São bastiões sobre os quais se escora. Mas se o que eles defendem não estivesse ameaçado, não se teria, tampouco, a necessidade de construí-los.15

Importa notar que as contribuições de Nora amparamse na noção de que “há locais de memória porque não há mais 34

meios de memória”. Com outras palavras também observou que “fala-se tanto da memória porque ela não existe mais”.26Os lugares de memória compreendidos pelo autor baseiam-se numa noção de memória perdida, enclausurada e recuada por uma possível “aceleração da história.” No estudo do caso brasileiro, demarcou UlpianoBezerra de Meneses que os movimentos de proliferação de lugares de memória tratam-se também de uma questão atual, pois: Multiplicam-se as casas de memória, centros, arquivos, bibliotecas, museus, coleções, publicações especializadas (até mesmo periódicos). Os movimentos de preservação do patrimônio cultural e de outras memórias especificasjá contam como força política e têm reconhecimento público. Se o antiquariato, a moda retrô, os revivais mergulham na sociedade de consumo, a memória também tem fornecido munição para confrontos e reivindicações de toda espécie.27

No estudo em questão, vejo cintilar entre as fimbrias do processo social da ocupação regional outras fàces dessa dinâmica da preservação, quais sejam as dos conflitos entre memórias. Taisprocessos demarcammuito mais do queum possível processo de extinção da memória. Até mesmo, talvez, o seu contrário, no caso a extensão, a profusão e a riqueza das memórias produzidas nos horizontes da diversidade da paisagem social negados pela memória única fundada emtomo da colonização. Por umlado, nessatensão háum movimento de iniciativas redutoras e modelares, quebuscam construir, adensar e preservar os sentidos da dominação, asam como seus lugares privilegiados. Por outro, uma rede de outras memórias cerzidas na luta pela sobrevivência e relembradas pelo trabalho de intervenção da história social. Uma outra abordagem característica da produção historiográfica sobre a colonização, nas décadas de 1950 e 1960, baseia-se na idéia de “espaço colonial”. Este, por sua vez, seria 35

autoconstituído no interior do projeto nacional daquela fronteira agrícola, ancorando-se, sobretudo, no possível predomínio do minifúndio de unidade familiar. Tal perspectiva, recorrente em alguns trabalhos, abordauma realidade dada, ou então sua defesa como um modelo. Geralmente, esses trabalhos pontuaram o “espaço colonial” como um núcleo fundamental, “entendido por aquele espaço projetado e estabelecido a partir da estruturação da pequena propriedade da terra na qual os imigrantes, trazidos e saídos da Europa, e sais descendentes se instalaram, viveram e migraram”.21Ou da pequena propriedade agrícola colonial, vista enquanto exemplo de heroísmo de seus desbravadores, em que: WiUyBarth recebia os novos colonos, mostrava-lhes as terras, acompanhava-os durante o dia eà noite, cantava com eles para expulsar o cansaço, a tristeza e a saudade. Foi administrador muito seguro e como colonizador deu um exemplo de colonização e modelo de Reforma Agrária29

É consensual nos estudos sobre ocupação da região a importância dada à MARIPA, empresa privada, proveniente do Rio Grande do Sul, à qual foi atribuída a responsabilidade da organização, planejamento e execução do projeto de colonização do Oeste do Paraná. Tal atribuição muitas vezes é abordada sob a forma do grande consenso firmado entre os atores envolvidos, a começar pelo conjunto mais amplo de políticasde nacionalização das fronteiras brasileiras, via o Estado Novo, na Marcha para Oeste. Vale lembrar, também, a ênfase dada à intervenção do governo estadual na definição dos princípios e do controle dessa colonização no estado, bem como da relação mais ampla entre os diversos atores do processo. De acordo com Gregory: Trata-se da colonização empreendida pelas iniciativas de govemos e de empresas colonizadores, organizada na perspectiva de implantar a pequena propriedade,

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buscando estabelecer colônias habitadas por colonos euro-brasileiros, cuja organização produtiva se baseava na produção familiar. Projetar o espaço colonial, dedicar-se ao negócio da venda de terras foi possível porque tais atividades se tornaram lucrativas e se adequavam aos sonhos dos homens coloniais.10

Em sua própria síntese, sugere haver uma conciliação entre os mais diversos interesses e sujeitos na colonização. Ainda em sua análise: Diversos dados e diversas fontes mostram que a delimitação étnico-cultural foi realizada de uma forma competente e que marcou a região. Os próprios migrantes manifestaram tais desejos, sendo que os novos habitantes introjetaram este espírito da segregação. A nova terra seria exclusiva para colonos escolhidos. Esta conotação, apesar de mudanças ocorridas na região, continuou a se manifestar fortemente em décadas posteriores.11

Gregory estudou a colonização segundo a perspectiva de uma dinâmica da formação de um “espaço colonial” dado. De acordo com a estrutura de seu trabalho, importa notar algumas de suas apreensões principais. A primeira delas é a sua preocupação com o contexto nacional, em particular com o sul brasileiro, onde havia as experiências de implantação de colônias de imigrantes durante o século XIX no Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Esse se constituiria no modelo ideal dos projetos de colonização para o Oeste paranaense almejado pelo estado, já disponível enquanto experiência privada da MARIPÁpor meio de seus acionistas do Rio Grande do Sul e almejada pelos colonos. Uma segunda apreensão diz respeito à formação do Oeste no contexto da ocupação paranaense durante o século XX, segundo a qual os governos daquele estado manifestaram-se afinado?: ?:0 ovcoósitodo

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