Teologia da Libertação e a \" revolução da estrutura mítica \" do capitalismo

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Teologia da Libertação e a “revolução da estrutura mítica” do capitalismo. Jung Mo Sung Publicado em: “Teologia da Libertação e a ‘revolução da estrutura mítica’ do capitalismo. Revista Eclesiástica Brasileira. Petrópolis, v. 76, n. 304, p. 792-819, 2016. (ISNN 0101-8434)

RESUMO A substituição da ideologia do desenvolvimentismo dominante na origem da Teologia da Libertação pela ideologia neoliberal não significou somente uma mudança no modo de direcionar a economia capitalista no processo de globalização, mas também a substituição do “mito de desenvolvimento”, que prometia a universalização do padrão de consumo dos países ricos a todo mundo, pelo mito neoliberal do “mercado livre”. Este novo mito nega que o ser humano tenha direitos fundamentais anteriores ao mercado, “direitos naturais. Os pobres são considerados culpados pela sua pobreza e todo programa social, um roubo contra os que ganharam justamente a sua riqueza. Este mito produz uma cultura de indiferença social em relação aos problemas sociais e ambientais e uma agressividade contra os inimigos do mercado livre. Partindo do pressuposto de que um mito não se combate só com argumentos racionais, mas principalmente com um mito alternativo capaz de mostrar a desumanidade do mito vigente, este artigo analisa os desafios que esse novo mito idolátrico e sacrificial traz para a Teologia da Libertação. PALAVRAS-CHAVE: Teologia da Libertação. Mito do mercado livre. Neoliberalismo. Idolatria do mercado. Teologia e eonomia.

ABSTRACT: Replacement of the developmentalism ideology, dominant in the origin of Liberation Theology, by neoliberal ideology has changed the way of driving the capitalist economy in the globalization process, and also replaced "development myth", that promised to universalize the rich countries’ consumption standard to the rest of world, by the neoliberal myth of "free market." This new myth denies that human beings have fundamental rights prior to the market, "natural rights”. The poor are blamed for their poverty and every social program, a theft from those who just earned their wealth. This myth produces a culture of social indifference to social and environmental problems and aggressiveness against the enemies of the free market. Assuming that a myth cannot be fought only with rational arguments, but with an alternative myth able to uncover the inhumanity of the prevailing myth, this article analyzes the challenges that this new idolatrous and sacrificial myth brings to liberation theology.

KEYWORDS: Liberation Theology. Mith of free market. Neoliberalism. Idolatry of market. Theology and economy.

Toda teologia que se encarna nos conflitos e contradições da história e assume o desafio de ser uma reflexão teológica crítica a partir e sobre as lutas de libertação dos pobres e oprimidos – como a Teologia da Libertação Latino-Americana (TLLA) assumiu desde o seu início – tem que sempre reavaliar o contexto histórico em que está situado e a compreensão de contra o que está se lutando. A forma como compreende o seu contexto e o desafio marca o rumo da própria reflexão teológica, pois essa não é uma teoria sobre realidades “eternas”, ou sobre as realidades humanas sob a perspectiva da eternidade, mas sim sobre a experiência e os desafios de viver o “seguimento a Jesus Cristo” no contexto concreto e de ler “os sinais dos tempos”. Por isso, essa “leitura” da realidade social não pode ser vista como apenas uma “pré-teologia” ou como uma simples coleção do que as ciências do social já falaram. Na medida em que essa análise está em função da reflexão teológica a partir e sobre as práticas sociais e eclesiais, ela já é uma parte da teologia e está também influenciada pela perspectiva da teologia. Em uma linguagem simplificadora, podemos dizer que esse “ver” não é algo separado e independente do “julgar” e da reflexão sobre o “agir”. Esses três momentos fazem parte de um mesmo processo de reflexão e, por isso, cada uma delas está presente nas outras duas. A forma como se compreende o contexto histórico-social vai interferir na forma de pensar o agir, assim como a forma de compreender a revelação e ação do Espírito no mundo vai influenciar o “ver”. Este artigo não é sobre epistemologia teológica, mas, ao mesmo tempo, é importante deixar claro para o leitor ou leitora o que o autor pensa sobre o fazer teologia. Para isso, cito aqui uma afirmação de frei G. Gorgulho – professor que me iniciou nesse tipo de reflexão – sobre a tarefa da teologia que sintetiza o meu modo de fazer teologia: A teologia tem a tarefa de discernir entre o 'fetiche' e o 'Espírito'. Desta maneira, o ato teológico é um ato de discernimento ou de apropriação espiritual tanto do texto como da práxis para penetrar mais a fundo tanto nos mecanismo de morte e de dominação como na força da ressurreição e da vida plena do povo de Deus no mundo. A hermenêutica [bíblico-teológica] é um discernimento das armas ideológicas da morte e uma busca da força do Espírito da vida (cf. 1 Jo 4). (GORGULHO, 1990, p. 181. O itálico é meu.)

Voltando ao tema principal, a TLLA surgiu em uma época diferente da nossa. Apesar de vivermos sob o mesmo sistema capitalista, não podemos deixar de reconhecer que a atual configuração do capitalismo é bastante diferente. Podemos elencar aqui alguns pontos fundamentais que diferenciam a década de 1970 e a de 2010: a) a economia capitalista era pensada em termos nacionais e regionais, e hoje, em termos de globalização; b) a partir da década de 1980, tivemos uma revolução tecnológica (nas áreas de informática, biotecnologia e sistema de comunicação e transporte) que modificou, não somente o modo como as indústrias trabalham e a dinâmica do mercado consumidor, mas até mesmo as relações sociais e a própria noção de realidade com a criação de “redes sociais” e “realidade virtual”; c) a substituição da

ideologia do desenvolvimentismo, de inspiração liberal, para a hegemonia do neoliberalismo. A imposição de políticas neoliberais no mundo, a partir da década de 1980, não significou, no meu entender, somente alterações no modo de operar da economia capitalista em processo de globalização, mas também uma profunda transformação na consciência social com a introdução de um novo mito fundamental na sociedade que significou uma “revolução” na sua estrutura mítica. O objetivo deste artigo é analisar esse novo mito articulador da consciência social e o desafio que isso levanta à TLLA. Para isso, vamos ver, na primeira parte, os aspectos da realidade que são mais visíveis, as diferentes posições frente aos grandes desafios do nosso tempo: a brutal concentração de riqueza, com a consequente exclusão social, e a crise ambiental; na segunda, vamos "descer” ao nível do espírito que move a globalização hoje, as novidades do mito neoliberal; e na terceira, a confrontação com esse espírito-fetiche e os desafios para a TLLA.

1. Impasse frente aos grandes desafios da humanidade e a razão mítica. O mundo globalizado enfrenta hoje dois grandes desafios: a) crise ecológica, que mostra a sua face mais visível no aquecimento global; e b) a brutal concentração de renda que está gerando a maior desigualdade social da história e a exclusão social de uma parcela significativa da humanidade. Muito tem sido dito sobre a ecologia há décadas e agora cada vez mais ouvimos também falar da concentração de renda. Não somente os dados espantosos, como o de que pouco mais de 60 pessoas mais ricas do mundo detém a riqueza equivalente à soma de bens da metade mais pobre do mundo, mas a contínua tendência de concentração de riqueza tem levado muitas instituições e organismos internacionais a se posicionar criticamente diante dessa realidade. Alguns têm criticado essa situação a partir da noção de “justiça econômica” e dos direitos dos mais pobres a terem uma vida digna. Por ex., o Conselho Mundial de Igrejas, propôs a noção de “greed line” – uma linha acima da qual, a riqueza acumulada deveria ser considerada ilegítima – para combater o que chama de “economia da ganância” em nome de uma “economia para vida (de todos e da natureza)” (PERALTA & MSHANA, 2016); e o papa Francisco, em nome da Igreja Católica, tem criticado o que ele tem chamado de “idolatria do dinheiro” que produz as crises ambiental e social. Na verdade, o papa vai além da noção de “justiça econômica” e faz uma crítica teológica à economia ao usar o conceito de “idolatria do dinheiro” e de “divinização do mercado”. Isto é, ele usa um conceito da teologia – idolatria – e o aplica ao campo da economia. Na encíclica Laudate Si, ele diz: [...] os poderes econômicos continuam a justificar o sistema mundial atual [...] que tende a ignorar todo o contexto e os efeitos sobre a dignidade humana e sobre o meio ambiente. [...] , hoje, qualquer realidade que seja frágil, como o meio ambiente, fica indefesa face aos interesses do mercado divinizado, transformados em regra absoluta.” (PAPA FRANCISCO, 2015, n.56)

Outros organismos e instituições do “mainstream”, isentos de qualquer acusação de esquerdismo ou de “humanismo romântico”, como F.M.I. e revista The Economist, também têm mostrado preocupação com essa desigualdade, não em nome da vida dos

pobres ou da justiça econômica, mas da sustentabilidade do próprio sistema capitalista global. Há uma preocupação entre eles de que o atual nível e tendência de concentração de renda produzirá dois perigos ao sistema global: a) a crise social, com irrupção de conflitos internos e movimentos migratórios descontrolados; b) queda no crescimento econômico e consequente queda na taxa de acumulação do capital. Essa preocupação é tão séria que na primeira “Conferência sobre capitalismo inclusivo” (CARNEY, 2014), – promovida pela “Coalização por um Capitalismo Inclusivo” – realizada em 2014, em Londres, a diretora-geral do FMI, Christine Lagarde (2014), disse: “fazendo o capitalismo mais inclusivo, tornamos o capitalismo mais eficiente e possivelmente mais sustentável”. Apesar da “consciência” do problema da eficiência do sistema e da insustentabilidade da atual situação ecológico-social, muitos agentes envolvidos não aceitam as necessárias mudanças mais profundas e radicais na ordem econômico-social para fazer frente a essa crise. Reconhecem o problema, mas não aceitam nenhuma mudança que modifique o atual “padrão de vida” e, muito menos, tire deles o que eles consideram “de direito” para serem investidos em programas sociais e na preservação do meio ambiente. Isso seria, para eles, contra “direito e justiça”. Isso mostra que o impasse em que estamos vivendo não é resultado da não compreensão racional das atuais contradições do modelo de globalização capitalista, nem dos perigos que o próprio sistema está enfrentando em termos de sua eficiência e sustentabilidade. Há algo mais profundo que está levando os integrados e defensores do sistema capitalista a essa situação de “impasse”. Mesmo diante de análises de “autoridades” reconhecidamente pró-capitalistas, como a diretora-geral do FMI ou das lideranças do Fórum Econômico Mundial de Davos, a reação é de incompreensão e agressividade contra os que atentam contra o livre mercado e os direitos “individuais”. Por outro lado, grupos contrários ao “mercado livre” não conseguem ou têm muita dificuldade em sair da situação defensiva frente aos ataques de inspiração neoliberal que questionam todos os tipos de intervenção do Estado na economia e nas questões sociais e defendem o mercado livre como a única solução para todos os problemas. A minha hipótese para essa resistência generalizada à regulação e restrição à liberdade do mercado é a de que a ideologia neoliberal, que antes era uma ideologia no sentido de um sistema de ideias norteadoras de uma classe social, passou a ser o núcleo estruturador da cultura global e do ethos capitalista. A maioria das pessoas, e especialmente a grande mídia, pensa a partir do “mito neoliberal”. Assim, ele passou a ter um papel fundamental no processo de abrir e fechar as possibilidades de conhecimento e diálogos, de definir critérios de discernimento entre o “bem e o mal”, entre ações aceitáveis e os não. E como é um mito fundamental, estruturador, as pessoas imersas nessa cultura não o enxergam, pois veem o mundo através dele. É preciso sair desse mito, dessa cultura, para poder vê-lo e criticá-lo. Em outras palavras, críticas realizadas a partir da aceitação do mito do mercado livre não têm como desvelar e criticar os seus fundamentos. Elas sempre acabarão sendo incorporadas e assimiladas na lógica do sistema dominante. Quando se quer criticar os fundamentos metafísicos e míticos de um sistema, é preciso se posicionar para além do sistema, da transcendência do sistema. Além disso, essa crítica não pode ser somente na linha da racionalidade moderna, pois mitos fundantes são expressões de um pensar mítico-religioso, seja na

linguagem religiosa tradicional, seja na linguagem secular moderna, e eles geram fascinação e adesão espiritual. É preciso desvelar, desmascarar a dimensão religiosa do capitalismo. Durante mais de quarenta anos, um grupo de teólogos da libertação se dedicou a essa tarefa de desmascarar o fetiche-ídolo que dá ao capitalismo a sua força espiritual e alimenta a sua voracidade. Hoje podemos dizer que, parafraseando Marx, no geral a crítica teológica da dimensão idolátrico-religiosa do capitalismo está feita. A crítica à “idolatria do mercado” já está bastante consolidada e podemos ver a sua influência hoje até no pensamento “oficial” da Igreja Católica. Por exemplo no documento “Alegria do Evangelho”, o Papa Francisco afirma: “Criamos novos ídolos. A adoração do antigo bezerro de ouro (cf. Ex 32, 1-35) encontrou uma nova e cruel versão no fetichismo do dinheiro e na ditadura duma economia sem rosto e sem um objetivo verdadeiramente humano” (n. 55). Em poucas palavras, para autores como Franz Hinkelammert e Hugo Assmann, a grande novidade da modernidade –seja a capitalista ou a comunista – não é a secularização, mas sim a apresentação de uma “boa-nova” que promete cumprir no interior da história as promessas escatológicas da cristandade medieval. Isto é, a “ilusão transcendental” (HINKELAMMERT, 2002) de realizar com passos finitos do progresso tecnológico todos os desejos e a plenitude humana e social, que são de caráter infinito. É o que Hegel chamou de “má infinitude”. Essa ilusão mítica, ou melhor, o mito do progresso infinito e o mito neoliberal do caráter sempre benevolente do sistema de mercado livre exigem e justificam sacrifícios de vidas humanas. Essa exigência de sacrifícios vidas humanas em nome da satisfação de todos os desejos humanos através do livre mercado transcendentalizado é o que esse grupo de teólogos da libertação chama de “idolatria do mercado” (por ex., ASSMANN & HINKELAMMERT, 1989; ASSMANN, 1994; HINKELAMMERT, 1983; SUNG, 1994 e 2002; SUNG, MÍGUEZ, RIEGER, 2012). Essa crítica fundamental modifica a compreensão do mundo moderno Ocidental e o seu processo de secularização. Não concebe o capitalismo contemporâneo como um sistema social secularizado, mas como um sistema onde o sagrado se deslocou do âmbito do religioso para o âmbito do mercado. Essa “crítica teológica” – no sentido de que critica o sagrado ou o ídolo que dá fundamento transcendental para o sistema de mercado livre – é, ou deveria ser, uma contribuição fundamental da teologia ao campo das ciências sociais e humanas que estudam a sociedade global, suas relações internas e os seus fundamentos. É claro que esse tema não é monopólio da teologia, e já encontramos diversos economistas e cientistas sociais abordando explicitamente essas questões (por ex, KONINGS, 2015; NELSON, 2014). Como dissemos acima, essa crítica à religião do mercado, no seu aspecto fundamental, já está feita. Porém, ela não é suficiente. Quando uma ideologia econômico-social logra se tornar as premissas fundamentais ou o mito articulador de uma cultura, a crítica teórica dessa ideologia, com uma argumentação lógica, não é capaz de, por si só, mudar a maneira de as pessoas sentirem e perceberem a realidade social. Isso porque, como diz Humberto Maturana, um dos principais nomes na área de neuro-biologia da cognição, “todo sistema racional se baseia em premissas fundamentais aceitas a priori, aceitas porque sim, aceitas porque as pessoas gostam delas, aceitas porque as pessoas as aceitam simplesmente a partir de suas preferências”. As premissas fundamentais são aceitas ou rejeitadas, “não a partir da razão, mas da

emoção: as premissas fundamentais de uma ideologia ou de uma religião são aceitas a priori e, portanto, não têm fundamento racional” (MATURANA, 1998, pp. 16-18). Essas premissas que formam os fundamentos de um sistema racional têm sua lógica própria. Essa lógica não é a mesma da racionalidade que funda, mas também não é irracional. Elas fundamentam um sistema racional porque elas se constituem em um conjunto articulado, com uma unidade interna. Sem uma articulação, isto é, se fossem erráticas não seriam capazes de serem fundamentos de um sistema racional. Elas têm um tipo de racionalidade própria que podemos chamar de “razão mítica” (HINKELAMMERT, 2008). Na medida em que, desde o interior de um mito não se pode criticar os valores e princípios fundamentais de um sistema racional fundado nesse mito, precisamos de um outro mito fundamental para criticar os princípios e valores do sistema vigente. E para isso, é necessário conquistar o “coração e a mente” das pessoas com esse novo mito. Só assim é possível mostrar a desumanidade e a insustentabilidade do mito e sistema atualmente dominante. Em resumo, e preciso oferecer-lhes um novo mito que, ao mesmo tempo, (a) revele as deficiências do mito anterior e lhes dê uma nova estrutura de compreensão da realidade e de sentido para suas ações e projetos, e (b) a “energia afetiva”, ou a força espiritual, para movimentos de resistência e luta por um projeto alternativo a essa avassaladora dinâmica da globalização capitalista de corte neoliberal. Para isso, precisamos conhecer melhor a novidade fundamental do mito neoliberal em relação ao mito anterior, o do desenvolvimento (a segunda parte do artigo); e ver os caminhos para um novo “mito libertador” (a terceira parte).

2. Do mito de desenvolvimento ao mito do mercado livre. Para entendermos melhor as diferenças fundamentais entre o mito do desenvolvimento moderno-liberal e o de “mercado livre” do neoliberalismo, vamos apresentar breves reflexões em torno do pensamento de Celso Furtado de um lado, e Hayek e L. von Mises de outro. 2.1 Celso Furtado e o mito do desenvolvimento. Na década de 1970, Celso Furtado apresentou, no seu livro O mito do desenvolvimento econômico, três teses que nos ajudam a entender as promessas e os impasses do desenvolvimentismo da época e que merecem ser retomadas aqui. Antes porém, pressupondo essas teses, Furtado nos apresenta uma visão do mito que é fundamental para sua argumentação. Para ele, não é possível compreender a realidade social sem algum conjunto de pressupostos e valores, um mito, que permite a orientação da compreensão e, portanto, também da ação social. Nas palavras dele, os mitos têm exercido uma inegável influência sobre a mente dos homens que se empenham em compreender a realidade social. (...) os cientistas sociais têm sempre buscado apoio em algum postulado enraizado num sistema de valores que raramente chegam a explicitar. O mito congrega um conjunto de hipóteses que não podem ser testadas. (...) A função principal do mito é orientar, num plano intuitivo,

a construção daquilo que Schumpeter chamou de visão do processo social, sem a qual o trabalho analítico não teria qualquer sentido. (FURTADO, 1974, p. 15)

Essa tese rompe com um dos “mitos” da razão moderna que diz que a ciência se opõe radicalmente a mitos porque é capaz de chegar a verdades “objetivas e eticamente neutras”. Com a virada linguística (OLIVEIRA, 1996) no campo da filosofia e da filosofia da ciência, hoje sabemos que esse conhecimento “objetivo” na verdade é um conhecimento com “objetividade intersubjetiva”, isto é, um grupo de pessoas são capazes de chegar a mesma conclusão utilizando-se do mesmo método. A pretensão de objetividade como um conhecimento que prescinde da subjetividade dos observadores do fenômeno ou do objeto não se sustenta mais. A partir desse pressuposto, Celso Furtado diz que a grande maioria do que tinha sido escrito na área de ciências sociais e econômica estava fundada na ideia, que se dá por evidente, segundo a qual o desenvolvimento econômico, tal qual vem sendo praticado pelos países que lideraram a revolução industrial, pode ser universalizado. Mais precisamente, pretende-se que o standard de consumo da minoria da humanidade, que atualmente vive nos países altamente industrializados, é acessível às grandes massas de população em rápida expansão que formam o chamado terceiro mundo. Essa ideia constitui, seguramente, uma prolongação do mito do progresso, elemento essencial na ideologia diretora da revolução burguesa, dentro da qual se criou a atual sociedade industrial. (FURTADO, 1974, p. 16)

Esse mito do desenvolvimento com a sua promessa de universalização dos frutos do desenvolvimento econômico, pressupõe uma confiança inabalável no desenvolvimento tecnológico e no sistema de mercado e, o que é muito importante, reconhece, mesmo que implicitamente, o direito de todos os seres humanos de participar dos frutos do desenvolvimento. É essa visão sobre os direitos “naturais” do ser humano, direitos que não dependeriam de condicionamentos culturais e sociais, que o mito do desenvolvimento pretende realizar. E é também por conta dessa visão que, por exemplo, o Conselho Mundial de Igrejas e os documentos da Igreja Católica, falam de “justiça econômica” e da dívida social para com os pobres. A própria TLLA assumiu esse pressuposto e a sua crítica não foi contra os objetivos do mito do desenvolvimento, mas ao capitalismo, na sua versão de desenvolvimentismo, como um sistema econômico incapaz de realizar a promessa moderna de desenvolvimento econômico-social para todos. Desde o início, teólogos da libertação dialogaram com a teoria da dependência que propunha a rompimento com ou a libertação das relações de dependência com os países cêntricos do capitalismo para que a “periferia” pudesse atingir o seu desenvolvimento (SUNG, 1994, cap. 1) e realizar o que estava prometido no mito do desenvolvimento. A segunda tese de Furtado é a de que, com a publicação do estudo The Limits to Growth, preparado por um grupo interdisciplinar, no M.I.T., para o chamado Clube de Roma, 1972, ficou demonstrada a impossibilidade estender ao mundo todo o padrão de desenvolvimento e de consumo dos países ricos. Foi o início do reconhecimento pela elite mundial dos limites ambientais e a sua contradição com o mito do desenvolvimento.

A terceira tese de Furtado é que esse mito do desenvolvimento foi de grande utilidade para mobilizar os povos da periferia e levá-los a aceitar enormes sacrifícios, entre esses a destruição das culturas tradicionais e a ampliação do “dualismo social”, um tipo de “apartação social” em que a sociedade se divide entre os integrados no mercado e os pobres excluídos. Foi em torno da crítica a essa exigência de sacrifícios de vidas humanas e do meio ambiente em nome do “progresso” prometido pelo mercado livre que o conceito de “idolatria do mercado” foi sendo elaborado a partir da década de 1970 na TLLA. 2.2 Neoliberalismo e o mito do mercado livre Diante da explicitação das contradições do mito do desenvolvimento, começa na década de 1970 uma mudança fundamental no discurso econômico hegemônico do capitalismo. O marco dessa mudança pode ser visto na outorga, em 1974, de prêmio Nobel de economia a Frederick von Hayek, o “papa” do neoliberalismo. No seu discurso por ocasião do recebimento do Prêmio, ele apresentou de modo sintético o núcleo filosófico-teológico que nos interessa aqui. O título é bastante significativo: “A pretensão do conhecimento” (HAYEK, 1974). No fundo, trata-se de uma releitura do mito do pecado original em Adão e Eva. Nessa conferência, ele analisa a crise econômica do início dos anos setenta da seguinte forma: a causa fundamental da crise foram as políticas econômicas intervencionistas recomendadas pela maioria dos economistas de inspiração keynesiana, que pressupõe, segundo Hayek, a possibilidade de se conhecer todos os fenômenos complexos que compõe o mercado. Em outras palavras, o mal fundamental que origina as crises econômicas e a instabilidade do mercado – em termos teológicos, o pecado original–, seria a pretensão de conhecer o mercado e, a partir disso, o desejo de promover consciente e intencionalmente o bem social através de regulações e intervenções (SUNG, 1997; 2002, cap. 4). Para ele, a única forma de evitar as crises e voltar ao crescimento econômico seria abdicar da pretensão da razão moderna do conhecimento e deixar o mercado atuar livremente. Já na década de 1940, no seu mais famoso livro The Road to Serfdom (O caminho da servidão), Hayek tinha defendido a tese de que “onde quer que as barreiras ao livre exercício da engenhosidade humana foram removidas, o homem se tornou rapidamente capaz de satisfazer o sempre crescente gama de desejo” (HAYEK, 2007, p. 70). A pretensão do conhecimento e da regulação do mercado como “o” pecado e a promessa da satisfação de todos os desejos sempre crescentes através do mercado livre compõe duas características fundamentais do mito neoliberal do mercado livre. Após o prêmio Nobel para Hayek, que consolidou a ideologia neoliberal como ciência econômica “hard”, tivemos as eleições de Ronald Reagan e Margaret Thatcher, no início da década de 1980, que impuseram ao mundo as políticas neoliberais através de diversas instituições multilaterais, como o Banco Mundial e FMI, e o “Consenso de Washington”. Paralelamente a essa mudança no nível macroeconômico, foram criadas mais variadas organizações e institutos para divulgar o neoliberalismo através dos meios de comunicação e lideranças empresariais, políticas e sociais. Entre eles, se destacam dezenas de institutos “von Mises” que existem pelo mundo e também no Brasil. Após quase quarenta anos de trabalho intenso e diário, especialmente através de meios de

comunicação, a ideologia neoliberal se tornou um dos mitos fundamentais do nosso tempo, provavelmente o principal na área econômico-social. Podemos encontrar no pensamento de Ludwig von Mises, que foi o mentor de Hayek, outros aspectos fundamentais desse mito. A principal diferença entre o mito do desenvolvimento moderno-liberal e o mito neoliberal do “mercado livre” que nos interessa aqui é a noção de direitos universais ou a promessa do mito do desenvolvimento de universalizar as conquistas econômico-sociais. Para Mises, o principal erro e ilusão dos que criticam o capitalismo com a acusação de injustiça é a ideia de que “a ‘natureza’ concedeu a todas pessoas certos direitos, só pelo fato de terem nascido” (MISES, 2008, p. 80)1. Isto é, não há leis naturais eternas ou a justiça divina que concede a todas as pessoas o direito de acesso aos bens materiais; portanto, não há “justa” distribuição de bens econômicos a partir do qual possa criticar e/ou intervir na forma como o mercado distribui os bens econômicos. As pessoas não têm direito “natural” de ter acesso aos bens materiais para sua sobrevivência, portanto o Estado e a sociedade não têm deveres e nem dívida social a pagar. Logo, todo programa social que, em nome da “justiça social” ou da “dívida social”, transfere riqueza dos ricos, via impostos, para os pobres não passa de um “roubo”. Temos aqui uma ruptura fundamental com o mito moderno do desenvolvimento. Desaparece a noção de sociedade e da solidariedade entre os seus membros, que geraria a responsabilidade da coletividade frente a pobreza de alguns. Segundo o pensamento neoliberal, “a igualdade frente a lei dá a você o poder de desafiar cada milionário. Em um mercado não sabotado por restrições impostos por governo, a culpa é exclusivamente sua se você não supera o rei do chocolate, o astro de cinema e o campeão de box” (MISES, 2008, p. 10). Como no box só há um campeão por categoria; no cinema, só há, por definição, poucas estrelas; e na economia, só poucos podem se tornar “rei” de algum setor, a grande maioria vai ser culpada do seu fracasso. Além disso, mesmo os campeões e estrelas não podem se manter na posição para sempre. Por isso, um dia serão também culpados. Esta é uma lógica sistêmica culpabilizante sem saída. Walter Benjamin (2013), no seu manuscrito Capitalismo como religião, escrito no início da década de 1920, já tinha caracterizado o capitalismo como uma religião culpabilizante, uma religião que culpabiliza sem oferecer nenhuma forma de perdão ou redenção. O interessante é o modo como Mises descreve o processo em que e pelo qual as pessoas se sentem culpadas dentro do capitalismo. Ele diz que “por mais que um homem tenha conquistado riqueza para si, é uma mera fração em relação à ambição que o impulsionou. Sempre há frente aos seus olhos pessoas que tiveram sucesso onde ele fracassou”. E, “para consolar a si próprio e restaurar a sua autoafirmação, esse homem procura um bode expiatório. Ele tenta persuadir a si próprio de que o fracasso não é por sua culpa”. (MISES, 2008, pp 11 e 14) Mises faz essa descrição para explicar a principal razão de pessoas serem anticapitalistas: elas atribuem, segundo ele, a culpa do fracasso pessoal ao capitalismo.

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Na minha tradução ao português, optei por seguir a tradução da versão em espanhol, ao invés de usar a versão em português por ser mais sintético e expressar melhor o pensamento de Mises. Disponíveis na internet.

Em outras palavras, os anticapitalistas são o que são porque são pessoas fracassadas que não foram capazes de assumir sua própria culpa. 2.2 Capitalismo como religião e a inversão da ética. Mesmo que não aceitemos a tese de Mises que todos ou quase todos anticapitalistas são fracassados que buscam um bode expiatório, não podemos negar o fato de que realmente existe na sociedade e nas relações humanas a emulação e a busca do bode expiatório (GIRARD, 1990 e 2004). Apliquemos a mesma lógica proposta por Mises aos defensores do capitalismo neoliberal e do seu mito. Essas pessoas também sentirão frustração e sentimento de fracasso porque isso é inevitável quando compara suas conquistas com os “campeões” ou com o homem mais rico do mundo. Na medida em que o mito do desenvolvimento – que permitia diferir a frustração na esperança de que no futuro os seus sonhos seriam realizados – não se sustenta mais – seja por causa da consciência do limite ecológico, ou pela crítica da cultura pós-moderna ao mito do progresso universal –, essas pessoas também buscarão um bode expiatório. Os defensores do capitalismo não podem desenvolver um sentimento anticapitalista para a recuperação da sua autoestima. A solução é encontrar outros bodes expiatórios. O caminho é o mesmo, só que de sinal invertido: os culpados são os anticapitalistas. Temos assim outro bode expiatório: os inimigos do mercado livre, os defensores de intervenção no mercado em nome de programas e metas sociais. Isso nos ajuda entender a razão da agressividade dos setores da sociedade que se assumem como “antiesquerda”: a esquerda é a culpada pela frustração e o sentimento de fracasso deles. Não somente porque eles intervêm ou querem intervir no mercado, mas também porque os governos intervencionistas tiram deles o que é por direito deles para dar aos pobres, os que não foram capazes de ganhar o seu próprio dinheiro. O que lhes impede de realizar desejos aos quais teriam direito. E isso gera uma “energia afetiva”, uma força espiritual, bem agressiva contra os “socialistas e comunistas”. Um acontecimento envolvendo o ex-ministro da saúde do governo do PT que implantou o Programa Mais Médicos, Alexandre Padilha, em um restaurante de um bairro rico em São Paulo pode servir de um bom exemplo do que estamos tratando aqui. Segundo o jornal Folha de São Paulo (de 16/05/2015), Padilha estava almoçando com cinco amigos quando um dos clientes do restaurante se levantou, bateu com o talher uma taça e disse: “Por favor, pessoal, um minuto de atenção. Eu queria dizer que temos aqui a ilustre presença do ex-ministro Alexandre Padrilha (sic), não, Padilha, que nos brindou com o programa Mais Médicos, da presidente Dilma Rousseff, responsável pelo gasto de R$ 1 bilhão que nós todos otários aqui pagamos”. Padilha reagiu dizendo: “63 milhões de pessoas atendidas”. Temos aqui dois sistemas de pensamento diferente. Padilha justifica a ação do governo a partir do pressuposto de que todas as pessoas têm direito à saúde e é dever do Estado e da sociedade atender esse direito universal a pessoas que não têm acesso ao sistema de saúde via mercado. Por outro lado, esse cliente pensa e sente a partir do mito neoliberal. Ele se sente ofendido a tal ponto de criar uma situação embaraçosa em um restaurante fino para manifestar sua raiva de se ver diante de alguém que lhe roubou (por isso o chamou primeiro de Alexandre Padrilha fazendo referência à “quadrilha”) ou que lhe fez de otário tomando o seu dinheiro para pagar despesas de saúde com pobres, os que não têm direito porque são culpados da sua pobreza.

Antes da vitória da ideologia neoliberal, o sistema capitalista sentia necessidade ou era pressionada a justificar ideologicamente o dualismo social e os sacrifícios impostos aos mais pobres. Como vimos acima, o mito do desenvolvimento tinha essa função ideológica. Hoje, quando a ideologia neoliberal se tornou ethos cultural, não há mais essa necessidade. Pois, os pobres são vistos como culpados da sua pobreza e do seu fracasso. A indiferença social e até o mesmo cinismo em relação aos problemas sociais se tornaram algo socialmente não reprovável. Mais do que isso, um valor a ser defendido e espalhado pelo mundo afora. Isso nos ajuda a entender melhor “a globalização da indiferença” que o Papa Francisco tem criticado insistentemente. Na medida em que as pessoas são normalmente sensíveis ao sofrimento alheio, a maioria precisa ser “anestesiadas” contra essa sensibilidade elementar para compactuar ou viver nesta cultura de indiferença social sem grande estranhamento. Para Zizek, filósofo marxista lacaniano, em uma direção semelhante à de autores como Hinkelammert e Assmann, diz que para isso, é preciso uma causa sagrada. Os ideólogos religiosos costumam afirmar que, verdadeira ou não, a religião leva pessoas más a fazer coisas boas; a experiência recente mostra que seria melhor ficarmos com a afirmação de Steve Weinberg de que, se sem religião as pessoas boas fazem coisas boas e as pessoas más fazem coisas más, só a religião consegue levar as pessoas boas a fazer coisas más” (ZIZEK, 2012, p. 108).

A noção de religião, na última frase, precisa ser olhada com mais cuidado. Independente da intenção original de Weinberg, que era criticar a religião em geral, podemos concordar que só uma causa sagrada – o sagrado é sempre sagrado para os que o assumem e não para os que estão vendo desde fora – pode levar pessoas boas, ou pessoas não más, a fazerem coisas más ou serem simplesmente insensíveis aos sofrimentos de inocentes causados por pessoas ou sistemas maus. Isso porque no âmbito do sagrado, ou no interior da lógica do sagrado, as diferenças entre o bem e o mal que estabelecemos pela razão humana na vida profana são apagadas, levadas a “con-fusão” ou até mesmo invertidas. Diante do sagrado, os argumentos da razão ética humana não tem peso ou valor (GALIMBERTI, 2003, pp. 11-23). Por isso, pessoas consideradas boas – segundo o entendimento da razão humana – podem fazer coisas que essa mesma razão considera más, porque elas não estão mais agindo de acordo com a razão profana, mas segundo a lógica do sagrado. Essa é a razão de que compreendemos o sagrado como “separado”. Nesse caso, separado do senso ético profano. Uma cosmovisão e ações fundadas em um determinado sagrado constitui o que tradicionalmente chamamos de religião. Assim, poderíamos dizer que o que ocorre com a sensibilidade ética na cultura neoliberal – a inversão moral que leva as pessoas boas a defenderem um sistema econômico que coloca em perigo o meio ambiente e exclui uma massa grande de pessoas – é causado por uma religião, “o capitalismo como religião”. Essa tese pode parecer estranha para o mundo moderno que criou o conceito de religião para definir uma parte da vida, a esfera privada e espiritual, em oposição a esfera pública e secular. Os atuais estudos sobre a origem da palavra e o sentido moderno da religião (por ex. Talal Asad (1993 e 2003), Tomoko Masuzawa (2012), Brent Nongbri (2013), D. Dubuisson (2003)), mostram que essa noção de religião reduzida a esfera do privado e oposta à esfera secular é uma “invenção” ou construção

do Ocidente para, em grande parte, solucionar os problemas advindos das guerras de religiões e do processo modernização com o advento do capitalismo. Nas sociedades antigas nem havia um conceito de religião. Isso fica mais claro se levarmos em consideração que, para que se possa definir o “ser religioso”, é preciso que haja a noção de um ser não religioso e essa dicotomia não existia no mundo antigo. O objetivo deste artigo não é entrar nessa discussão sobre a noção ou conceito de religião no mundo pré-moderno e no moderno. O que nos interessa aqui é mostrar que nas últimas décadas ocorreu uma mudança profunda em alguns dos valores fundamentais do capitalismo moderno. A adoção da ideologia neoliberal e a consequente substituição do mito do desenvolvimento pelo mito do “mercado livre” significaram uma verdadeira “revolução na estrutura mítica do capitalismo” e mudanças na dimensão espiritual-religiosa do sistema capitalista.

3. Teologia da Libertação frente ao novo mito. O tema da sacralização ou absolutização de objetos e instituições humanas, o da idolatria, esteve sempre presente na tradição cristã e também na TLLA. Gustavo Gutierrez, no seu clássico livro Teologia da Libertação, usa o conceito de idolatria em relação à comunidade cristã: “A teologia, enquanto reflexão crítica, cumpre uma função libertadora do homem e da comunidade cristã, evitando-lhes todo fetichismo e idolatria. Evitando igualmente um narcisismo pernicioso e empobrecedor”. (GUTIERREZ, 1986, p. 25). Depois, no seu primeiro livro dedicado ao estudo de Las Casas, Dios o el oro en las Indias, ele detecta no pensamento do grande defensor dos indígenas frente à colonização espanhola o uso do conceito de idolatria ao campo da vida social e econômica. Ele diz, Las Casas não apenas reivindicará os direitos dos índios, nem se limitará a indicar as causas sociais e econômicas do despojo de que são vítimas. Vai mais longe e analisa – com perspicácia bíblica – a idolatria dos que fazem do ouro o Deus ao quem entregavam suas vidas. Esta denúncia se encontra desde os primeiros escritos de nosso frei e constitui um dos eixos do seu pensamento. (GUTIERREZ, 1989, p. 20)

Hugo Assmann, também um dos principais nomes do início da TLLA, sempre teve na crítica teológica ao capitalismo como uma religião perversa, idolatria, um dos eixos fundamentais do seu pensamento e da vasta obra. No início da década de 1970 ele escreveu: o aperfeiçoamento da inversão religiosa materialista do capitalismo continua, a fetichização de tudo é o destino inelutável do capitalismo. Por isso, a análise de seus mecanismos de dominação também segue pedindo e exigindo uma terminologia que penetre no universo simbólico, mítico e religioso. (ASSMANN, 1976, p. 183)

Podemos dizer que a corrente no interior da TL – que poderíamos denominar de “Escola do DEI” (entre outros, Hugo Assmann, Franz Hinkelammert, Pablo Richard,

Enrique Dussel, Jon Sobrino, Elza Tames, Jorge Pixley, Jung Mo Sung) – que trabalhou com a crítica teológica da economia capitalista e elaborou uma consistente análise da “idolatria do mercado” assumiu esse desafio. E, como dissemos acima, no geral essa tarefa está realizada. Porém, os tempos são outros e, mesmo que a estrutura fundamental do capitalismo se mantenha, o mito neoliberal nos coloca um novo desafio que se nos apresenta como duas tarefas ou duas facetas de um mesmo desafio: a) defender o direito de todos os seres humanos a uma vida digna; direito esse que é anterior a qualquer sistema cultural, econômico ou jurídico; b) a “desculpabilização” dos pobres da sua situação de exclusão social e a retomada da noção de responsabilidade de toda a sociedade perante a crise social e ambiental (que não é a mesma coisa que responsabilidade social de uma instituição ou pessoa). Ao assumir esse desafio teológico, é importante lembrarmos que esse discurso teológico não pode ser de um tipo que oferece comprovação para os que já estão convencidos. Isto é, não basta mais repetirmos afirmações bíblicas e teológicas tradicionais da Igreja dos pobres, pois os que entendem e aceitam esse discurso já estão convencidos. E esse discurso de “reafirmação”, apesar de cumprir o papel de “confirmar na fé” essas pessoas, não oferecem argumentos teológicos e não-teológicos para pessoas que não compartilham da fé bíblica ou que convivem com pessoas que precisam de argumentos “não-religiosos”. Se a TLLA quer ter um papel “público”, ela precisa oferecer um discurso e uma argumentação que sejam entendidos e aceitos também por aqueles que não pertencem à Igreja. Em outras palavras, a defesa do direito à vida dos pobres, anterior e superior aos critérios do mercado, e a crítica da sua culpabilização devem articular os princípios e a lógica da boa-nova de Jesus com os argumentos e conceitos contemporâneos compartilhados pela sociedade. Na tarefa de criticar o mito neoliberal, precisamos não perder de vista o fato de que uma das características fundamentais do mito e da idolatria é sua capacidade de fascinar os seus “seguidores” e de lhes oferecer um sentido da vida dentro do qual as discussões ideológicas e teóricas assumem sentido favorável ou conflitante. Em outras palavras, é preciso oferecer aos grupos sociais uma outra “narrativa mítica” em contraposição ao mito dominante, uma outra teologia frente a teologia idolátrica dominante.

3.1 A compreensão do capitalismo moderno e a teologia. Nas décadas de 1970 e 1980 na América Latina, a articulação de narrativas vindas de duas fontes da cultura Ocidental – a cristã, com a noção de que Deus faz a opção pelos pobres em nome da justiça social; e a moderna, com a bandeira de igualdade, liberdade e fraternidade como valores universais – criou em setores significativos da sociedade uma força espiritual que os mobilizou para lutas contra a ditaduras militares, a pobreza e exclusão social. Hoje, porém, não é mais possível simplesmente voltar a essa fórmula. Primeiro porque os próprios valores universais do mundo moderno e do liberalismo foram colocados em cheque pelo pensamento pósmoderno e neoliberalismo. Em segundo, além dos aspectos positivos da crítica pósmoderna às pretensões da razão moderna Ocidental, devemos reconhecer que, com o atual estágio da globalização econômica e do pluralismo cultural, a cultura Ocidental

não é mais capaz de oferecer, por si só, os fundamentos para um novo mito mobilizador universalizante. Isto é, uma narrativa mítica capaz de gerar uma força espiritual para tirar do imobilismo, letargia ou de passos lentos os movimentos sociais, e lhes fornecer um horizonte utópico e projetos sociais mais concretos que garantam a todas as pessoas o direito fundamental de viver e, ao mesmo tempo, o cuidado do meio ambiente. Esse mito não pode repetir alguns dos erros do mito moderno do progresso: o não reconhecimento dos limites da condição humana, que leva a prometer a realização de todos os desejos, seja de toda a humanidade (na versão otimista do liberalismo), seja da minoria vitoriosa no mercado (na versão neoliberal); a justificativa de sacrifícios de vidas humanas em nome da realização dessa promessa; e a lógica da culpabilização e a busca do bode expiatório. O que significa que devemos ir além da racionalidade e mitos modernos Ocidentais, sem negar as suas contribuições à humanidade, e dialogar com outras tradições culturais e espirituais. Mas, antes de entrarmos no campo do “diálogo inter-religioso” e do “pluralismo religioso e cultural”, é importante não perdermos de vista o problema ou o mal a ser superado e a contribuições específicas do cristianismo. Pois, todo diálogo pressupõe um objetivo ou problema comum em torno do qual se dialoga. Como ensinou Paulo Freire, diálogo não é uma “relação eu-tu”, “é o encontro em que se solidariza o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e humanizado, não pode [...] tornar-se simples troca de ideias a serem consumidas pelos permutantes” (FREIRE, 1979, p. 93). Eu penso que a argumentação apresentada até aqui mostra bem o caminho da minha reflexão e o problema a ser enfrentado. Mas, para que fique claro que há também outras perspectivas na compreensão dos objetivos desse diálogo ecumênico no interior do cristianismo e diálogo inter-religioso, quero apresentar aqui a posição de um teólogo espanhol com bastante influência no Brasil e na América Latina, Andrés T. Queiruga. No livro que reuniu os debates e conferências ocorridas no I Congresso Continental da Teologia de Teologia, em comemoração a 50 anos do Concílio Vaticano II e 40 anos da publicação do livro Teologia da Libertação, de Gutierrez, Queiruga diz que as confissões cristãs deveriam superar as divisões e antagonismos e se engajar em um diálogo ecumênico. Pois, “diante do atual panorama de crescente mundialização e olhando sobretudo para o problema do ateísmo”, as “disputas de famílias [...] não deveriam nos distrair da grande missão de anunciar o Evangelho a todo mundo” (QUEIRUGA, 2013, p. 194). Além disso, ele coloca o diálogo com as religiões em um lugar decisivo para que elas acentuem a “coincidência fundamental: o de ser lugares nos quais a transcendência se faz voz e comunidade em um mundo onde fatores muito poderosos tendem a apagar sua presença” (QUEIRUGA, 2013, p. 195) Essas afirmações mostram claramente que, para Queiruga, o principal desafio do mundo de hoje e que deve ser objeto central do diálogo ecumênico e inter-religioso é o ateísmo e o desaparecimento ou esquecimento da presença da transcendência no mundo. Essa é a forma dominante de compreender a relação entre a modernidade e as religiões, que aceita a interpretação da modernidade dada pelos seus próprios pensadores ou ideólogos: a modernidade como secularizada, racional, ateia e fechado na imanência. A hipótese deste artigo pressupõe, como já afirmamos acima, uma outra compreensão da modernidade e do capitalismo. O mundo moderno e o capitalismo não se negam à transcendência como tal, mas sim à transcendência apresentada pela cristandade medieval e pelas religiões tradicionais. Em outro texto eu desenvolvi um

longo argumento para mostrar a noção de transcendência por detrás e acima do capitalismo e do neoliberalismo (SUNG; MIGUEZ; RIEGER, 2012, cap. 3), e aqui penso já ter mostrado suficiente argumentos para mostrar, pelo menos, a possibilidade de pensar o capitalismo como religião. Essa diferença na compreensão da modernidade nos conduziu a um tipo diferente de reflexão teológica e os desafios a assumir. Se o desafio central para o cristianismo é o ateísmo moderno e a sua negação da transcendência, a tarefa da teologia é justificar diante da razão moderna e pós-moderna a fé na existência de Deus, e o que decorre disso, e a importância do reconhecimento dos limites do humano com o reconhecimento da transcendência. Porém, se o desafio colocado pelo mundo de hoje é a idolatria do dinheiro/mercado e a consequente exigências sacrificiais e a culpabilização dos pobres, a tarefa da teologia não é a de justificar Deus, mas a de discernir entre Deus e os ídolos, ou fetiches; entre o Deus da Vida para todos e todas e os ídolos da morte culpabilizante dos pobres e das vítimas. Por isso, no início deste artigo disse que a forma de compreender a realidade social é influenciada pela teologia, ao mesmo tempo em que também direciona a reflexão teologia. Há uma relação dialética entre a compreensão do que é a mensagem essencial da fé cristã para o mundo, do tempo de Jesus e de hoje, e a interpretação da realidade social e dos principais desafios para o cristianismo hoje. A minha opção por estudar teorias sociais que me ajudaram a compreender a dimensão religiosa e idolátrica do capitalismo neoliberal e o seu mito foi influenciada, como não poderia deixar de ser, por o que eu compreendo como a “essência” da mensagem cristã. E o estudo dessas teorias e análises sociais me ajudaram a entender melhor a novidade e o valor da boa-nova cristã.

3.2. Deus da misericórdia e reconciliação contra idolatria culpabilizante. Para deixar mais claro o que entendo por essa dialética, quero citar aqui uma afirmação de Hugo Assmann: A novidade essencial da mensagem cristã, precisamente porque procura introduzir na história o amor fraternal que inclui a todos, consiste na afirmação central: as vítimas são inocentes e nenhuma desculpa ou pretexto justifica a vitimação deles. Nenhuma projeção de culpabilidade ou de censura sobre as vítimas é aceitável como justificativa para serem sacrificados. (ASSMANN, 1991, pp. 84-85)

A afirmação central de que “as vítimas são inocentes” parece, à primeira vista, uma tautologia: é claro que as vítimas são inocentes. Os réus têm sua inocência questionada, não as vítimas. Mas, aqui é que está o segredo: a coletividade não vê na vítima um inocente, mas sim um culpado. E essa inversão de vítima para culpado é fruto de mitos idolátricos, de ídolos que exigem sacrifícios e confundem ou invertem a relação entre o bem e o mal. A revelação da inocência da vítima sacrificial é resultado e a causa da descoberta do Deus não-sacrificial, um Deus misericordioso. Isso nos ajuda entender a importância da afirmação de Jesus, “quero misericórdia e não sacrifícios” (Mt 9,13), e de porquê os primeiros testemunhos públicos da ressurreição de Jesus declaram que, para Deus, Jesus era justo, inocente, ao contrário do que pensaram o Templo e o Império.

A descoberta desse Deus nos permite ver com mais clareza o processo como o atual capitalismo globalizado exclui os pobres e os culpabiliza, ao mesmo tempo em que torna as pessoas bem integradas no “mercado livre” insensíveis ou indiferentes frente a sofrimento de multidões. É importante destacar aqui que a idolatria, não somente exige sacrifícios e torna seus adeptos insensíveis aos sofrimentos alheios, mas também culpabiliza as vítimas. E, ao culpabilizar as vítimas, inocenta o sistema sacrificial e grupos sociais que se beneficiam dele. Isso ficou claro na análise do mito neoliberal acima. Exigência e justificativa de sacrifícios de vidas e a culpabilização das vítimas são duas facetas de um nó complexo multifacetado. E a internalização dessa culpa por parte dos pobres os paralisa e lhes tira a capacidade de lutar por seus direitos. Isso aparece constantemente quando os pobres, ao convidar alguém para suas casas costumam dizer: “desculpe-me pela minha casa simples”. Essa culpabilização, além de paralisar os pobres, tira a responsabilidade social dos integrados no mercado e deslegitima as lutas por uma sociedade socialmente mais justa. Por isso, o tema da culpa, pecado e reconciliação se torna fundamental na crítica à idolatria. A teologia moderna não costuma refletir muito sobre culpa-pecado por causa das críticas modernas de como a teologia do pecado foi utilizada nas repressões sexuais e sociais e na manutenção da ordem social. Contudo, sem negar as contribuições dessas críticas, é preciso retomar esse tema para a crítica da teologia do pecado e culpa do mito neoliberal. Sem essa crítica, se torna difícil a recuperação, por parte dos pobres, do senso de dignidade e, com isso, a força espiritual para lutas sociais. Contra essa religião capitalista culpabilizante e sacrificial, devemos anunciar Deus não-sacrificial, que demanda misericórdia e oferece a reconciliação. Para José Comblin, a reconciliação apresenta-se como o próprio objeto do evangelho: é a boa-nova. Esta boa nova é seguinte: não devemos preocupar-nos com o pecado. Já não devemos temer a Deus por causa dos nossos pecados. Já não cabe mais nem a angústia, nem o sentimento de culpabilidade, nem a agressividade moderna contra um Deus que reprime e castiga. [...] O evangelho anuncia que somos perdoados antes de que tenhamos o tempo necessário para entrarmos num estado de culpabilidade. (COMBLIN, 1987, pp. 18-19)

A partir dessas duas noções fundamentais do cristianismo, devemos buscar outros componentes do mito mobilizador alternativo. E para isso, penso que devemos levar a sério o reconhecimento de que é preciso ir além do Ocidente, não para procurar no Oriente mais “provas” do que nós já sabemos, seja esse conhecimento advindo da teologia ou das ciências. Precisamos aprofundar o diálogo entre Ocidente e Oriente na perspectiva das vítimas do atual processo de globalização – o que alguns chamam de perspectiva do “Sul” – para defender o direito de todos terem acesso aos bens e serviços necessários para viver e elaborar uma cosmovisão e um mito capazes de enfrentar, desmascarar e superar o mito neoliberal. E este é uma tarefa gigantesca de médio e longo prazo. 3.3 Diálogo entre teologias e a sua tarefa.

Como um exemplo do diálogo com teologias e culturas não ocidentais, penso no diálogo com a Teologia Minjung, da Coreia do Sul. Essa teologia, também criada nos inícios da década de 1970, utilizou-se de recursos culturais próprios e sua tradição espiritual para enfrentar a ditadura militar na luta pela democratização e defesa dos trabalhadores e dos pobres contra o modelo de capitalismo selvagem imposto pela ditadura de então, e hoje na globalização neoliberal. O termo “minjung” no passado era usado para se referir ao povo oprimido pela classe dominante e hoje é usado para se referir a todos aqueles que são excluídos da elite econômica e social e que sofrem de pobreza e opressão sócio-política e cultural. Não é um conceito que se relaciona diretamente ao de classe social, nem é o que no Ocidente se entende por dominados ou oprimidos. É claro que tem relação com esses conceitos, mas minjung é uma noção mais complexa que inclui também o conhecer a dor da desumanização. Apesar de enfrentar desafios semelhantes (ditadura militar e capitalismo periférico), a Teologia Minjung assumiu um caminho diferente da TL nas primeiras décadas. As duas teologias compartilharam a mesma preocupação pela releitura da Bíblia na perspectiva dos pobres e das vítimas da história, mas, enquanto a TL dialogou mais com as ciências sociais na sua crítica ao capitalismo e lutas sociais e políticas, a Teologia Minjung buscou nas tradições culturais e espirituais do minjung o seu parceiro de diálogo e inspirador das suas reflexões (AHN, 1990; SUH, 1983). Nesse caminho, a Teologia Minjung produziu muitos estudos e reflexões sobre dois conceitos interligados que podem ser muito úteis para a TLLA e para as práticas sociais e pastorais: as noções de han e dan (KIM, 2013; KWAN, 2011). Han é um conceito bastante complexo e de difícil tradução para idiomas ocidentais. Essa dificuldade ou a quase impossibilidade de traduzir certos conceitos fundamentais de uma outra cultura ou teologia, que comparte a mesma luta e os mesmos valores, é oportunidade de encontrar novas perspectivas e novas imagens para a construção de um novo mito emancipador que possa enfrentar e superar o mito neoliberal. Han é o sentimento de tristeza e raiva que o minung sofre e se dirige ao seu interior, endurecendo e fechando o seu coração. Ele é causado na medida em que o caminhar para a realização de “si” é bloqueado e empurrado contra si por um longo período de tempo por uma opressão e exploração externa. O perigo dessa situação de opressão é que, expressando em imagem, essa energia comprimida se volte contra si e provoque uma implosão de “si”, do seu senso de dignidade e autoestima. Outra possibilidade é que essa “raiva” contida e oprimida se torne uma energia contra outro, como uma explosão que se direciona para fora atingindo uma vítima inocente – por exemplo em violência familiar contra a mulher – ou em uma explosão anárquica. A força ou o caminho libertador e humanizador do han é o dan. Dan significa “cortar”, cortar o ciclo de autodestruição e o ciclo vicioso destrutivo da vingança. Voltando à imagem apresentada acima para tentar explicar a dinâmica “energética” do han, dan seria a canalização da energia, não para auto implosão ou explosão anárquica, mas para uma ação transformadora e curativa. Caberia à teologia refletir e oferecer caminhos para transformar a “energia” envolvida no han em uma força transformadora através do dan. A dialética han-dan pode levar o minjung a um caminho criativo rumo à libertação ou humanização. Esta breve apresentação da dialética han-dan mostra o potencial que o diálogo

com teologias de libertação de outras culturas e continentes, como a Minjung pode oferecer para nós. Nesse tipo de diálogo, podemos descobrir novos caminhos de fundamentação dos direitos humanos universais e novas fontes de força espiritual para nos mantermos, junto com os pobres e minjung, no Caminho da luta, da Verdade que liberta e da Vida compartilhada na comunidade. Na tarefa de construir e propor à sociedade um novo mito mais humanizante, precisamos sempre recordar do perigo de novamente cair na ilusão transcendental de construirmos, com nossas ações finitas, uma sociedade de plenitude humana, sem contradições ou limites. É a fascinação dos mitos que promete a realização da plenitude, de levar a história humana à sua plenitude. Isso seria de novo uma visão imperial e idolátrico da transcendência. Precisamos de uma noção de transcendência e utopia que não negue os limites da condição humana e, por isso, possa nos humanizar e não querer nos livrar da nossa condição humana (SUNG; MIGUEZ; RIEGER, 2012, cap. 4). Em um mundo em que o mito dominante anuncia que não há alternativas ao sistema de mercado livre, reafirmar o caráter profético do cristianismo é ter a capacidade de oferecer uma outra “narrativa mítica” capaz desvelar e denunciar cosmovisões, símbolos e mitos opressivos do Império atual. É tarefa das teologias comprometidas com a vida dos pobres e vítimas das opressões mostrar a possibilidade viver e agir socialmente, a partir da fé, as práticas de solidariedade e de libertação. Assim poderemos publicamente testemunhar a presença de Jesus no meio da história. Jesus esse que é, como diz Néstor Míguez, “o Messias, aquele que se levanta, onde quer que seja necessário, para abrir de novo a história que alguns se apressam em fechar e para levantar o seu povo por meio do amor, fé e esperança”. (MIGUEZ, 2012, p. 192)

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