Teologia Feminista: mídia, meios e mediações

June 29, 2017 | Autor: N. Cardoso Pereira | Categoria: Latin American feminisms
Share Embed


Descrição do Produto

1





Nem toda feiticeira é corcunda
mídia, gênero e violência

Todos os meios e todos os modos, as formas e as técnicas: todas. Pagu viveu no século XX e suas contradições disputando todas as possibilidades de informação, reivindicando cada alternativa de mensagem, lutando por cada espaço de comunicação. Escritora, jornalista, dramaturga, animadora cultural, desenhista, repórter, ilustradora, operária de tecelagem, lanterninha de cinema, tradutora. Escreveu romances, panfletos, poesia, textos para teatro, contos policiais, crítica de teatro e tv. Pagu é Patrícia Rehder Galvão, nascida em 1910. Ativista do movimento de arte moderna, ativista política contra a ditadura dos anos 30 no Brasil: organiza protestos, núcleos de debate político, intervenções político-artísticas. Pagu vai ser presa 23 vezes. Torturada. Anarquista, comunista trotskista, internacionalista, antropofágica: devorou todas as propostas e suas receitas, todas as identidades e suas pertenças e foi o que queria ser num tempo em que as mulheres não podiam. Pagu inventou pra ela mesma um personagem de cabelo curto, blusa transparente e modos tidos como masculinos: libertária, feminista e radical; não aceitou as regras, desobedeceu os roteiros e desafiou a ordem. "Musa trágica da revolução" – no dizer de Drummond – Pagu foi corpo de baile e de delito, mulher fatal e perigosa, inimiga pública da ditadura de seu tempo. Ela era a fome, a vontade de comer e o prato. A notícia e a jornalista. A musa e a operária. A forma e o conteúdo. Por essas e tantas outras Pagu é meio e mensagem e seu avesso. Musa do "pensamento selvagem" - pensamento mitopoiético, que participa da lógica do imaginário, e que é selvagem por oposição ao pensar cultivado, utilitário e domesticado.

Nesta busca de uma oposição feminista ao pensar "cultivado, utilitário e domesticado" das mídias patriarcais e elitistas, Pagu é referente de dissidência vital, multimídia querida, luz e combustível da necessária memória rebelde porque... Só quem já morreu na fogueira Sabe o que é ser carvão. Este texto é Pagu-boa-de-briga porque nem toda feiticeira é corcunda nem toda brasileira é bunda.

PAGU
Mexo, remexo na inquisição
Só quem já morreu na fogueira
Sabe o que é ser carvão
Hum! Hum!
Eu sou pau pra toda obra
Deus dá asas à minha cobra
Hum! Hum! Hum! Hum!
Minha força não é bruta
Não sou freira, nem sou puta
Porque nem toda feiticeira
é corcunda
Nem toda brasileira é bunda
Meu peito não é de silicone
Sou mais macho que muito homem
Ratatá! Ratatá! Ratatá!
Sou rainha do meu tanque
Sou Pagu indignada no palanque
Hanhan! Ah! Hanran!
Fama de porra louca, tudo bem!
Minha mãe é Maria Ninguém
Hanhan! Ah! Hanran!
Não sou atriz, modelo, dançarina
Meu buraco é mais em cima
Porque nem toda feiticeira
é corcunda
Nem toda brasileira é bunda
Meu peito não é de silicone
Sou mais macho que muito homem
Ratatá! Ratatatá


Meu buraco é mais em cima: breves questões teóricas
(1) Duas constatações
1.1-
O poderio dos meios de comunicação e informação é real, articulado com outras esferas de poder (econômica, política) e controlado por elites nacionais e globais e seus equipamentos hegemônicos.
Hegemonia entende-se aqui a partir de Gramsci:
Para Gramsci, a hegemonia é uma combinação de direção moral, política, cultural e intelectual com dominação. É uma supremacia exercida através do consentimento e da força, da imposição e da concessão, de e entre classes e blocos de classes e frações de classe... se constrói a partir da sociedade civil e suas diversas instituições, mas tem no Estado um instrumento indispensável para a sua realização, consolidação e reprodução.

1.2-

Os meios/mídias hegemônicos não esgotam todos os modos de produção e socialização de informação e comunicação fazendo parte também das disputas sociais tanto na disponibilização de acesso e gerenciamento tecnológico como também da criação e circulação de significados.
Ainda com Gramsci:
... a hegemonia, mesmo quando estável e consolidada, sempre sofre algum grau de questionamento e possível instabilidade. Isto porque há o pressuposto da existência de forças contrárias, que, de algum modo, resistem a esta hegemonia, apresentando ou podendo propor projetos alternativos parciais ou globais.

(2) Dois caminhos interpretativos
2.1-
Uma postura da crítica sobre os meios de comunicação de massa sob influência da Escola de Frankfurt desenvolve uma linha interpretativa pessimista, articulando diretamente elementos da experiência do facismo europeu e as técnicas de propaganda política como elemento constitutivo das mídias de massa.
Esta postura de certa maneira se alimenta de um elitismo na recusa das formas tecnológicas de reprodução e de massificação da cultura (fotografia, cinema, fonografia, etc). Nesta perspectiva os meios/mídia se identificam com as tecnologias que distribuem cultura de massa como dispersão do espetáculo do consumo na fórmula rápida de prazer/alienação.
Comentando Adorno:
Adorno nomeia como "indústria cultural" todo sistema de inclusão da cultura na produção em série, assim como a produção de artigos simbólicos, que, em meio estratégico, produzam necessidades ilusórias. Para isso, o autor discorre sobre a racionalidade da indústria em incorporar as artes como bens padronizados e dispersá-la entre os consumidores que, já condicionados, teriam para usufruir como produto a superficialidade da "arte industrializada" .
2.2-
No âmbito da reflexão do pensamento crítico latino-americano, também se toma "o maquinismo estratégico da indústria cultural" e as relações sociais de poder que estruturam o setor da comunicação/informação sem, contudo inviabilizar uma percepção do conflito estruturante na sociedade que se expressa também nas formas de disputa pelos espaços de acesso e controle dos meios/mídias.
Martín-Barbero insiste na manutenção deste espaço de análise das relações de poder e suas mediações (ampliando a perspectiva de meio/mídia) reconhecendo que há plurais lugares de produção, criação, sistematização, socialização e vivência de informação/comunicação... que é também o espaço da criação artística.
... a comunicação, que tem representado um papel decisivo tanto na infraestrutura tecnológica da globalização como na undialização do imaginário e do ideários neoliberais de desregulação do mercado e deslegitimação do espaço e dos serviço públicos (...) é apresentada em Porto Alegre como um lugar de uma dupla perversão e uma dupla oportunidade ao mesmo tempo.

Estas pluralidades conviventes e simultâneas de perversão e oportunidade compõem o quadro mais amplo de correlação de força social e se influenciam e se modificam. Neste sentido uma visão monolítica e ortodoxa de meio/mídia não deixa ver os processos de luta de classes e as formas ativas e criativas de disputa pelos núcleos de criação e significado sociais. Comentando a Escola de Frankfurt, Barbero aponta:

Cheira demais a um aristocratismo cultural que se nega a aceitar a existência de uma pluralidade de experiências estéticas, uma pluralidade dos modos de fazer e usar socialmente a arte. Estamos diante de uma teoria da cultura que não só faz da arte seu único verdadeiro paradigma, mas que o identifica com seu conceito: um conceito unitário que relega a simples e alienante diversão qualquer tipo de prática ou uso da arte que não possa ser derivado daquele conceito, e que acaba fazendo da arte o único lugar de acesso à verdade da sociedade .

O importante na perspectiva do pensamento crítico latino-americano é o deslocamento dos meio/mídias como técnicas ou empresas para o espaço das mediações, superando a perspectiva ativo/passivo da relação emissor/receptor.
Para Martín-Barbero, as mediações
são esse 'lugar' a partir do qual é possível compreender a interação entre o espaço da produção e o da recepção: o que se produz na televisão não atende unicamente às necessidades do sistema industrial e a estratégias comerciais, mas também a exigências que vêm da trama cultural e dos modos de ver.

A pergunta pelas mediações impede qualquer perspectiva monocausal, e insere os processos de comunicação/informação no conjunto das relações culturais e das trocas sociais. Ao superar a pretensa unanimidade dos equipamentos de mídia na produção e controle da significação, este modelo interpretativo aponta que
o receptor não é somente um mero receptor de informações produzidas pelos meios de comunicação, também é um produtor de significados, com isso o autor (Barbero) propõe um estudo transdisciplinar do campo comunicacional, envolvendo cultura e política.

(3) Duas tarefas: meu tanque e meu palanque
Considerando brevemente estas discussões e desafios no campo das mídias/mediações no Brasil e traçando um horizonte de análise e intervenção para os movimentos feministas em geral, e a teologia feminista em particular, algumas tarefas se apresentam como urgentes e vitais

3.1- a luta pelo novo Marco Regulatório da Mídia
A primeira tarefa que os movimentos feministas já assumiram e que precisa ser fortalecida é a luta por um novo Marco Regulatório das Comunicações no Brasil. A ausência dos mecanismos de regulação tem favorecido o surgimento e consolidação de monopólios midiáticos e o descumprimento do caráter público da comunicação.
A falta de regulação e o controle dos meios por algumas poucas empresas privadas inviabilizam a veiculação de
diferentes ideias, opiniões e pontos de vista, e os diferentes grupos sociais, culturais, étnico-raciais e políticos possam se manifestar em igualdade de condições no espaço público midiático.

Em 2011 os movimentos feministas se encontraram e apresentaram a análise a as contribuições das feministas para esta discussão que consideram estratégica e vital para a democracia brasileira.

Historicamente, combatemos a mercantilização de nossos corpos e a invisibilidade seletiva de nossa diversidade e pluralidade e também de nossas lutas. Denunciamos a explícita coisificação da mulher na publicidade e seu impacto sobre as novas gerações, alertando para o poder que esse tipo de propaganda estereotipada e discriminatória exerce sobre a construção do imaginário de garotas e garotos. Defendemos uma imagem da mulher na mídia que, em vez de reproduzir e legitimar estereótipos e de exaltar os valores da sociedade de consumo, combata o preconceito e as desigualdades de gênero e raça tão presentes na sociedade.

Os monopólios do setor respondem ao movimento pelo Marco Regulatório de modo violento, sempre reproduzindo as denuncias de cerceamento da liberdade de expressão e inviabilizando o debate público. A participação feminista também na Articulação Mulher e Mídia tem sido importante para o enfrentamento do caráter sexista das empresas hegemônicas e insistem na regulação a partir de conteúdos de direitos já debatidos e consesuados: na Constituição, no II PNPM (Plano Nacional de Políticas para as Mulheres), na Lei Maria da Penha, nos acordos internacionais assinados pelo Brasil (Metas do Milênio, Beijing).
Se esta discussão é importante para a sociedade como um todo para as mulheres muito mais. Historicamente as mulheres tem sido objetos dos meios/mídias, tanto pelo protagonismo quase que exclusivo dos homens no acesso e no desenvolvimento das tecnologias aplicadas mas também pela exclusão de mulheres tanto como produtoras culturais e gerentes de informação/ comunicação como uma apreensão alienante e manipuladora da "condição feminina" naturalizando os estereótipos culturais e legitimando relações sociais de poder desiguais e violentas.
Poucos saberão melhor do que as mulheres o que é ter suas opiniões interditadas, sua participação social proibida, sua vida cerceada, sua existência invisibilizada, sua liberdade de expressão limitada.

3.2- fama de porra louca, tudo bem! a produção e socialização feminista, autônoma, participativa & queer da comunicação/informação
A tarefa que temos é a de enfrentar o pensar cultivado, utilitário e domesticado e em especial suas expressões midiáticas. Numa sociedade extremamente desigual, violenta, patriarcal e racista que cultiva diariamente modelos de consumo que precisam da alienação e do isolamento de sujeitos consumidos/consumidores a disputa midiática não se refere à crítica das tecnologias e empresas de informação e comunicação. As formas sociais de troca – plurais, necessárias e simultâneas – são pressionadas vigorosamente pelos estímulos midiáticos: comida, roupa, saúde, afeto, identidade, lugar, beleza, educação, sexo... tudo gira rapidamente no mundo de procura e oferta do capitalismo midiatizado. A rapidez pretende fissurar as formas locais e/ou dissidentes, a forma do espetáculo quer despossuir as variáveis cotidianas e ordinárias de viver na pressão de programas de glamour que vasculham a alma humana e as formas culturais dos modos de vida.
Estas formas de pressão, estes equipamentos de poder do pensamento cultivado, utilitário e domesticado criam rotina e selecionam prioridades, audiências e a intensidade da atenção do foco social em programas de auditório, feiras de inovação, competições sobre quase tudo, legitimação para as disfuncionalidades sistêmicas nas formas da criminalização, espetaculização da violência, a invenção de binários morais ou o silêncio. A inexistência.
Eis Pagu! Reivindica ser vista sem ser produzida. Dissidente sempre, dona do roteiro em processo e coletivo. Criminosa sem nunca ser, se arrisca entre um texto, uma peça de teatro, uma manifestação e uma gargalhada. Pagu reiventada deixa ver toda sua tecnologia de interpretar, fazer a crítica, disputar os signficados inventando-os. Pagu são muitos. Muitas.
A propaganda de carro – lindo, ágil, puro design, potência e... ecológico (?) , os jogos virtuais de corridas com carros reais inventados em curvas improváveis, a promoção de esportes de velocidade com máquinas e pilotos de marcas num interminável carrossel que faz o elogio do carro... O GPS, o air bag e toda parafernália tecnológica que altera modelos inalteráveis. O pastor evangelista profetiza uma Hillux para o fiel, e compromete seu auditório ao frenesi da benção automotiva. Jamais profetizará o transporte público – valha-me Deus! A promessa de vida eterna e uma vaga fácil pra estacionar. O carro particular reina nas revistas especializadas, no domínio do espaço nas ruas e avenidas e no imaginário da mobilidade, nas legislações dos políticos ligados ao setor do combustível. Um motor e uma explosão particular... e o mundo se move. Mover-se. Sair do lugar. Avançar. Vencer. Este o pensar cultivado, utilitário e domesticado. Enquanto isso as maiorias vão e vem num caos cotidiano e repetido de transporte público inviável, de péssima qualidade, movido pelos interesses das empresas e seus lucros, se arrastando por ruas e avenidas cheias, mal planejadas, insuficientes numa cidade caótica que se mantém do deslocamento forçado de milhões de trabalhadores/as que para vender sua força de trabalho precisam experimentar a realidade do transporte insuficiente, de péssima qualidade, caro e desrespeitoso.
Em junho de 2013 mais uma vez setores organizados da sociedade confrontaram a informação cultivada, utilitária e domesticada o direito de ir vir com suas péssimas condições de vida e mais uma vez forma pras ruas disputar o carro, o ônibus, a fórmula 1, a Hillux abençoada e a corrida do jogo virtual. Ao discurso cultivado os movimentos acionaram outros conteúdos e práticas e viabilizaram a expressão das condições de vida das maiorias: ocupando o espaço público, explicitando o nó da mobilidade trancando a rua, gerando uma mobilidade inventada de passeatas e protestos de pula catracas e de bloqueios. Primeiro os donos da informação cultivada disseram não! Desdenharam, criminalizaram, pediram violência. A disputa das informações, do fluxo de comunicação e dos significados já não cabia nos meios nem estavam sob o controle das empresas. Criou-se o dissenso e o dissenso tinha como se fazer ouvir: as redes sociais, as formas performáticas de ocupação e bloqueio, a horizontalidade dos consensos fabricados pelas assembléias, camisetas, jornalecos, projeção de laser... e o canto coletivo, a palavra de ordem.
Junho de 2013 no Brasil foi um momento exemplar de disputa dos espaços de mediação. Como tantas outras vezes na América latina e no mundo
Las jornadas (...) y la multiplicación de energías que de ellas se desprendieron, permitieron volver a plantear la diversidad de dimensiones emancipatorias de las resistencias, y anunciaron algunas tendencias que -al margen de avances y retrocesos coyunturales- marcan la subjetividad de nuevas franjas de protagonistas sociales y políticos, con señales que hablan de la recuperación de la confianza en las propias fuerzas, la deslegitimación del "orden" que nos condena, la posibilidad de pensar en la necesidad de una nueva institucionalidad y en consecuencia repensar la política (...) sobre la base de un esfuerzo colectivo que al tiempo que sueña el proyecto, intenta construirlo en las prácticas cotidianas, modificando las relaciones de opresión y dominación.
Junho que me pariu Pagu: muitas. Pagu ninjas, passe livre, black blocs, sininho, Freixo, Rafael Braga, Amarildo. Os desaparecidos e os mascarados são visualizados como voz projetada a laser no muro da fortaleza: Fora Rede Globo!

Pagu é Débora. Mãe de Maio de filho morto pela polícia. E se matou era pra ficar morto, quieto, esquecido , perdido entre tantos mortos de jovens negros das periferia pobres do Brasil. Na disputa entre milícias sem-farda e com-farda, no descontrole da segurança pública militarizada, a Polícia assassina respondeu aos ataques que sofria levando o terror para as periferias: 532 mortos em uma semana. Quase todos jovens, quase todos negros, quase todos pobres.
Débora Maria da Silva é uma das mães... perdeu seu menino num 15 de maio:
Débora - O nosso interesse é que mude a política de segurança pública do Estado, que hoje é de repressão e extermínio. É inaceitável uma mãe perder o seu filho para o Estado, e ele ainda colocar a imagem do seu filho como bandido, e eles apenas viram os mocinhos...A vítima se transformar no autor, e o autor se transforma numa vítima, é assim que eu vejo, é assim que acontece.
A luta das mães é a luta pela democracia, e uma ética na polícia. Somos mães pela democracia, porque a mulher faz a diferença, nós somos a maioria, saímos na rua e é para ter ética, não aceitamos mais que o Estado mate os nossos filhos. E a luta maior é que seja banido dos boletins de ocorrência o auto de resistência e a resistência seguida de morte. Porque foi um modo que a polícia encontrou para legitimar o homicídio e acabar em inquérito e depois ser arquivado.

Nos programas de televisão os meninos mortos pelos crimes de Maio são bandidos, não tem nome, são culpados sem qualquer espaço pra dúvida ou pergunta. A mídia expõe os rostos negros e edita seu roteiro que criminaliza as maiorias, legitima os abusos policiais e instala o medo como ferramenta de controle social.
Débora e as outras não se calam, não se encaixam e não se eixam vencer: disputam! Ocupam calçadas de delegacias, promovem manifestações, ampliam a foto com o rosto lindo do filho morto e passeiam com ele na frente das tropas da Polícia e da mídia. Elas pintam camisetas, cartazes e comovem gentes, grupos, movimentos e colocam na agenda de hoje a luta pela desmilitarização da Polícia e o controle público da segurança... pública.
É uma disputa desigual, mas elas-Pagu se apropriam de todas as linguagens, fazem parcerias e ampliam sua voz, sua aparição e sua existência e são escutadas, e são respeitadas e são temidas e honradas. As Mães de Maio.
Já não estão só em São Paulo nem se ocupam só de seus meninos e dos mortos de Maio, são uma voz autorizada e importante a nível nacional e mais. Elas tem um blog, elas estão das redes sociais, elas tem vídeo, rap, hip hop, grafite e instalação. São multi-mídia tanto quanto multi é a dor e a motivação de se fazer ouvir.

Débora - O nosso blog é uma ferramenta de luta dos movimentos sociais porque é neles que a gente pode falar o que de fato está acontecendo. A gente tira uma foto, escreve um texto e publica. E nós escrevendo e postando nos nossos espaços de comunicação, no caso o blog, nunca vai ser algo maquiado pela grande mídia.
Os blogs ajudam a trazer a tona o que é a realidade na periferia. Os movimentos sociais têm que segurar com fé essa ferramenta de luta. Temos que fazer um movimento social da blogosfera. Somos multiplicadores. Sem a periferia. Sem o povo nunca estes encontros de blogs, esta ferramenta vai ser progressista.

A luta das Mães multiplicou as energias e criou uma força transmissora de resistência emancipatória: as Mães se apropriaram de ferramentas de comunicação, se ocuparam das formas antigas da luta por direitos e inventaram uma voz potente e autorizada, legitimada por muitos outros movimentos sociais. As Mães geram debates sobre legislação e políticas, criam mecanismos de julgamento e responsabilização das forças policiais criminosas, ampliam seu debate para cultura, feminismo, educação.
"A periferia não dorme. E desde que a gente não dorme, tem que aprender a se organizar. Éramos donas de casa que, com a dor, aprendemos a fazer uma articulação pesada", diz Debora, que com outras mães já ocupou o Parque da Juventude, na zona norte de São Paulo, para lembrar o massacre do Carandiru e enfrentou políticos da bancada da bala, como deputado estadual Major Olímpio (PDT-SP), em audiências públicas. "Até Brasília ficou pequena para nós".





3.3 – Ratatá Ratá ta ta taratá ahhh

Quando os tambores da Marcha Mundial de Mulheres rufam pelas avenidas das cidades brasileiras ou pela América Latina expressam um cuidadoso processo de organização das mulheres e uma refinada avaliação dos mecanismos midiáticos de ao mesmo tempo expor demais as mulheres e esconder totalmente as mulheres.

A batucada na MMM, como uma expressão de nossa ação feminista, iniciou comas mulheres do Rio Grande do Norte no FSM em 2003. Essa experiência somou e inovou uma linguagem própria da MMM. Possibilitou ocupar plenamente o espaço público desde os nossos sons, que produzimos dos tambores e latas, e de nossas vozes com gritos que fortalecem uma ação feminista irreverente. O ritmo, visual e rebeldia da batucada feminista já apareceu nas manifestações do 8 de março de2003 em alguns estados


A proposta é simples: as mulheres se juntam com latas de tinta, de óleo ou outra qualquer e passam um tempo juntas produzindo os instrumentos de batucada. É um trabalho manual simples que se faz acompanhar da produção artística do objeto e também a criação dos "refrões: que vão ser entoados. Um outro momento é o de ensaio em que as mulheres testam as latas feito batuques e impõem ritmo para as frases que vão ser entoadas. A oficina mesmo de produção e criação da batucada já é um processo de formação, de busca da captura dos conteúdos teóricos e sua transformação em comunicação de rua: rápida, ágil, divertida, ferina, ritmada.

"O mundo não é uma mercadoria! As mulheres também não!".
"A nossa luta é todo dia: somos mulheres e não mercadoria!"

A batucada é uma atividade de aglutinação política, além de um espaço permanente de auto-organização; as feministas da Marcha sabem que não tem a amplificação tecnológica e midiática para suas propostas e críticas, por isso reivindicam o espaço da rua, ocupam o espaço como bloco de gente e bloco de som que articulam também colagem de cartazes, intervenção em cartazes publicitários, ações de rua com batucada, debates sobre letras de música, publicidade na TV, revistas e padrões de beleza Pagu! São muitas e por isso mais fortes, mais abusadas e mais resistentes. Desferem o som na rua e insistem na presença da mulher projetada por elas mesmas. Nem corcunda nem bunda!

A batucada é um espaço irreverente e permanente de organização. Além de um instrumento utilizado para a discussão política é um instrumento de visibilidade das ações da Marcha, seja no espaço de auto-organização ou nos espaços de militância mista. A Batucada é também um instrumento de ousadia na construção de novos ritmos, músicas e palavras de ordem a partir do cotidiano da vida e da luta das mulheres e que os retratam, seja na denúncia do machismo ou nas alternativas encontradas pelas mulheres para a construção de um mundo igual.


Mais do que uma atividade animada, a Batucada se aproxima de uma questão vital da experiência social e dos mecanismos de informação e comunicação: o ritmo! Mesmo a tecnologia é ritmo codificado em bytes, numeração de espaço e tempo na fricção das vias de transmissão.

a linguagem nasce do ritmo ou, pelo menos, que todo ritmo implica ou prefigura uma linguagem. Assim, todas as expressões verbais são ritmo, sem exclusão das formas mais abstratas ou didáticas da prosa. Deixar o pensamento em liberdade, divagar, é regressar ao ritmo; as razões se transformam em correspondências, os silogismos em analogias, e a marcha intelectual em fluir de imagens.


Nas mídias de mercado voltadas para a mercantilização da informação e da comunicação o tempo e espaço são acelerados como num vídeo clip da MTV ou num videogame. Notícias, logos, imagens, sons se sucedem num ritmo frenético tornando tudo obsoleto e envelhecido rapidamente, querendo subtrair da relação comunicativa qualquer tempo&espaço de reflexão. Este seqüestro do tempo de resposta, do tempo de elaboração de sequências tem como objetivo anular o espaço de mediação, sobrepondo a mensagem unilateralmente e evitando reverberação.
A Batucada Feminista e outros exercícios de ocupação da rua, do lugar e do som reivindicam diretamente o lugar da resposta, da criação do retorno da fala, da imagem, do significado que exige a interlocução e a audiência. Expressão do feminismo que não se rende, não se cansa e nem se vende para os mecanismos de anexação e as migalhas do politicamente correto. As Batucadas Feministas querem o ritmo, negar a pressa do capitalismo sexista e racista e estourar na avenida. "Fama de porra louca, tudo bem! Minha mãe é Maria Ninguém." Pagu.

Conclusão: nem freira nem puta
Só quem morreu na fogueira sabe o que é ser carvão. As teologias feministas sabem. O desafio de participar do enfrentamento das perversões da mídia e de participar da criação das oportunidades de novas relações de poder coloca pra nós feministas enormes desafios.
Identificar os vetores de dominação da reflexão teológica patriarcal que convive com o massacre midiático é fundamental. Alguns teólogos se juntam ao coro dos pessimistas e denunciam os jogos de poder midiáticos confortavelmente a partir de suas cátedras e publicações: fazem o elogio do livro e da ciência contra toda a vulgaridade da cultura de massas, das ordinárias formas do popular e suas formas suadas e exageradas de se dizer. Aceitam o espaço restrito de fazer circular suas idéias e recusam a rua, o grito, a marcha, a batucada, o vexame e a indecência de ter que grafitar o nome de Deus no muro enquanto foge da polícia. Este senhores no máximo se sentiram importantes quando forem chamados a emitir uma opinião para um grande veículo de informação.
Nós somos Pagu. Somos Marcella:
En teología, y en teología revolucionaria, es la discontinuidad y no la continuación de ideas lo que la hace valiosa y transformadora. Por lo tanto, es crucial poder localizar las áreas excluidas de la teología.

Nós? Somos pau pra toda obra: nossas teologias precisam se esfregar nos ritmos e silêncios das formas dissidentes dos movimentos anticapitalistas, anti-racistas e anti-sexistas... nosso buraco é mais em cima. Mexemos e remexemos na inquisição e daí tiramos nossos materiais. Temos sangue nos olhos como as Mães de Maio: nossa mãe é Maria Ninguém. E batucamos! Batucamos freneticamente o ritmo das religiões do povo, religião sem nome, a oração das mulheres na luta pelo aborto e contra o estupro.
A reinvenção dos conteúdos não é tarefa meramente teórica mas fruto de uma práxis libertária organizadora e organizada juntos aos movimento sociais. As teologias feministas precisam urgentemente rever e superar os vícios metodológicos, pedagógicos e epistêmicos que herdamos da teologia patriarcal. Ter que conviver e sobreviver nos espaços formais da academia, da igreja e da decência (ratátá) tem refreado nosso poder de disputa das formas de informação e comunicação do religioso e suas pertenças nas formas consumidas consumadas do pensamento cultivado, utilitário e domesticado. Precisamos ousar mais nas formas, no ritmo e no ratátá. Pagu total: teologia de cabelo curto e blusa transparente.
Nem freira nem puta: feiticeiras brasileiras de bundas e peitos reais firmes e fortes. Nem atriz, nem modelo e nem dançarina de teologias feitas para agradar os senhores do altar, da cátedra e editoras. Nossos espaços de mediação nós inventamos junto aos movimentos de mulheres, às mulheres e homens dos movimentos sociais.
Nosso desafio é fazer Paguteologia. Deus? dá asa a minha cobra!
Ratatá! Ratatá! Ratatá!
Taratá! Taratá!



Nancy Cardoso Pereira - este texto apresenta parte do material apresentado do Congresso da EST de 2014, na mesa Mídia, Gênero e Violência, organizado pelo Núcleo de Estudos de Gênero
Viva Pagu, http://www.pagu.com.br/blog/home/ (acesso em 2/8/2014)
NUNES, Benedito, A antropofagia ao alcance de todos, in: http://www.jcrisostomodesouza.ufba.br/atual01/a_atropofagia_ao_alcance.html (acesso em 2/8/2014)
http://letras.mus.br/rita-lee/81651/
ALMEIDA, Jorge, A relação entre mídia e sociedade civil em Gramsci, Revista Compolítica, n. 1, vol. 1, ed. março-abril, ano 2011, in: compolitica.org/revista/index.php/revista/article/download/8/6, p. 121 (acesso em 12/8/2014)
Ibid., p. 122
HORKHEIMER, Max; ADORNO, Theodor W. Dialética do esclarecimento, Jorge Zahar, Rio de Janeiro, 1985, p. 136
RAMIRES, T., Indústria Cultural e o Espetáculo: os contrastes teóricos entre a Escola de Frankfurt e os Estudos Culturais Contemporâneos, Revista Anagrama: Revista Científica Interdisciplinar da Graduação , Ano 3 - Edição 3 – Março-Maio de 2010, p. 2, in: http://www.usp.br/anagrama/Ramires_espetaculo.pdf (acesso em 8/8/2014)
Ibid, p.3 (acesso em 8/8/2014)
Sobre o autor cf.: PAULINO, Roseli Aparecida Fígaro; BACCEGA, Maria Aparecida. Sujeito, comunicação e cultura (Entrevista com Jesús Martín-Barbero). Comunicação & Educação, Brasil, n. 15, p. 62-80, ago. 1999. ISSN 2316-9125. Disponível em: . (acesso em 2/8/2014)
MARTÍN-BARBERO, Jesus, A comunicação na educação, in file:///C:/Users/Usuario/Downloads/a_comunicac_o_na_educac_o_introduc_o.pdf (acesso em 14/8/2014)
MARTÍN-BARBERO, Jesus. Dos meios as mediações: comunicação, cultura e hegemonia. UFRJ, Rio de Janeiro: UFRJ, 2003, p. 82, in: www.editora.ufrj.br/eCommerce/asp/livro.asp?idLivro=264 (acesso em 13/8/2014)
MARTÍN-BARBERO, Jesús & MUÑOZ, Sonia (coords.) Televisión y melodrama. Bogotá: Tercer Mundo Ed., 1992. p. 20, apud., BACCEGA, Maria Aparecida, Comunicação/Educação: Um campo em acçã, in: http://www.bocc.ubi.pt/pag/baccega-maria-comunicacao-educacao-campo-accao.pdf (acesso em 9/8/2014)
RIBEIRO, Luiza, Jesus Martín Barbero e seus estudos de mediação na telenovela, Comunicação & Informação, v. 16, n. 2, p. 39-49, jul./dez. 2013, in: www.revistas.ufg.br/index.php/ci/article/download/29187/1631(acesso 10/8/2014)
Plataforma para um novo Marco Regulatório das Comunicações no Brasil, in: http://www.comunicacaodemocratica.org.br/ (acesso em 8/8/2014)
Carta aberta por um novo marco regulatório para as comunicações no Brasil, in: http://ombudspe.org.br/canal-aberto/mulheres-em-luta-pelo-direito-a-comunicacao/ (acesso 9/8/2014)
PRACIANO, Laryssa, A luta das mulheres e o Marco Regulatório da Comunicação, in: http://marchamulheres.wordpress.com/2013/02/12/a-luta-das-mulheres-e-o-marco-regulatorio-da-comunicacao/ (acesso 9/8/2014)
MORENO, Rachel, A imagem da mulher na mídia – controle social comparado, Editora: Publisher Brasil, São Paulo, 2013, introdução, in: www.teoriaedebate.org.br/.../imagem-da-mulher-na-midia-controle-socia...
KOROL, Cláudia, Pedagogía de la resistencia y de las emancipaciones, America Libre, in: http://www.nodo50.org/americalibre/educacion/korol2_110705.htm (acesso em 14/08/2014)
SILVA, Débora Maria, entrevista, Mães de Maio, mães da luta, mães da vida, Boletim NPC, in: http://www.piratininga.org.br/novapagina/leitura.asp?id_noticia=6997&topico=Por%20NPC (8/8/2014)
SILVA, Débora Maria, reportagem, A Ditadura continua nas Favelas, diz Mães De Maio, Brasil 247, 7 de maio de 2014, in: http://www.brasil247.com/pt/247/favela247/139009/A-Ditadura-continua-nas-favelas-diz-M%C3%A3es-de-Maio.htm (acesso em 8/8/2014)
MARCHA MUNDIAL DE MULHERES, Crítica Feminista à Sociedade Mercado, Cadernos Marcha Mundial de Mulheres, junho de 2008, in: http://www.feminismo.info/webgalego/images/stories/pdf/Livro_MMM_Brazil.pdf (acesso em 12/8/2014)
MARCHA MUNDIAL DAS MULHERES, Batucada Feminista, in: http://marchamulheres.wordpress.com/batucada-feminista/ (acesso em 12/8/2014)
PAZ, Octávio, O arco e a lira, in: http://www.ufrgs.br/proin/versao_2/paz/index19.html (acesso em 12/8/2014)
ALT-HAUS REID, Marcella, The Homepage of Indecent Theology and Radical Liberation Theology, in: http://www.althaus-reid.com/index1.html (acesso em 13/9/2014)

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.