Teologia Sistemática - Augustus Hopkins Strong vol 2

July 7, 2017 | Autor: Diogenes Gimenes | Categoria: Teologia
Share Embed


Descrição do Produto





Augustus Hopkins
Prefácio de Russell Shedd

AUGUSTUS HOPKINS STRONG
Nasceu em Nova York (Rochester), E.U.A., Em 1836. Homem de grande vigor intelectual, literato, filósofo e teólogo, Strong cresceu e se formou dentro da Igreja Batista. Tal perfil se faz presente em sua obra, não de forma limitante, mas criativa e atenta às mudanças que fervilhavam em sua época "fin-de-siécle". Sua obra teológica, prezando a reflexão teológica qualificada e aprofundada mais que a quantidade, marcou toda uma geração de estudantes do início do século passado, inclusive no Brasil. Dentre suas obras, desponta a Systematic Theology, sua opus magnum.

T E O L Q G I A
SISTEMATICA
Augustus Hopkins
STRONG
Prefácio de Russell Shedd
A Doutrina de Deus
Vol.
II
MAGNOS

Copyright © 2003 por Editora Hagnos
Supervisão Editorial
Luiz Henrique Alves da Silva Rogério de Lima Campos Silvestre M. de Lima Silvia Cappelletti
Tradução
Augusto Victorino
Revisão
Cláudio J. A. Rodrigues
Digitação de textos
Regina de Moura Nogueira
Capa
Rogério A. de Oliveira
Layout e Arte Final
Comp System
Diagramação
Pr. Regino da Silva Noqueira Cícero J. da Silva
Coordenador de Produção
Mauro W. Terrengui
Ia edição - março 2003 - 3000 exemplares
Impressão e acabamento
Imprensa da Fé
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Strong, Augustus Hopkins, 1836-1921
Teologia sistemática/ Augustus Hopkins Strong ; prefácio de Russell Shedd ; [tradução Augusto Victorino].
- São Paulo : Hagnos, 2003.
Título original: Systematic theology Obra em 2 v.
Conteúdo: A doutrina de Deus
1. Batistas - Doutrinas 2. Teologia doutrinai I. Shedd, Russell. II. Título.
ISBN 85-89320-12-X
03-0919 CDD-230
índices para catálogo sistemático:
1. Teologia sistemática : Religião 230
Todos os direitos desta edição reservados à EDITORA HAGNOS Rua Belarmino Cardoso de Andrade, 108 São Paulo - SP - 04809-270 Tel/Fax: (xxll) 5666 1969 e-mail: [email protected]

PREFÁCIO
Foi uma grande surpresa saber que a Teologia Sistemática de Strong, aquela obra — inumental de pensamento teológico da minha juventude na Escola Graduada de Wheaton, bem como no Seminário da Fé, estava sendo traduzida e editada em portu- r_ês. Confesso que não tenho lido muito desta teologia, tão conhecida no mundo evangélico durante mais de cem anos. Mas descobri que é uma vasta fonte de informação isolágica e bíblica. Não é necessário concordar com tudo que Strong escreveu para irr: veitar a impressionante coletânea de ensinamentos e textos que o incansável teólo- ajuntou. Augustus Strong foi eleito presidente e professor de Teologia Bíblica do Seminário Teológico de Rochester no estado de Nova Iorque em 1872. Ocupou estes dois cargos durante 40 anos, após pastorear a Primeira Igreja Batista de Cleveland, estado de Ohio, por sete anos. Não abandonou o espírito pastoral na "torre de marfim" [fc seminário.
A Teologia Sistemática de Strong (primeira edição, 1886) encontra o seu centro em Cristo. Em suas palavras, "A pessoa de Cristo foi o fio da meada que segui; sua divindade e sua expiação eram os dois focos da grande elipse" (citado por W. R. Estep, Jr. na Enciclopédia Histórico Teológica da Igreja Cristã, ed. W. A. Elwell, Ed.Vida Nova, 1990, Vol. III, p. 420).O leitor não precisa ler os dois volumes para perceber a r.qjeza de apoio bíblico e teologia histórica. Entre os teólogos mais destacados dos Batistas do Sul dos Estados Unidos, E. Y. Mullins e W. T. Conner receberam forte influência de Strong Espero que o aparecimento desta Teologia Sistemática seja bem recebido no Brasil. Deve ser um referencial para os que procuram uma âncora para sua fé, mesmo que tenha sido escrita antes dos teólogos liberais tais como Paul Tillich e -.udolf Bultmann.
A Deus toda a glória!
Pr. D r. Russell Shedd

Esta obra não representa necessariamente a opinião da Editora Hagnos.
Atos 17.11

PREFÁCIO DO AUTOR
A presente obra é uma revisão e ampliação da minha Systematic Theology, primeiramente publicada em 1886. Da obra original foram impressas sete edições, cada uma das quais incorporando sucessivas correções e supostos aprimoramentos. Durante os vinte anos que mediaram entre a primeira publicação, reuni muito material novo, que agora ofereço ao leitor. Meu ponto de vista filosófico e crítico nesse período também sofreu alguma mudança. Conquanto ainda eu sustente as doutrinas antigas, interpreto-as diferentemente e exponho-as com maior clareza, porque a mim me parece ter chegado a uma verdade fundamental que lança novas luzes sobre todas elas. Esta verdade rentei estabelecer em meu livro intitulado Christ in Creation, e delas faço referências ao leitor para mais informações.
Que Cristo é aquele único Revelador de Deus, na natureza, na humanidade, na história, na ciência, na Escritura, a meu juízo, a chave da teologia. Este ponto de vista implica uma concepção monística e idealista do mundo, juntamente com uma idéia evolutiva quanto à sua origem e progresso. Mas é o próprio antídoto do panteísmo que reconhece a evolução como único método do Cristo transcendente e pessoal, que é tudo em todos e que faz o universo teológico e moral a partir do centro da sua circunferência e desde o seu começo até agora.
Nem a evolução, nem a alta crítica tem algo de aterrador para aquele que as considera como parte do processo criador e educador da parte de Cristo. O mesmo Cristo em quem estão ocultos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento fornece todas as salvaguardas e limitações necessárias. Tão somente porque Cristo tem sido esquecido é que a natureza e a lei tem sido personificada, e a história tem sido considerada como um desenvolvimento sem propósito, que se tem feito referência ao judaísmo como tendo uma origem simplesmente humana, que se tem pensado que Paulo tirou a igreja do seu próprio curso mesmo antes de iniciar o seu próprio curso, que a superstição e ilusão vieram a parecer o único fundamento do sacrifício dos mártires e o triunfo das missões modernas. De modo nenhum creio numa evolução irracional e ateísta como esta. Contrariamente, creio naquele em quem consistem todas as coisas,

Augustus Hopkins Strong
que está com o seu povo até o fim do mundo e prometeu conduzi-lo em toda a verdade.
A filosofia e a ciência são boas servas de Cristo, mas pobres guias quando rejeitam o Filho de Deus. Quando chego ao meu septuagésimo ano de vida e, no meu aniversário escrevo estas palavras, sou grato por aquela experiência da união com Cristo que me capacitou a ver na ciência e na filosofia o ensino do meu Senhor. Porém esta mesma experiência pessoal fez-me mais consciente do ensino de Cristo na Escritura, e fez-me reconhecer em Paulo e João uma verdade mais profunda do que a que foi descoberta por quaisquer escritores, uma verdade com relação ao pecado e a sua expiação e que satisfaz os mais profundos anseios da minha natureza e que por si mesma é evidente e divina.
Preocupam-me algumas tendências teológicas dos nossos dias, porque creio que elas são falsas tanto na ciência como na religião. Como homens que se sentem pecadores perdidos e que uma vez receberam o perdão do seu Senhor e Salvador crucificado podem daí em diante rebaixar seus atributos, negar a sua divindade e expiação, arrancar da sua fronte a coroa do milagre e soberania, relegá-lo ao lugar de um mestre simplesmente moral que nos influencia apenas como o fez Sócrates com palavras proferidas através dos tempos, passa pela minha compreensão. Eis aqui o meu teste de ortodoxia: Dirigimos nossas orações a Jesus? Invocamos o nome de Cristo como Estêvão e toda a igreja primitiva? O nosso Senhor vivo é onipresente, onisciente, onipotente? Ele é divino só no sentido em que nós também o somos, ou é ele o Filho unigênito, Deus manifesto em carne, em quem habita corporalmente toda a plenitude da divindade? Que pensais vós de Cristo? esta ainda é a pergunta crítica, e a ninguém que, diante da evidência que ele nos forneceu, se não pode responder corretamente, assiste o direito de chamar-se cristão.
Sob a influência de Ritschl e seu relativismo kantiano, muitos dos nossos mestres e pregadores têm deslizado para negação prática da divindade de Cristo e da sua expiação. Parece que estamos à beira do precipício de uma repetida falha unitária, que esfacelará as igrejas e compelirá a cisões, de maneira pior que a de Channing e Ware há um século. Os cristãos americanos se recuperaram daquele desastre somente ao afirmar vigorosamente a autoridade de Cristo e a inspiração das Escrituras. Necessitamos de uma visão do Salvador como a que Paulo teve no caminho de Damasco e João na ilha de Patmos, para nos convencermos de que Jesus está acima do espaço e do tempo, que a sua existência antedata a criação, que ele conduziu a marcha da história dos hebreus, que ele nasceu de uma virgem, sofreu na cruz, levantou-se dentre os mortos, e agora vive para sempre, é Senhor do universo, o único Deus com quem nos relacionamos, nosso Salvador aqui e Juiz no futuro. Sem haver avivamento

Teologia Sistemática
9
"esta fé nossas igrejas se tomarão secularizadas, a missão morrerá, e o castiçal será removido do seu lugar como ocorreu às sete igrejas da Ásia e como Em sido com as igrejas da Nova Inglaterra, que se apostataram.
Imprimo esta edição revista e ampliada da minha "Systematic Theology", na esperança de que a sua publicação possa fazer algo para refrear esta veloz maré que avança, e confirmar a fé nos eleitos de Deus. Não tenho dúvida de que os cristãos, em sua grande maioria, ainda mantêm a fé que, de uma vez por todas foi entregue aos santos e que eles, cedo ou tarde, hão de separar-se iaqueles que negam o Senhor que os comprou. Quando o inimigo entra como um dilúvio, o Espírito do Senhor levanta o estandarte contra ele. É preciso que eu faça a minha parte levantando tal estandarte. E preciso que eu conduza :utros a reconhecer, como eu, a despeito das opiniões arrogantes da moderna infidelidade, a minha firme crença, reforçada somente pela experiência e reflexão de meio século nas velhas doutrinas da santidade como atributo fundamental de Deus, de uma transgressão e pecado de toda a raça humana, na preparação divina da história hebréia da redenção do homem, na divindade, ~a preexistência, nascimento virginal, expiação vicária e ressurreição corporal do nosso Senhor Jesus Cristo, e na sua futura vinda para julgar os vivos e os mortos. Eu creio que estas são verdades da ciência assim como da revelação; que ainda se verá que o sobrenatural é mais verdadeiramente natural; e que não o teólogo de mente aberta, mas o cientista de mente estreita será obrigado a esconder a sua cabeça na vinda de Cristo.
O presente volume, ao tratar do Monismo Ético, da Inspiração, dos Atributos de Deus e da Trindade, contém um antídoto para a mais falsa doutrina que agora ameaça a segurança da igreja. Desejo agora chamar especialmente a atenção para o assunto Perfeição e os Atributos por ela envolvidos, porque eu creio que a recente fusão da Santidade com o Amor e a negação prática de que essa Retidão é fundamental na natureza de Deus são responsáveis pelos pontos de vista utilitários da lei e os pontos de vista superficiais sobre o pecado que agora prevalecem em alguns sistemas de teologia. Não pode haver nenhuma apropriada doutrina da retribuição, quando se recusa a sua preeminência. O amor deve ter uma norma ou padrão, e isto só pode ser encontrado na Santidade. A velha convicção do pecado e do senso de culpa que conduz o pecador convicto à cruz são inseparáveis de uma firme crença no atributo de Deus logicamente auto-afirmante, anterior ao auto-comunicante e condicionado a ele. A teologia da nossa época carece de um novo ponto de vista sobre o Justo. Tal ponto de vista esclarecerá que deve haver uma reconciliação com Deus antes que o homem seja salvo, e que a consciência humana seja apaziguada só na condição de que se faça uma propiciação à Justiça divina. Neste volume eu

10
Augustus Hopkins Strong
proponho o que considero a verdadeira Doutrina de Deus, porque nela deve basear-se tudo o que se segue nos volumes sobre a Doutrina do Homem e a da Salvação.
A presença universal de Cristo, luz que ilumina a todo homem tanto em terras pagãs como cristãs, para dirigir ou governar todos os movimentos da mente humana, dá-me a confiança de que os recentes ataques à fé cristã fracassarão no seu propósito. Torna-se evidente, por fim, que não só atacam-se as obras primorosas, mas até mesmo a cidadela. Pede-se que se abandone toda a crença na revelação especial. Dizem que Jesus Cristo veio em carne exatamente como qualquer um de nós, e ele era antes de Abraão senão só no mesmo sentido que nós somos. A experiência cristã sabe como caraterizar tal doutrina tão logo se estabelece de um modo claro. E a nova teologia entrará em voga possibilitando que até mesmo crentes comuns reconheçam a heresia destrui- dora de almas mesmo sob a máscara de professa ortodoxia.
Não faço apologia alguma do elemento homilético do meu livro. Para ser verdadeira ou útil, a teologia deve ser uma paixão. Pectus est quod teologum facit, e nenhum zombador que apregoa a "Teologia Peitoral" me impedirá de sustentar que os olhos do coração devem ser iluminados para perceber a verdade de Deus e que, para conhecer a verdade, é necessário praticá-la. A teologia é uma ciência cujo cultivo pode ser bem sucedido somente em conexão com sua aplicação prática. Por isso, em cada discussão dos seus princípios devo assinalar suas relações com a experiência cristã, e a sua força para despertar emoções cristãs e levar a decisões cristãs. Teologia abstrata, na verdade, não é científica. Só é científica a teologia que traz o estudioso aos pés de Cristo. Eu anseio pelo dia em que, em nome de Jesus, todo joelho se dobre. Creio que, se cada um servir a Cristo, o Pai o honrará, e ele honrará o Pai. Eu mesmo não me orgulharia de crer tão pouco, mas sim de crer muito. Fé é a medida com que Deus avalia o homem. Por que haveria de duvidar que Deus falou aos pais pelos profetas? Por que haveria de pensar que é incrível Deus ressuscitar os mortos? O que é impossível aos homens é possível a Deus. Quando o Filho do homem vier, porventura achará fé na terra? Queira Deus que encontre fé em nós, que professamos ser seus seguidores. Na convicção de que as trevas presentes são apenas temporárias e que serão banidas por um glorioso alvorecer, ofereço ao público esta nova edição da minha "Teologia" rogando a Deus para que qualquer que seja a boa semente que frutifique e qualquer que seja a planta que o Pai não plantou que seja arrancada.
ROCHESTER THEOLOGICAL SEMINARY ROCHESTER, N. Y., 3 de agosto de 1906.

SUMARIO
Parte V - ANTROPOLOGIA, OU DOUTRINA DO HOMEM
C%rtnxo I - PRELIMINARES 19
L O homem, uma criação de Deus e um filho de Deus 19 '
II Unidade da raça humana 35
A partir da história 37
A partir da língua 38
A partir da psicologia 40
A partir da fisiologia 40
HL Elementos essenciais da natureza humana 44
Teoria Dicotomista 44
Teoria Tricotomista 46
Origem da alma 51
Teoria da Preexistência 51
Teoria Criacionista 55
Traducianista 59
Natureza moral do homem 64
Consciência 65
Vontade 73
Capítulo II - O ESTADO ORIGINAL DO HOMEM 87
Essência do estado original do homem 88
Semelhança natural com Deus, ou pessoalidade 89
Semelhança moral com Deus, ou santidade 91
Incidentes do estado original do homem 100
Resultados da posse da imagem divina da parte do homem 100
Concomitância da posse da imagem divina pelo homem 103
Capítulo III - PECADO, OU ESTADO DE APOSTASIA DO HOMEM 115
SEÇÃO I - A LEI DE DEUS
Lei em geral 115
A lei é uma expressão da vontade 115
A lei é uma expressão geral da vontade 117
A lei implica poder de impor 117
A lei expressa e determina a natureza 118
A lei de deus em particular 120

12
Augustus Hopkins Strong
Relação da lei com a graça de deus 136
SEÇÃO II - NATUREZA DO PECADO
Definição 139
Prova 143
Inferências 150
O princípio essencial do pecado 153
Pecado como Sensitividade 153
Pecado como adaptação 159
O pecado como Egoísmo 165
SEÇÃO III - UNIVERSALIDADE DO PECADO
Todo ser humano que chegou à consciência moral cometeu atos, ou
acalentou disposições contrárias à lei divina 174
Prova da Escritura 174
Prova da história, da observação e do juízo comum da humanidade 176
Prova a partir da experiência cristã 178
Todo membro da raça humana, sem exceção, possui uma natureza corrompida, que é a fonte do verdadeiro pecado, e por si mesma é pecado 181
Prova da Escritura 181
Prova da Razão 184
SEÇÃO IV - ORIGEM DO PECADO NO ATO PESSOAL DE ADÃO
O relato escriturístico da tentação e queda em Gn. 3.1-7 188
Seu caráter geral não mítico ou alegórico, mas histórico 188
O curso da tentação e a resultante queda 190
Dificuldades em conexão com a queda consideradas como o ato pessoal
de Adão 192
Como poderia cair um ser santo? 192
Como poderia Deus, com justiça, permitir a tentação satânica? 196
Como poderia, com justiça, uma pena tão grande estar em conexão com
uma ordem tão insignificante? 198
Conseqüências da queda no que respeita a Adão 199
Morte - Esta morte era dupla. Ela era parcialmente 199
Exclusão positiva e formal da presença de Deus 203
SEÇÃO V - ATRIBUIÇÃO DO PECADO DE ADÃO À SUA POSTERIDADE
Teorias da atribuição 209
Teoria Pelagiana, ou da Inocência Natural do Homem 209
Teoria Arminiana, ou Teoria da Depravação voluntariamente apropriada 215
Teoria da Nova Escola, ou Teoria da Viciosidade não Condenável 223
Teoria Federal, ou Teoria da Condenação por Pacto 231
Teoria da Atribuição Mediata ou da Condenação pela Depravação 237
Teoria Agostiniana, do Encabeçamento natural de Adão 241
Objeções à doutrina agostiniana da atribuição 254
SEÇÃO VI - CONSEQÜÊNCIAS DO PECADO DE ADÃO À POSTERIDADE
Depravação 265

Teologia Sistemática
13
A depravação é total ou parcial? 266
2 Capacidade, ou incapacidade? 269
— Culpa 275
. Natureza da culpa 275
Graus de culpa 280
UL Pena 286
Idéia da Pena 286
A verdadeira pena do pecado 292
. EÇÃO VII - A SALVAÇÃO DAS CRIANÇAS
Parte VI - SOTERIOLOGIA, OU DOUTRINA DA SALVAÇÃO ATRAVÉS DA OBRA DE CRISTO E DO ESPÍRITO SANTO
Capitulo I - CRISTOLOGIA, OU A REDENÇÃO OPERADA POR CRISTO.. 307 SEÇÃO I - PREPARAÇÃO HISTÓRICA PARA A REDENÇÃO
Preparação Negativa 307
H- Preparação Positiva 309
5EÇÃO II - A PESSOA DE CRISTO
L Levantamento histórico dos pontos de vista relativos à pessoa de cristo 313
II- As duas naturezas de cristo - sua realidade e integridade 318
A Humanidade de Cristo 318
A Divindade de Cristo 330
m. A união das duas naturezas em uma só pessoa 333
Prova desta União 334
Falsas Interpretações Modernas desta União 337
A Natureza Real desta União 344
SEÇÃO III - OS DOIS ESTADOS DE CRISTO
Estado de humilhação 358
Natureza desta humilhação 358
Estágios da humilhação de Cristo 362
n. O estado de exaltação 365
A natureza da exaltação 365
Os estágios da exaltação de Cristo 366
SEÇÃO IV - OS OFÍCIOS DE CRISTO
O ofício profético de cristo 371
Natureza da obra profética de Cristo 371
Estágios da obra profética de Cristo 372
O ofício sacerdotal de cristo 375
A Obra Sacrificial de Cristo, ou Doutrina da Expiação 376
A Obra Intercessora de Cristo 464
ni. Ofício real de cristo 466
Capítulo II - RECONCILIAÇÃO DO HOMEM COM DEUS, OU APLICAÇÃO DA REDENÇÃO ATRAVÉS DA OBRA DO ESPÍRITO SANTO 469

14
Auguslus Hopkins Strong
SEÇÃO I - APLICAÇÃO DA REDENÇÃO DE CRISTO NA SUA PREPARAÇÃO
Eleição 472
Prova da Doutrina da Eleição 472
Objeções à Doutrina da Eleição 482
Vocação 490
SEÇÃO II - A APLICAÇÃO DA REDENÇÃO DE CRISTO PRECISAMENTE NO COMEÇO
União com Cristo 496
Representações Escriturísticas desta União 497
Natureza desta união 502
Conseqüências desta União relativa ao que crê 509
Regeneração 518
Representações Bíblicas 520
Necessidade da Regeneração 523
Causa eficiente da Regeneração 527
Recursos empregados na Regeneração 536
Natureza da Mudança Operada na Regeneração 540
Conversão 548
Arrependimento 552
Fé 559
Justificação 577
Definição de Justificação 577
Prova da Doutrina da Justificação 578
Elementos da Justificação 585
Relação da justificação com a Lei e santidade de Deus 592
Relação da Justificação com a União com Cristo e com a Obra do
Espírito 595
Relação da Justificação com a Fé 599
Conselho aos Inquiridores exigido pelo Ponto de vista da Escritura
sobre a Justificação 604
SEÇÃO III - CONTINUAÇÃO DA APLICAÇÃO DA REDENÇÃO DE CRISTO
Santificação 605
Definição 605
Explicações e Provas Bíblicas 608
Pontos de vista errôneos refutados por estas passagens da Escritura 615
Perseverança 624
Prova da Doutrina da Perseverança 625
Objeções à Doutrina da Perseverança 627
Parte VII - ECLESIOLOGIA, OU A DOUTRINA DA IGREJA
Capítulo I - CONSTITUIÇÃO DA IGREJA 635
Definição 635

Teologia Sistemática
15
H Organização da igreja 645
1. O fato da organização 645
2 Natureza desta Organização 649
A Gênese da Organização 654
KL Governo da igreja 658
1. Natureza desse governo em geral 658
2 Oficiais da igreja 674
Disciplina na Igreja 689
YL Relação mútua entre as igrejas locais 692
1. A Natureza geral desta relação é de comunhão entre si 692
2 Comunhão envolve o dever de consulta especial sobre assuntos que
afetam o interesse comum 693
Esta comunhão pode ser quebrada pelos manifestos desvios da fé ou da
prática da Escritura da parte de qualquer igreja 694
CapItulo II - ORDENANÇAS DA IGREJA 696
L Batismo 697
1. Batismo, uma Ordenança de Cristo 697
2 O Modo de Administrar o Batismo 700
Simbolismo do Batismo 710
A quem se destina o batismo? 717
IL Ceia do senhor 736
1. A ceia do Senhor, uma ordenança instituída por Cristo 737
O modo de administrar a Ceia do Senhor 738
O simbolismo da Ceia do Senhor 741
Pontos de vista errôneos sobre a Ceia do Senhor 745
Pré-requisitos para a participação da Ceia do Senhor 751
Parte VIII - ESCATOLOGIA, OU A DOUTRINA DAS ÚLTIMAS COISAS
ESCATOLOGIA 769
Morte física 771
Sobre bases racionais 773
Em bases escriturísticas 783
Estado intermediário 793
A respeito dos justos 794
A respeito dos ímpios 796
UL A segunda vinda de cristo 801
A natureza desta vinda 803
O tempo da vinda de Cristo 805
Precedentes da vinda de Cristo 808
Relação da segunda vinda de Cristo com o milênio 812
A ressurreição 818

16
Augustus Hopkins Strong
Juízo final 830
Natureza do juízo final 831
Objetivo do juízo final 833
O Juiz no juízo final 836
Quem está sujeito ao juízo final? 838
Bases do juízo final 838
Estado final do justo e o do ímpio 840
Do justo 840
Dos ímpios 846

Parte V
ANTROPOLOGIA, OU DOUTRINA DO HOMEM

Capítulo I PRELIMINARES
:. O HOMEM, UMA CRIAÇÃO DE DEUS E UM FILHO DE DEUS
declara-se o fato da criação do homem em Gn. 1.27 - "Criou, pois, Deus o :: em à sua imagem; à imagem de Deus o criou"; 2.7 - "E formou o Senhor Zeus o homem do pó da tesrra e soprou-lhe nas narinas o fôlego da vida; e o : " em tomou-se alma vivente".
As Escrituras, por um lado, negam a idéia de que o homem é um simples rrzduto das forças naturais irracionais. Elas ligam a sua existência a uma causa i-íerente da simples natureza, a saber, é um ato criativo de Deus.
Compare Hb. 12.9 - "o Pai dos espíritos"; Nm. 16.22 - "Deus dos espíritos ne toda carne"; 27.16 - "Senhor, Deus dos espíritos de toda carne"; Ap. 22.6 -'O Senhor, o Deus dos espíritos dos profetas". Bruce, The Providential Order,
25 - "A fé em Deus pode permanecer intacta, apesar de que nós admitimos que, em todas as características, físicas e psíquicas, o homem não é exceção a lei universal do crescimento, não é um hiato na continuidade do processo evolutivo". A expressão "simples natureza" não quer dizer separação de Deus.
Ao tratarmos anteriormente da doutrina da criação de um modo geral mostra-os que as leis da natureza são apenas os métodos regulares de Deus, e que a concepção da natureza independente de Deus é irracional. Se a evolução da criação inferior não pode ser explicada sem levar em conta a atuação original de Deus, muito menos o surgimento do homem, coroa de todas as coisas criadas. Hudson, Divine Pedigree ofMan: "O espírito se liga ao homem porque todas as coisas derivam de Deus, que é espírito".
Mas, por outro lado, as Escrituras não revelam o método da criação do homem. O registro da criação não nos informa se o sistema físico do homem é ou não derivado, por descendência natural, dos animais inferiores. Como a ieterminação "Produza a terra seres viventes" (Gn. 1.24) não exclui a idéia de criação mediata, através da geração natural, assim a formação do homem "do pó da terra" (Gn. 2.7) não determina se a criação do corpo do homem foi mediata ou imediata.

20
Augustus Hopkins Strong
Podemos crer que o homem mantinha com o mais elevado bruto que o antecedeu a mesma relação que o pão e o peixe com os cinco pães e dois peixes (Mt. 14.19), ou que o vinho mantinha com a água que foi transformada em Caná (Jo. 2.7-10), ou que o óleo aumentado manteve o original no milagre do VT (2 Re. 4.1-7). O "pó" antes de receber o sopro do espírito, pode ter sido um pó animado. Podem ter sido empregados os meios naturais, até onde possível. Sterrett, Reason and Authoríty in Religion, 39 - "Nossa hereditariedade procede de Deus, embora provindo de formas inferiores de vida, e o fim também é Deus, apesar de que através da humanidade imperfeita".
A Evolução não torna supérflua a idéia do Criador, porque ela é apenas um método de Deus. É perfeitamente consistente com a doutrina escriturísti- ca da criação que o homem apareça a seu tempo, governado por leis diferentes das da criação do bruto, embora desenvolvendo-se a partir do bruto, do mesmo modo que o alicerce de uma casa de pedra é perfeitamente consistente com a estrutura de madeira edificada sobre ela. Tudo depende do plano. Uma evolução ateísta e sem desígnio não pode incluir o homem sem excluir o que o cristianismo considera essencial ao homem; ver Griffith-Jones, Ascent Through Christ, 43-73. Mas a evolução teísta pode reconhecer o processo todo da criação do homem como obra da natureza assim como de Deus.
Schurman, Agosticism and Religion, 42 - "Você não é o que era na sua origem, mas aquilo em que você se tornou". Huxley disse a respeito dos brutos: "Quer provindo deles, quer não, sem dúvida o homem não é um de/es". Pfleiderer, Philos. Religion, 1.289 - "A dignidade religiosa do homem apóia- se totalmente naquilo que ele é, não no modo ou maneira como ele se tornou o que é". Porque ele veio do animal irracional, não se segue que é um animal irracional. Nem o fato de que a existência do homem pode remontar a um ancestral bruto fornece razão suficiente por que o bruto deva tornar-se um homem. Eis aqui uma teleologia que requer um ato criativo divino.
J. M. Bronson: "O teísta deve aceitar a evolução se ele conservar o seu argumento da existência de Deus a partir da unidade do desígnio na natureza. Se o homem não for um fim, ele é uma anomalia. O maior argumento em favor de Deus é o fato de que toda a natureza animada é uma vasta e harmoniosa unidade. O homem se desenvolveu não a partir do macaco, mas independente do macaco. Ele nunca foi algo que não fosse um homem em potencial. Como homem, ele não veio a ser até que se tornou um agente moral consciente". Tal natureza moral consciente, que chamamos personalidade, requer um Autor divino, porque ela vai além de todas as forças encontradas na criatura animal. Romanes, Mental Evolution in Animais, diz-nos que: 1. Os moluscos aprendem pela experiência; 2. os insetos e as aranhas reconhecem a sua descendência; 3. os peixes fazem associação mental dos objetos por sua semelhança; 4. os répteis reconhecem as pessoas; 5. os hime- nópteros, como as abelhas e as formigas, comunicam idéias; 6. os pássaros reconhecem as representações e entendem palavras; 7. Os roedores; como os ratos e as raposas, entendem mecanismos; 8. Os micos e os elefantes aprendem a usar ferramentas; 9. Os macacos antropóides e os cães têm moral indefinida.
Porém não é a moral definida, mas a indefinida que estabelece diferença entre o homem e o bruto. Drummond, Ascent of Man, admite que o homem

Teologia Sistemática
21
tenha passado por um período quando se assemelhava a um macaco em jgar de qualquer animal conhecido, mas ao mesmo tempo declara que o ~acaco antropóide podia desenvolver-se em homem. O bruto pode ser definido em termos de homem, mas o homem não pode ser definido em termos de bruto. É significativo que, na insanidade, os dotes mais elevados do homem desaparecem em uma ordem precisamente reversa daquela em que, segundo a teoria desenvolvimentista tinham sido adquiridos. A mais elevada parte do homem vacila primeiro. A última acrescida é a primeira que sofre. Entretanto, o homem pode transmitir as suas próprias aquisições à sua posteridade, o que não ocorre com o bruto. Weismann, Heredity, 2.69 - "A evolução da ~úsica independe de qualquer progresso na faculdade musical ou de qual- qjer alteração na natureza física inerente ao homem, mas somente do poder de transmitir as conquistas intelectuais de cada geração às que se seguem. Esta, acima de tudo, é a causa da superioridade do homem sobre o animal - esta não é simplesmente a faculdade humana, apesar de que se pode admitir que a mais tardia é a mais elevada nos animais". A este pronunciamento de Weismann acrescentaríamos que o progresso humano depende muitíssimo do poder de aquisição do homem assim como do poder de transmissão. A interpretação deve ser igual à expressão; e, nesta interpretação do passado, o homem tem uma garantia do futuro que o bruto não possui.
A psicologia, contudo, vem ao nosso auxílio com vistas à interpretação ia Escritura. As diferenças radicais entre a alma do homem e o princípio de -zteligência dos animais inferiores, especialmente a posse da autoconsciência io homem, as idéias gerais, o senso moral e o poder de autodeterminação mostram que aquilo que principalmente constitui o homem não poderia ter sido derivado pelo processo natural de desenvolvimento a partir das criaturas inferiores. Somos compelidos, então, a crer que o "soprar nas narinas do homem o fôlego da vida" (Gn. 2.7) da parte de Deus, apesar de ser uma criação mediata, pressupondo matéria existente na configuração das formas animais, contudo, foi uma criação imediata no sentido de que só um reforço divino do processo de vida tornou o animal em homem. Em outras palavras, o homem não veio a partir do bruto, mas através do bruto e o mesmo Deus imanente, que criara o bruto, criou também o homem.
Tennyson, In Memoríam, XLV - "O bebê novo para a terra e para o céu, Quando a sua tenra palma é pressionada Contra o círculo do peito, Nunca pensou; 'este sou eu': Mas, à medida que ele cresce, tira muitas inferências e aprende a usar o 'eu' e o 'mim' (ou 'me'), e conclui, 'eu não sou o que eu vejo, mas outro além das coisas que eu toco'. Deste modo procura separar a mente do lugar de onde a memória pode ter se originado, Como através da estrutura que o liga em seu isolamento, ele se torna cada vez mais definido". Fichte passou a chamar o nascimento de seu filho, aquele em que despertou para a autoconsciência e disse: "eu". A memória não recua além da linguagem. Antes de ser subjetivo, o conhecimento do ego é objetivo. A criança, a

22
Augustus Hopkins Strong
princípio, fala de si mesma na terceira pessoa: "Henrique faz isto e aquilo". Por isso, os homens, em sua maioria, não lembram o que deve ter acontecido antes dos três anos de idade, apesar de que Samuel Miles Hopkins, Memoir, 20, lembrava-se do que aconteceu quando tinha 23 meses. Só uma pessoa consciente se lembra e lembra-se só quando sua vontade se exercita em atenção.
Jean Paul Richter, citado em Ladd, Philosophy of Mind, 110 - "Nunca esquecerei o fenômeno até agora relatado, quando cheguei ao nascimento da minha autoconsciência do lugar e tempo distintos em minha memória. Certa manhã, ainda bem criança, estava junto à porta de casa observando uma pilha de madeira quando, num instante, como um relâmpago do céu, clara e brilhantemente presente diante de mim, aparece a revelação 'eu sou eu'; nesse momento eu me vi, como eu sou, pela primeira vez e para sempre".
Hòffding, Outlines of Psychology, 3 - "O começo da vida consciente deve ser colocado provavelmente antes do nascimento.... As sensações só fraca e obscuramente distinguem-se do sentimento geral de conforto e desconforto vegetativo. As experiências ainda subjazem talvez antes do nascimento para formar o alicerce do conhecimento de um mundo exterior". Hill, Genetic Philosophy, 282, sugere que este estado primitivo em que a criança fala de si na terceira pessoa e que é desprovida do aufo-conhecimento, corresponde à condição irracional da raça, antes de ter chegado ao conhecimento de si próprio, de ter alcançado a linguagem, de se ter tornado homem. Contudo, na raça não há hereditariedade que predetermine o conhecimento de si mesmo - trata-se de uma nova aquisição, que marca uma passagem para uma ordem superior do ser.
Estabelecendo conexão destas notas com o nosso presente assunto, afirmamos que nenhum irracional jamais disse ou pensou no "eu". Então, diante disto, podemos dar início a uma série de distinções simples entre o homem e o irracional, até onde o princípio imaterial se refere a cada um deles. Estes foram compilados a partir de escritores doravante mencionados.
O bruto é consciente, mas o homem é consciente de si mesmo. O bruto não objetiva o eu. "Se alguma vez o porco pudesse dizer 'eu sou um porco', de uma vez por todas e, daí em diante, deixaria de ser um porco". O bruto não se distingue a partir de suas sensações. O bruto tem percepção, mas só o homem tem a percepção, /'.e., percepção acompanhada por sua referência ao eu a que ela pertence.
O bruto só tem objetos de percepção; o homem tem também conceitos. O bruto conhece coisas brancas, mas não a brancura. Lembra coisas, mas não pensamentos. Só o homem tem poder de abstração, /'.e., o poder de derivar idéias abstratas de coisas particulares ou experiências.
Por isso o bruto não tem linguagem. "Linguagem é a expressão de noções gerais através de símbolos" (Harris). As palavras são símbolos de conceitos. Onde não há conceito não pode haver palavras. O papagaio profere gritos; mas "nenhum papagaio jamais pronunciou uma palavra". Visto que a linguagem é um sinal, pressupõe a existência de um intelecto capaz de entender o sinal; em suma, a linguagem é o efeito da mente, não a causa desta. UerMiVART, British Quaterly, outubro, 1881.154-172. "A língua do macaco é eloqüente em sua própria censura". James, Psychology, 2.356 - "A noção

Teologia Sistemática
23
de um sinal propriamente dito e o propósito geral de aplicá-lo a tudo é caráter distintivo do homem". Por que os animais não falam? Porque eles não têm nada para dizer, /'.e., não têm nenhuma idéia geral que possam expressar.
O bruto não forma nenhum juízo, /'.e., que isto é como aquilo, acompanhado da crença. Por isso não há nenhum sentido do ridículo, e nem risada. James, Psychology, 2.360 - "O bruto não associa idéias por semelhança. ... O gênio no homem é a posse deste poder de associação em um grau extremo".
O bruto não tem nenhum raciocínio - não tem nenhum senso de que isto se segue a partir daquilo, acompanhado de um sentimento cuja seqüência é necessária. A associação de idéias sem o juízo é o típico processo da mente bruta, mas não da mente do homem. Ver Mente, 5.402-409, 575-581. A vida de sonhos do homem é a melhor analogia da vida mental do bruto.
O bruto não tem nenhuma idéia geral ou intuição de espaço, tempo, substância, causa, direito. Por isso não há nenhuma generalização e nenhuma experiência própria ou progresso. Não há capacidade alguma de progresso nos animais. O bruto não pode ser ensinado exceto em determinados assuntos de associação inferiores nos quais não se exige um juízo independente. Nenhum animal faz instrumentais, ou usa roupas, cozinha alimentos, cria outros animais para alimentação. Nenhum cão caçador, por maior que seja a observação do seu senhor, jamais aprendeu a pôr lenha na fogueira para aquecer-se. Mesmo os mais rudes utensílios de pedra mostram uma quebra na continuidade e marcam a introdução do homem; ver J. P. Cook, Credentials of Science, 14. "Como o homem, o cão pode ver a página impressa, porém nenhum cão jamais aprendeu a ler um livro. O animal não pode criar em sua mente os pensamentos do escritor. O elemento físico no homem, ao contrário, é apenas um auxílio ao espiritual. A educação é uma capacidade treinada para discernir o sentido interior e as relações mais profundas das coisas. Assim o universo é apenas um símbolo e expressão do espírito, uma roupagem na qual um Poder invisível vestiu a sua majestade e glória"; ver Sunday School Times, 7 de abril de 1900. No homem, a mente primeiro tornou-se suprema.
O bruto tem determinação, mas não autodeterminação. Não há liberdade alguma de escolha, nenhuma formação consciente de propósito e nenhum movimento autodeterminado para um fim previsto. O asno é determinado, mas não autodeterminado; ele é vítima da hereditariedade e do meio; ele só age quando alguém age em relação a ele. Harris, Phiios. Basis of Theism, 537-554 - "Embora implicado na natureza através da organização corpórea, o homem é, em sua personalidade, sobrenatural; o bruto está inteiramente submerso na natureza. ... O homem é como um navio no mar - dentro dele, embora acima dele - guiando o seu curso pela observação do céu, ou contra o vento e a correnteza. De modo nenhum o bruto tem tal poder; por sua natureza ele é como um balão, inteiramente imerso no ar e conduzido pelas correntes sem nenhum poder de direção". Calderwood, Philosophy of Evolution, capítulo sobre o Certo e o Errado: "A grande distinção da vida humana é o autocontrole no campo da ação - controle sobre todos os impulsos animais, de sorte que estes não determinam espontaneamente e de si mesmos a atividade" [como ocorre no bruto]. Pelo que Mivart chama processo de "antro- pomorfismo inverso", vestimos o bruto com os atributos de liberdade; mas

24
Augustus Hopkins Strong
verdadeiramente ele não os possui. Como não transferimos para Deus todas as nossas imperfeições, assim não devemos transferir nossas perfeições humanas ao bruto, "lendo nossos eus na vida das formas inferiores". O bruto não tem nenhum poder de escolha entre motivos; simplesmente ele obedece um motivo. Portanto, a filosofia necessitária é correta e excelente para o bruto. Porém o poder de iniciativa do homem - em suma, a sua livre vontade - torna impossível explicar sua mais elevada natureza como um simples desenvolvimento natural a partir de criaturas inferiores. Até mesmo Huxley diz que, levando em conta a mente, há entre o homem e as mais elevadas bestas um "enorme abismo", uma "imensurável divergência" e "praticamente infinita".
8, O bruto, de modo algum tem consciência e natureza religiosa. Nenhum cão jamais devolveu ao açougueiro a carne que ele roubou. "O choupo treme sem medo e os cães escondem-se sem culpa". O cão mencionado por Darwin, cujo comportamento em presença de um jornal movido pelo vento parece testificar "um senso do sobrenatural", está somente apresentando a irritação devida ao pressentimento de um futuro desconhecido; ver James, Will to Believe, 79. O procedimento dos vira-latas espancados não lançam luz sobre a natureza da consciência. Se a ética não é hedonismo, se a obrigação moral não é utilitarismo refinado, se o direito é algo distinto do bem que dele auferimos, então deve haver uma falha na teoria de que a consciência do homem é simplesmente um desenvolvimento dos instintos do bruto; e deve-se postular um reforço da vida do bruto a partir da fonte divina com vistas ao aparecimento do homem. Upton, Hibbert Lectures, 165-167 - "Será que o espírito do homem deriva da alma do animal? Não, pois nenhum destes tem existência própria. Ambos são diferenciações próprias de Deus. Este é tão somente uma preparação de Deus para a formação daquele". Calderwood, Evolution and Marís Place in Nature, 337, fala da "impossibilidade de remontar a origem da vida racional do homem à evolução a partir de uma vida inferior. ... A natureza não descobriu forças físicas suficientes para contar com o aparecimento de tal vida". Shaler, Interpretation of Nature, 186 - "O lugar do homem tem sido conquistado por uma mudança integral nas limitações do seu desenvolvimento psíquico. ... Varreu-se a velha limitação da mente ao corpo. ... Nesta nova liberdade encontramos a única caraterística dominante do homem que nos dá o direito de enquadrá-lo numa classe animal inteiramente nova".
John Burroughs, Ways of Nature: "A vida animal tem seu paralelo com a vida humana em muitos pontos, mas em outro plano. Algo dirige os animais inferiores, mas isto não é pensamento; algo os reprime, mas isto não é juízo; eles são providentes sem prudência; eles são ativos sem diligência; eles são hábeis sem prática; eles são sábios sem conhecimento; eles são racionais sem razão; eles são enganosos sem perfídia. ... Quando estão alegres, cantam ou brincam; quando estão angustiados lamentam ou choram; ... e ainda não suponho que eles experimentam a emoção de tristeza ou de alegria, de ira ou de amor, como acontece conosco, porque tais sentimentos neles não envolvem reflexão, memória e o que chamamos natureza elevada, como ocorre conosco". O instinto deles é inteligência exteriorizada, nunca interiorizada, como no homem. Eles compartilham com o homem as emoções da natureza do animal, mas não da sua natureza moral ou estética; eles não conhecem altruísmo nem código moral. O Sr. Burroughs sustenta que não temos

Teologia Sistemática
25
nenhuma prova de que os animais, por sua natureza, podem refletir, formar idéias abstratas, associar causa e efeito. Por exemplo, os animais que armazenam alimento para o inverno tão somente seguem um instinto provi- dente, mas não formam um pensamento para o futuro, do mesmo modo que a árvore que forma os seus rebentos para a estação vindoura. Ele resume a sua posição da seguinte maneira: "Atribuir motivos humanos e faculdades aos animais é fazer uma caricatura deles; mas pôr-nos em tal relacionamento com eles que sintamos o seu reinado, que vejamos a sua vida inserida na mesma necessidade férrea como é a nossa, que vejamos na sua mente a mais humilde manifestação da mesma força psicológica e inteligência que culmina com o homem e é consciente de si mesma no homem - essa suponho ser a verdadeira humanização". Admitimos tudo isso, exceto atribuir à vida humana, tal necessidade férrea que rege a criação animal. O homem é o homem porque a sua livre vontade transcende às limitações do bruto.
Conquanto admitamos, então, que o homem é o último estágio no desenvolvimento da vida e que ele tem um ancestral bruto, consideramo-lo também uma geração de Deus. O mesmo Deus, que foi o autor do bruto, no devido tempo criou o homem. Apesar de que o homem veio através do bruto, ele não veio a partir deste, mas de Deus, o Pai dos espíritos e o autor de toda a vida. Terrífico oráculo de Édipo: "Nunca saibas tu a verdade do que tu és!" bem pode ser pronunciado aos que só crêem no bruto como originador do homem. Pascal diz que é perigoso deixar o homem ver claramente que ele está no mesmo nível que os animais a não ser que ao mesmo tempo mostremos a grandeza dele. A doutrina de que o bruto é um homem imperfeito está em lógica conexão com a doutrina de que o homem é um bruto perfeito. Thomas Carlyle: "Se esta filosofia do bruto é verdadeira, o homem deve andar de quatro, e não deixar de reivindicar a dignidade de ser moral". F. G. Wright, Ant. Origirt of Human Race, preleção IX - "Um ou outro animal inferior pode apresentar todas faculdades utilizadas por uma criança de quinze meses. A diferença pode parecer bem pequena, mas o que há é muito importante. É como a diferença na direção dos antigos estágios de duas curvas separadas, que vão sempre se separando.... A probabilidade é de que, tanto em seu desenvolvimento corporal como mental, o homem aparece como um joguete na natureza e passa de uma vez para um par, do plano do ser irracional para a posse das forças mais elevadas que jamais o caraterizaram e domina tanto o seu desenvolvimento como a sua história".
A Escritura parece ensinar-nos a doutrina de que a natureza do homem é criação de Deus. Gn. 2.7 - "E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra e soprou nas narinas o fôlego da vida; e o homem foi feito alma vivente" - parece, diz Hovey, (State of the imin. Dead., 14), "distinguir o princípio vital componente da natureza humana a partir do seu elemento material, declarando que aquela é mais diretamente oriunda de Deus, e mais antiga com relação a ele, do que esta". Assim em Zc. 12.1 - "O Senhor, que estende o céu, e que funda a terra e que forma o espírito do homem dentro deie" - reconhece-se que a alma é, quanto à natureza, distinta do corpo e possui uma dignidade e um valor bem além dos de qualquer organismo material. Jó 32.8 - "Há um espírito no homem, e a inspiração do Todo-poderoso os faz

26
Augustus Hopkins Strong
entendidos"; Ec. 12.7 - "o pó volte à terra como era, e o espírito volte a Deus, que o deu".
A psicologia comparativa, contudo, nada tem feito, até o presente, para proibir a extensão desta doutrina ao corpo do homem. Nem um só exemplo da transformação de uma espécie de animal em outra foi acrescentado quer por seleção natural ou artificial; muito menos demonstrou-se que o corpo do bruto se desenvolveu no do homem. Toda a evolução implica progresso e reforço da vida e é ininteligível a não ser quando o Deus imanente dá novos impulsos ao processo. Independentemente da atuação direta de Deus o ponto de vista de que o sistema físico do homem descende por geração natural de alguma forma ancestral símia só pode ser considerado como hipótese irracional. Porque a alma, então, é uma criação imediata de Deus e o escritor da Bíblia menciona a formação do homem em conexão direta com a criação do espírito, o corpo do homem é neste sentido também uma criação imediata.
Para a teoria da seleção natural, ver Darwin, Origin of Species, 398-424 e a Descent of Man, 2.368-387; Huxley, Critiques andAddresses, 241-269, Man's Place in Nature, 71-138, Lay Sermons, 323 e o artigo: Biologia, na Enciclopédia Britânica, 9a ed.; Romanes, Scientific Evidences of Organic Evolution Lay Science and Religion. A teoria sustenta que, na luta pela existência, as variedades melhor adaptadas às suas circunstâncias são bem sucedidas em manter-se e reproduzir-se enquanto as demais perecem. Assim, o homem evoluiu através da mudança gradual e desenvolvimento das formas de vida inferiores para as superiores. Admitimos que Darwin revelou uma das importantes cara- terísticas do método de Deus. Aceitamos a verdade parcial desta teoria. Achamo-la apoiada pela estrutura vertebrada e organização nervosa que o homem tem em comum com os animais inferiores; pelos fatos do desenvolvimento embrionário; dos órgãos rudimentares; das doenças e remédios comuns; e da reversão àqueles tipos. Mas recusamo-nos a considerar a seleção natural como uma explicação completa da história da vida, e isto pelas seguintes razões:
De modo algum ela dá conta da origem da substância, nem da origem das variações. O darwinismo simplesmente diz que "as pedras redondas rolarão montanha abaixo mais longe que as chatas" (Gray, Natural Science and Religion). Ela explica a seleção das formas, e deixa de explicar a sua criação.
"A seleção natural não origina coisa alguma. É um princípio destrutivo, não criativo. Se temos de idealizá-la como força positiva, temos de pensar nela, não como preservadora do mais adequado, mas como destruidora, que se segue sempre no despertar da criação e devora as deficiências; o abutre da criação, que tira do caminho formas inaptas para viver e reproduzir-se" (Johnson, sobre a Theistic Evolution, Revista de Andôver, abril, 1884.363-381).
A seleção natural é tão somente uma repressão inteligente. A Origem das Espécies de Darwin é, na realidade, "não o Gênesis, mas o Êxodo das formas vivas". Schurman: "A sobrevivência dos mais aptos nada faz para explicar a

Teologia Sistemática
27
chegada deles"; ver também De Vries, Species and Varieties, ad finem. O próprio Darwin reconhece que "é profunda a nossa ignorância relativa às leis de variação. ... A causa de cada leve variação e de cada monstruosidade está muito mais na natureza ou constituição do organismo do que na natureza das condições ambientais" (citado por Mivart, Lessons From Nature, 280-301). Com isso, Weismann modificou a teoria darwiniana afirmando que não haveria nenhum desenvolvimento se não houvesse uma tendência espontânea e inata para a variação. Vemos nesta tendência inata não simplesmente a natureza, mas a obra de um Deus originador e supervisor. E. M. Caillard, Cont. Review, dez. 1893.873-881 - "O espírito é, desde o início, a força moldadora das formas inferiores que, por fim, resultaram no homem. Ao invés da derivação física da alma, propomos a derivação espiritual do corpo".
Algumas das mais importantes formas aparecem repentinamente no registro geológico sem elos conectivos que os unam ao passado. Os primeiros peixes são os ganóides de tamanho grande e tipo avançado. Não há gradações intermediárias entre o macaco e o homem. Huxley, Man's Piace in Nature, 94, conta-nos que o menor gorila tem uma capacidade craniana de 24 polegadas cúbicas, enquanto o maior tem 34,5. Ao contrário disto, o homem menor tem uma capacidade craniana de 62; apesar de que os homens com menos de 65 são invariavelmente idiotas; o maior tem 114. Prof. Burt G. Wilder, da Universidade de Cornell: "O maior cérebro símio tem apenas a metade do tamanho do menor humano normal". Wallace, Darwinism, 458 - "Em média, o cérebro humano pesa 48 ou 49 onças; em média, o cérebro do macaco é de apenas 18 onças". O cérebro de Daniel Webster pesava 53 onças; mas o Dr. Bastian fala-nos de um imbecil cuja deficiência intelectual era congênita, entretanto, cujo cérebro pesava 55 onças. As cabeças grandes nem sempre indicam grande intelecto. O Prof. Virchow assinala que os gregos, uma das nações mais intelectuais, são também as menores de todas as cabeças. Bain: "Enquanto aumenta o tamanho do cérebro em proporção aritmética, a média intelectual o faz em proporção geométrica".
A respeito dos crânios do enguis e do neanderthal, Huxley diz: "Os restos de fóssil de homem até agora descobertos não me parecem aproximar-nos daquela forma pitecóide inferior por cuja modificação ele provavelmente tornou-se o que é.... Em vão têm-se buscado os elos entre o homem e o macaco: não existe um só que se possa mostrar. Não se encontrou o assim chamado Protanthropos que apresentaria este elo.... Não se tem encontrado nenhum que se aproximasse do macaco do que o homem dos nossos dias". Huxley argumenta que a diferença entre o homem e o gorila é menor do que entre o gorila e alguns macacos; se o gorila e os macacos formam uma família e têm origem comum, não podem o homem e o gorila ter também um ancestral comum? Respondemos que o espaço entre o macaco inferior e o mais elevado gorila é preenchido por inúmeras gradações intermediárias. O espaço entre o homem inferior e o superior é também preenchido com muitos tipos que se distinguem um do outro. Mas o espaço entre o mais elevado gorila e o homem inferior é ainda vacante; não há tipos intermediários; não forram ainda encontrados elos conectivos entre o macaco e o homem.
O Prof. Virchow, bem recentemente, também expressou a sua crença de que não se descobriu nenhum remanescente antecessor do homem. Diz ele:

28
Augustus Hopkins Strong
"A meu juízo, até agora nenhum crânio descoberto pode ser considerado como o do predecessor do homem. No curso dos últimos quinze anos tivemos a oportunidade de examinar crânios de todas as variadas raças da humanidade - até mesmo das tribos mais selvagens; e entre elas não se observou nenhum grupo que diferisse do tipo humano em seus caracteres essenciais. ... De todos os crânios encontrados nas habitações lacustres não há um qúe fique fora dos limites da nossa população presente". O Dr. Eugene Dubois descobriu nos depósitos pós-pliocênicos da Ilha de Java os restos de um antropóide hominídeo a que ele chama de Pithecanthropus erectus. Sua capacidade craniana aproxima-se do mínimo fisiológico do homem e é o dobro do gorila. Na forma e na dimensão, o osso da coxa é o análogo absoluto do homem e evidencia ter apoiado o corpo ereto. Sem hesitar, o Dr. Dubois coloca esse extinto macaco javanês como a forma intermediária entre o homem e os verdadeiros macacos antropóides. Haechel (The Nation, 15 de setembro de 1898) e Keane (Man Past and Present, 3), consideram o Pithecanthropus como um "elo perdido". Mas a "Natureza" considera-o como o remanescente de um idiota humano microcéfalo. Em acréscimo a tudo isso, é digno de nota que o homem não se degenera quando volta no tempo. "O crânio do enghis, contemporâneo do mamute e do urso da caverna, têm o mesmo tamanho que em média os de hoje e pode ter pertencido a um filósofo". Na forma física, o símio mais próximo do homem não é mais inteligente que o elefante ou a abelha.
Há alguns fatos que a simples hereditariedade não pode explicar, tais como a origem da abelha operária vindo da rainha e o zangão ambos os quais não produzem mel. Contudo, a abelha operária não transmite o instinto de fabricar o mel à sua posteridade; pois ela é estéril e, conseqüentemente, não possui filhos. Se o homem tivesse descendido do inconsciente bruto, poderíamos esperar que ele, quando degradado, revertesse ao seu tipo primitivo. Ao contrário, ele não reverte ao bruto, mas, ao invés disso, desaparece. A teoria não pode dar nenhuma explicação sobre a beleza nas formas de vida inferiores, tais como os moluscos e os diátomos. Darwin admite que essa beleza deve ser utilizada pelo seu possuidor para consistir com a sua origem através da seleção natural. Porém ainda não se demonstrou tal emprego; pois as criaturas que possuem a beleza vivem freqüentemente no escuro ou não têm olhos para vê-la. Assim, também, o cérebro grande do selvagem está além das suas necessidades e é inconsistente com o princípio da seleção natural que ensina que nenhum órgão pode atingir permanentemente o tamanho não requerido pelas necessidades ou pelo meio ambiente. Ver Wallace, Natural Selection, 338-360. G. F. Wright, Man andthe Glacial Epoch, 242-301 - "Dificilmente pode-se duvidar de que a organização corporal do homem é de certa forma um desenvolvimento de algum membro extinto do reino animal aliado aos macacos antropóides. ... Mas sem dúvida ele não descende de qualquer espécie existente de macacos antropóides.... Quando em certa ocasião a mente tornou-se suprema, a adequação física deve ter sido rápida, se, na verdade, não há necessidade de supor que a preparação física para as mais elevadas faculdades mentais foi instantânea, ou por aquilo que na natureza se chama lazer (em Inglês sporíf. Concordamos substancialmente com esta afirmação do Dr. Wright e, portanto, diferimos de Shedd quando diz que

Teologia Sistemática
29
há razão suficiente para supor que os símios são homens degenerados, do mesmo modo que os homens são símios aperfeiçoados. Shakespeare, Timon of Athens, 1.1.249, parece que subentendeu o ponto de vista do Dr. Shedd:
"A tendência do homem retratou-se no babuíno e no símio". O Bispo Wilber- force perguntou a Huxley se ele se relacionava com o macaco da parte do seu avô ou da sua avó. Huxley respondeu ele preferia que tal relacionamento tivesse como ancestral um homem que utiliza a posição dele como um ministro religioso que ridiculariza uma verdade que ele não compreende. "Mãe, sou eu descendente de um macaco?" "Não sei, Guilherme, nunca encontrei qualquer ancestral do seu pai".
Ainda não se conhece nenhuma espécie que tenha sido produzida por seleção artificial ou natural. Huxley, Lay Sermons, 323 - "Absolutamente não está provado que um grupo de animais que têm todos caracteres apresentados pelas espécies da natureza tenha sido originado por seleção, quer artificial, quer natural"; Man's Place in Nature, 107 - "Nossa aceitação da hipótese de Darwin deve ser provisória enquanto faltar um elo na cadeia; e enquanto todos os animais e plantas certamente produzidos pela geração seletiva de uma linhagem comum fertilizarem-se reciprocamente, e faltar o referido elo". Huxley mais recentemente declarou que se encontrou a prova que faltava no descendente do moderno cavalo com um artelho, do Hipário com dois arte- Ihos, do Anchiterium com três e do Orohippus com quatro. Ainda que isto fosse demonstrado, sustentaríamos que a única analogia apropriada deve encontrar-se na seleção artificial através da qual o homem produz novas variedades e a seleção natural não pode produzir nenhum resultado útil e nem apresentar progresso algum a não ser que o método e a revelação partam de uma mente sábia e planejada. Em outras palavras, a seleção implica inteligência e vontade e, por isso, não pode ser exclusivamente natural. Mivart, Man and Apes, 192 - "Se é inconcebível e impossível ao corpo do homem desenvolver-se ou existir sem a sua alma informativa, concluímos que, como nenhum processo natural conta com os diferentes tipos de alma - uma capaz de articular expressando concepções gerais - assim nenhum processo meramente natural pode explicar a origem do corpo formado por ele - com o que tal faculdade intelectual se relaciona tanto essencial como intimamente". Desse modo, Mivart, que uma vez considerou que a evolução podia explicar o corpo do homem, agora sustenta que, ao invés disso, ela nem pode explicar o corpo do homem, nem a sua alma e chama a seleção natural de "hipótese pueril" (Lessons From Nature 300; Essays and Criticis- ms, 2.289-314).
Embora admitamos, então, que o homem tem um ancestral bruto, fazemos duas reivindicações à guisa de qualificação ou explicação: primeira, que as leis do desenvolvimento orgânico que têm sido seguidas na origem do homem são apenas métodos de Deus e provas da sua atuação criadora; segunda, que o homem, quando apareceu em cena, não mais era bruto, mas um ser autoconsciente e autodeterminante, feito à imagem de seu Criador e capaz de decisão moral livre entre o bem e o mal.

30
Augustus Hopkins Strong
Tanto a criação original do homem como a nova, na regeneração formam- se a partir de dentro ao invés de a partir de fora. Em ambos os casos, Deus constrói um novo com base no velho. O homem não é um produto de forças cegas, mas, ao contrário, é uma emanação daquela mesma vida divina da qual o bruto é manifestação inferior. O fato de que Deus empregou matéria preexistente não impede sua autoria no resultado. No milagre, o vinho não era água porque a água tinha sido empregada na sua feitura, nem o homem é um bruto porque este prestou algumas contribuições à criação daquele. Prof. John H. Strong: "Algumas pessoas que admitem a presença e o poder de Deus no longo processo, contudo, não parecem ver que, no resultado último do homem completo, Deus se revelou com sucesso. A obra de Deus nunca foi real e plenamente feita; o homem é um composto de bruto e de homem; e não se pode dizer que a composição desses dois elementos possua as qualidades de qualquer um deles. Na realidade Deus não foi bem sucedido trazendo a personalidade moral ao nascimento. A evolução é incompleta; o homem ainda anda de quatro; ele não peca porque foi gerado do bruto; não se concebe nenhuma queda, nenhuma regeneração. Ao contrário, afirmamos que, embora o homem tenha vindo através do bruto, ele não veio a partir do bruto. Veio de Deus, cuja vida imanente ele revela, cuja imagem ele reflete em uma personalidade moral completa. Porque Deus foi bem sucedido, foi possível a queda. Podemos crer na duradoura criação da evolução, preparada só para que esta se completasse. Com este ajuste permanecem o pecado e a queda".
Uma evolução ateísta e antiteleológica é uma reversão ao ponto de vista selvagem dos animais como irmãos e à idéia pagã de um homem esfinge desenvolvendo-se a partir do bruto. O próprio Darwin não nega a autoria de Deus. Ele encerra o seu primeiro grande livro com a declaração de que a vida, com todas as suas potencialidades, originariamente é conseqüência do sopro "do Criador nas primeiras formas do ser orgânico". Em suas cartas refere-se com evidente satisfação ao fato de Charles Kingsley nada achar na teoria que seja inconsistente com a primitiva fé cristã. Não é Darwin, mas discípulos como Haeckel, que desenvolveram a teoria tornando supérflua a hipótese do Criador. Admitimos o princípio da evolução, mas consideramo- lo apenas o método da inteligência divina, e consideramo-lo precedido de um ato criativo originai, introduzindo a vida vegetal e a animal e, suplementada por outros atos criativos, na introdução do homem e na encarnação de Cristo. Chadwick, Old and New Unitarianism, 33 - "O que parece derrotar nossa fé na natureza humana [sua origem a partir do bruto] na verdade tem sido a sua maior confirmação. Pois nada contraria a dignidade essencial do homem mais claramente do que o seu triunfo sobre as limitações da sua herança a partir do bruto, enquanto o longo caminho que aquele trilha é a profecia das não sonhadas altitudes morais que aguardam os incansáveis pés". Tudo isto é verdade se considerarmos a natureza humana, não como um resultado sem planejamento da evolução ateísta, mas como um efluxo e reflexo da personalidade divina. R. E. Thompson, S. S. Times, 29 de dezembro de 1906 - "O maior fato na hereditariedade é a nossa descendência de Deus e o maior fato ambiente é a presença dele na vida humana em cada instante".

Teologia Sistemática
31
A concepção ateísta é bem satirizada no verso: "Havia um macaco nos dias que eram primitivos; Passaram os séculos e o seu cabelo se tomou mais encarapinhado; Mais séculos passaram e o seu polegar se duplicou e ele virou homem e Positivista". A partir das declarações de Wallace, co-autor com Darwin, da teoria da seleção natural, torna-se claro que esta concepção não é uma conclusão necessária da ciência moderna. Wallace crê que o corpo do homem se desenvolveu a partir do bruto, mas pensa ter havido três intervalos na continuidade: 1. o aparecimento da vida; 2. o aparecimento dos sentidos e da consciência; e 3. a vida humana. Estes parecem corresponder a 1. Vegetal; 2. Animal; 3. Vida humana. Pensa ainda que a seleção natural pode explicar o lugar do homem na natureza, mas não o seu referido lugar acima da natureza, como um ser espiritual. Ver Wallace, Darwinism, 445-478
"Aceito plenamente a conclusão do Sr. Darwin quanto à identidade essencial da estrutura física do homem como a dos mamíferos superiores e os descendentes a partir de alguma forma ancestral até o homem e os macacos antropóides". Mas a conclusão de que as mais elevadas faculdades do homem também derivaram dos animais inferiores "não me parece apoiada pela evidência adequada e opõe-se a muitos bem confirmados fatos" (461). ... As faculdades matemáticas, artísticas e musicais, não são causas, mas resultados do progresso; elas não auxiliam na luta pela existência e não podem ter sido desenvolvidas pela seleção natural. A introdução da vida (vegetal), do conhecimento (animal), da mais elevada faculdade (humana), apontam claramente para o mundo do espírito, ao qual o mundo da matéria se subordina (474-476). ... As faculdades intelectuais e morais do homem não podem ter se desenvolvido a partir do animal, mas devem ter tido outra origem; e para tal origem podemos achar uma causa adequada só no mundo do espírito".
Wallace, Natural Selection, 338 - "A capacidade média craniana do mais selvagem provavelmente não é menos que cinco sextos da das mais elevadas raças civilizadas, enquanto o cérebro dos macacos antropóides dificilmente chega a um terço da do homem, em média, em ambos os casos; ou a proporção pode ser representada através das seguintes figuras: os macacos antropóides, 10; os selvagens, 26; o homem civilizado, 32". Ibid. 360 - "A inferência que eu tiraria a partir desta classe de fenômenos é que uma inteligência superior tem guiado o desenvolvimento do homem em uma direção definida e com um propósito especial, do mesmo modo que o homem conduz o desenvolvimento de muitas formas animais e vegetais. ... A ação controladora de uma inteligência mais elevada é uma parte necessária das leis da natureza, do mesmo modo que a ação de todos os organismos circundantes é um dos agentes no desenvolvimento orgânico; de outra forma, as leis que governam o universo material são insuficientes para a produção do homem". Sir Wm. Thompson: "O mais selvagem dos sonhos do materialismo é o de que o homem poderia ter evoluído a partir dos animais inferiores, pura suposição que me ofende tanto pela tolice como pela arrogância". Hartmann, Anthropoid Apes, 302-306, conquanto não desiste da "possibilidade de descobrir o verdadeiro elo entre o mundo do homem e o dos mamíferos", declara que "esse ser puramente hipotético, ancestral comum do homem e dos macacos, ainda está por ser encontrado", e que "o homem não pode ter descen-

32
Augustus Hupkins Strnng
dido de qualquer das espécies fósseis de que temos notícia, nem ainda das espécies de macacos ora existentes".
f) A verdade que o homem é produto de Deus implica a verdade correlata de uma paternidade comum. Deus é Pai de todos os homens no sentido de que ele os origina e sustenta como seres pessoais semelhantes em natureza a ele mesmo. Mesmo para com os pecadores Deus mantém esta relação de Pai. E o seu amor paterno, na verdade, que provê a expiação. Assim se vai ao encontro das exigências de santidade e o pródigo é restaurado aos privilégios de filiação perdidos na transgressão. Esta paternidade natural, portanto, não exclui, mas prepara o caminho para a paternidade especial de Deus para com aqueles que foram regenerados pelo seu Espírito e que creram em seu Filho; na verdade, porque todas as criaturas de Deus vieram a ser em Cristo e através dele há uma filiação natural e física de todos os homens em virtude da sua relação com Cristo, o Filho eterno, que antedata e prepara o caminho para a filiação espiritual dos que se ligam a ele pela fé. A filiação natural do homem é subjacente à história da queda e qualifica a doutrina do pecado.
Os textos que se referem à Paternidade natural e comum de Deus são:
Ml. 2.10 - "Não temos nós todos um mesmo Pai [Abraão]? Não nos criou um mesmo Deus?" Lc. 3.38 - "Adão, filho de Deus"; 15.11-32 - a parábola do filho pródigo na qual o pai é pai mesmo antes que o pródigo retorne; Jo. 3.16
"Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito";
Jo. 15.6 - "Se alguém não estiver em mim, será lançado fora, como a vara, e secará e os colhem e os lançam no fogo e ardem"; - estas palavras implicam uma união natural de todos em Cristo; de outra forma, elas ensinariam que os que os que estão espiritualmente unidos a ele podem perecer para sempre.
At. 17.28 - "Porque somos também sua geração - palavras dirigidas por Paulo ao auditório pagão; Cl. 1.16,17 - "porque neles foram criadas todas as coisas. ... e por ele subsistem todas as coisas"; Hb. 12.9 - "o Pai dos espíritos". A Paternidade, neste mais amplo sentido, implica: 1. Origem; 2. Comunicação da vida; 3. Sustento; 4. Semelhança nas faculdades e poderes; 5. Governo; 6. Cuidado; 7. Amor. Em tudo isto Deus é Pai de todos homens e seu amor paterno é tanto preservador como reparador. A paternidade natural de Deus é mediada por Cristo, através de quem foram feitas todas as coisas, e em quem todas as coisas, até a humanidade, consistem. Somos naturalmente filhos de Deus, porque somos criados em Cristo; somos espiritualmente filhos de Deus, porque fomos criados de novo em Cristo Jesus. G. W. Northrop: Deus nunca se torna Pai de qualquer homem ou classe de homens; ele só se torna um Pai reconciliado e complacente dos que se tornam eticamente semelhantes a ele. Os homens só são filhos no pleno sentido ideal a partir do instante em que se comportam como filhos de Deus". Chapman, Jesus Christ and the PresentAge, 39 - "Enquanto Deus é pai de todos os homens, nem todos os homens são filhos de Deus; em outras palavras, Deus sempre realiza com-

Teologia Sistemática
33
pletamente a idéia de Pai de cada homem; mas os homens em sua maioria só realizam parcialmente a idéia de filiação".
Textos que se referem à Paternidade da graça são: Jo. 1.12,13 - "a todos quantos o receberam deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus: aos que crêem no seu nome, os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, mas de Deus"; Rm. 8.14 - "Porque todos os que são guiados pelo Espírito de Deus, esses são filhos de Deus"; 15 - "recebestes o espírito de adoção de filhos pelo qual clamamos: Abba, Pai"; 2 Co. 6.17. - "Saí do meio deles e apartai-vos, diz o Senhor, e não toqueis nada imundo e eu vos receberei; e eu serei para vós Pai e vós sereis para mim filhos e filhas, diz o Senhor Todo-poderoso"; Ef. 1.5,6 - "e nos predestinou para filhos de adoção por Cristo Jesus para si mesmo"; 3.14,15 - "Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, do qual toda família [rodapé 'paternidade'] nos céus e na terra toma o nome" (= toda raça entre anjos e homens - conforme Meyer, Romans, 158,159); Gl. 3.26 - "porque todos sois filhos de Deus pela fé em Cristo Jesus"; 4.6 "E, porque sois filhos, Deus enviou aos nossos corações o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai"; 1 Jo. 3.1,2 - "Vede quão grande amor nos tem concedido o Pai: Que fôssemos chamados filhos de Deus. ... Amados, agora somos filhos de Deus". A filiação da raça é apenas rudimentar. A verdadeira realização da filiação só é possível através de Cristo. Gl. 4.1-7 dá a entender uma filiação universal, mas a filiação em que o menino "em nada difere do servo, ainda que seja senhor de tudo" e ainda tem necessidade de receber "a adoção de filhos". Simon, Reconciliation, 81 - "Uma coisa é ser pai; a outra é executar todas funções paternas. Os pais humanos às vezes deixam de por- tar-se como tais por razões que são exclusivas deles; às vezes tornam-se embaraços na conduta ou caráter dos filhos. Nenhum pai pode normalmente executar suas funções paternas para com os filhos que não se portam como tais. Mesmo o filho rebelde é filho, mas não age como tal". Porque todos os homens são naturalmente filhos de Deus não se segue que todos os homens sejam salvos. Muitos que, por natureza, são filhos de Deus não são seus filhos espirituais; são apenas "servos" que não "ficam para sempre em casa" (Jo. 8.35). Deus é o Pai deles, mas eles ainda não "foram feitos" filhos dele (Mt. 5.45).
A controvérsia entre os que sustentam e os que negam a Paternidade de Deus relativa a todos os homens é pura logomaquia. Deus é física e materialmente o Pai de todos os homens; moral e espiritualmente ele é o Pai somente dos que foram renovados pelo seu Espírito. Todos os homens são filhos de Deus em um sentido inferior, em virtude de sua união natural com Cristo; só são filhos de Deus no sentido elevado os que a Cristo se juntaram pela fé em uma união espiritual. Então podemos admitir em boa parte o que dizem os que negam a Paternidade universal divina, dentre eles C. M. Mead, Am. Jor. Theology, julho, 1897.577-600, que sustenta que a filiação consiste em reinar espiritualmente com Deus e cita, em apoio ao seu ponto de vista, Jo. 8.41-44
"Se Deus fosse vosso Pai, vós me amaríeis. ... Vós tendes por Pai o diabo" = a Paternidade de Deus não é universal; Mt. 5.44,45 - "Amai a vossos inimigos. ... para que sejais filhos do Pai que está nos céus"; Jo. 1.12 - "a todos quantos o receberam deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus: aos que crêem no seu nome". Gordon, Ministry of Spirit, 103 - "O fato de que

34
Augustus Hopkins Strong
Deus criou todos os homens não os constitui seus filhos no sentido evangélico da palavra. A filiação em que o N.T. tão constantemente reside baseia-se unicamente na experiência do novo nascimento, enquanto a doutrina da filiação universal repousa ou numa ousada negação, ou numa ousada presunção - a negação da queda universal do homem por causa do pecado, ou a suposição da regeneração universal do homem através do Esp rito Santo. Em qualquer um dos casos o ensino pertence a 'um outro evangelho' (Gl. 1.7), recompensa de cuja pregação não é uma bem-aventurança, mas um 'anáte- ma' (Gl. 1.8)".
Mas também podemos concordar com boa parte do que o bloco oposto argumenta, por exemplo, Wendt, Teaching of Jesus, 1.193 - "Deus não se torna o Pai, mas é o Pai Celeste, daqueles que se tornam seus filhos. ... Em vez do reinado de Deus, que é a idéia dominante entre os judeus, Jesus deu primazia ao ensino da paternidade divina. O relacionamento é ético. Não se trata de paternidade simplesmente de origem e, portanto, só os que andam corretamente são os verdadeiros filhos de Deus. ... 209 - O simples reinado, ou exaltação acima do mundo, conduz à servidão farisaica legalista e à exte- rioridade cerimonial e à especulação filosófica alexandrina. A paternidade apreendida e anunciada por Jesus é essencialmente um relacionamento de amor e santidade". A. H. Bradford, Age of Faith, 116-120 - "Há algo de sagrado na humanidade. Mas os sistemas de Teologia começaram com a indignidade essencial e natural do homem. ... Se não há paternidade, então o egoísmo é lógico. Mas a paternidade traz consigo a identidade da natureza entre pai e filho. Por isso cada trabalhador possui a natureza de Deus e aquele que tem a natureza de Deus não pode ser tratado do mesmo modo que os produtos da indústria ou do campo. ... Todos os filhos de Deus são por natureza participantes da vida de Deus. Eles são chamados 'filhos da ira' (Ef. 2.3), ou 'da perdição' (Jo. 17.12), só para indicar que o seu relacionamento próprio e deve- res foram violados. ... O amor para com o homem depende de algo que é digno do amor e isto se encontra na divindade do homem quanto à essência". A esta última afirmação objetamos, como atribuindo ao homem no começo o que pode ter vindo a ele só através da graça. Na verdade, o homem foi criado em Cristo (Cl. 1.16) e é filho de Deus em virtude de sua união com Cristo (Lc. 3.38; Jo. 15.6). Mas porque o homem pecou e renunciou a sua filiação esta pode ser restaurada e realizada no sentido moral e espiritual, só através da obra expiatória de Cristo e regeneradora do Espírito Santo (Ef. 2.10 - "criados em Cristo para as boas obras"; 2 Pe. 1.4 - "suas preciosas e grandíssimas promessas; para que através destas vos torneis participantes da natureza divina").
Muitos dos que negam a paternidade universal de Deus recusam levar sua doutrina ao extremo lógico. Para serem coerentes deveriam proibir que os não convertidos proferissem a Oração Dominical ou até mesmo orassem. Uma mãe que não cria na paternidade de Deus dizia: "Meus filhos não são convertidos e, se eu fosse ensinar-lhes a Oração Dominical, deveria fazê-lo da seguinte forma: 'Nosso pai, que estás no inferno'; porque eles são só filhos do diabo". Encontram-se nos anais do Congresso Batista, 1896.106-136 jornais com a pergunta: É Deus pai de todos os homens? Entre estes o ensaio de F. H. Rowley afirma a paternidade universal de Deus baseada no seguinte:

Teologia Sistemática
35
1. O homem criado à imagem de Deus; 2. O tratamento paterno de Deus para com o homem, especialmente na vida de Cristo entre os homens; 3. A reivindicação de Deus por seu amor filial e confiança; 4. Só a paternidade de Deus torna possível a encarnação, pois isto implica unidade da natureza entre Deus e o homem. A isto acrescentamos: 5. A morte expiatória de Cristo só poderia ser eficaz baseada numa natureza comum em Cristo e na humanidade; e 6. A obra regeneradora do Espírito Santo só é inteligível como a restauração de um relacionamento filial que é nativo ao homem, mas que o pecado adiou.
n. UNIDADE DA RAÇA HUMANA
d) As Escrituras ensinam que a raça humana toda descende de um só casal.
Gn. 1.27,28 - "E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; macho e fêmea os criou. E Deus lhes abençoou e Deus lhes disse: Frutificai e multiplicai-vos e enchei a terra e sujeitai-a"; 2.7 - "E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra e soprou nos seus narizes o fôlego da vida; e o homem foi feito alma vivente"; 22 - "E da costela que o Senhor Deus tomou do homem formou uma mulher; e trouxe-a a Adão"; 3.20 - "E chamou Adão o nome de sua mulher Eva, porquanto ela era mãe de todos os viven- tes" = mesmo Eva remonta a Adão; 9.19- "Estes três foram os filhos de Noé: e destes se povoou toda a terra". Mason, Faith of the Gospel, 110 - "Logicamente parece mais fácil explicar a divergência daquilo que era a princípio do que a união do que era heterogêneo".
Esta verdade se encontra no fundamento da doutrina de Paulo sobre a unidade orgânica da humanidade na primeira transgressão e da provisão da salvação para a raça em Cristo.
Rm. 5.12 - "Pelo que, como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, por isso que todos pecaram"; 19 - "Porque, como, pela desobediência de um só homem, muitos foram feitos pecadores, assim, pela obediência de um, muitos serão feitos justos"; 1 Co. 15.21,22 - "Porque, assim como a morte veio por um homem, também a ressurreição dos mortos veio por um homem. Porque assim como todos morrem em Adão, assim também todos serão vivifica- dos em Cristo"; Hb. 2.16 - "Porque, na verdade, ele não tomou os anjos, mas tomou a descendência de Abraão". O Prof. D. G. Brinton, um dos mais eminentes etnólogos e antropólogos, não muito antes da sua morte, disse que toda a pesquisa científica e ensino tendem para a convicção de que a humanidade descende de um casal.
Esta descendência da humanidade de um só casal também constitui a base da fraternidade natural com cada membro da raça.

36
Augustus Hopkins Strong
At. 17.26 - "E de um só fez toda a geração dos homens para habitar sobre toda a face da terra" - aqui a Versão Rev. e Corrigida omite a palavra "sangue" ("fez de um sangue" - Versão Autorizada). É possível que a palavra compreendida seja "pai", mas não a palavra "corpo"; cf. Hb. 2.11 - "Porque assim o que santifica como os que são santificados, são todos de um (pai ou corpo); por cuja causa não se envergonha de lhes chamar irmãos, dizendo: Anunciarei o teu nome a meus irmãos, cantar-te-ei louvores no meio da congregação".
Winchell, Preadamites, reviveu recentemente a teoria de Peyrerius, surgida em 1655, de que havia homens antes de Adão: "Adão descendia de uma raça negra e não as raças negras de Adão". Adão é tão somente "o mais remoto ancestral de quem os judeus poderiam herdar a linhagem.... A derivação adâmica de um grupo humano mais antigo é essencialmente a criação de Adão". Winchell não nega a unidade da raça, nem o efeito retroativo da expia- ção sobre os que viveram antes de Adão; ele somente nega que Adão foi o primeiro homem. 297 - Ele "considera o grupo adâmico derivado de um tipo humano mais antigo e mais humilde", originariamente mais baixo em escala do que os selvagens australianos.
Embora a teoria forneça plausível explicação de certos fatos bíblicos, tais como o casamento de Caim (Gn. 4.17), o medo que Caim sentia de que os homens o matariam (Gn. 4.14), a distinção entre "os filhos de Deus" e "as "filhas dos homens" (Gn. 6.1,2), trata a narrativa mosaica mais como legendária do que como histórica. Indica-se que Sem, Cão e Jafé podem ter vivido centenas de anos separados um do outro. Com base neste ponto de vista, Eva não podia ser a "mãe de todos os vivos (Gn. 3.20), nem a transgressão de Adão podia ser a causa e começo da condenação de toda a raça (Rm. 5.12,19). Quanto ao medo que Caim sentia de que as outras famílias poderiam vingar-se dele, convém lembrar que não sabemos entre Caim e Abel quantos filhos nasceram de Adão, nem se Caim ficou com medo só daqueles que estavam vivos naquela ocasião. Quanto ao casamento de Caim, devemos lembrar que, ainda que Caim tivesse casado com uma outra família, sua esposa, com base em qualquer hipótese da unidade da raça, deve ter descendido de outro Caim original, que casou com sua própria irmã.
Ver Keil e Delitzsch, Com. on Pentateuch, 1.116 - "O casamento entre irmãos e irmãs era inevitável no caso dos filhos do primeiro homem, visto que a raça humana descendia de um só casal e, por isso, pode-se justificar, em face da proibição mosaica de tais casamentos baseados no fato de que os filhos e filhas de Adão não representavam simplesmente a família, mas a espécie e que isto se deu enquanto não surgiram diversas famílias com laços fraternos e o amor conjugal tornou-se distinto de qualquer outro e assumiu formas fixas e mutuamente exclusivas, cuja violação é pecado". Prof. W. H. Green: "Gn. 20.12 mostra que Sara era meio-irmã de Abraão; ... as subseqüentes regulamentações ordenadas na lei mosaica ainda não tinham vigência". G. H. Darwin, filho de Charles Darwin, mostrou que o casamento entre primos é inofensivo onde há diferença constitucional entre as partes. A paleontologia moderna aceita como provável que, no começo da raça, havia maior diferença entre irmãos e irmãs da mesma família do que ultimamente..

Teologia Sistemática
37
Considerações tiradas da história e da ciência corroboram as declarações da Escritura. Podem-se mencionar brevemente quatro argumentos:
A partir da história
Até onde se pode delinear a história das nações e tribos em ambos os hemisférios, a evidência aponta para uma única origem e um só ancestral na Ásia Central.
Reconhece-se que as nações européias vieram da Ásia em sucessivas ondas migratórias. Os etnólogos modernos geralmente concordam em que as raças de índios da América derivaram de fontes mongólicas da Ásia Oriental, ou através da Polinésia ou pelas Ilhas Aleutes. Bunsen, Philos. of Universal History, 2.112 - a origem asiática de todos os índios norte-americanos "é uma prova completa da unidade da família entre eles". Mason, Origins of Invention, 361 - "Antes da época de Colombo, os polinésios faziam viagens de canoa do Taiti ao Havaí a uma distância de 2300 milhas (3701,5 km). Keane, Man Past and Present, 1-15, 349-440, trata dos aborígines americanos sob dois tipos primitivos: Os de cabeça longa vindos da Europa e os de cabeça redonda vindos da Ásia. A raça humana, defende ele, teve origem na Indoma- lásia e, daí, por migração se espalhou por toda a terra. O mundo foi povoado a partir de um centro pelo homem pleistocênico. Cada um dos grupos primários evoluiu em seu próprio habitat, mas todos surgiram de um precursor pleistocênico há 100 000 anos. W. T. Lopp, missionário entre os esquimós, em Porto Clarence, Alasca, na parte americana do Estreito de Bering, escreve aos 31 de agosto de 1892: "Nenhum degelo no inverno, e o gelo bloqueia o Estreito. Isto sempre trouxe dúvidas aos baleeiros. Os esquimós contaram- lhes que às vezes atravessavam o Estreito sobre o gelo, mas nunca se acreditou neles. No último bimestre março/abril nossos esquimós tinham necessidade premente de tabaco. Dois grupos (de cinco homens) foram com cães que tracionam trenós para o Cabo Oriental, na costa siberiana, e negociavam um pouco de peles de castor, de lontra, de marta em troca de tabaco russo e voltavam felizes. Só durante um inverno ocasional é que eles faziam isso. Porém durante o verão eles faziam várias viagens em seus botes de pele de lobo - com quarenta pés (+ 13 m) de comprimento. Tais observações podem lançar luz sobre a origem das raças pré-históricas da América".
Tylor, Primitive Cuiture, 1.48 - "As nações semicivilizadas de Java e de Sumatra possuem uma civilização que, à primeira vista, mostra-se ter sido tomada de empréstimo a fontes hindus e maometanas". Per contra, contudo, ver Prof. A. H. Sayce: "A evidência agora tende a mostrar que os distritos na vizinhança do Báltico eram aqueles onde as línguas arianas irradiaram e onde habitaram a raça ou raças que originariamente as falavam. Os invasores arianos do noroeste da índia só podiam ter sido um produto distante do grupo primitivo rapidamente absorvido na população mais antiga à medida que avançavam para o sul; e falar dos 'nossos irmãos índios' é tão absurdo e falso como reivindicar um relacionamento com os negros dos Estados Unidos

38
Augustus Hopkins Strong
porque eles agora empregam uma língua ariana". Scribner, Where Did Life Begin? mais tarde adicionou argumentos que provam que a vida na terra teve sua origem no Pólo Norte e o Prof. Asa Gray favorece este ponto de vista. O Dr. J. L. Wortman, no YaleAlumni Weekly, 14 de janeiro de 1903.129
"O aparecimento de todos os primatas da América do Norte foi muito abrupta no começo do segundo estágio do eocênico. E é uma coincidência marcante que quase as mesmas formas aparecem nos leitos da era exatamente correspondente na Europa. Nem este sincronismo termina nos macacos. Ele se aplica a quase todos os outros tipos de mamíferos eocênicos do Hemisfério
Norte e assim também à flora contemporânea. Estes fatos podem ser explicados somente com base na hipótese de que havia um centro comum do qual estas plantas e animais foram distribuídos. Considerando mais tarde que as atuais massas eram essencialmente as mesmas no período eocênico como o são agora e que a região do Pólo Norte então gozava de um clima subtropical como as plantas fósseis o provam, somos forçados a concluir que este centro comum de dispersão fica aproximadamente dentro do Círculo Ártico. ... A origem da espécie humana não ocorre no Hemisfério Ocidental".
A partir da língua
A filologia comparativa aponta para uma origem comum de todas as mais importantes línguas e não fornece nenhuma evidência de que as menos importantes também não sejam derivadas.
Sobre o sânscrito como elo de conexão entre as línguas indo-germânicas, ver Max Müller, Science of Language, 1.146-165, 326-342, que defende que todas as línguas passam por três estágios : monossilábico, aglutinante, infle- xiva; e que nada necessita a admissão de diferentes começos independentes tanto para os elementos materiais como para os formais dos ramos da fala: turânico, semítico e ariano. As mudanças da linguagem freqüentemente são rápidas. O Latim converteu-se nas línguas romances e o saxão e o normando se unificaram no Inglês em três séculos. O Chinês pode ter-se separado do seu primitivo local de moradia enquanto a sua língua se conservava monossi- lábica.
J. G. Romanes, Life and Letters, 195 - "As crianças são as construtoras de todas as línguas, distintas da língua". O exemplo da súbita aquisição da linguagem é de Helen Keller, proferindo publicamente uma longa peça só três semanas depois que pela primeira vez começou a imitar os movimentos dos lábios. G. F. Wright, Man and the Glacial Period, 242-301 - "Recentes investigações mostram que as crianças, quando por qualquer causa isoladas em uma época bem inicial produzirão freqüentemente uma linguagem de novo. Assim de modo algum pareceria improvável que várias línguas na América e talvez as mais antigas do mundo possam ter surgido em um curto tempo onde as condições eram tais que uma família de crianças pequenas poderia ter mantido a existência quando por qualquer causa elas fossem privadas dos cuidados paternos ou de qualquer tutor. ... Dois ou três mil anos de pré-histó- ria é talvez o exigível para produzir a diversificação das línguas que apare-

Teologia Sistemática
39
cem no decorrer da história. ... O estágio pré-histórico da Europa terminou menos do que mil anos antes da Era Cristã". Em um povo cuja fala não se tem fixado por ter sido incumbido de escrever, a fala de uma criança é uma grande fonte de corrupção lingüística e as mudanças são muito rápidas. Humboldt recolheu o vocabulário de uma tribo da América do Sul e, depois de quinze anos de ausência achou a sua linguagem tão mudada que parecia uma língua diferente.
Zôckler, Jahrbuch für deutsche Theologie, 8.68 ss., nega o progresso a partir dos métodos inferiores da fala para os mais elevados e declara que as línguas inflexivas mais altamente desenvolvidas sejam as mais antigas e as mais disseminadas. As línguas inferiores são uma degenerescência de um mais elevado estágio de cultura. No desenvolvimento das línguas indo-ger- mânicas (tais como o francês e o inglês), temos exemplos de mudança da mais plena e rica expressão para a monossilábica e aglutinante. Pott também se opõe à teoria de Max Müller, Die Verschiendenheit der menschlichen Ras- sen, 202, 242. Pott chama a atenção para o fato de que as línguas australianas mostram inequívoca semelhança com as da Ásia Oriental e do Sul, apesar de que as caraterísticas físicas são bem diferentes das asiáticas.
Como o antigo egípcio, o berbere e o tuaregue são línguas semíticas no que tange ao vocabulário, apesar de serem arianas quanto à gramática. Assim o tibetano e o burmês estão, por um lado, entre as línguas indo-euro- péias e, por outro, as monossilábicas, como o chinês. Um filólogo francês afirma ter interpretado o Yh King, o mais antigo e mais ininteligível escrito monumental do chinês, considerando-o uma deformação do assírio antigo ou caracteres cuneiformes acádicos e semelhante aos silabários, aos vocabulários e tábuas bilíngües contidas nas ruínas das bibliotecas da Assíria e da Babilônia; ver Terrien de Lacouperie, The Oldest Book of the Chinese and its Authors e seus The Language of China before the Chinese, 11, nota; ele defende o-"elemento não indígena da civilização chinesa e sua derivação do foco cultural caldaico-babilônico através da Susiana". A evidência mostrará que ó chinês (língua) veio para a China originado da Susiana no século XXIII A.C.. O G inicial se emprega na época com o som de Y. Muitas palavras que em chinês começam com Y encontram-se no acádico com G, como o chinês Ye, 'noite', corresponde ao acádico Ge, com o mesmo sentido. Parece que a ordem de desenvolvimento é a seguinte: 1. a escrita pictórica; 2. a escrita silábica; 3. a escrita alfabética.
Semelhantemente, há evidência de que os egípcios do tempo dos faraós eram imigrantes de outra terra, a saber, da Babilônia. Hommel deriva os hieróglifos egípcios das figuras de que se desenvolveram os caracteres cuneiformes e mostra que os elementos da própria língua egípcia estão contidos nessa fala mesclada da Babilônia que se originou da fusão de sumerianos e semitas. O Osíris do Egito é o Asari dos sumerianos. O sepultamento em túmulos de tijolos nas duas primeiras dinastias egípcias é uma sobrevivência da Babilônia, como o são os selos cilíndricos impressos na argila. Sobre as relações entre as línguas ariana e semítica, ver Whitney, Comp. Philology, Enciclopédia Britânica; Vida e Desenvolvimento da Linguagem, 269 e Estudo da Linguagem, 307,308 - "A língua fornece algumas indicações de valor duvidoso, que, tomadas com algumas outras considerações etnológicas, também

40
Augustas Hopkins Strong
de questionável pertinência, fornecem base para suspeitar de um relacionamento último.... Talvez se possa contar com a esperança de que a mais completa compreensão da história da fala semítica nos capacitará a determinar tal relação última, embora não se espere com confiança".
Consideramos os fatos como, na sua totalidade, favorecendo uma conclusão oposta à do Dicionário Bíblico de Hastings, Dilúvio: "A diversidade da raça humana bem como da língua torna improvável que a humanidade derive de um só casal". E. G. Robinson: "O único argumento fidedigno em favor da unidade da raça deriva da filologia comparativa. Se se estabelecer que uma das três famílias lingüísticas é mais antiga que as outras e a fonte destas o argumento é irretorquível. A coloração da pele parece jazer nas influências climáticas. Cremos na unidade da raça porque isto apresenta as menores dificuldades. Caso contrário, não saberíamos como interpretar Paulo em Rm. 5". Max Müller diz que a fonte da filologia moderna como da moderna liberdade e da legislação internacional é a mudança que o cristianismo operou, substituindo a estreita concepção nacional de patriotismo pelo reconhecimento de todas as nações e raças como membros de uma grande família humana.
A partir da psicologia
A existência de características mentais e morais comuns entre as famílias da humanidade evidenciadas em máximas comuns, tendências e capacidades na predominância de tradições semelhantes e na aplicabilidade universal de uma filosofia e religião explica-se mais facilmente com apoio na teoria de uma origem comum.
Entre as tradições amplamente prevalecentes pode ser mencionada a de moldar o mundo e o homem, de um primitivo jardim, de uma inocência e felicidade originais, de uma árvore do conhecimento, de uma serpente, de uma tentação e queda, de uma divisão do tempo em semanas, de um dilúvio, de sacrifício. É possível, senão provável, que alguns mitos, comuns a muitas nações, podem ter sido transmitidos a partir de um tempo quando as famílias da raça ainda não estivessem separadas.
A partir da fisiologia
É juízo comum dos fisiólogos que o homem é uma só espécie. As diferenças que existem entre as variadas famílias da humanidade devem ser consideradas como variedades desta espécie. Como prova destas afirmações argumentamos: a) As inumeráveis gradações intermediárias que estabelecem conexão entre as assim chamadas raças umas com as outras, b) A identidade essencial de todas as raças nas características cranianas, osteológicas e dentais. c) A fertilidade de uniões entre indivíduos dos mais diversos tipos e a continuada fertilidade do produto destas uniões.

Teologia Sistemática
41
Huxley, Critiques and Addresses, 163 - "Pode-se afirmar com segurança, mesmo que as diferenças entre os homens sejam específicas, que estas são de tal modo pequenas que a suposição de mais de uma estirpe primitiva é inteiramente supérflua. Podemos admitir que negros e australianos são espécies distintas e ser os mais estritos monogenistas e até mesmo crer que Adão e Eva sejam os primitivos pais da humanidade, /.e., na Hipótese de Darwin"; Origins of Species, 113 - "Sou um dos que crêem que atualmente não há nenhuma evidência para dizer que a humanidade surgiu originariamente de mais de que um só casal; devo dizer que não posso ver uma boa base, seja qual for, ou qualquer evidência sustentável para crer que há mais de uma espécie de ser humano". Owen, citado por Burgess, Ant. and Unity of Race, 185 - "O homem forma apenas uma espécie. As diferenças são apenas indicações de variedade. Tais variações aparecem de umas para com as outras através de gradações fáceis". Alexandre von Humboldt: "As diferentes raças de homens são formas de uma única espécie; não são diferentes espécies de um gênero".
Quatrefages, ReviewD. deuxMondes, dezembro de 1860.814-"Se alguém se coloca exclusivamente no plano das ciências naturais, é impossível não concluir em favor da doutrina monogenista". Wagner, citado em Bíblia Sacra, 19.607 - "Espécie = a coleção total de indivíduos capazes de produzir em conjunto uma progênie ininterruptamente fértil". Pickering, Races of Man, 316 - "Não há base intermediária entre a admissão de onze espécies distintas na família humana e sua redução a uma. Esta última opinião implica num ponto central de origem".
É impossível decidir quantas raças há, se permitimos haver mais do que uma. Enquanto Pickering diria onze, Agassiz diz oito, Morton vinte e duas e Burke sessenta e cinco. Toda a ciência moderna tende para a derivação de cada família de um só germe. Outras caraterísticas comuns a todas as raças humanas, além das mencionadas no texto, são a duração da gravidez, a temperatura normal do corpo, a freqüência média da pulsação, a tendência às mesmas doenças. Meehan, botânico do Estado da Pensilvânia, defende que os vegetais híbridos não são mais estéreis que as plantas comuns (The Inde- pendent, 21 de agosto de 1884).
E. B. Tylor, art.: Anthropology Enc. Brít:. "Ao todo pode-se afirmar que a doutrina da unidade da raça humana agora se assenta em uma base mais firme do que em épocas anteriores". Darwin, Animais and Plants under Domestication, 1.39 - "Desde a semelhança em vários setores dos cães meio domesticados até as espécies selvagens ainda vivas, pela a facilidade com que eles podem ser cruzados, desde os meio domesticados considerados de muito valor pelos selvagens e a partir de outras circunstâncias anteriormente assinaladas nas quais há possibilidade de domesticação, é altamente provável que os cães domésticos tenham descendido de duas espécies de lobos (por exemplo, os canis iupus e os canis iatrans), e a partir de duas ou três duvidosas espécies de lobos (a saber, as formas européias, as índias e as norte-americanas); desde pelo menos uma ou duas espécies caninas sul-americanas; desde várias raças ou espécies de chacais; e talvez a partir de uma ou mais espécies extintas". O Dr. E. M. Moore tentou, sem sucesso, reproduzir através de um cão "newfoundland" e um cão mestiço lobo do

42
Augustus Hopkins Strong
Canadá. Ele só provou mais uma vez a repugnância das espécies diferentes uma da outra.
A unidade da espécie é evidência pressuposta da unidade da origem. A unidade da origem fornece a mais simples explicação da uniformidade específica se, na verdade, a própria concepção de espécie não implica a repetição e a reprodução de uma idéia tipo primordial impressa na sua criação sobre o indivíduo com poder de transmitir tal idéia tipo aos seus sucessores.
Dana, citado em Burgess, Antig. and Unity of Race, 185, 186 - "Na escala ascendente dos animais, o número de espécies em qualquer gênero diminui à medida aumentamos e, por analogia, deve diminuir na cabeça da série. Entre os mamíferos, os mais elevados gêneros têm poucas espécies e o mais elevado grupo, depois do homem, o orangotango, tem só oito, e estes constituem apenas dois gêneros. A analogia requer que o homem tenha proemi- nência e se constitua um só". 194 - "Uma espécie corresponde à soma definida ou condição de força concentrada na arte ou lei da criação.... Em qualquer caso particular a espécie começou a existir quando se criou a primeira célula germe ou indivíduo. Quando os indivíduos se multiplicam de geração a geração, há apenas uma repetição da idéia tipo primordial. ... A unidade específica baseia-se na unidade numérica. A espécie nada mais é que uma ampliação do indivíduo".
A este ponto de vista opõe-se a teoria, proposta por Agassiz, de centros diferentes de criação e de diferentes tipos de humanidade correspondentes à variante fauna e flora de cada um. Mas esta teoria faz a origem múltipla do homem uma exceção na criação. A ciência aponta mais para a origem única de cada espécie, quer vegetal quer animal. Se o homem for, como admite esta teoria, uma espécie única, pela mesma regra ele deve restringir-se em sua origem a um único continente. Esta teoria, contudo, aplica uma hipótese não aprovada relativa à não distribuição dos seres organizados em geral com o próprio ser de que a natureza e a história mostram conclusivamente que ele é uma exceção a cada regra geral, se é que existe. Porque o homem pode adap- tar-se a todos os climas e condições a teoria dos centros separados da criação é, neste caso, gratuita e desnecessária.
O ponto de vista de Agassiz foi a princípio publicado num ensaio sobre as Províncias do Mundo Animal, e nos tipos da humanidade de Nott e de Gliddon, livro produzido no interesse da escravidão. Agassiz sustentava oito centros distintos de criação e oito tipos correspondentes de humanidade - o ártico, o mongólico, o europeu, o americano, o negro, o hotentote, o malaio, o australiano. Agassiz considerava Adão ancestral só da raça branca, enquanto Peyrerius e Winchell sustentavam que o homem nas várias raças constitui apenas uma espécie.

Teologia Sistemática
43
A tendência toda da recente ciência, contudo, tem sido contrária à doutrina de centros de criação separados, mesmo no caso da vida animal e vegetal. Na zona temperada da América do Norte há duzentas e sete espécies de quadrúpedes, dos quais só oito são encontrados na Europa e na Ásia e estes, animais polares. Se a América do Norte for um exemplo de centro de criação separado de suas espécies peculiares, por que Deus criaria as mesmas espécies de seres humanos em oito diferentes localidades? Isto faria o homem uma exceção na criação. Além disso, não há necessidade de criar o homem em muitas localidades separadas; pois, diferentemente do urso poiar e do abeto norueguês, que não podem viver no equador, o homem pode adaptar-se aos mais variados climas e condições.
Objeta-se, contudo, que as diversidades de tamanho, cor e conformação física entre as variadas famílias da humanidade são inconsistentes com a teoria de uma origem comum. Mas respondemos que tais diversidades são de caráter superficial e podem ser explicadas pelas correspondentes à condição e ao ambiente. As mudanças observadas e registradas nos tempos históricos mostram que as diferenças citadas podem ser o resultado de lentas diferenças acumuladas a partir de um mesmo tipo original e ancestral. Além disso, a dificuldade neste caso é grandemente aliviada quando nós lembramos (1) que o período durante o qual estas divergências surgiram não é limitada de nenhum modo por seis mil anos; e (2) visto que as espécies em geral exibem sua maior força de divergência em variedades imediatamente após sua primeira introdução, todas as variedades das espécies humanas podem ter apresentado a si mesmas na história mais recente do homem.
Exemplos de mudança fisiológica como resultado de novas condições:
A Irlanda dirigida há dois séculos pelos ingleses de Armagh e o sul de Down, tornaram-se prógnatos como os australianos. Os habitantes da Nova Inglaterra descenderam dos ingleses, apesar de que agora têm um tipo físico que lhes é caraterístico. Os índios da América do Norte, ou pelo menos algumas tribos deles, têm alterado permanentemente a forma do crânio usando faixas na infância. Os siques da índia, desde o estabelecimento da religião Baba Nanaque (1500 A.D.) e seu conseqüente avanço na civilização transformaram sua cabeça para mais longa e características mais regulares de sorte que agora eles se distinguem mais dos seus vizinhos afegãos, tibetanos, hindus. Os selvagens ostiacos transformaram-se na nobreza magiar da Hungria.
Os turcos da Europa estão, na conformação craniana, em grande avanço na direção dos turcos da Ásia de quem descendem. Os judeus provêm incontes- tavelmente de um mesmo ancestral; apesar de que temos entre eles os judeus poloneses de cabelos loiros, os judeus morenos da Espanha e os judeus etíopes do Vale do Nilo. Os portugueses que se estabeleceram nas índias Orientais no século XVI têm a compleição tão escura como os próprios hindus. Os africanos tornam-se de compleição mais clara quando vêm das bancas aluviais ribeirinhas para as terras mais altas, ou da costa; e, ao

44
Augustus Hopkins Strong
contrário, as tribos da costa que tiraram os negros do interior e tomaram os limites do seu território, tornando-se eles mesmos também negros.
A lei da plasticidade originariamente maior, mencionada no texto, foi primeiro sugerida por Hall, o paleontólogo de Nova Iorque. Dawson aceita-o e o define em Story of the Earth and Man, 360 - "Está chegando uma nova lei: que as espécies, quando a princípio introduzidas, tem o poder inato de expansão que as capacita a rapidamente estender-se aos limites do seü âmbito geográfico e até chegar ao limite da sua diversificação em raças. Uma vez este alcançado, tais raças correm em linhas paralelas até que uma a uma se esgotem e desapareçam. De acordo com esta lei as mais aberrantes raças podiam desenvolver-se em poucos séculos, após o que cessaria a diferença e as diversas linhas de variação permaneceriam ao menos até fixarem as condições que elas originaram". Joseph Cook: A variabilidade é uma quantidade em diminuição; a tendência de mudança é maior no começo, mas, como a média do movimento de uma pedra lançada para o alto, diminui com o passar do tempo. Ruskin, Seven Lamps, 125 - "A vida de uma nação, via de regra, é como o fluxo de uma correnteza de lava, a princípio brilhante e feroz, e depois lânguida e coberta, avançando, por fim, só caindo aos poucos de seus blocos fundidos". Renouf, Hibbert Lectures, 54 - "Quanto mais recuamos rumo à antigüidade, mais aproxima o tipo egípcio do Europeu". Rawlin- son diz que os negros não são representados nos monumentos egípcios antes de 1500 a.C. A influência do clima é muito grande, especialmente no estado selvagem.
Em maio de 1891, morreu em São Francisco o filho de um intérprete na Casa de Câmbio dos Mercadores. Ele tinha 21 anos de idade. Três anos antes de sua morte sua pele clara era a sua primeira demonstração da beleza masculina. Foi atacado pelo "mal de Addison", escurecendo gradualmente a cor da superfície do seu corpo. Na ocasião da sua morte a sua pele era tão escura como a de um negro legítimo. Chamava-se George L. Sturtevant.
III. ELEMENTOS ESSENCIAIS DA NATUREZA HUMANA 1. Teoria Dicotomista
O homem possui uma dupla natureza: por um lado material, por outro lado imaterial. Ele é corpo e espírito, ou alma. A consciência testifica que há dois e só dois elementos no homem. A Escritura confirma este testemunho no qual a representação prevalecente da constituição humana é a dicotomia.
Dicotomista, de 8íxa, 'em dois' e tc^vcd, 'cortar', = formado de duas partes.
O homem é tão consciente de que a sua parte imaterial é uma unidade como o seu corpo também o é. Ele conhece duas, e só duas, partes do seu ser - corpo e alma. Assim o homem é o verdadeiro Janus (Martensen), o Sr. que vê em duas direções (Bunyan). Ficará claro que as Escrituras favorecem a dicotomia, considerando

Teologia Sistemática
45
O registro da criação do homem (Gn. 2.7), no qual, como resultado do sopro do Espírito divino, o corpo toma-se possuído e vitalizado por um só princípio: a alma vivente.
Gn. 2.7 - "E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra e soprou nos seus narizes o fôlego da vida; e o homem foi feito alma vivente" - aqui não se diz que o homem era primeiro alma vivente e depois Deus soprou neie um espírito; mas que Deus soprou o espírito e o homem tornou-se alma vivente = a vida de Deus apossou-se do barro e, como resultado, o homem teve uma alma. Cf. Jó 27.3 - "Enquanto em mim houver alento e o sopro de Deus em meu nariz"; 32.8 - "Há um espírito no homem e a inspiração do Todo-podero- so os faz entendidos"; 33.4 - "O espírito de Deus me fez e a inspiração do Todo-poderoso me deu vida".
Passagens em que a alma humana, ou espírito, se distingue tanto do Espírito divino de que procede como do corpo em que habita.
Nm. 16.22 - "Ó Deus, Deus dos espíritos de toda a carne"; Zc. 12.1 - "Senhor... que forma o espírito do homem dentro dele"; 1 Co. 2.11 - "o espírito do homem que nele está ... o Espírito de Deus"; Hb. 12.9 - "ao Pai dos espíritos". As passagens já mencionadas distinguem o espírito do homem do Espírito de Deus. As passagens seguintes distinguem a alma, ou espírito humano do corpo em que habita: Gn. 35.18 - "E aconteceu que, saindo-lhe a alma (porque morreu)"; 1 Re. 17.21 - "Ó Senhor, meu Deus, rogo-te que torne a alma deste menino a entrar nele"; Ec. 12.7 - "o pó volte à terra como era, e o espírito volte a Deus, que o deu"; Tg. 2.26 - "O corpo sem o espírito está morto". O primeiro grupo de passagens refuta o panteísmo; o segundo refuta o materialismo.
O uso intercambiável dos termos 'alma' e 'espírito'.
Gn. 41.8 - "o seu espírito perturbou-se"; cf. SI. 42.6 - "dentro de mim a minha alma está abatida". Jo. 12.27 - "Agora a minha alma está perturbada"; cf. 13.21 "turbou-se o seu espírito". Mt. 20.28 - "dar a sua vida (yuxiív) em resgate de muitos"; cf. 27.50 - "entregou o seu espírito (jtveú^a)". Hb. 12.23 - "aos espíritos dos justos aperfeiçoados"; cf. Ap. 6.9 - "vi debaixo do altar as almas dos que foram mortos por amor da palavra de Deus". Nestas passagens, parece que "espírito" e "alma" são empregados em intercâmbio uma com a outra.
A menção de corpo e alma (ou espírito) constituindo juntos o homem como um todo.
Mt. 10.28 - "perecer no inferno tanto a alma como o corpo"; 1 Co. 5.3 - "ausente no corpo, mas presente no espírito"; 3 Jo. 2 - "desejo que te vá bem

46
Augustus Hopkins Slrong
e que tenhas saúde assim como vai bem a tua alma". Estes textos implicam que o corpo e a alma (ou espírito) constituem o homem todo.
2. Teoria Tricotomista
Ao lado desta representação comum da natureza humana consistindo em duas partes, acham-se passagens que, à primeira vista, parecem favorecer a tricotomia. Deve-se reconhecer que nvetipa (espírito) e (alma), apesar de usados com freqüência de modo intercambiável e sempre designando a mesma substância indivisível são às vezes empregados como termos contrastantes.
Neste emprego mais preciso, denota a parte imaterial do homem em seus poderes e atividades inferiores; como xirux1! o homem é um indivíduo consciente e em comum com o bruto tem uma vida animal, com apetite, imaginação, memória, entendimento. ITveúpa, por outro lado, denota a parte imaterial do homem em sua mais elevada capacidade e faculdade; - como 7rveí)p,a o homem se relaciona com Deus e possui os poderes da razão, consciência e livre vontade que o diferencia do bruto e o constitui responsável e imortal.
Nos textos que se seguem, espírito e alma distinguem-se um do outro:
1 Ts. 5.23 - "E o mesmo Deus de paz vos santifique em tudo; e todo o vosso espírito, e alma, e corpo sejam plenamente conservados irrepreensíveis para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo"; Hb. 4.12 - "Porque a palavra de Deus é viva, e eficaz, e mais penetrante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até a divisão da alma e do espírito, e das juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e intenções do coração". Compare 1 Co. 2.14
"Ora, o homem natural (gr. 'psíquico') não compreende as coisas do Espírito de Deus"; 15.44 - "Semeia-se o corpo animal (gr. psíquico), ressuscitará corpo espiritual. Se há corpo animal (gr. psíquico), há também corpo espiritual"; Ef. 4.23 - "e vos renoveis no espírito do vosso sentido"; Jd. 19 - "sensuais [GR, psíquico], que não têm o Espírito".
O elemento de verdade na tricotomia é simplesmente que o homem tem uma triplicidade de dons, em virtude dos quais a alma se relaciona com a matéria, consigo e com Deus. A teoria tricotomista, contudo, do modo em que é comumente definida, põe em perigo a unidade e imaterialidade da nossa mais elevada natureza sustentando que o homem consiste em três substâncias, ou três partes componentes - corpo, alma e espírito - e que alma e espírito são distintos um do outro do mesmo modo que a alma e o corpo.
Os que defendem este ponto de vista divergem entre si quanto à natureza da v"/dxií e sua relação com os outros elementos do nosso ser; alguns (como Delitzsch) sustentam que a 6 um efluxo do 7tve0)a.a, distinto em substân

Teolooia Sistemática
47
cia, mas não em essência, como o Verbo divino se distingue de Deus, mesmo sendo ainda Deus; outros (como Gõschel) considerando a yuxú não como substância distinta, mas como resultado da união do TtvEújxa com o arô(xa. Outros ainda (como Cremer) sustentam que a \"/dxt" se sujeita à vida pessoal cujo princípio é o nveCua. Heard, Tripartite Nature of Man, 103 - "Deus é o Criador ex traduce do elemento animal e intelectual de cada homem. ... Não é assim com o espírito. ... Este procede de Deus, não por criação, mas por emanação".
Consideramos a teoria tricotomista insustentável, não só pelas razões já apresentadas como prova da teoria dicotomista, mas a partir das considerações adicionais:
Emprega-se nveíjpa, assim como \"/d%ti, para designar o bruto.
Ec. 3.21 - "Quem adverte que o fôlego dos filhos dos homens sobe (rodapé 'vai') para cima e que o fôlego dos animais desce (rodapé 'vai') para baixo da terra?" Ap. 16.3 - "E o segundo derramou sua taça no mar; e ele se tornou sangue; e toda alma vivente morreu" = o peixe.
Atribui-se \(/'ux'n a Jeová.
Am. 6.8 - "Jurou o Senhor Jeová pela sua alma" (LXX ectotóv); Is. 42.1 - "o meu Eleito, em quem se compraz a minha alma"; Hb. 10.38 - "Mas o justo viverá pela fé; e, se ele recuar a minha alma não tem prazer nele".
Os mortos desencarnados são chamados \"/u%aí.
Ap. 6.9 "Vi debaixo do altar as almas dos que foram mortos por amor da palavra de Deus"; cf. 20.4 "almas dos que foram degolados".
Atribuem-se os mais elevados exercícios da religião à
Mc. 12.30 - "Amarás, pois, ao Senhor, teu Deus ... de toda a tua alma";
Hb. 6.18,19 - "a esperança proposta; a qual temos como âncora da alma";
Tg. 1.21 - "a palavra em vós enxertada, a qual pode salvar a vossa alma".
é) Perder a xj/tíxfi é perder tudo.
Mc. 8.36,37 - "Pois que aproveitaria ao homem ganhar o mundo todo e perder a sua alma? Ou que daria o homem pelo resgate da sua alma?"
f) As passagens nas quais se confia para apoiar a tricotomia podem ser melhor explicadas com base no ponto de vista já indicado de que alma e espí

48
Augustus Hopkins Strong
rito não são duas substâncias ou partes distintas, mas designam o princípio imaterial de diferentes pontos de vista.
Ts. 5.23 - "vosso espírito, e alma, e corpo sejam plenamente conservados" = não uma enumeração científica das partes constituintes da natureza humana, mas um apanhado da sua natureza nas principais relações; compare Mc. 12.30 - "amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento, e de todas as tuas forças" - onde ninguém pensaria ser uma prova para encontrar uma quádrupla divisão da natureza humana. Sobre 1 Ts. 5.23 ver Riggenbach (Lange's Com.). Hb. 4.12
"e penetra a divisão da alma e do espírito, e das juntas e medulas" = não a divisão entre a alma e o espírito, ou entre as juntas e medulas; mas penetra mais ainda na alma e no espírito até nas juntas e medulas destes; i.e. até as profundezas da natureza espiritual. Jd. 19 "sensuais, que não têm Espírito" (\"A)XiKoí, 7tve,0)j.a "ií" ê%ovxeç) - embora 7tve%ia = o espírito humano, não significa necessariamente que não exista o espírito, mas que o espírito está entorpecido e é inoperante - como dizemos do homem fraco: 'ele não tem cabeça', ou de um homem sem princípios: 'ele não tem consciência'. "A distinção entre yu/ií e nveC^a é funcional não substancial'. Moule, Outlines of Christian Doctríne, 161,163-2 - "Alma = espírito organizado inseparavelmen- te ligado ao corpo; espírito = o ser interior do homem considerado como dom de Deus. Não são elementos separados". Martineau, Seat of Autoríty, 39 - "A diferença entre o homem e as demais criaturas na terra não é que a vida instintiva do homem seja menor do que a dos animais porque, na verdade, ela vai além daquelas; mas é que, no homem, ela age em presença de outras forças que a transformam e sob a vista delas e, ao dar-lhe visão e luz, retira- lhe a cegueira. Deixa-se ao homem os seus próprios segredos".
Concluímos que a parte imaterial do homem, vista como uma vida individual e consciente, capaz de possuir e animar um organismo físico, chama-se \j/u%ri; vista como um agente racional e moral suscetível de influência e habitação divina chama-se 7tveí)"j,cx. nveCpa, então, é a natureza do homem com os olhos voltados para Deus e capaz de receber e manifestar o nveupot ãyiov; \"/-u%ri é a natureza do homem com os olhos voltados para a terra e tocando o mundo dos sentidos, nveftpa é a parte mais elevada do homem relacionada com as realidades espirituais ou capaz de tais relações; a é a parte mais elevada do homem, relacionada com o corpo ou capaz de tal relação. Portanto, o homem não é tricotômico, mas dicotômico, e sua parte imaterial, conquanto possua dualidade de poderes, tem unidade de substância.
A natureza do homem não é uma casa de três andares, mas de dois, com janelas no superior, apontando para duas direções - a terra e o céu. O andar inferior é a nossa parte física - o corpo. Mas "o andar superior" do homem tem dois aspectos; há um panorama das coisas inferiores e uma clarabóia através

Teologia Sistemática
49
da qual se vêem as estrelas. "A alma", diz Hovey, "é o espírito modificado pela união com o corpo". É o homem a mesma coisa que o bruto, em gênero, embora diferente em grau? Não. O homem é diferente em gênero, embora possua certos poderes iguais ao do bruto. O sapo não é uma sensitiva em tamanho aumentado, apesar de que os seus nervos respondem automaticamente à irritação. O animal é de gênero diferente do vegetal apesar de ter os mesmos poderes que este. Os poderes de Deus incluem os do homem; mas a substância do homem não é a mesma de Deus nem aquele pode ser aumentado e desenvolvido até chegar a ser Deus. As forças do homem incluem as do bruto, mas este não é a mesma substância que aquele, nem poderia desenvolver-se até chegar a ser homem.
Porter, Human Intellect, 39 - "O espírito do homem, além dos seus mais elevados dotes, pode também possuir os poderes inferiores que dão vida à matéria morta em um corpo humano". Não se segue que a alma do animal ou da planta seja capaz de exercer as funções ou desenvolvimentos mais elevados do homem, ou que a sujeição do espírito ao corpo do homem, na vida presente, desaprove a sua imoralidade. Continua Porter: "O fato de que a alma começa a existir como força vital, não requer que sempre exista como força ou em conexão com um corpo material. Deveria requerer outro corpo, que tenha o poder para criá-lo para si mesmo, como formou aquele em que anteriormente o habitara; ou já pode tê-lo formado e mantê-lo pronto para a ocupação e uso tão logo retire aquele que o mantinha em conexão com a terra".
Harris, Philos. Basis of Theism, 547 - "Os brutos podem ter vida orgânica e sensibilidade, e ainda continuam submersos na natureza. Não é a vida nem a sensibilidade que elevam o homem acima da natureza, mas a característica distintiva da personalidade". Parkhurst, The Pattern in the Mount, 17-30 sobre Pv. 20.27 - "O espírito do homem é a lâmpada do Senhor" - não necessariamente iluminado, mas capaz de sê-lo, pelo toque da chama divina. Cf. Mt. 6.22,23 - "A candeia do corpo ... Se a luz que em ti há são trevas, quão grandes serão tais trevas
Schleiermacher, Chrístliche Glaube, 2.487 - "Só pensamos no espírito como alma, quando esta se encontra no corpo, de sorte que não podemos falar em imortalidade da alma, no sentido próprio, sem vida biológica". A doutrina do corpo espiritual é, portanto, o complemento da doutrina da imortalidade da alma. A. A. Hodge, Pop. Lectures, 221 - "Para nós, alma é apenas uma coisa, /'.e., um espírito encarnado, um espírito com um corpo. Por isso nunca falamos em alma dos anjos. São elas espíritos puros, sem corpos". Lisle, Evolution of Spiritual Man, 72 - "O animal é o alicerce do espiritual; é o que a despensa significa para a casa; é a base do mantimento". Ladd, Philos. ofMind, 371-378
"A tricotomia é absolutamente indefensável baseada na ciência psicológica. A razão do homem ou o espírito que está no homem, não deve ser considerado como um tipo de teto de mansarda construída em um prédio de um bloco em que todos os habitantes são substancialmente semelhantes ... Ao contrário, em cada conjunto de características, desde aquelas chamadas inferiores até as pronunciadamente superiores, a alma humana é diferente da alma de qualquer espécie de animais. ... A mais elevada também contém a inferior. Todos devem estar ligados a um súdito".

50
Augustus Hopkins Strong
Este ponto de vista de alma e espírito como aspectos diferentes do mesmo princípio espiritual fornece refutação a seis importantes erros:
Dos gnósticos, que sustentavam que o rcveíjpa é a parte da essência divina e, portanto, incapaz de pecar.
Dos apolinaristas, que ensinavam que a humanidade cristã abrangia apenas oóòp.a e yDxri, enquanto a sua natureza divina fornecia o Ttveupa.
Dos semipelagianos, que isentavam o Tivera humano do domínio do pecado original.
De Pláceo, que sustentava que Deus criou só o nveúpa (ver nossa seção sobre Teorias da Imputação).
é) De Juuus Müller, que sustentava que a V"/t>xr" nos vem de Adão, mas que o nosso 7rve%t.a se corrompeu num estado anterior ao ser.
f) Dos aniquilacionistas, que sustentam que se soprou no homem, em sua criação, um elemento divino que se perdeu por causa do pecado, e que se recupera só na regeneração; de modo que só com a restauração do seu TtveOpa em virtude da união com Cristo o homem se torna imortal e a morte é para o pecador uma completa extinção do ser.
Quase podia entender-se que Tácito é um tricotomista quando escreve:
"Si ut sapientibus placuit, non extinguuntur cum corpore magnae animae"
A tricotomia concorda prontamente com o materialismo. Muitos tricotomistas sustentam que o homem pode existir sem um ^veí^a, mas que o amixa e a \)/dxií por si mesmos são somente matéria e incapazes de existência eterna.
A tricotomia, contudo, quando fala do homem, parece ter um sabor de emanação ou de panteísmo. Um poeta moderno inglês descreve a alegre e cativante criança como "Uma correnteza prateada rompendo em gargalhada desde o lago divino, De onde fluem todas as coisas". Outro poeta, Robert Browning, em sua Death in the Desert, 107, descreve o corpo, a alma e o espírito como "O que faz, o que conhece, o que é - três almas, um homem".
A Igreja do Oriente de um modo geral defendia a tricotomia. Seu melhor representante é João Damasceno (ii. 12), que fala da alma como o princípio sensitivo de vida que eleva o espírito - o espírito é um efluxo de Deus. Por outro lado, a Igreja do Ocidente, via de regra, defende a dicotomia e tem como representante máximo Anselmo: "Constat homo ex duabus naturis, ex natura, animae et natura carnis".
Na controvérsia, Lutero tem sido citado de ambos os lados: Delitzsch, Bib. Psych, 460-462, como tricotomista e, fazendo o tabernácuio mosaico com suas três divisões uma imagem do homem tripartite. "A primeira divisão", diz ele,."chama-se o santo dos santos, porque lá Deus habitava e ali não há luz alguma. A seguir vem o lugar santo, pois dentro dele fica o candelabro com os sete braços e lâmpadas. O terceiro chama-se o átrio, ou corte; está sob o amplo céu e aberto à luz solar. Encontra-se a pintura de um regenerado.
O seu espírito é o santo dos santos, a habitação de Deus, nas trevas da fé, sem luz, porque ele crê no que ele não vê, nem sente, nem compreende.

Teologia Sistemática
51
A psiquê daquele homem é o lugar santo, cujas sete luzes representam as várias forças do entendimento: a percepção, o conhecimento das coisas materiais e as coisas visíveis. O seu corpo é o átrio que está aberto a todos, de modo que todos podem ver como ele age e vive".
Contudo, Tomasius, Christi Person und Werk, 1.164-168, cita de Lutero a seguinte afirmação, claramente dicotomista: "A primeira parte, o espírito, é a mais elevada, a mais profunda, a mais nobre parte do homem. Através dela o homem se habilita a compreender as coisas eternas, em resumo, a casa em que habita a fé e a palavra de Deus. A outra, a alma, neste mesmo espírito, conforme a natureza, mas ainda em outro tipo de atividade, a saber, neste, que anima o corpo e opera através dele; e o seu método não é apegar-se às coisas incompreensíveis, mas apenas ao que a razão pode pesquisar, conhecer, e mensurar". O próprio Tomásius diz: "Defendo, com Meyer, que a tricotomia não é sustentada pela Escritura". Neander, às vezes citado como tricotomista, diz que o espírito é a alma em sua relação elevada e normal com Deus e com as coisas divinas; a \"ro%íj é a mesma alma em sua relação com as coisas sensíveis e talvez pecaminosas deste mundo. Godet, Bib. Studies of O.T., 32-0 espírito = o sopro de Deus, considerado independente do corpo; a alma = o mesmo sopro, até onde vivifica o corpo".
A doutrina que temos defendido, contudo, em contraste com o ponto de vista pagão, honorífica o corpo do homem, procedente das mãos de Deus e, portanto, organicamente puro (Gn. 1.31 - "E viu Deus tudo quanto tinha feito e eis que era muito bom"); pretendeu ser o lugar de habitação do Espírito divino (1 Co. 6.19 - "Ou não sabeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo que está em vós, proveniente de Deus?"); e contém o germe do corpo celestial (1 Co. 15.44 - "Semeia-se corpo animal, ressuscitará corpo espiritual"; Rm. 8.11 - "também vivificará o vosso corpo mortal pelo Espírito que em vós habita" - aqui muitas antigas autoridades redigem "por causa do Espírito que habita em vós"- 5iá tò èvoikoúv ccdtoú nvevjia). Birks, Dificuldades da Fé, sugere que o homem, diferentemente dos anjos, pode ter sido provido de um corpo carnal, 1) para objetivar o pecado e 2) capacitar Cristo a unir-se à raça a fim de salvá-la.
IV. ORIGEM DA ALMA
Três teorias relativas a este assunto têm dividido as opiniões:
1. Teoria da Preexistência
Platão, Filo e Orígenes sustentaram este ponto de vista; o primeiro para explicar que a alma possui idéias não derivadas dos sentidos; o segundo para dar conta de seu aprisionamento no corpo; o terceiro para justificar a disparidade de condições nas quais os homens entram no mundo. Preocupam-nos, contudo, só as formas que os pontos de vista assumiram nos tempos modernos. Kant e Julius Müller, na Alemanha, e Edward Beecher, na América,

52
Augustus Hopkins Strong
defenderam-no apoiados em que a depravação inata da vontade humana só pode ser explicada supondo um ato pessoal de autodeterminação em um estado prévio, ou atemporal do ser.
A verdade baseada na teoria da preexistência é simplesmente a existência ideal da alma, antes do nascimento, na mente de Deus - isto é a presciên- cia de Deus a respeito da alma. As idéias intuitivas que a alma possui, tais como espaço, tempo, causa, substância, direito, Deus, evoluem a partir dela; em outras palavras, o homem é constituído de tal modo que percebe estas verdades sobre as ocasiões e condições próprias. A aparente lembrança de que temos visto em certa época do passado uma paisagem que sabemos estar agora pela primeira vez diante de nós é uma reunião ilusória de conceitos fragmentários ou a confusão de uma parte com o todo; já vimos algo como uma parte da paisagem, e na nossa fantasia vimos esta paisagem em seu todo. Nossa recordação de um evento ou cena é um todo, mas esta idéia pode ter um número indefinido de idéias subordinadas contidas nela.
A vista de algo que é semelhante a uma dessas partes sugere o passado todo. Coleridge: "É a grande lei da imaginação que a semelhança em parte tende a tornar a semelhança do todo". Agostinho sugere que esta ilusão da memória pode exercer um papel importante no desenvolvimento da crença na metempsicose.
William James dá outras explicações em sua Psicologia: Os traços do cérebro estimulados pelo evento próprio, e esses estimulados em sua lembrança, são diferentes; Baldwin, Psychology, 263,264: Não podemos lembrar o que vimos em um sonho ou pode haver um reflorescimento das experiências dos ancestrais ou da raça. Outros ainda sugerem que os dois hemisférios do cérebro agem assincronicamente; a autoconsciência ou a percepção distingue-se da percepção; o desacordo, a partir da fadiga, dos processos de sensação e percepção causa a paramnésia. Sully, lllusions, 280, fala de uma memória orgânica ou atávica: "Pode não acontecer que, pela transmissão da lei da hereditariedade ... antigas experiências ocasionalmente se reflitam em nossa vida mental, e desse modo façam surgir lembranças aparentemente pessoais?" Letson, The Crowd, crê que a turba é atávica e que baseia a sua ação em impulsos herdados: "Os reflexos herdados são memórias atávicas" (citação de Colegrove, Memory, 204).
Platão sustenta que as idéias intuitivas são reminiscências de coisas aprendidas em um estado prévio do ser; ele considera o corpo como o túmulo da alma; e defende que a alma tem conhecimento anterior à sua entrada no corpo como prova que a alma tem conhecimento depois de deixar o corpo, isto é que ela é imortal. Ver Platão, Mênon, 82-85, Fedo, 72-75, Fedro, 245-250, República, 5.460 e 10.614. Alexander, Theoríes of the Will, 36,37- "Platão representa as almas preexistentes como se tivessem posto diante de si a escolha da virtude. A escolha é livre, mas é ela que determina o destino da alma. Deus não é o responsável pela escolha, mas o responsável é aquele que escolhe. Feita a escolha, as almas seguem o seu destino, que é irreversível. Como a teologia cristã ensina que o homem é livre, mas perdeu a sua liberdade com a queda de Adão, do mesmo modo Platão afirma que a alma

Teologia Sistemática
53
preexistente é livre até que tenha escolhido a sua sorte na vida". Ver as Introduções às obras supramencionadas de Platão, nas traduções de Jovett. Filo sustenta que todas as almas são emanações de Deus e que, diferentemente dos anjos, as que se permitiram ser atraídas pela matéria são, por causa da sua queda, condenadas ao aprisionamento no corpo, o qual as corrompe e do qual elas devem libertar-se. Ver Filo, De Gigantibus, ed. de Pfeiffer, 2.360-364. Orígenes explica a disparidade das condições no nascimento pelas diferenças na conduta destas mesmas almas em um estado anterior. A justiça de Deus a princípio fez todas almas iguais; a condição aqui corresponde ao grau anterior de culpa; Mt. 20.3 - "outros que estavam ociosos na praça" = almas ainda não trazidas ao mundo. Os talmudistas consideravam todas as almas criadas de uma só vez no princípio e guardadas como o grão de cereal no celeiro de Deus até que chegasse o tempo de juntar-se a cada corpo indicado. Ver Orígenes, De Anima, 7; 7tepi àpx®v, ii. 9.6; cf. i.1.2,4,18; 4.36.
O ponto de vista de Orígenes foi condenado pelo Sínodo de Constantinopla, 538. Muitos dos fatos e referências anteriores são tomados de Bruch, Lehre der Prâexistenz, traduzido na Biblia Sacra, 20.681-733.
Briggs, School, College and Character, 95 - "Entre nós, alguns se lembram de quando estávamos na terra pela primeira vez"; - isto nos lembra o menino que, sentado num canto antes de nascer, chorava de medo de ser uma menina. A ilustração mais interessante é aquela encontrada na Vida de Sir Walter Scott, de Lockhart, seu genro, 8.274 - "Ontem, na hora do jantar, eu estava estranhamente assombrado com aquilo que poderia chamar de preexistência - a saber, uma idéia confusa absolutamente inédita - que os mesmos tópicos tinham sido discutidos e as mesmas pessoas tinham produzido as mesmas opiniões sobre os referidos tópicos. É verdade que pode ter havido alguma base para as lembranças, considerando que ao menos três do grupo eram velhos amigos e há muito viviam em companhia uns dos outros ... Mas a sensação era tão forte que parecia o que se chama uma miragem no deserto, ou uma calentura aos navegantes, quando são vistos lagos no deserto e paisagens silvestres no mar. Ontem isso era muito angustiante e trouxe à memória as fantasias do Bispo Berkeley sobre o mundo ideal. Havia um senso vil de ausência de realidade em tudo o que eu fiz e disse ... Bebi vários copos de vinho, mas estes só agravaram a desordem. Não achei a in vino veritas dos filósofos.
À teoria da preexistência apresentamos as seguintes objeções: a) Não é totalmente desapoiada pela Escritura, mas contradiz diretamente o relato mosaico da criação do homem à imagem de Deus e a descrição de Paulo sobre o mal e a morte na raça humana como resultado do pecado de Adão.
Gn. 1.27 - "E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou"; 31 - "E viu Deus tudo quanto tinha feito, e eis que era muito bom"; Rm. 5.12 - "Pelo que, como por um homem entrou o pecado no mundo e, pelo pecado a morte, assim também, a morte passou a todos os homens, por isso

54
Augustus Hopkins Strong
que todos pecaram". A teoria da preexistência ainda deixa a dúvida se todos os homens são pecadores ou se Deus arrola só os pecadores sobre a terra.
Se a alma, em seu estado preexistente, era consciente e pessoal é inexplicável que não tivéssemos nenhuma lembrança de tal preexistência e de decisão tão importante naquela condição anterior do ser; se a alma era inconsciente e impessoal, a teoria deixa de mostrar como, envolvendo tão vastas conseqüências, o ato moral poderia ter sido praticado.
Cristo lembrou seu estado preexistente; e por que não faríamos o mesmo? Há toda a razão para crer que, no estado futuro, lembraremos da nossa existência presente; por que não lembraríamos o estado passado de onde viemos? Pode-se objetar que os agostinianos sustentam existir o pecado da raça em Adão - do qual nenhum dos descendentes se lembra. Porém respondemos que nenhum agostiniano defende a existência pessoal de cada membro da raça em Adão e, portanto, nenhum agostiniano necessita de explicar a falta de lembrança do pecado de Adão. O defensor da preexistência, contudo, sustenta uma existência pessoal de cada alma em um estado anterior e, portanto, precisa explicar a nossa falta de memória da alma preexistente.
O ponto de vista não derrama nenhuma luz quer sobre a origem do pecado, quer sobre a justiça de Deus no seu trato porque recua a primeira transgressão a um estado de ser em que não havia nenhuma carne para tentar e, então, representa Deus como pondo a queda em condições sensitivas no mais elevado grau desfavorável à restauração deles.
Esta teoria só aumenta a dificuldade de explicar a origem do pecado, recuando o seu início a um estado que conhecemos menos do que no presente. Dizer que a alma naquele estado anterior era só potencialmente consciente e pessoal é negar a verdadeira prova e lançar a culpa do pecado no Criador. Pfleiderer, Philos of Religion, 1.228 - "Em tempos modernos, os filósofos Kant, Schelling e Schopenhauer têm explicado o mal a partir de um ato inteligível de liberdade, que (segundo Schelling e Schopenhauer) ao mesmo tempo também efetua a existência temporal e a condição da alma de cada indivíduo. Mas o que devemos pensar de tais ações e feitos místicos através dos quais o sujeito vem primeiro a existir? Não é isto, que talvez sob tal disfarce singular está escondido o simples pensamento de que a origem do mal não está tanto em fazer a liberdade individual como no seu surgimento; o que vale dizer, no processo de desenvolvimento através do qual o homem natural se torna moral e o homem só potencialmente racional se torna realmente racional?"
Conquanto esta teoria dá conta do pecado espiritual inato, como orgulho e inimizade contra Deus, não dá nenhuma explicação do pecado sensitivo

Teologia Sistemática
55
herdado, que sustenta ter vindo de Adão e cuja culpa deve logicamente ser negada.
Conquanto algumas formas da teoria da preexistência estão expostas à última objeção indicada no texto, Julius Müller reivindica que o seu ponto de vista escapa a isso. A teoria dele, diz, "contradiria a Escritura Sagrada se derivasse a pecaminosidade inata somente deste ato extratemporal do indivíduo, sem reconhecer no referido estado pecaminoso o elemento de deprava- ção hereditária da vida natural e sua conexão com o pecado de nossos primeiros pais". Müller, cuja tricotomia aqui determina seu subseqüente esquema total, sustenta que só o jcvefyia decaiu no estado preexistente. Com o corpo a \"n)X"n vem de Adão. O tentador só trouxe a perversidade latente da vontade do homem a uma transgressão aberta. A pecaminosidade hereditária não envolve culpa, mas o princípio hereditário é o "meio através do qual a autoperver- são transcendente da natureza espiritual do homem ao seu inteiro modo pessoal do ser". Conquanto nasce culpado no seu ^ve^ta, em razão de que este 7tveí3na pecou em um estado preexistente, ele também nasceu culpado quanto à sua yuxf), porque esta forma uma unidade com o primeiro homem na sua transgressão.
Mesmo baseado na mais favorável afirmação do ponto de vista de Müller deixamos de ver como pode consistir com a unidade orgânica da raça; pois naquilo que nos constitui seres humanos - o jtvevna - somos criaturas distintas e separadas como os anjos. Também deixamos de ver como, baseados neste ponto de vista, pode-se dizer que Cristo tomou a nossa natureza; ou, se ele a tomou, como pode ele não ter cometido pecado. Kahnis, Dogmatik, 3.250
"Esta doutrina é inconsistente com o indiscutível fato de que as almas das crianças são semelhantes à dos pais; e ignora a conexão do indivíduo com a raça".
2. Teoria Criacionista
Aristóteles, Jerônimo e Pelágio sustentaram este ponto de vista e modernamente defenderam-no os católicos romanos e os teólogos reformados. Considera que Deus criou imediatamente a alma de cada ser humano e uniu-a ao corpo ou na concepção, ou no nascimento, ou num período entre ambos. Os defensores desta teoria apresentam em seu favor certos trechos da Escritura, referindo-se a Deus como o Criador do espírito humano, juntamente com o fato de que há marcante individualidade na criança, que não pode ser explicada como simples reprodução das qualidades existentes nos pais.
O criacionismo, como normalmente é defendido, considera que apenas o corpo se propaga a partir das gerações passadas. Os criacionistas que defendem a tricotomia dizem, contudo, que a alma animal, a yoxri, se propaga com o corpo, enquanto a parte mais elevada do homem, o tcveviíoc, em cada caso é uma criação direta de Deus; o 7cveí>"j.a não é criado bem antes do

56
Augustus Hopkins Strong
corpo, como crêem os defensores da preexistência, mas no tempo em que o corpo assume sua individualidade distinta.
Aristóteles (De Anima) é o primeiro a dar expressão a este ponto de vista. Jerônimo diz que Deus "faz almas diariamente". Os escolásticos seguiram Aristóteles e, através da influência da Igreja Reformada, o criacionismo tornou-se a opinião prevalecente pelos dois últimos séculos. Entre seus melhores representantes estão Turretin, Institutes, 5.13 (vol. 1.425); Hodge, Syst. Theol., 2.65-76; MARTENSEN, Dogmatics, 141-148; Liddon, Elements of Religion, 99-106. Alguns teólogos reformados definiram com muita exatidão o método da criação de Deus. Polano (5.31.1) diz que Deus sopra a alma nos meninos quarenta dias após a concepção, e nas meninas oitenta. G schel [Herzog, Enciclopédia, art.: Seele] defende que, enquanto a dicotomia conduz ao traducianismo, os tricotomistas se aliam ao criacionismo que considera o Tivera uma criação direta de Deus, mas que a yuxn se propaga com o corpo. Esta corresponde ao nome da família; aquela ao nome cristão. Incluiríamos George Macdonald como um dos que crêem na doutrina da Preexistência ou no Criacionismo, ao escrever no seu Catecismo dos Bebês: "De onde você veio, querido bebê? De um lugar qualquer para cá. De onde você obteve os seus olhos tão azuis? Do céu, quando o atravessei. De onde você recebeu essa lagrimazinha? Achei-a aguardando a minha vinda até este lugar. De onde você auferiu este ouvido de pérola? Deus falou e ele saiu para ouvir. Como tudo veio a ser o que você é? Deus pensou em mim e dessa forma eu cresci".
O criacionismo é insustentável pelas seguintes razões:
As passagens aduzidas em seu apoio podem, com igual propriedade, ser consideradas como expressão da atuação mediata de Deus na origem das almas humanas; entretanto o teor geral da Escritura bem como as suas representações de Deus como o autor do corpo do homem favorecem esta interpretação.
As passagens freqüentemente apoiadas pelos criacionistas são: Ec. 12.7
"o espírito volta a Deus que o deu"; Is. 57.16 - "as almas que eu fiz";
Zc. 12.1 - "o Senhor que forma o espírito do homem dentro dele"; Hb. 12.9 - "Pai dos espíritos". Mas com igual clareza afirma-se que Deus forma o corpo do homem: SI. 139.13,14 - "Tu formaste o meu interior; entreteceste-me no ventre de minha mãe. Graças dou, visto que por modo assombrosamente maravilhoso me formaste; as tuas obras são maravilhosas"; Jr. 1.5 - "Antes que eu te formasse no ventre materno". Contudo, não hesitamos em interpretar estas passagens não como expressão imediata da criação, mas mediata; Deus opera através das leis naturais da geração e desenvolvimento naquilo que se refere à produção do corpo do homem. Nenhuma das passagens citadas no começo proíbe-nos de supor que ele opera através destas mesmas leis naturais na produção da alma. No criacionismo a verdade se encontra na presença e operação de Deus em todos os processos naturais. Um Deus transcendente manifesta-se em toda a geração física. Shakespeare: "Há uma divindade que molda os nossos fins, que os lavra como nós queremos".

Teologia Sistemática
57
Pfleiderer, Grundríss, 112 - "O criacionismo, que dá ênfase à origem divina do homem, é inteiramente compatível com o traducianismo, que dá ênfase à mediação dos agentes naturais. Assim, para a raça como um todo, sua origem na atividade criadora de Deus é perfeitamente consistente com a produção da evolução natural".
O criacionismo considera o pai terreno gerando apenas o corpo de seu filho - certamente não como o pai da parte mais elevada dele. Isto faz o animal ter mais nobres poderes de propagação do que o homem; pois o animal se multiplica segundo a sua própria imagem.
A nova fisiologia apropriadamente encara a alma, não como algo exteriormente acrescido, mas como um princípio animador do corpo desde o começo e que tem uma influência determinante no desenvolvimento integral. A teoria criacionista não dá explicação adequada por que os filhos são semelhantes aos seus pais no que se refere ao intelecto e ao espírito do mesmo modo que ao elemento físico. Mason, Faith ofthe Gospel, 115 - "O amor dos pais pelos filhos e dos filhos pelos pais protesta contra a doutrina de que só se transmite o corpo". Aubrey Moore, Science and the Faith, 207, citada na Revista Contemporânea, dez 1893.876 - "Ao invés da derivação física da alma, defendemos a derivação espiritual do corpo". Devemos corrigir esta afirmação dizendo que defendemos a derivação espiritual tanto da alma quanto do corpo e que a lei natural é tão somente a operação do espírito humano e do divino.
A individualidade do filho, mesmo nos casos mais extremos, como no súbito surgimento de famílias obscuras e circunstâncias de homens marcantes como Lutero, podem ser melhor explicadas supondo uma lei de variação imprimida na espécie em seu começo - lei cuja operação Deus prevê e supervisiona.
Freqüentemente exageram-se as diferenças dos filhos com relação aos pais; geralmente os homens são produto dos seus ancestrais e do seu tempo mais do que costumamos pensar. Dickens faz nascer filhos angélicos de pais depravados e os faz nascer em favelas. Mas ele pertence a uma geração passada, quando os fatos da hereditariedade eram desconhecidos. A escola de George Eliot está mais próxima da verdade; apesar de exagerar a doutrina, toda a idéia da vontade livre e toda a esperança de livrar-se do destino se desvanecem. Shaler, Interpretation ofNature, 78,90 - "Motivos distintos, transmitidos de geração a geração, às vezes permanecem latentes durante grandes períodos para, subitamente, manifestarem-se sob condições cuja natureza não se discerne ... O conflito de herança [a partir de diferentes ancestrais] pode levar à intuição da variedade".
Apesar do ponto de vista de George Eliot, como explicar, às vezes, um lírio que se desenvolve em uma lagoa estagnada? Podemos lembrar que os elementos paterno e materno são diferentes; a união dos dois bem pode produzir um terceiro em alguns sentidos diferentes; do mesmo modo que, quando

58
Augustas Hopkins Strong
dois elementos químicos se unem o produto difere de ambos os constituintes. Convém lembrar também que a natureza é um fator; a alimentação é outro; e este, com freqüência, é mais poderoso que o primeiro (ver Galton, Inquires into Human Facuity, 77-81). O ambiente determina em grande parte o desenvolvimento e o seu grau. A palavra gênio é outro nome para Providência. Antes e além de tudo devemos reconhecer a múltipla sabedoria de Deus que, na própria organização da espécie, imprime sobre esta uma lei de variação, de sorte que, no tempo próprio e sob condições adequadas, a antiga se modifica na direção do progresso e avanço para algo mais elevado. George A. Gordon, Christ of today, 123-126 - "É ridículo explicar Abraão Lincoln, e Robert Burns, e Shakespeare baseados nos áridos princípios de hereditariedade e meio ... Toda a inteligência e caráter elevado são transcendentes e têm sua fonte e mente no coração de Deus. É na transcendência de Cristo a respeito das suas condições terrenas que notamos a unicidade completa de sua pessoa".
Esta teoria, se permite que a alma seja originariamente possuída de tendências depravadas, faz Deus o autor direto do mal moral; se sustenta que a alma foi criada pura, faz Deus indiretamente o autor do mal moral, ensinando que ele põe a alma pura em um corpo que inevitavelmente se corromperá.
O argumento decisivo contra o criacionismo é o que faz Deus o autor do mal moral. Kahnis, Dogmatik, 3.250 - "O criacionismo se apóia justamente num antiquado dualismo entre alma e corpo. É irreconciliável com a condição pecaminosa da alma humana. A verdade da doutrina é somente esta, que a geração pode produzir uma vida humana imortal conforme o poder que a Palavra de Deus concede e em cooperação especial com o próprio Deus".
A dificuldade de supor que Deus cria uma alma pura só para inseri-la no corpo que infalivelmente a corromperá - "sicut vinum in vase acetoso" - levou muitos dos maiores sábios teólogos reformados a modificar a doutrina criacionis- ta combinando-a com o traducianismo.
Rothe, Dogmatik, 1.249-251, defende o criacionismo em um sentido mais amplo - a união dos elementos paterno e materno sob a expressa e determinante eficácia de Deus. Ebrard, 1.327-332 considera a alma como recriada embora por processo mediato segundo a lei, que ele chama de 'geração metafísica'. Dorner, System of Doctrine, 3.56, diz que o indivíduo não é somente uma manifestação da espécie; Deus aplica à origem de cada homem um pensamento criativo especial e ato da vontade; contudo ele o faz através da espécie, de modo que se trata da criação por lei; outro filho seria, não a continuação da espécie, mas o estabelecimento de uma nova. Falando da alma humana de Cristo, Dorner diz (3.340-349) que ela não deve sua origem a Maria, nem à espécie, mas ao ato criador de Deus. A alma apropria para si mesma, do corpo de Maria, os elementos de uma forma humana, purificando-os no processo consistente com o começo de uma vida ainda sujeita ao desenvolvimento e fraqueza humanos.
Bowne, Metaphysics, 500 - "As leis da hereditariedade nunca devem ser vistas como explicação de um fato, mas somente como descrições dele. Não

Teologia Sistemática
59
como se os ancestrais passassem algo à posteridade, mas tão somente por causa da consistência interior da ação divina" é que são filhos semelhantes a seus pais. Não podemos considerar qualquer destes pontos de vista intermediários como autoconsistentes ou inteligíveis. Passamos a considerar a teoria traducianista que cremos mais plenamente ir ao encontro dos requisitos da Escritura e da razão.
3. Traducianista
Este ponto de vista foi proposto por Tertuliano e sustentado implicitamente por Agostinho. Nos tempos modernos tem sido a opinião prevalecente da Igreja Luterana. Sustenta que a raça humana foi criada imediatamente em Adão e, com relação tanto ao corpo como à alma, propagou-se a partir dele por geração natural - e todas as almas desde Adão são apenas mediatamente criadas por Deus, o sustentador das leis de propagação que foram originaria- mente estabelecidas por ele.
Tertuliano, De Anima: "Tradux peccati, tradux animae". Gregório de Nissa: "Embora seja um, formado de alma e corpo, supõe-se que o princípio da sua constituição também seja um; de sorte que não pode ser mais velho nem mais novo do que ele mesmo - aquilo que nele que está fisicamente é o que vem primeiro; a outra parte vem depois" (citado de Crippen, Hist. of Christ. Doct., 80). Agostinho, De Pec. Mer. et Rem., 3.7 - "Em Adão todos pecaram quando na sua natureza estavam num homem"; De Civitate Dei, 13.14- "Pois todos nós estávamos num homem, quando todos éramos aquele homem ...
A forma em que cada um de nós deveria viver não era como ainda individualmente criada e distribuída para nós, mas já existia a natureza seminal de cuja propagação nós somos o resultado".
Na verdade, Agostinho hesitou em suas afirmações sobre a origem da alma; parecia temer que um traducianismo explícito e pronunciado pudesse envolver conseqüências materialísticas; contudo, logicamente apoiado na sua doutrina do pecado original, o traducianismo vem a ser o ponto de vista diretivo dos reformados luteranos. Em sua Conversa de Mesa, Lutero diz: "A reprodução da humanidade é uma grande maravilha e um grande mistério. Se Deus me tivesse consultado sobre o assunto eu lhe teria sugerido que continuasse a geração das espécies moldando-as a partir da argila, do mesmo modo que Adão o foi; também o teria aconselhado a deixar que o sol permanecesse suspenso sobre a terra como uma grande lâmpada, mantendo perpétua luz e calor".
O traducianismo defende que o homem, como espécie, foi criado em Adão.
Em Adão a substância da humanidade ainda não estava distribuída. De Adão derivamos nosso ser imaterial assim como o material, por leis naturais de propagação - cada homem individualmente, depois de Adão, possui uma parte da substância que se originou nele. A reprodução sexual tem como propósito a conservação das variações dentro do limite. Cada casamento tende a trazer de volta o tipo individual da espécie. A descendência não representa um

60
Augustus Hopkins Strong
dos pais, mas ambos. E como cada um destes representa os avós, os filhos representam a raça toda. Sem esta conjugação, as peculiaridades individuais se reproduziriam em linhas divergentes como um tiro de uma arma de fogo.
A fissão necessita de ser suplementada pela conjugação. O emprego da reprodução sexual deve preservar o indivíduo médio em face da tendência progressiva de variação. Na reprodução assexuada a descendência parte para as linhas de desvio e nunca mesclam as suas qualidades com as dos seus êmulos. A reprodução sexual faz do indivíduo o tipo de espécie e dá solidariedade à raça.
John Milton, em sua Christian Doctrine, é traducianista. Ele não crê na noção de uma alma separada do corpo e habitando nele. Ele crê em uma certa corporificação da alma. A mente e o pensamento estão arraigados num organismo corpóreo. A alma não recebeu o sopro depois que o corpo foi formado. O sopro de Deus nas narinas do homem foi somente o impulso vivifi- cante ao que já tinha vida. Deus não cria almas a cada dia. O homem é um corpo e alma, ou alma-corpo e transmite a si mesmo como tal. Harris, Moral Evolution, 171 - O homem, como indivíduo, tem grande número de ancestrais assim como grande número de descendentes. Ele é o ponto central de uma ampulheta, ou uma reta entre dois mares que se estendem adiante e atrás. Como, então, escaparemos à conclusão de que a raça humana foi tão numerosa no começo? Devemos lembrar que outros filhos têm os mesmos avós que nós; que tem havido casamentos entre si; e que, além do mais, as gerações correm em linhas paralelas, que as linhas se expandem um pouco em alguns campos e períodos e se estreitam em outros. É como uma parede coberta de papel em padrão diamante. As linhas divergem e convergem, mas as figuras são paralelas.
Com relação a este ponto de vista assinalamos:
Parece o melhor segundo a Escritura, que representa Deus criando a espécie em Adão (Gn. 1.27) e desenvolvendo-a e perpetuando-a através de agentes secundários (1.28 cf. 22). Só uma vez soprou-se nas narinas o fôlego da vida (2.7 cf. 22; 1 Co. 11.8. Gn. 4.1; 5.3; 46.26; cf. At. 17.21-26; Hb. 7.10) e depois da formação do homem Deus cessa sua obra da criação (Gn. 2.2).
Gn. 1.27 - "E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; macho e fêmea o criou"; 28 - "E Deus os abençoou e Deus lhes disse: Frutificai, e multiplicai-vos, e enchei a terra"; cf. 22 - da criação do bruto: "E Deus os abençoou, dizendo: Frutificai, e multiplicai-vos, e enchei as águas dos mares; e as aves se multipliquem na terra". Gn. 2.7 - "E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra e soprou em seus narizes o fôlego da vida e o homem foi feito alma vivente"; cf. 22 - "E da costela que o Senhor Deus tomou do homem formou uma mulher; e trouxe-a a Adão"; 1 Co. 11.8 - "Porque o varão não provém da mulher, mas a mulher, do varão" (è§ àvSpóç). Gn.
4.1 - "Eva ... gerou Caim"; 5.3 - "Adão ... gerou um filho ... Sete"; 46.26 - "Todas as almas que vieram com José ao Egito, que descenderam dele";
At. 17.26 - "e de um só fez ['pai' ou 'corpo'] toda a geração dos homens";

Teologia Sistemática
61
Hb. 7.10 - Levi "ainda estava nos lombos de seu pai quando Melquisedeque lhe saiu ao encontro"; Gn. 2.2 "E havendo Deus acabado no dia sétimo a sua obra, que tinha feito, descansou no sétimo dia de toda a sua obra que tinha feito". Shedd, Dogm. Theol., 2.19-29, acrescenta também Jo. 1.13; 3.6; Rm. 1.13; 5.12; 1 Co. 5.22; Ef. 2.3; Hb. 12.9; SI. 139.15,16. Só Adão teve o direito de ser criacionista. Westcott, Com. on Hebrews, 178 - "Os descendentes de Abraão estavam incluídos nele não só como progenitor, no sentido físico, mas também porque ele foi o recebedor das promessas em que a plenitude da raça em seus múltiplos desenvolvimentos se incluía. E Levi inclui seus descendentes em sua própria pessoa assim como ele estava incluído em Abraão"; "Levi, pagando os dízimos em Abraão, implica que seus descendentes estão incluídos no ancestral visto que os seus atos têm validade para eles. Fisicamente, ao menos os mortos governam os viventes. O indivíduo não é um ser completamente autocentrado. Ele é membro de um conjunto. Portanto, o traducianismo é uma verdade. Mas, se isto fosse tudo, o homem seria um mero resultado do passado e não teria responsabilidade individual.
Há um elemento não derivado do nascimento, embora possa seguir sobre ele. O reconhecimento da individualidade é a verdade do criacionismo. A força da visão segue sobre o órgão da visão, modificado por esta, mas não criado por ela. Portanto, temos a unidade social da raça, mais a responsabilidade pessoal do indivíduo, a influência comum dos pensamentos mais a força dos grandes homens, o fundamento da esperança mais a condição do juízo".
A analogia da vida vegetal e animal o favorece; nela garante-se o crescimento do número, não por multiplicidade de criação imediata, mas pela derivação natural de novos indivíduos a partir de um pai. Uma derivação da alma humana a partir de seus pais não implica um ponto de vista materialista da alma e sua infinda divisão e subdivisão, mais do que semelhante derivação do bruto, prova que o princípio de inteligência nos animais inferiores é totalmente material.
O método de Deus não é o do milagre sem fim. Deus opera na natureza através de causas secundárias. Deus não cria um novo princípio vital no começo da existência de cada maçã em separado, e de cada cão em separado. Cada um destes é resultado de uma força que por si se multiplica, implantada de uma vez por todas no primeiro elemento da sua raça. Dizer, com Moxon (Baptist Review, 1881.278), que Deus é o autor imediato de cada novo indivíduo é negar as causas secundárias e fundir a natureza em Deus. Toda a tendência da ciência moderna acha-se em direção oposta. E não há boa razão para tornar a origem da alma humana individual uma exceção à regra. Agostinho vacilou em seu traducianismo porque temeu a inferência de que a alma é dividida e subdividida, isto é, que se compõe de partes e, portanto, de natureza material. Mas não se segue que toda separação é material. Nós, na verdade, não sabemos como a alma se propaga. Mas sabemos que a vida animal se propaga e que ela não é matéria, nem formada de partes. O fato de

62
Augustus Hopkins Stmng
que a alma não é matéria, não é composta de partes, não é razão suficiente por que não possa também propagar-se.
É bom lembrar que substância não implica necessariamente ou extensão ou figura. Substância é somente aquilo que está debaixo, que é subjacente, que sustenta, ou, em outras palavras, aquilo que é a base dos fenômenos.
A propagação da mente, portanto, não envolve qualquer divisão, ou rompimento, como se a mente fosse uma massa de matéria. A chama se propaga, mas não por divisão e subdivisão. O Professor Ladd é criacionista, juntamente com Lotze, que ele cita, mas repudia a idéia de que a mente é suscetível a divisão; ver Ladd, Phiios. of Mind, 206, 359-366 - "A mente não vem de lugar nenhum, pois ela nunca esteve, como mente, no espaço, e agora não está mais no espaço e não pode ser concebida como vindo e indo pelo espaço ...
A mente é um crescimento ... Os pais não transmitem as suas mentes à sua descendência. A mente do filho não existe antes que ele aja. Suas atividades são a sua existência". Assim podemos dizer que a chama não tem existência antes que ela aja. Ainda ela pode dever a sua existência a uma chama anterior. Há um provérbio indiano que diz: "Não há loto sem caule". Hall Caine, em sua novela The Manxman, conta-nos que o Juiz (Deemster) da Ilha do Homem tinha dois filhos. Eram diferentes um do outro quando dentro e fora de uma bola. Mas a bola era o próprio Juiz (Deemster). Hartley Coleridge herdou o imperioso desejo de seu pai por estimulantes e com isso a sua capacidade de resistir à tentação deles.
A observada transmissão não simplesmente de características físicas, mas mentais e espirituais nas famílias e raças e especialmente as tendências morais uniformemente más e disposições que todos os homens possuem desde o seu nascimento são prova de que na alma assim como no corpo derivamos o nosso ser de um ancestral humano.
Galton, em seu Gênio Hereditário e Pesquisa sobre a Faculdade Humana fornece abundante prova da transmissão de caraterísticas mentais e espirituais de pai para filho. Ilustrações no caso de famílias são os americanos Adams, os ingleses George, os franceses Bourbon, e os alemães Bach. No caso de raças, são os índios, os negros, os chineses, os judeus. Hawthorne representa a introspecção e a consciência da Nova Inglaterra Puritana. Emerson teve um ministro entre os seus ascendentes do lado paterno ou do materno no decorrer de cada uma das oito gerações anteriores. Todo ser humano é "um pedacinho do seu antigo grupo familiar". "O homem é um ônibus no qual os ancestrais estão assentados" (O. W. Holmes). A variação é uma das propriedades das coisas vivas; a outra é a transmissão. "Numa mesa de dissecação, nas membranas do corpo de uma criança recém-nascida, podem ser vistos 'os sinais de um beberrão'. As manchinhas nas faces do seu neto fornecem um espelho do velho libertino. A hereditariedade é a forma de Deus visitar o pecado até a terceira e quarta gerações". Sobre a hereditariedade e depravação ver Phelps, Bibiia Sacra, abril 1884.254 - "Quando cada molécula no cérebro paterno tem a forma de um ponto de interrogação, chega

Teologia Sistemática
63
quase a ser miraculoso se acharmos o sinal de exclamação da fé nas células cerebrais do filho".
Robert G. Ingersoll diz que a maioria dos grandes homens tem grandes mulheres e que a maioria das grandes mulheres tem grandes pais. A maioria dos grandes é como montanhas com o vale dos ancestrais de um lado e a depressão da posteridade do outro. House of the Seven Gables de Hawthorne ilustra o princípio da hereditariedade. Mas em seu Fauno de mármore e na Transformação, Hawthorne, não com sabedoria, sugere que o pecado é uma necessidade para a virtude, um cenário ou condição para o bem. Dryden, Absalom adn Ahitophel, 1.156 - "Homens de grande inteligência estão certos de que a loucura quase aliada e a fina participação divide os seus territórios". Lombroso, O Homem Gênio, sustenta que gênio é uma doença mental aliada à mania epileptiforme ou à demência de excêntrico. Se fosse assim, inferir- se-ia que a civilização é o resultado da insanidade e que, tão logo os napo- leões, os dantes, e os newtons se manifestassem, seriam confinados em asi- los de gênios.
A doutrina traducianista abrange e reconhece o elemento de verdade que dá plausibilidade ao ponto de vista criacionista. O traducianismo apropriadamente definido admite uma concorrência divina em todo o desenvolvimento da espécie humana e permite, sob a orientação de uma Providência superintendente, progressos especiais em tipo no nascimento de homens marcados semelhantes aos que podemos supor terem ocorrido na introdução de novas variedades na criação animal.
Page-Roberts, Sermões na Universidade de Oxford: "Nada mais injusto que o homem herde tendências más do que herde boas. Tornar impossíveis aquelas é tornar impossíveis estas. Objetar a lei da hereditariedade é objetar a ordem divina de viver em sociedade e dizer que Deus deveria ter feito o homem, como os anjos, um grupo, não uma raça". Só se pode explicar as caraterísticas morais comuns à raça com base no ponto de vista da Escritura:
"o que é nascido da carne é carne" (Jo. 3.6). Porque a propagação é tanto da alma como do corpo, vemos que gerar filhos sob condições impróprias é crime e que o feticída é homicida. Haeckel, Evolution of Man, 2.3 - "O embrião humano passa por todo o curso de seu desenvolvimento em quarenta semanas. Todo homem é realmente mais velho do que o período que normalmente se admite. Quando, por exemplo, se diz que um filho tem nove anos e um quarto, na realidade ele tem dez anos". Não será por esta razão que os hebreus chamam uma criança, no seu nascimento, de criança de um ano?
O Presidente Edwards orava por seus filhos e pelos filhos dos seus filhos no fim do seu período e o Presidente Woolsey congratulava-se pelo fato de ser um dos herdeiros de tais orações. R. W. Emerson: "Como pode o homem desligar-se de seus ancestrais?" O gênio deveria selecionar seus ancestrais com muito cuidado. Quando começamos a educação de um filho? Cem anos antes dele nascer. Uma senhora cujos filhos eram barulhentos e traquinas disse a um parente quacre que ela gostaria de poder ter para eles uma boa

64
Augustus Hopkins Strong
governanta quacre que lhes ensinasse os meios tranqüilos da Sociedade dos Amigos. "Ela não faria isso", foi a resposta; "eles deveriam ter sido embalados em um berço quacre, para aprender os modos quacres".
Galton, Natural Inheritance, 104 - "O filho herda em parte de seus pais, em parte de seu ancestral. Em cada povoação em que há liberdade de casamento, a genealogia de qualquer pessoa recua o máximo possível e se verá que o seu ancestral consiste em variados elementos indistintos do tipo tomado, ao acaso, da população em geral". Galton fala da tendência que as peculiaridades têm de reverter ao tipo geral e diz que o irmão de um ser humano se relaciona duas vezes mais com este como o seu pai e nove vezes mais com o seu primo. A estatura pequena de qualquer classe de homem em particular será a mesma da raça: em outras palavras, será medíocre. Isto pesa muito contra a plena transmissão hereditária de qualquer dom raro ou valioso, assim como poucos dos muitos filhos assemelhar-se-ão aos seus pais". Podemos acrescentar a estes pensamentos de Galton que o próprio Cristo, a respeito do seu ancestral humano, não era tanto filho de Maria como filho do homem. Brooks, Foundations of Zoôlogy, 144-167 - num caso investigado, "em sete gerações e meia a ancestralidade máxima de uma pessoa tem 382, ou de três pessoas 1.146. Os nomes de 452 delas ou aproximadamente metade, são relacionados, e estes 452 ancestrais nomeados não são 452 pessoas distintas, mas apenas 149, muitas delas em gerações remotas sendo ancestrais comuns de todas as três linhas. Se as linhas da descendência dos ancestrais não relacionados fosse interrelacionadas do mesmo modo, caso fossem de uma comunidade antiga e estável a ancestralidade destas três pessoas para sete e meia gerações seria 378 pessoas ao invés de 1.146. Todas os membros de uma espécie descendem de poucos ancestrais numa geração remota e estes poucos são ancestrais comuns de todos.
Weisman, Heredity, 270, 272, 380, 384, nega a teoria de Brooks de que o elemento masculino representa o princípio de variação. Ele acha a causa da variação na união dos elementos de ambos os pais. Cada filho une as tendências hereditárias de ambos os pais e assim devem ser diferentes um do outro. A terceira geração é uma combinação de quatro diferentes tendências hereditárias. Brooks acha a causa da variação na reprodução sexual, mas baseia sua teoria na transmissão dos caracteres adquiridos. Esta transmissão é negada por Weisman, que diz que a célula germe masculina não exerce papel diferente da feminina na formação do embrião. Os filhos herdam exatamente tanto do pai como da mãe. Os gêmeos idênticos derivam da mesma célula-ovo. Duas células germes não contém exatamente a mesma combinação de tendências hereditárias. Mudanças no ambiente e no organismo afetam a posteridade não diretamente, mas através de outras mudanças produzidas em sua matéria germinal. Por isso os esforços para alcançar o alimento em lugares altos não pode diretamente produzir a girafa.
V. NATUREZA MORAL DO HOMEM
São os poderes adequados à ação certa ou errada. Estes poderes são o intelecto, o sentimento e a vontade juntamente com o poder peculiar de discri

Teologia Sistemática
65
minação e impulso, que chamamos consciência. Para a ação moral, o homem tem o intelecto e a razão, para discernir entre o certo e o errado; o sentimento para mover-se a cada um deles; vontade livre para fazer um ou outro. Intelecto, sentimento e vontade são as três faculdades do homem. Mas em conexão com estas faculdades há um tipo de atividade que a todos envolve e sem o que não pode haver nenhuma ação moral, a saber, a atividade da consciência. A consciência aplica a lei moral aos casos particulares em nossa experiência pessoal e proclama essa lei impondo-a a nós. Só um ser racional e que sente pode ser verdadeiramente moral; contudo não cabe aqui tratar do intelecto ou do sentimento em geral. Falamos aqui só da Consciência e da Vontade.
Consciência
A consciência como um conhecimento acompanhante. - Como já se sugeriu, a consciência não é uma faculdade separada, como o intelecto, o sentimento e a vontade, mas um modo em que estas faculdades agem. Como o escrúpulo, a consciência é um conhecimento acompanhante. A consciência é um conhecimento do eu (inclusive nossos atos e estados) em conexão com um padrão moral, ou lei. Acrescentando agora o elemento do sentimento podemos dizer que a consciência é o escrúpulo do homem em suas relações morais juntamente com um sentimento peculiar em vista deles. Assim envolve a ação combinada do intelecto com o sentimento em vista de certos tipos de objetos, por exemplo, o certo e o errado.
Não existe faculdade ética separada como também não há faculdade estética separada. A consciência é como o gosto; tem que ver com o ser moral e suas relações, como o gosto tem que ver com o ser estético e suas relações. Mas o juízo e o impulso éticos são, como o juízo e o impulso estéticos, o modo através do qual o intelecto, a sensibilidade e a vontade agem com referência a uma certa classe de objetos. A consciência trata do direito como o gosto trata do belo. Como a consciência (con e seio) é um saber com, um saber dos nossos pensamentos, desejos e volições em conexão com um saber do nosso eu que tem estes pensamentos, desejos e volições; assim a consciência é um saber com, um saber dos nossos atos morais e estados em conexão com um saber de algum padrão moral ou lei que é concebida como nosso verdadeiro eu e, por isso, tendo autoridade sobre nós. Lado, Philos. of Mind, 183.185 - "A condenação do eu envolve auto-anulação, dupla consciência. Sem ela é impossível o imperativo categórico de Kant. O eu está debaixo da lei de um outro eu, julga-o, ameaça-o. Este é o significado do apóstolo, quando diz:
"Já não sou eu que faço isto, mas o pecado que habita em mim" (Rm. 7.17).
Consciência discriminativa e impulsiva. - Porém necessitamos de definir mais estreitamente tanto os elementos intelectuais como os emocionais na

66
Augustus Hopkins Strong
consciência. A respeito do elemento intelectual, podemos dizer que a consciência é um poder de julgamento; declara que os atos e estados que se conformam são obrigatórios; os que não se conformam, são proibidos. Em outras palavras, a consciência julga: 1) Isto é certo (ou errado); 2) Tenho o dever (ou não). Em conexão com este último juízo, vem o elemento emocional da consciência; sentimos a reivindicação do dever; há um senso interior de que não se deve praticar o erro. Assim a consciência é 1) discriminativa e 2) impulsiva.
Robinson, Principies and Practice of Morality, 173 - "A única função distintiva da consciência é a dos autojulgamentos com autoridade na consciente presença de uma Personalidade suprema diante de quem nós, como pessoas, nos sentimos responsáveis. É este duplo elemento pessoal em cada juízo da consciência, a saber, o autojulgamento consciente na presença do Deus que tudo julga, que levou escritores tais como Bain, Spencer e Stephen a tentar uma explicação da origem e autoridade da consciência como produto do ensino paterno e do ambiente social ... A consciência não segue os ditames da prudência, nem é conselheira, nem executiva, mas somente judicial.
A consciência é a razão moral, que se pronuncia sobre atos morais. A mente consciente fornece a lei; a consciência pronuncia o julgamento; ela diz: Farás, ou Não farás. Todo homem deve obedecer à sua consciência; se ela não for iluminada, é preciso tomar cuidado. O calejamento da consciência na vida é uma infração penal". Sunday Schooi Times, 5 de abr. de 1902.185 - "Não basta fazer o melhor que sabemos a não ser que saibamos exatamente o que é correto e o façamos. Deus nunca nos manda fazer somente o melhor, ou conforme o nosso conhecimento. É nosso dever conhecer o que é certo, e então praticá-lo. Ignorantia legis neminem excusat. Temos a responsabilidade de conhecer antes de praticar".
Consciência distinta de outros processos mentais. - A natureza e o ofício da consciência ainda serão percebidos mais claramente se a distinguirmos dos outros processos e operações com que freqüentemente se confundem. O termo consciência tem sido empregado por vários escritores para designar qualquer um dos seguintes: 1. Intuição moral — a percepção intuitiva entre o certo e o errado como categorias morais opostas. 2. Lei aceita - a aplicação da idéia intuitiva a classes gerais de ações certas ou erradas independentemente das nossas relações individuais com elas. Esta lei aceita é o produto complexo a) da idéia intuitiva, b) da inteligência lógica, c) das experiências da utilidade, d) das influências da sociedade, e) da revelação divina positiva. 3. Juízo - aplicando esta lei aceita aos casos individuais e concretos em nossa própria experiência e pronunciando como certos ou errados nossos atos ou estados quer passados, presentes ou prospectivos. 4. Determinação - declaração com autoridade da obrigação de fazer o que é certo ou impedir o errado juntamente com um impulso da sensibilidade afastada de um e na direção de outro.

Teologia Sistemática
67
5. Remorso ou aprovação - sentimentos morais ou de aprovação ou de desaprovação em vista dos atos ou estados passados considerados errados ou certos. 6. Temor ou esperança - disposição instintiva da desobediência a esperar o castigo e obediência a esperar galardão.
Ladd, Philos. of Conduct, 70 - "O sentimento do dever é primário, essencial e único; os julgamentos quanto ao que se deve fazer são os resultados do ambiente, da educação e da reflexão". O sentimento de justiça não é uma herança exclusiva do homem civilizado. Nenhum índio jamais roubou de suas terras ou teve permissão de seu governo para furtar aquele que não é tão intensamente consciente do erro como em semelhantes circunstâncias poderíamos conceber que um filósofo o fosse. O dever do dever certamente é intuitivo; o porquê do dever (conformidade com Deus) possivelmente também é intuitivo; o quê do dever é certamente o menos intuitivo. Cutler, Beginnings of Ethics, 163,164 - "A intuição nos diz o que somos obrigados; por que somos obrigados e o que somos obrigados, passamos a aprender em outro lugar". Obrigação = aquilo que se impõe ao homem; dever = algo que cabe ao homem; débito = aquilo que se tem o direito de receber de nós. A noção intuitiva de débito (intelecto) é lançada pelo senso de obrigação (sentimento).
Bixby, Crisis in Morais, 203,270 - "Todos homens têm o senso do direito; do direito à vida e, contemporaneamente, talvez, mas certamente mais tarde, do direito à propriedade pessoal. E o meu direito implica dever para com o meu próximo. Então o sentido de direito torna-se objetivo e impessoal. O dever do meu próximo para comigo implica dever da minha parte para com ele.
Eu me ponho em lugar dele". Bowne, Principies of Ethics, 156,188 - Em primeiro, lugar o sentimento de obrigação, a idéia de certo e errado com seus correspondentes deveres, é universal ... Em segundo lugar, há um acordo bem generalizado nos princípios formais de ação e, em grande parte, também nas virtudes tais como, benevolência, justiça, gratidão ... Nunca foi um problema real devermos algo ao nosso próximo. A dificuldade prática sempre tem lançado outra pergunta: Quem é o meu próximo? Em terceiro lugar, o conteúdo específico da moral ideal não é fixo, mas geralmente discernem-se em que direção ele se encontra ... Na ética temos sempre o mesmo fato que no intelecto - um padrão potencialmente infalível, com múltiplos erros em sua apreensão e aplicação. Lucrécio sustentava que a degradação e a paralisia da natureza moral são resultantes da religião. Por outro lado muitos defendem que sem a religião a moral desaparece da terra".
Robinson, Princ. and Prac. of Morality, 173 - "O temor a uma vontade onipotente difere muito do remorso na presença da natureza do supremo Ser cuja lei temos violado". Estabelece-se o dever de acordo com o padrão da justiça absoluta, não como o sentimento público determinaria. O homem deve sempre estar pronto a fazer o que é correto independentemente do que todos pensam. Como as decisões de um juiz são na época determinantes a todos cidadãos, assim as decisões da consciência, como determinações relativas, devem sempre ser obedecidas. Presume-se que elas são corretas e são um guia presente de atuação. O atual estado de pecado do homem torna possível que as decisões relativamente corretas podem ser absolutamente erradas.

68
Augustus Hopkins Strong
Não basta tomar o tempo cronológico de alguém; o relógio pode estar errado; há um dever anterior de acertar o relógio conforme os padrões astronômicos. Bispo Gore: "O primeiro dever do homem não é seguir a sua consciência, mas iluminá-la". Lowell diz que os citas costumavam comer os seus avós por dever humanitário. Paine, Ethnic Trinities, 300 - "Nada é tão obstinado ou tão fanático que uma consciência erroneamente instruída, como Paulo mostra em seu caso segundo a sua própria confissão" (At. 26.9 - "Bem eu tinha imaginado contra o nome de Jesus, o Nazareno").
Consciência, a moral judiciária da alma. - A partir do que já se disse anteriormente, é evidente que só o 3 e o 4 são apropriados ao termo consciência. Consciência é a moral judiciária da alma - a força dentro do juízo e da determinação. A consciência deve julgar segundo a lei que lhe é dada e, portanto, porque o padrão moral aceito pela razão pode ser imperfeito, suas decisões, conquanto relativamente justas, podem ser absolutamente injustas. - 1 e 2 pertencem à razão moral, mas não propriamente à consciência. Daí o dever de esclarecer e cultivar a razão moral de modo que a consciência possa ter um padrão apropriado de julgamento. 5 e 6 pertencem à esfera do sentimento moral e não propriamente à consciência. O ofício da consciência é "testificar" (Rm. 2.15).
Em Rm. 2.15 - "os quais mostram a lei escrita no seu coração, testificando juntamente a sua consciência e os pensamentos, quer acusando-os, quer defendendo-os" - temos, por um lado, a consciência claramente distinta tanto da lei como da percepção desta e, por outro, dos sentimentos morais de aprovação, ou desaprovação. A consciência não fornece a lei, mas juntamente com a lei dá testemunho da lei que é fornecida por outras fontes. Não se trata de "que o poder da mente pela qual é descoberta a cada indivíduo" (Calderwood, Moral Philos., 77), nem podemos chamar à "Consciência, Lei" (como Whewell o faz nos Elements of Morality, 1.259-266). A consciência não é o livro de leis, na sala de julgamento, mas é o juiz, cuja função não é fazer a lei, mas decidir os casos segundo a lei que lhe é entregue.
A consciência não é legislativa e, portanto, não é retribuível; como não é livro de lei, assim não é o xerife. Na verdade, dizemos na linguagem popular, que a consciência açoita ou castiga, no mesmo sentido em que dizemos que o juiz pune, /'.e., através do xerife. Os sentimentos morais são o xerife; eles tomam as decisões da consciência, como o juiz; mas eles não são a consciência e nem o xerife é juiz.
Só esta doutrina, de que a consciência não descobre a lei, pode explicar, por um lado, o fato de que o homem é obrigado a seguir a sua consciência e, por outro lado, o fato de que a sua consciência difere tão grandemente quanto ao que é certo ou errado em casos particulares. A verdade é que a consciência é uniforme e infalível no sentido de que sempre decide corretamente segundo a lei que lhe é dada. A decisão do homem varia só porque a razão moral apresentou à consciência padrões diferentes de julgamento.

Teologia Sistemática
69
Pode-se educar a consciência no sentido de apenas adquirir maior facilidade e vivacidade em tomar decisões. A educação não tem seu principal efeito na consciência, mas na razão moral, refletindo seus padrões errôneos e imperfeitos de julgamento. Dê à consciência uma lei correta para o julgamento, e suas decisões serão uniformes e absolutamente assim como relativamente justas. Não somos somente obrigados a "seguir a nossa consciência", mas a ter uma justa consciência para seguir - e não segui-la como um irracional que o homem dirige, mas como o soldado que segue o seu comandante. Robert J. Burdette: "Seguir a consciência como um guia é como seguir o próprio nariz. É importante ter o nariz na direção correta antes de estar certo de segui-lo. Alguém pode manter a aprovação da sua própria consciência exatamente do mesmo modo que manter-se atrás do seu nariz e errar o tempo todo".
A consciência é o conhecimento conjunto de um ato particular ou estado, vindo sob a lei aceita pela razão quanto ao certo ou errado; e o julgamento da consciência justifica este ato ou estado com base no padrão geral. A consciência não pode incluir a lei - ela mesma não pode ser a lei - porque a razão só sabe, mas nunca sabe com (conjuntamente). A razão diz seio (sei); só o julgamento diz conscio (sei com).
Este ponto de vista capacita-nos a harmonizar as teorias intuicionistas e empíricas sobre a moral. Cada uma tem seu elemento de verdade. O sentido original de certo e errado é intuitivo - nenhuma educação pode jamais conceder a idéia de diferença entre o certo e o errado a alguém que não a tinha. Mas quais classes de coisas são certas ou erradas, é o que aprendemos pelo exercício da nossa inteligência lógica, em conexão com as experiências de utilidade, influências da sociedade e da tradição, e da positiva revelação divina. Por conseguinte, a nossa razão moral, através de uma combinação da intuição com a educação, da informação interna com a externa quanto aos princípios gerais sobre o certo e o errado, fornece o padrão segundo o qual a consciência pode julgar os casos particulares que lhe vêm.
Esta razão moral pode tornar-se depravada através do pecado de modo que a luz se transforme em trevas (Mt. 6.22,23) e a consciência só tem um padrão perverso através do qual ela julga. A consciência "fraca" (1 Co. 8.12) é aquela cujo padrão de julgamento é ainda imperfeito; a consciência "cauteri- zada" ou "em brasa" (Versão Americana) "como o ferro aquecido" (1 Tm. 4.2) é aquela cujo padrão se perverteu inteiramente através da prática da desobediência. A palavra e o Espírito de Deus são os principais agentes para a retificação dos nossos padrões de julgamento e, portanto, de capacitação da consciência para a prática das decisões corretas. Em vista disto, Deus pode unir a alma a Cristo, para que ela se torne participante, por um lado, da sua satisfação da justiça e por isso é "purificada da má consciência" (Hb. 10.22) e, por outro lado, do seu poder santificador e é, por conseguinte, capacitada em certo sentido a obedecer ao mando de Deus e falar de uma "boa consciência" (1 Pe. 3.16 - de um só ato; 3.21 - do estado) em lugar de uma "consciência má" (Hb. 10.22) ou uma consciência "contaminada" (Tt. 1.15) pelo pecado. Aqui a "boa consciência" é a que obedeceu através da vontade e a "má consciência" a que desobedeceu; no primeiro caso, o resultado é a aprovação dos sentimentos morais e, no segundo caso, a desaprovação.

70
Augustus Hopkins Strong
Consciência em sua relação com Deus como legislador. - Porque a consciência, no seu sentido próprio, dá um juízo uniforme e infalível de que o correto é supremamente obrigatório, e que o errado deve ser rejeitado a todo o custo, pode chamar-se um eco da voz de Deus e uma indicação daquilo que seu próprio ser requer.
Às vezes a consciência tem sido descrita como a voz de Deus na alma, ou como a presença e influência pessoais do próprio Deus. Mas não devemos identificar a consciência com Deus. D. W. Faunce: "Consciência não é Deus - é apenas uma parte do nosso eu. Construir uma religião em torno da nossa consciência, como se ela fosse um Deus, é um refinado egoísmo - uma adoração do eu por outra parte do próprio eu". Em A Excursão, Wordsworth fala da consciência como "A mais íntima presença de Deus na alma e a mais perfeita imagem no mundo". "Os judeus dizem que o Espírito Santo falava durante o tabernáculo através de Urim e Tumim, sob o primeiro Templo através dos Profetas e sob o segundo templo através do Bath Kol - uma indicação divina inferior à voz oracular vinda do propiciatório como se supõe que a filha seja inferior à sua mãe. Usa-se também no sentido de uma consciência aprovadora. Neste caso é o eco da voz de Deus naqueles que, obedecendo, ouvem" (Hershorís Talmudic Miscellany, 2, nota). A expressão "eco da voz de Deus" é a correta descrição da consciência e é provável que Wordsworth a tivesse em mente quando fala do dever como a "filha da voz de Deus". Robert Browning descreve a consciência como "o grande farol que Deus põe em todos ... O pior homem sobre a terra ... sabe em sua consciência mais a respeito do que é justo do que quando chega, por ocasião do nascimento, nas ações, o melhor homem diante do qual nos curvávamos". Jackson, James Martineau, 154 - O senso da obrigação é "um raio penetrante do grande Orbe das almas".
Visto que a atividade do Deus imanente se revela nas operações normais das nossas faculdades, a consciência poderia também ser considerada como o verdadeiro eu do homem em oposição ao falso eu que temos contra ela. Theodore Parker define a consciência como o nosso conhecimento da consciência de Deus". Em seu quarto ano, diz Chadwick, seu biógrafo (pp. 12, 13, 185), o jovem Theodore viu uma tartarugazinha malhada e levantou a sua mão para bater. Alguma coisa reprimiu a sua mão e uma voz dentro dele disse claro e alto: "Está errado". Ele perguntou à sua mãe o que se disse a ele que estava errado. Ela limpou uma lágrima dos seus olhos com o avental e, tomando-o em seus braços, disse: "Houve um homem que chamou isto de consciência, mas eu prefiro chamá-la voz de Deus na alma do homem.
Se você a ouve e lhe obedece, então ela falará cada vez mais claro e sempre o guiará pelo caminho reto; mas se você se fizer surdo e desobedecer, então pouco a pouco ela desvanecerá e o deixará às escuras e sem um guia. A sua vida depende de você ouvir esta pequena voz". R. T. Smith, O Marís Knowledge of Man and of God, 87,171 — "O homem tanto tem consciência como talentos. Não mais do que o talento, a consciência o torna bom. Ele só é bom quando segue a consciência e emprega o talento ... Experimenta-se a relação entre os termos consciência e conhecimento de si mesmo".

Teologia Sistemática
71
A consciência do regenerado pode ter padrões tão corretos e suas decisões podem ser seguidas através de tal ação uniformemente correta, que a sua voz, apesar de não ser a própria voz de Deus, é o seu próprio eco.
A consciência renovada levanta-se para si mesma, e pode expressar o testemunho do Espírito Santo (Rm. 9.1 - "Em Cristo digo a verdade, não minto [dando-me testemunho a minha consciência no Espírito Santo]"; cf. 8.16 - "O mesmo Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus"). Mas mesmo quando a consciência julga conforme os padrões imperfeitos, e a vontade lhe obedece imperfeitamente, há uma espontaneidade em suas ordens. Ela declara que se deve fazer aquilo que for correto. O imperativo da consciência é um "imperativo categórico" (Kant). Independe da vontade do homem. Mesmo quando se lhe desobedece, ainda assim afirma a sua autoridade. Cada um dos outros impulsos e afeições da natureza do homem é chamado a curvar-se diante da consciência.
Consciência em sua relação com Deus como santo. - A consciência não é uma autoridade original. Ela aponta para algo mais elevado que ela mesma. A "autoridade da consciência" é simplesmente a autoridade da lei moral, ou melhor, a autoridade do Deus pessoal de cuja natureza a lei é apenas uma transcrição. Por isso a consciência, com sua determinação contínua e suprema de que o que é certo deve ser praticado, fornece a melhor testemunha ao homem sobre a existência de um Deus pessoal e da supremacia da santidade naquele a cuja imagem somos feitos.
Ao conhecer-se em conexão com a lei moral, o homem, não só obtém o seu melhor conhecimento de si mesmo, mas o seu melhor conhecimento do outro eu, que se opõe a ele, a saber, Deus. Gordon, Chríst of Today, 236 - "A consciência é a verdadeira escada de Jacó, posta no coração do indivíduo e tocando o céu; sobre ela os anjos da auto-reprovação ou da auto-aprova- ção sobem e descem". Naturalmente que isso é verdade se confinarmos nossos pensamentos ao elemento determinativo na revelação. Há um mais elevado conhecimento de Deus que só ocorre na graça. A escada de Jacó simboliza o Cristo que torna público não só o evangelho, mas a lei e, não só a lei, mas o evangelho. Dewey, Psychology, 344 - "A consciência é intuitiva, não no sentido de que enuncia leis e princípios universais, pois ela não estabelece leis. Consciência é um nome para a experiência da personalidade de que qualquer ato dado está em harmonia ou desacordo com uma personalidade verdadeiramente realizada". Porque a obediência aos ditames da consciência é sempre relativamente justa, Kant podia dizer que "uma consciência errônea é uma quimera". Mas porque a lei aceita pela consciência pode estar absolutamente errada, a consciência, em suas decisões, pode afastar-se em muito da verdade. Sunday School Times: "Saulo, antes da conversão era um consciente praticante do erro. Seu espírito e caráter eram recomendáveis, conquanto a sua conduta fosse repreensível". Preferimos dizer que o zelo de Saulo pela lei destinava-se a tornar a lei subserviente ao seu orgulho e honra.

72
Augustus Hopkins Strong
Horace Bushnell diz que o primeiro requisito de um grande ministro é uma grande consciência. Ele não quis significar uma consciência punitiva, meramente inibidora, mas descobridora, despertadora, inspiradora, que, ao mesmo tempo, vê as grandes coisas a serem feitas e se dirige para elas bradando e cantando. Esta consciência pura e não influenciada é inseparável do senso de sua relação com Deus e sua santidade. Huxley, em sua preleção em Oxford em 1893, admite e até mesmo insiste em que a prática ética convém e deve estar em oposição à evolução; porque os métodos da evolução não explicam o homem ético e o seu progresso ético. A moralidade não é um produto dos mesmos métodos pelos quais as ordens menores têm progredido na perfeição da organização, a saber, através da luta pela existência e sobrevivência do mais apto. O progresso humano é moral, dirige-se à liberdade, está sob a lei do amor, em gênero é diferente da evolução física. James Russell Lowell: "Em vão chamamos de embuste as velhas noções E pendemos nossa consciência para os nossos procedimentos: Os dez mandamentos não se mudarão E o furto continuará a ser furto".
R. T. Smith, Man's Knowledge of Man and of God, 161 - "A consciência vive na natureza humana como um rei justo, cuja reivindicação o povo nunca pode esquecer mesmo que o destrone e maltrate e cuja presença no assento de julgamento causa a paz da nação para consigo mesma". Seth, Ethical Principies, 424 - "A teoria kantiana da autonomia não conta a história toda da vida moral. Seu obstinado Dever, seu Imperativo categórico, provém não somente das profundezas da nossa própria natureza, mas do centro do próprio universo. Nós somos os nossos próprios legisladores; mas reproduzimos a lei produzida por Deus; reconhecemos, mais do que constituímos, a lei do nosso próprio ser. Dentro de nossas almas, a lei moral é um eco da voz do Eterno, 'somos sua geração' (At. 17.28)".
Schenkel, Christliche Dogmatik 1.135-155 - "A consciência é o órgão pelo qual o espírito humano acha Deus em si mesma e, desse modo, de si mesma torna-se nele conhecedora. Só através da consciência o homem se sente eterno, distinto de Deus, embora tão normalmente comprometido em estar inteiramente determinado por Deus. Quando nos sujeitamos totalmente a ele, a consciência nos dá paz. Quando rendemos ao mundo a aliança devida apenas a Deus, a consciência produz em nós o remorso. Neste caso tornamo- nos cientes de que, conquanto Deus esteja em nós, nós não mais estamos nele. A religião é trocada pela ética, a relação da comunhão é trocada pela separação. Na consciência só o homem, de um modo absoluto, distingue-se do bruto. Ele não faz a consciência, mas a consciência o faz. A consciência sente cada separação de Deus como um ferimento do eu. A fé é a relação do autoconhecimentc- com o conhecimento de Deus, a segurança da nossa personalidade na personalidade absoluta de Deus. Só a fé faz a consciência voltar-se para si mesma. Mas através do pecado este conhecimento da fé pode tornar-se o da lei. A fé afirma Deus em nós; a lei afirma Deus fora de nós". Schenkel difere de Schleiermacher ao sustentar que a religião não é sentimento, mas consciência e que não é um senso de dependência do mundo, mas de Deus. A consciência reconhece um Deus distinto do universo, moral e, desse modo, torna impossível a religião amoral.

Teologia Sistemática
73
Hopkins, Outline, 283-285, Moral Science, 49, Law of Love, 41- "A consciência é o conhecimento moral do homem em vista das suas próprias ações relacionadas com a lei moral. É o duplo conhecimento do eu e da lei. A consciência não é o todo da natureza moral. Ela pressupõe a razão moral, que reconhece-a e afirma sua obrigação universal de todos os seres morais.
É função da consciência pôr o homem em relação pessoal com esta lei.
Ela estabelece um tribunal dentro do homem através do qual julgam-se suas ações. Não é a consciência, mas a moral. Esta última é ciência, mas não consciência".
Peabody, Moral Philos., 41-60 - Consciência não é uma fonte, mas um meio de conhecimento. É análoga ao conhecimento. É uma faculdade judicial. Julga segundo a lei que tem diante de si. Veredicto (verum dictum = dito verdadeiro) sempre relativamente justo, embora através do padrão absoluto de justo, pode-se estar errado. Como todas as faculdades da percepção, é instruído pelo uso (não só pelo crescimento do saber, pode fazer o que é pior, com o conhecimento que tem). Só para as decisões absolutamente corretas a consciência depende do conhecimento. Reconhecer a consciência como um legislador (tanto como um juiz), é deixar de reconhecer qualquer padrão objetivo de justiça". The Two Consciences, 46, 47 - "A consciência é a lei e a consciência é a testemunha. Esta é a verdadeira e própria consciência".
H. B. Smith, System of Christ. Theology, 178-191 - "A unidade da consciência não está em ser uma faculdade ou em exercer uma função, mas em ter um objetivo, sua relação com uma idéia, a saber, o certo... O termo 'consciência' não designa mais uma faculdade especial do que o termo 'religião'
(ou do que 'senso estético') ... A existência da consciência prova uma lei moral acima de nós; ela se dirige localmente a um Governador moral; implica uma distinção essencial entre o certo e o errado, uma moralidade imutável;... o homem pode estar consciente da iniqüidade ... consciência não é justiça; esta pode apenas mostrar o tamanho da depravação, tendo consciência e mesmo assim desobedecendo".
Vontade
A) Definição - É o poder que a alma tem de escolher entre motivos e dirigir sua subseqüente atividade para o motivo assim escolhido; em outras palavras, o poder que a alma tem de escolher tanto um fim como os meios para atingi-lo. A escolha de um fim último chamamos preferência imanente; a escolha dos meios chamamos vontade executiva.
Nesta definição partilhamos com Jonathan Edwards, Elements of Morality, vol. 2. Ele considera a vontade como o poder de a alma agir conforme o motivo, /'.e., agir segundo a sua natureza, mas nega o poder de a alma escolher entre motivos, /.e., iniciar um curso de ação contrária ao motivo que já foi dominante. Por isso ele é incapaz de explicar como, tendo sido santos, Satanás ou Adão, poderiam ter caído. Se o homem não tem poder para mudar os motivos, romper com o passado, começar um novo curso de ação, ele não

74
Augustus Hopkins Strong
tem mais liberdade que o bruto. O filho de Edwards (Works, 1.483) mostra o que a doutrina do seu pai a respeito da vontade implica, quando diz:
"Os irracionais, portanto, segundo a medida da sua inteligência, são tão livres como o homem. A única coisa que falta para constituí-los agentes morais não é a liberdade; é a inteligência". Contudo, Jonathan Edwards, determinista como era, em seu sermão sobre A Premência do Reino de Deus (Works 4.381), incentiva o emprego de meios, e apela para o pecador como se tivesse o poder de escolher entre os motivos do eu e os de Deus. Ele fazia inconsciente um forte apelo à vontade e a vontade humana atende a prolongados e poderosos esforços.
Para referências e afirmações adicionais relativas à vontade e sua liberdade, ver capítulo sobre os Decretos pp. 361,362. Nas notas sobre os decretos notificamos nossa rejeição à liberdade arminiana de indiferença, ou a doutrina de que a vontade pode agir sem motivo. Mas rejeitamos a teoria do determinismo proposta por Jonathan Edwards (Freedom of the Will, Works, vol. 2), que, como já assinalamos, identifica a sensibilidade com a vontade, considera os sentimentos como causa eficiente das volições e fala da conexão necessária entre o motivo e a ação. Hazard, Man a Creative First Cause, 407 - "Edwards dá o nome de motivo à causa controladora da volição no passado. Trata a inclinação como motivo, mas também chama-a sinônimo de escolha e vontade, que poderia fazer esta apenas um desejo da alma - e em vista disso, a causa do seu próprio ato".
James, Psychology, 1.139 - "O conhecimento é, em primeiro lugar, uma atuação seletiva". 2.393 - "O homem possui todos os instintos dos animais e muitos outros mais. A razão per se, não pode inibir nenhum impulso; a única coisa que pode neutralizar um impulso é um outro em direção diversa. A razão pode fazer uma inferência que estimulará a imaginação a liberar o impulso em direção diversa". 549 - "A ação ideal ou moral é aquela que se acha na direção da resistência maior". 562 - "O esforço da atenção é fenômeno essencial à vontade". 567 - "O limite do processo psicológico é a volição; o ponto para o qual a vontade se aplica diretamente é sempre uma idéia". 568 - "Embora a atenção seja a primeira coisa na volição, expressa o consentimento à realidade do que se atende num fenômeno adicional e distinto. Não somente dizemos: Isto é uma realidade; mas dizemos também: 'Seja isto uma realidade' 571 - "A duração e intensidade deste esforço são funções fixas do objeto, ou não o são? Respondemos. Não, e assim mantemos a liberdade da vontade". 584 - "A alma não apresenta nada; não cria nada; está à mercê das forças materiais em todas possibilidades e, reforçando um e checando outros, não figura como um epifenômeno, mas como algo de que a ação obtém suporte moral".
Vontade e outras faculdades, - a) Aceitamos a tríplice divisão das faculdades humanas em intelecto, sentimento e vontade, b) O intelecto é a alma cognoscente; o sentimento é a alma que sente (desejos e afeições); a vontade é a alma que quer (fim ou meio), c) Em cada ato da alma todas as faculdades agem. Conhecer envolve sentir e querer; sentir envolve conhecer e querer; querer envolve conhecer e sentir, d) Logicamente cada uma destas faculdades

Teologia Sistemática
75
envolve a ação anterior àquela; a alma deve conhecer antes de sentir; deve conhecer e sentir antes de querer, è) Contudo, porque conhecer e sentir são atividades, nenhuma destas é possível sem querer.
Sócrates a Teeto: "Seria uma coisa singular, se cada um de nós fosse, meu jovem, como um cavalo de pau dentro do qual se abrigassem muitos sentidos. Manifestamente, pois, estes, unidos em uma natureza, chamar- se-iam alma ou coisa que o valha. E é com esta forma central, através dos órgãos do sentido, que percebemos os objetos sensíveis". Lewey, Psychology,
21 - "O conhecimento e o sentimento são aspectos parciais do eu e, por isso mais ou menos abstratos, enquanto a vontade é completa, compreendendo ambos aspectos ... Enquanto o elemento universal é o conhecimento, o individual é o sentimento e a vontade é a relação que os une em um conteúdo concreto". 364 - "Há conflito de desejos ou motivos. A deliberação é a comparação dos desejos; a escolha é a decisão em favor de um deles. Esta, então, é a mais forte porque toda a força do eu se concentra nela". 411 - "O homem se determina a si mesmo estabelecendo para si um bom ou um mau motivo. Não existe pensamento algum sem vontade, porque o pensamento implica em inibição". Ribot, Diseases of the Will, 73, cita o caso de Coleridge e sua falta de força inibidora das idéias dispersas ou inúteis; 114 - "A volição infiltra suas raízes nas maiores profundezas do indivíduo e além dele na espécie e em todas espécies".
Como Deus não é mera natureza, mas a força originadora, assim o homem é principalmente vontade. Todos atos da alma têm como elemento a vontade. Wundt: "Jedes Denken ist ein Wollen" (Cada pensamento é uma vontade). Não existe percepção e nem pensamento sem a atenção. A atenção é um ato da vontade. Os hegelianos e os adeptos do idealismo absoluto, como Bradley, negam que a atenção seja uma função ativa do eu. Eles consideram-na como conseqüência necessária do mais interessante caráter das idéias precedentes. Por isso nega-se toda força que altera o caráter do agente. Esta é uma exata reversão dos fatos do conhecimento que não permite vontade alguma em Deus ou no homem. T. H. Green diz que o eu faz os motivos identificarem- se com uma solicitação de um desejo mais do que outro, mas que o eu não tem nenhum poder de escolha alternativa ao identificar-se com uma solicitação de um desejo mais do que de outro. James Seth, Freedom of Ethical Postulate: "A única esperança de achar um lugar para a verdadeira vontade livre encontra-se em outro ponto que não seja o de Hume, relato empírico ou psicológico da pessoa moral ou do eu. Desaprova-se totalmente a uniformidade absoluta. Defendemos a força de uma livre e incalculável iniciativa do eu e isto é necessário para manter os interesses da moralidade". Sem uma vontade que atente para o material pertinente e rejeite o impertinente, não podemos ter nenhuma ciência; sem a vontade de selecionar e combinar os elementos da imaginação, não podemos ter nenhuma arte\ sem a vontade de escolher entre o mal e o bem não podemos ter moral. Elfric, 900 A.D.: O verbo 'querer' não tem imperativo, pois que a vontade sempre deve ser livre".
Vontade e Estados Permanentes. - a) Apesar de que cada ato da alma envolve a ação de todas as faculdades, em qualquer ação particular uma facul

76
Augustus Hopkins Strong
dade pode ser mais proeminente que as outras. Assim falamos de atos do intelecto, do sentimento e da vontade, b) Tal ação predominante de qualquer uma das faculdades produz efeitos sobre as outras associadas com ela. A ação da vontade dá uma direção ao intelecto e ao sentimento bem como uma inclinação permanente para a própria vontade, c) Cada faculdade, portanto, tem seus estados permanentes assim como seus atos transitórios e a vontade pode originar estes estados. Por isso falamos de sentimentos voluntários e com igual propriedade podemos falar de opiniões voluntárias. Estes estados voluntários denominamos caráter.
Eu faço a "maquilagem" da minha mente. Ladd, Philosphy of Conduct, 152
"Aspiro às idéias influentes, sentimentos e desejos, ao invés de permitir que estas idéias, sentimentos e desejos me influam, para não dizer me determinem". Todos podem dizer como o Paracelso de Robert Browning: "Eu sujeitei a minha vida a um propósito para o qual eu a ordenei". "Semeia um ato e colherás um hábito; semeia um hábito e colherás um caráter; semeia um caráter e colherás um destino". Tito, em Romola de George Eliot e Markheim na história do mesmo nome, de R. L. STEVENson, são exemplos de gradual e quase imperceptível fixação nos maus caminhos que resultam de aparentemente leves decisões originais da vontade; ver art. sobre Tito Melema, de Júlia H. Gulliver, em New World, dezembro 1895.688 - "O pecado jaz na escolha das idéias que freqüentarão a vida moral em lugar das ações que formarão o elemento exterior da vida ... O pivô da vida moral é o intento que a atenção envolve ... O pecado não consiste só no motivo, mas na feitura do motivo". Através de cada decisão da vontade em que voltamos o nosso pensamento quer na direção quer em oposição a um objeto do desejo, estabelecemos traços nervosos de operação sobre os quais o pensamento pode, daí em diante, viajar mais ou menos com facilidade. "Nada opera uma incursão sem construir uma estrada". Através de ligeiros esforços de atenção rumo à verdade, que sabidamente nos influenciam, podemos "endireitar no ermo vereda a nosso Deus" (Is. 40.3), ou tornar a alma um mais duro chão pisado impenetrável à "palavra do Reino" (Mt. 13.19).
A palavra "caráter" originariamente significava a marca deixada pela ferramenta do entalhador sobre o metal ou sobre a pedra. Passou a significar o resultado coletivo da obra do entalhador. O emprego moral da palavra implica que cada pensamento e cada ato se está cinzelando na imperecível substância da alma. J. S. Mill: "O caráter é uma vontade completamente moldada". Podemos falar, portanto de uma "volição genérica" (Dewey). Há uma permanente inclinação da vontade para o bem ou para o mal. A reputação é a sombra do homem, às vezes mais longa, às vezes mais curta, do que ele mesmo.
Por outro lado, o caráter é o verdadeiro eu do homem - "o que o homem é nas trevas" (Dwight L. Moody). Neste sentido, "o propósito é o autógrafo da mente". Duque de Wellington: "É o hábito uma segunda natureza? O hábito é dez vezes a natureza!" Quando Macbeth diz: "Se fosse feito quando se fez, então seria feito rapidamente"; a dificuldade é que quando se faz só se está no começo. Robert Dale Owen dá-nos um princípio fundamental do socialismo

Teologia Sistemática
77
na seguinte máxima: "O caráter do homem só se faz para ele, não através dele". Daí ele mudaria a dieta do homem ou o seu ambiente, como um meio de formar o caráter do homem. Mas Jesus ensina que o que contamina não vem de fora, mas de dentro (Mt. 15.18). Porque o caráter é o resultado da vontade, é verdadeira a máxima de Heráclito: fjQoç àvSpmjtco Saí^cov = o caráter do homem é o seu destino.
Vontade e Motivos. - a) Os já mencionados estados permanentes, uma vez determinados, também influem a vontade. Os pontos de vista e disposições internos e não simplesmente as apresentações externas constituem a força dos motivos, b) Estes motivos freqüentemente conflitam e, apesar de que a alma nunca age sem motivo, não obstante, faz escolha entre motivos e dessa forma determina o fim para o qual a vontade dirige suas atividades, c) Motivos não são causas que compelem a vontade, mas influências que a persuadem. A força destes motivos, contudo, é proporcional à força da vontade que entrou neles e os fez o que eles são.
"O incentivo vem do eu da alma: o resto não tem valor". O mesmo vento pode dirigir dois navios em direções opostas conforme a posição das velas.
A mesma apresentação exterior pode resultar na recusa de George Washington e na aceitação de Benedito Arnoldo sobre o suborno visando à traição do seu país. Richard Lovelace de Cantuária: "As paredes de pedra não fazem uma prisão, nem as barras de ferro uma cela carcerária; as mentes inocentes e tranqüilas tomam isso como um eremitério". Jonathan Edwards fez os motivos serem causa eficiente quando eles só eram causa finai. Não devemos interpretar o motivo como se fosse uma locomotiva. É sempre uma falha do homem quando ele se torna um ébrio: A bebida nunca toma o homem; o homem é que toma a bebida. Os homens que negam o demérito estão prontos para reivindicar o mérito. Eles apresentam os outros como responsáveis, senão eles mesmos. Bowne: "A pura arbitrariedade e a pura necessidade são igualmente incompatíveis com a razão. Deve haver uma lei da razão na mente na qual a volição não pode interferir e deve também haver o poder de nós mesmos determinarmos concordemente". Bowne, Principies of Ethics, 135 - "Se a necessidade é algo universal, então a crença na liberdade também é necessária. Todos admitem a liberdade de pensamento, de modo que só se nega a liberdade executiva". Bowne, Theory of Thought and Knowledge, 239-244 - "Todo sistema de filosofia deve invocar a liberdade de solucionar o problema do erro ou causar o naufrágio da própria razão ... Nossas faculdades são para a verdade, mas podem ser empregadas descuidadamente, ou voluntariamente mal empregadas e daí nasce o erro ... Não necessitamos de leis do pensamento, mas do autocontrole segundo elas".
Na escolha entre os motivos, a vontade decide porum deles, a saber, o da escolha. Fairbairn, Philos. of Christian Reiigion, 76 - "Conquanto os motivos podem ser necessários, eles não precisam necessariamente sê-lo. A vontade seleciona os motivos; não são os motivos que a selecionam. A hereditariedade

78
Augustus Hopkins Strong
e o meio não cancelam a liberdade; elas só condicionam-na. O pensamento é transcendência relativa aos fenômenos do espaço; a vontade é transcendência relativa aos fenômenos do tempo; esta dupla transcendência envolve o completo caráter sobrenatural do homem". New World, 1892.152 - "Não é o caráter, mas o eu que tem o caráter, a que se deve a última decisão moral". William Ernest Henly, Poems, 119 - "Não importa quão estreito é o portão, quão carregado de castigos o papel, eu sou o senhor do meu destino, eu sou o capitão da minha alma".
Julius Müller, Doctrine of Siri, 2.54 - "Um ser é livre até onde o centro interior da sua vida, a partir da qual ele age, é condicionado pela autodeterminação. Não basta que o agente decisivo no ato seja o próprio homem, sua própria natureza, seu caráter distintivo. Para a consideração, devemos ter mais do que isto; devemos provar que isto, natureza distintiva e caráter, brota de sua própria volição e que esta é o produto da liberdade de desenvolvimento moral. Mt. 12.33 - "fazei a árvore boa e o seu fruto bom" - combina ambos.
Os atos dependem da natureza; mas a natureza ainda depende das decisões primárias da vontade ("fazei a árvore boa"). Nega-se algum determinismo; mas este é em parte limitado [pelo remanescente poder de escolha da vontade] e, em parte remonta a um anterior autodeterminante". Ibid. 67 - "Se a liberdade for o elemento autodeterminante da vontade a partir do que é determinado, o determinismo está em falta, porque em grande parte da sua forma espiritual, embora admita uma autodeterminação da vontade, ela tão somente surge da determinação já presente; e o indiferentismo também está em falta porque, conquanto sustente a indeterminação como pressuposta em cada ato da vontade, não reconhece uma autodeterminação da parte da vontade, que, embora autodeterminante, ainda gera determinação do caráter... Devemos, portanto, defender a doutrina da liberdade condicional e limitada".
Vontade e Escolha Contrária. - a) Apesar de que nenhum ato de vontade pura é possível, a alma pode exercitar as simples vontades em direção oposta ao seu anterior propósito diretivo e assim o homem tem o poder de escolher o contrário (Rm. 7.18 - "o querer está em mim), b) Mas até onde entrou a vontade e revelou-se em estados permanentes de intelecto e sensibilidade e em fixa inclinação da vontade para si mesma o homem não pode por um simples ato reverter seu estado moral e a este respeito não tem o poder de escolha contrária, c) Neste caso ele só pode mudar o seu caráter indiretamente voltando sua atenção para considerações adequadas ao despertar de disposições opostas reunindo motivos para um curso oposto.
Não existe algo como um ato puro da vontade. Peters, Willenswelt, 126 - "Jedes Wollen ist ein Etwas wollen" - "toda vontade é vontade de alguma coisa"; ela tem um objetivo que a mente concebe, que desperta a sensibilidade e que a vontade luta para realizar. Causa sem alternativa não é verdadeira causa. J. F. Watts: "Conhecemos a casualidade só quando conhecemos a vontade, /.e., onde de duas possibilidades ela faz uma real. Portanto, uma

Teologia Sistemática
79
causa pode ter mais de um efeito certo. No mundo material externo não podemos encontrar causa, mas só antecedente. Construir uma teoria da vontade a partir de um estudo do universo material é buscar o vivo entre os mortos. Vontade é o poder de fazer uma decisão, não ser feita por decisões, decidir entre motivos e não ser determinado por motivos. Quem pode conduzir a prova entre os motivos? Só o eu". Conquanto concordemos com o que fica dito acima em sua afirmação da certeza das seqüências da natureza, fazemos objeção quanto a atribuir-lhe mesmo à natureza de qualquer coisa como a da necessidade. Porque as leis da natureza são simplesmente os hábitos de Deus, a casualidade de Deus na natureza é a regularidade não da necessidade, mas da liberdade. Também somos livres nos pontos estratégicos. Como grande parte das nossas ações é automática, há ocasiões quando sabemos que nós mesmos podemos ter o poder de iniciativa; quando pomos sob nossos pés os motivos que nos têm dominado no passado; quando assinalamos nossos cursos de ação. Nestes tempos críticos afirmamos nossa humanidade; mas para eles não seriamos mais do que irracionais que perecem." A não ser que ele possa erigir-se acima de si mesmo, a coisa que tem sentido é o homem".
A vontade, sem nenhum poder remanescente de escolha contrária, pode ser a vontade do bruto, não a vontade livre. Por isso negamos a relevância do argumento de Herbert Spencer em sua obra Data of Ethics, e em sua Psychology, 2.503 - "As mudanças psíquicas, ou conformam-se com a lei, ou não se conformam. Se elas não se conformam com a lei, não pode haver vontade livre". Spinoza também, em sua Ética, sustenta que a pedra, quando cai, se fosse consciente, pensaria livremente e com tanta justiça como o homem; porque está fazendo aquilo a que a sua constituição conduz; mas não se pode dizer mais em favor dele. Fisher, Nature and Method of Revelation, xiii - "Tentar colher 'dados de ética' quando não há reconhecimento do homem como agente pessoal capaz de originar livremente a conduta e estado da vontade de que ele é moralmente responsável, é trabalho perdido". Fisher, cap. sobre a Personality of God, Baseada na Crença Teísta e Cristã - "A autodeterminação como o próprio termo significa, atende com irresistível convicção de que a direção da vontade é autocomunicada ... Que a vontade é livre, isto é, sem coação de causas exteriores, o que é fatalismo - e não simples espontaneidade confinada a um caminho por uma força atuante vinda de dentro, o que é determinismo - é imediatamente evidente a qualquer mente não sofisticada. Podemos começar a ação através de uma eficiência que não é irresistivelmente controlada pelos motivos, nem determinada sem qualquer capacidade de ação alternativa, através de uma inclinação inerente à sua natureza ... Os motivos têm uma influência, que não deve ser confundida com a eficiência causai'.
Talbot, Will and Free Will, Baptist Review, julho, 1882 - "A vontade nem é um poder de autodeterminação incondicionada - que não é liberdade, mas uma força sem objetivo, irracional, fatalista; nem espontaneidade pura - que exclui da vontade toda lei que não seja propriamente sua; porém é mais uma força de ação originadora - que é limitada pelas disposições inatas, por hábitos e convicções adquiridos, por sentimentos e relações sociais". Ernest Naville, Revue Chrétienne, janeiro 1878.7 - "Nossa liberdade não consiste

80
Augustus Hopkins Strong
em produzir uma ação da qual é a única fonte. Consiste na escolha entre dois impulsos preexistentes. É a escolha e não a criação que é o nosso destino - uma gota de água que pode escolher se irá para o Reno, ou para o Ródano.
A gravidade a leva, e só ela escolhe a sua direção. Os impulsos não vêm da vontade, mas da sensibilidade; porém a livre vontade escolhe entre estes impulsos". Bowne, Metaphisics, 169 - "Liberdade não é o poder exterior de agir, ou independente dos motivos, mas somente um poder de escolher um fim ou uma lei e concordemente do governo do eu". Porter, Moral Science, 77-111 - Vontade não é "poder de escolher sem motivo". "Ela não exclui os motivos contrários". A volição "supõe dois ou mais objetivos entre os quais se faz a eleição. "É um ato de preferência e preferir implica que se escolheu um motivo com a exclusão de outro(s) ... Para a concepção e ato requerem-se pelo menos dois motivos". Lyall, Intellect, Emotions and Moral Nature, 581,
592 - "A vontade segue razões, induções - mas não é causada. Obedece ou age sob indução, mas age assim soberanamente. Apresenta os fenômenos da atividade relativos ao próprio motivo a que ela obedece. Obedece-lhe, e não a outro. Determina com referência a ele que este é o motivo próprio a que ela obedecerá. Indubitavelmente apresenta-se este fenômeno: a vontade obediente - porém eletiva, ativa em sua obediência. Se se perguntar como isto é possível - como a vontade pode sofrer a influência do motivo e ainda possuir uma atividade intelectual - respondemos que este é um daqueles últimos fenômenos a serem admitidos, embora não possam ser explicados".
Vontade e responsabilidade. - a) Através de atos repetidos a vontade se exerce em dada direção moral, os sentimentos podem tomar-se tão confirmados no mal ou no bem a ponto de tornar previamente certa, apesar de não necessária, a futura ação boa ou má do homem. Assim, enquanto a vontade é livre, o homem pode ser um "escravo do pecado" (João 8.31-36) ou "servo da justiça" (Rm. 6.15-23 cf. Hb. 12.23 - "espíritos dos justos aperfeiçoados"). b) O homem é responsável por todos os efeitos da vontade assim como pela própria vontade; pelos sentimentos voluntários assim como pelos atos voluntários; pelos pontos de vista intelectuais em que entrou a vontade assim como pelos atos da vontade pelos quais estes pontos de vista se formaram no passado ou são mantidos no presente (2 Pe. 3.5 - "voluntariamente ignoram").
Ladd, Philos. of Knowledge, 415 - "O eu fica entre as duas ieis: a da Natureza e a da Consciência; sob as perpétuas limitações de ambas exercita a sua escolha. Assim torna-se cada vez mais escravizado por uma ou cada vez mais livre escolhendo habitualmente seguir a outra. Nossa concepção sobre causalidade segundo as leis da natureza e a nossa concepção sobre a outra causalidade da liberdade derivam de uma mesma experiência do eu. Surge uma aparente antinomia só quando estabelecemos a hipótese de que cada uma está separada e independe da outra". R. T. Smith, Man's Knowledge of Man and of God, 69 - "Construir uma vontade é significativo. Aqui a ação da vontade é limitada por condições: a soma da propriedade do testador, a quan-

Teologia Sistemática
81
tidade dos seus parentes, a natureza dos objetivos da generosidade dentro do conhecimento dele".
Harris, Philos. Basis of Theism., 349-407 - "Ação sem motivos, ou contrária a todos motivos seria irracional. Ao invés de ser livre, seria semelhante às convulsões de epilepsia. Motivos = sensibilidades. Motivo não é causa; não determina; é apenas uma influência. Contudo, a determinação está sempre sob a influência dos motivos. A uniformidade da ação não deve ser explicada por qualquer lei de influência uniforme dos motivos, mas pelo caráter da vontade. Por sua escolha, a vontade forma em si mesma um caráter; através da ação segundo esta escolha ela confirma e desenvolve o caráter. A escolha modifica as sensibilidades e conseqüentemente altera os motivos. A ação volitiva expressa o caráter, mas também forma-o e modifica-o. O homem pode mudar a sua escolha; contudo, permanecem o intelecto, a sensibilidade, o motivo, o hábito. A má escolha, tendo formado o intelecto e a sensibilidade de acordo consigo mesma, deve ser um poderoso embaraço à mudança fundamental através de uma escolha nova e contrária; e dá uma pequena base para esperar que se permita fazer sempre a mudança. Depois que a vontade assumiu o caráter através de escolhas, suas determinações não são transições de completa indeterminação ou indiferença, porém mais ou menos expressões do caráter já formado. A teoria de que a indiferença é essencial à liberdade implica que a vontade nunca adquire caráter; tal ação voluntária é atomística; que cada ato se desintegra a partir de um outro; que, adquirido o caráter, torna-se incompatível com a liberdade. Caráter é uma escolha que, embora persista, modifica a sensibilidade e o intelecto e influi as subseqüentes determinações".
Minha liberdade, então, tem limitações. A hereditariedade e o meio e sobretudo as disposições estabelecidas, produto de atos passados da vontade, tornam praticamente automáticas muitas das ações. A teoria determinista é válida talvez para nove décimos da atividade humana. Mason, Faith of the Gospel, 118,119 - "Naturalmente tendemos para o mal. Agir de acordo com a perfeição da natureza seria a verdadeira liberdade. E esta o homem perdeu. Ele reconhece que, na verdade, não é o seu eu. Só com dificuldade é que ele opera novamente o seu verdadeiro eu. Pela queda de Adão, a vontade, que antes era condicionada, mas livre, agora não só é condicionada, mas escravizada. Nada a não ser a ação da graça pode libertá-la". Tennyson, In Memoriam, Introdução: "A nossa vontade é nossa, não sabemos como; a nossa vontade é nossa para fazê-la tua". Estudando só a ação da vontade pecaminosa, pode- se concluir que há essa coisa que se chama liberdade. A ética cristã, distinta da ética naturalista, revela mais claramente a degradação da nossa natureza ao mesmo tempo que desvenda o remédio em Cristo: "Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres" (Jo. 8.36).
The Mind, out. 1882.567 - "Kant parece estar em averiguação da liberdade fantasmagórica que se supõe consistir na ausência da determinação através de motivos. O erro dos deterministas do qual esta idéia é um recuo envolve uma igual abstração do homem a partir dos seus pensamentos e interpreta a relação entre os dois como um exemplo da causalidade mecânica que existe entre duas coisas na natureza. O ponto a que se deve apegar na controvérsia é que o homem e os seus motivos são uma só coisa e que, conseqüente-

82
Augustus Hopkins Strong
mente ele é, em qualquer caso, autodeterminado ... Só se pode defender o indeterminismo se se encontrar um ego que não seja determinado; porém tal ego, embora possa ser logicamente distinto e verbalmente expresso, não é um fator na psicologia". Morell, Mental Philosophy, 390 - "Os motivos determinam a vontade e, até onde ela não é livre; mas o homem governa os motivos permitindo-lhes menor ou maior poder de influir a sua vida até onde o homem é um agente livre". Santayana: "Um homem livre, porque é iivre, pode tornar-se escravo; mas, uma vez escravo, porque é escravo, não pode tornar a si mesmo livre". Sidgwick, Method of Ethics, 51,65 - "Esta prova preponderante [da necessidade] quase cumulativa parece, contudo, mais do que balanceada por um simples argumento do outro lado: a afirmação imediata do conhecimento no momento da volição deliberada. Para mim é impossível pensar a cada momento que a minha volição é completamente determinada pelo meu caráter formado e pelos motivos que agem baseados nele. A convicção oposta é tão forte a ponto de ser inabalável pela evidência apresentada contra ele. Não posso crer que seja ilusório".
Inferências deste ponto de vista da vontade. - a) Podemos ser responsáveis pelos maus sentimentos voluntários com os quais nascemos e pela herdada preferência da vontade egoísta apenas sob a hipótese de que nós originamos estes estados de sentimento e vontade ou tivemos parte na sua origem. A Escritura fornece esta explicação na sua doutrina do pecado original ou na doutrina de uma apostasia comum à raça em seu primeiro pai e nossa derivação de uma natureza corrompida pela geração natural vinda dele. b) Enquanto permanece para o homem mesmo na condição atual uma força natural da vontade pela qual ele pode exercer vontade transitória exteriormente em conformidade com a lei divina assim pode em limitada extensão modificar seu caráter e ainda continua a ser verdade que a inclinação pecaminosa dos seus sentimentos não está diretamente sob o seu controle; e esta inclinação constitui um motivo para o mal tão constante, inveterado e poderoso que na verdade influi cada membro da raça no sentido de reafirmar sua má escolha e tomar necessária uma obra especial do Espírito de Deus sobre o seu coração para garantir-lhe a salvação. Daí a doutrina escriturística da Regeneração.
Existe algo que se chama "automatismo psíquico" (Ladd, Philos. Mind, 169). Mãe: "Oscar, por que você não pode ser bom?" "Mamãe, isto me deixa tão cansado!" O teimoso de quatro anos é o tipo da humanidade universal.
Os homens nascem moralmente cansados apesar de que têm energia bastante para outras coisas. O homem que peca pode perder toda a liberdade de sorte que a sua alma se torna massa fervente de um mal eructante. T. C. Chamberlain: "As condições podem fazer com que as escolhas corram rigidamente numa direção e apresentem tão fixa uniformidade como nos fenômenos físicos. Ponha-se diante de um milhão de americanos a escolha entre um quarto de dólar e dez centavos de dólar e poder-se-á, com segurança, predizer

Teologia Sistemática
83
uma rígida uniformidade de resultados". Contudo, o Dr. Chamberlain não só admite, mas defende a liberdade de escolha. Romanes, Mind and Motion, 155-160 - "Apesar de que as volições são grandemente determinadas por outras causas externas, não se segue que são necessariamente determinadas e isto faz toda a diferença entre as teorias da vontade cerceada ou livre. O seu caráter intrínseco como causas primeiras protege-as de serem coagidas por estas causas e conseqüentemente de tornar-se apenas seus meros efeitos. A condição da operação eficaz de um motivo - diferente de um motor
é a aquiescência da primeira causa sobre aquele em quem o motivo opera". Fichte: "Se alguém, adotando o dogma da necessidade, deve permanecer virtuoso, devemos buscar a causa da sua bondade em outra parte que não seja o elemento inócuo de sua doutrina. Com base na suposição da livre vontade somente o dever, a virtude e a moralidade podem ter existência". Lessing: "Kein Mensch muss müssen (Sem a humanidade não há dever)". Delitzsch: "Der Mensch, wie er jetzt ist, ist wahlfrei, aber nicht machfrei (O homem, como atualmente é, é livre para escolher, mas não livre para agir)".
Kant considera a liberdade como exceção à lei da causalidade. Porém esta liberdade não é fenomenal, mas numenal, pois personalidade é liberdade ou a alma toda a partir do mecanismo da natureza. Kant tratava com zombaria o determinismo de Leibnitz. Ele dizia que o determinismo é a liberdade de uma ressalivação, que se volta aos seus próprios movimentos, vale dizer, é simplesmente automático. Compare com o ponto de vista de Baldwin, Psychoiogy, Feeiing and Will , 373 - "A escolha livre é uma síntese, cujo resultado em cada caso se condiciona aos seus elementos, mas em nenhuma circunstância eles são a causa. Suas premissas condicionam uma inferência lógica, mas esta não as causa. Tanto a inferência como a escolha expressam a natureza do princípio consciente e o método da sua vida ... Os motivos não se desenvolvem em volições, nem a volição existe separada dos motivos. Estes são expressões parciais e a volição é uma expressão total da mesma existência ... A liberdade é a expressão do eu condicionada pelas escolhas passadas e pelo ambiente presente". Shakespeare, Hamlet, 3.4 - "Refreai-vos hoje à noite; isso tornará bem mais fácil a próxima abstinência e ainda mais fácil a seguinte posto que o costume pode quase mudar o impulso da natureza e é capaz de dominar o diabo ou arrojá-lo com força prodigiosa". 3.2 - "O propósito é apenas o escravo da memória; Do violento nascimento apenas um valido". 4.7 - "O que fizermos devemos fazer quando quisermos; porque este querer muda e se enfraquece e adia tanto quanto as línguas, e mãos, e acidentes".
Escoto Novântico (Profa. Laurie de Edimburgo), Ética, 287 - "O principal bem é a plenitude da vida alcançada através da lei com a ação da vontade assim como a razão da sensibilidade ... Imoralidade é a soltura do sentimento oposto à idéia e a lei contida nele; trata-se da individualidade em oposição à personalidade ... Na imoralidade a vontade se enfraquece, a personalidade é dominada e a volição do sujeito é como a do cão. O sujeito se apossa da personalidade e emprega-a com vistas aos desejos naturais". Maudsley, Psychoiogy of Mind, 456, cita Ribot, Diseases of the Will, 133 - "A vontade não é a causa de coisa alguma. É como o veredicto de um júri, um efeito, sem ser uma causa. É a mais elevada força que a natureza desenvolveu - a última

84
Augustus Hopkins Strong
florada de todas as suas maravilhosas obras". Maudley ainda argumenta que a própria mente tem força para evitar a insanidade. Isto implica que há alguém que possui o instrumento dotado de poder e responsabilidade de conservá-la em ordem. O homem pode fazer muito, porém Deus pode fazer mais.
H) Objeções especiais à teoria determinista da vontade. - O determinismo sustenta que as ações do homem são determinadas por motivos que agem sobre o seu caráter e que ele não tem poder para mudar tais motivos ou agir contrariamente a eles. Esta negação de que a vontade é livre tem sérias e perniciosas conseqüências na teologia. Por um lado enfraquece, ainda que não destrua a convicção do homem com relação à responsabilidade, o pecado, a culpa e a retribuição e assim obscurece a necessidade de expiação; por outro lado, enfraquece, ainda que não destrua a fé do homem na sua própria força assim como no poder da ação iniciadora de Deus e assim obscurece a possibilidade de expiação.
Exemplifica-se o determinismo no Rubáiyat de Omar Khayyám: "Com a primeira argila da terra fizeram o último homem de massa, E da última ceifa eis lançada a semente: E a primeira manhã da criação escreveu O que o último raiar da série lerá". William James, Will to Believe, 145-183, mostra que a determinação envolve pessimismo ou subjetivismo - o bem e o mal são apenas meios de ampliar o conhecimento. O resultado do subjetivismo é na teologia o antinomismo; na literatura, o romantismo; na vida prática, sensualidade, ou sensualismo, como em Rousseau, Renan e Zola. Hutton, Cont. Thoughts and Thinkers, 1.254 - "O determinista diz que não há qualidade moral nas ações que anteriormente não expressam tendência, /'.e., o homem é responsável só por aquilo que ele não pode ajudar a fazer. Nenhum contrapelo fará aquele que crê que o seu mecanismo interior determina em seu favor quer ele o faça quer não". Royce, World and Individual, 2.342 - "As vossas únicas vozes na sinfonia divina não são mais as dos agentes morais do que as peças de um mosaico". O monarca francês anunciou que todos os seus súditos seriam livres para escolher a sua própria religião, mas acrescentou que ninguém deveria escolher uma religião diferente da do rei. "Joãozinho, você permitiu que sua irmãzinha escolhesse entre as duas maçãs?" "Sim, Mamãe; eu lhe disse que poderia pegar a menor ou não pegaria nenhuma e ela escolheu a menor". Hobson escolheu sempre o último cavalo na raia. O responsável pelo bar, com um revólver em punho foi ao encontro das críticas sobre a qualidade das bebidas com a seguinte nota: "Beba este uísque e gostará muito!"
Balfour, Foundations of Belief, 22 - "Deve estar implicitamente presente no homem primitivo o senso de liberdade porque o seu fetichismo em grande parte consiste em atribuir aos objetos inanimados a espontaneidade que se encontra nele". A liberdade não contradiz a conservação da energia. Prof. Lodge, Nature, 26 de março de 1891 - "Embora seja necessário gastar energia no aumento da velocidade da matéria, ela não é necessária para a

Teologia Sistemática
85
mudança de direção ... Os trilhos que dirigem o trem não o impelem nem o retardam: eles não têm nenhum efeito essencial na sua energia, mas efeito diretivo". J. J. Murphy, Nat. Selection and Spir. Freedom, 170-203 - "A vontade não cria força, mas dirige-a. Uma força mínima é capaz de guiar a ação de uma grande, como o leme de um moderno navio a vapor". James Seth, Philos. Ver., 3.285,286 - "Como a vida não é energia, mas determinante das veredas da energia, assim a vontade é uma causa, no sentido de que ela controla e dirige os canais que a atividade tomará". Ver também James Seth, Ethical Principies, 345-388 e Freedom as Ethical Postulate, 9 - "A prova filosófica da liberdade deve ser a demonstração da inadequação das categorias da ciência: sua refutação filosófica deve ser a demonstração da adequação de tais categorias científicas". Shadworth Hodgson: "Ou a liberdade é verdadeira e conseqüentemente as categorias são insuficientes, ou as categorias são suficientes e, por isso, a liberdade é uma ilusão". Wagner é o compositor do determinismo; de modo algum há liberdade ou culpa; a ação é o resultado da influência e do ambiente; um misterioso destino dirige tudo.
Nós remontamos o querer em Deus, não aos motivos e aos antecedentes, mas à sua personalidade infinita. Se o homem é feito à imagem de Deus, por que não podemos remontar também o querer ao homem, não aos motivos e antecedentes, mas à sua personalidade finita? Falamos do plano de Deus, mas podemos também falar do plano do homem. Napoleão: "Não haverá Alpes!" O Holandês Guilherme III: "Eu posso cair, mas atacarei cada dique e morrerei no último!" Quando Deus enche de energia a vontade, ela se torna indômita. Fp. 4.13 - "Posso todas as coisas naquele que me fortalece". Dr. R. G. Robinson teoricamente era determinista e erroneamente sustentava que a mais elevada liberdade concebível é a atuação a partir da sua própria natureza. Ele considerava a vontade somente como a natureza em movimento. A vontade é autodeterminante, não no sentido de que ela determina o eu, mas no sentido de que o eu a determina. Não se pode coagir a vontade, pois, se não for autodeterminada não será mais vontade. O seu pensamento é que a observação, a história e a lógica conduzem à filosofia necessitária. Mas o conhecimento, admite ele, testifica da liberdade. Devemos confiar no conhecimento, embora não possamos conciliar os dois. A vontade é um mistério tão grande como a doutrina da Trindade. As volições simples, diz, são freqüentemente diretas em face do curso da vida do homem. Ele ainda sustenta que não temos nenhum conhecimento do poder de uma escolha contrária. A consciência pode testificar só daquilo que brota da natureza moral, não da natureza moral em si. Lotze, Religionsphilosophie, seção 61 - "Uma escolha, é claro, incompreensível e inexplicável, porque se fosse compreensível e explicável pelo intelecto humano, se, isto é, pudesse ser vista seguindo-se necessariamente de condições pré-existentes, da natureza do caso não poderia ser uma escolha moralmente livre,...Contudo, nós não sabemos como a mente pode mover os músculos etc..."
Martineau, Study, 2.227 - "Não há um Eu Causai, acima do Eu Causado, ou mais do que isso o Estado Causado e o conteúdo do eu deixado como depósito a partir de um comportamento anterior? O idealismo absoluto, como o de Green, não reconhece a existência deste Eu Causai"; Study of Fteiigion, 2.195-324 e especialmente 240 - "Onde dois ou mais conceitos formados

86
Augustus Hopkins Strong
entram em campo juntos, não podem comparar-se interse; eles precisam um superior e vão ao seu encontro; cabe à mente decidir. A decisão não será imotivada, pois terá suas razões. Não será inconforme com as caraterísticas da mente, pois expressará suas preferências. Mas ninguém produz uma causa livre que elege entre as condições e elas não a elegem". 241 - "Até agora admitimos que diferentes efeitos não podem advir da mesma causa. Eu mesmo arrisco um paradoxo de que não há uma causa própria que se limite a um efeito". 309 - "A liberdade, no sentido de opção, e a vontade, como poder de decidir por uma alternativa, não encontra lugar nas doutrinas das escolas alemãs". 311 - "Toda a ilusão da Necessidade surge de uma tentativa de lançar fora por contemplação no campo da Natureza, os novos princípios criativos centrados nos novos assuntos pessoais que lhe transcendem".

Capítulo II O ESTADO ORIGINAL DO HOMEM
Para determinar o estado original do homem, dependemos inteiramente da Escritura. Esta representa a natureza do homem vindo da mão de Deus e, portanto "muito bom" (Gn. 1.31). Contudo, ela traça um paralelo entre o primeiro estado do homem e o da sua restauração (Cl. 3.10; Ef. 4.24). Para interpretar estas passagens, contudo, devemos lembrar o duplo perigo de, por um lado, pô-lo em posição tão elevada que não se pudesse conceber nenhum progresso e, por outro lado, pô-lo em condição tão baixa que não pudesse cair. Evitaremos o mais facilmente possível estes perigos, distinguindo a essência do incidente do estado original do homem.
Gn. 1.31 - "E viu Deus tudo quanto tinha feito, e eis que era muito bom";
Cl. 3.10 - "e vos vestistes do novo, que se renova para o conhecimento segundo a imagem daqueie que o criou"; Ef. 4.24 - "e vos revistais do novo homem, que, segundo Deus, é criado em verdadeira justiça e santidade".
Phillipppi, Glaubenslehre, 2.337-399-"O estado original deve (1) contrastar-se com o pecado; (2) ser um paralelo com o estado de restauração. Dificuldades para entendê-lo: (1) O que vive em regeneração é algo estranho à nossa natureza presente ("e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim") - Gl. 2.20); mas o estado original é apenas algo inato. (2) É um estado de infância. Não podemos entrar plenamente na infância, embora a vejamos em torno de nós e nós através dela. O estado original é ainda mais difícil de ser reproduzido para a razão. (3) As circunstâncias exteriores ao homem e a sua organização têm sofrido grandes mudanças de sorte que o presente de modo nenhum representa o passado. Por isso devemos recorrer às Escrituras como o nosso guia bem próximo". John Caird, Fund. Ideas of Christianity, 1.164-195, assinala que a perfeição ideal deve ser perseguida não no início, mas no estágio final da vida espiritual. Se o homem fosse inteiramente finito, ele não conheceria a sua finitude.
Lord Bacon: "A centelha da pureza do homem é o primeiro estágio". Calvi- no: "É uma monstruosa impiedade que um filho da terra não se satisfaça em ser feito à semelhança de Deus, mas queira ser igual a ele". Prof. Hastings:
"O que é verdadeiramente natural não é o real, mas o ideal. Feito à imagem de Deus - entre esse começo e o fim acha-se Deus feito à imagem do homem".

88
Augustus Hopkins Strong
ESSÊNCIA DO ESTADO ORIGINAL DO HOMEM
Pode ser resumida na expressão "imagem de Deus". Diz-se que o homem
foi criado à imagem de Deus (Gn. 1 26,27). Em que consiste esta imagem de
Deus? Respondemos que 1. Na semelhança natural a Deus, ou pessoalidade;
Na semelhança moral com Deus ou santidade.
Gn. 1.26,27 - "E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança ... E criou Deus o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou". É importante distinguir claramente entre os dois elementos compreendidos na imagem de Deus: o natural e o moral. Em virtude do primeiro o homem possui certas faculdades (intelecto, sentimento, vontade); em virtude do segundo, ele tem inclinações corretas (tendência, propensão, disposição). Em virtude do primeiro, ele investe em certas forças\ em virtude do segundo, imprime-se uma direção a tais forças. Criado à imagem natural de Deus, o homem tem uma natureza moral; criado à imagem moral de Deus, o homem tem um caráter santo. O primeiro lhe dá capacidade natural; o segundo, uma capacidade moral. Os Pais gregos davam ênfase ao primeiro elemento, a personalidade; os Pais latinos davam ênfase ao segundo elemento, a santidade.
Como o Logos, ou Razão divina, Jesus Cristo, habita na humanidade e constitui o princípio do seu ser, a humanidade compartilha com Cristo na imagem de Deus, Essa imagem nunca se perdeu. Ela se restaura completamente nos pecadores quando o Espírito de Cristo controla a vontade deles e eles ligam a sua vida à de Cristo. Aos que acusaram Jesus de blasfêmia, ele respondeu citando o Salmo 82.6 - "Eu disse, vós sois deuses" - palavras proferidas a respeito das imperfeitas regras terrenas. Assim, em João 10.34-36, Jesus, que constitui a essência da humanidade, justifica sua própria reivindicação da divindade mostrando que mesmo os homens que representam Deus são também, em sentido menor, "participantes da natureza divina" (2 Pe. 1.4).
Daí as muitas lendas, nas religiões pagãs, sobre a descendência divina do homem. 1 Co. 11.3- "Cristo é a cabeça de todo varão". Em cada homem, até o mais degradado, há uma imagem de Deus a ser revelada, como Miguel Ângelo viu o anjo no rude bloco de mármore. Este valor natural não implica em dignidade; apenas na capacidade para a redenção. "As abissais profundezas da personalidade", de que Tennyson fala, soam, à medida que o homem mergulha sucessivamente no pensamento a partir dos pecados individuais ao pecado do coração e ao da raça. Mas, "a maior profundidade está fora do alcance de todos, menos de ti, ó Deus". Desta maior profundidade, na qual o homem está arraigado e apoiado em Deus, surgem as aspirações de uma vida melhor. Isto não se deve ao próprio homem, mas a Cristo, o Deus imanente, que sempre opera no homem. Fanny J. Crosby: "Resgata o que perece, Cuida do moribundo ... No fundo do coração humano, esmagados pela irritação, jazem sepultados os sentimentos que a graça pode restaurar; Tocadas por um amoroso coração, abrandadas pela bondade, novamente vibrarão as cordas que se romperam".

Teologia Sistemática
89
Semelhança natural com Deus, ou pessoalidade
O homem foi criado um ser pessoal e é esta pessoalidade que o distingue ia irracional. Pessoalidade é o duplo poder de conhecer a si mesmo relacionado com o mundo e com Deus e determinar o eu com vista aos fins morais. Em virtude desta pessoalidade o homem pôde, na criação escolher qual dos objetos de seu conhecimento - o eu, o mundo, ou Deus - deve ser a norma e o centro de seu desenvolvimento. Esta semelhança natural com Deus é inalienável e, constituindo uma capacidade para a redenção, valoriza a vida até mesmo dos não regenerados (Gn. 9.6; 1 Co. 11.7; Tg. 3.9).
Para as definições de personalidade, ver notas sobre o Argumento Antropológico, p. 82; sobre o Panteísmo, pp. 104,105; sobre a pessoa de Cristo, Parte VI. Aqui podemos nos contentar com a seguinte fórmula: Personalidade = autoconhecimento + autodeterminação. Aufo-conhecimento e aufo-deter- minação, distintas do conhecimento e da determinação do bruto, envolvem todas as mais elevadas forças mentais e morais que nos constituem seres humanos. A consciência é tão somente um modo da atividade deles. Note que o termo 'imagem' não implica, no homem, uma representação perfeita.
Só Cristo é a "imagem exata" de Deus (Hb. 1.3), a "imagem do Deus invisível"
(Cl. 1.15 - ver Lightfoot). Cristo é, de uma forma absoluta e como arquétipo, a imagem de Deus; o homem só o é de um modo relativo e derivado. Mas note também que, porque Deus é Espírito, o homem, feito à imagem de Deus, não pode ser uma coisa material. Porque possui este primeiro elemento da imagem de Deus, a saber, pessoalidade, exclui-se o materialismo.
Este primeiro elemento da imagem divina o homem nunca pode perder enquanto não deixar de ser homem. Mesmo a insanidade só pode obscurecer esta imagem natural; não pode destruí-la. São Bernardo disse com precisão que ela não podia ser queimada nem no inferno. A dracma perdida (Lc. 15.8) ainda conserva a imagem e a inscrição real, ainda que ela mesma o desconhecesse e ainda que não se tivesse perdido. Por isso a natureza humana deve ser reverenciada, e quem destrói a vida humana deve ser morto: Gn. 9.6 - "porque Deus fez o homem à sua imagem"; 1 Co. 11.7- "O varão não deve cobrir a sua cabeça, porque é a imagem e glória de Deus"; Tg. 3.9 - até mesmo os homens que amaldiçoamos são "feitos à semelhança de Deus"; cf. SI. 8.5 "pouco menor do que Deus o fizeste"; 1 Pe. 2.17 - "honrai a todos".
No ser de cada homem estão os continentes que nenhum Colombo jamais descobriu e as profundezas da possível alegria ou tristeza que nenhum pru- mozinho jamais sondou. O céu inteiro, o inferno inteiro podem estar dentro do perímetro da simples alma dele. Se pudéssemos ver como será o menor cristão real no grande dia, curvar-nos-íamos diante dele como João diante do anjo no Apocalipse, porque não seriamos capazes de distingui-lo de Deus (Ap. 22.8,9).
Sir William Hamilton: "Nada de grande existe na terra a não ser o homem; nada há de grande no homem a não ser a mente". Só aceitamos este dito se

90
Augustus Hopkins Strong
entendermos que a palavra "mente" inclui os poderes morais do homem juntamente com a justa direção de tais forças. Shakespeare, Hamlet, 2.2 - "Que obra-prima é o homem! Como é nobre pela razão! Como a sua faculdade é infinita! Em forma e movimentos, como é expressivo e maravilhoso! Nas ações, como se parece com um anjo! Na inteligência, como se parece com um deus!" Pascal: "O homem é maior que o universo; o universo pode esmagá-lo, mas não sabe que está esmagando um ser humano". Whiton, Glória Patri, 94 - "Deus não é apenas o doador, mas o participante da minha vida. Os meus poderes naturais são a parte do poder de Deus que dentro de mim se aloja na certeza de guardar-me e usar-me". O homem pode ser um instrumento de Deus sem ser um agente seu. "Todo homem tem seu lugar e valor como reflexo de Deus e de Cristo. Como uma letra em uma palavra, ou como uma palavra em uma sentença, ele tem o seu sentido conforme o contexto; mas a sentença não tem sentido sem o homem; os raios do universo inteiro convergem para ele". Living Temple de John Howç mostra a grandeza da natureza humana em sua primeira construção e até mesmo em sua ruína. Só uma nobre embarcação podia causar tão grande estrago. Aristóteles, Probiem, sec. 30 - "Nem uma excelente alma está isenta de um misto de loucura". Sêneca, De Tranquiilitate Animi, 15 - "Não existe grande gênio sem uma tinta de loucura".
Kant: "Age assim quanto ao trato da humanidade, quer em tua própria pessoa, quer no de qualquer outra, em cada caso como um fim, nunca apenas como um meio". Se existe um elemento divino em cada homem, então não há direito algum de usar o ser humano simplesmente ao nosso bel-prazer ou proveito. Ao recebê-lo, recebemos Cristo e, recebendo Cristo, recebemos aquele que o enviou (Mt. 10.40). Cristo é a videira e os homens são os ramos, cortando-os só quando se recusam a produzir frutos e condenando-os à queima só porque eles destroem e, até podem destruir a imagem de Deus neles, a qual os faz dignos de serem preservados" (Jo. 15.1-6). Cícero: "Homo mor- talis deus". A posse da semelhança natural com Deus, ou a personalidade, envolve ilimitadas possibilidades do bem ou do mal e constitui o fundamento natural do amor ao homem que nos é requerido pela lei. Na verdade ela constitui a razão por que Cristo morreu. O homem era digno da redenção. A mulher cujo anel deslizou do dedo e caiu no lodaçal da sarjeta, desvestiu seu alvo braço e meteu a mão na massa até que encontrou o anel; mas ela não o teria feito se aquela jóia não contivesse um valioso diamante. A moeda perdida, a ovelha perdida, o filho perdido, mereciam o esforço de buscá-los e salvá-los (Lc. 15). Mas, por outro lado, é tolice quando o homem, feito à imagem de Deus, "se cega com o barro". O homem a bordo do navio, que, brincando, atirava ao alto um anel de diamante que representava sua total fortuna, para sua angústia, lançou-a ao mar. Há uma "mercadoria de almas" (Ap. 18.13) e não devemos fazer malabarismo com elas.
A morte de Cristo pelo homem, mostrando o valor da humanidade, recriou a ética. "Platão defendia o infanticídio sob certas circunstâncias. Aristóteles via a escravidão fundamentada na natureza das coisas. Atribui-se a razão à inferioridade da natureza do escravizado". Porém a imagem divina no ser humano comete tais barbaridades não mais possíveis entre nós. Às vezes Cristo encarava os homens com ira, mas nunca com desdém. Ele ensinava a

Teologia Sistemática
91
mulher, abençoava a criança, purificava o leproso, ressuscitava o morto. Sua própria morte revelou o infinito mérito da menor alma humana e nos ensinou a considerar todos como irmãos por cuja salvação bem podemos entregar nossas vidas. George Washington respondia à saudação do seu escravo. Abraão Lincoln tirava o chapéu para um negro que lhe dava a sua bênção quando ele entrava em Richmond; mas uma senhora que tinha crescido sob o antigo regime via a cena com indizível horror. Robert Burns, andando com um nobre em Edimburgo, encontrou um velho conterrâneo de Ayr e parou para conversar com ele. O nobre ficou esperando com crescente importuna- ção e, depois, repreendeu Burns por conversar com um homem de péssimo paletó. Burns respondeu: "Eu não estava conversando com o paletó; eu estava conversando com o homem". Jean Ingelow: "A rua e o mercado tornam-se lugar santo - rostos pálidos marcados pela preocupação, Escuros, frontes fatigadas - cada vez mais belos. Filhos do Rei são todos estes, embora as necessidades e o pecado Desfiguraram a sua beleza, internamente gloriosa. Não podemos passar por elas senão com olhos reverentes".
Semelhança moral com Deus, ou santidade
Em adição às forças de escrúpulo próprio e autodeterminação já mencionadas, o homem foi criado com tal direção de sentimento e vontade que constitui Deus o supremo fim do ser humano e constitui o homem um reflexo finito dos atributos morais de Deus. Porque a santidade é o atributo fundamental de Deus por necessidade este deve ser o principal atributo da sua imagem nos seres morais que ele criou. A Escritura também ensina claramente que a justiça é essencial à sua imagem (Ec. 7.29; Ef. 4.24; Cl. 3.10).
Além de possuir os poderes naturais, a imagem de Deus envolve a posse das tendências para a moral correta. Não basta dizer que o homem foi criado em estado de inocência. A Escritura afirma que o homem tem o direito de ser semelhante a Deus: Ec. 7.29 - "Deus fez o homem reto"; Ef. 4.24 - "o novo homem que, segundo Deus, é criado em verdadeira justiça e santidade" - aqui Meyer diz: 'Va-tà 0eóv, 'segundo Deus', i.e. ad exemplum Dei conforme os padrões de Deus (Gl. 4.28 - ícarà 'IaactK, 'como Isaque' = como era Isa- que). Esta expressão faz a criação do novo homem um paralelo com a dos nossos primeiros pais, que foram criados segundo a imagem de Deus; antes que o pecado viesse a existir através de Adão, eles não tinham pecado - 'em verdadeira justiça e santidade'".
Como passagem paralela, Meyer faz referência também a Cl. 3.10, - "o novo (homem), que se renova para o conhecimento segundo a imagem daquele que o criou". Aqui a palavra "conhecimento" refere-se ao conhecimento de Deus, o qual é a fonte de toda a virtude e que é inseparável da santidade do coração. "A santidade tem dois lados ou fases: 1) é percepção e conhecimento; 2) é inclinação e sentimento" (Shedd, Dogm. Theol., 2.97). Sobre Ef. 4.24 e Cl. 3.10, as passagens clássicas com relação ao estado original do

92
Augustus Hopkins Strong
homem, ver também os Comentários de De Wette, Rückert, Ellicott e compare Gn. 5.3 - "E Adão viveu cento e trinta anos e gerou um filho à sua semelhança, conforme a sua imagem", /'.e., à sua própria semelhança pecaminosa que, evidentemente, se contrasta com a "semelhança de Deus" (v. 1) na qual aquele tinha sido criado. 2 Co. 4.4 - "Cristo, que é a imagem de Deus" - onde a expressão "imagem de Deus" não é simplesmente natural, mas também moral. Porque Cristo é a imagem de Deus, primordialmente em sua santidade, a criação do homem à imagem de Deus deve ter envolvido uma santidade como a de Cristo, a ponto de a santidade pertencer a alguém que ainda não foi tentado, isto é, no que respeita aos gostos e disposições que precedem à ação moral.
"Se tu pudesses, em visão, contemplar o homem a quem Deus se referia, nunca mais poderias ser o homem que tu és - contente". O homem recém- criado tinha tendências morais justas assim como podia ser livre da verdadeira falta. De outra forma, a comunhão com Deus, descrita em Gênesis, não teria sido possível. Goethe: "A não ser que o olho se assemelhasse ao sol, como poderia vê-lo? "Porque uma disposição acompanhava a inocência do homem, ele era capaz de obedecer, culpado quando pecou. A perda desta semelhança moral com Deus foi a principal calamidade da Queda. O homem agora é "a glória e o escândalo do universo". Ele desfigurou a imagem de Deus em sua natureza, embora tal imagem, em seu aspecto natural, seja impossível de se apagar (E. H. Johnson).
A dignidade da natureza humana consiste, não tanto naquilo que o homem é, mas naquilo que Deus pretende que ele ainda venha a se tornar, quando a perdida imagem de Deus for restaurada pela união da alma do homem com Cristo. Por causa das suas possibilidades futuras, o mais humilde entre os homens é sagrado. O grande pecado da segunda tábua do Decá- logo é o de desprezar o nosso próximo. Ressaltar o desprezo pelos outros pode ter suas raízes só na egolatria e na rebelião contra Deus. Abraão Lincoln dizia corretamente que "Deus deve ter gostado das pessoas simples; se não ele não teria feito tantas". A consideração para com a imagem de Deus no homem leva também ao generoso e reverente tratamento mesmo dos animais inferiores nos quais tantas características humanas estão prefiguradas. Bradford, Heredity and Christian Problems, 166 - "A filosofia corrente diz:
O mais adequado sobreviverá; que morra o restante. A religião de Cristo diz:
Tal máxima aplicada aos homens é justa, só consideradas as características destes, dentre os quais só os mais capazes sobreviveriam. Isto não se aplica, e nem o pode, aos próprios homens, visto que todos, sendo filhos de Deus, são sumamente capazes. O próprio fato de que um ser humano é doente, fraco, pobre, desprezado e vagabundo, é o mais forte apelo possível em favor da sua salvação. Que os indivíduos encarem a humanidade do ponto de vista de Cristo, e não mais estarão achando caminhos em que o meio ambiente possa clamar por justiça".
Esta justiça original na qual consiste principalmente a imagem de Deus deve ser vista:

Teologia Sistemática
93
Não na substância ou essência da natureza humana, pois, nesse caso, a natureza humana teria deixado de existir logo que o homem pecou.
A cada dia os homens mudam os seus gostos, o seu amor, sem mudar a essência ou substância do seu ser. Ao se chamar o pecado de "natureza", portanto (como o faz Shedd, em seu Essays on Sin a Nature and that Nature Guilt, uma Natureza, e esta Natureza uma Culpa"), indica tão somente o seu sentido de ser algo inato (natura, de nascor). Os gostos hereditários podem com propriedade ser chamados de "natureza" como a substância do ser de alguém. Moehler, Católico Romano moderno, o maior crítico da doutrina protestante, em seu Simbolism, 58,59, absurdamente sustenta que Lutero ensinava que, na Queda, o homem perdeu a sua natureza essencial e esta foi substituída por outra. Na verdade, Lutero é tão somente retórico, quando diz:
"É da natureza do homem pecar; o pecado constitui a essência do homem; desde a Queda, a natureza do homem tomou-se completamente mudada; o pecado original é exatamente aquilo que vem do pai e da mãe; a argila de que somos formados é danosa; o feto no ventre materno é pecado; nascido do pai e da mãe, o homem com toda a sua essência e natureza não é apenas pecador, mas é em si mesmo pecado".
Nem como um dom vindo de fora, estranha à natureza humana e acrescentada a ela depois da criação do homem, pois se diz que o homem possui a imagem divina em virtude da criação e não por concessão posterior.
Como os homens, desde Adão, nascem com a natureza pecaminosa, isto é, com tendências afastadas de Deus, assim Adão foi criado com uma natureza santa, isto é, com tendências para Deus. Moehler diz: "Deus não pode dar ações ao homem". Respondemos: "Não, mas Deus pode dar ao homem disposições; e faz isso no início da criação, assim como na nova criatura (regeneração)".
Porém como uma direção original ou tendência do sentimento e vontade do homem, acompanhada pela força da escolha má e assim diferindo da santidade aperfeiçoada dos santos como o sentimento instintivo e a inocência infantil diferem da santidade que se desenvolveu e se confirmou através da experiência da tentação.
A justiça original do homem não era imutável ou indefectível; havia ainda a possibilidade de pecar. Apesar de que o primeiro homem era fundamentalmente bom, ele ainda tinha o poder de escolher o mal. Havia uma inclinação para os sentimentos e para a vontade de Deus, mas o homem ainda não estava confirmado na sua santidade. O amor do homem para com Deus era o germe da afeição filial na criatura, não desenvolvida, embora sincera - "cari- tas puerilis, non virilis".

94
Augustus Hopkins Strong
Como uma disposição moral, contudo, que seria transmissível aos descendentes de Adão se continuasse e que apesar de perdida por ele e seus descendentes, se Adão pecasse ainda deixaria o homem possuído de uma semelhança natural com Deus a qual o fez suscetível à graça redentora de Deus.
Hooker (Works, ed. Keble, 2.683) distingue entre aptidão e capacidade. Esta o homem perdeu; aquela ele reteve; doutra forma a graça não podia operar em nós, mais do que nos brutos. Hase: "Só a suficiente semelhança com Deus permaneceu para lembrar ao homem o que ele perdeu e capacitá- lo a sentir o inferno do abandono de Deus". A semelhança moral a Deus não pode ser restaurada, a não ser pelo próprio Deus. Isto Deus garante ao homem, fazendo "resplandecer a luz do evangelho da glória de Cristo, que é a imagem de Deus" (2 Co. 4.4). Pusey fez SI. 72.6 - "Ele descerá como a chuva sobre a erva ceifada" - a imagem de um mundo desesperadamente morto, mas como uma recôndita capacidade de receber a vida. D. Daggett:
"O homem é um 'filho da manhã' (Is. 14.12), caído, embora retido no meio do caminho entre o céu e o inferno, premiado entre as forças da luz e das trevas".
A luz da investigação anterior, podemos apropriadamente valorizar duas teorias sobre o estado original do homem que reivindicam ser mais escriturís- ticas e racionais:
A imagem de Deus inclui só a personalidade.
Esta teoria nega que qualquer determinação positiva para a virtude foi herdada originariamente na natureza do homem e considera o homem no princípio possuído somente de forças espirituais perfeitamente interajustadas. Este é o ponto de vista de Schleiermacher seguido por Nitzsch, Julius Müller e Hoffmann.
A teoria de Julius Müller sobre a Queda em um estado preexistente impossibilita-o de sustentar que Adão possuía semelhança moral com Deus.
A origem deste ponto de vista sobre a imagem de Deus se torna suscetível de suspeita. Pfleiderer, Grundriss, 113 - "O estado original do homem é o da inocência infantil, ou naturalidade moralmente indiferente que, na verdade, tinha em si a possibilidade (Anlage) do desenvolvimento ideal, mas de tal modo que sua realização só pode ser encontrada na luta contra o seu oposto natural. A imagem de Deus já estava presente no estado original, mas só como possibilidade (Anlage) da semelhança real com Deus - o dote da razão que pertence à personalidade humana. A realidade de um espírito semelhante ao de Deus apareceu primeiramente no segundo Adão e tornou-se o princípio do reino de Deus".
Raymond (Theology, 2.43,132) é um americano que representa o ponto de vista de que a imagem de Deus consiste na simples personalidade: "A imagem de Deus à qual o homem foi criado não consiste numa inclinação e determinação da vontade para com a santidade". Sustenta-se isto baseado

Teologia Sistemática
95
em que tal semelhança moral com Deus tornaria impossível que o homem caísse; a isto respondemos que a justiça de Adão não é imutável e a propensão da sua vontade para com Deus não inviabiliza a possibilidade de pecar.
Os motivos não coagem a vontade. Adão tinha, pelo menos, um certo poder de escolha contrária. E. G. Robinson, Christ. Theology, 119-122, também sustenta que a imagem de Deus significa apenas a personalidade que distingue o homem do bruto. Cristo, diz ele, leva a natureza humana a um ponto mais elevado ao invés de simplesmente restaurar o que está perdido. "Muito bom" (Gn. 1.31) não implica em perfeição moral; isto não pode ser o resultado dá criação, mas somente de disciplina e vontade. O estado original do homem é só o de uma inocência não testada. O Dr. Robinson combate o ponto de vista de que o primeiro homem, na sua criação, possuía um caráter desenvolvido.
Ele estabelece a distinção entre caráter e os germes do caráter. Admite que estes o homem possuía. E assim ele define a imagem de Deus como uma predisposição constitucional dirigida a um curso correto. Isto tudo é a perfeição que reivindicamos para o primeiro homem. Sustentamos que esta predisposição para o bem pode, com propriedade, ser chamada caráter, visto que é o germe do qual brota toda a ação santa.
Em acréscimo ao que já se disse em apoio ao ponto de vista oposto, podemos apresentar contra esta teoria as seguintes objeções:
Contraria a analogia, fazendo o homem autor da sua própria santidade; nossa condição pecaminosa não é produto de nossa vontade individual, nem a condição subseqüente de santidade é o produto de qualquer coisa a não ser o poder regenerador de Deus.
Sustentar que Adão foi criado indeciso, tornaria o homem, como diz Philippi, no sentido mais restrito, o seu próprio criador. Mas tanto moral como quanto fisicamente, o homem é criatura de Deus. Na regeneração não basta que Deus dê força para decidir em favor do bem; Deus deve também dar um novo amor. Se este existe na nova criação, Deus também poderia dar amor na primeira. Por isso é possível a santidade ser criada. "A santidade não derivada só é possível em Deus; ela, em sua origem, é dada tanto aos anjos quanto aos homens". É por esta razão que oramos: "Cria em mim um coração puro"
(SI. 51.10); "Inclina o meu coração a teus testemunhos" (SI. 119.36). I/saEdwards,
Eff Grace, sec. 43-51; Kaftan, Dogmatik, 290 - "Se a perfeição de Adão não fosse moral, então o seu pecado não seria uma verdadeira corrupção moral".
O animus da teoria que estamos combatendo parece ser indesejável para admitir que o homem, quer na primeira criação, quer na nova, deve sua santidade a Deus.
O conhecimento de Deus no qual o homem foi originariamente criado logicamente pressupõe uma direção do sentimento e vontade para Deus porque só o coração santo pode ter qualquer apropriado entendimento do Deus de santidade.

96
Augustus Hopkins Strong
(520) "Ubi caritas ibi claritas". Originariamente o coração do homem estava cheio do amor divino e ausente do conhecimento de Deus. Só conhecemos Deus quando o amamos e tal amor não vem de nossa simples vontade. Ninguém ama porque recebe ordens para amar, porque ninguém pode dar por si mesmo amor. Em Adão o amor era um impulso inato, que ele podia confirmar ou negar. Compare 1 Co. 8.3 - "Se alguém ama a Deus, esse é conhecido dele"; 1 Jo. 4.8 - "Quem não ama não conhece a Deus".
A semelhança a Deus só na personalidade, como Satanás também possui basta para responder as demandas da Escritura, na qual a concepção ética da natureza divina obscurece a simplesmente natural. A imagem de Deus deve ser, não simplesmente capacidade de ser semelhante a Deus, mas ser a verdadeira semelhança.
Deus nunca podia criar um ser inteligente ainda que equilibrado entre o bem e o mal - "ao fio da navalha"- "numa cerca". O pregador que tomou o texto "Adão, onde estás?" teve seu primeiro tópico: "A preocupação de cada homem é estar em algum lugar"; segundo: "Alguém dentre vós está em lugar onde não deveria"; e terceiro: "Estai onde vós deveis estar, tão logo seja possível". Uma simples capacidade para o bem ou para o mal já é, no dizer de Agostinho, pecaminosa. O homem que assume uma atitude neutra entre o bem e o mal já é um transgressor da lei, que requer semelhança a Deus na tendência da sua natureza. Delitzsch, Bib. Psychol., 45-84 - "A personalidade é apenas a base da imagem divina; não é a imagem em si". Bledsoe diz que não pode haver nenhuma virtude ou vício criados. Whedon (On the Will, 388) faz objeção a isto e, contrariamente, diz: Não pode haver nenhum merecimento moral criado, quer bom, quer mau. A natureza de Adão, quando criado, era pura e excelente, mas nada havia de meritório até que ele tivesse livre e corretamente exercido sua vontade com pleno poder de praticar o contrário". Acrescentamos: Até então nada havia de meritório. Para a substância destas objeções, ver Philippi, Glaubenslehre, 2.343. Lessing dizia que o caráter dos alemães não devia ter nenhum caráter. Goethe partilhava desta descarateri- zação cosmopolita (Prof. Seely). Tennyson tinha Goethe em vista quando escreveu no Palácio da Arte: "Sento-me separado, não sustentando forma alguma de credo, mas contemplando todas". É provável que haja ainda uma alusão a Goethe nas palavras: "Um glorioso diabo, de coração e cérebro grandes, Que amou só o belo, Ou, se o bem, o bem somente por sua beleza"; ver A. H. Strong, The Great Poets and their Theology, 331; Robert Browning, Chrístmas Eve: "No peito de Deus a verdade Jaz ponto a ponto impressa sobre o nosso: Embora ele seja tão brilhante e nós tão obscuros, Somos sua imagem para testemunharmos dele".
A imagem de Deus consistindo somente na capacidade natural do homem para a religião.
Este ponto de vista, a princípio elaborado pelos escolásticos, é a doutrina da Igreja Católica Romana. Estabelece distinção entre imagem e semelhança

Teologia Sistemática
97
de Deus. Aquela (cfe - Gn. 1.26) só pertence à natureza do homem na sua criação. Esta (mEPl) é o produto dos seus próprios atos de obediência. Para que esta obediência possa tomar-se mais fácil e a conseqüente semelhança a Deus mais segura, acrescenta-se um terceiro elemento - não pertencente à natureza do homem - a saber, um dom sobrenatural da graça especial que age como um freio sobre os impulsos sensitivos e os submete ao controle da razão. A justiça original, portanto, não é um dote natural, mas um produto conjunto da obediência do homem e da graça sobrenatural de Deus.
O Catolicismo Romano sustenta que o papel branco da alma do homem recebeu duas impressões ao invés de uma. O Protestantismo não vê razão alguma por que ambas impressões não seriam apostas no princípio. Kaftan, Am. Jour. Theology, 4.708, apresenta uma boa afirmação a respeito do ponto de vista Católico Romano. Sustenta que o supremo bem transcende a mente finita e seus poderes de compreensão. Mesmo no princípio achava-se além da natureza humana criada. O donum superadditum não pertencia interior e pessoalmente ao homem. Agora que ele o perdeu, depende totalmente da igreja no que se refere à verdade e à graça. Ele não recebe a verdade por ser esta ou aquela, mas porque a igreja lhe diz que esta é a verdade.
A doutrina católica romana pode ser de uma forma rude e ilustrativa estabelecida da seguinte maneira: Como um ser criado, o homem é moralmente nu, ou desprovido de justiça positiva (pura naturalia, ou in puris naturalibus). Pela obediência ele obteve, como recompensa da parte de Deus, (donum super- naturale, ou superadditum) um vestuário ou roupagem de justiça para protegê-lo, de modo que ele foi coberto de roupas (vestitus). Este vestuário, contudo, era um tipo de mágica da qual ele podia ser desvestido. O adversário o atacou e o desnudou. Depois do seu pecado ele foi despojado (spoliatus) Mas a sua condição diferiu da anterior a este ataque, como um despojado difere de um desnudo (spoliatus a nudo). Ele apenas estava no mesmo estado em que fora criado, com a única exceção da fraqueza que ele pôde sentir como resultado da perda da sua veste costumeira. Ele pôde receber outra vestidura; de fato, ele pôde adquirir duas ou mais, por assim dizer, ou desprezar o que não precisava para si mesmo. A expressão in puris naturalibus descreve o estado original, assim como a spoliatus a nudo descreve a diferença resultante do pecado do homem.
Muitas das considerações já acrescentadas aplicam-se igualmente como argumento contra este ponto de vista. Podemos dizer, contudo, com referência a certas características peculiares à teoria:
De modo nenhum se pode traçar tal distinção entre as palavras e dmuth. O acréscimo do sinônimo apenas reforça a expressão e ambas significam "a própria imagem".
O que quer que se denota em uma ou ambas palavras concedeu-se ao homem no fato da criação e através dela e a hipótese adicional de um dom

98
Augustus Hopkins Strong
sobrenatural originariamente não pertencente à natureza do homem, mas conferido subseqüentemente, não tem nenhum fundamento aqui ou em outro lugar na Escritura. O que se diz é que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, e não recebeu qualquer uma delas posteriormente.
A oposição criada entre o sentido e a razão que esta teoria supõe é inconsistente com a declaração da Escritura de que a obra das mãos de Deus "é muito boa" (Gn. 1.31) e transfere a acusação da tentação e pecado do homem para Deus. Sustentar uma inocência simplesmente negativa em que o desejo mau é apenas dormência é fazer Deus o autor do pecado fazendo-o o autor da constituição que toma o pecado inevitável.
Esta teoria contradiz diretamente a Escritura fazendo o efeito do primeiro pecado ter sido o enfraquecimento, mas não a perversão da natureza humana e a obra da regeneração não ser uma renovação dos sentimentos, mas simplesmente um fortalecimento dos poderes naturais. A teoria considera o primeiro pecado somente como espoliação do dom da graça especial do homem e como pondo-o onde ele estava quando foi criado — ainda capaz de obedecer a Deus e cooperar com Deus na sua própria salvação, enquanto a Escritura representa o homem desde a queda "morto nos delitos e pecados" (Ef. 2.1), incapaz da verdadeira obediência (Rm. 8.7 - "não sujeito à lei de Deus nem, na verdade, o pode ser") e necessitando de ser "criado em Cristo para as boas obras" (Ef. 2.10)
Em poucos pontos na doutrina cristã vemos mais claramente do que aqui os grandes resultados do erro que pode finalmente brotar do que à primeira vista é apenas uma leve divergência da verdade. Agostinho corretamente ensinou que, em Adão, o posse non pecare se fez acompanhar do posse pecare e que, por esta razão, a disposição santa do homem teve necessidade do auxílio da graça divina para a preservação da sua integridade. Mas erroneamente os escolásticos acrescentaram que esta disposição original para a retidão não foi o manancial ou a natureza do homem originariamente criada, mas foi a dádiva da graça. Como este ensino, mais tarde, contudo, foi controvertido, o Concilio de Trento (sess. 5, cap. 1) deixou a matéria mais indefinida somente declarando sobre o homem: "Sanctitatem et justitiam in qua consti- tutus fuerat amisisse". O Catecismo Romano, contudo (1.2.19), explicava a expressão "constitutus fuerat" com as palavras: "Cum originalis justitiae admi- rabile donum addidif. E Belarmino (De Gratia, 2) diz claramente: "Imago, quae est ipsa natura mentis et voluntatis, a solo Deo fieri potuit; similitudo autem, quae in virtute et probitate consistit, a nobis quoque Deo adjuvante perficitur".
... (5) "Integritas illa ... non fuit naturalis ejus conditio sed supernaturalis evectio.
... Addidisse homini donum quodam insigne, justitiam videlicet originalem, qua veluti aureo quodarn fraeno pars inferior parti superiori subjecta contineretur".
Moehler (Simbolism, 21 -35) sustenta que a faculdade religiosa = "imagem de Deus"; o piedoso exercício desta faculdade = "semelhança de Deus". Ele

Teologia Sistemática
99
parece favorecer o ponto de vista de que Adão recebeu "este dom sobrenatural de uma santa e bendita comunhão com Deus em um período mais tardio que a sua criação, /'.e., só quando ele estava preparado para recebê-la e, por seus próprios esforços, tornara-se digno dela". Ele foi criado "justo" e aceitável a Deus mesmo sem a comunhão com ele ou sem seu auxílio. Tornou-se "santo" e usufruiu a comunhão com Deus só quando este recompensou a sua obediência e concedeu-lhe o supernaturale donum. Embora Moehler favoreça este ponto de vista e defenda sua permissão conforme os padrões, não diz que isto não se ensina de uma forma definida. As citações de Belarmino e do Catecismo Romano feitas acima esclarecem que esta é a doutrina prevale- cente na Igreja Católica Romana.
Assim, para citar as palavras de Shedd, "a teologia tridentina começa com o pelagianismo e termina com o agostinianismo. Tendo criado o homem sem caráter, Deus subseqüentemente o dota deste elemento que lhe faltava. ... A idéia papal da criação difere da agostiniana por envolver a imperfeição. Há uma doença e um langor que requerem um ato subseqüente e sobrenatural para remediá-lo". A concepção agostiniana e protestante do estado original do homem é muito mais nobre que isto. O elemento ético não é um acréscimo admitido mais tarde, mas é a verdadeira natureza do homem - essencial à idéia que Deus tem dele. A condição normal e original do homem (pura natu- ralia) é a da graça e da habitação do Espírito - e, portanto da direção para Deus.
Desta diferença original entre a doutrina católica romana e a protestante sobre o estado original do homem resultam pontos de vista divergentes quanto ao pecado e quanto à regeneração. O protestante sustenta que, do mesmo modo que o homem possui a semelhança moral com Deus, ou santidade, assim o pecado roubou a integridade da sua natureza, privou-o das vantagens e poderes essenciais criados com ele e os substituiu por uma corrupção positiva e tendência para o mal. O mau desejo não premeditado, que é a concupiscência, é o pecado original, do mesmo modo em que o amor a Deus, criado com o homem, constitui a justiça original. Desde a queda ninguém tem a justiça original e é por causa do pecado que não a tem. Visto que sem o amor a Deus nenhum ato, nenhuma emoção ou pensamento do homem pode atender às demandas da lei de Deus, a Escritura nega ao homem decaído todo o poder de conhecer, pensar, sentir, ou praticar o que certo. Por isso a sua natureza necessita de uma nova criação, de uma ressurreição dentre os mortos, que só Deus, por seu poderoso Espírito, pode operar; e o homem em nada pode contribuir com Deus em tal obra, a não ser que o próprio Deus lhe dê a força.
Segundo o ponto de vista católico romano, contudo, porque a imagem de Deus a que o homem foi criado incluía só a faculdade religiosa do homem, o seu pecado só pode roubar-lhe o que se tornou subseqüente e adventi- ciamente dele. O homem decaído difere do não decaído apenas como um spoliatus a nudo. Ele só perde um tipo de sortilégio mágico que o deixa ainda na posse de todos os seus poderes essenciais. O desejo mau não premeditado, ou concupiscência, não é pecado; pois isso pertenceu à sua natureza mesmo antes que ele caísse. Por isso seu pecado o retornou ao estado natural de conflito e concupiscência, ordenados por Deus na oposição entre o

100
Augustus Hopkins Strong
sentido e a razão. A única qualificação é que, tendo feito uma decisão má, a sua vontade enfraquece. "O homem não necessita da ressurreição dentre os mortos, mas, ao invés disso, de uma muleta que o ajude em sua coxeadura, um tônico para reforçar sua fraqueza, um remédio para curar sua enfermidade". Ele ainda é capaz de voltar-se para Deus; e, na regeneração, o Espírito simplesmente desperta e reforça a capacidade natural dormente no homem natural. Mas mesmo assim, o homem pode ceder à influência do Espírito Santo; e a regeneração se efetua unindo o seu poder ao divino. No batismo a culpa do pecado original é perdoada e tudo o que se chama pecado é retirado. Nenhuma pessoa batizada precisa submeter-se ao processo de regeneração. O homem não só tem força para cooperar com Deus no processo de sua salvação, mas pode também ir além das demandas da lei e realizar as obras supererrogatórias. E todo o sistema sacramental da Igreja Católica Romana, com sua salvação pelas obras, o seu fogo purificador e a invocação dos santos, tem conexão lógica com esta teoria errônea do estado original do homem.
INCIDENTES DO ESTADO ORIGINAL DO HOMEM
1. Resultados da posse da imagem divina da parte do homem
Reflexo desta imagem divina na forma física do homem. - Até mesmo no corpo do ser humano acham-se tipificados os mais elevados atributos que constituem principalmente sua semelhança com Deus. Uma grosseira perversão desta verdade, contudo, é o ponto de vista que sustenta, com base em Gn. 2.7 e 3.8, que a imagem de Deus consiste na semelhança física com o Criador. Na primeira destas passagens, não é a imagem divina, mas o corpo, que é formado do pó e neste corpo foi soprada a alma que possui a imagem divina. A segunda passagem deve ser interpretada por outras porções do Pen- tateuco, no qual Deus é representado como livre de todas as limitações da matéria (Gn. 11.5; 18.15),
O espírito apresenta a imagem divina de forma imediata: o corpo, media- ta. Os escolásticos chamavam a alma de imagem de Deus proprie\ o corpo era chamado significative. A alma é o reflexo direto de Deus; o corpo, o reflexo desse reflexo. O os sublime manifesta a dignidade dos dotes interiores.
Daí a palavra 'ereto' aplicada à condição moral; um dos primeiros impulsos do homem renovado é a pureza física. Compare Ovídio, Metamorfose, livro 1, trad. de Dryden: Então, enquanto a muda criatura inclina-se para baixo a Sua vista, e a sua mãe terrena apascenta, o homem olha para o alto e com seus olhos eretos Contempla os seus próprios céus hereditários (avGpamoç de àvá, avco, sufixo tra, e que se refere à postura erecta.) Milton fala da "humana face divina". Sunday School Times, 28 de julho de 1900 - "O homem é o único ser ereto entre as criaturas vivas. Só ele olha para cima com naturalidade e sem esforço. Ele renuncia seu direito de primogenitura quando apenas olha

Teologia Sistemática
101
para o que está no nível dos seus olhos e se ocupa tão somente com o que está no plano da sua própria existência".
Bretschneider (Dogmatik 1.682) considera que a Escritura ensina que a imagem de Deus consiste na semelhança corporal com o Criador, mas apenas como o método imperfeito da representação pertencente a uma era antiga. É o pensamento de Strauss, Glaubenslehre, 1.687. Eles mencionam Gn. 2.7 - "E o Senhor formou o homem do pó da terra"; 3.8 - "O Senhor que passeava no jardim". Mas veja Gn. 11.5- "Então o Senhor desceu para ver a cidade e a torre que os filhos dos homens edificaram"; Is. 66.1 - "O céu é o meu trono, e a terra, o escabelo dos meus pés"; 1 Re. 8.27 - "Os céus dos céus te não poderia conter".
Sujeição dos impulsos sensitivos ao controle do espírito. - Devemos jqui manter um apoio médio entre dois extremos. Por um lado, o primeiro homem possuía um corpo e um espírito tão adequados um ao outro que não se ;entia nenhum conflito entre as suas diversas reivindicações. Por outro lado, esta perfeição física não era final e absoluta, mas relativa e provisória. Há ain- ia lugar para o progresso rumo a um mais elevado estágio do ser (Gn. 3.22).
Sir Henry Watton, Happy Life\ "Aquele homem era livre das peias servis Da esperança de levantar-se ou medo de cair, Senhor de si mesmo senão das terras, E nada tendo, apesar de que tinha tudo". Defendemos aqui o aequate temperamentum. Não havia doença, mas a alegria de saúde abundante. O labor era apenas uma atividade feliz. A divina criação infinita e a fonte do ser eram tipificadas nos poderes de geração do homem. Mas não havia oposição concreta entre o sentido e a razão, nem uma natureza física imperfeita contra cujos impulsos a razão guerreava. Com esta moderada doutrina escriturística contrastam-se os exageros dos Pais e dos escolásticos! Agostinho diz que a razão adâmica está para a nossa assim como o pássaro está para a tartaruga; a propagação no estado dos não decaídos teria sido sem concupiscência e o filho recém-nascido teria atingido a perfeição no nascimento. O pensamento de Alberto Magno é de que o primeiro homem não teria sentido dor, ainda que fosse atingido com pesadas pedras. Escoto Erí- gena sustentava que os elementos masculino e feminino ainda não eram distintos. Outros diziam que o sexo foi o primeiro pecado. Jacob Boeme considerava o intestino e tudo o que se relacionasse com ele como conseqüência da Queda; ele fantasiava a terra a princípio como transparente e não produzia trevas; o pecado, pensava ele, a tornara opaca e escura; a redenção a restauraria ao seu primeiro estado e tornaria a noite coisa do passado. South, Sermons, 1.24,25 - "O homem veio ao mundo como um filósofo.... Aristóteles era apenas o refugo de um Adão". Lyman Abbott conta-nos que um ministro garantiu à sua congregação que Adão conhecia o telefone. Mas Deus educa os seus filhos como o químico educa os seus alunos, pondo-os no laboratório e fazendo-os trabalhar. A Escritura não representa Adão como enciclopédia ambulante, mas como inexperiente; ver Gn. 3.22 - "Eis que o homem é como um de nós, sabendo o bem e o mal"; 1 Co. 15.46 - "Mas não é primeiro o

102
Augustus Hopkins Strong
espiritual, senão o animal; depois o espiritual". Sobre este texto, ver Expositor's Greek Testament.
Domínio sobre a criação inferior. - Adão possuía um discernimento para a natureza análogo ao da infância suscetível e, portanto, era capaz de dar nome aos animais e dirigi-los (Gn. 2.19). Contudo, este discernimento nativo era capaz de desenvolver-se rumo a um conhecimento mais elevado da cultura e da ciência. De Gn. 1.26 (cf. Sl. 8.5-8) tem-se inferido erroneamente que a imagem de Deus no homem consiste no domínio sobre os animais e sobre o mundo natural. Mas neste verso "domine sobre" não define a imagem de Deus, mas indica o resultado da posse dessa imagem. Fazer a imagem de Deus consistir neste domínio implicaria que só a onipotência divina se projetava no homem.
Gn. 2.19 - "Havendo, pois, o Senhor formado da terra todo animal do campo e toda ave dos céus, trouxe a Adão para ver como este lhes chamaria"; 20 - "E Adão pôs o nome a todo o gado"; Gn. 1.26 - "Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; e domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado"; cf. Sl. 8.5-8 - "Pouco menor o fizeste do que Deus e de glória e honra o coroaste. Fazes com que ele tenha domínio sobre as obras das tuas mãos; tudo puseste debaixo de seus pés: todas as ovelhas e bois, assim como todos os animais do campo".
O fato de Adão nomear os animais implicava discernimento na sua natureza.
A coragem e a boa consciência têm um poder sobre a criação bruta e bem pode supor-se que o homem não decaído tenha dominado as criaturas que não têm experiência da crueldade humana. Rarey domesticou cavalos selvagens com seus olhos firmes e destemidos. Em Paris uma jovem foi hipnotizada e posta numa cova de leões. Ela não teve medo das feras e as feras não lhe deram a mínima atenção. A filhinha de um oficial inglês na África do Sul saiu do acampamento e passou a noite entre leões. "Katrina", disse seu pai quando a achou, "você não ficou com medo de estar sozinha aqui? "Não, papai", respondeu ela, "os canzarrões brincavam comigo e um deles deitou- se aqui e me conservou quentinha". MacLaren, Sunday School Times, 23 de dezembro de 1893 - "O domínio sobre as criaturas resulta da semelhança a Deus. Por isso não é simplesmente um direito de usá-las com vantagem material própria, mas é uma autoridade de vice-rei, que se tem de empregar em honra ao verdadeiro Rei". Este princípio dá a garantia e o limite para a vivis- secção e para a morte dos animais inferiores para a alimentação (Gn. 9.2,3).
Os escritores socinianos geralmente sustentam o ponto de vista de que a imagem de Deus consiste simplesmente neste domínio. Defendendo um ponto de vista inferior da natureza do pecado, eles naturalmente não estão inclinados a crer que a queda operou qualquer mudança profunda na natureza humana. O arminiano Limborch, Theol. Christ., ii, 24.2,3,11, também defen- de-o. Os encratitas sustentavam, com Pedro Mártir, que as mulheres não possuem a imagem divina.

Teologia Sistemática
103
Comunhão com Deus. Nossos primeiros pais gozavam da presença e ensino divinos (Gn. 2.16). Parece que Deus se manifestou a eles de forma visível (Gn. 3.8). Este companheirismo era tanto em gênero como em grau iiequado à capacidade espiritual deles e de modo nenhum envolve a visão perfeita de Deus que é possível aos seres de confirmada e imutável santidade Mt. 5.8; 1 Jo. 3.2).
Gn. 2.16 - "E ordenou o Senhor Deus ao homem"; 3.8 - "E ouviram a voz do Senhor Deus, que passeava no jardim pela viração do dia"; Mt. 5.8 - "Bem- aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus"; 1 Jo. 3.2 - "Quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele; porque assim como é o veremos"; Ap. 22.4 - "E verão o seu rosto".
2. Concomitância da posse da imagem divina pelo homem
As circunstâncias e a sociedade adequaram-se para produzir a felicidade e assistir um santo desenvolvimento da natureza humana (Éden e Eva). Acrescentamos algumas teorias recentes relativas à criação de Eva e à natureza do Hden.
Éden = prazer, deleite. Stevens, Pauíine Theology, 329 - "Nas relações naturais entre os sexos há uma certa dependência recíproca porque não é verdade apenas que a mulher foi feita a partir do homem, mas também que o homem é nascido de mulher (1 Co. 11.11,12)". A respeito dos mármores de Elgin Boswell perguntava: "Você não os acha indecentes?" O Dr. Johnson respondeu: "Não, senhor; a sua pergunta é que é". O homem, que na idade adulta possui doze pares de costelas, no seu estado embrionário tem treze ou quatorze. Dawson, Modem Ideas of Evolution, 148 - "Porque não falta ao elemento masculino uma costela? Porque só o esqueleto de Adão foi afetado pela sua retirada. ... Os intérminos arcos vertebrais das poedeiras de pele fibrosa podem ter produzido um só pelo processo de enxerto ou gemação".
H. H. Bawden sugere que o relato da criação de Eva pode ser um "resumo pictórico" de um verdadeiro processo evolutivo filogenético pelo qual os sexos se separaram ou se isolaram a partir de um ancestral ou de ancestrais hermafroditas. A porção mesodérmica do organismo em que o sistema uroge- nital tem sua origem desenvolve-se mais tarde do que a porção ectodérmica e a endodérmica. A palavra costela pode designar esta porção mesodérmica. Bayard Taylor, John Godfrey Fortunes, 392, sugere que o gênio é hermafrodita, acrescentando um elemento masculino à mulher e um feminino ao homem.
O Prof. Loeb, Am. Jour. Phisiology, vol. III, ns 3, tem achado que em certas soluções químicas preparadas no laboratório, próximas à concentração da água do mar, os ovos não fertilizados do porco espinho amadurecerão sem a intervenção do espermatozóide. Os embriões perfeitos e os indivíduos normais produzem-se sob tais condições. No pensamento dele é provável que semelhante partenogênese pode ser produzida em tipos mais elevados do

104
Augustus Hopkins Strong
ser. Em 1900 ele atingiu bem sucedidos resultados com os anelídeos, embora haja dúvida se ele produziu algo mais do que larvas normais. Estes resultados foram criticados por um investigador europeu, que também é sacerdote romano. O Prof. Loeb escreveu uma réplica em que expressa surpresa de que um representante da igreja romana não tenha endossado suas conclusões, visto que elas fornecem uma vindicação da imaculada conceição.
H. Bawden examinou a obra do Prof. Loeb na Psychology Review, janeiro, 1900. Janósik achou segmentação nos ovos não fertilizados de mamíferos. O Prof. Loeb considera possível que só os íons do sangue impedem a origem partenogenética dos embriões nos mamíferos e acha que não é improvável que, por uma mudança transitória nestes íons será possível produzir a partenogênese completa nestes tipos mais elevados. A seguir, o Dr. Bawden diz que "tanto os pais como os filhos dependem de uma fonte comum de energia. O universo é um grande organismo e não há matéria inorgânica ou não orgânica, mas somente diferenças de grau de organização. O sexo é designado só secundariamente para a perpetuação da espécie; em primeiro lugar é a ligação ou meio de conexão ou interação das várias partes deste grande organismo a fim de manter esse grau de heterogeneida- de que é o pré-requisito de um alto grau de organização. Por meio do desenvolvimento de uma vida inteira tornei-me parte essencial de um grande sistema orgânico. O que eu chamo minha personalidade representa somente o foco, o florescimento do universo em um finito ponto concreto ou centro. Então, minha personalidade não pode continuar durante o tempo em que continua o sistema universal? E é concebível a imortalidade se a alma é alguma coisa trancada dentro de si mesma, estanque e única? Os múltiplos focos não são mutuamente interdependentes, ao invés de mutuamente exclusivos? Portanto não podemos conceber uma imortalidade que signifique existência de um indivíduo excluído do contexto social que é realmente a essência da sua própria natureza".
J. H. Richarson sugere no Standard, 10 de set. de 1901, que o primeiro capítulo de Gênesis descreve a criação só na parte espiritual do homem - feita à imagem de Deus - enquanto o segundo capítulo descreve a criação do corpo do homem, a parte animal que pode ter-se originado por processo de evolução. S. W. Howland, Biblia Sacra, janeiro de 1903; 121-128, supõe que Adão e Eva eram dois gêmeos unidos por uma cartilagem ensiforme ou osso torácico como as siamesas Chang e Eng. Por causa de uma violência, ou acidente, a cartilagem se rompeu antes de se solidificar, transformando-se em osso. Viveram separados até a puberdade. Então Adão viu Eva vindo a ele com um osso que se projetava do lado dela, correspondendo ao furo do lado dele e disse: "Esta é osso do meu osso; ela deve ter sido tomada do meu lado quando eu dormia". Esta tradição foi transmitida à sua posteridade. Os judeus têm uma tradição de que Adão foi criado com duplo sexo e que ambos posteriormente se separaram. Os hindus dizem que o homem foi o primeiro com dois sexos que se dividiram para povoar a terra. No Zodíaco de Dendera, Castor e Pólux aparecem como homem e uma mulher gêmeos; alguns dizem que se chamavam Adão e Eva. O nome copta para este signo é Pi Mahi, "os Unidos". Darwin no post scriptum a uma carta endereçada a Lyell, em julho de 1850, conta ao seu amigo que ele tem "uma agradável genealo-

Teologia Sistemática
105
gia para o gênero humano" e descreve o nosso mais remoto ancestral como um animal que respirava água, tinha uma bexiga para nadar, para isso, uma grande cauda, crânio imperfeito e, sem dúvida, era hermafrodita".
Mathew Arnold fala do "vigor do mundo primitivo". Novalis diz que "toda filosofia começa com a nostalgia". Shelley, Cotovia: Fazemos um retrospecto e um prospecto, E desfalecemos ante o que não é; Nosso mais sincero gargalhar Carrega-se de certa dor; nossas doces melodias são as Que falam do mais triste pensamento". - "A áurea concepção de um Paraíso é a idéia mestra do poeta". Há um sentimento universal de que agora não estamos em nosso estado natural; de que estamos bem longe da nossa casa; de que somos exilados da nossa verdadeira habitação. Keble, Groans of Nature: Tais pensamentos, a derrocada do Paraíso, através de muitas eras lúgubres, sublevaram tudo o que há de bom ou sábio Ainda vivo no poeta ou no sábio".
A poesia e a música ecoam o anseio pela posse de algo perdido. Jéssica no Mercador de Veneza de Shakespeare: "Eu nunca sou feliz quando ouço uma doce música". Toda a verdadeira poesia encara adiante ou posterior uma profecia do porvir ou duma visão pretérita, do mesmo modo que a escultura põe diante de nós o corpo original ou o da ressurreição.
Wellhausen, sobre a lenda da era do ouro, diz: "É o cântico ardente que vai além de todos os povos: tendo alcançado a civilização histórica, eles sentem o quanto valem os bens pelos quais se sacrificaram". Ele considera a era do ouro apenas como uma imagem ideal, como o reino milenário nos fins dos tempos. O homem difere do irracional no poder de formar ideais. Sua direção rumo a Deus mostra a sua descendência deste. De igual modo, Hegel defende a condição paradisíaca tão somente como o desenvolvimento humano de uma concepção ideal. Mas as tradições dos jardins de Brama e das Hespéri- des incorporam a reminiscência de um fato histórico em que o homem era livre do mal exterior e possuía tudo o que pode ministrar o regozijo ao inocente? A "era de ouro" dos pagãos ligava-se à esperança da restauração. Portanto, o emprego da doutrina do estado original do homem deve convencer os homens do elevado ideal uma vez realizado, que pertence apropriadamente ao homem, agora perdido, e recuperável, não pelas próprias forças do homem, mas só através da provisão de Deus em Cristo.
Provisões para testar a virtude do homem. - Porque o homem ainda não estava em um estado de santidade confirmada, mas de uma simples inocência infantil, ele podia tomar-se perfeito só através da tentação. Daí a "árvore do conhecimento do bem e do mal" (Gn. 2.9). A única ordem suave testava o espírito de obediência. A tentação não necessitava uma queda. Se vencida, fortaleceria a virtude. Nesse caso, o posse non pecare tornar-se-ia em non posse pecare.
Thomasius: "A doutrina de que o mal é um ponto de transição necessário para o bem é doutrina e filosofia satânicas". A árvore é principalmente a da provação. É certo que um pai faça a posse do título da fazenda depender do cumprimento de algum dever filial, como fez Thaddeus Stevens com seu filho,

106
Augustus Hopkins Strong
estabelecendo a abstinência alcoólica como condição para a posse da propriedade. Não sabemos se, além disso, a árvore do conhecimento era prejudicial ou venenosa.
Oportunidade de assegurar a imortalidade física. - O corpo do primeiro homem era em si mesmo mortal (1 Co. 15.45). A ciência mostra que a vida física envolve queda e perda. Mas parece que se providenciou um meio para deter esta queda e preservar a juventude do corpo. Este meio é a "árvore da vida" (Gn. 2.9). Se Adão tivesse mantido sua integridade, o corpo podia desenvolver-se e transfigurar-se sem a intervenção da morte. Em outras palavras, o posse non mori podia tomar-se non posse mori.
A árvore era o símbolo da comunhão com Deus e da dependência do homem para com ele. Mas isto só porque tinha uma eficácia física. Era sacramental e memorial para a alma porque sustentava a vida do corpo. O pecador estava separado da árvore da vida, até que estivesse preparado pela justiça de Deus para ela. A redenção e a ressurreição não só restauram o que se perdeu, mas dão aquilo para cuja consecução o homem foi criado: 1 Co. 15.45 - "O primeiro homem, Adão, foi feito em alma vivente; o último Adão, em espírito vivificante"; Ap. 22.14-"Bem-aventurados aqueles que lavam as suas vestiduras no sangue do Cordeiro, para que tenham direito à árvore da vida".
Combatem-se as conclusões a que temos chegado relativas aos incidentes do estado original do homem com apoio em duas bases distintas:
Ia) Os fatos baseados nas condições do homem pré-histórico apontam para um desenvolvimento da selvageria para a civilização. Entre estes fatos pode mencionar-se a sucessão de implementos e armas desde a pedra até o bronze e o ferro; a poliandria e os sistemas de casamento comunal nas tribos inferiores; as reminiscências dos costumes bárbaros ainda prevalecentes entre os mais civilizados.
Para a teoria de uma condição selvagem do homem, ver John Lubbock, Prehistoric Times and Origin of Civilization: "A condição primitiva da humanidade era de total barbarismo"; mas especialmente L. H. Morgan, Ancient Society, que divide o progresso humano em três grandes períodos: o selvagem, o bárbaro e o civilizado. Cada um dos dois primeiros tem três estágios, que são os seguintes: I. Selvagem: 1. Estágio inferior marcado pela realização da fala e subsistência através das raízes. 2. O estágio médio marcado pela alimentação da pesca e pelo fogo. 3. O estágio superior, marcado pelo emprego do arco e pela caça. II. Bárbaro: 1. Estágio inferior, marcado pela invenção e emprego da cerâmica. 2. Estágio médio, marcado pelo emprego de animais domésticos, milho e edifícios de pedra. 3. O estágio superior, marcado pela invenção e emprego de instrumentos de ferro. III. A seguir aparece o homem civilizado, com a introdução do alfabeto fonético e a escrita.

Teologia Sistemática
107
J. S. Stuart-Glennie, Contemp. Review, dezembro de 1892.844, define a civilização como "organização social obrigada, com registros escritos, e daí o desenvolvimento intelectual e o progresso social".
Sobre este ponto de vista assinalamos:
a) Baseia-se em uma indução insuficiente dos fatos. - A história mostra uma lei de degeneração suplementando e freqüentemente frustrando a tendência para o desenvolvimento. Nos tempos mais antigos de que temos qualquer registro achamos nações no mais alto estágio de civilização; mas no caso de cada nação cuja história antecede a era cristã - como por exemplo, os romanos, os gregos, os egípcios - o subseqüente progresso tem sido decadente e não se conhece nenhuma nação que se tenha recuperado do barbarismo a não ser como resultado de influência vinda de fora.
Lubbock parece admitir que o canibalismo não é primitivo; contudo ele mostra uma tendência geral de tomar o costume brutal como exemplo do primeiro estado do homem. E isto, apesar de que muitos dos costumes têm sido o resultado da corrupção. A caça à noiva, por exemplo, possivelmente não pode ter sido primitiva, no estrito sentido do termo. Tylor, Primitive Cuiture,
48, apresenta um ponto de vista muito mais moderado. Ele favorece a teoria do desenvolvimento, mas com a degeneração "como ação secundária afetando ampla e profundamente o desenvolvimento da civilização. Vejamos também o Duque de Argyll, Unity of Nature: "A civilização e a selvageria são ambas resultado do desenvolvimento evolutivo; porém aquela apresenta o desenvolvimento para cima enquanto esta para baixo; por esta razão, nem a civilização, nem a selvageria podem racionalmente ser vistas como condição primitiva do homem". Shedd, Theoi. Dogm., 1.467 - "Como argumento plausível poder-se-ia construir com base na deterioração e degradação de algumas das famílias humanas para provar que o homem pode ter evoluído em um macaco antropóide como o que se construiu para provar que ele evoluiu para cima a partir do homem".
As nações modernas não correspondem em muito à percepção grega antiga e à expressão do belo. Os egípcios modernos, os matutos australianos, os australianos são inquestionavelmente raças degeneradas. Ver Lankester, Degeneration. O mesmo é verdade a respeito dos italianos e espanhóis assim como dos turcos. Os abissínios atualmente são polígamos embora seus ancestrais fossem cristãos e monógamos. A degeneração física das porções da população da Irlanda é bem conhecida. Ver Mivart, Lessons of Nature, 146-160 que aplica à teoria sobre os selvagens os testes de língua, moral e religião e que cita Herbert Spencer dizendo: "É provável que a maior parte, senão a totalidade deles [selvagens] tinha ancestrais nos estágios mais elevados e entre eles permanecem suas crenças, algumas das quais evoluíram durante os mais elevados. ... É bem possível, e creio altamente provável, que tenha sido tão freqüente o retrocesso como o progresso". Spencer, contudo, nega que a selvageria seja sempre causada pelo lapso da civilização.

108
Augustus Hopkins Strong
Biblia Sacra, 6.715; 29.282 - "Como ser moral, o homem não tende a levantar-se, mas a cair e em progressão geométrica a não ser que uma força superior e exterior o eleve e sustente. Conquanto o homem, uma vez civilizado, progrida, as idéias morais ainda não se apresentam desenvolvidas a partir do seu interior". Se a condição primitiva do homem tivesse sido a selvage- ria, ele nunca poderia ter emergido dela. Ver Whaterly, Origin of Civilization, que sustenta que o homem não necessitava apenas de um Criador divino, mas de um divino Instruidor. Seelie, Introd. to a Century of Dishonor, 3 - "Os primeiros missionários entre os índios do Canadá levaram consigo trabalhadores capacitados para ensinar os selvagens a lavrar os campos e provê- los de confortáveis casas, vestes e alimentos. Mas os índios preferiram seus wigwams (moradias em forma de iglus), peles, carne crua e sujeira. Só na medida em que as influências cristãs ensinaram ao índio suas necessidades interiores e quando estas deviam ser supridas, ele foi levado a desejar trabalhar para a melhoria das suas condições exteriores e hábitos. A civilização não se reproduz por si mesma. Primeiro é preciso haver um esclarecimento e depois disso é que se pode conservá-la viva através de uma força genuinamente cristã".
Griffith-Jones, Ascent Throught Christ, 149-168, mostra que a evolução não envolve necessariamente o desenvolvimento relativo às raças em particular. Há uma degeneração em todas as ordens orgânicas. Com relação ao homem, pode estar evoluindo em algumas direções, enquanto em outras se tem degenerado. Lidgett, Espiritual Principies Atonement, 245, apresenta o "Prof. Clifford apontando para a história do progresso humano e declarando que a humanidade não é uma raça decaída, mas elevada. Não há nenhuma contradição real entre estes dois pontos de vista. Deus não deixou que o homem se afastasse por ter-se rebelado contra ele. Onde o pecado abundou, superabundou a graça". A humanidade criada em Cristo e sustentada pelo seu poder sempre recebeu reforços da sua vida física e mental, apesar da sua deterioração moral e espiritual. "Alguns camarões, pelo ajustamento físico, avançam para estruturas mais elevadas do que as lagostas e os caranguejos; enquanto outros, suspendendo o hábito de viver nas guelras dos peixes, mergulham em um estado de íntima semelhança com os vermes". Drummond, Ascensão do Homem: "Quando a pipa de um menino desce no nosso jardim não dizemos que ela veio das nuvens. Assim as nações se elevam antes de caírem. Há uma gravitação nacional. A idade do dardo precedeu à da pedra, mas perdeu-se". Tennyson: "A evolução sempre ascendente após um bem ideal, E a reversão sempre arrasta a Evolução para o lodo". Freqüentemente torna-se degeneração, ou até diabração (O autor cria a palavra "devilution", que não existe em Inglês e o tradutor faz o mesmo, criando uma correspondente em Português). A. J. Gordon, Ministry of the Spirit, 104 - "O Jordão é o símbolo adequado da nossa vida natural, surgindo em uma grande elevação e de puros mananciais, mas mergulhando firmemente até desaguar no Mar Morto, sem saída".
Mais tardias investigações têm tornado provável que a idade da pedra de algumas localidades foi contemporânea à do bronze e, em outras, à do ferro,

Teolooia Sistemática
109
enquanto certas tribos e nações, ao invés de fazerem progresso de um para o outro até onde podemos remontar, nunca estiveram sem o conhecimento e uso dos metais. Convém observar, contudo, que mesmo sem tal conhecimento e aso, não é necessariamente um bárbaro apesar de que pode ser infantil.
Sobre a dúvida se as artes da civilização podem perder-se, ver Arthur Mitchell, Past in the Present, 219: A rude arte quase sempre é um rebaixamento de uma que é mais elevada, ao invés de ser a primitiva; a mais rude arte de uma nação pode coexistir com a mais elevada; a vida na caverna pode acompanhar a mais alta civilização. As ilustrações da Escócia moderna, onde o sepultamento de um galo por epilepsia e o sacrifício de um touro, existiam até épocas recentes. Algumas artes inquestionavelmente se perderam, tais como a feitura do vidro e a obra sobre o ferro na Assíria (ver Mivart, supramencionado). Os mais antigos homens não parecem ter sido inferiores aos mais tardios, quer física quer intelectualmente. Rawlinson: "Os exploradores que cavaram fundo nos montes da Mesopotâmia e rebuscaram as tumbas do Egito chegaram a certos traços do homem selvagem naquelas regiões onde a tradição disseminada forma o berço da raça humana". Os camponeses tiroleses mostram que um povo rude pode ser moral e que um povo bem simples pode ser altamente inteligente.
Mason, Origins of invention, 110, 124, 128 - "Não há nenhuma evidência de que tenha havido em algumas regiões uma idade da pedra. Na África, no Canadá e talvez no Michigan, a idade do metal era tão antiga como a da pedra". O Rev. A. E. Hunt dá uma ilustração da capacidade matemático do selvagem em um relato da aritmética nativa das Ilhas de Murray, Estreito de Torres. "Netat" (um) e "neis" (dois) são apenas numerais e números mais elevados são descritos por combinações destes, como "neis-netat" indicando três, "neis-ineis", quatro etc., ou através da referência aos dedos, cotovelos ou outras partes do corpo. Pode-se contar um total de trinta e um com um método mais tardio. Além de todos estes números havia "muitos", como se fosse este o limite encontrado nas contas antes da introdução dos numerais em Inglês, agora em emprego geral nas ilhas.
Shaler, Interpretation of Nature, 171 - "Geralmente supõe-se que a direção do movimento [na variação das espécies] é sempre ascendente. Ao contrário, em boa parte dos casos, talvez no conjunto em mais da metade, a mudança ocorre numa forma que, de acordo com os cânones segundo os quais determinamos a classificação, deve ser considerada como regressiva ou degradante. ... A espécie, os gêneros, as famílias e as ordens têm todos, como os indivíduos dos quais eles se compõem, um período de decadência em que o ganho auferido pelo trabalho e faina perde-se na antiga era do grupo". Shaler prossegue, dizendo que, quanto à variação, os sucessos estão para as falhas na proporção de 1 para 100.000 e, se os sucessos distintos levarem em conta o homem, então a proporção será de 1 para 100.000
Nenhuma espécie que se foi jamais se restabelece. Se agora o homem desaparecesse, não há razão para crer que, por qualquer processo de mudança, evoluiria semelhante criatura embora o reino animal continue a existir.
O emprego destas sucessivas mudanças a fim de produzir o homem é inex-

110
Augustus Hopkins Strong
plicável a não ser com base na hipótese de uma infinita Sabedoria desig- nadora.
Os costumes bárbaros que este ponto de vista pretende sustentar podem ser explicados como marcas de uma civilização falida e não como reminiscên- cias de uma selvageria primitiva e universal. Mesmo que elas indicassem aquele estado de barbarismo, tal estado podia ser precedido de uma condição de relativa cultura.
Mark Hopkins, Princeton Rev., setembro de 1882, 194 - "Não há nenhum tratamento cruel dos elementos femininos entre os animais. Se o homem veio de animais inferiores, então ele não pode ter sido originariamente selvagem; pois você acha este o mais cruel tratamento entre os selvagens". Tylor exemplifica com os "árabes de rua". Ele compara os árabes de rua a uma casa arruinada, mas as tribos selvagens a um canteiro de construção. Ver Duque de Argyll, Primeval Man, 129,133; Bushnell, Nature and the Supernatural, 223; McLennan, Studies in Ancient History. Gulick, Bíblia Sacra, julho de 1892:517 - "O canibalismo e o infanticídio são desconhecidos entre os macacos antropóides. Estes devem resultar da degradação. Piratas e traficantes de escravos não são homens de baixa e abortiva inteligência, mas de educação que deliberadamente lançam fora todo o constrangimento e empregam as suas forças para a destruição da sociedade".
Keane, Man Past and Present, 40, cita Sir H. H. Johnston, administrador que tivera mais ampla experiência com os nativos da África do que qualquer ser vivo, e dizia que "por vários séculos a tendência do negro tem sido de um verdadeiro retrógrado - retorna à condição de selvagem e até mesmo de bruto. Se ele tivesse sido cortado da imigração dos árabes e dos europeus, as raças puramente negróides, abandonadas à sua sorte, desde o progresso rumo a um mais elevado tipo de humanidade, sem dúvida poderiam ter revertido gradualmente para um tipo não mais humano". Ratzel, History of Mankind. "Não atribuímos grande antigüidade à civilização polinésia. Na Nova Zelândia é matéria que remonta apenas alguns séculos. Nos territórios recém-ocupa- dos, o desenvolvimento da população começou em um mais alto nível e daí em diante decaiu. A decadência dos maoris resultou no rápido empobrecimento da cultura e o caráter do povo tornou-se selvagem e cruel. O Capitão Cook encontrou objetos de arte adorados pelos descendentes dos que os produziram".
Recentes pesquisas têm desacreditado inteiramente a teoria de L. H. Morgan sobre uma original promiscuidade brutal da raça humana. Ritchie, Darwin and Hegel, 6, nota - "A teoria de uma promiscuidade original torna-se extremamente duvidosa por causa dos hábitos dos mais elevados animais". Westmarck, History of Human Marriage: "O casamento e a família estão em íntima conexão mútua; em benefício do jovem é que o masculino e o feminino continuam a viver juntos. Por isso o casamento está arraigado na família, mais do que a família no casamento.... Não existe a mínima evidência genuína da noção de que a promiscuidade formasse um estágio geral na história social da huma

Teologia Sistemática
111
nidade. A hipótese da promiscuidade, ao invés de pertencer ao tipo de hipótese cientificamente permissível, não tem nenhum fundamento real e é essencialmente anticientífico". Howard, History Matrimonial Inst.: "O casamento ou junção entre homem e mulher, embora seja com freqüência uma união transitória e a regra muitas vezes violada, é a forma típica de união sexual desde os primórdios da raça humana".
A bem próxima tradição universal da idade do ouro, da virtude e da felicidade pode ser mais facilmente explicada com base no ponto de vista da Escritura que defende a criação da raça em santidade e subseqüente apostasia.
Para referências aos escritores clássicos de um período áureo, ver Luthardt, Compendium der Dogmatik, 115; Pfleiderer, Philo. ofReligion, 1.205 - "Em Hesíodo temos a legenda de um período áureo sob o domínio de Cro- nos, quando o homem era livre dos cuidados e trabalhos árduos, na imperturbável juventude e boa disposição, com superabundância de dotes que por si mesma a terra fornecia; na verdade a raça não era imortal, mas experimentava a morte como um brando sono". Podemos acrescentar que a capacidade para a verdade religiosa depende das condições morais. Por isso, bem primitivamente as raças eram dotadas de uma fé mais pura do que as mais tardias.
O aumento da depravação tornou mais duro o exercício da fé às mais tardias gerações. A literatura da sabedoria pode ter sido bem antiga, assim como as idéias monoteísticas são mais claras à medida que retrocedemos. Bixby, Crisis in Morais, 171 - "Precisamente porque tais tribos [selvagens australianos e africanos] têm sido deficientes na qualidade moral média, elas deixaram de marchar de forma ascendente na estrada da civilização com relação ao resto da humanidade, e caíram no lodaçal da degradação selvagem". Sobre as civilizações petrificadas, ver Henry George, Progress and Poverty, 433-439 - "A lei do progresso humano, o que é senão a lei moral?" Sobre o desenvolvimento retrocessivo na natureza, ver Weismann, Heredity, 2.1-30. Porém ver também Mary E. Case, "Degeneraram-se os romanos?" no Jornal Internacional de Ética, jan. de 1893: no qual sustenta-se que os romanos fizeram constantes avanços. Henry Summer Maine chama a Bíblia de o mais importante documento da história da sociologia, porque apresenta de modo autêntico o antigo desenvolvimento da sociedade a partir da família, através da tribo, até a nação, progresso aprendido só de relance, em intervalos e sobrevivência dos velhos usos na literatura de outras nações.
2a) Que a história religiosa da humanidade garante-nos por inferência uma lei de progresso necessário e universal segundo o qual o homem passa do fetichismo para o politeísmo e monoteísmo, este primeiro estágio teológico do qual o fetichismo, politeísmo e monoteísmo são partes sucedidas por estágio metafísico e por seu turno pelo positivo.
Comte propõe esta teoria em sua Positive Phiiosophy, versão inglesa, 25,26,515-636. "Cada ramo do nosso conhecimento passa sucessivamente

112
Augustus Hopkins Strong
por três diferentes condições teóricas: Teológica, ou fictícia; Metafísica, ou abstrata; e Científica, ou positiva. ... A primeira é o ponto de partida necessário ao entendimento humano; e a terceira é o seu estágio fixo e definido.
A segunda é simplesmente o estágio de transição. No estágio teológico, a mente humana, buscando a natureza essencial dos seres, a primeira causa e a final, a origem e o propósito de todos os efeitos - em resumo, o conhecimento absoluto - supõe que a ação imediata dos seres sobrenaturais produzam todos os fenômenos. No estágio metafísico, que é apenas uma modificação do primeiro, a mente supõe, em vez dos seres sobrenaturais, forças abstratas, verdadeiras entidades, isto é, abstrações personificadas, inerentes a todos seres e capazes de produzir todos fenômenos. O que se chama explicação dos fenômenos é, neste estágio, uma simples referência de cada uma à sua própria entidade. Afinal, o estágio positivo, abandonou a vã pesquisa após noções absolutas, a origem e destino do universo e as causas dos fenômenos e aplica-se ao estudo das suas leis - isto é, suas invariáveis relações de sucessão e semelhança. ... O sistema teológico chegou à sua mais elevada perfeição quando substituiu as variadas operações de numerosas divindades pela a ação providencial de um só Ser. No último estágio do sistema metafísico, o homem substituiu a multidão de entidades supostas a princípio, pela grande entidade, a Natureza, como causa de todos fenômenos.
Do mesmo modo, a última perfeição do sistema positivo deveria representar todos fenômenos como aspectos particulares somente de um fato geral - como, por exemplo, a Gravitação".
Esta suposta lei do progresso, contudo, é contraditada pelos seguintes fatos:
O monoteísmo dos hebreus não só precede os grandes sistemas politeís- tas da antigüidade, mas estas religiões pagãs até são mais puras desde os elementos politeístas à medida que recuamos no tempo; de modo que ps fatos apontam uma base monote sta para todas elas.
A gradual deterioração de todas as religiões, independentemente da revelação especial e da influência de Deus, é a prova de que a pura teoria da evolução é defeituosa. A suposição mais natural é a de que uma revelação primitiva, aos poucos, retrocedeu na memória humana. No Japão, o Shinto originariamente era a adoração do Céu. O culto aos mortos, a deificação do Micado, etc., eram uma corrupção e conseqüente desenvolvimento. Os ancestrais de Micado, ao invés de virem do céu, vieram da Coréia. O Shinto era originariamente um tipo de monoteísmo. Nenhum dos primeiros imperadores era deificado após a morte. A Apoteose dos Micados data da corrupção do Shinto, através da importação do Budismo. Andrew Lang, em sua Making of Reiigion, defende o monoteísmo primitivo. T. G. Pinches, do Museu Britânico, 1894, declara que, tanto nos mais antigos registros egípcios, como nos antigos babilônicos, há evidência de um primitivo monoteísmo. Nevins, Demon- Possession, 170-173, cita W. A. P. Martin, presidente da Universidade de Pequim, o que se segue: "A China, a índia, o Egito e a Grécia, todos concordam num tipo monoteístico de sua antiga religião. Os Hinos órficos, muito

Teologia Sistemática
113
antes do advento das divindades populares, celebravam o Pantheos, Deus universal. As odes compiladas por Confúcio testificam o antigo culto do Shangte, Governante Supremo. Os Vedas falam do 'verdadeiro Ser desconhecido, onipresente, onipotente, Criador, Preservador e Destruidor do Universo'. E no Egito, já nos tempos de Plutarco, ainda havia vestígios de um culto monoteís- tico".
"Não há nenhuma prova de que os grupos indo-germânicos praticaram o culto fetichista ou se escravizaram aos mais baixos tipos de religião mitológica ou ascenderam delas para algo mais elevado" (Fischer).
Ver Fisher, Essays on Sup. Origin of Christianity, 545; Bartlett, Sources of Hist. of Pentateuc, 36-115; Herbert Spencer outrora sustentava que o fetichismo era primordial. Porém, mais tarde, mudou de pensamento e dizia que os fatos provavam ser exatamente o contrário, ao conhecer melhor as idéias dos selvagens; ver Principies of Sociol., 1.343. O Sr. Spencer, finalmente, ligou o começo da religião ao culto aos ancestrais. Porém, na China, nenhum ancestral jamais tornou-se um deus; ver Genetic Philosophy, 304-313. E, a não ser que o homem tivesse um senso inato da divindade, não poderia dei- ficar os ancestrais, nem os espíritos. O Prof. Hilprecht, da Filadélfia, diz: "Como recentemente se fez a tentativa de ligar o monoteísmo puro de Israel às fontes babilônicas, sou forçado a declarar esta uma impossibilidade absoluta baseado nos meus catorze anos de pesquisa nas inscrições cuneiformes da Babilônia. A fé do povo escolhido de Israel é: 'Ouve, ó Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor'. E esta fé nunca poderia proceder da montanha de deuses babilônicos, casa de putrefação, cheia de corrupção e ossos de homens mortos".
Algumas das mais antigas reminiscências do homem encontradas através de armas e alimentos enterrados com os mortos mostram que já existia a idéia de seres espirituais e de um estado futuro e, portanto, uma religião de tipo mais elevado que o fetichismo.
O próprio idólatra considera o ídolo como símbolo e representação de um ser espiritual que existe independentemente do objeto material, apesar de manifestar-se através dele. O Fetichismo, contudo, identifica a divindade com a coisa material e adora a madeira ou a pedra; não se concebe a existência do espírito separado do corpo. A crença nos seres espirituais e em um estado futuro é, portanto, a prova de uma religião mais elevada no gênero do que o fetichismo. Verlytu., Antiquity of Man, citada em Dawson, Story of Earth and Man, 384; ver também 368,372,386 - "A capacidade de degradação do homem é medida de acordo com sua capacidade de desenvolvimento" (Dawson). Lyell, em sua última edição, contudo, admite como duvidosa a evidência da caverna de Aurignac.

114
Augustus Hopkins Strong
A teoria em questão, fazendo do pensamento teológico um estágio de evolução simplesmente transitório, ignora o fato de que a religião tem sua raiz nas instituições e anseios da alma humana e que, portanto, nenhum progresso filosófico ou científico jamais o pode abolir. Conquanto os termos teológico, metafísico e positivo podem com propriedade assinalar a ordem em que as idéias do indivíduo e da raça são adquiridas, o positivismo erra ao sustentar que estas três fases do pensamento são mutuamente exclusivas e que no surgimento do mais tardio o mais antigo, por necessidade, deve extinguir-se.
John Stuart Mill sugere que "personificação" seria um termo muito melhor do que "teológico" para designar os esforços para explicar os fenômenos físicos . Sobre os princípios fundamentais do Positivismo, ver New Englander, 1873.323-386; Diaman, Theistic Argument, 338 - "Três estados coexistentes aqui confundem-se com três sucessivos estágios do pensamento humano; três aspectos das coisas com três períodos de tempo. A teologia, a metafísica e a ciência devem sempre coexistir lado a lado, pois toda a ciência positiva apóia-se em princípios metafísicos e a teologia jaz atrás de ambos. Todas são tão permanentes como a própria razão humana". Martineau, Types, 1.487 - "Comte fixa o cristianismo medieval como o exemplo típico do monoteísmo evoluído e desenvolve-o a partir do politeísmo que ele derribou e dissipou. Mas a religião da Europa moderna notoriamente não descende da mesma fonte que a sua civilização e não é continuação da cultura antiga"; ao contrário disso, ela vem de fontes hebraicas; Ensaios, Esays, Philos. and Theol., 1.24,62 - "Os judeus foram sempre um povo descortês; o que tinham eles para estar por cima tão cedo, perturbando sempre a casa até mesmo antes de Comte soar o sino para as orações?"

Capítulo III
PECADO, OU ESTADO DE APOSTASIA DO HOMEM
SEÇÃO I - A LEI DE DEUS
Preliminarmente ao tratamento do estado de apostasia do homem, toma-se necessário considerar a natureza da lei de Deus, cuja transgressão é pecado. Podemos abordar melhor o assunto interrogando qual é a verdadeira concepção de:
I. LEI EM GERAL
A lei é uma expressão da vontade
A idéia essencial da lei é a de uma expressão geral da vontade reforçada pelo poder. Implica a) Um legislador, ou vontade com autoridade, b) Súditos, ou seres sobre os quais esta vontade impõe limites, c) Uma determinação geral, ou expressão dessa vontade, d) Um poder, forçando a determinação.
Estes elementos acham-se até mesmo no que chamamos lei natural. A expressão 'lei da natureza' envolve uma auto-contradição quando usada para denotar um modo de ação ou uma ordem de seqüência atrás da qual não se concebe nenhuma vontade inteligente e ordenadora. Os físicos derivam o termo 'lei' da jurisprudência ao invés de derivarem a jurisprudência da física. Usa-se primeiro para referir-se às relações de agentes voluntários. A causa em nossas próprias vontades capacita-nos a ver algo além da simples antecedência e conseqüência no mundo que nos cerca. A ciência física, ao usar a palavra 'lei', implicitamente confessa que uma Vontade suprema estabeleceu regras gerais que controlam o processo do universo.
Wayland, Moral Science, 1, de modo não sábio define a lei como "um modo
de existência ou ordem de seqüência", deixando, portanto, fora da sua defini

116
Augustus Hopkins Strong
ção toda referência a uma vontade ordenadora. Subseqüentemente ele diz que a lei pressupõe um estabelecimento, mas em sua definição nada há que o indique. De outro lado, insistimos que o próprio termo 'lei' inclui a idéia de força e causa. A palavra 'lei' (law) provém do Inglês 'lay' (deitar) (Alemão legen), = pôr abaixo, deitar; o Alemão Gesetz, de setzen, = fixar, ou estabelecer; o Grego vó(j.oç, de véurn, = algo atribuído ou repartido; em Latim lex, de lego, = algo dito ou falado.
Todas estas derivações mostram que a concepção original que o homem tinha sobre a lei é a de algo que procede da volição. Lewes, Problem of Lier and Mind diz que o termo 'lei' é tão sugestivo a quem a outorga e imprime que ela deve ser suprimida e ser substituída pela palavra 'método'. O mérito de Austin ao tratar do assunto é que ele "limita rigorosamente o termo 'lei' às ordens de um superior"; ver John Austin, Province of Jurisprudence, 1.88-93, 220-223. Os defeitos de seu tratamento notaremos mais adiante.
J. S. Mill: "É costume, onde quer que eles [cientistas] possam encontrar regularidade de qualquer tipo, chamar de lei a proposição geral que expressa a natureza de tal regularidade; do mesmo modo como quando em matemática falamos de lei de termos sucessivos de uma série convergente. Mas a expressão 'lei da natureza' é empregada geralmente por cientistas num tipo de referência tácita ao sentido original da palavra 'lei', a saber, a expressão da vontade de um superior - neste caso o Rei do universo". Paley, A/aí. Theology, cap. 1 - "É uma deturpação da linguagem atribuir qualquer lei a causa eficiente operadora de qualquer coisa. A lei pressupõe um agente; este é apenas o modo como o agente procede; implica um poder, pois é a ordem segundo a qual tal poder atua. Sem esse agente, sem esse poder, os quais se distinguem entre si, a lei não faz nada". "Quis custodiet ipsos custodes (Quem protegerá a própria custódia)?" "As regras não se cumprem por si mesmas, do mesmo modo que um livro de estatutos não reprime um motim" (Martineau, Types, 1.367).
Charles Darwin recebeu a sugestão da seleção natural não a partir do estudo das plantas e animais inferiores, mas de Maltus sobre a População; ver sua Life and Letters, Vol. I, capítulo autobiográfico. Ward, Naturalism and Agnosticism, 2.248-252 - "A concepção de lei natural repousa na analogia com a lei civil". Ladd, Philosophy of Knowledge, 333 - "As leis são apenas modos mais ou menos repetidos e uniformes do comportamento das coisas"; Philosophy of Mind, 122 - "Ser, estar em relação, ser por si mesmo ativo, agir sobre outro ser, obedecer lei, ser uma causa, ser um sujeito permanente dos estados, ser o mesmo hoje como ontem, ser idêntico, ser um, todas estas concepções e similares, juntamente com as provas que lhes dão valor de seres reais, afirma-se serem realidades físicas, ou projetadas nelas apenas baseados no autoconhecimento, confrontando e afirmando a realidade da mente. Sem o discernimento psicológico e o treinamento filosófico, tais termos ou seus equivalentes não têm sentido na física. E porque os escritores que se dedicam à física via de regra não têm esse discernimento e treinamento, apesar dos seus ingentes esforços para tratar da física como ciência empírica sem metafísica, eles se debatem e tropeçam e desesperadamente se contradizem sempre que tocam em assuntos fundamentais". Ver Presidente McGarvey, Crítica ao Reino da Lei de James Lane Allen: "Não é da

Teologia Sistemática
117
natureza da lei reinar. Reinar é um ato que só se pode afirmar literalmente a respeito de pessoas. Um ser humano pode reinar; Deus pode reinar; o Diabo pode reinar; mas uma lei não pode. Se uma lei pudesse, de modo algum haveria jogos em Nova Iorque e nenhum botequim aberto aos domingos. Não haveria nenhum juramento falso nos tribunais de justiça, nem desonestidade nos políticos. Os homens é que reinam em tais assuntos - os juizes, o grande júri, o xerife e a polícia. Eles podem reinar nem mesmo segundo a lei. A lei não pode reinar sobre os que são indicados para executá-la".
A lei é uma expressão geral da vontade
A característica da lei é a generalidade. Ela se dirige a substâncias ou pessoas em classes. A legislação especial é contrária à verdadeira teoria da lei.
Quando o sultão de Zanzibar ordena que o seu barbeiro seja decapitado porque este cortou o seu senhor, tal ordem não é propriamente uma lei. Para que o fosse deveria rezar: "Todo barbeiro que corta sua majestade será, em razão disso, decapitado". Einmal ist keinmal = "Uma vez não é costume". Dr. Schurman sugere que a palavra meai (Mahl) significa originariamente vez (mal em einmal). A medida de tempo entre nós é astronômica; entre os nossos primitivos ancestrais era gastronômica, e o redobro mealtime = o din-don do sino do jantar. O Xá da Pérsia pediu certa vez ao Príncipe de Gales que conduzisse um homem à morte para que ele pudesse ver o método inglês de execução. Quando o Príncipe lhe disse que isso estava além da sua autoridade, o Xá quis saber qual era o valor de ser um rei se não podia matar pessoas a seu bel-prazer. Pedro, o Grande, sugeriu uma saída para a dificuldade. Ele desejava ver alguém ser punido pelo processo de arrastamento na quilha de uma embarcação. Quando informado de que não havia marinheiro merecedor dessa pena, ele respondeu: "Isso não tem importância; tome um do meu séqüito". Amos, Science of Law, 33,34 - "A lei trata de regras eminentemente gerais". Ela não conhece pessoas ou personalidade. Deve aplicar-se a mais de um caso. "A caraterística da lei é a generalidade, como a caraterística da moral é a aplicação individual". A legislação especial é a ruína de um bom governo; não é da sua competência a promulgação da lei à força; é do sabor do capricho do despotismo, que dá ordens a cada súdito à sua vontade. Por isso, as nossas mais avançadas constituições políticas reprimem a influência do lobbye do suborno, proibindo legislação especial em casos nos quais já existem leis gerais.
A lei implica poder de impor
É essencial à existência da lei que haja poder de imposição. Caso contrário a lei se tornaria a expressão de simples vontade ou conselho. Porque as substâncias e forças físicas não têm de modo algum inteligência e nem poder para resistir, os quatro elementos já mencionados esgotam as implicações do termo

118
Augustus Hopkins Strong
'lei' aplicadas à natureza. No caso dos agentes racionais e livres, contudo, a lei implica em acréscimo: é) Dever ou obrigação de obedecer; e f) sanções, ou sofrimento e penalidade por causa da desobediência.
"A lei que não tem penalidade não é lei, mas advertência e o governo em que a inflição não se segue à transgressão é o reino dos velhacos ou demônios". Sobre a questão se em qualquer dos castigos da lei civil se trata de sanções legais, exceto a pena de morte, ver N. W. Taylor, Moral Govt., 2.367- 387. As recompensas são motivos, mas não sanções. Visto que se pode conceber a opinião pública como penas infligidoras por violação da sua vontade, falamos figuradamente das leis da sociedade, da conduta, da etiqueta, da honra. Só quando pode agir ou age através de sanções a comunidade das nações compele à obediência, podemos com propriedade afirmar a existência da lei internacional. Mesmo entre as nações, contudo, pode haver sanções tanto morais como físicas. A decisão de um tribunal internacional tem a mesma sanção que um tratado e, se aquele não tem poderes, este também os tem. As multas e o aprisionamento não isentam o povo decente das violações parciais da lei de um modo tão eficaz como as penalidades sociais do ostracismo e da desgraça e o mesmo ocorrerá com as decisões do tribunal internacional. Tem-se dito que a diplomacia sem exército e sem marinha é a lei sem penalidade. Mas a exclusão da sociedade civilizada é uma penalidade. "Na inquestionável obediência aos decretos elaborados, a que todos silenciosamente nos submetemos, simplesmente estamos exercendo a pressão às pessoas que nos cercam. Ninguém adota um estilo de roupa porque é razoável, pois os estilos não são freqüentemente os mais razoáveis; porém mansamente nos rendemos aos mais absurdos deles ao invés de resistirmos a tal força para não sermos chamados de excêntricos. Por isso, o que chamamos de opinião pública é a mais poderosa força atualmente conhecida quer na sociedade, quer na política".
A lei expressa e determina a natureza
A vontade que prende seus súditos através de ordens e penalidades é a expressão da natureza do poder governante e revela as relações normais dos súditos com aquele poder. Finalmente, portanto, a lei g) é uma expressão da natureza do legislador; e h) estabelece nos súditos a condição ou conduta que é o requisito para a harmonia com a referida natureza. Qualquer assim chamada lei que deixa de representar a natureza do poder governante logo se toma obsoleta. Toda a lei permanente é uma transcrição dos fatos do ser, uma descoberta do que é e deve ser para harmonizar governante e governado; em resumo, a lei positiva é justa e dura somente quando expressa e reproduz a lei da natureza.
Diman, Theistic Argument, 106,107: John Austin, embora "rigorosamente limitasse o termo lei às ordens de um superior", contudo, "rejeitava a expli-

Teologia Sistemática
119
cação de Ulpiano sobre a lei da natureza e ridicularizava como pretensiosa a celebre descrição de Hooker". Entendemos que isto é um defeito radical da concepção de Austin. Concebe-se a Vontade da qual procede a lei natural como um modelo deístico, em vez de imanente no universo. Lightwood, em sua Natural of Positive Law, critica a definição de lei que Austin faz como ordem e substitui-a pela idéia de costume. Sir Henry Maine, Lei Antiga, mos- tra-nos que as primitivas comunidades aldeãs tinham costumes que só gradualmente tomaram a forma de leis definidas. Porém retrucamos que o costume não é a fonte última de qualquer coisa. É necessário que haja repetidos atos para constituir-se um costume. Os primeiros costumes se devem à vontade dominadora do pai, na família patriarcal. Assim se justifica a definição de Austin. A moral coletiva (mores) vem do dever (debitum) individual; a lei tem origem na vontade; Martineau, Types, 2.18,19. Contudo, atrás desta vontade encontra-se algo que Austin não leva em conta, a saber, a natureza das coisas constituída por Deus, revelando a Razão universal e fornecendo o padrão com que toda a lei positiva, se permanente, deve conformar-se.
Montesquieu, Spirit of Laws, livro 1, seção 14 - "As leis são as relações necessárias que surgem da natureza das coisas.... Há uma Razão primitiva e as leis são as relações subsistentes entre a Razão e os diferentes seres e as relações destes entre si. Estas regras são fixas e invariáveis. ... Os seres inteligentes em particular podem ter leis de sua própria lavra, mas eles têm algo em comum que nunca fizeram. ... Dizer que nada há de justo ou injusto a não ser o que as leis positivas ordenam ou proíbem eqüivale a dizer que antes de descrever um círculo todos os raios não são iguais. Por isso devemos reconhecer as relações que antecedem à lei positiva através das quais elas se estabeleceram". Kant, Metaphysic of Ethics, 169-172 - "A ciência da lei é o conhecimento sistemático dos princípios da lei da natureza - de que surge a lei positiva - que é perenemente a mesma e leva consigo obrigações certas e imutáveis sobre todas as nações e épocas".
O mesmo é verdade sobre a lei de um déspota, que revela a natureza dele e mostra qual é o requisito quando se trata de constituí-lo em harmonia com a natureza. A lei que não representa a natureza das coisas ou as verdadeiras relações entre governante e governado tem só existência nominal e não pode ser permanente. Sobre a definição e natureza da lei ver Loriner, Institutes of Law, 256, que cita de Burke: "Todas leis humanas, para falar com propriedade, são apenas declaratórias. Elas podem alterar o modo e a aplicação, mas não têm poder algum sobre a substância da justiça original"; Lord Bacon: "Regula enim legem (ut acus nautica polos) indicat, non statuit".
Fairbairn, Contemp. Review, abr. de 1895.473 - "Os juristas romanos traçam uma distinção entre jus naturate e jus civile e empregam aquela para afetar esta. A jus civile é estatutária, estabelece e fixa a lei, como é, o verdadeiro ambiente legal; a jus naturate é o princípio de justiça e equidade ideal imanente no homem embora com o progresso de sua cultura ética em desenvolvimento sempre mais articulado". Acrescentamos o fato de que jus em Latim e Recht em Alemão deixaram de significar simplesmente a justiça abstrata e passaram a denotar o sistema legal em que tal justiça abstrata está incorporada e expressa. Temos aqui uma prova de que Cristo gradualmente está moralizando o mundo e transportando a lei para a vida. E. G. Robinson:

120
Augustus Hopkins Strong
"Nunca um governo na terra fez suas próprias leis. Até mesmo as constituições declaram as leis atuais e na realmente existentes. Onde a sociedade cai em anarquia, a lex talioni torna-se o princípio prevalecente".
A LEI DE DEUS EM PARTICULAR
A lei de Deus é uma expressão geral da vontade divina imposta pelo poder. Ela tem duas formas: Lei Elementar e Determinação Positiva.
Lei Elementar ou lei gravada nos elementos, substâncias e forças da criação racional e irracional. Esta é dúplice:
A expressão da vontade divina na constituição do universo material; a isto chamamos lei física ou natural. A lei física não é necessária. Concebe-se uma outra ordem de coisas. A ordem física não é um fim em si mesma; ela existe por causa da ordem moral. A ordem física tem, portanto, somente uma constância relativa e Deus a suplementa às vezes com o milagre.
Bowne, Theory of Thought and Knowledge, 210 - "As leis da natureza não representam nenhuma necessidade, mas são apenas formas ordenadas do processo de algum Ser que lhes faz retaguarda. ... As uniformidades cósmicas são métodos da liberdade de Deus". Filosofia do Teísmo, 73 - "Quaisquer das leis cósmicas, desde a gravitação, podem ser concebidas como tendo sido deficientes e diferentes.... Não se pode encontrar nenhum traço de necessidade no Cosmos ou em suas leis". Seth, Hegelianism and Personality.
"A Natureza não é necessária. Por que fixar uma ilha onde esta se encontra, e não a uma milha ao oriente ou ao ocidente? Por que estabelecer conexão entre o cheiro e a forma da rosa, ou o sabor e a cor da laranja? Por que o H20 forma a água? Ninguém sabe". William James: "As partes parecem disparadas de um revólver". Com mais razão diríamos de uma arma de fogo. Martineau, Seat of Authority, 33 - "Por que as vibrações numa circunstância produzem som e noutra luz; a razão de alguma necessidade não explica por que uma velocidade da vibração produz a cor vermelha e a outra a azul. Eis aqui a vontade seletiva".
Brooks, Foundations of Zoòlogy, 126 - "Até onde a filosofia da evolução envolve a crença de que a natureza é determinada ou devida a uma lei necessária de progresso universal ou evolução, parece-me ser completamente insustentável pela evidência e totalmente anticientífico". Nada se pode deduzir a partir da homogeneidade. Aperta-se o botão e a lei faz o resto? Sim, mas quem aperta o botão? A solução se cristaliza quando agitada? Sim, mas o que a agita? Ladd, Philos. of Knowledge, 310 - "A direção e a velocidade das estrelas não incidem em nenhum princípio que a astronomia possa descobrir. Uma das estrelas - 'Groombridge 1830' - está voando pelo espaço numa média muitas vezes tão grande como poderia atingir se tivesse caído através do espaço infinito durante toda a eternidade por todo o universo físico. ...
Os fluidos se contraem quando resfriados e se expandem quando aquecidos, embora haja a bem conhecida exceção da água no grau de congelamento".

Teologia Sistemática
121
263 - As coisas não parecem ser sempre matemáticas. O sistema das coisas pode ser uma Vida, alterando os seus modos de manifestação segundo as idéias imanentes, em lugar de uma coleção de entidades rígidas, cegamente sujeitas a um processo mecânico de leis imutáveis".
Agostinho: "Dei voluntas rerum natura est" (A natureza das coisas é a vontade de Deus). Joseph Cook: "As leis da natureza são os hábitos de Deus". Mas Campbell, Atonement, Intr., xxvi, diz que há esta diferença entre as leis do universo moral e as do físico, a saber, que não ligamos a existência daquele a um ato da vontade como fazemos com este. "Dizer que Deus deu existência à bondade, como às leis da natureza, eqüivaleria a dizer que deu existência a si mesmo". Pepper, Outlines of Sist. Theol., 91 - "A lei moral, diferente da lei natural, é padrão de ação a ser adotado ou rejeitado no exercício da liberdade racional, /.e., da atuação moral".
Mark Hopkins, Princeton Review, setembro de 1882.190 - "Na lei moral existe a força somente através da punição - nunca através do poder, pois isto confundiria a lei moral com a física, e nunca se pode produzir ou garantir obediência através da força. Na lei física, ao contrário, a coação vem somente através do poder e a punição é coisa impossível. Quando o homem é livre, de modo nenhum está sujeito à lei, no sentido físico. Nossas vontades são livres da lei, por coação do poder, mas são livres sob a lei, quando compelida pela punição. Onde prevalece a lei no mesmo sentido em que no mundo material, não há nenhum tipo de liberdade. A lei não prevalece quando atingimos a região da escolha. Sustentamos que a força na mente do homem origina a livre escolha. Pressupõem-se dois objetivos da ação entre os quais a escolha deve ser feita: 1) A uniformidade ou conjunto de uniformidades implicando uma força pela qual se produz [a lei física ou a natural]; 2) Uma ordem dirigida a seres livres e inteligentes, que possa ser obedecida ou desobedecida e que tem tido conexão com as recompensas ou punições" [lei moral],
A expressão da vontade divina na constituição dos agentes racionais e livres; a isto chamamos de lei moral. Esta lei elementar da nossa natureza moral com a qual estamos agora somente preocupados tem todas as características mencionadas pertencentes à lei em geral. Ela implica: a) um Legislador divino, ou vontade ordenadora. b) Súditos, ou seres morais aos quais a lei se destina, c) A ordem geral, ou expressão desta vontade na constituição moral dos súditos, d) Força, impondo a ordem, é) Dever ou obrigação de obedecer. f) Sanções, ou dores e penalidades por causa da desobediência.
Todos estes são de um tipo mais elevado do que os encontrados na lei humana. Mas temos necessidade especialmente de dar ênfase ao fato de que esta lei g) é uma expressão da natureza de Deus e, portanto, da sua santidade, atributo fundamental dessa natureza; e que ela h) estabelece absoluta conformidade com tal santidade como condição normal do homem. Esta lei se destina ao ser racional e moral do homem. O homem a cumpre só quando o seu ser moral bem como o racional são a imagem de Deus.

122
Augustus Hopkins Strong
Apesar de que a vontade da qual surge a lei moral é uma expressão da natureza de Deus, necessária em vista da existência de seres morais, ela não é nem um pouco uma vontade pessoal. Devemos ter cuidado para não atribuir à lei uma pessoalidade própria. Quando Plutarco diz: "A lei é um rei tanto dos seres mortais quanto dos imortais" e quando dizemos: "A lei cuidará de você", "O criminoso está sob o perigo da lei", estamos simplesmente substituindo o nome do principal pelo do agente. Deus não está sujeito à lei; Deus é a fonte dela; podemos dizer: "Se o Senhor é Deus, adoremo-lo; mas se é a lei adoremo-là".
Visto que a lei moral simplesmente reflete Deus, ela não é coisa fabricada. Os homens descobrem leis, mas não as fabricam, assim como o químico não fabrica as leis pelas quais se combinam os elementos. É o exemplo de solidificação do hidrogênio em Genebra. A utilidade não constitui a lei, apesar de que testamos a lei através da sua utilidade; ver Murphy, Scientific Bases of Faith, 53-71. A verdadeira natureza da lei moral se estabelece na descrição nobre, embora retórica de Hooker (Eccl. PoL, 1.194) - "Não pode haver nada menos reconhecido da lei que a sua sede no coração de Deus; a sua voz é a harmonia do mundo; todas as coisas no céu e na terra tributam-lhe homenagens desde as menores como o sentimento do seu cuidado e até as maiores como a não isenção do seu poder; tanto os anjos como os homens e as criaturas por maior que seja a sua condição, embora cada um de um tipo e hábito diferentes, contudo, todos num consenso uniforme admiram-na como a mãe da sua paz e regozijo".
Curtis, Primitive Semitic Reiigions, 66,101 - "O oriental crê que Deus faz a justiça por edito. Saladino demonstrou a Henrique de Champanha a lealdade dos seus Assassinos mandando dois deles lançarem-se de uma elevada torre para baixo com morte certa e violenta". H. B. Smith, System, 192 - "Vontade implica personalidade e personalidade acrescenta à verdade e ao dever abstratos o elemento autoridade. Por isso a lei tem a mesma força que uma pessoa e bem acima de uma idéia". A lei humana somente proíbe as ofensas que constituem uma lacuna na ordem pública ou no direito privado. A lei de Deus proíbe tudo que é ofensa contra a ordem divina, isto é, tudo o que contraria a Deus. A lei toda deve ser resumida nas palavras: "Sê semelhante a Deus". Salter, First Step in Phiiosophy, 101-126 - "A realização da natureza de cada ser é o fim pelo qual se deve empenhar. A auto-realização é um fim ideal, não de um ser, mas de todo ser, com a devida consideração ao valor de cada um na sua própria escala de merecimento. O irracional pode ser sacrificado em benefício do homem. Todos os homens são sagrados como capazes de progresso ilimitado. Temos o dever de realizar as coisas de que a nossa natureza é capaz até onde elas são mutuamente consistentes e encaminham- se para formar um todo". Isto significa que o homem cumpre a lei somente quando realiza a idéia divina em seu caráter e vida; em outras palavras, quando se torna uma imagem finita das perfeições infinitas de Deus.
Bixby, Crisis in Morais, 191, 201, 285, 286 - "A moralidade está arraigada na natureza das coisas. Existe um universo. Todos somos parte de um organismo infinito. O homem está inseparavelmente ligado ao homem [e a Deus]. Todos os direitos e deveres surgem desta vida comum. Na solidariedade da vida social encontra-se a base da lei de Kant: Portanto, a vontade que é a

Teologia Sistemática
123
máxima da tua conduta pode aplicar-se a todos. O planeta não pode voar com segurança independente do sol e a mão não pode com segurança separar-se do coração. É da fundamental unidade da vida que fluem os nossos deveres.
... O infinito organismo do mundo é o corpo e a manifestação de Deus. Quando reconhecemos a solidariedade do nosso ser vital com a vida e concretização divinas, começamos a ver no cerne do mistério a inquestionável autoridade e suprema sanção do dever. Nossas intuições morais são apenas as leis imutáveis do universo que emergiram para o consciente no coração humano.
... Os princípios inerentes da Razão universal refletem-se no espelho da natureza moral. A consciência iluminada é a expressão na alma humana da Consciência divina ... A moralidade é a vitória da vida divina dentro de nós. ...
A solidariedade da nossa vida para com a Vida universal proporciona um incondicional elemento sagrado e uma autoridade transcendental. ... O microcosmo deve pôr-se em relação com o Macrocosmo. O homem deve assemelhar o seu espírito à Essência do mundo e unir-se a ela".
A lei de Deus, então, é simplesmente uma expressão da natureza dele na forma de requisito moral e expressão necessária de tal natureza em vista da existência de seres morais (Sl. 19.7; cf. 1). Todos os homens dão testemunho da existência desta lei. Até mesmo a consciência do pagão dá testemunho dela (Rm. 2.14,15). Os que têm a lei escrita reconhecem esta lei elementar como de grande âmbito e penetração (Rm. 7.14; 8.4). A perfeita concretização e cumprimento da lei só se vê em Cristo (Rm. 10.4; Fp. 3.8,9).
Sl. 19.7 - "A lei do Senhor é perfeita e refrigera a alma"; cf. v. 1 - "Os céus declaram a glória de Deus" = duas revelações de Deus - uma na natureza, outra na lei moral. Rm. 2.14,15 - "Porque, quando os gentios, que não têm lei fazem naturalmente as coisas que são da lei, não tendo eles lei, para si mesmos são lei, os quais mostram a obra da lei escrita no seu coração, testificando juntamente a sua consciência e os seus pensamentos, quer acusando-os, quer defendendo-os" - aqui a "obra da lei" = não aos dez mandamentos, pois isso os gentios ignoravam, mas a obra correspondente a eles, i.e. a substância deles. Rm. 7.14- "porque bem sabemos que a lei é espiritual" - Meyer diz que isto eqüivale a dizer: "sua essência divina é de natureza semelhante ao Espírito Santo, que a deu, auto-revelação santa de Deus". Rm. 8.4 - "Para que a justiça da lei se cumprisse em nós que não andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito"; 10.4 - "Porque o fim da lei é Cristo para justiça de todo aquele que crê"; Fp. 3.8,9 - "Para que eu possa ganhar a Cristo e seja achado nele, não tenho a minha justiça que vem da lei, mas a que vem pela fé em Cristo, a saber, a justiça que vem de Deus, pela fé"; Hb. 10.9 - "Eis que venho para fazer, ó Deus, a tua vontade". Em Cristo "a lei aparece traçada em caracteres vivos". Tal como ele foi e é, sentimos que devemos ser. Por isso o caráter de Cristo nos convence do pecado, como em nenhuma manifestação de Deus.
Fleming, Vocab. Philos., 286 - "As leis morais derivaram da natureza e da vontade de Deus e do caráter e condição do homem". A natureza de Deus se

124
Augustus Hopkins Strong
reflete nas leis da nossa natureza. Porque a lei está inserida na natureza do homem, este é uma lei em si mesmo. Para conformar-se com a sua própria natureza, em que a consciência tem supremacia, deve conformar-se com a natureza de Deus. A lei é apenas a revelação dos princípios constitutivos do ser, a declaração do que deve ser, até onde o homem é homem e Deus é Deus. Ela diz com efeito: "Seja semelhante a Deus, ou você não pode ser verdadeiramente um homem". Assim a lei moral não é simplesmente um teste de obediência, mas é também uma revelação da realidade eterna. O homem não pode perder-se para Deus, sem se perder para si mesmo. "A expressão 'mãos do Deus vivo' (Hb. 10.31) na qual nós caímos, são as leis da natureza".
No mundo espiritual que "as mesmas rodas revolvem, não há somente ferro" (Drummond, Nat. Lawin the Esp. World, 27), Wuttke, Christian Ethics, 2.82-92
"A totalidade dos seres criados deve estar em harmonia com Deus e consigo mesma. A idéia desta harmonia ativa em Deus sob a forma de vontade, é a lei de Deus". Um manuscrito da constituição dos Estados Unidos foi escrito de tal modo que, quando se mantinha a uma pequena distância, a sombra das letras e a sua posição mostrava o rosto de George Washinton. Assim a lei de Deus é apenas o rosto de Deus descoberto à vista humana.
R. W. Emerson, Woodnotes, 57 - "A lei consciente é o Rei dos reis". Há dois séculos John Norton escreveu um livro intitulado O Evangelista Ortodoxo, "destinado à geração e ao estabelecimento da fé que há em Cristo Jesus", na qual encontramos o seguinte: "Deus não quer as coisas porque são justas, mas as coisas são justas porque Deus as quer. Que homem em sua razão apenas admitirá que a lei moral não tem nenhuma conexão com Deus? Que as ações do homem que não se conformam com esta lei seriam pecado, que a morte seria o castigo do pecado, estas são as constituições de Deus, procedentes dele não por via da necessidade da natureza, mas de um modo livre, como efeito e produto do seu eterno bel-prazer". Isto faz de Deus um déspota arbitrário. Não devemos dizer que Deus fabrica a lei, nem, por outro lado, que está sujeito à lei, mas que Deus é lei e a fonte da lei.
Bowne, Philos. of Theism, 161 - "A lei de Deus é orgânica - embutida na constituição dos homens e das coisas. A Carta Magna, contudo, não fabrica o canal.... Uma lei da natureza nunca é o antecedente, mas a conseqüência da realidade. Que direito tem esta conseqüência da realidade de ser personalizada e tornar-se a regra e fonte da realidade? A lei é tão somente o modo fixo em que a realidade opera. Por isso a lei nada pode explicar. Só Deus, de quem emana a realidade, pode explicá-la". Em outras palavras, a lei nunca é um agente, mas sempre um método - o método de Deus, ou melhor, o de Cristo o único Revelador de Deus. A vida de Cristo na carne é a mais clara manifestação daquele que é o princípio da lei no universo físico e moral. Cristo é a expressão da razão de Deus. Foi ele que deu a lei no Monte Sinai do mesmo modo que no Sermão do Monte.
Cada uma das duas características da lei de Cristo mencionadas é importante em suas implicações. Trataremos delas em sua ordem.
Em primeiro lugar, a lei de Deus como transcrição da natureza divina. - Se esta for a natureza da lei, então, excluem-se dela algumas falsas concepções.

Teologia Sistemática
125
A lei de Deus não é
Arbitrária, ou produto de vontade arbitrária. Porque a vontade da qual a lei brota é uma revelação da natureza de Deus, não pode haver nenhuma temeridade ou falta de sabedoria na lei em si.
E. G. Robinson, Christian Theoi, 193 - "Nenhuma lei de Deus jamais parece ter sido estabelecida arbitrariamente ou simplesmente com vistas a certos fins a serem cumpridos; ela sempre representa alguma realidade da vida inexoravelmente necessária para que os governados a observem cuidadosamente". A teoria de que a lei tem origem na vontade arbitrária resulta em um tipo efeminado de piedade, exatamente como a teoria de que a legislação tem como único fim a maior felicidade resulta em todo o tipo de compromisso de justiça. Jones, Robert Browning, 43 - "Aquele que ilude o seu próximo crê na tortuosidade e, como diz Carlyie, tem como bem supremo a charlatanice".
Temporária ou ordenada simplesmente para ir ao encontro de uma exigência. A lei é uma manifestação não de modos ou desejos temporários, mas da natureza essencial de Deus.
A grande fala da Antígone de Sófocles dá-nos esta concepção de lei:
"As ordens dos deuses não são escritas, mas garantidas. Nenhuma delas é de hoje ou de ontem, mas viverão para sempre". Moisés pôde quebrar as duas tábuas de pedra nas quais estava gravada a lei e Jeoaquim pôde cortar o rolo e lançá-lo ao fogo (Ex. 32.19; Jr. 36.23), mas a lei permaneceu eterna como antes na natureza de Deus e na constituição do homem. Prof. Walter Rauschenbusch: "As leis morais são tão estáveis como a lei da gravitação. Todo o frangote humano empenado, que vem de quebrar a casca neste mundo tenta zombar dessas leis. Nesse processo alguns se tornam mais sábios e alguns não. Falamos sobre a quebra das leis de Deus. Mas depois que se quebraram essas leis muitos bilhões de vezes desde que Adão, pela primeira vez tentou brincar com elas, estão ainda intactas e nenhuma cicatriz ou fratura se viu nelas, nem mesmo uma arranhadura no esmalte. Mas quanto aos que quebram a lei - a história é outra. Se você quiser encontrar os seus fragmentos vá às ruínas do Egito, da Babilônia, de Jerusalém; estude as estatísticas; leia os rostos; conserve abertos os olhos; visite a Ilha de Blackwell; ande pelos necrotérios e leia as invisíveis inscrições deixadas pelo Anjo do Juízo, por exemplo: 'Aqui jazem os fragmentos de John Smith, que contradisse o Criador, fez dos Dez Mandamentos uma partida de futebol e partiu desta vida aos trinta e cinco. Sua mãe e esposa choraram por ele. Ninguém mais. Que ele repouse em paz!'"
Simplesmente negativa, ou simples lei de proibição, porque a conformidade positiva com Deus é o mais íntimo requisito da lei.
A forma negativa dos mandamentos no Decálogo dá como certa a inclinação má no coração do homem e praticamente opõe-se à sua gratificação.

126
Augustus Hopkins Strong
No caso de cada mandamento leva-se em conta um domínio total da vida moral, embora o ato expressamente proibido seja o ápice do mal num desses campos. Assim se faz inteligível o Decálogo; atravessa a vereda do homem exatamente no lugar onde ele se sente mais propenso a vagar. Porém atrás da expressão negativa e específica em cada caso encontra-se a massa toda dos requisitos morais; o fino vértice da cunha tem atrás de si a demanda positiva da santidade, sem cuja obediência não se pode obedecer até a proibição. Assim "a lei é espiritual" (Rm. 7.14) e requer semelhança com o Deus espiritual no caráter e na vida; Jo. 4.24 - "Deus é espírito e importa que os que o adoram o adorem em espírito e em verdade".
Parcial, ou dirigida somente a uma parte do ser humano, porque a semelhança com Deus requer pureza de substância na alma e no corpo do homem assim como a pureza em todos os pensamentos e atos que procedem dela. Como a lei procede da natureza de Deus, assim requer conformidade com tal natureza na do homem.
O que quer que Deus tenha dado ao homem no princípio, ele requer com interesse; cf. Mt. 25.27 - "Devias, então, ter dado o meu dinheiro aos banqueiros e, quando eu viesse, receberia o que é meu com juros". O que quer que seja insuficiente na perfeita pureza da alma, ou perfeita saúde física é uma inconformidade com Deus e contradiz a sua lei. Entende-se que só se exige a perfeição correspondente ao estágio de crescimento e progresso da criatura, de sorte que se requer da criança só a perfeição de criança, do jovem só a perfeição de jovem, do homem a perfeição de homem.
Exteriormente disseminada, porque toda a determinação é apenas a imperfeita expressão desta lei do ser, a qual é subjacente e não escrita.
Boa parte do falso entendimento da lei de Deus resulta do fato de confundi-la com a determinação publicada. Paulo amplia o ponto de vista declarando que a lei independe de tal expressão; ver Rm. 2.14,15 - "Porque, quando os gentios, que não têm lei, fazem naturalmente as coisas que são da lei, não tendo eles lei, para si mesmos são lei, os quais mostram a obra da lei escrita no seu coração, testificando juntamente sua consciência e os seus pensamentos, quer acusando-os, quer defendendo-os"; ver Expositor's Greek Testament, in loco: '"escrita no coração', em contraste com a lei escrita nas tábuas de pedra, eqüivale a 'não escrita'; o apóstolo se refere ao que os gregos chamavam áypacpoç vójioç".
Interiormente consciente, ou limitada em seu escopo pela consciência dela. Como as leis do nosso ser físico, a lei moral existe quer reconheçamos, quer não.

Teologia Sistemática
127
A gula tem como punição da dispepsia, quer estejamos conscientes da nossa falta, quer não. Não podemos por ignorância ou decididamente repelir as leis do nosso sistema físico. A vontade própria não garante a independência assim como as estrelas, por combinação não podem abolir a gravitação.
O homem não pode abrir mão do domínio de Deus, negando a sua existência, ou recusando submeter-se a ele. Sl. 2.1-4- "Por que se amotinam as nações ... contra o Senhor ... dizendo: Rompamos as suas ataduras ... Aquele que habita nos céus se rirá". Salter, First Step in Philosophy, 94 - "O fato de que alguém não está consciente da obrigação não afeta a sua realidade mais do que a ignorância do que está no centro da terra afeta a natureza do que realmente se descobre lá. Descobrimos a obrigação e não a criamos pensando nela, do mesmo modo que também não criamos o mundo sensível pensando nele".
Local ou confinado a um lugar, porque nenhuma criatura moral pode escapar de Deus, do seu próprio ser, ou da necessidade natural de que a semelhança de Deus envolva miséria e ruína.
"O leilão holandês" era a oferta pública da propriedade a um preço superior ao seu valor seguido da sua diminuição até que alguém o aceitasse como sua. Não existe essa exceção local à plena validade das exigências de Deus.
A lei moral tem oscilação ainda mais necessária e universal do que a da gravitação no universo físico. Está inserida na constituição do homem e de todo ser moral. Aquele que ofendesse o imperador romano achava que o império todo era uma prisão.
Mutável, ou capaz de modificação. Porque a lei representa a natureza imutável de Deus, não é uma escala vacilante de requisitos que se adaptam à capacidade dos súditos. O próprio Deus não pode mudá-la sem deixar de ser Deus.
A lei, então, tem um fundamento ainda mais profundo do que o simples "assim diz o Senhor". A palavra de Deus e a sua vontade são revelações do seu mais íntimo ser; cada transgressão da lei é uma punhalada no coração de Deus. Simon, Reconciliation, 141,142 - "Deus continua a demandar lealdade até mesmo quando o homem se mostrou desleal. O pecado muda o homem e a mudança deste envolve também uma mudança em Deus. O homem agora considera Deus como um governante e exator e este considera o homem um delinqüente e rebelde". A exigência de Deus não diminui porque o homem é incapaz de ir ao encontro dela. A própria incapacidade é a inconformidade com a lei e não é desculpa para o pecado; ver o sermão do Dr. Bushnell sobre o "Imenso Dever da Capacidade". O homem que tinha a mão ressequida não teria sido justificado se se recusasse a estendê-la ao mando de Jesus (Mt. 12.10-13).

128
Augustus Hopkins Strong
A obrigação de obedecer a esta lei e estar de conformidade com o perfeito caráter moral de Deus baseia-se na capacidade original do homem e nos dons que Deus lhe concedeu no princípio. Criado à imagem de Deus, é dever do homem tributar-lhe o que primeiro ele lhe deu, aumentado e melhorado pelo desenvolvimento e pela cultura (Lc. 19.23 - "Porque não puseste, pois, o meu dinheiro no banco, para que eu, vindo, o exigisse com os juros"?). Esta obrigação não diminui com o pecado e com o abatimento das forças do homem. Rebaixar o padrão seria interpretar falsamente a pessoa de Deus. Adolphe Monod não se salvaria da vergonha e do remorso diminuindo as reivindicações da lei: "Salve em primeiro lugar a santa lei de Deus, diz ele, "depois você me salvará!"
Mesmo a salvação não ocorre através da violação da lei. A lei moral é imutável por ser uma transcrição da natureza do Deus imutável. É a natureza se conformará comigo, ou eu me conformarei com ela? Se eu tentar resistir mesmo às leis físicas, serei esmagado. Posso valer-me da natureza obedecendo às suas leis. Lord Bacon: "Natura non nisi parendo vincitur" (Não se vence a natureza a não ser pela sujeição). O mesmo ocorre no reino moral. É impossível subornar Deus, ou escapar à sua lei. Deus não mudará um fio de cabelo a sua lei, e nem pode, mesmo para salvar um universo de pecadores. Omar Kháyyám, Rubáiyat, pede ao seu deus que "oculte a lei dos meus desejos". Marie Corelli diz com propriedade: "É como se um mosquito procurasse edificar uma catedral e alterar as leis da arquitetura a fim de adequá-las à sua capacidade de mosquito".
Em segundo lugar, a lei de Deus como um ideal da natureza humana. - Uma lei assim idêntica às relações eternas e necessárias da criatura com o Criador e demandando da criatura nada menos que a santidade perfeita como condição para a harmonia com a santidade infinita de Deus adapta-se à natureza finita do homem como lei necessária; e à natureza progressiva do homem como lei ideal necessária.
Porque é finito o homem necessita de leis, exatamente como o comboio ferroviário necessita de trilhos para guiá-lo - saltá-los não é encontrar liberdade, mas ruína. Presidente de Estrada de Ferro: "Nossas regras são escritas com sangue". Goethe: "Em vão os espíritos totalmente livres aspirarão aos píncaros da perfeição; dentro dos limites o Mestre brilha E só a lei nos dá liberdade". - Como ser livre, o homem tem necessidade de lei moral. Ele não é autômato, criatura em função da necessidade, governada só por influências físicas. Consciente de comandar o que é justo e a vontade de escolhê-lo ou rejeitá-lo, sua verdadeira dignidade e vocação consistem em realizar o que é correto. - O homem, como um ser progressista, necessita nada menos que um ideal e um padrão infinito de realização e um alvo que ele nunca pode ultrapassar, um fim que sempre atrai o estimula a avançar. Isto ele encontra na santidade de Deus.
A lei é uma cerca, não só para se possuir, mas para cuidar-se. Deus não só exige, mas protege. A lei é uma transcrição do amor bem como da santidade. Podemos inverter o bem conhecido dístico e dizer: "Dormi e sonhei que a vida é um Dever; acordei e acho a vida uma Beleza". "Cui servire regnare est"

Teologia Sistemática
129
(Deve-se servir a quem reina). Butcher, Aspects of Greek Genius, 56 - "No Cri- to, Platão, as leis são feitas para apresentarem-se pessoalmente ao prisioneiro Sócrates, não só como guardiãs da liberdade, mas como amigos para a vida toda, os seus queridos, seus semelhantes, com quem a sua livre vontade entra em contato". Não é prejudicial ao erudito ter diante de si o ideal de erudição perfeita; nem ao mestre ter a escola perfeita; nem ao legislador ter o ideal de lei perfeita. Gordon, Christ Today, 134 - "O alvo moral deve ser o de um vôo; deve sempre aparecer o padrão segundo o qual devemos crescer; o tipo com o qual devemos nos conformar deve ter em si a plenitude inexau- rível".
John Caird, Fund. Ideas of Chrístianity, 2.119 - "Justamente as melhores, as mais puras, as mais nobres almas humanas é que estão menos satisfeitas consigo mesmas e com as suas realizações espirituais; e a razão é que a natureza humana não é essencialmente diferente da divina, mas é uma natureza que, exatamente por ter afinidade essencial com Deus não se satisfaz com nada menos que a perfeição divina". J. M. Whiton, Divine Satisfaction:
"A lei requer o ser, o caráter, a semelhança com Deus. É automática e auto- operante. A penalidade é intransferível. Ela não pode admitir outra satisfação que não seja o restabelecimento da relação normal requerida. A punição proclama que a lei não foi satisfeita. Não há nenhum cancelamento da maldição a não ser através do desenvolvimento da relação normal. A bênção e a maldição são conseqüências do que nós somos, não do que éramos. A reparação está dentro do próprio espírito. A expiação é educativa, não governamental". Retrucamos que a expiação é tanto governamental como educativa e que se deve fazer a reparação relativa à santidade de Deus antes que a consciência, espelho da santidade de Deus, reflita a mencionada reparação e haja paz.
Portanto, a lei de Deus caracteriza-se por:
Abrangência total - Ela está acima de nós em todos os tempos; diz respeito ao nosso passado, ao nosso presente e ao nosso futuro. Proíbe qualquer concepção de pecado; requer qualquer concepção de virtude; ela conde- r.a as omissões e as comissões.
Sl. 119.96 - "A toda perfeição vi limite ... o teu mandamento é amplíssimo"; Rm. 3.23 - "todos pecaram e carecem da glória de Deus"; Tg. 4.17 - "Aquele, pois, que sabe fazer o bem e não o faz comete pecado". A gravitação sustenta, a menor partícula assim como o mundo. A lei de Deus detecta e denuncia o menor pecado de sorte que sem a expiação não pode ser perdoado. Pode-se suspender ou ab-rogar a lei da gravitação, pois não tem base necessária no ser divino; mas não se pode suspender ou ab-rogar a lei moral divina, pois isso contraditaria a santidade de Deus. "Acerca do direito'' não é "todo o direito". "As gigantescas colunas hexagonais de basalto na Estafa Escocesa identificam-se na forma com os microscópicos cristais do mesmo mineral". Do mesmo modo Deus é o nosso padrão, e a bondade é o elemento de semelhança a ele.

130
Augustus Hopkins Strong
Espiritualidade - Demanda não somente palavras e atos justos, mas disposições e estados também justos. A obediência perfeita requer não só o intenso e incansável reino do amor para com Deus e o homem, mas a conformidade de toda a natureza interna e externa do homem com a santidade de Deus.
Mt. 5.22,28 - a palavra de ira é homicídio; o olhar pecaminoso é adultério.
Mc. 12.30,31 - "amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e de toda a tua força. ... Amarás o teu próximo como a ti mesmo"; 2 Co. 10.5 - "levando cativo todo entendimento à obediência de Cristo"; Ef. 5.1 - "Sede, pois, imitadores de Deus, como filhos amados"; 1 Pe. 1.16 - "Sede santos porque eu sou santo". Como a mais brilhante luz elétrica, vista através de um vidro enfumaçado contra o sol, aparece como mancha preta, assim o mais brilhante caráter não regenerado é tenebroso, comparado com a santidade de Deus. Matheson, Moments on the Mount, 235 assinala sobre Gl. 6.4 - "cada um prove a sua própria obra e terá glória em si mesmo e não noutro" - Tenho uma velazinha e comparo-a com o pavio de meu irmão e saio feliz. Por que não compará-la com o sol? Aí é que acaba o meu orgulho e falta de caridade". A distância para com o sol a partir do topo de um torrão levado por uma formiga e a do Monte Evereste é quase a mesma. A princesa africana louvada pela sua beleza não tinha meios de verificar as saudações tributadas a ela a não ser olhando na superfície vítrea da lagoa. Mas o comerciante veio e vendeu-lhe um espelho. Então ela ficou tão chocada com a sua própria feiúra que quebrou o espelho em pedaços. Assim olhamos para o espelho da lei de Deus, comparamo-nos com Cristo, que se reflete nela e odiamos o espelho que nos revela a nós mesmos (Tg. 1.23,24).
Solidariedade - Apresenta em todas as suas partes a natureza do único Legislador, e expressa, na mínima determinação, o único requisito da harmonia com ele.
Mt. 5.48 - "Sede vós, pois, perfeitos, como é perfeito vosso Pai, que está nos céus"; Mc. 12.29,30 - "O Senhor, nosso Deus, é o único Senhor; amarás o Senhor, teu Deus"; Tg. 2.10 - "Porque qualquer que guardar toda a lei e tropeçar em um só ponto tornou-se culpado de todos"; 4.12 - "Há um só legislador e juiz". Até mesmo as pequenas cascavéis são serpentes. Basta que um elo da corrente se quebre para que o balde caia no poço. O pecado, por menor que seja, nos separa de Deus. O pecado, por menor que seja, nos torna culpados de toda a lei porque nos mostra a falta do amor que os mandamentos requerem. Aqueles que nos remetem ao Sermão do Monte para a salvação mandam-nos para um tribunal que nos condena. O Sermão do Monte é apenas uma reedição da lei entregue no Monte Sinai, mas, desta vez, mais espiritual e penetrante. Os trovões e relâmpagos procedem do Novo Testamento, do mesmo modo que o monte no Velho Testamento. O Sermão

Teologia Sistemática
131
do Monte é apenas o discurso introdutório do curso teológico de Jesus, do mesmo modo que João 14-17 é o seu fecho. Nele se anuncia a lei, que prepara o caminho para o evangelho. Os que degradam a doutrina exaltando o preceito acharão que eles deixaram os homens sem o motivo ou a força para guardar o preceito.
Só para o primeiro homem, então, a lei foi proposta como um método de salvação. Com o primeiro pecado, toda a esperança de obter o favor divino através da obediência se perdeu. Para os pecadores a lei continua como um meio de descobrir e desenvolver o pecado em sua verdadeira natureza e de compelir a que se recorra à misericórdia providenciada em Jesus Cristo.
2 Cr. 34.19 - "sucedeu, pois, que, ouvindo o rei as palavras da Lei, rasgou as suas vestes"; Jó 42.5,6 - "Com o ouvir dos meus ouvidos ouvi, mas agora te vêem os meus olhos; Por isso me abomino e me arrependo no pó e na cinza". A revelação de Deus em Is. 6.3,5 - "Santo, santo, santo é o Senhor dos exércitos" faz o profeta clamar como o leproso: "Ai de mim que vou perecendo! Porque sou um homem de lábios impuros". Rm. 3.20 - "nenhuma carne será justificada diante dele pelas obras da lei, porque pela lei vem o conhecimento do pecado"; 5.20 - "Veio, porém a lei para que a ofensa abundasse"; 7.7,8 - "Eu não conheci o pecado senão pela lei, porque eu não conheceria a concupiscência se a lei não dissesse: Não cobiçarás. Mas o pecado, tomando ocasião pelo mandamento, despertou em mim toda a concupiscência: porquanto, sem a lei, estava morto o pecado"; Gl. 3.24 - "De maneira que a lei nos serviu de aio", ou escravo-assistente, "para nos conduzir a Cristo, para que, pela fé fôssemos justificados" = a lei treina a nossa obstinada infância e nos conduz a Cristo, o Mestre, como nos antigos tempos o escravo acompanhava as crianças para a escola. Stevens, Pauline Theology, 177,178 - "A lei aumenta o pecado aumentando o conhecimento deste e a sua atividade. A lei não acrescenta à energia inerente do princípio pecaminoso que permeia a natureza humana, mas faz este princípio revelar- se mais energicamente no ato pecaminoso". A lei inspira temor, mas não conduz ao amor. Os rabinos diziam que, se Israel se arrependesse ainda que por um dia, o Messias apareceria.
Nenhum ser humano jamais traçou uma linha reta ou uma curva perfeita; contudo, seria um pobre arquiteto quem se contentasse com menos que isso. Visto que os homens nunca sobem até os seus ideais, aquele que tem por alvo viver apenas uma vida moral média inevitavelmente cairá para baixo da média. Então a lei conduz a Cristo. Aquele que é o ideal é também o meio para atingir esse ideal. Aquele que é o Verbo e a Lei é também o Espírito de vida que nos toma possível a obediência (Jo. 14.6 - "Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida"; Rm. 8.2 - "Porque a lei do Espírito de vida, em Cristo Jesus, me livrou da lei do pecado e da morte"). Mrs. Browning, Aurora Leigh:
"O próprio Cristo não teria sido Legislador, se, juntamente com a Lei não tivesse dado a Vida". Cristo por nós na Cruz e Cristo em nós através do seu Espírito é o único livramento da maldição da lei; Gl. 3.13-"Cristo nos resgatou

132
Augustus Hopkins Strong
da maldição da lei, fazendo-se maldição por nós". Devemos ver satisfeitas as reivindicações da lei escrita em nossos corações. Somos "reconciliados com Deus pela morte de seu Filho", mas também somos "salvos pela sua vida" (Rm. 5.10).
Robert Browning, The fíing and Book, representa Caponsacchi comparando-se na melhor das hipóteses com o novo ideal de "perfeito como perfeito é o Pai celestial", o que é sugerido pela pureza de Pompília e irrompendo com o clamor: "Ó grande, justo, bondoso Deusl Tem misericórdia de mim"! Na Casa do Intérprete do Peregrino, no sujo compartimento, a Lei só agita o pó; o evangelho teve de espargir água no solo antes de limpá-lo. E. G. Robinson:
"É necessário desenfumaçar o homem antes de fazer com que ele tenha um motivo mais elevado ". Barnabé dizia que Cristo é a resposta para o enigma da lei. Rm. 10.4 - "Porque o fim da lei é Cristo para a justiça de todo aquele que crê". O caminho da estrada de ferro oposto a Detroit sobre o Rio Santa Clara corre ao lado da doca e causa a impressão de querer mergulhar o trem no abismo. Mas quando o ferry-boat chega, os carris parecem estar sobre o seu convés e o barco é o fim da trajetória que leva os passageiros a Detroit. Assim a lei, que por si mesma só traria destruição, encontra seu fim em Cristo, que garante a nossa passagem para a cidade celestial.
A lei, portanto, com seu quadro de imaculada inocência, simplesmente lembra ao homem as alturas de onde ele caiu. "É o espelho que revela a desordem, mas não cria nem a remove". Com sua demanda de absoluta perfeição até à medida dos dotes e possibilidades do homem original, conduz, no nosso próprio desespero, a Cristo como a única justiça e como o nosso Salvador (Rm. 8.3,4 - "Porquanto, o que era impossível à lei, visto que estava enferma pela carne, Deus, enviando seu Filho em semelhança da carne do pecado, condenou o pecado na carne, para que a justiça da lei se cumprisse em nós, que não andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito";
Fp. 3.8,9 - "para que eu possa ganhar a Cristo e seja achado nele, não tendo a minha justiça que vem da lei, mas a que vem pela fé em Cristo, a saber, a justiça que vem de Deus, pela fé"). Portanto, a lei deve preparar o caminho para a graça e João Batista deve preceder a Cristo.
Quando se pediu a Sarah Bernhardt que acrescentasse um décimo primeiro mandamento, ela declinou baseada em que dez já eram demais.
Era uma expressão de desprezo pagão pela lei. No paganismo, 0 pecado e a insensibilidade pelo mesmo pecado crescem juntos. No judaísmo e no cristianismo, ao contrário, há um crescente senso de culpa e condenação pelo pecado. McLaren, S. S. Times, 23 de setembro de 1893.600 - "Entre os judeus há um mais profundo senso de pecado que em qualquer outra nação antiga. A lei escrita no coração do homem evoca uma consciência inferior do pecado e, nas tábuas assírias e babilônicas, há orações que podem quase pôr-se ao lado do Salmo 51. Mas, em seu todo, o profundo senso de pecado é produto da lei revelada".
2. Determinação positiva, ou a expressão da vontade de Deus nas ordenanças publicadas. Esta é dúplice:

Teologia Sistemática
133
Preceitos morais gerais. - Estes são sumários escritos da lei elementar (Mt. 5.48; 22.37-40), ou suas aplicações autorizadas às condições humanas especiais (Ex. 20.1-17; Mt. caps. 5-8).
Mt. 5.48 - "Sede vós, pois, perfeitos, como é perfeito vosso Pai, que está nos céus"; 22.37-40 - "Amarás o Senhor teu Deus ... Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem a lei e os profetas";
Ex. 20.1-17 - os Dez Mandamentos; Mt. 5-8 - Sermão do Monte. Cf. Agostinho, sobre o Sl. 57.1.
Solly, On the Will, 162, apresenta duas ilustrações sobre o fato de que os preceitos positivos são meras aplicações da lei elementar ou da lei da natureza: " 'Não furtarás', é uma lei moral que pode ser estatuída assim: Não tomes para tua propriedade aquilo que é propriedade de um outro. O oposto desta proposição seria: Tu podes tomar para tua propriedade o que é propriedade de um outro. Mas isto é uma contradição de termos; porque é a própria concepção de propriedade, que o possuidor está numa relação peculiar com a sua matéria; e o que é a propriedade de cada pessoa, não é propriedade de ninguém. Por isso o elemento contraditório do mandamento contém um elemento negativo que o torna uma regra universal; e estabelece-se o mandamento em si como um dos princípios da harmonia das vontades individuais. " 'Não mentirás', como regra de moral, pode expressar-se genericamente: com os teus atos exteriores não farás os outros crerem que o teu pensamento é diferente do que ele é. A contradição universal é: cada um pode por seus atos externos fazer os outros crerem que o seu pensamento não é esse. Ora, essa máxima também contém uma contradição, e é auto-destrutiva. Contém uma permissão de fazer aquilo que se torna impossível pela própria permissão.
A indiferença absoluta e universal à verdade, ou a total independência mútua do pensamento e do símbolo faz o símbolo deixar de ser um símbolo e o conteúdo do pensamento por esse processo, uma impossibilidade".
Kant, Metaphysics of Ethics, 48,90 - "Lei fundamental da razão: Age de tal modo que as tuas máximas sobre a vontade se tornem leis num sistema de legislação moral universal". Isto é um imperativo categórico de Kant. Contudo, ele o expressa de outra forma: Age a partir de máximas próprias que sejam consideradas como leis universais da natureza".
Ordens cerimoniais ou especiais. - São ilustrações da lei elementar, ou suas revelações aproximadas adequadas aos graus inferiores de capacidade e aos antigos estágios de treinamento espiritual (Ez. 20.25; Mt. 19.8; Mc. 10.5). Apesar de temporárias só Deus pode dizer quando deixam de comprometer- nos em sua forma exterior.
Todas as determinações positivas, portanto, quer morais, quer cerimoniais, são republicações da lei elementar. Suas formas podem mudar, mas a substância é eterna. Alguns modos de expressão, como o sistema mosaico, podem ser abolidos, mas as exigências essenciais são imutáveis (Mt. 5.17,18; cf. Ef. 2.15). Da imperfeição da linguagem humana, nenhuma determinação é capaz de

134
Augustus Hopkins Strong
expressar em si todo o conteúdo e sentido da lei elementar. "O propósito da revelação não é revelar todos os nossos deveres". A Escritura não é um código completo de regras para a ação prática, mas um enunciado de princípios, com preceitos ocasionais que servem de ilustração. Por isso devemos suplementar a determinação positiva pela lei do ser - a moral ideal encontrada na natureza de Deus.
Ez. 20.25 - "Pelo que também lhes dei estatutos que não eram bons e juízos pelos quais não haviam de viver"; Mt. 19.8 - "Moisés, por causa da dureza do vosso coração, vos permitiu repudiar vossa mulher"; Mc. 10.5 - "Pela dureza do vosso coração vos deixou ele escrito este mandamento";
Mt. 5.17,18 - "Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas; não vim ab-rogar, mas cumprir. Porque na verdade vos digo que, até que o céu e a terra passem, nem um jota ou um til se omitirá da lei sem que tudo seja cumprido"; cf. Ef. 2.15 - "na sua carne desfez a inimizade, isto é, a lei dos mandamentos, que consistia em ordenanças"; Hb. 8.7 - "se aquele primeiro mandamento fora irrepreensível, nunca se teria buscado lugar para o segundo". Fisher, Nature and Method of Revelation, 90 - "Depois do surgimento do novo pacto, o tratamento do velho seria como um fardo desnecessário como as roupas de inverno na brisa suave do verão, ou como a tentativa de um adulto vestir roupas infantis".
Wendt, Teaching of Jesus, 2.5-35 "Jesus repudia para si e para os discípulos a sujeição absoluta à lei veterotestamentária do sábado (Mc. 2.27 sg); à lei veterotestamentária da contaminação exterior (Mc. 7.15); à lei do divórcio (Mc. 10.2 ss.). Ele 'cumpriria' a lei e os profetas através de uma apresentação prática completa da vontade revelada de Deus. Revelaria o seu sentido interior, não através de uma obediência literal e escravizante a cada exigência por menor que seja da lei mosaica, mas revelando em si mesmo a perfeita vida e obra para a qual elas tendem. Aperfeiçoaria as concepções do Velho Testamento a respeito de Deus - não as conservando intactas em sua forma literal, mas em seu espírito essencial. Cumpriria a lei e os profetas não por extensão quantitativa, mas por renovação qualitativa. Transformaria a expressão imperfeita do Velho Testamento em perfeição, não por adoração literal servil ou alegorizante, mas apegando-se à idéia divina".
A Escritura não é uma série de pormenorizadas injunções e proibições tais como os fariseus e os jesuítas estabeleciam. O Corão mostra sua imensurável inferioridade relativa à Bíblia, não se fixando no espírito, mas na letra, dando regras de conduta permanentes, definidas, e específicas em vez de deixar lugar para o crescimento do espírito livre para a educação da consciência. Isto não é verdade, quer na lei do Velho Testamento, quer na do Novo. Na novela The Farningdons, escrita por Miss Fowler, o senhor Herbert quer "que a Bíblia tenha sido escrita com base no princípio do temível livrinho chamado 'Não', que dá uma lista dos solecismos que devem ser evitados; ela entende que este é muito melhor do que o sistema presente". As palavras do Salvador a respeito de dar a quem pede e apresentar a outra face a quem bater em uma delas (Mt. 5.39-42) devem ser interpretadas através do princípio

Teologia Sistemática
135
de amor que é a base da lei. Dar esmola a cada mendigo e ceder ao saqueador não significa agradar o próximo "no que é bom para a edificação" (Rm. 15.2). Confundir a lei divina com a proibição da Escritura pode levar alguém a escrever como o que se acha na N. Amer. Rev., fevereiro, 1890.275 - "Pecado é a transgressão da lei divina; mas não há lei divina contra o suicídio; por isso o suicídio não é pecado".
A lei escrita era imperfeita porque, na época, Deus não podia dar outra superior destinada a um povo não esclarecido. "Mas dizer que o escopo e desígnio são moralmente imperfeitos contradiz o curso da história como um todo. Podemos perguntar qual é o padrão moral em que se desenrola este curso de educação". E encontraremos a resposta na vida e preceitos de Cristo. Mesmo a lei do arrependimento e fé não toma o lugar da velha lei do ser, mas aplica-se às condições do pecado. Sob a lei levítica, a proibição de tocar no osso seco (Nm. 19.16), do mesmo modo que as purificações e sacrifícios, as separações e penas do código mosaico, expressavam a santidade de Deus e a sua repulsa a tudo o que tivesse sabor de pecado ou de morte. As leis a respeito da lepra eram tanto simbólicas como sanitárias. Tal prudência e ordenanças da igreja não são exigências arbitrárias, mas explicitam às consciências embotadas influenciadas pelo senso comum, melhor do que as proposições abstratas poderiam ter feito, as verdades fundamentais do esquema cristão. Daí não serem elas ab-rogadas "até que ele venha" (1 Co. 11.26).
Os puritanos, contudo, reativando o código mosaico, cometeram o equívoco de confundir a lei eterna de Deus com a sua expressão parcial, temporária e obsoleta. Assim não devemos descansar nos preceitos exteriores sobre o cabelo das mulheres, os vestidos e a fala, mas encontrar o princípio subjacente da modéstia e da subordinação que tem validade universal e eterna.
A injunção de Paulo para que as mulheres estejam quietas na igreja (1 Co. 14.35; 1 Tm. 11,12) deve ser interpretada pela lei maior da igualdade e privilégio do evangelho (Cl. 3.11). A modéstia e a subordinação exigia uma separação do sexo feminino que não é mais obrigatória. O Cristianismo emancipou a mulher e restaurou-lhe a dignidade que lhe pertencia no princípio. "Na velha dispensação Míriam e Débora e Hulda eram reconhecidas como líderes do povo de Deus e Ana era notável profetisa nas cortes do templo na época da vinda de Cristo. Isabel e Maria proferiram cânticos de louvor para todas as gerações. Uma profecia de Jl 2.28 dizia que, na nova dispensação, as filhas do povo de Deus profetizariam, sob a direção do Espírito. O evangelista Filipe 'tinha quatro filhas donzelas, que profetizavam' (At. 21.9), e Paulo exortou às mulheres cristãs que cobrissem as suas cabeças quando oravam ou profetizavam em público (1 Co. 11.5), mas não tinha palavras contra a obra de tais mulheres. Ele trouxe Priscila consigo para Éfeso, onde ela ajudou a instruir Apoio no melhor poder de pregação (At. 18.26). Ele deu bom acolhimento e foi grato à obra das mulheres que trabalharam com ele no evangelho em Filipos (Fp. 4.3). Certamente é uma inferência do espírito e dos ensinos de Paulo que nos regozijemos com o eficiente trabalho e sadias palavras das mulheres cristãs hoje na Escola Dominical e campo missionário". A ordem "E aquele que ouve diga: Vem" (Ap. 22.17) destina-se também às mulheres.

136
Augustus Hopkins Strong
III. RELAÇÃO DA LEI COM A GRAÇA DE DEUS
No governo humano, enquanto a lei é uma expressão da vontade do poder governante e assim, da natureza contida atrás da vontade, de modo nenhum é uma expressão exaustiva daquela vontade e natureza porque consiste apenas nas ordenanças gerais e deixa lugar para os atos particulares de ordem através do executivo assim como para "a instituição da eqüidade, faculdade de castigo discricionário e prerrogativa de perdão".
Amos, Science of Law, 29-46, mostra como "a instituição da eqüidade, faculdade do castigo discricionário, e a prerrogativa do perdão" envolvem expressões da vontade acima e além do que um mero estatuto contém. Dicionário Century, sobre Eqüidade: "A lei inglesa relacionava-se apenas com a propriedade de bens, casas e terras. O homem que não tinha nenhum deles podia se interessar por um salário, por uma patente, por um contrato, por uma lei de imprensa, por uma aposentadoria, mas um credor, não podia, na lei comum, apor embargos sobre isso. Quando o credor apelava para a coroa por indenização indicava-se um chanceler ou curador dos assuntos reais que determinava o que e como o devedor deveria pagar. Freqüentemente requeria-se que o devedor tornasse a sua propriedade indisponível nas mãos de um recebedor e pudesse reaver a sua posse só quando se satisfizesse a demanda. As cortes de chanceleres recebiam o nome de cortes de eqüidade e indenizavam os erros que a lei comum não podiam decidir. Em tempos mais tarde a lei e a eqüidade eram administradas na maioria da vezes pelas mesmas cortes. A mesma corte funcionava como tribunal de lei e por vezes como tribunal de eqüidade". A máxima "Summa lex, summa injuria" é, por vezes, verdadeira.
Aplicando agora à lei divina esta ilustração tirada da lei humana, assinalamos: á) A lei de Deus é uma expressão geral da vontade de Deus, aplicável a todos os seres morais. Não exclui, portanto, a possibilidade de ordens especiais aos indivíduos e atos especiais de sabedoria e poder na criação e providência. A própria especialidade destas expressões da vontade impede-nos de classificá-los sob a categoria de lei.
Lord Bacon, Confession of Faith: "O céu ou a terra não produziram a alma do homem, mas Deus a soprou imediatamente; assim os caminhos e procedimentos de Deus para com os espíritos não estão incluídos na natureza, isto é, nas leis do céu e da terra, mas estão reservados à lei da sua vontade e da sua graça secretas".
tí) Concordemente, a lei de Deus é uma expressão parcial, não exaustiva, da natureza de Deus. Na verdade, constitui uma manifestação desse atributo

Teologia Sistemática
137
da santidade que é fundamental em Deus e que o homem deve possuir para estar em harmonia com Deus. Mas não expressa plenamente a natureza de Deus em seus aspectos de personalidade, soberania, auxílio, misericórdia.
O principal erro de toda a teologia panteísta é a suposição de que a lei é uma expressão exaustiva de Deus: Strauss, Glaubenslehre, 1.31 - "Se a natureza, como auto-realização da essência divina, é igual à referida essência, é infinita e nada pode haver acima ou além dela". Isto é uma negação da transcendência de Deus (ver notas sobre o Panteísmo). A lei é ilustrada pelo provérbio budista: "Como a roda da carreta segue as pisadas do boi, assim o castigo se segue ao pecado". Denovan: "Separados de Cristo, ainda que nunca tenhamos quebrado a lei, só pela firmeza e perfeita obediência durante todo o futuro é que podemos permanecer justificados". Se temos cometido pecado, não podemos ser justificados [sem Cristo] apenas pelo sofrimento e esgotamento de toda a pena da lei".
A simples lei, portanto, deixa a natureza de Deus nestes aspectos de personalidade, soberania, auxílio, misericórdia expressar-se através dos pecadores de outro modo, a saber, através da expiação, regeneração, perdão, obra santificadora do evangelho de Cristo. Como a criação não exclui os milagres, assim a lei não exclui a graça (Rm. 8.3 - "o que a lei não pôde fazer ... Deus" fez).
Murphy, Scientific Bases, 303-327, esp. 315 - "À lei, que é impessoal, não importa se os que lhe estão sujeitos lhe obedecem ou não. Porém Deus deseja não a punição do pecado, mas a sua destruição". Campbell, Atonement, Intr., 28 - "Há duas regiões da divina satisfação própria: o reino da lei e o reino de Deus". C. H. M.: "A lei é a transcrição da mente de Deus quanto ao que o homem deve ser. Entretanto, Deus não é simplesmente lei, mas amor. Existe mais em seu coração do que poderia estar envolto nas 'toneladas de palavras'. A imagem perfeita de Deus não é a lei, mas somente a pessoa de Cristo" (Jo. 1.17 - "Porque a lei foi dada por Moisés; a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo"). Por isso, existe muito mais no coração do homem para com Deus do que o perfeito cumprimento das suas exigências. A mãe que se sacrifica pelo filho doente o faz, não por um dever, mas porque ama. Dizer que nós somos salvos pela graça, eqüivale a dizer que somos salvos tanto sem o mérito da nossa parte, como sem a necessidade da parte de Deus. A graça se faz conhecida na proclamação, oferecimento, determinação; mas em tudo isso está o evangelho, ou as alegres novas.
Contudo, não se deve considerar que a graça ab-roga a lei, mas renova- a e compele-a (Rm. 3.31 - "estabelecemos a lei"). Removendo os obstáculos do perdão na mente divina e capacitando o homem a obedecer, a graça garante o perfeito cumprimento da lei (Rm. 8.4 - "para que ajusta exigência da lei se

138
Augustus Hopkins Strong
cumprisse em nós"). Mesmo a graça tem a sua lei (Rm. 8.2 - "a lei do Espírito da vida"); outra lei mais elevada da graça, a operação da individualizante misericórdia, subjuga a "lei do pecado e da morte"; esta transcende-a, como no caso do milagre, não se suspendendo, anulando ou violando, mas absorvendo no exercício da divina vontade pessoal.
Hooker, Eccl. Polity, 1.155, 185,194 - "Tendo o homem incapacitado totalmente a sua natureza nestes meios [naturais], recebeu outra revelada por Deus, vinda do céu, a lei que ensina como o que se deseja naturalmente deve-se alcançar sobrenaturalmente. Por fim, vemos que, porque estes excluem não aqueles como desnecessários, a lei da graça ensina e exclui também os deveres naturais, por serem difíceis de averiguar através da lei da natureza". A verdade é o meio caminho entre o ponto de vista pelagiano, de que não há nenhum obstáculo para o perdão dos pecados, e o ponto de vista racionalista moderno, de que de modo algum pode haver perdão de pecados visto que a lei expressa plenamente a pessoa de Deus. Greg, Creed of Christendom, 2.217-228 - "Deus é o único ser que não pode perdoar pecados ... A punição não é a execução de uma sentença, mas a ocorrência de um efeito". Robertson, Lect. on Genesis, 100 - "As obras são irrevogáveis; as conseqüências prendem-se a elas de modo irrevogável". Baden Powell, Law and Gospel, nos Ensaios Teológicos de Noyes, 27. Tudo isto é verdade se considerarmos Deus tão somente como a fonte da lei. Na natureza não há perdão, mas a graça está acima e além da natureza.
Bradford, Heredity, 283, cita de Huxley a terrível declaração: "A natureza sempre dá um cheque mate, sem pressa e sem remorso e nunca supervalo- riza um equívoco, ou faz a mais leve concessão à ignorância". Bradford, então assinala: "Este é um tipo de calvinismo que deixa Deus do lado de fora.
O cristianismo não nega ou minimiza a lei da retribuição, mas revela uma Pessoa capaz de libertar a despeito da referida lei. Existe a graça, mas a graça traz a salvação aos que aceitam os seus termos - estritamente de acordo com as leis reveladas pela ciência". Acrescentamos que Deus se revelou não apenas nas leis, mas na vida; ver Dt. 1.6,7 - "Tempo bastante haveis estado neste monte" - o monte da lei; "voltai-vos e parti" - i.e. vede como a lei de Deus deve ser aplicada à vida.
Assim, a revelação da graça, enquanto suspende e inclui em si a revelação da lei, acrescenta algo diferente em gênero, a saber, a manifestação do amor pessoal do Legislador. Sem a graça, a lei tem somente um aspecto de exigência. Só em conexão com a graça ela se torna "a lei perfeita, a da liberdade" (Tg. 1.25). Por fim, a graça é a maior e mais completa manifestação da natureza divina, de que a lei constitui o estágio necessário, mas preparatório.
A lei revela o amor e a misericórdia de Deus, porém apenas no aspecto imperativo; requer da parte do homem a conformidade com o amor e com a misericórdia de Deus; como o amor e a misericórdia de Deus condicionam-se

Teologia Sistemática
139
à santidade, assim a lei requer que eles se condicionem à santidade do homem. Por isso a lei é principalmente uma revelação da santidade; é na graça que encontramos a principal revelação do amor; embora o amor não salve ignorando a santidade, mas pela satisfação vicária das suas demandas. Robert Browning, Saulo: "Falo como vejo. Como homem relato a obra de Deus - Tudo é Amor, ainda que tudo seja Lei".
Dorner, Person of Christ, 1.64,78 - "A lei era uma palavra (tóyoç), mas não uma Xóyoç -céXeioç, palavra plástica, como as palavras de Deus que produziram o mundo, pois ela (a palavra plástica) era tão somente um imperativo e não havia nenhuma realidade ou vontade que correspondesse ao mando (dem Sollen fehlte das Seyn, das Wollen). O Xóyoç cristão é Xóyoç àXt"9eíaç - vóp.oç téXeioç xfiç èA.e«0ripíaç - palavra operante e eficaz, como a da criação". Chaucer, The Persones Tale: "Para um tipo de africanos a lei de Deus é o seu amor". Sunday School Times, 14 de setembro de 1901.595 - "Enquanto o homem não deixar de ser um estranho ao reino e conhecer a liberdade dos filhos de Deus, pensará em Deus como o grande Exator, o grande Proibidor, que ceifa onde não semeia ajunta onde não espalha".
SEÇÃO II - NATUREZA DO PECADO I. DEFINIÇÃO
Pecado é a falta de conformidade com a lei moral de Deus quer em ato, disposição ou estado.
Como explicação assinalamos que a) Esta definição considera o pecado atribuído somente aos agentes racionais e voluntários, b) Admite, contudo, que o homem tem uma natureza racional submissa à consciência e uma natureza voluntária independente da verdadeira vontade, c) Sustenta que a lei divina requer semelhança moral com Deus nos sentimentos e tendências da natureza bem como nas atividades exteriores, d) Por isso considera falta de conformidade com a santidade divina em disposição ou estado como uma violação da lei do mesmo modo que o ato de transgressão.
Em nossa discussão sobre a vontade (pp. 504-13), notamos que há estados permanentes da vontade bem como do intelecto e da sensibilidade.
É evidente, contudo, que tais estados permanentes, diferentemente dos atos deliberados do homem, são sempre imperfeitamente conscientes e, em muitos casos, nem o são. Contudo, é nestes mesmos estados que o homem é mais dissimilar a Deus e, portanto, como a lei só reflete Deus (ver pp. 537- 544), está na máior falta de conformidade com a lei divina.
A principal diferença dos pontos de vista entre a Velha e a Nova Escolas a respeito do pecado é que esta constantemente tende a limitá-lo a um simples ato, enquanto aquela encontra o pecado no estado da alma. Propomos o que pensamos ser um compromisso válido e sério entre os dois. Não fazemos o

140
Augustus Hopkins Strnng
pecado ter a mesma extensão do ato, mas da atividade. A Velha e a Nova Escolas não estão separadas desde que lembremos que a "escolha" da Nova Escola é uma preferência eletiva, exercida tão logo a criança nasce (Park) e se reafirma em todas escolhas subordinadas da vida; enquanto o "estado" da Velha Escola não é uma coisa morta, passiva, mecânica, mas um estado de movimento ativo, ou de tendência a mover-se para o mal. Como a santidade de Deus não é pureza passiva, mas a vontade da pureza (pp. 268-275), assim o seu oposto não é a impureza passiva, mas a vontade de impureza.
Nem sempre a alma pode estar consciente, mas sempre ativa. Porque, na sua criação, o homem "tornou-se alma vivente" (Gn. 2.7) e há que duvidar se o espírito humano cessa a sua atividade ao invés do Espírito divino a cuja imagem ele é feito. Há alguma razão para crer que, mesmo no mais profundo sono, o corpo repousa mais do que a mente. Quando consideramos a dimensão de nossa atividade automática e contínua, vemos a impossibilidade de limitar o termo 'pecado' à esfera do ato momentâneo, quer consciente, quer inconsciente.
E. G. Robinson: "O pecado não é um simples ato - algo estranho ao ser.
É uma qualidade do ser. Não existe essa coisa de pecado separado do pecador, ou de um ato separado do agente. Deus pune pecadores, não pecados. Pecado é um modo de ser; ele não existe como entidade em si mesma. Deus pune o pecado como um estado, não como um ato. O homem não é responsável pelas conseqüências dos seus crimes, nem pelos atos em si, a não ser que eles sejam sintomas dos seus estados pessoais". Dorner, Hist. ofDoctrine, Pessoa de Cristo, 5.162 - "O conhecimento do pecado tem sido apropriadamente chamado o p e o y da filosofia".
O nosso tratamento sobre a santidade como pertencente à natureza de Deus (pp. 268-275); da vontade, não só como a faculdade das volições, mas também como um estado permanente da alma ( pp. 504-513); e da lei, que requer a conformidade da natureza da santidade de Deus; prepararam-nos para a definição do pecado como um estado. O principal defeito psicológico da teologia da Nova Escola, depois de fazer da santidade uma simples forma de amor, é ignorar os elementos inconscientes e subconscientes do caráter humano. A fim de ajudar-nos a entender o pecado como um estado subjacente e permanente da alma, adicionamos referências a escritores notáveis no campo da psicologia e de suas relações com a teologia.
Podemos prefaciar nossas citações assinalando que a mente é sempre maior que suas operações conscientes. O homem é mais do que os seus atos. Só a menor parte do eu se manifesta nos nossos pensamentos, sentimentos e vontade. Levando em conta o meu sono, acho, quando minha atenção distraiu-se para outros pensamentos, que, em resumo, a contagem continuou a mesma. Ladd, Philos. of Mind, 176, fala da "dramática separação do ego". Há conversas no sonho. O Dr. Johnson uma vez ficou irritado ao ser derrotado pelo seu opositor em um argumento sobre o sonho. M. Maury em

Teologia Sistemática
141
um sonho corrigiu o mau inglês do seu verdadeiro eu pelo bom inglês do seu outro eu irreal. Spurgeon pregou um sermão em seu sono após baldado esforço de tentar planejá-lo quando acordado. Sua esposa deu-lhe o seu resumo depois que ele acordou. Hegel dizia que "A vida se divide em dois reinos - um, do gênio da noite e outro, da consciência do dia".
Du Prel, Philosophy of Mysticism, propõe a seguinte tese: "O eu não abrange totalmente a autoconsciência", e defende que só há muita atividade psíquica dentro de nós que a nossa despertada concepção comum a respeito de nós mesmos não leva em conta. Aí é quando o 'sonho dramatiza' - quando nos empenhamos numa conversa do sonho em que a resposta do nosso interlocutor nos vem com um choque de surpresa - se se admite que a nossa mente forneceu tal resposta, fê-lo por um processo de atividade inconsciente. Dwinell, Biblia Sacra, julho de 1890.369-389 - "A alma é tão somente uma posse imperfeita de seus órgãos e só é capaz de relatar uma pequena parte de suas atividades no consciente". Os pensamentos nos vêm como uma criança abandonada à porta da nossa casa. Escorregamos em uma questão bibliotecária: a Memória. Depois de deixá-la por um pouco de tempo, vem a resposta no quadro mural. Delboeuf, Le Sommeil e les Rêves (O Sono e os Sonhos), 91 - "O sonhador é um despreocupado momentâneo e involuntário da nossa imaginação como o poeta é o despreocupado momentâneo e voluntário, e o insano é o despreocupado e permanente involuntário". Se somos os órgãos não só do nosso pensamento passado, mas, como sugere Herbert Spencer, também os órgãos do pensamento passado da raça, sua doutrina pode fornecer uma confirmação adicional, embora sem intenção, do ponto de vista escriturístico do pecado.
William James, Will to Believe, 316, cita de F. W. H. Myers, Jornal de Pesquisa Psicológica, que assemelha o nosso conhecimento comum à parte visível do espectro solar; o conhecimento total é como aquele espectro prolongado com a inclusão dos raios ultravermelhos e dos ultravioletas = 1 para 12 e 96. "Cada um de nós", diz ele, "é uma entidade psíquica permanente bem mais extensa do que conhece - uma individualidade que nunca se pode expressar completamente através de qualquer manifestação corpórea. O eu manifesta-se completamente através do organismo; mas há sempre alguma parte do eu não manifesta e sempre, como parece, alguma força de expressão orgânica em expectativa ou reserva". O próprio William James no Scribner's Monthly, março de 1890.367-373, esboça as investigações hipnóticas de Janet e de Binet. Há um eu secundário e subconsciente. A histeria é a falta de poder sintetizador e a conseqüente desintegração do campo do conhecimento nas partes mutuamente exclusivas. Segundo Janet, o conhecimento secundário e o primário adicionados nunca podem exceder ao conhecimento normalmente total do indivíduo. Mas o Prof. James diz: "Há transes que obedecem outro tipo. Conheço uma mulher não histérica que, em seus transes, conhece fatos que transcendem a sua consciência normal, a respeito da vida de pessoas que ela nunca viu e de quem nunca ouvira antes".
Nossos sentimentos são mais profundos e mais fortes do que conhecemos. Aprendemos como são profundas e fortes, quando a aflição resiste à sua corrente ou quando a morte a reprime. Conhecemos como são poderosas as más paixões, só quando tentamos subjugá-las. Nossos sonhos

142
Augustus Hopkins Strong
desnudam o nosso eu. Sobre a moralidade dos sonhos, a London Spectator assinala: "Nossa consciência e poder de autocontrole agem como um tipo de cão de guarda sobre o nosso péssimo eu durante o dia, mas, quando o cão de guarda está ausente do seu dever, o velho homem ou o natural está livre para agir como lhe apraz; nossa 'alma' deixou-nos à mercê da nossa natureza má e, em nossos sonhos, tornamo-nos aquilo que, a não ser pela graça de Deus, sempre seriamos".
Tanto na consciência como na vontade há uma "self-diremption" (anulação de si mesmo). O imperativo categórico de Kant é apenas o lançamento da lei a um outro eu. Todo o sistema kantiano de ética baseia-se nesta doutrina da dupla consciência. Ladd, Philosophy of Mind, 169 seg., fala do "automatismo psíquico". Contudo, este automatismo é possível só às mentes autoconscientes e de memória cognitiva. É sempre o "eu" que se põe em lugar de "aquele outro". Não poderíamos conceber outra personalidade a não ser sob a figura do "eu". Todas as nossas operações mentais são nossas e somos responsáveis por elas, porque o eu subconsciente e mesmo inconsciente é produto dos pensamentos e volições autoconscientes passados. O estado presente fixo das nossas vontades é o resultado daquelas decisões. A vontade é uma bateria carregada de ações passadas, cheia de poder latente pronta para manifestar sua energia tão logo a força que a confina seja afastada. Sobre a ação mental inconsciente, ver Carpenter, Mental Philos., 139, 515-543 e a crítica de Carpenter, em Irlanda, Blotonthe Brain, 226-238; Bramwell, Hypnotism, sua History, Practice and Theory, 358-398; Porter, Human Intellect, 333, 334; versus Sir Wm. Hamilton, que adota a máxima: "Non sentimus, nisi sentiamus nos sentire (Não sentimos, se não sentirmos que nos sentimos)" (Philosophy, Ed. Wight, 171). Observamos que o pecado também pode infectar o corpo, como também a alma, e pode pô-lo num estado de inconformidade com a lei de Deus (ver H. B. Smith, Syst. Theol., 267).
Ao acrescentar a nossa prova escriturística e racional sobre a definição do pecado como um estado, desejamos tomar óbvia a objeção de que este ponto de vista deixa a alma inteiramente entregue às forças do mal. Conquanto sustentemos que isto é verdade a respeito do homem separado de Deus, insistimos também que, ao lado da inclinação da vontade humana há sempre uma força divina imanente que se contrapõe às forças do mal e, se não resiste, pelo menos dirige a alma do indivíduo - mesmo quando resiste, conduz a raça, em geral - à verdade e à salvação. Esta força divina imanente outra não é senão Cristo, o Verbo eterno, a luz que ilumina a todo o homem; ver Jo. 1.4,9.
Jo. 1.4,9 - "Nele estava a vida e a vida era a luz dos homens ... Ali estava a luz verdadeira, que alumia a todo o homem". Ver mais uma afirmação em A.
H. Strong, Cleveland Sermon, maio de 1904, a respeito do antigo e do novo pontos de vista quanto ao pecado: - "Nossos pais criam na depravação total e com eles concordamos que o homem é por natureza desprovido de amor a

Teologia Sistemática
143
Deus e que a tendência egoística da sua vontade enfraqueceu, desordenou e corrompeu cada faculdade. Eles defendiam a existência do pecado original.
A tendência egoística da vontade do homem pode ligar-se à apostasia dos nossos primeiros pais; e, porque a raça se separou de Deus, todos os homens são, por natureza, filhos da ira. E tudo isto é verdade se se considerar como afirmação dos fatos, independentemente da sua relação com Cristo. Mas nossos pais não viram, como nós, que a relação do homem com Cristo antedatou a queda e constituiu-se condição subjacente e modificadora da vida do homem. A humanidade estava naturalmente em Cristo, em quem todas as coisas foram criadas e em quem todas elas consistem. Cada pecado do homem não impede que Cristo opere nele a fim de neutralizar o mal e sugerir o bem. Há uma preparação tanto interna como externa da redenção do homem. Neste sentido de um princípio divino na luta do homem contra a vontade egoística e ímpia, houve uma redenção total, contra a depravação total do homem; e uma graça original, mais poderosa que o pecado original.
"Temo-nos tornado conscientes de que só a depravação total não é uma expressão suficiente ou própria da verdade; e a frase vai além. Tem-se sentido que o velho ponto de vista do pecado não levou em conta as generosas e nobres aspirações, os esforços contrários ao egoísmo, os empenhos dos homens não regenerados em favor de Deus. Por esta razão tem havido menos pregação sobre o pecado e menos convicção quanto à culpa e à condenação.
Os bons impulsos dos homens do grupo cristão freqüentemente têm sido creditados à habitação do Espírito de Cristo. Não tenho dúvida de que a nossa fraqueza radical atualmente acha-se no nosso mais superficial ponto de vista sobre o pecado. Sem sentido algum da culpa e da condenação do pecado, não podemos sentir a necessidade da redenção. João Batista deve preceder Cristo; a lei deve preparar o caminho para o evangelho.
"Minha crença é que a nova apreensão da relação de Cristo com a raça capacitar-nos-á a declarar, como nunca antes, a condição de perdido em que se encontra o pecador; enquanto ao mesmo tempo mostramos-lhe que Cristo está com ele e nele para salvá-lo. Esta presença de um poder em cada homem não vindo das suas obras de justiça é uma doutrina bem diferente da que freqüentemente prega a 'divindade do homem'. A divindade não é do homem, mas de Cristo. E o poder que opera para a justiça não é humano, mas de Cristo. É um poder cuja influência exortativa, convidativa, persuasi- va só torna mais marcante e temível a vontade má que a dificulta e lhe resiste. O pior de tudo é a depravação, quando nela reconhecemos o constante antagonismo de um Redentor sempre presente, totalmente santo e todo amoroso".
Prova
Como se admite que o ato exterior de transgressão é prontamente denominado pecado, tentamos aqui mostrar só que a falta de conformidade com a lei de Deus em disposição ou estado também, de igual modo, deve ser assim denominada.

144
Augustus Hopkins Strong
Da Escritura.
As palavras comumente traduzidas como 'pecado', ou empregadas como seus sinônimos, tanto são aplicáveis a disposições e estados como a atos (nxun e àpapxía = erro ao alvo, falha, insuficiência [da vontade para Deus]).
Ver Nm. 15.28 - "pecar por ignorância"; Sl. 51.2 - "purifica-me do meu pecado"; 5 - "em iniqüidade fui formado e em pecado me concebeu minha mãe"; Rm. 7.17 - "o pecado que habita em mim"; compare Jz. 20.16, onde aparece o sentido literal da palavra: "atiravam com a funda uma pedra a um cabelo e não erravam" (NUn). De igual modo, VUiO [LXX àaéfSeia] = separação de, rebelião contra [sc. Deus]; ver Lv. 16.16,21; cf. Delitsch sobre o Sl. 32.1 py [LXX àSiKía] = inclinação, perversão [sc. do que é direito], iniqüidade, ver Lv. 5.17; cf. Jo. 7.18. Ver também o hebraico PI, VW1, [= ruína, confusão], e o grego ânoomaía, èmõv^iía, e%9pa, Kaiáa, 7tovr"pía, cápi;. Nenhuma destas designações de pecado limita-o a um simples ato, - a maioria sugere mais naturalmente disposição ou estado. 'Ajxap-cía implica que o homem no pecado não atinge o que ele busca; pecado é um estado de ilusão e engano (Juuus Müller).
As descrições do Novo Testamento sobre o pecado apresentam os estados e disposições de um modo mais distinto que os atos exteriores da alma (1 Jo. 3.4 - f] ápapxía èaxív f) àvopía, onde àvopía = não "transgressão da lei", mas tanto o contexto como a etimologia mostram "falta de conformidade com a lei" ou "ausência de lei").
Ver 1 Jo. 5.17 - "toda iniqüidade é pecado"; Rm. 14.23 - "o que não é de fé é pecado"; Tg. 4.17 - "Aquele, pois, que sabe fazer o bem e o não faz comete pecado". Onde o pecado é o não praticar, não se pode dizer que consiste em ato. Deve ser, então, ao menos um estado.
Atribui-se o mal moral não só aos pensamentos e sentimentos, mas, também ao coração de onde eles brotam (lemos sobre os "maus pensamentos" e sobre o "mau coração" - Mt. 15.19 e Hb. 3.12).
Ver também Mt. 5.22 - ira no coração é homicídio; 28 - o desejo impuro é adultério. Lc. 6.45 - "o homem mau, do mau tesouro do seu coração, tira o mal". Hb. 3.12 - "coração mau e infiel"; cf. Is. 1.5 - "toda a cabeça está enferma e todo o coração está fraco"; Jr. 17.9 - "Enganoso é o coração mais do que todas as coisas, e perverso; quem o conhecerá?" - aqui o pecado que não se pode conhecer não é o da prática, mas o do coração. "Sob a superfície da correnteza rasa, e leve daquilo que dizemos sentir; sob a correnteza tão leve do que pensamos sentir flui com a tranqüila corrente, forte, desconhecida, e profunda o caudal central daquilo que verdadeiramente sentimos

Teologia Sistemática
145
O estado ou condição da alma que faz surgir os desejos e atos errôneos chama-se expressamente pecado (Rm. 7.8 - "Mas o pecado ... despertou em mim ... toda a concupiscência").
Jo. 8.34 - "todo aquele que comete pecado é servo do pecado"; Rm. 7.11,13,14,17,20 - "o pecado ... me enganou ... operou a morte em mim ... sou carnal, vendido sob o pecado ... o pecado que habita em mim". Tais representações do pecado como um princípio ou estado da alma são incompatíveis com a sua definição como um simples ato. John Byron, 1691-1783: "Pensa e tem cuidado do que tu és, Pois no desejo de pecar há pecado. Pensa e sê grato em um caso diferente, Pois há graça no desejo de ter graça".
Alexander, Theoríes of the Will, 85 - "Na pessoa de Paulo acha-se representado o homem que já foi justificado pela fé e que está em paz com Deus.
Em Rm. 6 discute-se a questão se o homem é obrigado a guardar a lei moral. No cap. 7- a questão não é se o homem deve guardá-la, mas por que ele é incapaz de guardá-la. A luta, portanto, não está na alma do impeniten- te, que está morto no pecado, mas na do regenerado, que foi perdoado e está empenhado em guardar a lei. ... No estado pecaminoso a vontade é determinada para o mal; no estado gracioso a vontade é determinada para a justiça; mas não inteiramente, pois a carne não está totalmente vencida e há uma luta entre o princípio de ação do bem e o do mal na alma do que foi perdoado".
Representa-se o pecado existindo na alma, antes que se tenha consciência dele, e só descoberto e despertado pela lei (Rm. 7.9,10 - "vindo o mandamento, reviveu o pecado, e eu morri" - se "reviveu" o pecado, ele deve ter tido uma existência e uma vida anterior, muito embora de que não se manifestasse em atos de transgressão consciente).
Rm. 7.8 - "sem a lei, estava morto o pecado" - eis aqui pecado que não é, contudo, o ato. O fogo em uma caverna descobre répteis e os excita, mas eles já existiam anteriormente; a luz e o calor não os criam. Deixe um foco de luz, diz Jean Paul Richter, através da fresta da janela de um quarto escuro, e você revelará, voando no ar, mil partículas de cuja existência nem se suspeitava. Assim a lei de Deus revela os "erros ocultos" (Sl. 19.12) - enfermidades, imperfeições, tendências e desejos maus - que não se podem classificar como atos de transgressão.
As alusões ao pecado como uma força permanente ou princípio reinante não só no indivíduo como na humanidade em geral, proíbem-nos de defini-lo como um ato momentâneo e compelem-nos a considerá-lo principalmente uma depravação da natureza cujos pecados individuais ou atos de transgressão são obra e fruto (Rm. 5.21 - "o pecado reinou na morte"; 6.12 - "Não reine, portanto, o pecado em vosso corpo mortal").

146
Augustas Hopkins Strong
Em Rm. 5.21 o reino do pecado é comparado ao da graça. Como a graça não é um ato, mas um princípio, assim também o pecado não é um ato, mas um princípio. As emanações tóxicas de um poço indicam que há corrupção e morte no fundo, do mesmo modo que os pensamentos e atos de pecados sempre recorrentes evidenciam a existência de um princípio de pecado no coração; em outras palavras, que o pecado existe como disposição ou estado permanente. Um ato momentâneo não pode "reinar" ou "habitar"; mas uma disposição ou estado sim. Maudsley, Sleep, Sua Psychology, faz a nociva confissão: "Se formos responsabilizados pelos nossos sonhos, não haverá um só homem que não mereça ser enforcado".
Os sacrifícios mosaicos pelos pecados de ignorância e de omissão e, especialmente pela pecaminosidade em geral, são evidência de que o pecado não se limita simplesmente ao ato, mas inclui algo mais profundo e permanente no coração e na vida (Lv. 1.3; 5.11; 12.8; cf Lc. 2.24
A propiciação pelos pecados de ignorância (Lv. 4.14,20,31), a expiação pelos pecados de omissão (Lv. 5.5,6) e o holocausto para expiar a pecaminosidade geral (Lv. 1.3 cf. Lc. 2.22-24), tudo testemunha que o pecado não se limita ao ato. Jo. 1.29 - "o Cordeiro de Deus, que tira o pecado", não os pecados, "do mundo".
Do juízo comum da humanidade.
Universalmente a humanidade atribui o vício assim como a virtude não só aos atos conscientes e deliberados, mas também às disposições e estados. A crença em algo mais permanentemente que os atos de transgressão aparece nas expressões comuns como "mau gênio", "orgulho ímpio", "mau caráter".
Como as bem-aventuranças (Mt. 5.1-12) não são pronunciadas sobre os atos, mas sobre as disposições da alma, assim as maldições da lei não são proferidas tanto contra os simples atos de transgressão como contra os maus sentimentos de que eles brotam. Compare as "obras da carne" (Gl. 5.19) com os "frutos do Espírito" (5.22). Em ambos predominam as disposições e estados.
Na verdade, os atos exteriores apenas são condenados quando considerados como tendo origem nas más disposições e como sintomas delas. A lei civil procede baseada neste princípio ao sustentar que o crime não só consiste no ato eterno, mas também no motivo ou mau intento com que foi praticado.
A mens rea (mente ré = fem. de réu) é essencial à idéia de crime. A "palavra ociosa" (Mt. 12.36) será trazida a juízo, não pela sua importância em si,

Teologia Sistemática
147
mas porque é a cana agitada pelo vento, que indica a direção de toda a corrente do coração e da vida. O assassinato difere do homicídio, não em qualquer aspecto exterior, mas tão somente por causa do motivo que o sugere - e sempre, em última análise, uma disposição má ou estado.
Quanto mais forte é a disposição má ou, em outras palavras, quanto mais se liga a ela, ou nela se resolve o estado ou condição da alma, mais se sente digna de culpa. Observa-se isto nos crimes passionais e nos de deliberação.
Edwards: "A culpa consiste em um coração errado, e na prática do erro provir do coração". Existe culpa nos desejos maus, mesmo quando a vontade os combate. Porém maior é a culpa quando a vontade consente. O ato exterior pode ser em cada caso o mesmo, mas a culpa é proporcional à extensão a que a disposição má se estabelece e se fortalece.
Esta sentença condenatória permanece a mesma muito embora a origem da disposição má ou estado não possam remontar a qualquer ato consciente do indivíduo. Nem o senso geral da humanidade, nem a lei civil na qual este senso geral se expressa, recua ao fato de uma vontade má existente. Quer esta vontade má seja o resultado de uma transgressão pessoal, quer seja uma tendência hereditária derivada de gerações passadas, esta vontade má é o próprio homem, e nisto consiste a culpa. Os traços familiares não são desculpa para a arrogância ou sensualidade.
Em Boston, o jovem assassino não se desculpou com base em uma congênita disposição cruel. Anos mais tarde, arrependemo-nos dos pecados da mocidade, os quais só agora vemos como pecados; os canibais convertidos, após tornarem-se cristãos, arrependem-se dos pecados do paganismo, cometidos sem pensarem na sua iniqüidade. O pavão não pode livrar-se dos seus pés enquanto voa, nem nos absolvemos de um mau estado de vontade ligando a sua origem à nossa remota ascendência genética. Somos responsáveis pelo que somos. Como pode ser isso, quando pessoal e conscientemente não o originamos, é um problema do pecado original, assunto que ainda vamos discutir
Quando qualquer disposição má tem tal força em si, ou em combinação com outras, indicando uma corrupção na qual não sobra nenhuma força para o bem, considera-se este estado com a mais profunda desaprovação. O pecado abate a força do homem para a obediência, mas não poder significa não querer e por isso é condenável. O princípio oposto levaria concluir que, quanto mais o homem abate as suas forças através da transgressão, menos culpado ele seria, até que a depravação absoluta se transformasse em inocência absoluta.

148
Augustus Hopkins Strong
O menino que odeia seu pai não pode transformar o seu ódio em amor por um simples ato de vontade; mas nem por isso ele é inocente. A profanação espontânea e incontrolável é a pior de todas. É um sinal de que toda a vontade, como um rio subterrâneo de Kentucky, afasta-se de Deus, e que não resta na alma qualquer poder recuperador que possa alcançar as profundezas a ponto de reverter o seu curso.
Da experiência do cristão.
A experiência cristã é o melhor teste para a verdade bíblica e, por isso, não é uma fonte independente do conhecimento. Contudo, pode corroborar as conclusões tiradas da palavra de Deus. Visto que o julgamento do cristão é formado sob a influência do Espírito Santo podemos confiar nisto mais implicitamente do que o senso geral do mundo. Daí, afirmamos que, na proporção exata com a sua iluminação espiritual e com o seu próprio conhecimento, o cristão
Considera os seus desvios da lei de Deus e suas inclinações e desejos maus como desenvolvimentos e revelações de uma depravação da natureza que jaz sob a sua consciência; e
Arrepende-se mais profundamente da sua natureza depravada que constitui o seu mais íntimo caráter, e é inseparável dele mais do que ele sente ou do que faz.
Como prova destas afirmações apelamos para as biografias e escritos daqueles que, em todas as épocas, pelo consenso geral, tem sido considerados como os mais avançados na cultura e discernimento espirituais.
"Intelligentia prima est, ut te noris peccatorem. Compare a experiência de Davi, Sl. 51.6 - "Eis que amas a verdade no íntimo e no oculto me fazes conhecer a sabedoria" - com a experiência de Paulo em Rm. 7.24 - "Miserável homem que eu sou! Quem me livrará do corpo desta morte?" com a experiência de Isaías (6.5), quando, na presença da glória de Deus, emprega as palavras do leproso (Lv. 13.45) e a si mesmo se chama "impuro", e com a experiência de Pedro (Lc. 5.8) quando na manifestação do poder miraculoso de Cristo "prostrou-se aos pés de Jesus, dizendo: Senhor, ausenta-te de mim, que sou um homem pecador". Do mesmo modo clama o publicano: "Ó Deus, tem misericórdia de mim, pecador" (Lc. 18.13) e Paulo chama-se a si mesmo o "principal" dos pecadores (1 Tm. 1.15). É evidente que nenhum desses casos tinha em vista simples atos de transgressão; a humildade e auto-abo- minação visavam a um estado permanente de depravação. Van Oosterzee:
"O que fazemos exteriormente é apenas a revelação da nossa natureza interior". A rocha visível que surge da terra é pequena em extensão comparada com a que é subjacente é invisível. O iceberg tem 8/9 da sua massa abaixo da superfície do mar embora tenham sido vistos próximos ao Cabo Horn de 700 a 800 pés (233 a 266 m) acima da água.

Teologia Sistemática
149
Pode-se duvidar que qualquer arrependimento seja genuíno se não o for para o pecado, não para os pecados; Compare Jo. 16.8 - o Espírito Santo "convencerá o mundo do pecado". Sobre a diferença entre convencer dos pecados e do pecado ver Hare, Mission of the Conforter. O Dr. A. J. Gordon, pouco antes da morte, desejou que o deixassem a sós. Ouviram-no confessando seus pecados em termos aparentemente tão extravagantes que despertaram o temor de que estivesse delirando. Martensen, Dogmatics, 389 - Lutero, durante as suas primeiras experiências "freqüentemente escrevia a Staupitz: 'Oh, meus pecados, meus pecados!' embora no confessionário não mencionasse nenhum em particular que devesse confessar; de modo que é claro que se trata da depravação geral da sua natureza que enchia a sua alma de profunda tristeza e dor". A consciência de Lutero não aceitaria o consolo que ele desejava de estar sem pecado, e que na realidade não o tinha. Quando ele pensava de si mesmo como um pecador demasiadamente grande para ser salvo, Staupitz respondeu: "Teria você a semelhança de um pecador e a de um Salvador?"
Após vinte anos de experiência religiosa, Jonathan Edwards escreveu (Works, 1.22,23 e 3.16-18): "Desde que eu moro nesta cidade, freqüentemente tenho tido muitos pontos de vista afetando minha própria pecaminosi- dade e vileza e com muita freqüência a tal ponto de manter-me em um tipo de choro em voz alta, às vezes por considerável tempo, de modo que constantemente tenho sido obrigado a fechar-me em mim mesmo. Tenho tido um senso de iniqüidade e maldade muitíssimo maior em meu coração como nunca desde a minha conversão. Freqüentemente tem me parecido que, se Deus marcasse a iniqüidade contra mim, eu seria apresentado como o pior de toda a humanidade, de todos os que já existiram desde o começo do mundo até hoje; e que de longe eu teria o mais baixo lugar no inferno. Quando os outros que vieram conversar comigo sobre as suas almas expressaram o senso que eles tiveram de sua própria impiedade, dizendo que parecia que eram tão maus como o próprio diabo; eu pensava que a expressão deles parecia muito debilitada e vaga para representar a minha iniqüidade".
Edwards continua: "Minha iniqüidade, em meu estado atual, há muito me tem parecido perfeitamente inefável e devoradora de todo o pensamento e imaginação - como um dilúvio infinito, ou como montanhas sobre a minha cabeça. Nem sei como expressar o que os meus pecados me parecem ser de melhor forma que o amontoar infinito sobre infinito e multiplicar infinito por infinito. Por muitos anos, freqüentissimamente, encontram-se em minha mente e em minha boca estas expressões: 'Infinito sobre infinito - infinito sobre infinito!' Quando volto meus olhos para dentro do meu coração e visualizo minha iniqüidade, parece um abismo infinitamente mais profundo que o inferno. Causa-me a impressão de que não é pela livre graça exaltada e elevada à infinita altura de toda a plenitude e glória do grande Jeová e o braço do seu poder e graça estendido na majestade do seu poder e em toda a glória de sua soberania, parece que eu estaria afundado nos meus pecados abaixo da profundidade até mesmo do inferno, muito além da vista total, mas os olhos da graça soberana podem penetrar tal profundidade. Parece ainda que a minha convicção do pecado é muitíssimo pequena e débil; basta espantar-me de que não tenho mais o senso do meu pecado. Sem dúvida sei que tenho bem

150
Augustus Hopkins Strong
pouco senso da minha pecaminosidade. Quando tive ocasião de chorar por meus pecados, pensei que eu soubesse naquela época que o meu arrependimento nada valeu para o meu pecado. ... Comove-me pensar quão ignorante eu era, quando cristão novo, sobre iniqüidade insondável, e profunda, orgulho, hipocrisia, e falsidade no meu coração".
Jonathan Edwards não era um ímpio, porém o mais santo da sua época. Não era um entusiasta, mas um homem de aguda mente filosófica. Não indulgente em afirmações exageradas ou impensadas, pois com o seu poder de introspecção e análise combinava a faculdade e o hábito da exata expressão insuperável entre os filhos dos homens. Se é válida a máxima "cuique in arte sua credendum est (àquele em cuja arte há crédito)", as afirmações de Edwards em matéria de experiência religiosa devem ser tomadas como interpretações dos fatos. H. B. Smith (Sysf. Theol., 275) cita Tomásio dizendo: "É fato marcante na Escritura que as afirmações da profundidade e força do pecado vem principalmente do regenerado". Outro disse que "nunca se vê uma serpente em toda a sua extensão, a não ser depois de morta" Thomas à Kempis (ed. Gold and Lincoln, 142) - "Não penses que tu fizeste qualquer progresso rumo à perfeição até sentires que tu és menor do que o menor de todos os seres humanos".
Séria Vocação da Lei a uma Vida Devota e Santa: "Você pode com justiça condenar-se como o maior pecador que você conhece 1. Porque você sabe mais da tolice do seu próprio coração do que da de outras pessoas e pode acusar-se de vários pecados que só você conhece de si mesmo e não pode estar certo de que os outros têm a mesma culpa. 2. A grandeza da sua culpa surge da grandeza da bondade de Deus para conosco. Você conhece mais estas gravidades dos seus pecados do que você as conhece dos das outras pessoas. Por isso os maiores santos em todas as épocas têm condenado a si mesmos como os maiores pecadores". Podemos acrescentar: 3. Que, visto que cada homem é um ser peculiar, cada homem é culpado dos seus pecados peculiares e em certas peculiaridades e em certas particularidades e aspectos pode constituir-se em exemplo da magnitude e odiosidade do pecado, que nem a terra nem o inferno podem mostrar.
De Cromwell, representante dos puritanos, Green, Short History of the English People, 454) diz o seguinte: "O vivido senso da pureza divina ligado a certos homens, faz a vida dos homens comuns parecer pecado". Dr. Arnold of Rugby (Life and Corresp., Ap. D.): "No profundo sentido do mal moral, talvez mais do que qualquer outra coisa, encontra-se o divino conhecimento salvador".
Inferências
À luz da discussão anterior, podemos, com propriedade, valorizar os elementos de verdade e de erro na definição comum de pecado como 'a transgressão voluntária da lei conhecida'.
Nem todo o pecado é voluntário por ser uma volição distinta e consciente; porque a disposição e estado maus freqüentemente precedem e ocasionam a vontade má e a disposição e estado maus são em si mesmos pecado. Entre

Teologia Sistemática
151
tanto, todo pecado é voluntário porque surge, ou diretamente da vontade, ou indiretamente a partir dos sentimentos e desejos perversos que por si mesmos originaram a vontade. A palavra 'voluntário' é um termo mais amplo do que 'volitivo', e inclui todos os estados permanentes do intelecto e do sentimento que a vontade os fez o que são. Contudo, a vontade não deve ser considerada como a faculdade volitiva, mas principalmente como a determinação subjacente do ser para um supremo fim.
Já vimos que a vontade inclui preferência (eéXtma, votuntas, Wille) bem como a volição (pSouXfi, arbitrium, Willkür). Não consideramos, com Edwards e Hodge as sensibilidades como estados da vontade. Contudo, em seu caráter e objetivos, são determinadas pela vontade e, portanto, podem ser chamadas voluntárias. O estado permanente da vontade (Nova Escola "preferência eletiva") deve distinguir-se do estado permanente das sensibilidades (disposições ou desejos). Porém ambos são voluntários porque ambos são devidos a decisões passadas da vontade e, "quaisquer que sejam as suas fontes, somos responsáveis por elas (Shedd, Discourses and Essays, 243). Juuus Müller, 2.51 - "Falamos de autoconhecimento e razão como alguma coisa que o ego tem, mas identificamos a vontade com o ego. Ninguém diria, 'minha vontade decidiu isto ou aquilo'. A vontade é o próprio homem, como diz Agostinho: 'Voluntas est in omnibus; imo omnes nihil aliudquam voluntas sunt' Há vontade em todos; mas todos não são outra coisa a não ser a vontade".
Para outras afirmações sobre a relação da disposição com a vontade, ver Alexander, Moral Science, 251 - "A respeito das disposições, dizemos que são voluntárias. Pertencem propriamente à vontade, se tomarmos a palavra no sentido amplo. Quando se julga a moralidade dos atos, o princípio de que eles se originam sempre está incluído no nosso ponto de vista e entram numa grande parte da censura"; Edwards sobre as Afeições, 3.1 -22; sobre a Vontade, 3.4 - "As afeições são apenas alguns modos do exercício da vontade".
A. A. Hodge, Outlines of Theology, 234 - "Todo pecado é voluntário no sentido de que todo pecado tem sua raiz nas disposições pervertidas, desejos e afeições que constituem o estado depravado da vontade". Mas a Alexander, Edwards e Hodge respondemos que o primeiro pecado não foi voluntário neste sentido, pois não havia um estado depravado da vontade de que ele pudesse brotar. Somos responsáveis pelas disposições, não baseados em que elas são parte da vontade, mas com base em que são efeitos dela, em outras palavras, que as decisões passadas da vontade fizeram delas o que são (Apost. páginas 20 e 21; Aptesist 137-146).
A intenção deliberada de pecar é um agravamento da transgressão, mas não é essencial à constituição de qualquer dado ato ou sentimento de pecado. As más inclinações e impulsos que aparecem soltos e dirigem a alma antes de estar bem cônscia da sua natureza, são por si mesmas violações da lei divina e indicações de uma depravação interior que, no caso de cada descendente de Adão é a transgressão principal e original.

152
Augustus Hopkins Strong
Joseph Cook: "Só a superfície da água do mar é penetrada pela luz. Abaixo encontra-se a região da penumbra. Mais abaixo ainda fica a região das trevas absolutas. Temos maior grandeza do que sabemos". Weismann, Heredity, 2.8
"Na profundidade de 170 metros, ou 552 pés, há aproximadamente tanta luz como a de uma estrela à noite quando não há lua. A luz penetra até uma distância máxima de 400 metros, ou 1300 pés, mas existe vida animal a uma profundidade de 4000 metros, ou 13000 pés. Abaixo de 1300 pés todos animais são cegos". Cf. Sl. 51.6;19.12 - "no íntimo ... no oculto ... erros que me são ocultos" - ocultos não só aos outros, mas a nós mesmos. A luz do conhecimento tange apenas a superfície das águas da alma humana.
O conhecimento da pecaminosidade de um ato ou sentimento é também uma agravante da transgressão, mas não é essencial para constituir-se pecado. A cegueira moral é o efeito da transgressão e, por ser inseparável dos sentimentos e desejos corruptos, é em si mesmo condenado pela lei divina.
É nosso dever agir melhor de acordo com o que conhecemos. Nosso dever de conhecer é tão real como o nosso dever de agir. O pecado é um opiato (medicação contendo ópio). Algumas das doenças mais letais não se revelam no rosto do paciente e nem o paciente tem qualquer entendimento adequado de sua enfermidade. Há uma ignorância indolente. Há também uma ignorância intencional. Exemplo disso é a ignorância do estudante sobre as leis do colégio.
Não podemos nos desculpar, dizendo: "Esqueci-me". O mandamento de Deus é "Lembra-te" - como em Ex. 20.8; cf. 2 Pe. 3.5 - "Eles voluntariamente ignoraram isto". "Ignorantia legis neminem excusat (O desconhecimento da lei a ninguém justifica)". Rm. 2.12 - "Todos os que sem lei pecaram sem lei também perecerão"; Lc. 12.48 - "O que não soube e fez coisas dignas de açoite com poucos açoites será castigado". A finalidade da revelação e da pregação é fazer o homem "cair em si" (cf. Lc. 15.17) - para mostrar-lhe o que ele fez e o que ele é. Goethe: "Nós nunca somos enganados: nós é que nos enganamos a nós mesmos". Royce, World and Individual, 2.359 - "A única ação moral possível é a liberdade que relaciona a presente fixação da atenção sobre as idéias do Dever que já está presente. Pecar é escolher conscientemente esquecer, através do estreitamento da atenção, um Dever que já se reconhece".
A capacidade de cumprir a lei não é essencial para fazer do seu não cumprimento um pecado. A incapacidade de cumprir a lei é um resultado da transgressão e, porque não consiste numa deficiência original da faculdade, mas num estado determinado de sentimentos e vontade, é em si mesmo condenável. Visto que a lei apresenta a santidade de Deus como o único padrão para a criatura, a capacidade de obedecer nunca pode ser a medida da obrigação ou o teste do pecado.

Teolooia Sistemática
153
Nenhuma força contrária, no sentido da capacidade de mudar todos os nossos estados permanentes por simples vontade, serve de base para a obrigação e a responsabilidade; pois a responsabilidade de Satanás não depende do seu poder de voltar-se para Deus e ser santo.
Definições de pecado - Melanchton: Defectus vel inclinatio vel actio pugnans cum lege Dei (Falta ou inclinação, ou ação de lutar contra a lei de Deus). Calvino: lllegalitas, seu disformitas a lege (Ilegalidade ou desacordo com a lei). Hollaz: Aberratio a lege divina. Hollaz acrescenta: "A voluntariedade não entra na definição do pecado, considerado em um sentido genérico. O pecado pode ser chamado voluntário, quer em relação à sua causa, como inerente à vontade, quer relativo ao ato, quando procede da vontade deliberada.
Eis aqui a antítese aos católicos romanos e aos socinianos, estes definindo- o como transgressão voluntária da lei" - ponto de vista, diz Hase (Huterus Redivivos, 11- ed., 162-164), "que deriva dos métodos necessários dos tribunais civis e que é incompatível com a doutrina ortodoxa do pecado original".
n. O PRINCÍPIO ESSENCIAL DO PECADO
A definição de pecado como falta de conformidade com a lei divina não exclui, mas necessita um exame sobre o motivo caraterizado ou força impul- sora que explica sua existência e constitui sua culpa. Só três pontos de vista requerem extenso exame. Os dois primeiros destes constituem as mais comuns desculpas para o pecado, apesar de que tais propostas não são feitas por seus autores: O pecado se deve 1) ao corpo humano, ou 2) à fraqueza finita. O terceiro, que consideramos como o ponto de vista escriturístico, considera o pecado como 3) a suprema escolha do eu, ou egoísmo.
Na seção anterior sobre a definição, mostramos que pecado é um estado, estado da vontade. Agora perguntamos: Qual é a natureza deste estado? Esperamos mostrar que é essencialmente um estado egoísta da vontade.
1. Pecado como Sensitividade
Este ponto de vista considera o pecado como o produto necessário da natureza sensitiva do homem - resultado da conexão do homem com o organismo físico. Este é o ponto de vista de Schleiermacher e de Rothe. Escritores mais recentes, como John Fiske, consideram o mal moral como herança humana do mcestral bruto.
Para a afirmação do ponto de vista aqui exposto, ver Schleiermacher, Der Christliche Glaube, 1.361-364 - "Pecado é o impedimento da força determi- nadora do espírito, causada pela independência (Selbstãndigkeit) das funções sensitivas". Na primeira fase a criança vive de sentidos nos quais os apetites físicos tem importância suprema. Eles são as avenidas de toda a

154
Augustus Hopkins Strong
tentação, os dominadores físicos sobre os espirituais e a alma nunca se separa do corpo. Por isso o pecado é uma doentia exaltação das bases da natureza humana, ou, usando as palavras de Schleiermacher, "uma oposição positiva da carne para com o espírito". Pfleiderer, Prot. Theol. seit Kant, 113, diz que aqui Schleiermacher reproduz a incapacidade de espírito de Espinosa de controlar as afeições sensitivas". Pfleiderer, Philos. of Religion, 1.230 - "No desenvolvimento da naturalidade do homem, os impulsos inferiores já ganharam um poder de auto-afirmação e resistência, antes que a razão chegue à sua posição e autoridade válidas. Quando esta propensão da vontade própria se baseia na natureza específica do homem, pode ser designada como inata, hereditária, ou pecaminosidade origina!'.
O ponto de vista de Rothe sobre o pecado fundamenta-se em sua Dogma- tik, 1.300-302; note a conexão do ponto de vista de Rothe sobre o pecado com a sua doutrina da criação contínua (p. 416 deste compêndio). Encyclo- paedia Brittanica, 21.2 - "Rothe era um avançado evolucionista que considerava o homem natural como a consumação do desenvolvimento da natureza física e o espírito, com o auxílio divino, a realização pessoal destes seres nos quais o processo criativo do desenvolvimento se realizou. Tal processo necessariamente assume uma forma anormal e passa pela fase do pecado. Esta condição anormal necessita um vigoroso ato criativo, o da salvação, que, desde o início fazia parte do plano de desenvolvimento divino. Não obstante a sua doutrina da evolução, Rothe cria no nascimento sobrenatural de Cristo".
John Fiske, Destiny of Man, 103 - "O pecado original não é mais nem menos que a herança bruta que cada um traz consigo e o processo de evolução é um avanço para a verdadeira salvação". Assim o homem é uma esfinge em quem o humano fugiu do animal. Bowne, Atonement, 69, declara que o pecado é "uma reminiscência do animal ainda não desenvolvido, resultante do mecanismo do apetite e do impulso e ação reflexos pelos quais as inibições próprias ainda não se desenvolveram. Só aos poucos desenvolve-se uma consciência de si mesmo como mau ... É uma histeria considerar a vida comum dos homens arraigada em uma escolha cônscia da injustiça".
Em refutação a este ponto de vista, basta argumentarmos com as seguintes considerações:
Ele envolve a suposição de um mal imanente à matéria, ao menos no que se refere à substância do corpo humano. Mas isto é uma forma de dualismo e pode enfrentar as objeções já apresentadas contra esse sistema, ou implica que Deus, sendo o autor do organismo físico do homem, é também o origina- dor responsável do pecado humano.
Isto tem sido chamado de "teoria da águia engaiolada" sobre a existência do homem; ela sustenta que o corpo é tão somente uma prisão, ou, como se expressa Platão, "o túmulo da alma", de sorte que esta só pode ser pura quando se livra do corpo. Mas a matéria não é eterna. Deus a fez e a fez pura.
O corpo foi feito para ser o servo do espírito. Não devemos acusar de pecado os sentidos, mas o espírito que os usa tão impiamente. Atribuir pecado ao

Teologia Sistemática
155
corpo é fazer Deus, autor deste, ser, por conseqüência o autor do pecado, - o que é a maior das blasfêmias. O homem não pode, "com justiça, acusar o seu Criador, ou a sua obra, ou o seu destino" (Milton, Paradise Lost, 3.112).
O pecado é uma contradição dentro do próprio espírito e não entre o espírito e a carne. As atividades sensoriais não são em si pecaminosas - isto é a essência do maniqueísmo. Robert Burns estava errado ao acusar de delinqüência "as paixões selvagens e fortes". Também errado estava Samuel Johnson quando dizia que "Todo homem é um velhaco logo que fica doente". A alma normal tem o poder de elevar-se tanto acima da paixão como da doença e fazê-las servir o seu desenvolvimento moral. Sobre o desenvolvimento do corpo, como órgão do pecado, ver Straffen, Preleções Hulseanas sobre o Pecado, 33-50. O erro essencial deste ponto de vista é a sua identificação do elemento moral com o físico. Se isto fosse verdade, então Jesus, que se encarnou, necessariamente é um pecador.
Ao explicar o pecado como herança do bruto, esta teoria ignora o fato de que o homem, ainda que derivado de um ancestral bruto, não é mais um bruto, mas um ser humano, com capacidade para reconhecer e realizar os ideais morais e não tem necessidade nenhuma de violar a lei do seu ser.
Verf\. H. Strong, Christin Creation, 163-180, sobre a queda e a redenção do homem à luz da Evolução: "Tem-se pensado que a Evolução é incompatível com qualquer doutrina sobre a queda. Muitos têm admitido que o curso imoral e a conduta do homem são simplesmente sobrevivência da sua herança bruta, remanescente inevitável de suas antigas propensões animais, sujeições da fraca vontade aos apetites carnais e paixões. Isto significa negar que o pecado é verdadeiramente pecado, mas também negar que o homem é verdadeiramente homem. ... O pecado se relaciona com a liberdade, ou então não é pecado. Explicá-lo como resultado natural da vontade fraca dominada pelos impulsos inferiores é fazer não a vontade, mas a natureza animal, a causa da transgressão. E isto significa dizer que o homem, no princípio não era homem, mas bruto". Ver também D. W. Simon, Biblia Sacra, janeiro de 1897.1-20 - "A chave para o estranho e obscuro contraste entre o homem e o seu ancestral animal deve achar-se na Queda. As outras espécies vivem normalmente. Nenhum remanescente dos répteis obsta a ave. A ave é uma ave de verdade. Só o homem deixa de viver normalmente e é verdadeiramente homem após tempos de pecado e miséria". Marlowe com muita propriedade leva o seu Fausto a ser tentado pela sedução só após ter-se vendido a Satanás em troca de poder.
Considerar a vaidade, o engano, a malícia e a vingança como legado de ancestrais brutos é negar a inocência original e a criação de Deus. B. W. Lockhart: "A mente animal não conhece Deus, não está sujeita à sua lei, nem, na verdade, pode estar, pelo exato motivo de que se trata de um animal, e em virtude disso incapaz de acertar ou errar.... Se o homem nada mais fosse que um animal, ele não poderia pecar. Em virtude de ser algo mais é que ele se torna capaz disso. Pecado é submissão do conhecido mais elevado ao

156
Augustus Hopkins Strong
conhecido inferior. É a abdicação do ser da sua alma em favor do ser bruto....
Daí a necessidade das forças espirituais vindas do mundo espiritual da revelação divina, de curar e edificar e disciplinar a alma dentro de si mesma, dando-lhe a vitória sobre as paixões animais que constituem o corpo e sobre o reino do desejo cego que constitui o mundo. O propósito final do homem é o crescimento da alma rumo à liberdade, à verdade, ao amor, à semelhança com Deus. A educação é a palavra que cobre o movimento e a provação é o incidente da educação". Acrescentamos que a reparação do pecado passado e o poder renovador de cima devem seguir-se à provação a fim de tornar possível a educação.
Alguns dos escritores recentes defendem uma queda real do homem e ainda consideram-na necessária ao seu desenvolvimento moral. Emma Marie Caillard, Contemp. Review, dezembro de 1893.879 - "O homem passou de um estado de inocência - inconsciente de sua própria imperfeição - para um estado de consciência. A vontade tornou-se escrava ao invés de senhora.
O resultado teria sido a completa parada de sua evolução apenas para a redenção que a restaurou e tornou possível a continuação da sua evolução.
A encarnação foi o método da redenção. Mas mesmo independente da queda, a encarnação seria necessária para revelar ao homem a finalidade da evolução e garantir-lhe a cooperação através dela". Lisle, Evolution of Spiritual Man, 39 e Biblia Sacra, julho de 1892. 431-452 - "A Evolução através da catástrofe no mundo natural tem marcante analogia no mundo espiritual. ...
Em primeiro lugar, o pecado não é tanto uma queda do mais elevado ao inferior do mesmo modo que, deixar de elevar-se do inferior para o superior; não é tanto o comer da árvore proibida, como deixar de participar da árvore da vida. Esta representava a comunhão e correspondência para com Deus e, se o homem inocente continuasse apegar-se a ela, não teria caído. O fato do homem recusar-se a escolher o mais elevado antecedeu e condicionou a sua queda ao inferior e, por isso, a essência do pecado é esta recusa qualquer que possa ter sido a causa da vontade de praticá-lo. O homem escolhe o inferior por sua própria vontade livre. Então esta força centrípeta se vai. Seu desenvolvimento fluente e de modo intérmino está separado de Deus. Ele voltou ao seu tipo original de animal seivagem; e ainda como autoconsciente e agindo livremente, reteve um senso de responsabilidade que o enche de temor e sofrimento".
Ele se apóia numa indução incompleta dos fatos, levando em conta somente os pecados em seu aspecto de autodegradação, e ignorando o pior, que a exaltação de si mesmo. A avareza, a inveja, o orgulho, a ambição, a malícia, a crueldade, a vingança, a justificação de si mesmo, a descrença, a inimizade para com Deus, nenhum desses são pecados físicos e, apoiados nesse princípio, impossíveis de explicação.
Dois exemplos históricos podem ser suficientes para mostrar a insuficiência da teoria sensitiva do pecado. Goethe não era notadamente sensitivo; apesar da vivissecção espiritual que praticou em Friederike Brion, sua pérfida

Teologia Sistemática
157
falsa interpretação do relacionamento dele com a esposa de Koestner em "Tristezas de Werther" e sua adulação de Napoleão, quando o patriota teria escarnecido dos progressos do invasor do seu país, mostram que Goethe era a própria encarnação do egoísmo e da falta de coração. O patriota Boerne dizia-lhe: "Nenhuma só vez ele acrescentou uma pobre palavra infeliz na causa da sua terra - aquele que alcançou a elevada altura podia dizer o que ninguém senão ele mesmo ousaria pronunciar". Tem-se dito que o primeiro mandamento de Goethe ao gênio era: "Amarás o teu próximo e a sua esposa". Os biógrafos dele contavam sessenta mulheres a quem ele amou e que corresponderam ao seu afeto, embora haja dúvida de que ele se contentava com a doutrina de 16 para 1. Como Sainte-Beuve dizia dos relacionamentos de Chateaubriand: "Eles são como as estrelas do céu, - quanto mais distantes parecem, mais você as descobre". Cristiane Vulpius, após sete anos como sua preceptora, tornou-se, por fim, sua esposa. Mas como esposa era tão indiferente que se tornou intemperante e o único filho de Goethe herdou sua paixão e morreu de tanto beber. Goethe foi o grande pagão do cristianismo moderno, exaltando sua autoconfiança, sua atenção ao presente, a busca da satisfação e a submissão do eu aos decretos do destino. Hutton chama Goethe de "um Narciso quanto ao amor a si mesmo". Como a "Diná" de George Eliot, na obra Adam Bede, as "Confissões de uma Bela Alma" de Goethe", em Wilhelm Meister, são o delinear de um caráter com o qual ele não tinha a mínima simpatia. Principal Shairp, Culture and Religion, 16 - "Goethe, o sumo sacerdote da cultura, detesta Lutero, o pregador da justiça".
Napoleão não era um homem notadamente sensual, mas a "sua auto- suficiência ultrapassava à dos homens comuns assim como o Saara ultrapassa uma nesga de areia". Imoderadamente ele divulgava seus amores por Josefina, com todos os pormenores de sua má conduta e, quando ela se revoltava por causa disso, ele só respondia: "Tenho o direito de encarar as suas queixas com um eterno eu". Quando as suas guerras deixaram todos os homens da França com o corpo inutilizado, ele chamou os moços e disse: "um moço pode parar uma bala do mesmo modo que um homem" e, assim, a nação francesa perde duas polegadas da sua estatura. Antes da batalha de Leipzig, quando havia perspectiva de carnificina sem precedentes, ele exclamou: "O que é a vida de um milhão de homens, desde que se cumpra a vontade de um homem como eu?" Seu mais verdadeiro epitáfio foi: "Dos pequenos açougueiros de Ghent homenagem a Napoleão, o Grande" [açougueiro], Heine representa Napoleão dizendo ao mundo: "Não terás outros deuses diante de mim". Memórias de Madame Rémusat 1.225 - "Em uma festa oferecida pela cidade de Paris ao Imperador, esgotado o repertório de inscrições, recorreu-se a um brilhante artifício. Sobre o trono que ele deveria ocupar, colocaram-se, com letras de ouro, as seguintes palavras das Escrituras Sagradas: 'Eu sou o que sou'. E ninguém parecia escandalizar-se", lago, no Otelo de Shakespeare é o grande vilão de toda a literatura; mas Coleridge, Works, 4.180, chama a atenção para o seu caráter desapaixonado. O pecado dele é, como o de Goethe e o de Napoleão, não o da carne, mas o do intelecto e da vontade.
Conduz a conclusões absurdas; como, por exemplo, que o ascetismo, ao diminuir o poder dos sentidos, deve diminuir o poder do pecado; que o

158
Augustus Hopkins Strong
homem se toma menos pecador quando os seus sentidos se enfraquecem com a idade; que os espíritos desencarnados são necessariamente santos; que o único redentor é a morte.
O ascetismo só muda a corrente do pecado para outras direções. O orgulho espiritual e a tirania tomam o lugar dos desejos carnais. O avaro agarra o seu ouro com mais firmeza à medida em que mais se aproxima da morte. Satanás não tem organismo físico, contudo é o príncipe do mal. Não é a nossa morte que nos salva, mas a de Cristo. Quando Emile de Rousseau se aproxima da morte, serenamente declara: "Estou livre dos embaraços do corpo e sem qualquer contradição". Aos setenta e cinco, Goethe escreveu a Ecker- mann: "Tenho estado sempre avaliando uma das minhas preferidas fortunas e não posso queixar-me da diretriz que a minha vida tomou. Na verdade os cuidados e fadigas não tem sido nada e posso dizer que nunca tive quatro semanas de genuíno prazer". Shedd, Syst. Theol., 2.743 - "Quando a David Hume, ou a David Strauss, ou a John Stuart Mill, nenhum dos quais era sensual Jesus Cristo faz, com autoridade, a exigência de confessar os pecados e pedir remissão através do sangue expiatório, isto desperta intensa hostilidade mental".
é) Interpreta a Escritura de uma forma errônea. Em passagens como Rm. 7.18 - oúk oíkeí èv èp.oí, tout' ècmv èv -rfj capicí jaoi), àya9óv aáp%, ou carne não significa o corpo humano, mas todo o seu ser quando destituído do Espírito de Deus. As Escrituras não reconhecem a sede do pecado no organismo físico, mas claramente na própria alma. Deus não tenta o homem, nem tem a natureza para tentá-lo (Tg. 1.13,14).
No emprego do termo "carne", a Escritura põe um estigma sobre o pecado e sugere que a natureza humana sem Deus é tão corruptível e perecível como o corpo sem que a alma o habite. A "mente carnal", (Rm. 8.7), concordemente significa, não a mente sensual, mas a que não está sob o controle do Espírito Santo, que é a verdadeira vida dela. 1/erMEYER, sobre 1 Co. 1.26 - aápÇ = "elemento puramente humano, oposto ao princípio divino"; Pope, Teologia, 2.65 - cáp^ = "o ser inteiro do homem, corpo, alma e espírito, separados de Deus e sujeitos à criatura; Julius Müller, Textos Prova, 19 - cráp" = "natureza humana viva em si mesma e para si mesma separada de Deus e oposta a ele". A mais antiga e melhor afirmação deste ponto de vista do termo aápÇ é a de Julius Müller, Doctrine ofSin, 1.295-333, especialmente 321. Ver também Dickson, Paul's Use ofthe Terms Flesh andSpirít, 270-271 - oápí, = "a natureza humana sem jiveí)p.a ... o homem apoiando-se em si, ou deixado ao léu da sua sorte, contra Deus ... o homem natural concebido não como tendo recebido graça ou sob a sua total influência".
Tg. 1.14,15 - "havendo a concupiscência concebido, dá à luz o pecado" = desejo inocente - porque ela entra antes do pecado - propensão constitucional inocente, ainda não depravada, é tão somente ocasião do pecado. O amor

Teologia Sistemática
159
à liberdade é parte da nossa natureza; o pecado surge só quando a vontade determina indultar este impulso sem levar em conta as limitações da lei divina. Lutero, Prefácio à Epístola aos Romanos: "Tu não entendes 'carne' apenas em conexão com a falta de castidade. São Paulo emprega 'carne' como o homem em seu todo, corpo e alma, razão e todas as suas faculdades porque tudo o que está nele anseia e luta contra a 'carne'". Melanchton: "Note que 'carne' significa a natureza total do homem, senso e razão, sem o Espírito Santo". Gould, Bib. Theol. N.T., 76-"Aaápq de Paulo corresponde ao kóohoç de João. Paulo vê a economia divina; João, a natureza de Deus. Na doutrina da ressurreição do corpo (1 Co. 15.38-49) percebe-se que Paulo não sustenta que o pecado consiste no fato de se possuir um corpo. A ressurreição do corpo é parte integrante da imortalidade".
f) Ao invés de explicar o pecado, esta teoria virtualmente nega a sua existência; porque se o pecado surge da constituição original do nosso ser, a razão pode reconhecê-la como uma desgraça, mas a consciência pode atribuir-lhe a culpa.
O pecado que em sua origem última é algo necessário não deixa de ser pecado. Sobre a toda a teoria da origem sensual do pecado, ver Neander, Planting and Training, 386,428; Tulloch, Doctrine of Sin, 144 - Aquilo que é uma força inerente e necessária na criação não pode contrariar a sua mais elevada lei". Esta teoria confunde pecado com mera consciência dele
2. Pecado como adaptação
Este ponto de vista explica o pecado com um resultado necessário da limitação do ser finito do homem. Como um incidente do desenvolvimento imperfeito fruto da ignorância e falta de poder, o pecado não é um mal absoluto, mas relativo - elemento da educação humana e um meio para o progresso. Este é o ponto de vista de Leibnitz e de Espinosa. Escritores modernos como Schurman e Royce têm sustentado que o mal moral é o cenário necessário e a condição para a boa moral.
A teoria de Leibnitz pode ser encontrada em sua Theodicée, parte 1, seções 20 e 31; a de Espinosa em sua Ética, parte 4, proposição 20. Baseado neste ponto de vista o pecado é o erro da inexperiência e a ausência do pensamento que toma o mal pelo bem, a ignorância que põe os seus dedos no fogo, o tropeço sem o qual não se aprende a andar. É um fruto azedo e amargo somente por ser imaturo. É um recurso da disciplina e do treinamento para algo melhor; é santidade em germe, o bem atuante - "Erhebung des Menschen zur freien Vernunft". É uma queda para cima, não para baixo.
John Fiske, como acréscimo à sua teoria do sentido sobre o pecado já mencionada, parece sustentar também esta teoria. Em sua obra Mistério do

160
Augustus Hopkins Strong
Mal, diz ele: "Sua impressão sobre a alma humana é o cenário indispensável contra o qual estabelecer-se-ão daqui em diante os gozos eternos do céu"; em outras palavras, o pecado é necessário à santidade, como a escuridão é o contraste indispensável e cenário da luz; sem o preto nunca seriamos capazes de conhecer o branco. Schurman, Beliefin God, 251 ss. - "A possibilidade do pecado correlaciona-se com a livre iniciativa que Deus abriu em favor do homem.... A essência do pecado é a entronização do eu.... Contudo, sem tal auto-absorção, não pode haver nenhum senso de união com Deus. O conhecimento só é possível através da oposição. Para conhecer A devemos conhe- cê-lo através do não A. A alienação de Deus é a condição necessária à comunhão com Deus. E este é o sentido da Escritura quando diz que 'onde o pecado abundou, superabundou a graça'. ... A moderna cultura protesta contra a entronização da bondade acima da verdade. ... Substituímos o decálogo pelo mais amplo mandamento de Goethe: 'Viva resolutamente a Integralidade, o Bem, o Belo'. A mais elevada religião não pode contentar-se com coisa alguma resumida na síntese de Goethe. ... Deus é a vida universal em quem se incluem as atividades individuais como movimentos de um só organismo".
Royce, World and Individual, 2.364-384 - "O mal é um desacordo necessário à perfeita harmonia. Em si mesmo é o mal, mas relacionado com o todo é válido para mostrar-nos sua finidade e imperfeição. É uma tristeza para com Deus assim como para conosco; na verdade, toda a nossa tristeza é a tristeza dele. O mal só serve ao bem quando derrotado, contraposto, dominado.
O próprio agente deve expiar toda má obra em algum lugar e em algum tempo. ... Toda a vida finita é uma luta contra o mal. Contudo a partir do ponto de vista final a integridade é o bem. A ordem temporal não contém em momento algum algo que possa satisfazer. Mas a ordem eterna é perfeita. Todos pecamos e temos falta da glória de Deus. Ainda na nossa própria vida, vista em sua inteireza, de modo completo manifesta-se a glória de Deus. As duras palavras são as mais profundas expressões da essência da verdadeira religião. São os mais inevitáveis resultados da filosofia.... Se não houvesse dila- ção no tempo, não haveria paz na eternidade. A oração para que se faça a vontade de Deus na terra como é no céu é idêntica ao que a filosofia considera como um fato simples".
Objetamos a esta teoria:
a) Ela se apóia em base panteísta, do mesmo modo que a teoria dos sentidos se apóia no dualismo. O elemento moral se confunde com o físico; pode confundir-se com o justo. Visto que o pecado é um incidente necessário da finitude, e que as criaturas nunca são infinitas, segue-se que o pecado deve ser perene, não só no universo, mas em cada alma em particular.
Goethe, Carlyle e Emerson representam este ponto de vista na literatura. Goethe fala da "ociosidade da vontade de pular para fora da sombra de alguém". Ele era discípulo de Espinosa, que cria em uma substância com atributos contraditórios de pensamento e extensão. Goethe reuniu o pensamento panteístico de Deus ao ponto de vista pessoal do homem. Ignorava o

Teologia Sistemática
161
fato do pecado. Hutton o chama "o homem mais sábio que o mundo viu sem a humildade e fé e sem a sabedoria de uma criança". Falando do Fausto de Goethe, Hutton diz: "O grande drama é radicalmente falso na sua filosofia fundamental. Sua primordial noção é que mesmo o espírito do mal puro é um ser grandemente útil, porque instiga à atividade os que ele induz ao pecado e os impede de tirar a ferrugem na pura indolência. Há outros meios melhores de estimular os sentimentos positivos do homem que induzi-los à tentação do pecado".
Carlyle era um presbiteriano escocês subtraído do cristianismo. Aos vinte e cinco anos rejeitou a miraculosa e histórica religião e, a partir daí, não tinha Deus, mas a Lei natural. A sua adoração da verdade objetiva tornou-se uma adoração da sinceridade subjetiva e a sua adoração da vontade pessoal tor- nou-se a de uma força impessoal. Pregava a verdade, o serviço, o sacrifício, mas de uma forma imperativa e pessimista. Via na Inglaterra e em Gales "vinte e nove milhões -dos mais tolos". Não tinha amor, remédio, esperança. Na nossa guerra civil, assumiu o lado dos escravistas. Reivindicava que a sua filosofia tornava justo o que podia, mas na prática ele operava o poder de ser justo. Confundindo todas distinções morais, como o fazia nos últimos escritos, ele achava normal usar o título que inventou para os outros: "Presidente da Sociedade da União do Céu ao Inferno". Froude o chama de "Calvi- nista sem teologia" - crente na predestinação sem a graça.
Emerson é também o adorador de uma força bem sucedida. Seu panteís- mo manifesta-se mais em seus poemas "Cupido" e "Brama", e em seus ensaios sobre o "Espírito" e sobre a "Super-Alma". Cupido: "O sólido, o sólido universo é permeável ao amor; Com os olhos vendados nunca erra, ao redor, abaixo, ou acima. Sua luz branca ofuscante à visão Sobre os filhos de Deus e os de Satanás, E com a sua vontade mística harmoniza o mal e o bem". Brama: "Se o rubro assassino pensa que ele mata, Ou se o morto pensa que ele está morto, eles não conhecem bem os sutis caminhos que eu mantenho, e passo, e retorno. Longe ou esquecido de mim está próximo; A sombra e a luz do sol são a mesma coisa; Os desvanecidos deuses aparecem-me; E para mim são ao mesmo tempo vergonha e fama. Eles avaliam o mal que me exclui; Quando eles me fazem voar, sou eu as asas; Eu sou o que duvida e sou a dúvida, E o hino que o brâmine canta. Os deuses fortes são o pinho da minha habitação, E em vão o pinho é o sagrado número Sete"; Mas tu, manso amante do bem, Acha-me e leva-me de volta ao céu".
Emerson ensinava que a imperfeição do homem não é pecado e que a cura deste acha-se na educação. "Ele permite que Deus evapore na Idealida- de abstrata. Não é uma Divindade no concreto, nem uma Pessoa sobrehumana, mas a divindade imanente nas coisas, a estrutura essencialmente espiritual do universo, o objeto do culto transcendental". Seu ponto de vista a respeito de Jesus encontra-se em seus Ensaios, 2.263 - "Jesus absorveria a raça; mas Tom Paine, o mais grosseiro blasfemo, ajuda a humanidade a resistir esta exuberância de poder". Em seu Discurso na Escola de Divindades, ele baniu da religião genuína a pessoa de Jesus. Segundo o seu pensamento 'não se pode ser um homem se não se subordinar a própria natureza à de Cristo". Ele não vê que Jesus não só absorve, mas transforma e, se crescemos, é apenas pelo impacto das mais nobres almas, do que de nós mesmos.

162
Augustus Hopkins Strong
O estilo do ensaio de Emerson é desprovido da exposição teológica clara e precisa e é neste elemento vago que está o prejuízo. Fisher, Nature and Method of Revelation, xii - "O panteísmo de Emerson não está radicado num credo consistente, pois, ao fim, ele pende para a crença numa imortalidade pessoal e pronuncia a aceitação desta crença 'o teste de sanidade mental'".
Podemos chamar esta teoria de "maçã verde" do pecado. O pecado é a maçã verde que apenas necessita de tempo e sol e crescimento para a colheita, beleza e utilidade. Porém respondemos que o pecado não é uma maçã verde, com um verme em seu bojo. O seu mal pode nunca ser curado através do crescimento. A queda pode nunca ser algo mais que uma derrocada. Sobre esta teoria, o pecado é um fator inseparável na natureza das coisas finitas. O mais alto arcanjo não pode dispensá-la. O homem em seu caráter moral é "a assíntota de Deus". - sempre aprendendo, mas nunca capaz de chegar ao conhecimento da verdade. O trono da iniqüidade está fixado para sempre no universo. Se esta teoria fosse verdadeira, Jesus, em virtude de sua participação na nossa humanidade finita, necessitaria ser pecador. O perfeito desenvolvimento dele, sem pecado, mostra que isto não é uma necessidade no progresso finito. Matthews, Christianism and Evolution, 137 - "Ao filho pródigo não foi necessário entrar na terra distante e tornar-se um porqueiro para encontrar o amor paterno". E. H. Johnson, Syst. Theol., 141 - "Ser bom não é privilégio exclusivo do Infinito". Dorner, System, 1.119, fala da carreira moral que esta teoria descreve, como um "progressus in infinitum (avanço rumo ao infinito), onde a abordagem constante para a meta tem como reverso uma separação eterna desta. Em sua "Transformação", Hawthorne sugere, embora de forma um tanto hesitante, que, sem o pecado, o mais elevado elemento humano da criatura não poderia erguer-se e o pecado pode ser essencial ao primeiro despertar consciente da liberdade moral e da possibilidade de progresso
Porque esta teoria considera o mal moral como um pressuposto necessário e condição do bem moral, ela comete o grave erro de confundir o possível com o real. Não é a realidade do mal que é necessária para o bem, mas apenas a possibilidade do mal.
Porque não podemos conhecer o branco a não ser em contraste com o preto, reivindica-se que, sem conhecer o verdadeiro mal, nunca poderíamos conhecer o bem. GeorgeA. Gordon, New Epoch for Faith, 49,50, mostra com precisão que, nesse caso, a eliminação do mal implicaria a eliminação do bem. Seria necessário que o pecado tivesse lugar no coração de Deus para que ele pudesse ssr santo e, desta forma, ele seria a divindade e o diabo em uma só pessoa. Jesus também teria necessidade de ser mau e bom. Isto não só seria verdade, como se deu a entender acima que Cristo, porque a sua humanidade é finita, deve ser um pecador, mas também que nós mesmos, que somos sempre finitos, devemos ser sempre pecadores. Admitimos que a santidade, tanto em Deus como no homem, deve envolver a possibilidade abstrata do seu oposto. Mas defendemos que, como esta possibilidade em

Teologia Sistemática
163
Deus é apenas abstrata e nunca realizada, também no homem só seria abstrata e nunca realizada. O homem tem poder de rejeitar este mal possível. Por meio da decisão da sua vontade, o pecado é uma volta do simples mal possível a um verdadeiro mal.
Esta teoria do pecado remonta aos tempos de Hegel. Para ele não existe nenhum pecado real e nem pode haver. Existe a imperfeição e sempre deve existir, porque o relativo nunca se torna absoluto. A redenção só é um processo evolutivo, indefinidamente prolongado e o mal deve continuar sendo uma condição eterna. Todo o pensamento finito é um elemento no pensamento infinito e toda a vontade finita um elemento na vontade infinita. Como o bem não pode existir sem o mal como antítese, a justiça infinita deve ter como contrapartida uma iniqüidade infinita. A linha mestra de Hegel é que "O racional é real e o que é real é racional". Seth, Hegelianism and Personality, assinala que este princípio ignora "o enigma da terra sofredora". O pensamento dos discípulos de Hegel é que nada na história fica incompleto, agora que o Espírito terreno tornou-se conhecido na filosofia de Hegel.
A Dogmática de Biedermann baseia-se na filosofia hegeliana. Na página 649 lemos: "O mal é a finidade do ser cósmico que supera toda existência individual em virtude de pertencer à ordem cósmica imanente. Por isso o mal é um elemento necessário pelo fato de a vontade divina ser a do mundo". Bradley segue Hegel fazendo o pecado não ser uma realidade, mas um aparecimento relativo. Não existe vontade relativa nem antagonismo entre a vontade de Deus e a do homem. As trevas são um mal, um agente destruidor. Mas não se trata de uma força positiva como é o caso da luz. Elas não podem ser combatidas ou dominadas como uma entidade. Traga a luz e as trevas desaparecem. Do mesmo modo o mal não é uma força positiva, como o bem. Traga o bem e o mal desaparece. A Ética Evolutiva de Spencer apresenta-se como um sistema, pois ele diz: "É impossível um homem perfeito numa raça imperfeita".
E inconsistente com os fatos; por exemplo: Nem todos pecados são os negativos pecados de ignorância e de fraqueza; há atos de malignidade positiva, de transgressões conscientes, de escolhas do mal voluntárias e presunçosas. O conhecimento aumentado da natureza do pecado não fortalece a capacidade de vencê-lo; mas, ao contrário, os atos repetidos de transgressão consciente endurecem o coração na direção do mal. Os homens de maior capacidade mental não são necessariamente os mais santos, e nem os maiores pecadores que têm menos força de vontade e entendimento são os maiores 7 ec adores.
Os maiores pecadores não são os fracos, mas os fortes. Não nos compadecemos de Nero e de César Bórgia pela sua fraqueza; detestamo-los pelos seus crimes. Judas era um homem capaz e um administrador prático; Satanás é um ser de grandes dotes naturais. O pecado não é simplesmente uma fraqueza; é uma força. A filosofia panteísta adoraria Satanás acima de todos; porque ele é o mais verdadeiro tipo de intelecto ímpio e poder egoístico.

164
Augustus Hopkins Strong
Jo. 12.6 - Judas, "tinha a bolsa e tirava o que se lançava nela". Ele foi posto por Jesus para fazer a obra para a qual era o mais adequado e o mais adequado a interessar-se e a economizar. Alguns homens podem ser postos no ministério porque essa é a única obra que evitará a destruição deles.
Os pastores devem encontrar nas suas ovelhas a tarefa adequada à aptidão de cada uma delas. Judas foi tentado, ou traído, de acordo com a sua propensão natural. Conquanto o seu motivo ao fazer objeção à generosidade de Maria fosse realmente a avareza, o seu pretexto era a caridade, ou a consideração em favor dos pobres. Cada um dos apóstolos tinha o seu dom peculiar e foi por isso escolhido. O pecado de Judas não foi o da fraqueza, ou da ignorância, ou da falta de firmeza. Foi o da malograda ambição, da malícia, da aversão à altruísta pureza auto-sacrificial.
E. H. Johnson: "O pecado não é a limitação do homem, mas a expressão ativa da natureza perversa". M. F. H. Round, Secretaria da Associação Nacional de Presídios, examinando o registro de mil criminosos, achou que um quarto deles tinha base de vida física e força excepcionalmente excelentes, enquanto os outros três quartos se enquadravam numa média só um pouco abaixo da humanidade em geral. A teoria de que o pecado é apenas a santidade faz-nos lembrar o ponto de vista de que a recusa mais objetável pode converter-se, através do mais engenhoso processo, em manteiga ou margarina. Não é verdade que "tout comprendre est tout pardoner (compreender tudo é perdoar tudo". Tal doutrina oblitera todas distinções morais. Gilbert, Baladas Infantis, "Meu Sonho": "Eu sonho como se estivesse vindo Habitar em um lugar ao revés, Onde o vício é virtude e a virtude vício; Onde o honesto é desonesto e o desonesto é honesto; Onde o certo é o errado e o errado é o certo; Onde o branco é preto e o preto é branco
Como a teoria do sentido a respeito do pecado, tanto contradiz a consciência como a Escritura, negando a responsabilidade humana e transferindo a culpa do pecado da criatura para o Criador. Isto significa explicar o pecado, novamente, negando-lhe a existência.
Édipo diz que tinha sido vítima das suas más obras, não que as tinha praticado. Agaménon, na llíada, diz que a culpa não é dele, mas de Júpiter e do destino. Assim o pecado culpa tudo e todos menos o eu. Gn. 3.12 - "A mulher que me deste por companheira me deu da árvore, e comi". Mas vindicar-se a si mesmo é a acusar Deus. Imperfeito no começo, o homem não pode remediar o seu pecado. Exatamente em virtude da sua criação ele cortou as amarras que o ligavam a Deus. Não pode ser pecado aquilo que é uma conseqüência necessária da natureza humana, que não é um ato nosso, mas do nosso destino. Para tudo isto há uma resposta na Consciência. A consciência testifica que o pecado não é "das Gewordene", mas "das Gemachte" e que é por sua própria ação que o homem cai na transgressão. As Escrituras relacionam o pecado do homem não com as limitações do seu ser, mas com a livre vontade do próprio homem.

Teologia Sistemática
165
3. O pecado como Egoísmo
Sustentamos que o princípio essencial do pecado é o egoísmo. Egoísmo é não apenas o amor próprio exagerado que constitui a antítese da benevolência, mas a escolha do eu como o supremo fim que constitui a antítese do supremo amor a Deus. Pode-se mostrar que o egoísmo é a essência do pecado da seguinte maneira:
O amor a Deus é a essência de toda virtude. O oposto, a escolha do eu como supremo fim, portanto, deve ser a essência do pecado.
Devemos lembrar, contudo, que o amor a Deus, no qual consiste a virtude, é o amor ao que é mais característico e fundamental em Deus, a saber, a sua santidade. Não deve ser confundido com a suprema consideração pelos interesses de Deus ou pelo que é bom aos seres em geral. O amor a Deus como santo, não a simples beneficência, é o princípio e fonte da santidade do homem. Porque o amor a Deus requerido pela lei é deste tipo, não só implica que o amor, no sentido de beneficência, é a essência da santidade em Deus; implica mais que santidade, ou amor próprio e pureza auto-afirmativa, é fundamental na natureza divina.
Bossuet, descrevendo o paganismo, diz: "Cada coisa é Deus; nada mais que o próprio Deus. O pecado vai além disso, e diz: "Eu mesmo sou todas coisas"; não somente como Luís XVI: "O estado sou eu", mas: "Eu sou o mundo, o universo, Deus". Um francês, crítico da filosofia de Fichte dizia que era uma fuga para o infinito que começou com o ego e nunca foi além disso. Kidd, Social Evolution, 75 - "No trágico conto de Calderon, a desconhecida figura, que através da vida inteira em toda a parte é um conflito com o indivíduo que persegue, levanta a máscara para finalmente revelar aos opositores as caraterísticas dele mesmo". Caird, Evolution of Religion, 1.78-"Todo eu, uma vez desperto, é naturalmente um déspota e, como o turco, não tem irmão próximo ao trono". Como diz Hobbes, cada um tem "um infinito desejo de lucro ou de glória" e não pode satisfazer-se com nada a não ser o universo inteiro para si. Egoísmo = "homo homini lupus (o homem é o lobo do homem)". James Martineau: "Pedimos a Comte que levantasse o véu do santo dos santos e nos mostrasse o objeto todo perfeito da adoração; ele apresenta um espelho e mostra as nossas imagens". A religião de Comte é "uma idealização sintética da nossa existência" - não uma adoração a Deus, mas à humanidade; e "o festival da humanidade" entre os Positivistas = "Eu me celebro a mim mesmo" de Walt Witman. A mais completa discussão do princípio essencial do pecado é o de Julius Müller, Doct. Sin, 1.147-182. Ele define o pecado como "um desprezo ao amor de Deus e a busca do eu".
N. W. Taylor sustenta que o amor próprio é a causa primordial de toda a ação moral; que o egoísmo é uma coisa diferente e consiste não em fazer da

166
Augustus Hopkins Strong
nossa própria felicidade o último fim, o que devemos fazer se somos seres morais, mas no amor do mundo e na preferência do mundo a Deus como o nosso quinhão ou o nosso principal bem. Ao contrário, defendemos que fazer da nossa felicidade a aspiração última é em si mesmo um pecado e a sua essência. Como Deus faz da sua santidade o centro, do mesmo modo devemos viver por ela, amando-a só em Deus e por amor a ele. Este amor ao Deus santo é a essência da virtude. Em oposição a isso, o pecado é o amor supremo do eu. Assim escreve Richard Lovelace: "Eu não poderia amar-te tanto, querida, se eu não amasse mais a honra"; do mesmo modo os amigos cristãos podem dizer: "Nossos atos de amor resistem no mais elevado amor". O pecador apresenta um objetivo inferior do instinto, o desejo de supremacia, desconsideração a Deus e à sua lei e a única razão porque ele o faz é gratificar a si mesmo.
O amor a Deus é a essência de toda a virtude. Devemos amar a Deus de todo o coração. Mas que Deus? Sem dúvida não o falso Deus, o Deus indiferente às distinções morais e que trata o ímpio do mesmo modo que o justo. O amor que a lei requer é o amor ao verdadeiro Deus, o Deus da santidade. Tal amor tem como alvo a reprodução da santidade de Deus em nós mesmos e nos outros. Devemos amar a nós mesmos só por amor a Deus e por amor à realização do ideal divino em nós. Devemos amar os outros só por amor a Deus e por amor à realização do ideal divino neles. Em nosso progresso moral, em primeiro lugar nós nos amamos, por amor a nós mesmos; em segundo lugar, a Deus por causa de nós mesmos; em terceiro lugar, a Deus por causa dele mesmo; em quarto lugar, a nós mesmos por causa de Deus. No primeiro caso temos o nosso estado por natureza; o segundo requer a graça antecipa- dora; o terceiro, a graça regeneradora; o quarto, a graça santificadora. Só o último é o amor racional. Balfour, Foundations of Faith, 27 - "O amor racional é uma virtude totalmente incompatível com aquilo que comumente se chama egoísmo. A sociedade sofre, não por ter muito disso, mas por ter excessivamente pouco". Altruísmo não é a totalidade do dever. A auto-realização é igualmente importante. Mas cuidar só do eu, como ensina Goethe, é omitir a verdadeira auto-realização, que garante o amor a Deus.
O amor deseja só o melhor para o seu objeto, e o melhor é Deus. A regra áurea determina que demos, não o que os outros desejam, mas o de que eles necessitam. Rm. 15.2 - "Cada um de nós agrade o seu próximo no que é bom para a edificação". Mrs. Humphrey Ward, David Grieve, 403 - "Como ousa o homem arrancar da mão do Senhor, para o seu uso selvagem e atrevido, uma alma e um corpo pelos quais ele morreu? Como ousa, ele, o fiador do Senhor, roubar a sua alegria, retirar para a selva, como o predador faz com a presa, ao invés de pedi-la das mãos do Senhor e sob a sua bênção? Como ousa ele, membro do corpo do Senhor, na ambição de um esquecer o todo - a eternidade em sua sede pelo presente?"
Aristóteles diz que os ímpios não têm o direito de amar a si mesmos, mas os bons podem. Assim, do ponto de vista cristão, podemos dizer: Nenhum impenitente pode com propriedade respeitar a si mesmo. O respeito próprio só pertence ao homem que vive em Deus e por isso tem restaurada a imagem deste. O verdadeiro amor próprio não é o amor à felicidade do eu, mas o merecimento do eu aos olhos de Deus e este amor próprio é a condição para

Teologia Sistemática
167
todo o genuíno e digno amor aos outros. Mas o verdadeiro amor próprio por sua vez é condicionado ao amor ao Deus santo e busca primordialmente, não a felicidade, mas a santidade dos outros. Asquith, Christian Conception of Holiness, 98,145,154,207 - "A benevolência ou amor não é a mesma coisa que altruísmo. O altruísmo é instintivo e não tem a sua origem na razão moral. Tem utilidade e até mesmo pode fornecer material para reflexão da parte da razão moral. Porém, desde que não seja deliberada, não condescende com o fim a que se destina, mas tão somente com a gratificação do instinto do momento, não é moral. ... Santidade é dedicação a Deus, o Bem, não como um Governador exterior, mas como um controlador interior e transformador do caráter. ... Deus é um ser cujo pensamento todo é amor, e nenhum dos seus pensamentos se volta para si mesmo, exceto quando o seu eu não é ele mesmo, isto é, quando há uma distinção nas pessoas da Divindade. A criação é o grande pensamento antiegoísta - a aproximação do ser das criaturas que conhecem a felicidade que Deus conhece. ... Para o homem espiritual santidade e amor são a mesma coisa. Salvação é libertação do egoísmo". Kaftan, Dogmatik, 319,320, considera a essência do pecado consistente não com o egoísmo, mas com o dar as costas para Deus e para o amor que faria o homem crescer no conhecimento e semelhança com Deus. Mas isto parece ser nada mais do que escolher o eu em detrimento de Deus como o nosso objetivo e fim.
Pode-se mostrar que todas diferentes formas de pecado têm sua raiz no egoísmo, enquanto o egoísmo, considerando a escolha do eu como o supremo fim, não pode ser resolvido em quaisquer elementos mais simples.
O egoísmo se revela na elevação ao supremo domínio de quaisquer apetites, desejos, ou sentimentos do homem natural. A sensualidade é o egoísmo na forma do apetite desordenado. O desejo egoísta toma, respectivamente, as formas de avareza, ambição, vaidade, orgulho, conforme se estabelece sobre a prosperidade, poder, valorização, independência. O sentimento egoísta é a falsidade ou malícia à medida em que espera fazer dos outros seus servos voluntários ou os considera desta forma; é descrença ou inimizade contra Deus, à medida em que simplesmente despreza a verdade e amor de Deus ou concebe a santidade de Deus como resistindo positivamente e punindo-o.
Agostinho e Tomás de Aquino sustentam que a essência do pecado é o orgulho; Lutero e Calvino consideram que a sua essência é a incredulidade. Kreibig (Versõhnunlehre) considera-o como "amor terreno"; outros ainda consideram-no como inimizade contra Deus. Ao expor o ponto de vista de que a sensualidade é a essência do pecado, Julius Müller diz; "Onde quer que encontramos a sensualidade encontramos o egoísmo, mas não achamos que, onde há egoísmo, há sensualidade. O egoísmo pode incorporar a carnali- dade ou o desejo desordenado para a criatura, mas este não pode produzir pecados espirituais que não tenham em si nenhum elemento de sensualidade".

168
Augustus Hopkins Strong
A cobiça ou a avareza, não torna sensual a própria gratificação, mas as coisas que podem contribuir para isso, o objetivo a ser perseguido e, nesta última busca, freqüentemente perde de vista o seu alvo original. A ambição é o amor egoístico pelo poder; a vaidade é o amor egoístico pela estima. O orgulho é apenas a autocomplacência, a auto-suficiência e o auto-isola- mento de um espírito egoísta que não deseja nada mais do que a irrestrita independência. A malícia, perversão do ressentimento natural (juntamente com o ódio e a vingança), é a reação do egoísmo contra os que estão, ou imagina-se estar, a caminho dele. A incredulidade e a inimizade contra Deus são efeitos do pecado, e não a sua essência; o egoísmo nos conduz primeiro à dúvida e, daí, ao detestar o Legislador e Juiz. Tácito: "Humani generis pro- prium est odisse quem laeseris" (É próprio do gênero humano odiar aquele que fere). No pecado, a auto-afirmação e auto-rendição não são elementos coordenados, como sustenta Dorner, mas aquela é condição desta.
Como o amor a Deus é o amor à sua santidade, assim o amor ao homem é o amor à santidade nele e o desejo de comungar com ela. Em outras palavras, o verdadeiro amor pelo homem é o anseio por assemelhá-lo a Deus. Contra esse desejo normal que deve encher o coração e inspirar a vida, há uma hierarquia de desejos inferiores que podem ser utilizados e santificados pelo mais elevado amor, mas que podem afirmar a sua independência e ocasionar o pecado. Gratificação física, dinheiro, estima, poder, conhecimento, família, virtude são objetos próprios a serem considerados desde que procurados, visando às coisas de Deus e dentro das limitações da vontade dele. O pecado consiste em virar as costas para Deus e buscar qualquer dos objetivos acima por causa de si mesmos; ou, o que dá na mesma, para nós. O apetite gratificado sem levar em consideração a lei de Deus é cobiça; o amor ao dinheiro se torna avareza; o desejo de auto-estima torna-se vaidade; o anseio pelo poder torna-se ambição; o amor ao conhecimento torna-se sede egoística pela satisfação intelectual; a afeição paterna degenera em indulgência ou nepotismo; a busca da virtude torna-se autojustificação e auto- suficiência. Kaftan, Dogmatik, 323 - "Jesus admite que mesmo os gentios e pecadores amam os que os amam. Mas o amor pela família torna-se orgulho pela família; o patriotismo pode ter um sentido correto ou errôneo; a felicidade na vocação de alguém leva a estabelecer distinção de classes".
Dante, na Divina Comédia, divide o inferno em três grandes seções: a daqueles que são punidos, respectivamente pela incontinência, pela bestiali- dade, e pela malícia. Incontinência = pecado do coração, das emoções, das afeições. Mas abaixo encontra-se a bestialidade = pecado da cabeça, dos pensamentos, da mente, tais como a infidelidade e a heresia. O mais baixo de todos é a malícia = pecado da vontade, da rebelião deliberada, da fraude e da traição. Assim aprendemos que o coração tem em si a inteligência e que o pecado da descrença gradualmente se aprofunda na intensidade da malícia. Ver A. H. Strong, Great Poets and Their Theology, 133 - "Dante nos ensina que o pecado é a autopreservação da vontade. Se há algum pensamento fundamental neste sistema, é o da liberdade. O homem não é um ser abandonado irresistivelmente arrastado correnteza abaixo; ele é um ser dotado de poder para resistir e, por isso, culpado por aquilo que ele faz. O pecado não é um infortúnio, uma doença ou uma necessidade natural; é uma volunta-

Teologia Sistemática
169
riedade, e um crime, e uma autodestruição. A Divina Comédia, mais do que todos os outros, é o poema da consciência; e não o poderia ser, se não reconhecesse o homem como um agente livre, causa responsável por seus próprios atos maus e por seu mau estado.
Na tragédia grega, diz o Prof. Wm. Arnold Stevens, o único pecado que os deuses detestam e que não tem perdão é a í>(3piç - a obstinada auto-afirma- ção da mente ou da vontade, ausência da reverência e da humildade - ilustrada em Ájax. George MacDonald: "O homem pode ser possuído de si mesmo, como de um diabo". Shakespeare pinta esta insolência da enfatuação em Shylock, Macbeth e Ricardo III. Troilus e Créscida, 4.4 - "Poder-se-á fazer alguma coisa que nós não queremos; E às vezes somos diabólicos para nós mesmos, Quando queremos tentar a fragilidade das nossas forças. Conjetu- rando sobre a mutável potência delas". Contudo, Robert G. Ingersoll diz que Shakespeare sustenta que o crime é um equívoco da ignorância! N. P. Willis, Parrhasius: "Quão semelhante a um diabo cavalgando o coração Governa a ambição irrefreável!"
Mesmo nas mais nobres formas da vida do não regenerado, o princípio do egoísmo deve ser considerado manifestando-se na preferência dos baixos fins em relação aos propostos por Deus. Outros são amados com sentimento idólatra porque tais são considerados como parte do eu. É evidente que o elemento egoísta se acha presente aqui ao considerar que tal sentimento não busca o mais alto interesse do seu objeto, que freqüentemente cessa quando não obtém retomo e sacrifica à sua própria as reivindicações de Deus e de sua lei.
Até mesmo na idolatria da mãe pelo seu filho, na devoção do explorador no campo da ciência, no risco da vida do marinheiro para salvar a vida de um outro, na gratificação perseguida talvez de um instinto ou desejo inferior e em qualquer substituição do mais elevado pelo inferior objetivo está a inconformidade com a lei e, conseqüentemente, com o pecado. H. B. Smith, System of Theology, 277 - "Alguma afeição inferior é suprema". E o motivo subjacente que conduz a esta substituição é a autogratificação. Não existe essa coisa que chamam de pecado diferenciado, pois "qualquer que ama é nascido de Deus" (1 Jo. 4.7). Thomas Hughes, O Lado Humano de Cristo: Muito do heroísmo da batalha é tão somente "resolução da parte dos atores de ter o seu caminho, desprezo pela tranqüilidade, coragem animal que compartilhamos com o buldogue e com a doninha, intensa afirmação da vontade e da força, declaração do homem de mão musculosa que ele tem em si e o capacita a desafiar a dor e o perigo e a morte
Mosley sobre Bianco White, Essays, 2.143: Pode-se buscar a verdade visando à absorção da verdade em si não para absorver-se na verdade. Assim Bianco White apesar da dor da separação dos velhos pontos de vista e dos amigos, vivia para o prazer egoístico da nova descoberta, até que toda a sua fé primitiva se desvaneceu e até mesmo a imortalidade parecia um

170
Augustus Hopkins Strong
sonho. Pensava falsamente que a dor que sofria ao deixar as velhas crenças era evidência do auto-sacrifício de que Deus deve agradar-se, conquanto seja inevitável a dor que atenta da vitória do egoísmo. Roberto Browning, Paracelsu,
81 - "Ainda devo entesourar, acumular, classificar todas as verdades Com ulterior propósito: Eu devo conhecer! Transportar-me-ia Deus para o seu trono, creria que eu só haveria de ouvir as suas palavras até que mais tarde as minhas findassem". F. H. Robertson, sobre Gênesis, 57 - "Aquele que sacrifica o seu senso de justiça, sua consciência, em benefício de um outro, sacrifica Deus dentro de si; não está se sacrificando. Aquele que prefere o mais querido amigo, ou seu dileto filho, à chamada do dever logo mostrará que a si mesmo se prefere ao mais caro amigo e não se sacrificaria pelo seu filho". Ib.
91 - "Nos que amam pouco, o amor [pelos seres finitos] é uma afeição primordial; em segundo lugar, naqueles que amam muito. ... A única afeição verdadeira é a que se subordina a uma mais elevada". O verdadeiro amor ocorre em favor da alma, seus mais elevados e eternos interesses; o amor que procura fazer isto é santo; o amor que aponta para Deus e para a sua idéia na sua criação.
Apesar de não podermos, com Agostinho, chamar as virtudes dos pagãos de "esplêndidos vícios" - pois elas são boas e úteis; exceto em possíveis exemplos em cujo coração opera Espírito de Deus, elas ainda são ilustrações de uma moralidade divorciada do amor de Deus, não existem no elemento essencial exigido pela lei, portanto, infectadas pelo pecado. Porque a lei julga tudo a partir do coração de onde brota, nenhuma ação do impenitente pode ser outra coisa senão pecado. O ébano é branco nos anéis exteriores da fibra da madeira; no cerne é branco como a tinta. Não há nenhuma falta de egoísmo no coração do impenitente, independentemente da iluminação e da energia divina. O sacrifício próprio em favor do eu é, acima de tudo, pecado.
Os arrombadores e os assaltantes de bancos com freqüência são abstinen- tes em seus hábitos pessoais e negam-se a usar bebida alcoólica e fumo enquanto estão na prática ativa de seu negócio. Herron, The Langer Christ,
47 - "Sem dúvida é imoral buscar verdade fora do simples amor ao seu conhecimento, do mesmo modo que buscar dinheiro fora do amor pelo seu ganho. A verdade procurada por causa da verdade é um vício intelectual; é cobiça espiritual. É idolatria, ao adorar abstrações e generalidades em lugar do Deus vivo".
Convém lembrar, contudo, que ao lado da vontade egoísta e da luta contra ela está o poder de Cristo, o Deus imanente, concedendo aspirações e impulsos estranhos ao homem não regenerado e preparando o caminho para a rendição da alma à verdade e retidão.
Rm. 8.7 - "a inclinação da carne é inimizade contra Deus"; At. 17.27,28 - "que não está longe de nós; porque nele vivemos nos movemos e existimos";
Rm. 2.4 - "a benignidade de Deus te leva ao arrependimento"; Jo. 1.9 - "a luz que alumia todo o homem". Muitos traços generosos e atos do sacrifício próprio do impenitente devem ser atribuídos à precedente graça de Deus e à

Teologia Sistemática
171
influência iluminadora do Espírito de Cristo. Certa mãe, durante a fome na Rússia, deu aos seus filhos tudo do pouco mantimento que recebeu, e morreu para que eles pudessem viver. Na sua decisão de sacrificar-se em benefício dos seus filhos ela pode ter encontrado a prova e ter-se rendido a Deus. O impulso de sacrificar-se pode dever-se ao Espírito Santo e o seu procedimento pode ter sido essencialmente um ato de fé salvadora. Em Mc. 10.21,22
"E Jesus, olhando para ele, o amou ... retirou-se triste" - parece que o nosso Senhor amou o moço, não por seus dons, por seus esforços e por suas possibilidades, mas pela manifesta operação do Espírito divino nele, conquanto em seu caráter natural ele estivesse sem Deus e sem amor, e tivesse ignorância própria, justiça própria e a busca do eu.
De igual modo, Paulo, antes da conversão, amava e desejava a justiça, porém talvez essa justiça fosse o produto e realização da sua própria vontade sobre outra que lhe era detestável. E ainda esse mesmo impulso para a justiça pode ser devido ao Espírito divino dentro dele. Pedro fez objeção a que Cristo lhe lavasse os pés (Jo. 13.8), não porque isto humilhasse o Mestre diante do discípulo, mas porque humilhava o discípulo aos seus próprios olhos. Pfleiderer, Philos. of Religion, 1.218 - "Pecado é a violação da ordem moral desejada por Deus realizada pela vontade própria do indivíduo". Tophel sobre o Espírito Santo, 17 - "Você o feriria profundamente [de um modo geral o pecador] se lhe dissesse que o coração dele, cheio de pecado, é objeto de horror à santidade de Deus". O impulso para o arrependimento, assim como o impulso para a justiça, é produto, não da natureza própria do homem, mas de Cristo naquele que o move a buscar a salvação.
Elizabeth Barrett escreveu a Robert Bowning depois de aceitar a sua proposta de casamento: "Doravante sou sua para tudo o que não representar dano para você". George Harris, Moral Evolution, 138 - "O amor busca o verdadeiro bem da pessoa amada. Não ministrarei de modo indigno para obter prazer temporário. Não aprovarei ou tolerarei o que está errado. Não encorajarei o que é grosseiro, paixões baixas da pessoa amada. Isto é condenável por ser impureza, falsidade, egoísmo. Na verdade o pai não ama o filho se tolera a indulgência própria e não corrige ou pune as suas faltas". Hutton: "Você bem poderia dizer que convém à arte a êxtase mórbida dos canibais nas suas horrorosas festas, assim como pintar a cobiça sem o amor. Se você vai delinear o homem como um todo, deve fazê-lo com a sua natureza humana e, conseqüentemente, nunca omitir a qualquer quadro a consciência como sua coroa".
Tennyson, In Memoriam, fala da "Fantástica beleza que se oculta Em algum poeta selvagem quando trabalha Sem consciência ou sem um propósito". Tal obra pode dever-se à mera natureza humana. Mas a elevada obra do verdadeiro gênio criativo e os atos ainda que mais elevados dos homens ainda impenitentes, mas conscientes e que a si mesmos se sacrificam, deve ter sua explicação na obra do Cristo imanente, na vida e luz dos homens. James Mar- tineau, Study, 1.20 - "A consciência pode agir humanamente antes de descobrir que é divina". Ver J. D. Stoops, Jour. Philos., Psych. and Sei. Meth., 2.512
"Se há uma vida divina bem acima das correntes das vidas individuais, o jorro desta vida na experiência do indivíduo é precisamente o ponto de contato entre a pessoa e Deus". Caird, Fund. Ideas of Chistianity, 2.122 -

172
Augustus Hopkins Strong
"É este elemento divino no homem, este relacionamento com Deus, que dá ao pecado seu aspecto mais tenebroso e sinistro. Pois essa vida representa a mudança de uma luz mais brilhante que o sol comparado com as trevas, o desperdício ou troca de uma ilimitada riqueza, pela suicida humilhação das coisas que perecem, de uma natureza destinada por sua própria constituição e estrutura à participação do próprio ser e bênção de Deus
Este ponto de vista é o que mais concorda com a Escritura.
A lei requer o amor a Deus como uma exigência toda abrangente. b) A santidade de Cristo consiste nisto, que ele buscou não a sua própria vontade ou glória, mas fez Deus o seu supremo fim. c) O cristão é alguém que deixou de viver para si. d) A promessa do tentador é de independência egoís- tica. é) O pródigo se separa de seu pai e busca seu próprio interesse e prazer. f) O "homem do pecado" ilustra a natureza do pecado, "opondo-se e exaltan- do-se contra tudo o que se chama Deus".
Mt. 22.37-39 - o mandamento de amar a Deus e ao homem; Rm. 13.8-10
"de sorte que o cumprimento da lei é o amor"; Gl. 5.14 - "Porque toda a lei se cumpre numa só palavra, nesta: Amarás o teu próximo como a ti mesmo";
Tg. 2.8 - "a lei real", b) João 5.30 - "o meu juízo é justo porque não busco a minha vontade, mas a vontade do Pai, que me enviou"; 7.18 - "Quem fala de si mesmo busca a sua própria glória, mas aquele que busca a glória daquele que o enviou, esse é verdadeiro, e não há nele injustiça"; Rm. 15.3 - "Porque Cristo não agradou a si mesmo", c) Rm. 14.7 - "Porque nenhum de nós vive para si e nenhum morre para si"; 2 Co. 5.15 - "Ele morreu por todos para que os que vivem não vivam mais para si, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou"; Gl. 2.20 - "Já estou crucificado com Cristo; e vivo não mais eu, mas Cristo vive em mim". Contrastar com 2 Tm. 3.2 - "amantes de si mesmos". d) Gn. 3.5-"sereis como Deus, sabendo o bem e o mal", e) Lc. 15.12,13
"Dá-me a parte da fazenda ... ajuntando tudo, partiu para uma terra longínqua". f) 2 Ts. 2.3,4 - "homem do pecado, filho da perdição, que se opõe e se levanta contra tudo o que se chama Deus ou se adora; de sorte que se assentará como Deus, no templo de Deus, querendo parecer Deus".
Contrastar "homem do pecado" que "se levanta" (2 Ts. 2.3,4) o Filho de Deus, que "esvaziou-se a si mesmo" (Fp. 2.7). Ritchie, Darwin and Hegel, 24
"Estamos cônscios do pecado porque sabemos que o nosso verdadeiro eu é Deus, de quem estamos separados. Nenhuma ética é possível a não ser que reconheçamos um ideal para todo o esforço humano na presença do Eu eterno que qualquer relato da conduta pressupõe". John Caird, Fund. Ideas of Christianity, 2.53-73 - Aqui, como em toda a vida orgânica, o membro ou órgão individual não têm nenhuma vida independente ou exclusiva e a tentativa de alcançá-la é por si mesma fatal". Milton descreve o homem como "afetando Deus e, dessa forma, perdendo tudo". A respeito do pecador, podemos dizer com Shakespeare, Coríolanus, 5.4 - "Ele não quer nada de um deus, a não ser a eternidade e um céu no qual quer entronizar-se ... Não há mais

Teologia Sistemática
173
nenhuma misericórdia do que leite num tigre macho". Então, nenhum de nós pode tão apressadamente abonar "a declaração de dependência". Tanto a Velha Escola de Teólogos como a Nova concorda em que o pecado é egoísmo.
O pecado, portanto, não é somente algo negativo ou ausência de amor a Deus. É uma escolha fundamental e positiva ou preferência do eu em detrimento de Deus como objeto do sentimento e fim supremo do ser. Ao invés de fazer Deus o centro de sua vida, rendendo-se incondicionalmente a ele e pôr- se em inteira subordinação à vontade de Deus, o pecador se faz o centro de sua vida, põe-se diretamente contra Deus e constitui seu próprio interesse o supremo motivo e a sua vontade a regra suprema.
Podemos seguir o Dr. E. G. Robinson dizendo que, enquanto o pecado como estado é dissemelhança em relação a Deus, como princípio é oposição a Deus e como ato é transgressão à lei de Deus, a essência dele é sempre e em toda a parte egoísmo. Não é, portanto, algo externo, ou o resultado de coação vinda de fora; é uma depravação dos sentimentos e uma perversão da vontade, que constitui o mais íntimo caráter do homem.
VerHARRis, Biblia Sacra, 18.148 - "O pecado é essencialmente egoísmo ou euísmo, que põe o eu no lugar de Deus. Ele apresenta quatro principais caraterísticas ou manifestações: 1) auto-suficiência, em lugar da fé; 2) a vontade própria, em lugar da submissão; 3) a busca de si mesmo, em vez da benevolência; 4) a justiça própria em lugar da humildade e reverência". Implícita ou explicitamente todo pecado é "inimizade contra Deus" (Rm. 8.7). Todas verdadeiras confissões são como as de Davi (SI. 51.4) - "Contra ti, contra ti somente pequei e fiz o que a teus olhos é mal". De todos pecadores pode-se dizer: "Não pelejareis contra pequeno nem contra grande, mas só contra o rei de Israel" (1 Re. 22.31
Nem todo pecador está consciente desta inimizade. O pecado é um princípio no curso do desenvolvimento. Contudo, não é "consumado" (Tg. 1.15 —
"o pecado, sendo consumado, gera a morte"). Mesmo agora, como diz Marti- neau: "Se se pudesse saber que Deus está morto, as notícias causariam tão somente uma pequena emoção nas ruas de Londres ou de Paris". Mas tal indiferença facilmente cresce em presença da ameaça e da pena, tornando- se violenta ira contra Deus e desafio positivo da sua lei. Se apenas se permitisse que o pecado que ora se esconde no coração do pecador se desenvolvesse segundo a sua própria natureza, arrojaria o Onipotente do seu trono e estabeleceria o seu próprio reino sobre as ruínas do universo moral.
SEÇÃO III - UNIVERSALIDADE DO PECADO
Já vimos que o pecado é um estado da vontade, egoísta. Continuamos agora mostrando que tal estado egoísta da vontade é universal. Dividimos nossa

174
Augustus Hopkins Strong
prova em duas partes. Na primeira, consideramos o pecado em seu aspecto de violação da lei; na segunda, em seu aspecto de tendência da natureza para o mal, ante a consciência ou subjacente a ela.
TODO SER HUMANO QUE CHEGOU À CONSCIÊNCIA MORAL COMETEU ATOS, OU ACALENTOU DISPOSIÇÕES CONTRÁRIAS À LEI DIVINA
Prova da Escritura
A universalidade da transgressão é:
Estabelecida em declarações diretas da Escritura.
Re. 8.46 - "não há homem que não peque"; SI. 143.2 - "não entres em juízo com o teu servo, porque à tua vista não se achará justo nenhum viven- te"; Pv. 20.9 - "Quem poderá dizer; Purifiquei o meu coração, limpo estou do meu pecado?"; Ec. 7.20 - "Na verdade, não há homem justo sobre a terra, que faça o bem e nunca peque"; Lc. 11.13-"se vós, sendo maus"; Rm. 3.10,12
"Não há nenhum justo, nenhum sequer... Não há quem faça o bem; não há nenhum só"; 19,20 - "que toda boca esteja fechada e todo o mundo seja condenável diante de Deus. ... por isso, nenhuma carne será justificada diante dele pelas obras da lei, porque pela lei vem o conhecimento do pecado"; 23
"Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus"; Gl. 3.22 - "mas a Escritura encerrou tudo debaixo do pecado"; Tg. 3.2 - "Porque todos tropeçamos em muitas coisas"; 1 Jo. 1.8 - "Se dissermos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos e não há verdade em nós". Compare Mt. 6.12 - "perdoa as nossas dívidas" - é uma oração para todos os homens;
14 - "se perdoarmos aos homens as suas ofensas" - condição do nosso perdão.
Implícita nas declarações da necessidade universal de expiação, de regeneração e de arrependimento.
Necessidade universal da expiação: Mc. 16.16 - "Quem crer e for batizado será salvo" (Embora Mc. 16.9-20 provavelmente não tenha sido escrito por Marcos, é, contudo, de autoridade canônica); Jo. 3.16 - "De tal maneira Deus amou o mundo que deu seu Filho unigênito para que todo o que nele crê não pereça"; 6.50 - "Este é o pão que desce do céu, para que o que dele comer não morra"; 12.47 - "eu não vim para julgar o mundo, mas para salvar o mundo"; At. 4.12 - "E em nenhum outro há salvação porque debaixo do céu nenhum outro nome há, dado entre os homens, pelo qual devamos ser salvos". Necessidade universal de regeneração: Jo. 3.3,5 - "aquele que não nascer de novo não pode ver o reino de Deus. ... aquele que não nascer da água e do Espírito não pode entrar no reino de Deus". Necessidade universal

Teologia Sistemática
175
de arrependimento: At. 17.30 - "anuncia a todos os homens, em todo lugar, que se arrependam". Contudo a Sra. Mary Baker G. Eddy, "Unidade de Deus", fala da "ilusão que chama o pecado real e o homem um pecador que necessita de um salvador".
Apresentada na condenação que incide em todos os que não aceitam a Cristo.
Jo. 3.18 - "quem não crê já está condenado porque não creu no nome do unigênito Filho de Deus"; 36 - "aquele que não crê no Filho não verá a vida, mas a ira de Deus sobre ele permanece"; Compare 1 Jo. 5.19 - "o mundo todo jaz no maligno"; Kaftan, Dogmatik, 318 - "A lei requer o amor de Deus. Este implica amor ao nosso próximo, não apenas abstendo de toda injúria a ele, mas praticando a justiça em todas nossas relações, perdoando ao invés de vingar, auxiliando os inimigos do mesmo modo que aos amigos de todo modo salutar, praticando a autodisciplina, evitando toda a falta de moderação sensual, e sujeitando todas atividades sensuais visando a fins espirituais no reino de Deus e tudo isso, não atendendo a uma conduta meramente exterior, mas de coração, satisfazendo à vontade e desejo próprios. Esta é a vontade de Deus a nosso respeito, a qual Jesus revelou e de que, na sua vida ele é o exemplo. Ao invés disto, o homem, universalmente, busca promover a sua própria vida, o seu prazer e a sua honra".
Consistente com as passagens que à primeira vista parecem atribuir a alguns homens uma bondade que os toma aceitáveis a Deus, nas quais um exame mais apurado mostrará que em cada caso a suposta bondade é simplesmente imperfeita e fantasiada de mera aspiração e impulso devidos às obras preliminares do Espírito de Deus ou resultantes da confiança de um pecador consciente no método de salvação da parte de Deus.
Em Mt. 9.12 - "Não necessitam de médicos os sãos, mas sim, os doentes"
Jesus significa os que se julgam sãos; cf. 13 - "eu não vim chamar os justos, mas os pecadores" = "se, na verdade, alguém fosse justo, não necessitaria de salvação; quem pensa desse modo, não se preocupa em buscá-la" (Bíblia Americana Parafraseada). Em Lc. 10.30-37 - Parábola do Bom Sama- ritano - Jesus não dá a entender que o samaritano não fosse um pecador, mas que havia pecadores salvos fora dos limites de Israel. Em At. 10.35 - "que lhe é agradável aquele que, em qualquer nação o teme e faz o que é justo" - Pedro não declara que Cornélio não era pecador, mas que Deus o aceitou através de Cristo; Cornélio já estava justificado, mas necessitava de saber 1) que ele era um salvo, e 2) como foi salvo; Pedro foi enviado para contar-lhe o fato e o método da salvação em Cristo. Em Rm. 2.14 - "porque, quando os gentios, que não têm lei, fazem naturalmente as coisas que são da lei, não tendo eles lei, são para si mesmos lei" - só se diz que, em certos aspectos, a obediência destes gentios mostra que eles têm uma lei que, sem

176
Augustus Hopkins Strong
letras está escrita no seu coração; não se diz que obedeciam perfeitamente a lei e, por isso, não tinham pecado - pois Paulo diz logo depois (Rm. 3.9) - "pois dantes demonstramos que, tanto judeus como gregos, todos estão debaixo do pecado".
Deste modo, as palavras "perfeito" e "justo" aplicam-se aos bons. Quando considerarmos a doutrina da Santificação, veremos que a palavra "perfeito", aplicada às condições espirituais atingidas, significa tão somente uma perfeição relativa, equivalente à piedade sincera ou maturidade do juízo cristão, dito de outra forma, à perfeição de um pecador que há muito confia em Cristo e em Cristo venceu seus principais defeitos de caráter. Ver 1 Co. 2.6 - "falamos sabedoria entre os perfeitos" (Am. Rev.: "entre os plenamente crescidos"); Fp. 3.15 - "Pelo que, quantos somos perfeitos, sintamos isto mesmo" - /'.e., expressar a meta - que os apóstolos diziam não ter sido ainda alcançada (vv. 12-14).
"Est deus in nobis; agitante calescimos illo". Deus é a "chama que acende o nosso barro". S. S. Times, 21 de setembro de 1901.609 - "A humanidade é melhor ou pior do que a pintam. Tem havido um tipo de pessimismo ao indicar a pecaminosidade humana que cega até o abundante amor, e a paciência, e a coragem, e a fidelidade ao dever entre os homens". A. H. Strong, Christ in Creation, 287-290 - "Há uma vida natural de Cristo e pulsa uma vida, e palpita nos homens em toda a parte. Todos os homens são criados em Cristo, antes de terem sido recriados nele. Toda a raça vive, move-se e existe nele porque ele é a alma da sua alma e a vida da sua vida". Então, não atribuímos os nobres impulsos dos impenitentes à desauxiliada natureza humana, mas a Cristo. Eles são esboços do seu Espírito, que move o homem ao arrependimento. Mas são influências da sua graça que, se sofrer resistência, deixam a alma em trevas maiores que na sua origem.
Prova da história, da observação e do juízo comum da humanidade
á) A história testemunha a universalidade do pecado nos seus relatos sobre a predominância do sacerdócio e do sacrifício.
Ver referências em Luthardt, Fund. Truths, 161-172, 335-339 - "Plutarco fala dos olhos manchados pela lágrima, rostos pálidos e lamentosos que ele vê junto aos altares públicos, rolando na lama e confessando os seus pecados. Entre o povo comum o bronco sentimento de culpa era tão real que foi abalado ou tornou-se vítima de zombaria".
Todo homem sabe que tem falta de perfeição moral e, na proporção de sua experiência no mundo, reconhece que todos têm essa falta.
Provérbio chinês: "Há apenas dois homens bons: um está morto; o outro ainda não nasceu". Provérbio de Idaho: "O único índio bom é o morto". Porém o provérbio também se aplica ao branco. O missionário, Dr. Jacob Chamber- lain, dizia: "Nenhuma só vez ouvi na índia um homem negar que era pecador.

Teologia Sistemática
177
Mas uma vez um brâmane interrompeu-me e disse: 'Nego as vossas premissas. Eu não sou pecador. Não tenho necessidade de agir de melhor forma'.
Por um momento senti-me em dificuldade. Foi quando eu lhe disse: 'Mas qual a opinião dos seus vizinhos a esse respeito?' Imediatamente alguém gritou:
'Ele me trapaceou em uma transação com cavalos' e um outro: 'Ele enganou uma viúva a respeito da herança dela'. O brâmane saiu da casa e nunca mais o vi". Quando criança, Joseph Sheridan Le Fanu, sobrinho neto de Richard Brinsley Sheridan, escreveu umas poucas linhas no "Ensaio sobre a Vida do Homem", que discorre o seguinte: "A vida do homem divide-se naturalmente em três partes distintas: a primeira, em que inventa e planeja toda sorte de vilania e velhacaria, - é o período da juventude e inocência. No segundo, ele põe em prática toda a vilania e velhacaria que ele maquinou, - é a flor do gênero humano e a primavera da vida. O terceiro e último período é aquele em que está formando a sua alma e preparando-se para o outro mundo, - o período do desvario".
O juízo comum da humanidade declara que há um elemento de egoísmo em cada coração humano e que todo homem propende a alguma forma de pecado. Este juízo comum se expressa nas máximas: "Ninguém é perfeito"; "Todo homem tem seu ponto fraco" ou "seu preço"; e todos grandes nomes da literatura têm atestado esta verdade.
Sêneca, De Ira, 3.26 - "Todos nós somos ímpios. O que um censura no outro achará em seu próprio seio. Vivemos no meio de ímpios e nós também o somos"; Epístolas Morais, 22 - "Ninguém tem poder de si mesmo para emergir [da sua impiedade]; alguns sentem necessidade de estender a mão; alguns, de afastá-la". Ovídio, Metamorphosis, 7.19 - "Vejo as coisas melhores e as aprovo, contudo, sigo as piores. ... Empenhamo-nos mesmo naquilo que é proibido e desejamos as coisas que nos são negadas". Cícero: "A natureza nos deu fracas centelhas de conhecimento; apagamo-las com a nossa imoralidade".
Shakespeare, Otelo, 3.3 - Qual é o palácio em que não se introduzem, vez por outra, coisas vis? Quem tem coração tão puro onde suspeitas odiosas não tenham suas audiências e tomem assento em sessão Com meditações mais eqüitativas?" Henrique VI, II. 3.3 - "Evita o juiz, pois todos somos pecadores". Hamlet, 2.2, compara a influência de Deus com o sol que "produz larvas em um cão morto, Beijando a carniça", - isto é, Deus não é responsável pela corrupção no coração do homem e pelo mal que dele advém, assim como o sol não é responsável pelas larvas que, com o seu calor, se produzem num cão morto; 3.1 - "Todos nós somos verdadeiros velhacos". Timão de Atenas, 1.2 - "Quem há, entre os vivos, que não seja corrompido ou não corrompa?"
Goethe: "Não vejo falta alguma cometida que eu também não a tivesse cometido". Dr. Johnson: "Todo ser humano sabe de si mesmo coisas que ele não tem coragem de contar ao seu amigo mais íntimo". Thackeray mostrava- se mestre em ficção ao apresentar-nos personagens nada perfeitos; todos

178
Augustus Hopkins Strong
agem por motivos mistos. Conta-se que Carlyle, herói adorador como tendia a ser, desgostava-se de cada um de seus heróis antes de terminar a sua biografia. Emerson diz que, para entender qualquer crime, bastava-lhe olhar para o seu próprio coração. Robert Burns: "Deus bem sabe que eu não sou aquilo quer deveria ser E nem o que eu poderia ser". Huxley: "Os melhores homens das melhores épocas são simplesmente aqueles que cometem os menores disparates e os menores pecados". E ele faz referência à "iniqüidade infinita" que assistia ao curso da história. Matthew Arnold: "Que mortal, quando viu, Finda a viagem da vida, Seu amigo celestial, Poderia ter a coragem de dizer-lhe destemidamente: - Conservei impoluta a lei da minha natureza: A carta escrita interiormente, para guiar-me, tu me deste, guardei-a até o fim?" Walter Besant, Filhos de Gibeon: "Os homens hábeis não desejam um sistema em que não seja capaz de fazer o bem aos outros em primeiro lugar". 'Prontos para louvar e orar no domingo, se na segunda-feira podem ir ao mercado tirar a pele aos seus companheiros e vendê-la". Confúcio ainda declara que "o homem nasceu bom". Ele confunde a consciência com a vontade - o senso de justiça com o amor à justiça. Merecidamente o Deão Swift buscou por muitos anos um método de extrair raios solares das abóboras.
A própria natureza humana é muito pouco capaz de produzir os frutos de Deus.
Todo homem admitirá 1) que não é perfeito no caráter moral; 2) que o amor a Deus não tem sido o motivo constante de suas ações, /.e., que ele tem sido até certo ponto egoísta; 3) que ele cometeu ao menos uma conhecida violação da consciência. Shedd, Sermons to the Natural Man, 86,87 - "Os teoristas que rejeitam a religião revelada e voltam aos primeiros princípios da ética e da moralidade que só a religião necessita enviam-no a um tribunal que o condena"; pois é óbvio que "nenhuma criatura humana em qualquer país ou grau de civilização jamais tem glorificado a Deus na medida do seu conhecimento relativo ao mesmo Deus".
Prova a partir da experiência cristã
Na proporção com o seu progresso espiritual, o cristão reconhece dentro de si disposições más que, se não fosse a graça divina, poderiam germinar e produzir as mais variadas formas de transgressão externa.
Ver a experiência de Goodwin, em Baird, Elohim Revealed, 409; Goodwin, membro da Assembléia de Doutores em Divindades de Westminster, falando de sua conversão diz: "Fez-se uma farta descoberta da minha lascívia e con- cupiscência e fiquei estarrecido ao ver com que voracidade eu buscara a gratificação de cada pecado". A experiência de Tõllner, na Dogmática de Martensen: Tõllner, embora inclinado para o pelagianismo, diz: "Olho para o meu próprio coração e vejo com penitente tristeza que, à vista de Deus, devo acusar-me de todas ofensas que enumerei", - e enumerara somente as transgressões deliberadas; - "aquele que não permite ser semelhantemente culpado, que não veja o fundo do seu coração". John Newton vê o assassino

Teologia Sistemática
179
levado à execução e diz: "Lá estaria indo John Newton se não fosse pela graça de Deus". Conde de Maistre: "Não sei o que pode ser o coração de um vilão - só conheço o de um virtuoso e que é medonho". Tholuck, no qüinqua- gésimo aniversário de magistério em Halle, disse aos seus alunos: "Ao rever as múltiplas bênçãos de Deus, a coisa que mais me parece grata é a convicção do meu pecado".
Roger Ascham: "Através da experiência descobrimos um caminho curto, através de uma longa peregrinação". Por vezes faz-se referência a Lc. 15.25- 32 como indicativo de que há alguns dos filhos de Deus que nunca se desviam da casa do Pai. Mas naquela família existem dois pródigos. O mais velho era um servo em espírito assim como o mais novo. J. J. Murphy, Nat. Selection and Spir. Freedow, 41,42 - "No desejo do filho mais velho de que pudesse às vezes festejar com os seus amigos independentemente do seu pai, estava contido o germe do desejo de escapar da sadia submissão do lar que, em seu pleno desenvolvimento, primeiro trouxera o seu irmão a uma vida turbulenta e, depois, à servidão a um estranho e ao apascentamento de porcos. Esta raiz do pecado, encontra-se em nós todos, mas nele de uma forma tão plena que produz a morte. Ainda ele diz: 'Eis que te sirvo (So-oXeúco
como escravo) há tantos anos, sem nunca transgredir o teu mandamento'. São os mandamentos do pai tão penosos? É verdadeiro e sincero o serviço sem o amor do coração? O mais velho estava sendo calculista para com o seu pai e antipático para com o seu irmão". Sir S.R. Seelye, Ecce Homo: "Não há virtude segura a não ser que seja entusiástica". Wordsworth: "O céu rejeita o amor das belas mentes mais ou menos calculistas".
Porque os mais iluminados pelo Espírito Santo reconhecem-se como culpados de inúmeras violações da lei divina, a ausência de qualquer consciência de pecado da parte do não regenerado deve ser considerada como prova de que ele pende para a transgressão contínua.
É notável que, enquanto os que são iluminados pelo Espírito Santo e verdadeiramente estão vencendo os seus pecados vêem mais e mais o mal dos seus corações e vidas, os escravos do pecado vêem cada vez menos esse mal e freqüentemente negam que são pecadores. Rousseau, Confesions, confessa o pecado no espírito que por si mesmo necessita de confissão. Ele passa um verniz sobre os seus vícios e magnifica as suas virtudes. "Ninguém", diz ele, "pode chegar ao trono de Deus e dizer: 'Eu sou melhor que Rousseau'... Soe a trombeta do juízo quando ela quiser: Apresentar-me-ei ante o Soberano Juiz com este livro na minha mão e direi alto e bom som: 'Aqui está o que eu fiz e o que eu pensei e o que fui"'. "Ah", disse ele antes de expirar, quão feliz é morrer quando não há razão para remorso ou para auto- reprovação!" E então, dirigindo-se ao Onipotente, diz ele: "Eterno Ser, a alma que vou devolver-te neste momento é pura do mesmo modo em que procedeu de ti; torna-a participante da tua felicidade!" Ainda em sua infância era um ladrãozinho. Em seus escritos, ele defendia o adultério e o suicídio. Viveu por mais de vinte anos na prática da licenciosidade. A maior parte de seus filhos,

180
Augustus Hopkins Strong
senão todos, ilegítimos, ele os mandava para o hospital dos enjeitados tão logo nasciam, deixando-os assim à dependência da caridade de estranhos, embora inflamasse as mães da França com eloqüentes apelos para que elas acalentassem seus próprios bebês. Era mesquinho, vacilante, traidor, hipócrita, e blasfemo. Em suas Confissões ele ensaia estimulantes cenas da sua vida com o espírito de grande aventureiro.
Edwin Forrest, quando acusado de converter-se num avivamento religioso, escreveu uma indigna negação na imprensa pública dizendo que ele não tinha nenhuma razão para sentir remorso; os seus pecados eram mais de omissão do que de comissão; ele sempre tinha agido de acordo com o princípio do amor aos amigos e detestava os inimigos; e confiando na justiça do mesmo modo que na misericórdia de Deus, esperava, quando deixasse a esfera terrena, 'enrolar os cortinados da sua carruagem em torno de si e deitar-se para os mais prazenteiros sonhos'. Contudo, ninguém da sua época era mais arrogante, auto-suficiente, licencioso, vingativo. John Y. McCane, quando sentenciou Sing Sing à prisão de seis anos por violar as leis do código eleitoral com os maiores subornos e aumento do número de cédulas, declarou que nunca havia feito qualquer coisa errada na vida. E ainda era Diretor da Escola Dominical. Uma senhora que viveu até a idade de 92 anos, protestou que, se tivesse que viver sua vida inteira outra vez não alteraria uma só coisa. Lord Nelson, após ter recebido ferida mortal em Trafalgar, disse; "Nunca fui um grande pecador". Contudo, naquela mesma hora ele estava vivendo em aberto adultério. Tennyson, Sea Dreams: "Com toda a consciência e um olho estrábico, Tão falso, ele pessoalmente se dava por verdadeiro". Estabeleça um contraste com a declaração do apóstolo Paulo: 1 Tm. 1.15 - "Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores dos quais eu sou o principal". Com propriedade se tem dito que "o maior dos pecados é não estar cônscio de nada".
Podem-se sugerir as seguintes razões para a inconsciência dos homens sobre os seus pecados: 1. Nunca conhecemos a força de qualquer paixão ou princípio dentro de nós até que comecemos a resisti-la. 2. As repressões providenciais de Deus sobre o pecado daí em diante têm impedido seu pleno desenvolvimento. 3. Os juízos de Deus contra o pecado ainda não foram manifestos. 4. O próprio pecado tem uma influência sobre a mente que cega. 5. Somente aquele que foi salvo da pena do pecado quer olhar para o abismo de onde foi resgatado. - Que um homem é inconsciente de qualquer pecado apenas prova que ele é um grande transgressor empedernido. Além do mais esta é a mais desesperançada característica da sua situação visto que não há salvação para alguém que nunca entende o seu pecado . À luz desta verdade, vemos a mais impressionante graça de Deus, não na entrega de Cristo para morrer pelos pecadores, mas no dom do Espírito Santo para convencer os homens dos seus pecados e levá-los a aceitar o Salvador. SI. 90.8 - "Diante de ti puseste ... os nossos pecados ocultos à luz do teu rosto" = a pecaminosidade interior do homem está oculta a ele mesmo, até que entre em contraste com a santidade de Deus. Luz = uma luminária ou sol, que brilha até as profundezas do coração e revela a iniqüidade oculta no doloroso consolo.

Teologia Sistemática
181
TODO MEMBRO DA RAÇA HUMANA, SEM EXCEÇÃO, POSSUI UMA NATUREZA CORROMPIDA, QUE É A FONTE DO VERDADEIRO PECADO, E POR SI MESMA É PECADO
1. Prova da Escritura
A) Os atos pecaminosos e disposições dos homens são mencionados e explicados por uma natureza corrompida.
'Natureza' é aquilo que é inato no homem, que ele tem desde o seu nascimento. Lc. 6.43-45 evidencia que há um estado corrupto inato, de que fluem as disposições e atos pecaminosos - "não há árvore boa que dê mau fruto ... o homem mau, do mau tesouro do seu coração tira o mal"; Mt. 12.34 - "Raça de víboras, como podeis dizer boas coisas, sendo maus?" SI. 58.3 - "Alienam-se os ímpios desde a sua madre; andam errados desde que nasceram, proferindo mentiras".
Esta natureza corrompida d) pertence ao homem desde o primeiro momento do seu ser; b) é subjacente à consciência do homem; c) não pode mudar pela força do próprio homem; d) constitui-o um pecador diante de Deus; é) é a herança comum da raça.
a) SI. 51.5 - "Eis que em iniqüidade fui formado e em pecado concebeu- me minha mãe" - aqui Davi está confessando, não o pecado de sua mãe, mas o seu próprio pecado; e ele declara que tal pecado remonta ao momento de sua concepção. Tholuck, citado por H. B. Smith, System, 281 - "Davi confessa que o pecado inicia com a vida do ser humano; que ele é culpado diante de Deus, não só pelas suas obras, mas pelo seu próprio ser". Shedd, Dogm. Theol., 2.94 - "Davi menciona o fato de que ele nasceu pecaminoso, com a agravante do seu adultério e não como desculpa para este", b) SI. 19.12 - "Quem pode entender os próprios erros? Expurga-me dos que me são ocultos"; 51.6,7 - "Eis que amas a verdade no íntimo, e no oculto me fazes conhecer a sabedoria. Purifica-me com hissope, e ficarei mais puro; lava-me e ficarei mais alvo do que a neve", c) Jr. 13.23 - "Pode o etíope mudar a sua pele ou o leopardo as suas manchas? Nesse caso vós podereis também fazer o bem, sendo ensinados a fazer o mal"; Rm. 7.24 - "Miserável homem que sou! Quem me livrará do corpo desta morte?" d) SI. 51.6 - "Eis que amas a verdade no íntimo"; Jr. 17.9,10 - "Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e perverso; quem o conhecerá? Eu, o Senhor, esquadrinho o coração" = só Deus pode conhecer plenamente a depravação nativa e incurável do coração humano; ver a Bíblia por Parágrafo Anotada, in loco. e) Jó 14.4 - "Quem do imundo tirará o puro? Ninguém!"; Jo. 3.6 - "O que é nascido da carne é carne", /'.e., a natureza humana separada de Deus. Pope, Theology, 2.53 - "Cristo, que conhece o que está no homem, diz: 'Se vós, sendo maus'

182
Augustus Hopkins Strong
(Mt. 7.11) e, 'O que é nascido da carne é carne' (Jo. 3.6), isto é, - juntando os dois - 'os homens são maus, porque nasceram maus'".
O conto O Véu Negro do Ministro de Nathaniel Hawthorne retrata o isolamento da mais profunda vida do homem e o temor que inspira qualquer afirmação visível de tal isolamento. C. P. Cranch: "Somos espíritos cobertos de véus; O homem nunca foi visto pelo homem; Toda a nossa profunda comunhão não consegue remover o sombrio anteparo". No coração de cada um de nós encontra-se aquela temível "gota negra", que o Corão diz ser o anjo apresentado a Maomé. O pecado é como a nódoa da escrófula no sangue, que aparece nos tumores, na destruição, no câncer, em múltiplas formas, mas que em toda a parte é o mesmo mal orgânico. É veraz a palavra de Byron sobre "A inerradicável nódoa do pecado, a ilimitada Upas (= antiar), a árvore que tudo arrasa".
E. G. Robinson, Christian Theology, 161,162 - "Não tem fundamento a objeção de que a consciência não traz acusação de culpa contra a deprava- ção inata; embora vista como verdadeira, pode ser natural em seu estado passivo quando sob a ação da natureza. Tal faculdade, ao contrário, empresta apoio à doutrina que ela supõe destruir. Quando a consciência sustenta a investigação inteligente sobre simples atos, logo descobre que estes são meros acessórios do crime, enquanto o elemento principal oculta-se além do alcance do conhecimento. Acompanhando esta investigação, no seu devido tempo explode a exclamação de Davi: SI. 51.5 - 'Eis que em iniqüidade fui formado e em pecado me concebeu minha mãe'. A consciência liga a culpa à sua sede no pecado hereditário".
Declara-se que todo homem, por natureza é filho da ira (Ef. 2.3). Aqui 'natureza' significa algo inato e original distinto daquilo que se adquire posteriormente. O texto implica que; a) O pecado é uma natureza no sentido de depravação congênita da vontade, b) Esta natureza é culpada e condenável; porque a ira de Deus repousa só sobre os que a merecem, c) Todo homem participa desta natureza e desta conseqüente culpa e condenação.
Ef. 2.3 - "e éramos, por natureza, filhos da ira, como os outros também". Shedd: "Natureza aqui não é a substância criada por Deus, mas a sua corrupção criada pelo homem". 'Natureza' [de nascor (nascer)] pode denotar algo inato e o termo, com propriedade, pode designar tendências ou estados maus inatos, assim como as faculdades ou a substância. "Por natureza" portanto = "por nascimento"; compare Gl. 2.15 - "judeus por natureza". E. G. Robinson: "Natureza = não o-uaía, ou essência, mas tão somente a qualificação da essência, como algo nascido em nós. Há tanta diferença nos bebês, desde o começo da sua existência, como há nos adultos. Se se define o pecado como 'transgressão voluntária da lei conhecida', naturalmente tal definição não considera o pecado original". Mas se o pecado é um estado egoístico da vontade, esse estado é claramente inato. Aristóteles fala de alguns homens nascidos para serem selvagens ((púcrei páppapoi), e outros, por natureza, destinados a serem escravos (cp-ócei SoúXoi). Aqui evidentemente acham-se a aptidão e

Teologia Sistemática
183
disposição congênitas. De igual modo podemos interpretar as palavras de Paulo, que declara exatamente que, ao nascerem, os homens têm a aptidão e disposição que se constituem em objeto do desagrado de Deus.
O ponto de vista oposto pode ser encontrado em Stevens, Pauline Theology, 152-157. O Reitor Fairbairn também diz que a pecaminosidade herdada "não é transgressão e não inclui culpa". Ritchl, Just. And Reconc., 344 - "O predi- cativo 'filhos da ira' refere-se à verdadeira transgressão antiga daqueles que agora, como cristãos, têm o direto de aplicar a si o propósito divino da graça, que é a antítese da ira". Meyer interpreta o verso: "Tornamo-nos filhos da ira seguindo uma tendência natural". Ele reivindica que a doutrina apostólica ensina que o homem sofre a ira divina por causa do seu verdadeiro pecado, quando submete a sua vontade ao princípio inato do pecado. Do mesmo modo N. W. Taylor, citado em H. B. Smith: "Somos por natureza, tais como nos tornamos por nossos atos, filhos da ira". "Mas", diz Smith, "se o apóstolo quisesse dizer isto, poderia ter se expressado assim; há uma palavra grega própria para 'tornar-se'; tal palavra só pode ser traduzida por 'éramos'". Assim em 1 Co. 7.14 - "Doutra sorte, os vossos filhos seriam imundos" - implica que, independentemente da operação da graça, todos os homens estão contaminados em virtude do seu nascimento de um tronco corrupto.
A roupa morreu na lã e em seguida novamente na costura. O homem é um "vilão duplamente morto". Ele é corrupto por natureza e posteriormente pela prática.
Visita-se a morte, penalidade do pecado, sobre os que nunca exerceram escolha pessoal e consciente (Rm. 5. 12-14). Este texto implica que a) O pecado existe no caso das crianças antes da consciência moral e, portanto, na natureza, independente da atividade pessoal, b) Porque as crianças morrem, esta visitação da penalidade do pecado sobre elas assinala o mal dessa natureza que contêm em si, apesar de não desenvolvidos os germes da verdadeira transgressão. c) Portanto, é certo que a natureza pecaminosa, culpada e condenável abrange toda a humanidade.
Rm. 5.12-14-"Pelo que, como por um homem entrou o pecado no mundo e, pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, por isso que todos pecaram. Porque até à lei estava o pecado no mundo, mas o pecado não é imputado não havendo lei. No entanto, a morte reinou desde Adão até Moisés, até sobre os que não pecaram à semelhança da transgressão de Adão" - Isto é, sobre aqueles que, à semelhança das crianças, nunca pecaram pessoal e conscientemente.
N. W. Taylor sustenta que as crianças, antes da atuação moral, não estão sujeitas ao governo moral de Deus, do mesmo modo que os animais. Nisto ele discorda de Edwards, Bellamy, Hopkins, Dwight, Smalley, Griffin. Ver Tyler, Letters on N. E. Theol., 8.132-142 - "Dizer que os animais morrem e, por isso a morte não pode ser prova do pecado nas crianças, é empregar uma base incrédula. O incrédulo tem o mesmo direito de dizer: Porque os animais

184
Augustus Hopkins Strong
morrem mesmo não sendo pecadores, o mesmo pode acontecer com os adultos. Se a morte pode reinar em tão alarmante extensão sobre a raça humana e ainda não ser prova do pecado, então adota-se o princípio de que a morte pode reinar em qualquer extensão sobre o universo, embora nunca pode tornar-se uma prova do pecado em qualquer caso". Reservamos nossa prova completa de que a morte física é a pena do pecado para a seção Pena, como uma das conseqüências do pecado.
2. Prova da Razão
Três fatos demandam explicação: a) A existência universal das disposições pecaminosas em cada mente e dos atos em cada vida. b) As tendências preponderantes para o mal, que necessitam a constante educação para os bons impulsos enquanto os maus se desenvolvem por si mesmos, c) A inclinação da vontade para a tentação e a verdadeira violação da lei divina, no caso de cada ser humano tão logo ele atinge a consciência moral.
Vê-se o egoísmo fundamental do homem na infância, quando a natureza humana age espontaneamente. É difícil desenvolver cortesia na criança. Não pode haver nenhuma cortesia sem considerar o homem como homem e a voluntariedade de cada um, seu lugar, o seu direito como filho de Deus igual a nós. Mas as crianças querem agradar a si mesmas sem ter consideração pelos outros. A mãe pergunta ao filho: "Por que você não faz o que é certo em vez de fazer o que é errado?" e o filho responde: "Porque isso me cansa", ou "Porque faço o que está errado sem tentar". Nada corre por si a não ser morro abaixo. "Nenhum outro animal faz coisas que o ferem ou destroem e as faz por amor a si. Mas o homem as faz e nasce para fazê-las desde o nascimento. As tenras pereirazinhas são todas pereiras, não são macieiras, e os espi- nheiros são todos espinheiros, não parreiras e todos os descendentes do homem nascem com o mal na sua natureza".
Na novela da Sra. Humphrey Ward, Robert Elsmere, representa a insossa escola dos filantropos. "Dê uma oportunidade ao homem", dizem eles, "dê um bom exemplo e um ambiente favorável e ele voltará a ser bom. A presença exterior do mal é que leva o homem ao mau caminho". Mas a acusação divina encontra-se em Rm. 8.7 - "a inclinação da carne é inimizade contra Deus".
G. P. Fisher: "Sobre as idéias da religião natural, Platão, Plutarco e Cícero concordam no fato de que elas fazem parte da razão do homem, mas não obedecem à vontade dele, o que evidencia de modo mais convincente que a humanidade está em cisma consigo mesma e, por isso, vive depravada, decaída e incapaz de libertar-se a si mesma. A razão por que muitos moralistas falham e se amarguram e se irritam cada vez mais é que não levam em conta o seu estado de pecaminosidade".
A razão busca um princípio subjacente que reduzirá estes múltiplos fenômenos à unidade. Como somos compelidos a fazer referência aos comuns

Teologia Sistemática
185
fenômenos físicos e intelectuais, também somos compelidos a referir estes fenômenos morais a uma natureza moral comum e achar nela a causa de sua oposição universal, espontânea e autocontroladora a Deus e sua lei. A única solução possível do problema é que a natureza comum da humanidade é corrupta ou, em outras palavras, que a vontade humana, antes da sua vontade individual, dá as costas para Deus e estabelece a sua autogratificação. Esta direção inconsciente e fundamental da vontade, fonte do verdadeiro pecado, deve também ser pecado; e deste pecado todos são participantes.
Os maiores pensadores do mundo têm certificado a correção desta conclusão. Ver a doutrina de Aristóteles sobre a "derrocada" descrita na Introdução de Chase à Ética de Aristóteles xxxv e 32 - "A respeito da virtude moral, o homem está numa ribanceira. Seus apetites e paixões gravitam para baixo; a razão o atrai para cima. Ocorre o conflito. Um passo acima e a razão ganha o que a paixão perde; mas, se caminha para baixo, ocorre o inverso. A tendência, naquele caso destina-se à inteira sujeição da paixão; neste último caso, destina-se à inteira supressão da razão. A inclinação terminará em direção ao alto num nível superior em que os passos do homem serão seguros ou para baixo em irreversível mergulho no precipício. O autocontrole contínuo conduz ao autodomínio absoluto; o insucesso contínuo conduz à total ausência de autocontrole. Mas tudo o que podemos ver é o declínio. Ninguém vive sempre na íipejna do clímax, nem podemos dizer que alguém caiu no abismo de modo irrecuperável. Como é que os homens constantemente agem contra as suas próprias convicções a respeito do que é correto e suas determinações anteriores de seguir o que é certo é um mistério que Aristóteles discute, mas deixa sem explicação.
"Compare a passagem na Ética, 1.11 - 'Neles [nos homens] está claro, além da Razão, algum outro princípio inato (jcecpuKÓç) que luta e torce contra a Razão. ... Há na alma também algo além da Razão que se opõe e vai contra ela'. - Compare esta passagem com Paulo, em Rm. 7.23 - 'Mas vejo nos meus membros outra lei que batalha contra a lei do meu entendimento e me prende debaixo da lei do pecado que está nos meus membros'. Mas, como Aristóteles não explica a causa, do mesmo modo não sugere nenhuma cura.
Só a revelação pode dar conta da doença, ou assinalar o remédio".
Wuttke, Christian Ethics, 1.102 - "Aristóteles faz a significativa e quase surpreendente observação, que o caráter que se tornou mau através da culpa bem pouco se pode expelir por simples vontade, do mesmo modo que a pessoa que adoeceu por sua própria culpa pode sarar somente por sua vontade; desde que se tornou mau ou doente, não comporta mais à discrição deixar de ser assim; uma vez lançada, não se pode recapturá-la da sua fuga; e assim é com o caráter que se tornou mau". Ele não revela "como se pode reformar o caráter; embora não admita que o mal tenha outro efeito além do individual, não conhece nada da solidariedade do referido mal na sua autopropagação, em raças moralmente degeneradas" (Ética de Nicéia, 3.6,7; 5.12; 7.2,3; 10.10).
A boa natureza, diz ele, "evidentemente não está na nossa força, mas, em certo sentido, na causalidade divina conferida ao verdadeiramente feliz".

186
Augustus Hopkins Strong
Platão fala daquele "animal selvagem cego, policéfalo, de tudo que é mau e que existe dentro de ti". Repudia a idéia de que os homens são naturalmente bons e diz que, se isto fosse verdade, para torná-los santos bastaria apenas isolá-los desde os primeiros anos, para que não houvesse possibilidade de sofrerem a corrupção causada pelos outros. República, 4 (Tradução de Jowett, 11.276) - "Há uma parte da alma que se levanta contra a alma inteira". Mênon, 89 - "A causa da corrupção procede de nossos pais de modo que nunca abandonamos o seu mau procedimento, ou livramo-nos do estigma dos seus maus hábitos". Horácio, Epístolas, 1.10 - "Naturam expellas furca, tamem usque recurret (Com a forca tu expeles a natureza, entretanto a qualquer momento ela volta rapidamente)". Provérbio latino: "Nemo repente fuit turpissimus" (Ninguém num piscar de olhos se torna ignóbil)". Pascal: Nascemos injustos; porque cada um tende para si mesmo, e a inclinação para si é o princípio de toda a desordem". Em seus Princípios Metafísicos da Moral Humana, Kant fala que "há um princípio mau lado a lado com o bom, ou o mal radical da natureza humana", e a "disputa entre os princípios do bem e do mal pelo controle do homem". "Panteísta como era, Hegel declarava que o pecado original é a natureza de todo ser humano, - todo ser humano começa com ela" (H. B. Smith).
Shakespeare, Timon ofAthens, 4.3 - "Tudo é obliquo: Não há nada plano na nossa maldita natureza, A não ser vilania direta". Tudo está Bem, 4.3 - "Quão fracos somos em nós mesmos! Somos simplesmente traidores de nós mesmos". Medida por Medida, 1.2 - "Como os ratos que comem vorazmente o próprio veneno, nossas inclinações correm atrás de um mal de que estão sedentas e, quando bebem, morremos" (Ed. da Abril Cultural 1978, vol. 2, p. 122). Hamlet, 3.1 - "A virtude não pode inocular nossa antiga origem genética, mas iremos saboreá-la". Labor Perdido do Amor, 1.1 - "Todo homem nasce com seu afeto, Não por uma força controlada, mas pela graça especial". Conto do Inverno, 1.2 - "Se não tivéssemos respondido ao alto Céu, não teríamos culpa; a imposição torna clara nossa Herança" - isto é, se estivéssemos prevenidos de nossa conexão hereditária com Adão não nos teríamos tornado culpados. Sobre a teologia de Shakespeare, ver A. H. Strong, Great Poets, 195-211 - "Se alguém pensa que é irracional crer na depravação, na culpa e na necessidade da redenção sobrenatural do homem, deve também estar preparado para dizer que Shakespeare não compreendia a natureza humana".
T. S. Coleridge, Omniana, no final: É um artigo fundamental do cristianismo que eu sou uma criatura ... que em minha vontade existe má base que precede qualquer ato assinalável ou momento da minha consciência; Nasci uma criança irada. Este temível mistério eu simulo não entender. Nem mesmo posso conceber tal possibilidade; mas sei que ela é real ... e o que é real é possível". Um cético que não transmitiu aos filhos nenhuma educação religiosa com vistas a deixar cada um, na maturidade, escolher uma crença por si mesmo, reprovava Coleridge, por deixar que em seu jardim crescessem ervas daninhas; Coleridge retrucou que ele não pensava estar certo prejudicar o solo em favor de rosas e morangos. Van Osterzee: A chuva e o sol fazem crescer mais rapidamente as ervas daninhas, mas não as tiraria do solo se as sementes não estivessem ali. Tennyson, Two Voices: "Ele acha

Teologia Sistemática
187
uma baixeza no seu sangue não poder fazer o que deveria Em tão estranha batalha contra o que é bom". Robert Browning, Gold Hair. uma Lenda de Pórnico: "A fé que lançou categoricamente o seu dardo Na cabeça de alguém que jazia tombado - ensinou o Pecado Original, corrupção do coração do ser humano". Taine, O Antigo Regime: "Cada um de nós abriga em repouso ou algemado, mas sempre vivo, no recesso no nosso coração, o selvagem, o bandoleiro, o maluco". Alexander Maclaren: "Uma grande massa de ervas daninhas numa lagoa de águas estagnadas arrasta-se para você quando você draga um filamento". Retire um pecado e ele trará consigo toda a emaranhada natureza do referido pecado.
Thompson, Chief Justice, de Pensilvânia: "Se os pregadores tivessem sido juristas antes de entrarem para o ministério, conheceriam e diriam muito mais a respeito do estado de depravação do coração humano do que o fazem.
A velha doutrina da depravação total é a única coisa que pode explicar a falsidade, a desonestidade, a licenciosidade e os assassinatos tão freqüentes no mundo. A educação, o refinamento e até mesmo o elevado talento não podem sobrepor a inclinação para o mal existente no coração e que se apossou até das fibras da nossa natureza".
SEÇÃO IV - ORIGEM DO PECADO NO ATO PESSOAL DE ADÃO
A razão não lança luz sobre a origem desta natureza pecaminosa comum à raça e que ocasiona todas as verdadeiras transgressões. As Escrituras, contudo, referem-se à origem desta natureza como um ato livre dos nossos primeiros pais através do qual eles viraram as costas para Deus, corromperam-se e trouxeram para si as penalidades da lei.
Chandler, Spirit of Man, 76 - "É inútil tentar separar a vida moral da cris- tandade do fato histórico no qual ela está arraigada. Por cordialidade podemos assentir com esta afirmação de que o valor todo dos eventos históricos encontra-se na sua significação histórica ideal. Em muitos casos, porém, parte do significado daquela idéia acha-se no fato de que ela tem sido apresentada na história. O valor e interesse da conquista da Grécia sobre a Pérsia está na significativa idéia da liberdade e da inteligência que triunfa sobre o poder despótico; porém, sem dúvida, uma parte, aliás muito importante, da idéia, encontra-se no fato de que se obteve tal triunfo num passado histórico, e no estímulo do presente com apoio no referido fato. Do mesmo modo, o valor da ressurreição de Cristo encontra-se na sua imensa significação moral, princípio basilar da vida; mas uma parte essencial da mesma significação é o fato de que alguém em quem a humanidade se resume e se expressa realmente opera o princípio e por isso, através dele confere-se o poder de realizá-lo a todo aquele que o recebe".
Como para nós é importante saber que a redenção não é apenas ideal, mas real, assim também nos é importante saber que o pecado não é um

188
Augustus Hopkins Strong
acessório indispensável da natureza humana, mas teve um início histórico. Entretanto, nenhuma teoria a priori deve antecipar o nosso exame dos fatos.
Em vista disso, vamos prefaciar nossa consideração do relato escriturístico, estabelecendo que o nosso ponto de vista sobre a inspiração permite-nos considerar inspirado o relato, mesmo quando mitológico ou alegórico. Como Deus pode empregar todos métodos de composição literária, assim também pode empregar todos métodos consistentes com a verdade para instruir a humanidade. George Adam Smith observa que os mitos e lendas do folclore primitivo são mais tarde os equivalentes intelectuais das filosofias e teorias do universo e que "em tempo algum a revelação se recusou a valer-se de tais concepções humanas para o investimento e transmissão das mais elevadas verdades espirituais". Sylvester Burnham: "Para o mestre de religião e moral a ficção e o mito ainda não perderam o seu valor. O que um conhecimento da sua própria natureza tem-se mostrado bom para o uso do homem, sem dúvida Deus também pode tê-lo achado. Não seria necessário afetar o valor da Bíblia se o escritor, ao empregar o mito ou a ficção para o seu propósito, supusesse que estava empregando a história. Só quando o valor da verdade do ensino depende da historicidade do fato citado torna-se impossível o emprego da ficção visando ao ensino". Ver vol. 1, p. 214 desta obra, que as citações de Denney, Studies in Theology, 218 e Gore em Lux Mundi, 356. Eurípides: "Ó Deus de todas as coisas! infunde luz nas almas dos homens e, através dela, sejam eles capazes de saber qual é a raiz de que brotam todos os males, e quais os meios para evitá-los!"
I. O RELATO ESCRITURÍSTICO DA TENTAÇÃO E QUEDA EM GN. 3.1-7
Seu caráter geral não mítico ou alegórico, mas histórico
Adotamos este ponto de vista pelas seguintes razões: - a) Não há nenhuma indicação no relato em si que não seja histórica, b) Como parte de um livro histórico, é de se supor que este também o seja. c) As Escrituras se referem mais tarde a ele como história verdadeira até mesmo nos pormenores, d) Características particulares da narrativa, tais como o lugar dos nossos pais no jardim e a fala do tentador na forma de uma serpente, são incidentes adequados à condição de infantilidade inocente e não tentada, e) Este ponto de vista de que a narrativa é histórica não impede de admitir que a árvore da vida e a do conhecimento fossem símbolos de verdades espirituais, conquanto ao mesmo tempo fossem realidades exteriores.
Ver Jo. 8.44 - "Vós tendes por pai o diabo e quereis satisfazer os desejos de vosso pai; ele foi homicida desde o princípio e não se firmou na verdade. Quando profere mentira, fala do que lhe é próprio porque é mentiroso e pai da mentira"; 2 Co. 11.3 - "A serpente enganou Eva com a sua astúcia"; Ap. 20.2

Teologia Sistemática
189
- "o dragão, a antiga serpente, que é o diabo e Satanás". H. B. Smith, System, 261 - "Se a tentação e a vitória de Cristo sobre Satanás foram eventos históricos, não há nenhuma base para supor que a primeira tentação não o foi também". Cremos na unidade e suficiência da Escritura. Contudo, consideramos o testemunho de Cristo e dos apóstolos conclusivo a respeito da histori- cidade do relato em Gênesis. Admitimos uma superintendência na escolha do material pelo seu autor e o cumprimento da promessa de Cristo aos apóstolos de que eles seriam guiados na verdade. A doutrina do pecado apresentada por Paulo baseia-se tão manifestamente no caráter histórico da narrativa de Gênesis, que a negação de uma conduz naturalmente à do outro. John Milton escreve em sua Areopagita: "É da casca de uma maçã saboreada que o conhecimento do bem e do mal, como dois gêmeos ligados, saltou para o mundo. E talvez seja isso que tenha causado a queda de Adão, a saber, o conhecimento do bem e do mal". Ele deve ter aprendido a conhecer o mal como Deus o conhece - como algo possível, odioso e sempre rejeitado. Na verdade ele aprendeu a conhecer o mal como Satanás - tornando-o real e assunto de amarga experiência.
O infantil e inocente homem encontrou o seu lugar adequado e a sua obra num jardim. Sem dúvida emprega-se a língua das aparências. Satanás pôde assumir a forma de um bruto e aparecer para falar através dele. Em todas as línguas, as histórias dos brutos falantes mostram que tal tentação é côngrua com a condição do homem primitivo. Os mitos asiáticos concordam em representar a serpente como emblema do espírito do mal. A árvore do conhecimento do bem e do mal é o símbolo do domínio justo de Deus e indica que tudo pertence a ele. Não é necessário supor que isto era conhecido antes da queda. Através dela o homem veio a conhecer o bem, com a sua perda; conhecer o mal com a amarga experiência; C.H.M.: "Conhecer o bem, sem o poder de praticá-lo; conhecer o mal, sem o poder de evitá-lo". Comentário Bíblico, 1.40 - A árvore da vida, é o símbolo do fato de que "se deve buscar a vida, não a partir de dentro, de si mesmo, com as próprias forças ou faculdades; mas a partir de fora, daquele que tem a vida em si mesmo".
Como a água do batismo e o pão da Ceia do Senhor, apesar de não serem coisas comuns, são símbolos das maiores verdades, assim a árvore do conhecimento e a da vida são sacramentais. McIlvaine, Wisdom of Holy Scripture, 99-141 - "As duas árvores representam o bem e o mal. A proibição é a declaração de que o homem por si mesmo não pode fazer distinção entre o bem e o mal e deve confiar na direção divina. Satanás estimulou o homem a discernir entre o bem e o mal através da sabedoria de si mesmo e, desta forma tornar-se independente de Deus. O pecado é a tentativa da criatura exercer o atributo divino do discernimento e escolha entre o bem e o mal por sua própria sabedoria. Em vista disso é o conceito próprio, a autoconfiança, a auto- afirmação, a preferência da sua própria sabedoria e vontade à sabedoria e vontade de Deus".
Griffith-Jones, Ascent Through Christ, 142, sobre a árvore do conhecimento do bem e do mal - "Quando, pela primeira vez, o homem se viu frente a frente com a tentação consciente de fazer aquilo que estava errado, apoiava, por um lado, o fruto daquela árvore e o seu destino como ser moral, pendendo e tremendo na balança. Quando, pela primeira vez sucumbiu à tenta-

190
Augustus Hopkins Strong
ção, desmaiou ante o remorso que lhe visitou o coração, naquele mesmo instante ele foi banido do Éden da inocência em que a sua natureza tinha estado, e fugiu da presença do Senhor". Com o primeiro pecado, ele partiu para o outro e descambou no curso do seu desenvolvimento.
O curso da tentação e a resultante queda
Os estágios da tentação parecem ter sido os seguintes:
Apelo da parte de Satanás aos inocentes apetites juntamente com uma sugestão que implicava a arbitrariedade de Deus limitando os meios de gratificação do primeiro casal (Gn. 3.1). O primeiro pecado consistia em Eva isolar-se e optar pela busca do seu próprio prazer sem considerar a vontade de Deus. Este egoísmo inicial consistiu no fato de que ela deu ouvidos ao tentador em vez de repreendê-lo ou fugir dele e exagerar a ordem divina em sua resposta (Gn. 3.3).
Gn. 3.1 - "É assim que Deus disse: Não comerás de toda árvore do jardim?" Satanás dá ênfase à limitação, mas silencia a respeito da generosa permissão-"De toda árvore do jardim [menos uma] comerás livremente" (2.16). C.H.M. in loco: Admitir a pergunta 'Deus disse?'já é infidelidade positiva. Acrescentar à palavra de Deus é tão mau como retirar dela. À expressão 'Deus disse' segue-se imediatamente 'Certamente não morrereis'. Por em dúvida se Deus falou resulta em aberta contradição sobre o que Deus disse. Eva deixou a palavra de Deus ser contraditada só porque tinha abjurado a autoridade da referida palavra com prejuízo da sua consciência e do seu coração". A ordem era unicamente: "dela não comerás" (Gn. 2.17). Ao apresentar a diferença de autoridade que havia renunciado, Eva exagera a ordem dizendo: "Não come- reis dele, nem nele tocareis" (Gn. 3.3). Eis aqui um auto-isolamento, em lugar do amor. Matheson, Messages of the Old Religions, 318 - "Antes que a alma humana desobedecesse, sempre aprendeu a desconfiar. ... Antes de violar a lei existente, devia ter pensado que o Legislador tem ciúme das suas criaturas". Dr. C. H. Parkhurst: "A primeira pergunta na história humana foi feita pelo diabo e o ponto de interrogação ainda tem em si o rasto da serpente".
A negação da veracidade de Deus da parte do tentador acusando-o de ciúme e fraude do Onipotente, conservando suas criaturas em posição de ignorância e dependência (Gn. 3.4,5). Da parte da mulher seguiu-se uma positiva descrença e consciente e presunçoso acalento do desejo do fruto proibido como recurso para sua independência e conhecimento. Assim a descrença, o orgulho, a cobiça surgiram de um espírito de auto-isolamento e busca de si mesmo e fixou-se nos meios de sua gratificação (Gn. 3.6).
Gn. 3.4,5 - "Então a serpente disse à mulher: Certamente não morrereis. Porque Deus sabe que, no dia em que dele comerdes, se abrirão os vossos

Teologia Sistemática
191
olhos e sereis como Deus, sabendo o bem e o mal"; 3.6 - E, vendo a mulher que aquela árvore era boa para se comer, e agradável aos olhos, e árvore desejável para dar entendimento, tomou do seu fruto, e comeu, e deu também a seu marido, e ele comeu com ela" - "aceitando assim a palavra de um Mestre em Mentiras em vez de receber a daquele que não mente" (John Henry Newman). Hooker, Eccl. Polity, livro I - "Viver segundo a vontade de um homem tornou-se a causa da miséria de todos os homens". Godet, 1 Jo. 1.4 - "Nas palavras 'vida' e 'luz' é natural ver uma alusão à árvore da vida e à do conhecimento. Após ter comido daquela, o homem teria sido chamado a ali- mentar-se da segunda. João nos introduz à essência real destes fatos primordiais e misteriosos e dá-nos, neste verso, a filosofia do Paraíso". A obediência é o meio para conhecer e o pecado do Paraíso foi a busca da luz sem a vida; cf. Jo. 7.17 - "Se alguém quiser fazer a vontade dele, pela mesma doutrina, conhecerá se ela é de Deus, ou se falo de mim mesmo".
O tentador não mais necessitava de estimular o prosseguimento. Tendo envenenado a fonte, a correnteza naturalmente seria má. Porque o coração e os seus desejos tinham-se tornado corrompidos a disposição interior manifestou-se em atos (Gn. 3.6 - 'comeu-o; e deu-o ao seu marido' = que tinha estado com ela e compartilhado da sua escolha e anseio). Assim o homem caiu interiormente antes do ato exterior de comer o fruto proibido, - caiu em uma fundamental determinação pela qual ele fez a suprema escolha do eu em lugar de Deus. O pecado de natureza interior deu surgimento aos pecados dos desejos e os pecados dos desejos conduziram ao ato de transgressão (Tg. 1.15).
Tg. 1.15 - "Depois, havendo concebido, dá à luz o pecado". Baird, Elohim Revealed, 388 - "A lei de Deus já havia sido violada; o homem caiu antes que o fruto tivesse sido arrancado, ou a rebelião tivesse sido assinalada. A lei requeria não só a obediência exterior, mas a fidelidade do coração e este se achava afastado antes que qualquer sinal indicasse a mudança". Partilharia ele da companhia de Deus, ou da esposa? Quando o índio perguntou ao missionário onde estavam seus ancestrais e este lhe disse que estavam no inferno, ele respondeu que queria ir ter com eles. Preferia o inferno com a sua tribo a ir ter com Deus no céu. De igual modo Safira teve oportunidade de romper com o seu marido, mas preferiu-o a Deus; At. 5.7-11.
Philippi, Glaubenslehre: "Desse modo o homem tornou-se, semelhante a Deus, um estabelecedor de leis para si mesmo. A sua queda consistiu na sua auto-elevação a um nível de divinização de si mesmo. A humildade própria de Deus para com a humanidade foi a restauração e a elevação. ... Gn. 3.22 'O homem tornou-se como um de nós' na sua condição de atividade centrada em si mesmo; livrando-se, desta forma, da real semelhança com Deus, a qual consiste em ter o mesmo alvo que o próprio Deus. De te fabula narratur (a narrativa se refere a ti); esta é a condição não apenas de um ser, mas de toda a raça". Uma vez cometido, o pecado se propaga; sua semente está nele mesmo; os séculos de miséria e crime que se seguiram só têm mostrado que

192
Augustas Hopkins Strong
as infindas possibilidades do mal estão compreendidas naquele único pecado. Keeble: "Apenas uma gota do pecado vimos entrar nesta manhã e eis que, ao anoitecer, o mundo se afogou!" Farrar, Fali of Man: "O culposo desejo da mulher inflamou-se na irremediável corrupção do mundo".
II. DIFICULDADES EM CONEXÃO COM A QUEDA CONSIDERADAS COMO O ATO PESSOAL DE ADÃO
Como poderia cair um ser santo?
Temos de reconhecer aqui a nossa impossibilidade de entender como a primeira emoção não santa podia ter achado lugar em uma mente estabelecida em condição privilegiada por Deus, nem como a tentação podia ter vencido uma alma em que não havia nenhuma propensão não santa a que pudesse apelar. O simples poder de escolha não explica o fato da escolha não santa. O fato do desejo natural de uma gratificação sensitiva e intelectual não explica como este desejo veio a ser desordenado. Nem lança luz sobre a matéria para resolver a queda em um engano dos nossos primeiros pais da parte de Satanás. A inclinação deles para tal engano pressupõe a falta de confiança em Deus e alienação em relação a ele. Porque a queda da parte de Satanás deve ter sido não causada pela tentação externa é mais difícil explicar a queda de Adão.
Podemos distinguir seis explicações incorretas sobre a origem do pecado:
Emmons: O pecado se deve ao efeito de Deus. - Deus operou o pecado no coração do homem. É o "sistema do exercício", essencialmente panteísta.
Edwards: O pecado se deve à providência de Deus. - Deus indiretamente causou o pecado ao apresentar os motivos. Tal explicação tem todos os defeitos do determinismo. 3. Agostinho: O pecado resulta do afastamento divino da alma do homem. Porém o pecado inevitável não é pecado e a acusação apóia- se em Deus, que retirou a graça necessária à obediência. 4. Pfleiderer:
A queda resulta da pecaminosidade já existente no homem. Neste caso, a falta não se deve ao homem, mas a Deus, que fez o homem pecaminoso.
5. Hadley: O pecado se deve à insanidade moral do homem. Porém tal falha ética criada com o homem tornaria o pecado impossível. A insanidade é efeito do pecado, e não a causa. 6. Newman: O pecado se deve à fraqueza do homem. Não é algo negativo, mas positivo, incidente da finitude. Mas a consciência e a Escritura testificam que ele tanto é positivo quanto negativo; tanto oposição a Deus como inconformidade para com Deus.
Emmons é realmente um panteísta: Diz ele: "Visto que Deus opera em todos os homens tanto o querer como o efetuar a seu bel-prazer, é tão fácil explicar a primeira ofensa de Adão como a de qualquer outro pecado. ... Não há nenhuma dificuldade sobre a queda de Adão do seu estado original de perfeição e pureza para um estado de pecado e culpa que, de qualquer maneira é peculiar. ... É consistente com a retidão moral de Deus produzir

Teologia Sistemática
193
tanto exercícios pecaminosos como santos nas mentes humanas. Ele exerce uma influência positiva a fim de fazer os agentes morais atuarem, em cada caso da sua conduta, como lhes apraz. ... Há tão somente uma resposta satisfatória para a pergunta: De onde veio o mal? Ei-la: Veio da grande primeira causa de todas as coisas".
Jonathan Edwards negava o poder de opor-se até mesmo ao primeiro pecado de Adão. Deus não foi a causa imediata daquele pecado, mas foi atuante na região dos motivos, embora não se percebesse tal ação. Freedom of the Will, 161 - "Era natural que a transação ocorresse para não parecer que Deus foi a sua fonte. Contudo, Deus pode, na verdade, em sua providência, dispor e permitir as coisas através das quais o evento, certa e infalivelmente, pode estar ligado atai disposição e permissão"; Encyclopaedia Britan- nica, 7.690 - "Para Edwards, Adão tinha dois princípios: o natural e o sobrenatural. Quando Adão pecou, o princípio sobrenatural, ou divino, afastou-se dele e, assim, a sua natureza tornou-se corrupta, sem que Deus infundisse qualquer coisa má nela. Sua posteridade veio a estar totalmente sob o governo dos princípios naturais e inferiores. Mas isto resolve a dificuldade de tornar Deus o autor do pecado só através da negação deste, além do que destrói a distinção essencial de Edwards entre a capacidade natural e a moral". Edwards, sobre a on Trinity, ed. de Fisher, 44 - "O sol não causa trevas ou frio quando estes infalivelmente se seguem ao afastamento dos seus raios. O resultado do dispositivo de Deus não é um exercício positivo da sua parte". Shedd, Dogm. Theol., 2.50 - "Deus não retirou de Adão a susten- tadora graça comum do Espírito ainda mesmo depois da transgressão". Para nós, o ato de Adão foi irracional, mas não impossível; para um determinista como Edwards, que sustentava que os homens apenas agiam conforme o seu caráter, o ato de Adão deve ter sido não só irracional, mas impossível. Em lugar nenhum Edwards mostra como, segundo os seus princípios, seria possível a queda de um santo.
Pleiderer, Grundríss, 123 - "O relato da queda é a primeira aparição de uma pecaminosidade já existente e um exemplo típico do meio em que cada indivíduo se torna pecador. O pecado original é apenas a universalidade e origem do pecado. Não existe essa coisa de indeterminismo. A vontade pode surgir da falta de liberdade, e esta dos impulsos naturais, para a verdadeira liberdade espiritual, distinguindo-se apenas da lei que põe diante de si a real finalidade do ser. A oposição da natureza para com a iei revela uma força da natureza original que antecede a toda a autodeterminação. O pecado é a má inclinação do egoísmo por si mesmo voluntário, ausente da lei". Pfleiderer parece tornar esta pecaminosidade criada simultaneamente e sem a culpa porque procede de Deus. Hill, Genetic Philosophy, 288 - "A ampla discrepância entre o preceito e a prática produz o surgimento da concepção teológica de pecado, que, nas religiões inferiores é tão freqüente como a violação de alguma prescrição trivial de um princípio de ética. A presença do pecado, em contraste com o estado de inocência, ocasionou a idéia de uma queda ou lapso de uma condição de ausência de pecado. Isto não é incompatível com a derivação do homem a partir de um animal, que, antes de ter autoconsciên- cia, pode ser considerado em estado de inocência. O senso e realidade do pecado são impossíveis aos animais. ... A existência do pecado, tanto na

194
Augustus Hopkins Strong
disposição inerente, como na forma pervertida da ação, pode ser explicada como sobrevivência da tendência animal na vida humana.... Pecado é distúrbio da vida em seu plano mais elevado com a introdução do inferior".
Prof. James Hadley: "Todo homem é, em maior ou menor escala, um insano". Porém não devemos considerar o pecado como resultado da insanidade. Esta é que resulta do pecado. Contudo, ela uma enfermidade física - o pecado é uma perversão da vontade. John Henry Newman, Idea of University, 60 - "O mal não tem nenhuma substância própria. É apenas um defeito, o excesso, a perversão ou corrupção daquilo que tem substância". Agostinho parece às vezes favorecer este ponto de vista. Ele sustenta que o mal não tem nenhuma origem porque ele é não é positivo; é negativo. É tão somente um defeito, uma falha. Ilustra com o estado danoso de uma harpa desafinada.
A. A. Hodge, Popular Lectures, 190, diz-nos que a vontade de Adão assemelhava-se a um violino afinado que, à mínima desatenção e negligência desafinou-se. Mas aqui devemos dizer com E. G. Robinson, Christian Theology,
124 - "O pecado explicado é o pecado defendido". Nada disso explica, antes lança sobre Deus a sua culpa, de ser direta ou indiretamente o seu causador.
Mas o pecado é um fato. Deus não pode ser o seu autor, quer por ter criado a natureza do homem de modo que o pecado fosse um incidente necessário do seu desenvolvimento, quer por afastar uma graça sobrenatural necessária para conservar o homem santo. A razão, portanto, não tem nenhum recurso além de aceitar a doutrina da Escritura de que o pecado originado na vontade livre do homem de revoltar-se contra Deus - ato de uma vontade que, apesar de inclinada para Deus, ainda não estava confirmada na virtude e estava sujeita a uma escolha contrária. Aposse original de tal força ao contrário parece ser a condição necessária da provação e desenvolvimento moral. Contudo, o exercício de tal força nunca pode ser explicado com base na razão, visto que o pecado é essencialmente a não razão. É um ato de arbitrariedade iníqua, cujo único motivo é o desejo de separar-se de Deus e considerar o eu supremo.
O pecado é um "mistério da injustiça (2 Ts. 2.7), tanto no começo como no fim. Neander, Planting and Training, 388 - "Qualquer que explica o pecado anula-o". O poder que o homem tem de escolher o mal no princípio não prova que ele, tendo caído, tem por si mesmo igual poder de escolher permanentemente o bem. Porque o homem tem poder para lançar-se do alto de um precipício para baixo não se segue que tenha igual poder para transportar-se em sentido oposto.
O homem caiu por voluntária resistência à operação de Deus. Cristo é em todos o que ele foi em Adão e todos os bons impulsos devem-se a ele. Visto que o Espírito Santo é a interiorização de Cristo, todos os homens estão sujeitos à sua atuação. Cristo não se afasta dos homens a não ser que estes se afastem dele e, como conseqüência, da atuação deles. John Milton faz o Onipotente proferir a resposta do pecado de Adão: "De quem é a falta?
De quem, senão dele mesmo? Ingrato, teve de mim tudo o que podia ter;

Teologia Sistemática
195
Eu o fiz justo e reto, suficiente para ficar em pé, embora livre para cair. Criei todas as Forças Etéreas, Todos Espíritos, tanto os que o sustentaram em pé, como os que o derrubaram; Livremente eles sustiveram os que ficaram em pé; e derrotaram os que caíram". A palavra "cussedness" (perversidade ou maldição) encaixa-se bem neste caso. O Standard Dictionary define-a como "1. Praga, miserabilidade, perversidade; 2. coragem resoluta, persistência: 'Ouviu-se a voz de Jim Bludsoe, e todos confiaram na 'cussedness' dele E sabiam que cumpriria a sua palavra'" (John Hae, Jim Bludsoe, estrofe 6). Não é a primeira, mas a última das definições a que melhor descreve o primeiro pecado. O mais completo e satisfatório modo de tratar a queda do homem em conexão com a doutrina da evolução encontra-se em Griffith-Jones, Ascent Through Christ, 73, 240.
Hodge, Essays and Reviews, 30 - "Há uma grande diferença entre o começo da santidade e o começo do pecado e há mais necessidade daquele do que deste. Um ato de obediência, se praticado por mero impulso de amor próprio, não é virtualmente um ato de obediência. Não é praticado com qualquer intenção de obedecer, pois o que é santo e não o pode, segundo a teoria, precede o ato. Mas o ato de desobediência, feito a partir do desejo da felicidade, é rebelião. Os casos são seguramente diferentes. Se, para agradar a mim mesmo, faço o que Deus manda, isto não é santidade; mas se, para agradar a mim mesmo, faço o que ele proíbe, isto é pecado. Além disso, nenhuma criatura é imutável. Embora criado santo, o gosto pelos prazeres santos pode ser vencido por uma tentação suficientemente insidiosa e poderosa e por um motivo egoístico ou sentimento estimulado na minha mente. Nem o caráter pecaminoso é imutável. Pelo poder do Espírito Santo, a verdade pode ser claramente apresentada e aplicada com eficácia na produção da mudança chamada regeneração; isto é, chamar à existência o gosto pela santidade de modo que a escolha se faz pela escolha em si e não como um recurso para a felicidade".
B. Smith, System, 262 - "Ao entrarmos na experiência de Adão, o estado do caso em foco é o seguinte: Antes de ser dada a ordem, o estado era de amor sem se pensar no oposto: só havia o conhecimento do bem, embocar inconsciente: sabia-se que comer o fruto contrariava a ordem divina. A tentação suscitou o orgulho; o pecado consistia na sua realização. Não havia mudança. Não se tratava de uma escolha como um ato executivo, nem no seu resultado: o comer; mas na suprema escolha do amor ao mundo e ao eu, em lugar da devoção suprema a Deus. Foi a preferência imanente ao mundo; não o amor ao mundo seguindo a escolha, mas o amor ao mundo que é a própria escolha".
263 - Não podemos explicar a queda de Adão psicologicamente. Quando dizemos isto, queremos significar: Isto só se explica por si mesmo. Devemos aceitar o fato como o último e apoiarmo-nos nisto. É claro que não queremos dizer que isto não concorda com as leis da atuação moral - que isto é uma violação de tais leis; mas tão somente que não vemos o modo, que não podemos construí-lo por nós mesmos de uma forma racional. Difere de todos os outros similares da preferência última que conhecemos', a saber, a preferência imanente do pecador pelo mundo, no qual, sabemos que tem uma base antecedente tendendo para o pecado, e a regeneração do cristão, ou a prefe-

196
Augustus Hopkins Strong
rência imanente de Deus, onde há uma influência externa, a ação operadora do Espírito Santo". 264 -"Devemos deixar a questão toda com a imanente preferência tendo como último fato o caso que não deve ser construído filosoficamente sobre a alma de Adão: devemos considerar aquela preferência uma escolha e um sentimento, não o sentimento como resultado de uma es colha, não uma escolha que é conseqüência de um sentimento, mas ambos juntos".
Contudo, num aspecto particular, devemos discordar de H. B. Smith: Visto que o poder do movimento voluntário interior é o da vontade, devemos considerar a mudança do bem para o mal como uma escolha e só secundariamente um estado de afeição causado por ela. Só postulando um ato livre e consciente de transgressão da parte de Adão como um ato que tem para com o sentimento mau não a relação de efeito, mas de causa, atingimos, no começo do desenvolvimento humano, a base adequada à responsabilidade e culpa de Adão e da raça.
Como poderia Deus, com justiça, permitir a tentação satânica?
Nesta permissão vemos não a justiça, mas a beneficência.
Porque Satanás caiu sem tentação exterior é provável que a provação do homem tenha sido substancialmente a mesma coisa, ainda que não tivesse havido um Satanás para tentá-lo.
Os anjos não têm natureza animal que obscureça a visão; eles não podem sofrer a influência dos sentidos; mas foram tentados e caíram. Como Satanás e Adão pecaram sob a melhor das circunstâncias possíveis, podemos concluir que a raça humana teria cometido pecado com a mesma certeza. A única pergunta na época da criação deles, portanto, é como se modificam as condições de modo a preparar o caminho para o arrependimento e o perdão. Eis as condições: 1. um corpo material - o que significa restrição, limitação, necessidade de autocontrole; 2. infância - o que significa desenvolvimento, deliberação sem nenhuma memória do primeiro pecado; 3. relação paterna - reprimindo a vontade da criança e ensinando a submissão à autoridade.
Neste caso, contudo, a queda do homem talvez tenha sido exterior o que ora constitui sua simples circunstância mitigadora. O pecado originado por si mesmo teria feito o próprio homem um Satanás.
Mt. 13.28 - "Um inimigo é quem fez isso". "Deus permitiu que Satanás dividisse a culpa com o homem, de modo que este pudesse ser salvo do desespero". Ver Trench, Studies in the Gospels, 16-29. Mason, Faith of the Gospel, 103 - "Por que não se fez a árvore exteriormente repulsiva? Porque só o abuso daquilo que é positivamente bom e desejável poderia atrair Adão ou constituir-se verdadeira tentação".

Teologia Sistemática
197
Como, em conflito com a tentação, é vantajoso objetivar o mal sob a imagem da carne corruptível, assim é vantajoso enfrentá-lo como incorporado em um espírito pessoal e sedutor.
O corpo humano, corruptível e perecível como é, fornece-lhe a ilustração e lembrança da condição da alma a que o pecado o reduziu. A carne, com os seus fardos e dores é, portanto, sob Deus, um auxílio para o nítido entendimento e vitória sobre o pecado. Por isso foi vantajoso para o homem ter a tentação limitada somente a uma voz exterior. Podemos falar da influência do tentador, como Birks, Difficulties ofBelief, 101, fala da árvore do conhecimento do bem e do mal: "A tentação não depende da árvore. De qualquer modo ela ocorreria. A árvore foi um tipo no qual Deus resumiu as possibilidades do mal, de modo a destacá-las da vastidão ilusória e estabelecer conexão entre elas e a advertência definida e palpável, a fim de mostrar ao homem que apenas uma das múltiplas atividades do espírito foi proibida; que Deus tem direito a tudo e pode proibir tudo". A originalidade do pecado consiste no seu mais fascinante elemento. Fornece uma ilimitada ordem à imaginação. Bem fez Lutero em lançar o tinteiro contra o diabo. Eis a vantagem de localizá-lo.
A concentração dos poderes humanos sobre uma oferta definida do mal aju- da-nos a entendê-lo e aumenta a nossa disposição para resistir-lhe.
Tal tentação não tem em si nenhuma tendência para desgarrar a alma. S-e a alma for santa, a tentação só pode confirmá-la na virtude. Só a vontade :ná, por si mesma determinada contra Deus, pode tornar a tentação em ocasião rira a ruína.
Como o calor do sol não tem nenhuma tendência para secar a planta arraigada no fundo e úmido solo, antes causa o aprofundamento maior das raízes e fixa-as ainda mais, também a tentação não tem em si a tendência de perverter a alma. Apenas a semente que "caiu sobre os pedregais, onde não havia terra" (Mt. 13.5,6) "vindo o sol, queimou-se"; e o nosso Senhor atribui esta falha, não ao sol, mas à falta de raiz e terra; "porque não tinha raízes", "porque não tinha terra funda". A mesma tentação que ocasiona a ruína do falso discípulo estimula o crescimento vigoroso da virtude do verdadeiro cristão. Estabeleça-se um contraste entre a tentação de Adão e a de Cristo. Adão tinha tudo o que pleiteava de Deus; o jardim e seus deleites, enquanto Cristo tinha tudo contra si; o deserto e as privações. Mas Adão confiou em Satanás e Cristo em Deus; o resultado é que aquele caiu e este venceu.
C. H. Spurgeon: "O mar todo fora do navio não causa dano enquanto a água não penetra nele e enche-lhe o porão. Portanto, é claro que o maior perigo é o interno. Todos os demônios do inferno e todos os tentadores da terra não nos podem ferir se não houver corrupção dentro da nossa natureza.
A faísca voará sem dano se não houver estopim. O nosso coração é o nosso maior inimigo; eis o ladrãozinho nascido em casa. Senhor, salva-me do homem mau; salva-me de mim mesmo".

198
Augustus Hopkins Strong
Lyman Abbott: "A zombaria do bonzínho se justifica; para ele trata-se de inocência, não de virtude; o menino nunca faz algo errado porque nunca faz o que é inútil no mundo.... O pecado não ajuda o desenvolvimento; é um embaraço. O auxílio está na redenção; esta é um recurso indispensável". E. G. Robinson, Christ. Theology, 123 - "No mau sentido, a tentação e a queda da inocência não são mais necessárias à perfeição do primeiro homem que o casamento do caráter o é para a sua plenitude". John Milton, Areopagitica: "Muitos há que se queixam da providência divina quanto ao sofrimento por causa da transgressão de Adão. Ó línguas tolas! Quando Deus deu o raciocínio a Adão, deu-lhe a liberdade de escolher, pois razão é tão somente escolha; se ele tivesse sido apenas um Adão artificial, tal o seria em seus movimentos (marionete)". Robert Browning, The Ring and Book, 204 (Pope, 1183)
"Tentação aguda? Graças a Deus pela segunda vez! Por que vem a tentação apenas para o homem encontrar E domar e fazer curvar sob os seus pés, e ser posto no pedestal do triunfo? Orar 'Não nos induzas à tentação, Senhor'? Sim, mas tu, cujos servos s o intrépidos, conduze tais tentações pela cabeça e pelos cabelos, Dragões relutantes, até ao que ousa lutar, e ter louvor".
Como poderia, com justiça, uma pena tão grande estar em conexão com uma ordem tão insignificante?
A esta pergunta podemos responder:
á) Tão leve ordem apresentava o melhor teste do espírito de obediência.
Cícero: "Parva res est, at magna culpa (o motivo é ínfimo, mas a culpa é grande)". A persistente desobediência do filho em um só respeito à ordem da mãe mostra que em todos os outros seus atos de aparente obediência nada há que demonstre o amor pela mãe, mas por si mesmo; em outras palavras, mostra que ele não possui o espírito de obediência em um só ato. S.S. Times: "Trivialidades só o são para os triviais. Desperte para a significação do insignificante! porque você está num mundo que pertence não só ao Deus do infinito, mas também ao do infinitesimal".
A ordem exterior não foi arbitrária nem insignificante em sua substância. Foi uma concreta apresentação à vontade humana da reivindicação de Deus ao eminente domínio ou senhorio absoluto.
John Hall, Lectures on the Religious Use of Property, 10 - "Às vezes, acontece que os latifundiários querem legar o seu uso a outros, sem alienar a terra, impor renda nominal - um rendimento integral, cuja passagem reconhece o recebedor, ou o ocupante como locatário. Isto se entende em todas as terras. Em muitas negociações inglesas, três medidas de cevada, um capado gordo, ou um xelim é a avaliação que reconhece permanentemente os direitos do senhorio. Deus ensinou aos homens, por meio da árvore

Teologia Sistemática
199
proibida, que ele é o senhor e o homem o ocupante. Selecionou a matéria da propriedade a fim de servir de teste da obediência do homem, sinal exterior e sensível da retidão do coração para com Deus; quando o homem estendeu a sua mão e comeu, negou o senhorio divino e afirmou o seu próprio senhorio. Nada restava senão lançá-lo fora".
A sanção ligada à ordem mostra que o homem não ignora seu significado e importância.
Gn. 2.17 - "no dia em que dela comeres, certamente morrerás". Cf. Gn.
3.3 - "árvore que está no meio do jardim"; ver também Dodge, Christian Theology, 206, 207 - "A árvore ocupava o centro; o mandamento era centro.
A escolha estava entre a árvore da vida e a árvore da morte; entre o eu e Deus, tomando uma e rejeitando a outra".
O ato da desobediência, portanto, foi a revelação de uma vontade totalmente corrompida e alienada de Deus - entregue à ingratidão, à descrença, à ambição e à rebelião.
O motivo da desobediência não foi o apetite, mas a ambição de ser como Deus. O ato exterior de comer o fruto proibido foi apenas o vértice da cunha, atrás do qual se encontra a massa toda - a determinação fundamental de isolar-se e buscar o prazer pessoal sem considerar Deus e a sua lei.
O homem, sem a convicção do pecado, agarra-se a uma paixão ou simples plano, apenas semiconsciente do fato de que a oposição a Deus em uma coisa é oposição total.
m. CONSEQÜÊNCIAS DA QUEDA NO QUE RESPEITA A ADÃO
Morte - Esta morte era dupla. Ela era parcialmente
Física, ou separação da alma em relação ao corpo. - As sementes da morte, naturalmente implantadas na constituição do homem, começaram a desenvolver-se no momento em que o acesso à árvore da vida lhe foi negado. A partir daquele momento o homem tornou-se uma criatura mortal.
Num verdadeiro sentido, a morte começou de uma vez. A ela pertencem as dores que o homem e a mulher sofreriam. O fato de que a existência terrena do homem não terminou de uma vez deveu-se à deliberação da redenção de Deus. "A lei do espírito de vida "(Rm. 8.2) começou a operar desde aquele instante e a graça começou a contrapor-se aos efeitos da Queda. Cristo "aboliu a morte" (2 Tm. 1.10), afastando o seu terror e tornando-a o portal do céu.
Ele a destruirá totalmente quando, na ressurreição dos mortos, os corpos dos

200
Augustus Hopkins Strong
santos se tornarem imortais. Wiiliam A. Hammond, seguindo um cientista francês, declara que não há nenhuma razão em um sistema físico normal, para o homem viver para sempre.
Se nos lembrarmos de que a vida não é combustível, mas fogo, torna-se evidente que a morte não é uma necessidade física. Weismann, Heredity, 8, 24, 72, 159 - "O organismo não deve ser considerado como um amontoado de matéria combustível, que se reduz totalmente a cinzas em certo tempo, cuja distância é determinada pelo seu tamanho e pela proporção em que ela queima; mas deve ser comparada ao fogo, que o vigoroso combustível pode aumentar continuamente e que queima rápida ou vagarosamente, pode continuar queimando na medida da necessidade.... A morte não é uma necessidade primordial, mas tem sido aceita em segundo plano, como uma adaptação. ... Os organismos unicelulares, desenvolvendo-se através da fissão, em certo sentido possuem imortalidade. Nenhuma ameba jamais perdeu a sua ascendência biológica com a morte. ... Cada indivíduo vivo é muito mais velho que a humanidade e é quase tão velho quanto a própria vida.... A morte não é um atributo essencial à matéria viva".
Se considerarmos primordialmente o homem como um espírito, a possibilidade da ausência da morte é total. Deus vive desde a eternidade e o futuro organismo físico do justo não terá em si nenhuma semente da morte. O homem pode ter sido criado sem ser mortal. Tornou-se mortal devido ao pecado previsto. Consideremos o corpo simplesmente como a energia constante de Deus e veremos que não há nenhuma necessidade inerente da morte. Denney, Studies in Theology, 98 - "Há quem diga que o homem deve morrer porque ele é um ser natural e o que pertence à natureza pertence a ele. Porém afirmamos o contrário; que ele foi criado um ser sobrenatural, com preponderância sobre a natureza, de tal modo relacionado com Deus a ponto de ser imortal. A morte é uma intromissão que, ao fim, será abolida". Chandler, Spirít of Man, 45-47 - "O primeiro estágio da queda foi a desintegração do espírito relativa ao corpo e à mente; o segundo foi a escravização da mente ao corpo".
Alguns escritores recentes, contudo, têm negado que a morte seja uma conseqüência da queda não no sentido de que o medo da morte no homem resulta do seu pecado. Newman Smith, Place of Death in Evoiution, 19-22, na verdade, afirma o valor e propriedade da morte como elemento normal do universo. Ele opõe às doutrinas de Weismann as conclusões de Maupas, biólogo francês, que seguiu os infusórios através de seiscentas gerações, mas, por fim, o germe unicelular se enfraquece e morre. A reprodução assexuada deve ser complementada pela conjugação mais elevada, o encontro e a tendência do conteúdo das duas células. Isto é apenas ocasional, mas necessário à permanência da espécie. O isolamento é a morte final. Newman Smith acrescenta que a morte e o sexo aparecem juntos. Quando o sexo entra para enriquecer e diversificar a vida, tudo o que não apresenta vantagem morre. A sobrevivência do mais capaz se faz acompanhar da morte daquele que não se desenvolve. A morte é algo secundário - conseqüência da vida. Uma forma viva adquire força dando a sua vida em favor de outrem. Morre para que a sua descendência possa sobreviver em mais elevada forma. A morte faz com que a vida continue e se desenvolva. Ela não dá um basta à vida. Torna-se

Teologia Sistemática
201
uma vantagem para a vida como um todo a fim de que aigumas formas primitivas sejam deixadas à beira do caminho e pereçam. Devemos o nosso nascimento humano à morte na natureza. A terra que está diante de nós morre para que vivamos. Somos os filhos vivos de um mundo que morre por nós.
A morte é o meio de vida, da crescente especialização da função. Algumas células nascem para darem a sua vida como sacrifício em favor do organismo a que pertencem.
Conquanto consideremos o ponto de vista de Newman Smith uma explicação engenhosa e de valor sobre os resultados incidentais da morte, não vemos nele uma explicação da origem da morte. Deus conduziu a morte para o bem e não podemos concordar muito com a exposição de Smith. Mas parece-nos totalmente impossível e sem provas que esse bem poderia ser obtido só através da morte. A biologia nos mostra a impossibilidade de outros métodos de reprodução e que a morte é um incidente e não um requisito primordial ao desenvolvimento. Consideramos a teoria do Dr. Smith tão incompatível com as representações escriturísticas sobre a morte como conseqüência do pecado, sinal de desagrado de Deus, meio de disciplina da queda, destinada a completar a abolição quando o próprio pecado se exterminar. Contudo, reservamos a prova completa de que a morte física é parte da pena do pecado ao discutirmos as Conseqüências do Pecado de Adão à Posteridade.
Mas a morte foi também, e principalmente,
Espiritual, ou separação da alma em relação a Deus. - Isto inclui:
Negativamente, a perda da semelhança moral com Deus, ou a subjacente tendência de toda a sua natureza em relação a Deus o que constitui a sua retidão original, b) Positivamente, a depravação de todas as forças que, em sua ação unida com relação à verdade, chamamos natureza moral e religiosa do homem; ou, em outras palavras, o declínio do seu intelecto, a corrupção dos seus sentimentos e a escravização da sua vontade.
Procurando ser um deus, o homem tornou-se escravo; procurando independência, deixou de ser dono de si mesmo. Outrora o seu intelecto era puro; ele tinha suprema consciência de Deus e via tudo sob a luz de Deus. Agora tem suprema consciência de si e vê tudo afetado pelo eu. Esta autoconsciên- cia - quão diferente é da vida objetiva dos primeiros apóstolos, de Cristo e de cada alma amorosa! Outrora os sentimentos eram puros; o seu amor supremo concentrava-se em Deus e o mais subordinava à vontade dele. Agora ele ama supremamente o eu e é dirigido pelos sentimentos desordenados para com as criaturas que ministram a gratificação egoística. O homem nada faz para agradar a Deus porque não tem o amor necessário a toda a verdadeira obediência.
G. F. Wilkin, Control in Evolution, mostra que a vontade pode iniciar uma involução que reverte o curso normal do desenvolvimento do homem. Primeiro vem o ato e depois o hábito de render-se ao animalismo; depois a subversão da fé na verdade e no bem; depois a vitória do mal; depois a transição da

202
Augustas Hopkins Strong
má disposição e tendências à posteridade. Tal subversão da vontade racionai através da má escolha ocorre bem cedo; na verdade, com o primeiro homem. Toda a história humana tem sido um conflito entre estas duas evoluções antagônicas, ascendentes e descendentes. Acima dos fenômenos morais, predominam os biológicos. Nenhum ser humano escapa à transgressão da lei da natureza evolutiva. Há um amortecimento moral e um resultante torpor. A vontade racional deve ser restaurada antes que o homem ande retamente outra vez. O homem deve estar comprometido com uma verdadeira vida; a partir daí, com a restauração dos outros com vistas à mesma vida; a seguir, deve haver cooperação com a sociedade; esta obra deve estender-se aos limites da espécie humana. Mas isto só é praticável e racional quando se mostra que o desdobrável plano do universo destinou a justiça a um futuro incomparavelmente mais desejável que o dos ímpios; em outras palavras, a imortalidade é necessária à evolução.
"Se a imortalidade é necessária à evolução, então ela se torna científica. Jesus tem autoridade e poder onipresente bem antes da evolução. Ele impõe aos seus seguidores a mesma missão evolutiva normal que o enviou ao mundo. Organiza-os em igrejas. Ensina uma evolução moral da sociedade através dos esforços voluntários dos seus seguidores unidos. Eles são a 'boa semente ... os filhos do reino' (Mt. 13.38). O teísmo faz uma tentativa definida de opor-se ao mal da involução, tentativa esta que se justifica pelos resultados. O Cristianismo é científico 1) ao satisfazer as condições do conhecimento: a persistente e abrangente harmonia dos fenômenos e a interpretação de todos os fatos; 2) tem como alvo a regeneração do mundo; 3) em seus métodos, adaptando-se ao homem como um ser ético capaz de ilimitado progresso; 4) em sua concepção de sociedade normal como os pecadores que se unem para auxiliarem-se mutuamente na dependência de Deus e conquistar para si o reconhecido laço ético essencialíssimo. Esta doutrina harmoniza ciência e religião, revelando nova espécie de controle que marca o mais elevado estágio da evolução; mostra que a religião do Novo Testamento é essencialmente científica e as suas verdades resistem à verificação prática; o cristianismo não é uma qualquer igreja em particular, mas consiste nos ensinos bíblicos; é o verdadeiro sistema de ética e deve ser ensinado em instituições públicas; que, finalmente, a evolução cósmica depende da sabedoria e vontade do homem, do Deus imanente que opera na humanidade finita e redimida".
Por fim, o homem não mais fez Deus o fim da sua vida; ao invés disso, escolheu a si mesmo. Conquanto ele tenha retido o poder de autodeterminação nas coisas subordinadas, perdeu aquela liberdade que consistia no poder de escolher Deus como alvo final e tomou-se agrilhoado por uma inclinação fundamental de sua vontade para o mal. As intuições da razão anormalmente se obscureceram porque tais instituições, até onde se ligam à moral e à verdade religiosa, condicionam ao estado justo dos sentimentos; e - como resultado necessário do obscurecimento da razão - a consciência, que, como o judiciário normal da alma, decide com base na lei dada pela razão, tomou-se perversa em suas deliberações. Contudo, a incapacidade de julgar, de agir corretamente,

Teologia Sistemática
203
visto que era uma incapacidade moral brotada da vontade, era em si mesma odiosa e condenável.
Ver Philippi, Glaubenslehre, 3.61-73; Shedd, Sermons to the Natural Man, 202-230, esp. 205 - "Somos responsáveis por qualquer coisa que brota da vontade. A incapacidade do homem amar a Deus supremamente resulta da sua intensa vontade própria e do seu amor próprio e por isso a impotência é uma parte e um elemento do seu pecado e não uma desculpa". E ainda vem a pergunta: "Adão, onde estás?" (Gn. 3.9) diz Baldwin "1) não se refere à localização física, mas à sua condição moral; 2) não de ameaça de justiça, mas de amoroso convite para a volta e para o arrependimento; 3) não apenas a Adão como indivíduo, mas à humanidade toda, que ele representa".
Dale, Ephesians, 40 - "Cristo é o eterno Filho de Deus; e o primeiro e principal propósito da graça divina é que a humanidade toda deve compartilhar da sua vida e filiação; através de Cristo todos os homens erguem-se a um mais elevado nível do que o herdado na criação; devem ser participantes da natureza divina" (2 Pe. 1.4) e compartilhar da justiça e gozo divinos.
Ou melhor, a raça, na verdade, foi criada em Cristo; para que pudesse em Cristo herdar a vida e a glória de Deus. O propósito divino foi contrariado e obstruído e parcialmente derrotado pelo pecado humano. Porém cumpriu-se em todos os que estão 'em Cristo' (Ef. 1.3)".
Exclusão positiva e formal da presença de Deus Isto incluía:
A cessação daquele relacionamento familiar do homem com Deus e a colocação de barreiras entre o homem e o seu Criador (querubim e sacrifício).
Embora Deus tenha punido Adão e Eva, ele não os amaldiçoou como fez com a serpente. A expulsão deles para que não comessem da árvore da vida tanto é matéria de benevolência como de justiça a fim de impedir a imortalidade do pecado.
Banimento do jardim, onde Deus tinha especialmente manifestado a sua presença. - O Éden era uma clareira reservada, como tinha sido o corpo de Adão, para mostrar o que seria o mundo sem pecado. Esta exclusão positiva da presença de Deus, com a tristeza e a dor que envolvia, pode ter pretendido ilustrar ao homem a natureza da morte eterna de que ele agora necessitava buscar livramento.
Nos portais do Éden parece ter havido uma manifestação da presença de Deus através do querubim, o que faz daquele lugar um santuário. Caim e Abel trouxeram oferta "ao Senhor" (Gn. 4.3,4) e se diz que, quando Caim fugiu, "saiu da presença do Deus" (Gn. 4.16).

204
Augustus Hopkins Strong
SEÇÃO Y - ATRIBUIÇÃO DO PECADO DE ADÃO À SUA POSTERIDADE
Já vimos que todos seres humanos são pecadores; que todos são por natureza depravados, culpados e condenáveis; e que a transgressão dos nossos primeiros pais, com relação à raça humana, foi o primeiro pecado. Temos ainda a considerar a conexão entre o pecado de Adão e a depravação, culpa e condenação da raça.
As Escrituras ensinam que a transgressão dos nossos primeiros pais constituiu pecadora a sua posteridade (Rm. 5.19 - "pela desobediência de um homem muitos foram constituídos pecadores"), de modo que o pecado de Adão é imputado, considerado, ou aplicado a cada membro da raça de que ele é o germe e cabeça (Rm. 5.16 - "o juízo veio de uma só ofensa para condenação"). É por causa do pecado de Adão que nascemos depravados e sujeitos às penas (Rm. 5.12 - "por um homem entrou o pecado no mundo e pelo pecado a morte"; Ef. 2.3 - "por natureza filhos da ira"). Duas questões demandam resposta, - primeira, como podemos ser responsáveis por uma natureza depravada que pessoal e conscientemente não originamos; e, em segundo lugar, como Deus pode, com justiça, acusar-nos do pecado do primeiro pai da raça. Tais perguntas são substancialmente as mesmas e as Escrituras dão a verdadeira resposta ao problema quando declaram que "em Adão todos morrem" (1 Co. 15.22) e "a morte passou a todos os homens, porquanto todos pecaram" quando "por um homem o pecado entrou no mundo" (Rm. 5.12). Em outras palavras, o pecado de Adão é a causa e base da depravação, culpa e condenação de toda a sua posteridade, simplesmente porque Adão e sua posteridade são um e, em virtude de sua unidade orgânica, o pecado de Adão é o pecado da raça.
Amiel diz que "a concepção de pecado e da sua cura fornece a melhor medida da profundidade de qualquer doutrina religiosa". Já vimos que pecado é um estado; é um estado da vontade; um estado egoístico da vontade; um estado egoístico da vontade inata e universal; um estado egoístico da vontade inata e universal em razão do livre ato do homem. Ligando esta discussão às doutrinas teológicas anteriores, passamos aos seguintes procedimentos:
1. A santidade de Deus é a pureza da natureza. 2. A lei de Deus demanda a pureza da natureza. 3. O pecado é a natureza impura. 4. Todo homem tem esta natureza impura. 5. Adão originou esta natureza impura. Nesta seção queremos acrescentar: 6. Adão e nós somos um; e na seção seguinte complementaremos a doutrina com 7. A culpa e a pena de Adão são nossas.
Conforme consideramos este duplo problema do ponto de vista da condição anormal do homem, ou do seu tratamento divino, podemos chamá-lo

Teologia Sistemática
205
problema do pecado original, ou problema da imputação. Nenhum destes termos é objetável quando o seu sentido é definido. Imputação do pecado é, não a arbitrária acusação a alguém daquilo por que ele não é naturalmente responsável, mas que a culpa de alguém é dele mesmo, quer em virtude dos seus atos individuais, quer em virtude da conexão com a raça. Pecado original significa a participação no pecado comum da raça do qual Deus nos acusa em virtude da nossa descendência de Adão, o primeiro pai e cabeça.
Não devemos permitir que o nosso emprego do termo 'atribuição tenha um sentido arbitrário ou preconceituoso pelo fato de algumas escolas de teologia, principalmente a Federal, terem dado a tal termo um sentido arbitrário, exterior e mecânico - sustentando que Deus atribui pecado aos homens, não porque são pecadores, mas baseado numa ficção pela qual Adão, sem o consentimento deles, tornou-se seu representante. Ao contrário, veremos que 1) no caso do pecado de Adão atribuído a nós, 2) no caso dos nossos pecados atribuídos a Cristo e 3) no caso da justiça de Cristo atribuída ao crente há sempre uma base realista para a atribuição, a saber, uma união real 1) entre Adão e os seus descendentes, 2) entre Cristo e a raça e 3) entre os crentes e Cristo, que dá, em cada caso, comunhão vital e capacita-nos a dizer que Deus não atribui a nenhum homem o que não lhe cabe
O Dr. E. G. Robinson costumava dizer que "a justiça atribuída e o pecado atribuído são de tal modo absurdos como qualquer noção que se apossou da natureza humana". Contudo, ele tinha em mente apenas a culpa construtiva e o mérito que os teólogos de Princeton defendiam. Ele não quer dizer que nega aos homens a atribuição do que lhes é próprio. Reconhece o fato de que todos os homens são pecadores tanto por herança como por ato voluntário e isto se encontra tanto no Velho Testamento como no Novo; p. ex., Ne. 1.6
"faço confissão pelos pecados de Israel, que pecamos contra ti. Também eu e a casa de meu pai pecamos"; Jr. 3.25 - "Jazemos na nossa vergonha e estamos cobertos da nossa confusão, porque pecamos contra o Senhor nosso Deus, nós e nossos pais"; 14.20 - "Conhecemos a nossa impiedade e a maldade dos nossos pais; porque pecamos contra ti". A palavra "imputado" encontra-se no Novo Testamento; p. ex., 2 Tm. 4.16 - "Ninguém me assistiu na minha defesa; antes, todos me desampararam. Que isto não lhes seja imputado" ou "imputado a eles" - (xf) conoíç ^oyíaeeírç; Rm. 5.13 - "mas o pecado não é imputado (Rev. e Atualizada: "não é levado em conta") não havendo lei", ovk iXXoy&xai.
Não só os santos do período das Escrituras, mas também os dos nossos dias têm atribuído a si os pecados dos outros, do seu povo, da sua época, do mundo todo. Jonathan Edwards, Resolutions, citado por Allen, 28 - "Tenho por certo que ninguém é tão indigno quanto eu; identifico-me a todos os homens e ajo como se os pecados deles fossem meus, como se eu os tivesse cometido, como se tivesse as mesmas enfermidades de modo que o conhecimento das suas quedas só promove em mim um senso de vergonha". Frederick Denison Maurice: "Desejo confessar os pecados da época como sendo meus". Moberly, Atonement and Personality, 87 - "A expressão solida

206
Augustus Hopkins Strong
riedade humana a cada dia mais se aprofunda e ganha maior significação. Seja o que for fazemos para nós mesmos. Não só como indivíduo posso ser medido e julgado". Royce, World and Individual, 2.404 - "O problema do mal, na verdade, demanda a presença da livre vontade no mundo; enquanto, por um lado, é igualmente verdade que nenhum mundo moral, qualquer que seja, pode tornar-se consistente com a tese realista segundo a qual os agentes da vontade livre, na fortuna ou na desventura, independem dos atos dos agentes morais. Segue-se que, no nosso mundo moral, o justo pode sofrer sem merecer pessoalmente, sem dúvida porque a sua vida não é independente, mas está ligada à de todos - o próprio Deus compartilha o seu sofrimento".
As citações acima ilustram a crença na responsabilidade humana, que vai além dos limites dos pecados pessoais. Não podemos definir que responsabilidade é esta e quais os seus limites. A. H. Bradford, Heredity, 198 e The Age of Faith, 235, propõe o problema, porém não o resolve - Estêvão ora: 'Senhor, não lhes imputes este pecado' (At. 7.60). De quem? Todos temos uma participação nos pecados dos outros. Estamos presentes e, como Paulo, consentimos neles. 'Meus pecados afiaram os cravos e fincaram cada espinho' que feriu a cabeça de Jesus.... Ainda na Inglaterra e no País de Gales as mais severas formas deste ensino [sobre o pecado] quase desapareceram; não por causa do estudo mais completo da Escritura, mas porque o terrível congestionamento da população com suas misérias convence a maioria dos pensadores cristãos de que as antigas interpretações eram muito pequenas para os fatos próximos e terríveis da vida humana, tais como as mulheres com bebês nos braços nas casas de bebidas de Londres, dando às crianças um gole dos seus próprios copos e um taberneiro pondo o filho de quatro ou cinco anos para cuidar da bebida e lutar para imitar os mais velhos".
Há dois princípios fundamentais citados pela Escritura que parecem claramente substanciar e que outras Escrituras corroboram. O primeiro é que as relações do homem com a lei moral vão além da esfera da transgressão consciente e real e abrangem as tendências e qualidades morais do seu ser que ele tem em comum com cada um dos outros membros da raça. O segundo é que o governo moral de Deus não só leva em conta as pessoas e os atos pessoais, mas também reconhece as responsabilidades da raça e lhe inflige penalidades; ou, em outras palavras, julga a humanidade, não simplesmente como uma coleção de indivíduos separados, mas também como um todo orgânico, que pode coletivamente revoltar-se contra Deus e incorrer na maldição da lei violada.
Sobre a responsabilidade racial ver H. B. Smith, System ofTheology, 288-302
"ninguém que insiste em que todo o governo moral de Deus tem respeito só pelo indivíduo, que não permite que o governo moral de Deus, que tem um mais amplo e maior relacionamento de modo que Deus possa proporcionar sofrimento e felicidade (em sua total sabedoria e inescrutável providência) em outras bases além do mérito e do demérito pessoais pode aprender a

Teologia Sistemática
207
doutrina do pecado original, ou a da redenção. O dilema é: os fatos ligados à depravação e à redenção através de Cristo pertencem ou não ao governo de Deus. Se pertencem, então este governo tem que ver com outras considerações além do mérito e demérito pessoais (visto que a nossa incapacidade em conseqüência do pecado e a graça oferecida em Cristo não são, em nenhum sentido, o resultado da nossa escolha pessoal apesar de que escolhemos nas nossas relações com ambos). Se não pertencem ao governo moral de Deus, onde os enquadraremos? No físico? Certamente que não. Na soberania divina? Mas essa não evita qualquer dificuldade; pois permanece ainda a pergunta: A soberania assim exercida é justa, ou injusta? Devemos assumir uma ou outra. A totalidade (do pecado e da graça) ou é um mistério da soberania - da simples onipotência - ou um procedimento do governo moral. Surge a pergunta relativa à graça e ao pecado: Como pode a teoria de que todo governo moral se refere apenas ao mérito ou demérito dos atos pessoais aplicar-se à nossa justificação? Se todo pecado é o ato de pecar, com o afastamento da morte eterna, por igual raciocínio toda santidade deve consistir em uma escolha santa com o mérito pessoal da vida eterna. De um modo geral dizemos, então, que todas definições que significam um pecado, são aqui irrelevantes". O Dr. Smith cita Edwards, 2.309 - "O nosso pecado original, depravação inata do coração, não inclui apenas a depravação da natureza, mas a imputação do primeiro pecado de Adão, ou, em outras palavras, a tendência, ou exposição, no juízo divino, de participar da punição de tal pecado".
O lema de grande parte dos teólogos - popularmente chamados Nova Escola - é que "todo pecado consiste no ato de pecar", isto é, todo pecado é um ato. Porém, já vimos que as disposições e estados em que o homem difere de Deus e de sua pureza também são pecados conforme o sentido da lei. Cumpre agora acrescentar que cada homem é também responsável por aquele pecado do nosso primeiro pai em que a raça humana apostatou de Deus. Em outras palavras, reconhecemos a culpa pecado racial assim como o pecado pessoal. Queremos inicialmente dizer, contudo, que o nosso ponto de vista e, assim cremos, o escriturístico, requer que destaquemos algumas qualificações da doutrina que, em certa extensão, amenizam a sua dureza e fornecem a explicação adequada. Passamos a mencioná-las a seguir.
Ao reconhecer o pecado da raça, precisamos ter em mente: 1) que o pecado real, em que o agente pessoal reafirma a subjacente determinação da sua vontade, é mais culpado que o pecado original sozinho; 2) que nenhum ser humano é condenado somente por causa do pecado original; mas que todos os que, como as crianças, não cometem transgressões pessoais, são salvos através da aplicação da expiação de Cristo; 3) que a nossa responsabilidade pelas más disposições inatas, ou depravação comum à raça, só pode ser sustentada com base em que a depravação foi causada por um ato original e consciente da vontade livre, quando a raça se rebelou contra Deus em Adão; 4) que a doutrina do pecado original é só a interpretação ética de fatos biológicos - de here

208
Augustus Hopkins Strong
ditariedade e de males congênitos universais, que demandam base e explicação éticas; e 5) que a idéia de pecado original tem correlação com a idéia da graça original ou a constante presença e operação de Cristo, o Deus imanente, em cada membro da raça, apesar do seu pecado, que se contrapõe ao mal e prepara o caminho, até onde o homem permite, para a salvação individual e coletiva.
Em oposição à máxima "todo pecado consiste em ato pecaminoso", apomos a seguinte afirmação: O pecado pessoal consiste no ato pecaminoso, mas, no primeiro ato pecaminoso de Adão, a raça também pecou, de sorte que "todos morrem em Adão" (1 Co. 15.22). Denney, Studies in Theology, 86- "O pecado não é apenas pessoal, mas também social; não apenas social, mas orgânico; o caráter e tudo que ele abrange podem-se atribuir não só a indivíduos, mas à sociedade e, eventualmente, à própria raça humana; em suma, não há apenas pecados isolados e indivíduos pecadores, mas o que tem sido chamado o reino do pecado sobre a terra". Leslie Stephen: A frase, o homem não dependente de uma raça, não tem sentido, do mesmo modo que, uma maçã que não nasce na árvore". "Contudo, Aaron Burr e Abraão Lincoln mostram como o homem pode ultrapassar qualquer vantagem da hereditariedade e do meio enquanto outro pode triunfar sobre os piores eventos. O homem não deve extrair o seu caráter de causas exteriores, mas formá-lo através da voluntária submissão a influências, quer inferiores, quer superiores".
Wm Adams Brown: "A idéia da culpa hereditária só pode ser aceita se acompanhada da idéia do bem hereditário. As conseqüências do pecado têm sido freqüentemente consideradas como sociais; as conseqüências do bem como individuais. A hereditariedade transmite tanto o bem como o mal". Sra. Lydia Avery Coonley Ward: "Por que te curvas, ó minha alma, esmagada pelo pecado ancestral? Tu tens uma herança nobre Que te impulsiona a ganhar a vitória. O passado maculado pode produzir flores, Como a florescente vara de Arão: Nenhum legado de pecado cancela a herança vinda de Deus".
Há o pecado racial, portanto, assim como o pecado pessoal; e o pecado racial foi cometido pelo primeiro pai da raça, compreendendo toda a raça em si. A partir de então, toda a humanidade nasce no mesmo estado em que ele caiu - de depravação, culpa e condenação. Na vindicação da justiça de Deus ao atribuir a nós o pecado do nosso pai, têm surgido muitas teorias, parte das quais deve ser considerada como apenas tentativas de evasão do problema negando os fatos que as Escrituras põem diante de nós. Entre as tentativas de explicar as afirmações da Escritura, passamos a analisar seis teorias que mais parecem merecer atenção.
As três primeiras que discutimos podem ser consideradas como evasivas do problema do pecado original; de uma forma ou de outra, todas negam que Deus atribui a todos os homens o pecado de Adão de tal modo que todos são

Teologia Sistemática
209
culpados por ele. São elas: a pelagiana, a arminiana e a da Nova Escola.
As três últimas de que iremos nos ocupar, a saber, a Federal, a da Atribuição Imediata e a do Encabeçamento Natural de Adão são as da Velha Escola e têm por característica comum afirmar a culpa da depravação inata. Contudo, todas as três sustentam que, de qualquer forma somos responsáveis pelo pecado de Adão, embora difiram quanto ao modo preciso pelo qual nos relacionamos com ele. É preciso admitir que nenhuma, mesmo destas teorias, satisfaz integralmente. Contudo, esperamos demonstrar que a última - a agos- tiniana, do encabeçamento adâmico, sustentando que Adão e seus descendentes são natural e organicamente um - explica o maior número de fatos, está aberta a objeção e está mais de acordo com a Escritura.
I. TEORIAS DA ATRIBUIÇÃO
Teoria Pelagiana, ou da Inocência Natural do Homem
Pelágio, monge britânico, propôs as suas doutrinas em 409, em Roma. Em 418 foi condenado pelo Concilio de Cartago. Contudo, o pelagianismo, oposto ao agostinianismo, designa um completo esquema de doutrina relativo ao pecado, da qual Pelágio foi o mais legítimo representante embora cada uma das suas caraterísticas não possa ser atribuída à autoria dele. Os socinianos e os unitários são os mais modernos defensores deste esquema geral.
Segundo esta teoria, toda alma humana é criada imediatamente por Deus, e inocente, livre das tendências depravadas, e perfeitamente capaz de obedecer a Deus, como Adão o foi na sua criação. O único efeito do pecado adâmico sobre a sua posteridade é o mau exemplo; de modo algum corrompeu a natureza humana; a única corrupção da natureza humana é o hábito de pecar que cada indivíduo contrai através da persistente transgressão da lei conhecida.
Por isso, o pecado de Adão somente feriu a sua pessoa; foi atribuído apenas a Adão; de modo algum o foi aos seus descendentes; Deus atribui a cada descendente de Adão apenas os atos de pecado que ele pessoal e conscientemente cometeu. Os homens tanto podem ser salvos pela lei como pelo evangelho; e, na verdade, alguns obedeceram a Deus de um modo perfeito e assim foram salvos. Por isso, a morte física é apenas uma lei original da natureza; Adão teria morrido, tivesse ou não pecado; em Rm. 5.12, "a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram", significa: "todos incorreram na morte eterna porque pecaram seguindo o exemplo de Adão".
Wiggers, Augustinism and Pelagianism, 59, indica os sete pontos da doutrina pelagiana, como seguem: 1) Adão foi criado mortal, de sorte que teria morrido mesmo que não tivesse cometido pecado; 2) o pecado adâmico feriu não a raça humana, mas somente Adão; 3) as crianças recém-nascidas estão

210
Augustus Hopkins Strong
na mesma condição de Adão antes da queda; 4) toda a raça humana não morre por causa do pecado de Adão, nem ressurge por causa da ressurreição de Cristo; 5) as crianças, ainda que não batizadas, alcançam a vida eterna; 6) a lei é um meio de salvação tão bom como o evangelho; 7) mesmo antes de Cristo houve homens que não cometeram pecado.
Nos comentários de Pelágio sobre Rm. 5.12, publicados nas obras de Jerônimo, vol. XI, aprendemos que os homens sem pecado eram, por exemplo, Abel, Enoque, José, Jó e, entre os pagãos, Sócrates, Aristides, Numa.
As virtudes dos pagãos dão-lhes o direito ao galardão. Na verdade, os seus méritos não são a ausência dos maus pensamentos e inclinações, mas, no ponto de vista de Pelágio de que todo pecado consiste no ato, estes maus pensamentos e inclinações não são pecado. "Non pleni nascimur": Nascemos, não completos, mas vazios de caráter. A santidade, é pensamento de Pelágio, não pode ser criada simultaneamente. Os descendentes de Adão não são mais fracos, ao contrário, mais fortes do que ele; visto que cumpriam muitos mandamentos enquanto ele não cumpriu nem um. Em cada homem há uma consciência natural; ele tem um ideal de vida; forma soluções corretas; reconhece as exigências da lei; acusa-se quando peca - tudo isto Pelágio considera indicações de uma certa santidade no homem e a falsa interpretação destes fatos dá surgimento ao seu sistema; ele devia ter visto no homem evidências de uma influência divina aposta à sua inclinação para o mal conduzindo-o ao arrependimento. Na teoria pelagiana a graça é tão somente a da criação - originalmente o fato de Deus dotar o homem de altos poderes de razão e vontade. Enquanto o agostinianismo considera a natureza humana morta e o semi-pelagianismo doente, o pelagianismo declara-a boa.
Dorner, Glaubenslehre, 2.43 (Doutrina Sistemática, 2.338) - "Nem o corpo, que envolve o homem, nem a operação interior de Deus tem qualquer influência determinante sobre a vontade. Deus se chega ao homem só através de recursos exteriores, tais como a doutrina, o exemplo e a promessa de Cristo. Isto isenta Deus de toda culpa do mal, mas também toma dele a autoria do bem. É o deísmo aplicado à natureza do homem. Deus não poderia entrar no ser humano sem a vontade dele e não quereria, se ele não pudesse. Tudo é questão de livre vontade". /£>., 1.623 (Sistema de Doutrina 2.188,189"
"O pelagianismo conta, ao mesmo tempo, com a grande honra de que o homem é diretamente movido por Deus e com a grande desonra de que não é capaz de agir sem Deus. Neste arrazoado inconsistente mostra o seu desejo de se afastar de Deus o tanto quanto possível. A verdadeira concepção de Deus requer uma satisfação viva dos anseios e poder de receber os impulsos e a força de Deus. O pelagianismo, buscando um desenvolvimento para o homem só semelhante ao da natureza, mostra que a elevada estima do homem é apenas ilusória; na verdade, degrada-o ao ignorar sua verdadeira dignidade e destino".
Sobre a teoria pelagiana do pecado, podemos dizer:
Nunca foi reconhecida como escriturística, nem qualquer ramo da igreja cristã formulou-a nas confissões. Sustentada só por indivíduos, esporadica-

Teologia Sistemática
211
mente, ela foi considerada pela igreja em geral como uma heresia. Isto constitui ao menos uma presunção contra a sua verdade.
Como a escravidão é a "soma de toda a vilania", assim a doutrina pelagiana pode ser chamada a soma de toda a falsa doutrina. O pelagianismo é a sobrevivência do paganismo em seu majestoso egoísmo e autocomplacên- cia. "Cícero, em sua Natura Deorum, diz que o homem agradece aos deuses as extraordinárias vantagens, mas ninguém jamais lhes agradece as virtudes
porque ele é honesto, ou puro, ou misericordioso. Pelágio foi o primeiro que se levantou em oposição ao ouvir um bispo nos ofícios públicos da igreja citar a oração de Agostinho: 'Da quod ju-bes, et jube quod vis' - 'Dá o que mandas e manda o que tu queres'. A partir daí ele foi levado a formular o evangelho segundo Cícero tal é a perfeição com que a doutrina pelagiana reproduz o ensino pagão". Por outro lado, o impulso cristão deve relacionar todas as dádivas e graças com uma fonte divina em Cristo e no Espírito Santo. Ef. 2.10
"Porque somos feitura sua criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas"; Jo. 15.16 - "Não me escolhestes vós a mim, mas eu vos escolhi a vós"; 1.13 - "Os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do varão, mas de Deus". H. Auber: "E cada virtude que possuímos, E cada vitória que alcançamos, E cada pensamento de santidade São só dele".
Agostinho disse que o homem é mais livre quando é só controlado por Deus" - [Deo] solo dominante, liberrimus (De Mor. Eccl XXI). Gore, Lux Mundi, 320 - "Em Cristo a humanidade é perfeita porque nele a referida humanidade não retém parte nenhuma da falsa independência que, em todas as suas múltiplas formas, é o segredo do pecado". O pelagianismo, ao contrário, é a declaração de independência do homem. Harnack, Híst. Dogma, 5.200 - "A essência do pelagianismo, chave de todo o modo de pensamento, encontra-se na proposição de Juliano: 'Homo libero arbitrio emancipatus a Deo' - o homem, criado livre em seu ser inteiro é independente de Deus. Ele não tem nada a ver com Deus, mas consigo mesmo. Deus entra na vida do homem só no fim, - no juízo, - doutrina do orfanato da humanidade.
Contradiz a Escritura ao negar: a) que a disposição e estado maus, do mesmo modo que os maus atos, são pecados; b) que disposição e estado maus são inatos em toda a humanidade; c) que os homens universalmente são culpados pela transgressão aberta tão logo cheguem à consciência moral; ã) que ninguém é capaz de cumprir a lei sem o auxílio divino; e) que todos homens, sem exceção, dependem da expiação, da regeneração, da santificação, da graça de Deus para a salvação;/) que o presente estado de corrupção, condenação e morte do homem é o efeito direto da transgressão de Adão.
A Confissão de Westminster, cap. vi, par. 4, declara que "somos totalmente desqualificados, incapazes e opostos a todo o bem e totalmente inclinados para o mal". Para Pelágio, ao contrário, o pecado é um mero incidente. Ele só

212
Augustus Hopkins Strong
tem conhecimento de pecados, não de pecado. Sustenta a teoria atômica, ou atomista do pecado, que o considera consistente com as volições isoladas. O pelagianismo, sustentando, como faz, que a virtude e o vício consistem apenas em simples decisões não leva em conta o caráter. Não existe esta coisa de estado de pecado, ou sua força de si mesmã propagadora. As Escrituras dão maior ênfase a estes do que aos simples atos de transgressão. Jo. 3.6 - "O que é nascido da carne é carne" = o que vem de ascendência pecadora e culpada, desde o começo é, por si mesmo, pecaminoso e culpado" (Dorner). A tendência para a degradação dá testemunho em famílias e nações.
Amiel diz que o grande defeito do cristianismo liberal é a sua concepção liberal de pecado. A tendência é muito antiga: Tertuliano falava da alma como naturalmente cristã - "anima naturaliter Christiana". A tendência chegou aos tempos modernos: Crane, The Religion of Tomorrow, 246 - "Só quando a criança cresce e começa a absorver o meio ambiente é que perde a amabili- dade sem arte". Um pregador unitário de Roxeaste declarou publicamente sentir muita dúvida para crer na pureza natural do homem, assim como para crer na pureza natural de Deus . Dr. Lyman Abbott fala da sombra que a teologia maniqueísta de Agostinho, que Calvino tomou por empréstimo, lança sobre todos os filhos, declarando-os nascidos herdeiros da ira, como raça de víbora". O Dr. Abbott esquece-se de que Agostinho foi o maior opositor do maniqueísmo e que a sua doutrina da herança da culpa pode ser suplementada pela doutrina das influências herdadas tendentes à salvação.
O prof. G. A. Coe diz-nos que "todas crianças estão dentro da família de Deus"; que "já são membros do seu reino"; que "a mudança do adolescente" não é "um passo para a vida cristã, mas dentro dela". Aprendemos que a salvação vem através da educação. Porém a educação é tão somente um meio para apresentar a verdade. O pelagianismo ignora ou nega em toda criança a presença de um egoísmo congênito que dificulta a aceitação da verdade e que, sem a obra do Espírito divino, contrapõe-se à influência da verdade. A transgressão ensinou a Agostinho a culpa e a desesperança, enquanto Pelágio continuou a ignorar o mal do seu próprio coração. Pelágio podia ter dito com Wordsworth, Prelude, 534 - "Como outros jovens eu tinha abordado o escudo Da natureza humana sob o aspecto áureo; E teria lutado até à morte para testar a qualidade do metal que eu via".
Schaff, sobre a controvérsia pelagiana, In Biblia Sacra, 5.205-243 - A controvérsia "resolve-se na questão se a redenção e a santificação consistem na obra do homem ou na de Deus. O pelagianismo, em todo o seu modo de pensar, parte do homem e procura operar gradualmente para cima, através de uma boa vontade imaginária até a santidade e comunhão com Deus. O agostinianismo persegue o caminho contrário, derivando da graça incondicional e operadora uma nova vida e a força total para a operação do bem. Aquela conduz da liberdade a uma piedade legalista e de justiça própria; esta surge da escravidão do pecado para a gloriosa liberdade dos filhos de Deus. Para aquela, a revelação é apenas um acessório exterior, ou força de um exemplo elevado; para esta é o recôndito da vida, a própria medula e o sangue do novo homem. Aquela envolve um ponto de vista ebionita de Cristo, como homem nobre, não como sumo sacerdote ou rei; esta vê nele alguém

Teologia Sistemática
213
que habita a plenitude real de Deus. Aquela faz da conversão um processo de purificação moral gradual apoiada na natureza original; com esta, há uma mudança total em que as coisas velhas passam e tudo se faz novo. ...
O racionalismo é apõe-nas a forma em que o pelagianismo teoricamente se completa. A elevada opinião que o pelagiano sustenta a respeito da vontade natural, com igual direito, o racionalismo transfere para a razão natural. Um faz sem a graça o que o outro o faz sem a revelação. A divindade pelagiana é racionalista. A moralidade racionalista é pelagiana".
Allen, Religious Progres, 98-100 - "O equívoco da controvérsia religiosa, em sua maior parte brota do desejo e da determinação de atribuir às posições contrárias de alguém o que este não sustenta, ou tirar inferências a partir dos seus princípios, insistindo em que ele é responsável pelos referidos embora declare que não os ensina. Dizemos que ele deve aceitá-los; que logicamente deve agir assim; que são deduções necessárias a partir do seu sistema; que a tendência do seu ensino está nesta direção; e conseqüentemente denunciá-lo e condená-lo por aquilo que ele nega. É deste modo que Agostinho preenche as lacunas de seu sistema, que ele ensinava ser necessário para tornar consistente e completo o ensino de Pelágio; da sua parte, Pelágio tirava inferências da teologia agostiniana sobre o que Agostinho teria preferido manter um discreto silêncio. Nem Agostinho, nem Calvino, estavam ansiosos por tornar proeminente a doutrina da reprovação do ímpio para a condenação, mas preferiam ficar no princípio mais atraente e mais racional da eleição para a salvação como matéria de escolha e aprovação divinas; substituindo a desagradável palavra reprovação pela mais branda e eufemística palavra preterição. Os seus opositores é que tenderam a forçá-los a sair da sua discrição, impulsionando-os àquilo parece uma consistente seqüência da atitude deles e, com isso, sustentá-lo diante do mundo até à execração. A mesma nota se aplicaria a quase toda a polêmica teológica que amargou a experiência da igreja".
Apóia-se em falsos princípios filosóficos; por exemplo: a) que a vontade humana consiste unicamente na faculdade das volições; enquanto é também e, principalmente, a faculdade da autodeterminação com vistas a um fim último; b) que o poder de escolha contrária é essencial à existência da vontade; enquanto a vontade fundamentalmente determinada para a gratificação de si mesma tem o seu poder só relativo às coisas subordinadas e não pode, por simples volição reverter o seu estado moral; c) que a capacidade é a medida da obrigação; princípio que atenuaria a responsabilidade do pecador na exata proporção com o progresso do seu pecado; d) que a lei consiste apenas no decreto positivo; enquanto é a demanda da harmonia perfeita com Deus operada na natureza moral do homem; e) que cada alma humana é imediatamente criada por Deus e não tem nenhuma outra relação com a lei moral além daquelas que são individuais; enquanto todas as almas humanas estão organicamente em conexão umas com as outras e, juntas, têm um relacionamento corporativo em virtude da sua derivação de uma origem racial comum.

214
Augustas Hopkins Strong
a) Neander, Church History, 2.564-625, sustenta que um dos princípios fundamentais do pelagianismo é "a capacidade de escolha de igual modo e a qualquer momento entre o bem e o mal". Não há nenhum reconhecimento da lei pelo qual os atos produzem estados; a força que os repetidos atos do mal possuem para dar um caráter definido e a tendência para a própria vontade. "A volição é um duradouro 'tique-taque', e a oscilação do pêndulo, mas sem mover para frente os ponteiros do relógio". Não há nenhuma continuidade na vida moral - nenhum caráter no homem, anjo, diabo, Deus".
Ver o artigo sobre o Poder da Escolha Contrária, em Ensaios de Princeton,
212-233: O pelagianismo sustenta que não é possível nenhuma confirmação na santidade. Thornwell, Teologia: "O pecador é tão livre como o santo; o diabo é tão livre como o anjo". Harris, Philos. Basis of Theism, 399 - A teoria de que a indiferença é essencial à liberdade implica que a vontade nunca adquire caráter; que a ação voluntária é atomista; cada ato está desintegrado do outro; que o caráter, se adquirido, seria incompatível com a liberdade". "Através da simples volição a alma agora em plenum pode tornar-se vacuum, ou a que era vacuum pode tornar-se plenum".
SI. 79. 8 - "Não evoques contra nós as iniqüidades dos nossos pais"; 106.6 - "Pecamos como os nossos pais". Observe a analogia dos indivíduos que sofrem os efeitos dos erros dos pais ou da transgressão nacional. Julius Müller, Doctrine of Sin, 2.316,317 - "Nem o ponto de vista atomista, nem o orgânico sobre a natureza humana é a verdade completa". Um deve ser complementado pelo outro. Sobre a afirmação da responsabilidade racial, ver Dorner, Glaubenslehre, 2.30-39, 51-64,161,162 (Sistema de Doutrina, 2.324, 334; 3.50-54) - "Entre as provas escriturísticas sobre a conexão moral do indivíduo com a raça, acham-se a visitação dos pecados dos pais nos filhos; a obrigação que o povo tem de punir o pecado do indivíduo, em cuja culpa a terra toda não pode incorrer; a oferta de sacrifício pelo homicídio, cujo perpetrador é desconhecido. O crime de Adão pesa sobre o povo todo. A raça judaica é a melhor para os ascendentes e as outras nações são piores para eles. O povo hebreu tornou-se pessoa legal.
"Costuma-se dizer que ninguém é punido pelos pecados dos pais, a menos que sejam semelhantes a eles. Porém, ser diferente dos pais requer um novo coração. Os que sustentam não levar em conta os pecados dos pais são os que têm reconhecido a sua responsabilidade por eles e têm-se arrependido à semelhança dos ancestrais. Só o espírito que a si mesmo se isola diz: "Sou eu guardador do meu irmão?" (Gn. 4.9) e pensa em montar uma equação consistente entre o infortúnio individual e o pecado individual. As calamidades do justo conduzem a uma concepção ética da religião do indivíduo para com a comunidade. Tais sofrimentos mostram que o homem pode amar desinteressadamente a Deus, que o bom tem amigos não egoístas. Eles são substitutivos, quando não estranhos ao sofredor, mas pertencentes a ele; a culpa dos outros atribuídas a ele em virtude da sua relação nacional ou racial com eles. Moisés em Ex. 34.9, Davi em SI. 51.6, Isaías e Is. 59.1-16, reconhecem a conexão entre o pecado pessoal e o racial.
"Cristo restaura o laço entre o homem e os seus companheiros, muda o coração dos pais para com os filhos. Ele é o criador de uma nova consciência racial. Nele, que é o cabeça, vemo-nos ligados e respondemos pelos outros.

Teologia Sistemática
215
Moralmente é impossível ao amor isolar-se. Ele restaura a consciência de unidade e o reconhecimento da culpa comum. Ocupa cada ser humano o seu devido lugar no Novo Testamento? Isto só ocorreria se cada um se tornasse isoladamente um pecador por livre e consciente decisão pessoal, quer no presente, quer no passado da existência. Entretanto, isto não é bíblico. Algo aparece antes da transgressão pessoal. 'O que é nascido da carne é carne'
(Jo. 3.6). A personalidade é mais forte ao reconhecer o pecado racial. Sentimos um regozijo nas vitórias do bem; assim também sentimo-nos tristes nos lapsos vergonhosos. Estes não são os piores momentos, mas os melhores, - há algo de gratifidante neles. O pecado original deve desagradar a Deus; porque perverte a razão, destrói a semelhança a Deus, exclui da comunhão com ele, torna necessária a redenção, conduz ao verdadeiro pecado, influi nas futuras gerações. Mas queixar-se por Deus permitir a sua propagação é queixar-se de não ter destruído a raça, - isto é, queixar-se da sua própria existência".
Teoria Arminiana, ou Teoria da Depravação voluntariamente apropriada
Armínio (1560-1609), professor da Universidade de Leyden, sul da Holanda, conquanto originariamente aceitasse a doutrina da unidade adâmica da raça, proposta tanto por Lutero como por Calvino, deu-lhe uma interpretação bem diferente - que se dirigia para o semipelagianismo e para a antropologia da igreja grega. O grupo metodista representa este ponto de vista.
Segundo esta teoria, todos os homens, como uma seqüência divinamente indicada da transgressão de Adão, acham-se naturalmente destituídos da retidão original e estão expostos à miséria e à morte. Por causa da fraqueza propagada de Adão a toda a sua descendência, a humanidade é totalmente incapaz, sem o auxílio divino, de obedecer perfeitamente a Deus ou alcançar a vida eterna. Contudo, esta incapacidade é física e intelectual, mas não voluntária. Por isso, em se tratando de justiça, Deus confere a cada indivíduo, desde o raiar da sua consciência, uma influência especial do Espírito Santo, suficiente para neutralizar o efeito da depravação herdada e tomar possível a obediência, provendo a vontade humana de cooperação, que ainda pode praticá-la.
A tendência e estado maus podem ser chamados de pecado; mas eles mesmos não envolvem culpa ou castigo; menos que isso, a humanidade não é considerada culpada do pecado de Adão. Deus atribui a cada homem as suas tendências inatas para o mal só quando consciente e voluntariamente se apropria e ratifica-as apesar da força contrária que, na justiça para com o homem, Deus comunicou de um modo especial. Em Rm. 5.12, "a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram", significa que a morte física e espiritual incidiu sobre todos os homens não como castigo de um pecado comum em

216
Augustus Hopkins Strong
Adão, mas porque, pelo decreto divino, todos sofrem as conseqüências daquele pecado e porque todos pessoalmente consentem na sua pecaminosidade através dos atos de transgressão.
A descrição dada acima é própria do arminianismo. As expressões do próprio Armínio são de tal modo seguras que Moisés Stuart (Repositório Bíblico) considerou possível construir um argumento para provar que Armínio não era arminiano. É claro, porém, que Armínio entende por pecado herdado só o mal recebido por herança e isto não é forma de justificar a condenação divina.
Ele nega qualquer existência inerente em Adão que nos fizesse, com justiça, responsáveis pelo pecado de Adão a não ser no sentido de que somos obrigados a sofrer algumas das suas conseqüências. Shedd mostrou isto na História da Doutrina, 2.178-196. O sistema de Armínio é mais completamente exposto em Limborch e Episcópio. Ifer Limborch, Theol. Christ., 3.4.6 (p. 189).
O pecado com o qual nascemos "não é inerente à alma, pois esta [a alma] é criada imediatamente por Deus e, portanto, se infectada pelo pecado, este seria de Deus". Muitos assim chamados arminianos, tais como Whitby e John Taylor, eram pelagianos.
João Wesley, contudo, modificou e aprimorou grandemente a doutrina arminiana. Hodge, Syst. Theol., 2.329,330 - "O wesleyanismo 1) admite a total depravação moral; 2) nega que os homens em tal estado têm qualquer poder para cooperar com a graça de Deus; 3) afirma que a culpa de todos através de Adão foi removida pela justificação de todos através de Cristo;
4) a capacidade de cooperar é do Espírito Santo através da influência universal da redenção da parte de Cristo. A ordem dos decretos é 1) permitir a queda do homem; 2) enviar o Filho para ser a satisfação completa pelos pecados do mundo inteiro; 3) baseado nisto, remir todo o pecado original e conceder tal graça que capacite todos a alcançar a vida eterna; 4) os que aprimoram essa graça e perseveram até o fim estão ordenados a serem salvos". Podemos acrescentar que Wesley fez uma concessão sobre a nossa natureza depravada de que a capacidade de cooperar com Deus é matéria de graça, enquanto Armínio considerava-a como matéria de justiça. O homem, sem ela, não é responsável por seus atos.
O wesleyanismo é sistematizado por Watson, que, em Institutes, 2.53-55,
59, 77, apesar de negar a atribuição do pecado de Adão em qualquer sentido próprio, declara que "Limborch e outros materialmente se afastaram das opiniões de Armínio ao negar que a ambição interior e as tendências pecaminosas concordam com a vontade e aumentam com ela. Mas universalmente os homens escolhem ratificar tais tendências; por isso elas se corromperam no coração. Se há depravação universal da vontade antes da verdadeira escolha, segue-se, então, inevitavelmente que, embora as crianças não cometam pecado por atos, contudo, tem-no em sua natureza.... Quanto às crianças, na verdade, não nasceram justificadas e regeneradas; de modo que não é correto dizer que Cristo retirou o pecado original delas pelas razões já apresentadas; mas todas elas nasceram sob 'o livre dom', sob os efeitos da 'justiça' de alguém, que se estende a todos os homens; e este livre dom lhes é concedido para justificação da vida, o ajuizamento do condenado para que viva. ...

Teologia Sistemática
217
Nos adultos a justificação depende do arrependimento e da fé; nas crianças não sabemos como. O Espírito Santo pode ser dado às crianças. A influência divina e eficaz pode exercer-se sobre elas, na cura da morte espiritual e na tendência corrompida da sua natureza".
Convém observar que o wesleyanismo de Watson aproxima-se muito mais da Escritura do que o que já descrevemos e, com propriedade, do que o próprio arminianismo. Pope, em sua Theology, segue Wesley e Watson e, (2.70-86) dá uma valiosa sinopse das diferenças entre Armínio e Wesley. Whedon e Raymond, na América, representam melhor o arminianismo. Eles sustentam que Deus tinha a obrigação de restaurar a capacidade humana, embora inconsistentemente falam da sua capacidade como graciosa. Duas passagens da Teologia de Raymond mostram a inconsistência da vocação que a "graça" para cuja concessão Deus liga à justiça, com vistas à responsabilidade do homem: 2.84-86 - "A raça veio a existir sob a graça. Garantem-se esta e a justificação unicamente através de Cristo; porque, sem ele, seguir- se-iam o castigo e a destruição imediatamente após o primeiro pecado. Deste modo, todos os dons do Espírito necessários ao exercício da livre escolha moral são garantidos através de Cristo. O Espírito de Deus não é um mero espectador, mas um poder vivificante. Assim, o homem é, não por sua natureza decaída, mas pela graça, um ser moral capaz de conhecer, amar, obedecer, agradar a Deus. Ele será sempre assim, se não frustrar a graça de Deus. Enquanto o Espírito não o leva ao vôo final, ele está na condição de depravação total".
Compare a esta a seguinte passagem da mesma obra na qual esta "graça" é chamada dívida: 2.317 - "As relações da posteridade de Adão com Deus são substancialmente os seres recriados. Cada pessoa individualmente tem obrigações para com Deus e vice-versa, como se Deus a tivesse criado tal como ele é. A capacidade deve ser igual à obrigação. Deus não foi obrigado a prover um Redentor para os primeiros transgressores, mas, tendo-lhes provido uma redenção e, tendo-lhes permitido, através dela, que se propagasse uma raça degenerada, deve-se a elas uma compensação.
As graciosas influências do Espírito são o débito ao homem - em compensação pela incapacidade humana causada pela depravação herdada".
Com relação à teoria arminiana assinalamos:
Admitimos que há um dom universal do Espírito Santo, se Espírito Santo significa a luz natural da razão e da consciência e os múltiplos impulsos para o bem que lutam contra o mal da natureza humana. Mas consideramos como totalmente antibíblicas as seguintes suposições: a) que este dom do Espírito Santo por si mesmo remove a depravação ou a condenação derivada da queda de Adão; b) que sem este dom o homem não seria responsável pela sua imperfeição moral; e c) que, o começo da vida moral, o homem conscientemente se apropria das suas tendência inatas para o mal.
Como prova da graça universal João Wesley aduziu o texto de Jo. 1.9- "a luz que ilumina a todo homem" - referindo-se à luz natural da razão e da

218
Augustus Hopkins Strong
consciência que o Logos preencarnado concedeu a todos homens, embora em diferentes graus antes da encarnação. Esta luz pode ser chamada de Espírito Santo, porque é "o Espírito de Cristo" (1 Pe. 1.11). O ponto de vista arminiano tem um grande elemento de verdade ao reconhecer a influência de Cristo, o Deus imanente, que mitiga os efeitos da queda e se empenha em preparar o homem para a salvação. Mas o arminianismo não reconhece plenamente o mal a ser removido e, por isso, exagera o efeito de tal obra divina. A graça universal não remove a depravação ou a condenação do homem; como é evidente de uma interpretação própria de Rm. 5.12-19 e Ef. 2.3; só equipara essas influências e impulsos da depravação e condenação que contrapõem o mal e estimulam o pecador ao arrependimento: Jo. 1.5 - "a luz resplandece nas trevas e as trevas não a compreenderam". João Wesley se refere a Rm. 5.18-"por um ato de justiça veio a graça sobre todos os homens para justificação de vida" - mas aqui a expressão "todos os homens" é contígua a "muitos" que serão "feitos justos" no verso 19 e a "todos" que "serão vivificados" em 1 Co. 15.22; ou seja, a palavra "todos" refere-se a todos os que crêem; também a passagem ensina não o dom universal do Espírito Santo, mas a salvação universal.
O arminianismo defende a teoria da herança do pecado no sentido de enfermidade ou tendência má, mas não a herança da culpa. João Wesley, contudo, sustentando também que a capacidade não é matéria de justiça, mas de graça, parece implicar que há uma culpa comum assim como um pecado comum antes do conhecimento. Os arminianos americanos são mais lógicos, porém menos escriturísticos. Sheldon, Syst. Christian Doctrine, 321, diz-nos que "talvez a culpa possa não ser matéria de herança e, conseqüentemente, pode-se afirmar o pecado original da posteridade de Adão só no sentido de corrupção hereditária que, a princípio, torna-se ocasião da culpa quando envolto pela vontade do indivíduo". O pouco significado que o criminoso dá ao "pecado" pode-se inferir das palavras do Bispo Simpson de que Cristo herdou o pecado". É claro que ele o entendia apenas como enfermidade física ou intelectual, sem um toque de culpa. "O filho herda a natureza dos pais", costuma-se dizer, "não como um castigo, mas por uma lei natural". Entretanto, respondemos que a lei natural é em si uma expressão da lei moral de Deus e a herança do mal só pode justificar-se baseada na inconformidade comum com Deus tanto da parte do pai como na do filho, ou uma participação de cada membro na culpa comum da raça.
À luz do processo de tratamento anterior, podemos avaliar o elemento bom e o mau em Pfleiderer, Philos. Religion, 1.232 - "É um exagero considerar pecado original como culpa pessoalmente imputável; e vai-se muito longe quando se sustenta que é o estado natural do homem em seu todo e ainda o bem verdadeiramente presente que 'a graça original' releva. ... Podemos dizer com Schleiermacher que o pecado original é a ação comum e a culpa comum da raça humana. Mas o indivíduo sempre participa da culpa coletiva na medida em que toma parte na sua ação pessoal no ato coletivo que se dirige ao apoio do mal". Dabney, Theology, 315, 316 - "O arminianismo é ortodoxo quanto às conseqüências legais do pecado de Adão à sua posteridade; mas o que dá com uma mão tira com a outra, ao atribuir à graça a restauração desta capacidade natural perdida com a queda. Se os efeitos da queda de

Teologia Sistemática
219
Adão para com a sua posteridade são tais que teriam sido impostos se não reparados por um plano que deveria seguir-se, o ato de Deus prover um Redentor não o seria unicamente de graça. Ele teria a obrigação de praticar algo como, - salvação não pela graça, mas por dever". A. J. Gordon, Ministry ofthe Spirit, 187 ss., nega o dom universal do Espírito, citando Jo. 14.7 - "se eu for, enviar-vo-lo-ei"; i.e. os discípulos de Cristo deveriam receber o Espírito Santo e distribuí-lo e a sua igreja seria mediadora entre o Espírito e o mundo.
Por isso, Mc. 16.15 - "Ide por todo o mundo e pregai", implica que o Espírito irá somente com eles. O convencimento do Espírito não vai além da evange- lização da igreja. Porém respondemos que Gn. 6.3 implica num empecilho mais amplo do Espírito Santo.
Contradiz a Escritura ao sustentar: d) que o mal moral herdado não envolve culpa; b) que o dom do Espírito e a regeneração das crianças são matéria de justiça; c) que o efeito da graça é somente restaurar a capacidade natural do homem, ao invés de dispô-lo para o emprego correto dessa capacidade; ã) que a eleição é a escolha que Deus faz de certos homens para serem salvos com base na previsão da sua fé, ao invés de ser uma escolha de Deus para que alguns se tornem crentes; e) que a morte física não é o castigo do pecado, mas é assunto de um decreto arbitrário
Ver Dorner, Glaubenslehre, 258 (Sistema de Doutrina, 2.352-359) - "Com Armínio, o pecado original é apenas um mal original, não uma culpa.
Ele explica o problema do pecado original negando o fato, e tornando a peca- minosidade algo moralmente indiferente. Nenhum pecado sem consentimento; nenhum consentimento do desenvolvimento humano; por isso, nenhuma culpa no desejo mau. É a mesma coisa que a doutrina romanista sobre a concupiscência e semelhante ao que leva a acusar Deus de constituir má a nossa natureza. ... O pecado original é apenas a indução ao mal dirigida à livre vontade. Toda a desordem interna e vício é moralmente indiferente e torna-se pecado tão somente pela apropriação através da livre vontade. Mas os pensamentos involuntários, desamorosos, orgulhosos são reconhecidos na Escritura como pecado; contudo, brotam do coração sem o nosso consentimento consciente. Os pecados, deliberados ou não, transmitem-se de um para o outro de modo que é impossível traçar uma linha entre ambos. A doutrina de que não há pecado sem o consentimento implica em força para conter o consentimento. Mas isto contradiz a necessidade universal da redenção e a nossa observação de que ninguém jamais conteve totalmente o consentimento originário do pecado".
H. B. Smith, Revista de Whedon sobre a vontade na Faith and Philo- sophy, 2.353-359 - "Uma criança, no ponto de vista antigo, só necessita de crescer para que seja culpada dos seus pecados praticados; ao passo que, neste ponto de vista ela também necessita de crescimento e de graça ". Ver Biblia Sacra, 20.327,328. Segundo Whedon, Com on Rm. 5.12, "a condição de um infante sem Cristo é a de um pecador, alguém certo de pecar, embora, na verdade, nunca condenado antes da apostasia pessoal. Esta seria a sua

220
Augustus Hopkins Strong
condição, pois em Cristo o infante é regenerado e justificado e dotado do Espírito Santo. Por isso todos os que praticam pecados são apóstatas do estado de graça". Entretanto, perguntamos: 1. Por que, então, os infantes morrem antes de terem cometido o pecado? Sem dúvida, não por conta do pecado de Adão, pois eles estão livres de todos os males desse tipo, por meio de Cristo. Deve ser porque ainda são de certa forma pecadores. 2. Como podemos explicar o pecado de todos infantes tão logo começam a agir moralmente se, antes de pecarem, estão em estado de graça e santificação? Deve ser porque eram de certa forma pecadores. Ou seja, a regeneração universal e a justificação dos infantes contrariam a Escritura e a observação.
Note que esta "graciosa" capacidade não envolve a graça salvadora daquele que a recebe porque é dada igualmente a todos os homens. E não é mais do que uma restauração da capacidade natural do homem perdida com o pecado adâmico. Não basta explicar por que o homem que tem a capacidade graciosa escolhe Deus enquanto outro que tem a mesma capacidade escolhe o eu. 1 Co. 4.7 - "quem te fez igualmente?" Não foi Deus, mas tu mesmo. Em oposição à doutrina arminiana, que defende a graça universal, resistível, a capacidade restauradora natural, os calvinistas e os agostinianos defendem em particular a graça irresistível dando a capacidade moral, ou seja, concedendo a disposição para usar corretamente a capacidade natural. A palavra "graça" é muito empregada pelos arminianos. A Doutrina Metodista e a Disciplina, Artigos sobre a Religião, viii - "A condição do homem após a queda de Adão é tal que ele não pode por si mesmo voltar-se e preparar-se por suas forças e obras, agradáveis e aceitáveis a Deus sem a sua graça, impedindo de ter boa vontade e operando em nós quando temos a mencionada boa vontade". É importante entender que, no emprego arminiano, graça é simplesmente a restauração da capacidade natural do homem de agir por si mesmo; na verdade ela nunca o salva, mas tão somente capacita a salvar, se ele o quer. A graça arminiana é igualmente a concessão do dom espiritual, como a pelagiana é igualmente a graça concedida na criação. Não considera a redenção como uma compensação da depravação inata e, conseqüentemente, irresponsável.
No sistema arminiano, a ordem da salvação é: 1) fé - através de um homem não renovado, mas convicto; 2) justificação; 3) regeneração, ou um coração santo. Deus não decreta, oríginarié, mas recompensá-la. Por isso os wesleyanos consideram a fé uma obra e a eleição como uma ordem de Deus para os homens que, conforme a providência dele, desejam segundo a fé. A ordem agostiniana, ao contrário, é: 1) regeneração; 2) fé; 3) justificação. Adolfo Safir, Memoir, 255 - "Minha objeção aos arminianos ou semi-arminia- nos não é que eles abrem demais a entrada; mas é que eles não dão a você algo definido, seguro e real, depois que você foi introduzido. ... Não creia no evangelho do diabo, que é uma oportunidade de salvação: a oportunidade de salvação é a oportunidade de perdição". A graça não é uma recompensa pela prática das obras, mas o poder de praticá-las. Francisco Rous de Truro, no Parlamento de 1629, falava como um homem mais ou menos franco com horror diante do aumento do "erro do arminianismo, que faz da graça de Deus um lacaio da vontade do homem"; O convertido arminiano diz: "Dou o meu coração ao Senhor"; o convertido agostiniano diz: "O Espírito Santo me

Teologia Sistemática
221
convenceu do pecado e renovou o meu coração". O arminianismo tende para a auto-suficiência; o agostinianismo promove a dependência de Deus.
Apóia-se em falsos princípios filosóficos, como por exemplo: a) que a vontade é somente a faculdade das volições. b) Que o poder da escolha contrária, no sentido de uma força através de um simples ato de reverter o estado moral, é essencial à vontade, c) Que a certeza anterior de qualquer dado ato moral é incompatível com a sua liberdade, d) Que a capacidade é a medida da obrigação, é) Que a lei só condena a transgressão volitiva. f) Que o homem não tem nenhuma conexão moral com a raça.
Raymond diz: "O homem é responsável pelo caráter, mas somente até onde é imposto por si mesmo. Nós somos responsáveis pelo caráter sem levar em consideração a sua origem. A liberdade de um ato é tão essencial à responsabilidade como esta àquela. Se a força para o contrário é impossível, então não existe liberdade em Deus ou no homem. O pecado é uma necessidade e Deus é o seu autor". Mas aqui está uma negação de que existe essa coisa que se chama caráter; que a vontade pode dar-se a uma inclinação que uma simples volição não pode mudar; que o ímpio pode tornar-se escravo do pecado; que Satanás, apesar de atualmente não ter forças para voltar-se para Deus, é responsável pelo seu pecado. O poder que Adão tinha de escolher o contrário não mais existe totalmente; limita-se a uma força contrária nas escolhas temporárias e subordinadas; deixa de ser igual à obra da mudança a determinação fundamental do ser para o egoísmo como um fim último. Contudo, o homem é responsável pela própria incapacidade porque esta se origina da vontade.
Julius Müller, Doctrine of Siri, 2.28 - "A liberdade formal conduz à liberdade real. O ponto de partida é a liberdade que, entretanto, não envolve uma necessidade interior, porém a possibilidade de algo mais; o alvo é a liberdade, que se identifica com a necessidade. Aquela é o meio para esta. Quando se escolhe plena e verdadeiramente a vontade, pode-se dizer que ainda existe, num sentido metafísico o poder de agir de outra forma; mas moralmente, isto é, com relação ao controle do bem e do mal, ela se acha totalmente abolida. A liberdade formal é a da escolha, no sentido da volição com o conhecimento expresso de outras possibilidades". A verdadeira liberdade é a de se escolher somente o bem, sem nenhuma possibilidade remanescente de que a vontade má exerça atração contrária. Porém, como a vontade pode atingir uma "necessidade moral" do bem, assim também pode, através do pecado atingir a "necessidade moral" do mal.
Park: "A grande objeção filosófica ao arminianismo é a sua negação da certeza da ação humana - a idéia de que o homem pode agir de qualquer modo sem a certeza de que ele agirá - o poder de uma escolha contrária no sentido da indiferença moral que pode escolher sem motivo, ou opor-se ao mais forte motivo. O ponto de vista da Nova Escola é melhor do que este porque defende a certeza da escolha errada, conquanto a alma ainda tem o poder de fazer o que é certo. ... Os arminianos crêem que é objetivamente

222
Augustus Hopkins Strong
incerto se o homem vai agir desta ou daquela forma, correta ou erroneamente. Nada há, antes da escolha, para decidi-la. É o alvo integral de Edwards refutar a idéia de que o homem sem dúvida não pecará. O antigo calvinismo crê que, antes da queda, Adão se achava neste estado de incerteza objetiva, mas que, depois da queda, não havia mais dúvida de que ele iria pecar e esta provação, por isso, estava encerrada. Edwards afirma que a tal incerteza objetiva, ou poder no sentido contrário, sempre existiu e que o homem agora tem toda a liberdade que sempre teve ou pôde ter. A verdade na 'força em sentido contrário' é tão somente a força que a vontade tem de agir contrariamente do modo em que quer agir. O presidente Edwards crê nisto, embora normalmente se entende que ele raciocina ao contrário. A falsa 'força para o contrário' é a incerteza de como alguém agirá, ou uma vontade de agir de forma diferente daquela como ele age. Esta é a força arminiana no sentido contrário e é a isto que Edwards se opõe".
Whedon, On the Will, 338-360, 388-395 - "Antes da volição livre o homem pode estar em inconformidade com a lei, embora não sujeito à retribuição.
A lei tem dois ofícios: judiciário e crítico, retributivo e final. O mal hereditário não pode ser visitado com a retribuição do mesmo modo que a pureza de Adão não foi meritória. A santidade passiva, pré-volitiva é a justiça moral, mas não mérito moral. A impureza passiva pré-volitiva necessita do concurso da vontade ativa para torná-la condenável".
Toma incerta a universalidade do pecado ou a responsabilidade do homem pelo referido pecado. Se o homem tem pleno poder para recusar-se a admitir a depravação inata, então a universalidade do pecado e a necessidade universal de um Salvador são apenas hipotéticas. Contudo, se o pecado é universal, deve ter havido uma ausência do livre consentimento; e a certeza objetiva de o homem pecar, segundo a teoria, destrói a sua responsabilidade.
Raymond, Syst. Theol., 2.86-89, sustenta ser teoricamente possível que uma criança seja ensinada e educada na admoestação e aconselhamento do Senhor e que ela nunca por conhecimento e vontade transgredirá a lei de Deus; neste caso, sem dúvida, crescerá na regeneração e, por fim, na salvação. Mas é a graça que o preserva do pecado - [a graça comum?]. Nós sabemos, quer por experiência, quer pela Escritura, que ninguém está livre das transgressões conhecidas e desejadas". J. J. Murphy, Nat. Selection and Spir. Freedom, 26-33 - "É possível caminhar do berço à cova, não sem pecar, mas sem qualquer período de alienação de Deus, e com a vida espiritual desenvolvendo-se simultaneamente com a terrena, como aconteceu com Cristo, desde o começo". Mas, visto que a graça tão somente restaura a capacidade sem dar a disposição de empregá-la corretamente, o arminianismo, logicamente não provê a salvação de qualquer criança. O calvinismo pode providenciar a salvação de todos os que morrem na infância, pois conhece o poder divino de renovar a vontade, mas o arminianismo desconhece tal poder e, assim, está mais distante da solução do problema da salvação da criança.

Teologia Sistemática
223
3. Teoria da Nova Escola, ou Teoria da Viciosidade não Condenável
Esta é chamada de teoria da Nova Escola por causa da sua volta da velha antropologia de que Edwards (1703-1758) e Bellamy (1719-1790) foram expoentes. A teoria da Nova Escola é um esquema geral construído através de sucessivos labores de Hopkins, Emmons, Dwight, Taylor e Finney. Defen- dem-na atualmente os Presbiterianos da Nova Escola e a maior parte do grupo congregacional.
Segundo esta teoria, todos homens nascem com uma constituição física e moral que os predispõe para o pecado e todos homens, na verdade, pecam tão logo chegam a uma consciência moral. Esta viciosidade da natureza pode ser chamada pecaminosa, porque uniformemente conduz ao pecado; mas em si mesma ela não o é, visto que nada deve ser apropriadamente chamado de pecado a não ser o ato voluntário de transgressão de uma lei conhecida.
Deus atribui ao homem só os atos de transgressão pessoal; ele não os atribui ao pecado de Adão; nem a viciosidade original, nem a morte física são condenações penais; são somente conseqüências com que Deus, em sua soberania, ordenou marcar o seu desagrado à transgressão de Adão e esses males sujeitam cada alma que Deus cria imediatamente. Em Rm. 5.12, "a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram", significa: "a morte espiritual passou a todos os homens, porque todos os homens real e pessoalmente pecaram".
Edwards sustenta que Deus atribui o pecado de Adão à sua posteridade, identificando-a arbitrariamente com aquele. A identidade, na teoria da criação contínua (ver pp. 415-418), é apenas o que Deus designa. Porque isto não fornece base suficiente para a atribuição, Edwards liga a doutrina de Placeus a uma outra e mostra a justiça da condenação pelo fato de que o homem é depravado. Acrescenta, contudo, a consideração de que o homem ratifica a sua depravação através dos seus próprios atos. Assim Edwards tenta combinar três pontos de vista. Mas todos eles são viciados pela sua doutrina da criação contínua que, logicamente faz Deus a única causa no universo e não deixa nenhuma liberdade, culpa ou responsabilidade para o homem. Sustenta que a preservação é uma série contínua de novas volições divinas. A identidade pessoal consiste no conhecimento, ou melhor, na memória sem necessidade alguma de identidade da substância. Afirma que Deus pode dar a uma criação absolutamente nova o conhecimento de alguém já aniquilado e conseqüentemente ambos são idênticos. Afirma-o não só como possibilidade, mas como fato real
A filosofia idealista de Edwards capacita-nos a entender a sua concepção do relacionamento da raça com Adão. Ele crê em "uma união real entre a raiz e os ramos do mundo da humanidade estabelecida pelo autor do sistema todo do universo ... o pleno consentimento dos corações da posteridade até a

224
Augustus Hopkins Strong
primeira apostasia ... e, por isso, o pecado da apostasia não é deles somente porque Deus lhos atribuiu, mas é verdadeira e apropriadamente deles e, com base nisso, é que Deus lhos atribuiu". Hagenbach, Hist. Doct., 2.435-448, esp. 436, cita de Edwards: "A culpa que um homem leva sobre a sua alma no começo da sua existência é tão somente uma, a saber: a culpa da apostasia original, a do pecado pelo qual a espécie, no começo, rebelou-se contra Deus". Interprete isso com outras palavras de Edwards: "A criança e o fruto do carvalho, que vêm à existência no curso da natureza são, na verdade, criados por Deus" - i.e. criados continuamente (citação de Dodge, Chrístian Theology, 188). Allen, Jonathan Edwards, 310 - "Isto exige apenas um passo do princípio de que cada indivíduo tem uma identidade de conhecimento com Adão, até chegar à conclusão de que todo indivíduo é Adão e repete a experiência dele. Pode-se dizer que cada homem, como Adão, vem ao mundo assistido pela natureza divina e, como ele, peca e cai. Neste sentido, o pecado de cada homem torna-se o pecado original". Adão torna-se, não o cabeça da humanidade, mas o seu tipo genérico. Daí surge a doutrina da Escola Nova a respeito do pecado e culpa exclusivamente individuais.
Shedd, Hist. Doctríne, 2.25, apresenta Edwards como traducianista. Mas Fisher, Discussions, 240, mostra que ele não o era. Como já vimos (Prolegô- menos, pp. 48,49), pensava muito pouco na natureza. Ele tendia para o berke- lianismo aplicado à mente. Portanto, o principal bem encontra-se na felicidade - uma forma de sensibilidade. A virtude é uma escolha voluntária deste bem. Portanto, basta a união de atos e exercícios com Adão. Esta vontade de Deus pode identificar o ser com ele. Baird, Elohim Revelado, 250 sg, diz com precisão que a "idéia de Edwards de que se deve buscar o caráter de um ato em algum outro lugar que em sua causa envolve a suposição falaz de que os atos subsistem e tem atuação moral independentemente do seu autor". Esta divergência da verdade conduz ao sistema de exercício de Hopkins e Emmons, que, não só negam o caráter moral antes das escolhas individuais {i.e. negam o pecado da natureza), mas atribuem todos atos humanos e exercícios à eficácia direta de Deus. Hopkins declara que o ato de Adão, ao comer o fruto, não é o da posteridade; por isso a posteridade não peca ao mesmo tempo que Adão. A pecaminosidade daquele ato não pode transferir-se de uma pessoa para a outra mais do que um ato em si. Por isso, embora os homens se tenham tornado pecadores através de Adão, segundo a constituição divina, contudo eles não têm pecados a não ser pessoais e prestam contas por eles. 1/erWooDS, History ofAndover Theological Seminary, 33. Assim a doutrina da criação contínua conduz ao sistema de exercício e o sistema de exercício conduz à teologia dos atos.
N. W. Taylor, de New Haven, concorda com Hopkins e Emmons em que não há nenhuma atribuição do pecado de Adão ou da depravação inata. Ele não chama tal depravação de moral, mas física. Repudia, entretanto, a doutrina da eficácia divina na produção dos atos e exercícios humanos e faz todo pecado ser pessoal. Defende o poder de escolha contrária. Adão a teve e, ao contrário da crença dos agostinianos, nunca a perdeu. O homem "não somente pode se quer, mas pode mesmo que não queira". Ele pode, mas, sem o Espírito, não quer. Diz ele: "O homem pode, o que quer que o Espírito faça ou não"; mas também: "O homem não pode, a não ser que o Espírito

Teologia Sistemática
225
Santo auxilie"; "Se eu fosse tão eloqüente como o Espírito Santo, converteria os pecadores tão rapidamente quanto ele". Contudo ele não sustenta a liberdade arminiana de indiferença ou contingência. Crê na certeza da ação errônea, embora no poder de agir ao contrário. Ver Moral Govt., 2.132 - "O erro de Pelágio não está em afirmar que o homem pode obedecer a Deus sem a graça, em dizer que, na verdade, obedece a Deus sem a graça". Há uma parte da natureza dos pecadores para a qual os motivos do evangelho podem apelar - parte da sua natureza que nem é santa, nem impura, a saber, o amor próprio, ou o desejo inocente da felicidade. A maior felicidade é a base da obrigação. Sob a influência dos motivos que apelam para a felicidade, o pecador pode suspender sua escolha do mundo o bem principal e entregar o seu coração a Deus. Pode agir desta maneira, quer o Espírito Santo o faça, quer não; mas a incapacidade moral só pode ser vencida pelo Espírito Santo, que move a alma, sem coagi-la, mas através da verdade.
Esta forma da doutrina da Nova Escola sugere as seguintes perguntas: 1. pode o pecador suspender o seu egoísmo antes de ser dominado pela graça divina? 2. Pode a escolha que ele faz de Deus ser santa tão somente a partir do amor próprio? 3. Visto que Deus exige amor em cada escolha, não deve esta ser positivamente impura? 4. Se não é uma escolha santa, como pode ser o começo da santidade? 5. Se o pecador pode tornar-se regenerado, preferindo Deus na base de um interesse próprio, onde está a necessidade do Espírito Santo renovar o coração? 6. Esta dita capacidade que o pecador tem de voltar-se para Deus contradiz o conhecimento e a Escritura? Nem, por um lado Hopkins e Emmons, nem Taylor, por outro, representam mais completamente o curso geral da Teologia da Nova Inglaterra. Smalley, Dwight, Woods, todos defendem os mais conservadores pontos de vista do que Taylor, e do que Finney, cujo sistema tem muito a ver com o de Taylor. Todos três negam a força contrária de escolha que o D r. Taylor firmemente sustenta embora todos concordem com ele em negar a atribuição do pecado de Adão ou a sua depravação hereditária. Estas não são pecaminosas a não ser no sentido de ocasionar o verdadeiro pecado.
Entendeu-se que o Dr. Park, de Andover, ensina que o estado desordenado das sensibilidades e faculdades com que nascemos é a ocasião imediata do pecado, enquanto a transgressão de Adão é a sua ocasião remota. A vontade, apesar de influenciada pela tendência má, em si não é livre e, por isso, não é pecado. A afirmação da doutrina da Nova Escola, dada nos textos, pretende representar a doutrina comum da Nova Inglaterra ensinada por Smalley, Dwight, Woods e Park; apesar de que a tendência histórica, mesmo entre os teólogos, tem sido a de dar ênfase cada vez menor às tendências depravadas antes do pecado ativo e de sustentar que o caráter moral só começa com a escolha individual, na sua maioria, contudo, sustentam que tal escolha individual começa no nascimento.
Tanto Ritschl como Pfleiderer inclinam-se para a interpretação da Nova Escola a respeito do pecado. Ritschl, Unterricht, 25 - "A morte universal é conseqüência do pecado do primeiro homem e a morte de sua posteridade prova que ela também pecou". Deste modo, a morte é universal, não por causa da geração natural de Adão, mas por causa dos pecados da sua posteridade. Pfleiderer, Grundriss, 122 - "Pecado é uma direção da vontade que

226
Augustus Hopkins Strong
contraria a idéia moral. Como os anteriores atos pessoais da vontade, ela não é uma culpa pessoal, mas uma imperfeição e um mal. Quando persiste não obstante o despertado conhecimento moral e através da indulgência tornar- se um hábito, a culpa cabe à anormalidade".
À teoria da Nova Escola objetamos:
Ela contradiz a Escritura ao sustentar ou implicar: a) Que o pecado consiste apenas em atos e em disposições causadas em cada circunstância pelos atos dos homens individualmente e que o estado que predispõe para os atos pecaminosos não é em si pecado, b) Que a viciosidade que predispõe ao pecado é uma parte da natureza de cada homem porque procede da mão criadora de Deus. c) Que, na raça humana, a morte física não é conseqüência penal da transgressão de Adão. d) Que as crianças, antes da consciência moral, não necessitam do sacrifício de Cristo para a sua salvação. Visto que elas são inocentes, nenhum castigo repousa sobre elas, e nada precisa ser removido, é) Que não somos condenados com base na verdadeira essência de Adão, nem justificados na verdadeira essência de Cristo.
Se é impossível que uma criança seja impura antes de transgredir voluntariamente, então, por igual raciocínio, Adão não podia ter sido santo antes de obedecer à lei, nem uma mudança no coração pode anteceder a ação cristã.
Os princípios da Nova Escola devem compelir-nos a afirmar que a ação correta antecede à mudança do coração e que em Adão a obediência deve ter antecedido à santidade. Emmons sustenta que, se as crianças morrem antes de tornar-se agentes morais, é mais racional concluir que elas são aniquiladas. São meros animais. A doutrina comum da Nova Escola deve considerá- las salvas, ou por causa da sua inocência, ou porque a expiação de Cristo é valiosa para remover as conseqüências do pecado, assim como a sua pena.
Mas dizer que os infantes são puros contradiz Rm. 5.12 - "todos pecaram"; 1 Co. 7.14 - "vossos filhos seriam imundos"; Ef. 2.3 - "por natureza filhos da ira". Em nenhum lugar a Escritura afirma ou implica que a expiação de Cristo remove as conseqüências naturais do pecado. Ver, per contra, H. B. Smith, System, 271, onde, contudo, só se afirma que Cristo salva de todas conseqüências justas do pecado. Mas todas conseqüências justas são penas e devem ser chamadas assim. As exigências da doutrina da Nova Escola compelem a pôr o começo do pecado no infante precisamente no primeiro momento da sua existência separada; para não contradizer as Escrituras, que falam do pecado como universal e da expiação como necessária a todos.
O Dr, Park sustenta que as crianças pecam tão logo nascem. Ele foi obrigado a sustentar isso ou, doutra forma, dizer que há alguns membros da raça humana que não são pecadores. Mas ao fazer esta colocação do pecado, no início da experiência humana, retira-se todo o sentido da definição da Nova Escola a respeito do pecado como "transgressão voluntária da lei conhecida". Apoiado nessa teoria, é difícil dizer que tipo de escolha do pecado o infante faz, ou que tipo de lei conhecida ele transgride

Teologia Sistemática
227
A primeira necessidade da teoria do pecado é a de satisfazer as afirmações da Escritura. A segunda é que deve assimilar o ato do homem que justifique a aplicação da aflição, do sofrimento e da morte à raça humana toda. Nosso senso moral recusa-se a aceitar a conclusão de que tudo isto é matéria da soberania arbitrária. Não podemos encontrar o ato na transgressão consciente de cada homem, nem no pecado cometido no nascimento.
Tal transgressão voluntária da lei conhecida encontramos em Adão; e reivindicamos que a definição da Nova Escola sobre o pecado é muito mais consistente com esta última explicação da origem do pecado do que a teoria de uma multidão de transgressões individuais
O teste final de cada teoria, contudo, é a sua conformidade com a Escritura. Reivindicamos que uma falsa filosofia impede os que advogam a doutrina da Nova Escola de entenderem as declarações de Paulo. A filosofia deles é uma sobrevivência modificada do pelagianismo atomista. Ignoram tanto a natureza de Deus como a do homem e vêem a solução do caráter nos atos transitórios. Levam pouco ou nada em conta o estado inconsciente ou subconsciente da vontade, e a possibilidade de outra vida mais elevada, interpe- netrando e transformando a nossa, raramente apresenta-se ao intelecto deles. Estes não têm nenhuma idéia apropriada da união do crente com Cristo e, por isso, não a têm da união da raça com Adão. Precisam aprender que, como toda a vida espiritual da raça está em Cristo, o segundo Adão, assim toda a vida natural dela está em Adão; como daquela derivamos a justiça, desta derivamos a corrupção. Porque a vida de Cristo está neles, Paulo pode dizer que todos os crentes se levantam na ressurreição de Cristo; porque a vida de Adão está neles, Paulo pode dizer que em Adão todos morrem.
É preferível dizer com Pfleiderer que Paulo ensina esta doutrina, mas que, para nós, Paulo não é autoridade nenhuma se, ao aceitarmos o seu ensino, evadimos à força do seu argumento. Concordamos com Stevens, Pauline Theol., 135,136, que todos homens "pecaram no mesmo sentido em que os crentes foram crucificados para o mundo e morreram para o pecado quando Cristo morreu na cruz". Mas protestamos que fazer a morte de Cristo mera ocasião da morte do crente e o pecado de Adão a mera ocasião dos pecados dos homens é ignorar as verdades centrais do ensino de Paulo — a união vital do crente com Cristo e a união vital da raça com Adão.
Apóia-se em falsos princípios filosóficos, tais como: a) Que a alma é imediatamente criada por Deus. b) Que a lei de Deus consiste totalmente em ordem exterior, c) Que a capacidade natural atual de obedecer à lei é a medida da obrigação, d) Que o relacionamento do homem com a lei moral é exclusivamente individual, é) Que a vontade é tão somente a faculdade de escolha individual e pessoal./) Que, no nascimento, não apresenta nenhum estado ou caráter moral.
Ver Baird, Elohim Revealed, 250 ss. - "A personalidade é inseparável da natureza. O único dever é o amor. A menos que algum dado dever seja apresentado através da atividade de um princípio de amor que brota na natureza,

Augustus Hopkins Strong
na verdade, ele não se realiza. A lei dirige a natureza. A causa eficiente da ação moral é a própria matéria da lei moral. Só na perversidade da teologia não escriturística é que achamos o absurdo da separação do caráter moral da substância da alma, atando-o aos atos desvanecedores da vida.
A idéia de que a responsabilidade e o pecado são predicativos de meras ações é apenas consistente com uma total negação de que a natureza do homem, como tal, deve algo a Deus, ou tem um ofício a realizar na manifestação da sua glória. Ignora o fato de que as ações são fenômenos vazios que, em si, não têm nenhum valor possível. É o coração, a alma, a mente, a força com que temos de amar. Cristo se conforma com a lei, sendo 'o santo'
(Lc. 1.35).
Princípios filosóficos errôneos formam a base das interpretações da Nova Escola sobre a Escritura. Ignora-se a solidariedade da raça e sustenta-se que a ação moral seja individual. Em nossa discussão sobre a teoria agostiniana do pecado, esperamos mostrar que a doutrina subjacente de Paulo é uma filosofia completamente diferente. Tal filosofia, somada a uma experiência cristã mais profunda, corrigiu a seguinte afirmação do ponto de vista de Paulo sobre o pecado em Orello Cone, Am. Jour. Theol., abril, 1898, 241-267. Sobre a expressão de Rm. 5.12 - "porque todos pecaram" assinala: "Se, sob a nova ordem, os homens não se tornam justos simplesmente por causa da justiça de Cristo e, sem a escolha deles, nem sob a velha ordem, é pensamento de Paulo que eles estão sujeitos à morte sem os seus atos de pecado. Concebe- se que cada cabeça representante somente como ocasionador dos resultados, a sua obra, por um lado, na trágica ordem da morte, por outro lado a bendita ordem da vida - ocasião indispensável para tudo o que segue em qualquer das ordens. ... Pode-se questionar se Pfleiderer não estatui o caso muito fortemente quando diz que o pecado da posteridade de Adão é considerado uma conseqüência necessária do pecado de Adão. Não se segue deste emprego do aoristo íúmptov que a ação de todos pecarem está contida na de Adão, embora este sentido deve ser considerado gramaticalmente possível. Contudo, este não é o único sentido gramaticalmente defensável.
Em Rm. 3.23 certamente %mpTov não denota o ato pretérito definido preenchendo apenas um ponto de tempo". Respondemos, porém, que o contexto determina que em Rm. 5.12, íínapxov denota tal pretérito definido; ver nossa interpretação da passagem toda sob a teoria agostiniana, pags, 625-627.
Impugna a justiça de Deus.
Considerando-o o criador direto de uma natureza viciosa que conduz cada ser humano infalivelmente à real transgressão. Sustentar que, em conseqüência do ato de Adão, Deus faz com que todos homens se tomem pecadores, e isto, não em virtude das leis inerentes da propagação, mas da criação direta em cada caso de uma natureza viciosa, e fazer Deus indiretamente o autor do pecado.
Representando-o como o condenador ao sofrimento e morte de milhões de seres humanos que, nesta vida presente, não chegam à consciência moral e que, por isso, segundo a teoria, perfeitamente inocentes. Isto é fazê-lo visitar o

Teologia Sistemática
229
pecado de Adão na sua posteridade enquanto, ao mesmo tempo, nega que a conexão moral entre Adão e a sua posteridade só poderiam justificar tal visitação.
c) Sustentando que a prova que Deus indica para o homem é individual para cada alma, quando vem primeiro chega à consciência moral e é menos qualificado para fazer uma decisão correta. Isto concorda muito mais com as nossas idéias da justiça divina que a decisão seja tomada por toda a raça, em alguém cuja natureza era pura e que entendia perfeitamente a lei de Deus, do que o céu e o inferno estejam determinados para cada um de nós através de uma decisão tomada na nossa inexperiente infância sob a influência de uma natureza viciada.
Nesta teoria Deus determina, em sua soberania, que, em vista de um homem ter cometido pecado, todos os homens portam a existência depravada, sob uma constituição que garante a certeza do pecado deles. Mas defendemos que é injusto alguém sofrer o mal sem merecê-lo. Dizer que Deus marca o seu senso de culpa do pecado de Adão é contrariar o papel principal da teoria, a saber, que os homens são apenas responsáveis por seus próprios pecados. Preferimos justificar Deus, sustentando que há uma razão para tal aplicação, isto é, a conexão do infante com Adão. Se a simples tendência para o pecado é inocente, então Cristo podia tê-la tomado, quando tomou a nossa natureza. Mas, se o tivesse feito, não se explicaria o fato da expiação, pois, com base nesta teoria ela não seria necessária. Dizer que a criação herda uma natureza pecaminosa, não como pena, mas pela lei natural, é ignorar o fato de que tal lei natural simplesmente é a ação regular de Deus, a expressão da sua natureza moral e, por conseqüência, é a própria pena.
"O homem mata uma cobra", diz Raymond, "porque ela é uma cobra e não porque ela é culpada de ser cobra", - o que nos parece uma nova prova de que os que defendem a depravação inocente dos infantes, não como seres morais, mas somente como animais. "Devemos distinguir excelência automática maldade", diz Raymond, "do mérito moral quer seja bom quer mau". Isto nos parece uma punição sem culpa. Princeton, Essays, 1.138, cita Coleridge:
"É um ultraje ao senso comum afirmar que não é nenhum mal o homem ser posto a prova sob tais circunstâncias que nem um dentre dez mil milhões jamais escapa ao pecado e à condenação eterna. Inflige-se o mal sobre nós como conseqüência do pecado de Adão antes das nossas transgressões pessoais. O importante não é o que esse mal significa, quer seja morte temporal, corrupção da natureza, certeza do pecado, quer tenha a morte um sentido mais extenso; se a base da vinda do mal sobre nós é o pecado de Adão, o princípio é o mesmo". Baird, Elohim Revealed, 488 - A impressão que se tem é: "se uma criatura é punida, isto implica que alguém pecou, mas não se sugere necessariamente que o sofredor seja o pecador! Bem ao contrário é o argumento do apóstolo em Rm. 5.12-19, que se baseia na doutrina oposta e também contraria a prática de Deus, que pune apenas os que merecem".

230
Augustus Hopkins Strong
Sua limitação da responsabilidade nas escolhas más do indivíduo e nas disposições causadas por elas é inconsistente com os seguintes fatos:
A primeira escolha moral de cada indivíduo é de tal modo involuntária a ponto de não ser lembrada. A ação de uma criança, como sustentam os principais defensores da teoria da Nova Escola, não responde à definição de pecado como transgressão voluntária de uma lei conhecida. A responsabilidade de tal escolha não difere da do mau estado inato da vontade que se manifesta em tal escolha.
A uniformidade da ação pecaminosa entre os homens não pode ser explicada pela existência de uma simples faculdade de escolha. O fato de que os homens deveriam escolher uniformemente pode ser explicado deste modo; mas que os homens deveriam escolher o mal requer que postulemos uma tendência ou estado mau da própria vontade antes da escolha destes atos separados. Esta tendência má ou determinação inata para o mal, visto que é a causa real dos verdadeiros pecados, deve por si mesma ser pecado e, como tal culpá- vel e condenável.
A força de vontade para evitar a viciosidade inata do próprio desenvolvimento nesta teoria é uma condição necessária para a responsabilidade pelos verdadeiros pecados. Mas a uniformidade absoluta da real transgressão evidencia que a vontade não tem poder para isso. Se a responsabilidade diminui quando aumentam as dificuldades para a livre decisão, o fato de que elas são insuperáveis mostra que não pode haver responsabilidade alguma. Por isso, negar a culpa do pecado inato é virtualmente negar a culpa do verdadeiro pecado que se origina dela
O objetivo de todas as teorias é encontrar uma decisão da vontade que justificará o fato de Deus condenar o homem. Em que idade localizamos tal decisão? Aos quinze anos, aos dez, aos cinco? Então, todos os que morrem antes dessa idade não são pecadores, não podem, com justiça, ser punidos com a morte e nem necessitam de um Salvador. E no nascimento? Mas nesse instante a decisão não é tão consciente contra Deus como, segundo esta teoria, torná-la-ia determinante do nosso destino futuro. Reivindicamos que a teoria de Agostinho - do pecado da raça em Adão - é a única que mostra uma transgressão consciente adequada a ser a causa e base da culpa e condenação do homem.
Wm. Adams Brown: "Quem pode dizer até onde os seus atos são causados pela sua própria vontade e até onde, pela natureza que ele herdou?
Os homens se sentem culpados pelos atos que, em grande parte, se devem à natureza herdada, que esta é culpada, merece o castigo e está certa de rece- bê-lo". H. B. Smith, System, 350, nota - "Tem-se dito, com sarcasmo, contra a velha teologia que os homens desejam muito especular sobre o pecado de Adão de modo a ter a sua atenção desviada do sentido da culpa pessoal.

Teologia Sistemática
231
Mas a história toda dá testemunho de que aqueles que creram mais plenamente na nossa corrupção ativa e estritamente moral - como Agostinho, Calvino è Edwards - sempre tiveram o mais profundo senso do demérito pessoal. Conhecemos perfeitamente o mal do pecado somente quando conhecemos as raízes e os frutos".
"Causa causae est causa causati". A depravação inata é a causa do primeiro pecado atual. A causa da depravação inata é o pecado de Adão. Se não há culpa no pecado original, então o pecado atual, que brota dele, não pode ser objeto de culpa. Há subseqüentes pecados de presunção em que o elemento pessoal supera o racial e a hereditariedade. Mas não se pode dizer isto dos primeiros atos que tornam o homem pecador. Estas são o resultado tão natural e uniforme da determinação inata da vontade, que não podem ser culpadas, a menos que a determinação inata também o seja. Em resumo, nem todo pecado é pessoal. Deve haver um pecado da natureza - pecado racial - o início do pecado atual não pode ser explicado ou considerado como objeto da condenação da parte de Deus. Julius Müller, Doctrine ofSin, 2.320- 328, 341 - "Se a depravação profundamente arraigada que nos põe em contato com o mundo não é o nosso pecado, torna-se uma desculpa para os pecados atuais". Ensaios de Princeton, 1.138,139 - Alternativa: 1. Pode o homem por sua própria força evitar o desenvolvimento da depravação hereditária? Então nós não sabemos que todos os homens são pecadores, ou que a salvação de Cristo é necessária a todos. 2. É o pecado atual uma conseqüência necessária da depravação hereditária? Então ela é, segundo esta teoria, não mais um ato livre, e não é culpada, visto que a culpa é um predica- tivo só da transgressão voluntária da lei conhecida.
Teoria Federal, ou Teoria da Condenação por Pacto
A Teoria Federal ou dos Pactos, originou-se com Cocceius (1603-1669), professor em Leyden, porém foi mais completamente elaborada por Turrettin (1623-1687). Tomou-se uma doutrina dos reformados distinta da igreja luterana e nos Estados Unidos tem seus principais defensores na escola de teólogos de Princeton, de que o Dr. Charles Hodge foi seu representante.
Segundo este ponto de vista, Adão foi constituído, por indicação soberana de Deus, o representante de toda a raça humana. Tendo Adão como seu representante, Deus entrou no pacto, concordando em dar-lhes a vida eterna sob a condição de render-lhe obediência, mas fazendo o castigo da desobediência ser a corrupção e a morte de toda a sua posteridade. Segundo os termos deste pacto, visto que Adão pecou, Deus considera todos os seus descendentes como pecadores p os condena por causa da transgressão de Adão.
Na execução desta sentença de condenação, Deus cria imediatamente cada alma da posteridade de Adão com uma natureza corrompida e depravada, que infalivelmente conduz ao pecado, e ela mesma é pecado. Por isso, é a teoria da atribuição imediata do pecado de Adão à posteridade; a corrupção da sua

232
Augustus Hopkins Strong
natureza não é a causa dessa atribuição, mas o seu efeito. Em Rm. 5.12, "a morte passou a todos os homens porque todos pecaram", significa: "a morte física, espiritual e eterna veio para todos porque todos foram considerados e tratados como pecadores".
Fisher, Discussions, 355-409, estabelece comparação entre as teorias agostiniana e federal sobre o pecado original. Seu desenvolvimento da teoria federal é, substancialmente, o seguinte: A teoria federal é a dos pactos (foedus, pacto, aliança). 1. O pacto é uma constituição soberana imposta por Deus. 2. A união federal é a base legal da atribuição, apesar de que o reino adâmico é a razão pela qual o nosso primeiro pai, e não outro, ter sido escolhido como nosso representante. 3. A nossa culpa pelo pecado de Adão é simplesmente uma responsabilidade legal. 4. O pecado atribuído é punido pela depravação inata e esta com a morte eterna. Agostinho não consegue reconciliar a depravação inerente com a justiça de Deus; por isso ele defende a idéia de que pecamos em Adão.
Anselmo diz: "Porque a natureza humana toda estava neles (Adão e Eva), e fora deles nada havia da referida natureza, o todo se enfraqueceu e se corrompeu". Todo pecado depende da vontade; mas esta é uma parte da nossa herança. Os descendentes de Adão não se acham nele como indivíduos; todavia, o que ele fez como pessoa não o fez sine natura, e esta natureza é tanto nossa como dele. Este é o ponto de vista de Pedro Lombardo. Os pecados dos nossos ancestrais imediatos, porque são qualidades puramente pessoais, não são propagados. Após o primeiro pecado de Adão, as reais qualidades do nosso primeiro pai ou dos pósteros não corromperam a natureza no que tange às qualidades dela, mas só no que tange às da pessoa.
Calvino sustentava duas proposições: 1. Não somos condenados pelo pecado de Adão independente da nossa depravação inerente que deriva dele.
O pecado por que somos condenados é o nosso próprio pecado. 2. Este não é nosso em razão de que a nossa natureza é viciada em Adão e recebemo-la na condição em que ela foi posta na primeira transgressão. Melanchton também defende uma atribuição do primeiro pecado condicionado à primeira depravação inata. O impulso ao federalismo se deu pela dificuldade de explicar, na teoria agostiniana pura, a não atribuição dos pecados adâmicos subseqüentes e os da sua posteridade.
Cocceius (holandês, Coch; inglês, Cook), autor da teoria pactuai, supôs ter resolvido a dificuldade, fazendo o pecado de Adão ser-nos atribuído na base de um pacto entre Deus e Adão, segundo o qual Adão representaria a posteridade. Contudo, para Cocceius, no emprego deste termo, a única diferença entre o pacto e a ordem encontra-se na promessa ligada à sua guarda. Sobre o equívoco, nos modernos defensores da atribuição, Fisher assinala ignorar o fato capital de uma verdadeira e real participação no pecado de Adão. O grande grupo de teólogos calvinistas do século XVII é formado de agostinianos e federalistas. Assim são Owen e a Confissão de Westminster. Turrettin, contudo, quase fundiu a relação natural com Adão à federal.
Edwards recuou à velha doutrina de Aquino e Agostinho. Tentou formular a participação real no primeiro pecado. Esta participação é o primeiro surgi

Teologia Sistemática
233
mento da inclinação pecaminosa através de uma identidade divinamente constituída. Mas Hopkins e Emmons consideram a inclinação pecaminosa, não uma participação real, mas tão somente um consentimento com o pecado de Adão.
Daí a teologia da Nova Escola, na qual abandonou-se a atribuição do pecado. Contrariamente, os calvinistas da Escola de Princeton plantaram-se na teoria federal e, tomando Turrettin como seu livro de texto, encetaram uma guerra sobre os pontos de vista da Nova Inglaterra, não dispensando totalmente o próprio Edwards. Após esta revisão da origem da teoria, creditada principalmente a Fisher, pode-se ver facilmente quão pouca verdade há na suposição dos teólogos de Princeton de que a teoria federal é "a imemorável doutrina da igrejua de Deus".
Afirmações da teoria encontram-se em Cocceius, Summa Doctrinae de Foedere, caps 1, 5. Turrettin, Institutes, loc. 9, quaes. 9; Princeton Essays, 98-185, esp. 120 - "Na atribuição há, primeiro, uma atribuição de alguma coisa àquela matéria; segundo, uma determinação de tratá-la concordemen- te". A base desta atribuição é a união tanto entre pais e filhos como a união da representação, que é a idéia mestra na qual se insiste aqui'. 123 - "Como em Cristo somos constituídos justos para a atribuição da justiça, assim também em Adão somos feitos pecadores pela atribuição do seu pecado. ... A culpa é o risco ou exposição ao castigo; no emprego teológico, não implica torpeza moral, ou criminalidade". 162 - Cita-se Turrettin: "Por isso, o fundamento da atribuição não é simplesmente a conexão natural existente entre nós e Adão
pois, se fosse o caso, todos os pecados dele seriam atribuídos a nós, mas, principalmente, os morais e os federais com base no fato de que Deus entrou no pacto com Adão como o cabeça. Por isso, nesse pecado, Adão não agiu como uma pessoa particular, mas pública e como procurador". A unidade resulta do contrato: freqüentemente não se menciona a união natural. Marck: Todos pecaram em Adão, "eos representante''. Os atos de Adão e os de Cristo são nosso "jure representationié'.
W. Northrup ordena a teoria federal do seguinte modo: "1) a atribuição da culpa de Adão; 2) a condenação baseada nessa culpa; 3) a corrupção da natureza em conseqüência do tratamento como condenado. Assim, a imputa- ção judicial do pecado de Adão é a causa e a base da corrupção inata. ... Todos os atos, com exceção única do pecado de Adão, são atos divinos: a indicação de Adão, a criação dos seus descendentes, a atribuição da sua culpa, a condenação da posteridade, e a conseqüente corrupção desta. Aqui temos a culpa sem o pecado, a exposição à ira divina sem o merecimento do mal. Deus considera os homens como o são, punindo-os na base do pecado cometido antes que eles existissem, e visitando-os com a condenação e reprovação gratuita. Eis aqui a representação arbitrária, a atribuição fictícia, a culpa construtiva, a expiação limitada". Revista Presbiteriana, jan, 1882, 30 defende que Kloppenburg (1642) precedeu Cocceius (1648) ao sustentar a teoria das alianças, como o fizeram os Cânones de Dort.
Objeções:
Não pertence às Escrituras; não existe nenhuma menção de tal pacto com Adão no relato da provação adâmica. A suposta alusão à apostasia adâmica

234
Augustus Hopkins Strong
em Os. 6.7, onde se emprega a palavra "pacto", é também precária e mui obviamente metafórica para fornecer a base de um esquema de atribuição (ver Henderson, Com. On Minor Prophets in loco). Hb. 8.8 "novo pacto" - sugere um contraste não com um pacto adâmico, mas mosaico (cf v. 9).
Em Os. 6.7 - "Eles traspassaram o concerto, como Adão" - a versão corrigida de Henderson, Profetas Menores: "Mas eles, como homens que quebraram o concerto, provaram-se falsos para comigo". LXX: awtoí Sé eiaiv áç av0pco7toç Ttapapaívcov SkxGtiktiv. De Wette: "Aber sie übertreter den Bund nach Menschenart; daselbst sind sie mir treuLOs". Aqui a palavra Adão, traduzida por "homem", significa um homem, ou, genericamente, "homem". Israel deu tão pouca consideração aos pactos para com Deus como fazem os homens sem princípio em seus contratos comuns". "Como um homem" = como fazem os homens. Compare SI. 82.7 - "Traspassaram o meu concerto" - alusão ao pacto abraâmico, ou mosaico. Hb. 8.8,9 - "Eis que virão dias, diz o Senhor, em que, com a casa de Israel e com a casa de Judá, estabelecerei um novo concerto, não segundo o concerto que fiz com os seus pais no dia em que os tomei pela mão para os tirar do Egito".
Contradita a Escritura, fazendo o primeiro resultado do pecado de Adão dever-se a Deus considerar e tratar a raça como formada de pecadores. Ao contrário, a Escritura declara que a ofensa de Adão nos constituiu pecadores (Rm. 5.19). Nós não somos pecadores somente porque Deus nos considera e trata como tais, mas Deus nos considera pecadores porque nós o somos. O que se diz é que a morte "passou a todos os homens", não porque todos eram considerados e tratados como pecadores, mas "porque todos pecaram" (Rm. 5.12
Para a exegese completa de Rm. 5.12-19 ver nota na discussão sobre a teoria que apresenta Adão como o Cabeça Natural (625/7). O Dr. Paulo Park causa grande ofensa ao dizer que os assim chamados "pactos" da lei e da graça, mencionados na Confissão de Westminster, feitos por Deus com Abraão e Cristo, respectivamente, na verdade, foram feitos na Holanda". A palavra foedus, em tal conexão pode, com propriedade, significar nada mais que "ordenança"; ver Virgílio, Georgics, 1.60-63 - "eterna foedera".
E. G. Robinson, Chrístian Theol., 185 - "O 'pacto' de Deus com os homens é simplesmente o seu método de tratá-los segundo o conhecimento e oportunidade deles".
Impugna a justiça de Deus, implicando:
Que Deus sustenta que os homens são responsáveis pela violação de um pacto de cujo estabelecimento eles não participaram. O pacto assumido é somente um decreto soberano; a justiça assumida, uma vontade arbitrária.

Teologia Sistemática
235
Não só nós nunca autorizamos Adão a fazer tal concerto, com não há nenhuma evidência de que ele jamais o tenha feito. Nem também é certo que Adão sabia que ele teria posteridade. No caso da atribuição dos nossos pecados a Cristo, este concertou voluntariamente levá-los e juntou-se à nossa natureza para que pudesse levá-los. No caso da atribuição da justiça de Cristo, primeiro nos tornamos um com ele e, baseados nessa nossa união, somos justificados. Mas na teoria federal, somos condenados com base num pacto que nem instituímos, nem dele participamos, nem com ele assentimos.
Que, baseado neste pacto, considera os homens como pecadores ainda que não o sejam. Mas Deus julga segundo a verdade. A sua condenação não se processa baseada na ficção legal. Ele não pode considerar responsável pela transgressão de Adão apenas os que, em certo sentido real, relacionaram-se e tiveram parte naquela transgressão.
Ver Baird, Elohim Revealed, 544 - "Eis aqui um pecado, que não é nenhum crime, mas uma simples condição de sermos considerados e tratados como pecadores; e uma culpa devida à pecaminosidade que não implica demérito moral ou torpeza, isto é, pecado que, de modo nenhum é culpa. Por que Deus não pode, com tanta justiça atribuir o pecado de Adão aos anjos decaídos e puni-los por isso? Dorner, System Doct., 2.351; 3.53,54 -"Hollaz sustenta que Deus trata os homens segundo o que ele prevê que farão, se eles estão em lugar de Adão" (scientia media e imputatio metaphysicá). Birks, Difficulties of Beliel, 141 - A atribuição imediata é tão importante com a imputatio metaphysica, isto é, o ato de Deus condenar-nos por aquilo que ele sabe que nós teríamos feito em lugar de Adão. Nessa teoria não há necessidade alguma de provação. Deus pode condenar metade da raça de uma vez ao inferno sem haver provação com base no fato de que, afinal de contas, todos pecarão e, de qualquer modo, irão para lá". A justificação pode ser gratuita, mas a condenação não. "Como a teoria do pacto social de governo, a teoria do pacto do pecado é mera ficção legal. Explica só em parte. A teoria dos teólogos da Nova Inglaterra, que atribui somente à soberania a atitude de Deus tornar-nos pecadores em conseqüência do pecado de Adão é mais razoável que a teoria federal" (Fisher).
O Professor Mose Stuart carateriza esta teoria como a de "culpa fictícia, mas de condenação veraz". A economia divina não admite nenhuma substituição fictícia, nem evasivas forenses. Nenhum sofisma legal pode modificar a justiça eterna. O federalismo reverte a ordem própria e coloca o efeito antes da causa como no caso da teoria compacta social de governo. Ritchie, Darwin and Hegel, 27 - "É ilógico dizer que a sociedade se originou de um contrato; porque este pressupõe aquela". Unus homo, nullus homo = sem sociedade não há pessoas. T. H. Green, Prolegomena to Ethics, 351 - "Nenhum indivíduo pode fazer por si uma consciência. Ele sempre necessita de uma sociedade para fazê-la para si. ... 200 - Só através da sociedade a personalidade se realiza". Royce, Spirit of Modern Philosophy, 209, nota-Ainterrelação dos indivíduos é condição para a centralidade de si mesmo. "Somos membros

236
Augustus Hopkins Strong
uns dos outros" Rm. 12.15). Schurman, Agnosticism, 176-"0 indivíduo nunca pode desenvolver uma personalidade a não ser treinando através de uma sociedade e sob uma lei". Imagine uma teoria em que uma família se originasse em uma convenção! Não podemos ver o estado por suas origens rudes do mesmo modo que não podemos definir o carvalho pelo seu fruto.
Que, depois de considerar pecadores os que não o são, Deus os faz tais, criando cada alma humana com a natureza corrupta para que correspondam ao seu decreto. Isto não só deve admitir um ponto de vista falso a respeito da origem da alma, mas também faz Deus diretamente o autor do pecado. A atribuição do pecado não pode preceder e explicar a atribuição.
Por um ato de Deus tornamo-nos depravados como conseqüência penal do ato de Adão imputado a nós somente como pecatum alienum. Dabney, Theology, 342, diz que a teoria considera a alma originariamente pura até a atribuição. Hodge, Syste. Theol., 2.203, 210 (sobre Rm. 5.13); Thornwell, Theology, 1.346-349; Chalmers, Intitutes, 1.485, 487. A teoria federal faz o nosso pecado ser uma punição do pecado alheio, como no esquema agosti- niano, que considera a nossa depravação a punição do pecado adàmico. ... sustenta que o pecado não traz castigo eterno, mas somos tão responsáveis por ele como Adão". Só resta dizer que o Dr. Hodge sempre se recusou persistentemente a admitir um elemento a mais que pudesse ter feito o seu ponto de vista menos arbitrário e mecânico, a saber, a teoria traducianista da alma. Ele é criacionista e, até o fim sustenta que Deus criou imediatamente a alma e criou-a depravada. A aceitação do traducianismo compeliu-o a trocar o seu federalismo pelo agostinianismo. O criacionismo é o elemento remanescente do atomismo pelagiano em outra forma da teoria escriturística. Contudo, o Dr. Hodge considera esta parte essencial ao ensino bíblico. Sua indelével confiança é como a de Fichte, que Carolina Schelling representa nas seguintes palavras: "Zweifle an der Sonne Klarheit, Zweifle an der Sonne Licht, Leser, nur an meiner Warheit Und Deiner Dummheit, nicht".
Como um corretivo ao espírito atomista do pelagianismo podemos citar um ponto de vista que nos parece muito mais defensável embora talvez caminhe em sentido oposto. O Dr. H. H. Bawden escreve: "O eu é o produto de um ambiente social. O eu ascético não chega a ser um eu. A pessoalidade e a consciência são essencialmente sociais. Somos membros uns dos outros.
O ponto de vista biológico da pessoalidade considera-o como uma função, atividade, processo inseparável da matriz social de que surgiu. A consciência é tão somente o nome do funcionamento do organismo. Não significa que a alma seja uma secreção do cérebro como a bílis é uma secreção do fígado; não significa que a mente seja uma função do corpo em qualquer sentido materialista. Mas a mente e a consciência são apenas o desenvolvimento de um organismo, enquanto, por outro lado, o organismo é o que desenvolve.
O psíquico não é uma forma secundária, sutil e paralela à energia casualmente interativa junto ao psíquico; muito menos uma série concomitante como sustentam os paralelistas. A consciência não é uma ordem de existência ou

Teologia Sistemática
237
coisa, mas uma função. É a organização da realidade, o universo que vem a um foco, florido, por assim dizer, em um centro finito. A sociedade é um orga- vásvcxo wo raosmo sor^Mo o corço Vwimafto. k sepaxação das vvródados não é maior que a separação dos fatores unidos do corpo; no microscópio as moléculas estão separadas. A sociedade é uma grande esfera contendo muitas esferas menores.
"Cada eu não é impenetrável a outros eus. Os eus não são compartimentos estanques. Cada um pode permanecer completo em si mesmo, ainda que todos os outros sejam destruídos. Há canais abertos entre todos compartimentos. A sociedade é uma vasta rede de personalidades entrelaçadas. Somos membros uns dos outros. O que afeta o meu vizinho afeta-me e o que me afeta, por fim, afeta o meu vizinho. O indivíduo não é uma unidade atômica impenetrável. ... O eu é tão somente o todo social que vem ao consciente em um ponto particular. Cada eu está arraigado no organismo social do qual é apenas uma expressão local e individual. O eu é uma simples cifra fora das suas relações sociais. Diz o velho adágio grego: 'Aquele que vive bem sozinho ou é uma besta ou um deus'". Conquanto consideramos esta exposição do Dr. Bawden esclarecedora da origem da consciência e assim auxiliadora da nossa contenção contra a teoria federal, não a consideramos como prova de que, uma vez desenvolvida, a consciência não pode tornar-se relativamente independente e imortal. Atrás da sociedade, assim como atrás do indivíduo, estão a vontade e a consciência de Deus, em quem está a exclusiva garantia da persistência.
Teoria da Atribuição Mediata ou da Condenação pela Depravação
Esta teoria foi sustentada pela primeira vez por Placeus, professor de Teologia em Saummur, na França. Originariamente ele negava que o pecado de Adão fosse, em qualquer sentido, atribuído à sua posteridade, mas, depois que a sua doutrina foi condenada pelo Sínodo da Igreja Reformada da França em Clarenton, em 1644, ele publicou o ponto de vista que ora leva o seu nome.
Segundo este ponto de vista, todos os homens nascem física e moralmente depravados; esta depravação nativa é a fonte de todo o verdadeiro pecado e ela em si mesma é pecado; no sentido estrito, é esta depravação nativa, e só esta, que Deus atribui aos homens. No que tange à natureza física do homem, esta pecaminosidade inata descendeu, pelas leis naturais, da propagação de Adão a toda a sua posteridade. A alma é imediatamente criada por Deus, mas torna-se imediatamente corrupta tão logo se une ao corpo. A pecaminosidade inata é a conseqüência da transgressão de Adão, embora não seja a sua pena.
Por isso, há um sentido em que se pode dizer que o pecado de Adão é atribuído aos seus descendentes; ele é atribuído não imediatamente, como se eles estivessem em Adão, ou estivessem representados naquele que podia ser acusado diretamente por eles de corrupção não por interferência; mas o peca

238
Augustus Hopkins Strong
do é atribuído mediatamente e através da corrupção interventora que adveio do pecado de Adão. Como na teoria federal a atribuição é a causa da depravação, do mesmo modo nesta teoria a depravação é a causa da atribuição. Em Rm. 5.12, "a morte passou a todos os homens porque todos pecaram", significa: "a morte física, espiritual e eterna passou a todos os homens porque todos pecaram em vista de possuírem uma natureza depravada".
Ver Placeus, De Imputatione Primi PecatiAdami, in Opera, 1.709 - "A alma sensível é produzida a partir do genitor; a alma intelectual ou racional é criada diretamente. Ao entrar na natureza física corrompida, não se corrompe passivamente, mas torna-se ativamente corrupta, acomodando-se à outra parte da natureza humana no caráter". 710 - "Do vício das disposições do corpo ela contrai um vício correspondente não tanto pela ação do corpo sobre a alma como pelo apetite essencial da alma pelo que se une ao corpo de forma acomodada às posições do corpo como o líquido depositado numa vasilha-sicut vinum in vase acetoso. Por isso Deus não é o autor da queda de Adão nem da propagação do pecado".
Herzog, Encydopaedie, art.: Placeus - "No título das suas obras lemos 'Placeus'; até ele mesmo escreveu 'Placeus' que é em Latim a forma mais corrente [do francês 'de La Place']. No primeiro pecado de Adão, Placeus distingue o verdadeiro ato de pecar do pecado habitual (disposição corrompida). Aquela é transitória; esta prende-se à sua pessoa e se propaga a todos.
Na verdade é pecado e é atribuído a todos visto que torna todos condenáveis. Placeus crê na atribuição desta disposição corrompida, mas não na atribuição do primeiro ato de Adão, a não ser mediatamente, através da atribuição da depravação herdada". Fisher, Discussions, 389 - "A simples corrupção nativa é o pecado original todo. Placeus justifica o emprego do termo atribuição em Rm. 2.26 - 'Se, pois, a incircuncisão guardar os preceitos da lei, a incircuncisão não será reputada [imputada] como circuncisão?' A nossa própria provisão é condição necessária da atribuição da justiça de Cristo".
São defensores da atribuição mediata, na Grã Bretanha, G. Payne, em seu livro Pecado Original; John Caird, Fund. Ideas of Christianity, 1.196-232; e James S. Candlish, Biblical Doctrine ofSin, 111-122; nos Estados Unidos, H. B. Smith, System of Christian Doctrine, 169, 284, 285, 314-323; e E. G Robinson, Christian Theol.. O editor da obra do Dr. Smith diz: "No todo, ele favorece a teoria da atribuição mediata. Uma nota reza o seguinte: 'Nem a atribuição mediata, nem a imediata é totalmente satisfatória'. Entenda-se por atribuição mediata a afirmação plena dos fatos no caso com a aceitação do autor; entenda-se uma teoria que professa dar explicação final dos fatos e esta não é totalmente satisfatória"'. O próprio Dr. Smith diz, 316 - "O pecado original é uma doutrina que diz respeito às condições morais da natureza humana a partir de Adão - genéricas: e não é uma doutrina que diz respeito às tendências e méritos pessoais. Para estes precisamos mais outras circunstâncias. Não é o pecado estritamente que é mau, mas o pecador. Eis a distinção última. Há uma bem fundamentada diferença a ser feita entre o merecimento pessoal, o caráter e tendências estritamente pessoais (de cada indivíduo sob

Teologia Sistemática
239
a lei divina aplicada especificamente, por exemplo, a adjudicação) e uma condição moral genérica - base antecedente desse caráter pessoal.
"Contudo, não se trata da distinção entre o que é e o que não é uma qualidade moral, mas entre o estado moral de cada membro da raça, suas tendências e méritos como indivíduo. Este pecado originai só nos vestiria o caráter do mal, não da pecaminosidade, não fosse o fato de sentirmos a culpa em vista da corrupção quando ele se nos torna conhecido em nossos próprios atos. Então está envolvido nele não apenas o sentimento do mal e da miséria, mas também o de culpa; contudo, é necessária a redenção a fim de removê-lo, e esta mostra também que ele é um estado moral. Temos aqui o ponto de união entre as duas posições extremas: em Adão pecamos e todo pecado consiste no ato. A culpa do pecado adâmico é - esta exposição, esta tendência devida a tal corrupção, o fato de termos a mesma natureza na mesma tendência moral. A culpa do pecado adâmico não deve estar separada da existência da disposição má. E esta é a culpa que nos é imputada. Ver art. sobre H. B. Smith, Presb. Review, 1881: "Ele não concordava com o ponto de vista de Placeus, que faz a natureza corrompida por descendência a única base da atribuição".
Objeções:
Esta teoria não dá nenhuma explicação para a responsabilidade do homem relativa à sua depravação inata. Não é possível nenhuma explicação que não considera a depravação humana como tendo tido a sua origem em um ato pessoal livre quer da natureza humana individual, quer coletiva em seu primeiro pai e cabeça. Mas a teoria nega expressamente tal participação de todos os homens no pecado de Adão
A teoria sustenta que nós somos responsáveis pelo efeito, mas não pela causa -"post Adamus, non propter Adamum". Mas Julius Müller, Doctrine of Sin, 2.209, 331 - "Se a tendência pecaminosa não estiver em nós através das nossas ações, mas somente através da dos outros, eles é que são responsáveis por isso, e não nós, - a culpa não é nossa, mas do nosso infortúnio. Mesmo quanto aos pecados atuais, que brotam desta tendência pecaminosa inerente, estas não são estritamente nossas, mas dos nossos primeiros pais através de nós. Por que atribuí-los a nós como pecados atuais e pelos quais somos condenados? Por isso, se negamos a existência da culpa, destruímos a realidade do pecado e vice-versa". Thornwell, Theology, 1.348,349 - Esta teoria "não explica o senso de culpa em conexão com a depravação da natureza - como o sentimento do mau merecimento pode surgir em relação a um estado da mente do qual somos portadores passivos. A criança não censura a si mesma pelas aflições que as loucuras do pai lhe causaram. Mas sentimos ser nossa própria a culpa da corrupção interior; o crime e a vergonha são nossos".
Visto que a origem desta natureza corrupta não pode ser computada ao homem, a sua herança deve ser considerada à luz de uma aplicação arbitrária

240
Augustus Hopkins Strong
da parte de Deus - conclusão que reflete na justiça de Deus. O homem não só é condenado por uma pecaminosidade da qual Deus é o autor, mas o é sem uma prova real, quer individual quer coletiva
Dr. Hovey, Outlines of Theology, faz objeção à teoria da atribuição imediata, porque: "1. Lança uma luz muito fraca sobre a justiça de Deus na atribuição do pecado de Adão aos adultos que agem como ele agiu. 2. Não lança nenhuma luz sobre a justiça do Deus que traz à existência uma raça inclinada ao pecado através de Adão. A tendência herdada ainda não encontra explicação e a sua atribuição ainda é um enigma, ou um erro para o entendimento natural". É injusto sustentar que nós somos culpados pelo efeito se não somos primeiro culpados pela causa.
Contradiz as passagens da Escritura que relacionam a origem da condenação humana, bem como a sua depravação com o pecado dos nossos primeiros pais e que representam a morte universal não como matéria da soberania divina, mas como aplicação judicial da pena sobre todos os homens por causa do pecado da raça em Adão (Rm. 5.16,18). Faz ainda violência à Escritura nesta interpretação fora do natural da expressão "todos pecaram", em Rm. 5.12 - que implicam a unidade da raça em Adão e a relação causai do pecado de Adão com a nossa culpa.
Algumas passagens que o Dr. H. B. Smith, System, 317, cita de Edwards, como que em favor da teoria da atribuição mediata, parecem-nos favorecer o ponto de vista completamente diferente. Ver Edwards, 2.482, ss. - "A primeira existência de uma disposição corrupta no coração deles não deve ser considerada como pecado pertencente a eles distinta da sua participação da árvore toda em virtude da união dos ramos com a raiz. ... Humildemente sustento a opinião de que, se eu tenho suposto que os filhos de Adão vieram ao mundo com uma dupla culpa, a do pecado de Adão e a outra surgida do fato de terem o coração corrompido, elas não devem ser consideradas um problema".
E ainda mais: "A derivação da disposição má (ou coexistência) é conseqüência da união", mas "não da atribuição do seu pecado; ou melhor, antecedendo-a, o pecado estava no próprio Adão. A primeira depravação do coração e a atribuição desse pecado são as duas conseqüências da união estabelecida; mas mesmo em tal ordem, a disposição do mal aparece primeiro e, a seguir, atribuição da culpa, como ocorreu no caso do próprio Adão".
Edwards cita Stapfer: "Os Reformados doutores em divindades não defendem a atribuição mediata e imediata separadamente, mas sempre juntas".
E ainda mais adiante, 2.493 - "E, por isso, o pecado da apostasia não é deles tão somente porque Deus lhos atribui; mas, na verdade e com propriedade; é deles e com base nisso, Deus lhos atribui". Parece-nos que o Dr. Smith equivoca o sentido destas passagens de Edwards e que, ao fazer a identificação com Adão em primeiro lugar e a atribuição em segundo, elas parecem favorecer a teoria do encabeçamento natural de Adão mais do que a teoria da atri

Teologia Sisjemática
241
buição mediata. Edwards considera a seguinte ordem: 1) apostasia; 2) depravação; 3) culpa; mas, em todas três, Adão e nós somos, por constituição divina, um. Para sermos culpados da depravação, portanto, primeiro é necessário sermos culpados da apostasia.
Pelas razões acima consideramos a teoria da atribuição mediata uma casa a meio caminho, onde não há nenhum abrigo permanente. A mente lógica não pode achar nenhuma satisfação nela, mas, ou leva a outra doutrina, a agostiniana, que, a seguir passamos a considerar, ou voltamos à doutrina da Nova Escola, com sua concepção atomística do homem e sua soberania arbitrária de Deus.
Teoria Agostiniana, do Encabeçamento natural de Adão
O primeiro a elaborar esta teoria foi Agostinho (354-430), grande opositor de Pelágio; embora a sua caraterística central apareça nos escritos de Tertuliano (que morreu por volta de 220), Hilário (350), e Ambrósio (374). Este ponto de vista sobre o pecado freqüentemente é designado como agostiniano. Foi defendido pelos reformadores, exceto por Zwínglio. Nos Estados Unidos os seus principais defensores são Dr. Shedd e Dr. Baird.
Sustenta que Deus atribui o pecado de Adão imediatamente a toda a posteridade em virtude da unidade orgânica da humanidade através da qual toda a raça existiu no tempo da transgressão de Adão, não individual, mas conforme a semente daquele que é o cabeça. A vida toda da humanidade já estava em Adão; a raça apenas existia nela. A sua essência ainda não estava individualizada; suas forças ainda não estavam distribuídas; as que não existiam em homens separados foram então unificadas e localizadas em Adão; a vontade de Adão ainda era a da espécie. No ato livre de Adão a vontade da raça revoltou-se contra Deus e a natureza da raça corrompeu-se. A que agora possuímos é a mesma que se corrompeu em Adão - "não somente a mesma em gênero, mas a mesma que, continuamente flui dele para nós.
Por isso o pecado de Adão nos é atribuído imediatamente não como algo que nos é estranho, mas, porque é nosso - nós e os outros homens que existiram como uma pessoa moral ou como um todo moral nele e, como resultado dessa transgressão, possuindo uma natureza destituída de amor a Deus e propensa ao mal. Em Rm. 5.12-"a morte passou a todos os homens porque todos pecaram" significa: "a morte física, espiritual e eterna passaram a todos os homens porque todos pecaram em Adão, o seu cabeça natural".
Agostinho, De Pec. Mer. et Rem., 3.7 — "In Adamo omnes tunc peccave- runt, quando in eius natura adhuc omnes ille unos fuerunt"; De Civ. Dei, 13.14
"Omnes enim fuimus in illo uno, quando omnes fuimus ille unus... Nondum erat nobis singillatim creata et distributa forma in qua singuli viveremus, sed

242
Augustus Hopkins Strong
iam natura erat seminalis ere qua propagaremur." Sobre o ponto de vista de Agostinho, ver Dorner, Glaubenslehre, 2.43-45 (Sistema Doutrinário, 2.338, 339) - Em oposição a Pelágio que faz o pecado consistir em simples atos, "Agostinho dava ênfase ao estado pecaminoso. Trata-se de uma privação da justiça original + o amor desordenado. Tertuliano, Cipriano, Hilário, Ambrósio defenderam o traducianismo, segundo o qual, sem a participação deles, a pecaminosidade de todos baseia-se no ato livre de Adão. Eles atraem sobre si as conseqüências do pecado, como um mal que é, ao mesmo tempo, castigo pela falta herdada. Mas Irineu, Atanásio, Gregório de Nissa dizem que Adão não era somente um simples indivíduo, mas um homem universal. Nós estamos compreendidos nele, de modo que nele pecamos. No primeiro a posteridade era passiva; no segundo ela era ativa, no pecado de Adão. Agostinho representa ambos os pontos de vista, desejando unir a pecaminosidade universal envolvida no traducianismo à vontade e culpa envolvidas na cooperação com o pecado de Adão. Por isso, Adão é uma dupla concepção, e = indivíduo + raça".
Mozley, Predestination, 402-"Em Agostinho, algumas passagens relacionam toda a iniqüidade com o pecado original; algumas explicam diferentes graus do mal através de diferentes graus de pecado original (Op. imp. cont. Julianum, 4.128 - 'Malitia naturalis ... in allis minor, in allis major est' [A maldade natural em alguns é menor, em outros, maior]), em alguns, o indivíduo parece acrescentar ao pecado original (De Correp. et Gratia, c. 13 - 'Per liberum arbitrium alia insuper addiderunt, alli majus, alli minus, sed omnes mali'. De Grat. et Lib. Arbit., 2.1 - 'Acrescentaram-se ao pecado do seu nascimento os pecados de comissão'; 2.4 - 'Nem nega a liberdade da nossa vontade, quer opte por uma vida má, quer por uma boa, nem atribui a isto tanto poder que avalie qualquer coisa sem a graça de Deus ou possa mudar do mal para o bem')". Estas passagens parecem mostrar que, ao lado do pecado racial e seu desenvolvimento, Agostinho reconhece o domínio da decisão pessoal livre, através da qual, até certo ponto, modifique o seu caráter e se torne em maior ou menor escala depravado.
A teoria de Agostinho não resulta simplesmente do seu temperamento ou dos seus pecados. Muitos têm cometido pecados como ele, mas o intelecto deles só foi entorpecido e levado a toda sorte de descrença. O Espírito Santo é que se apossou do temperamento e assim dominou o pecado, tornando-o um vidro através do qual Agostinho vê as profundezas da sua natureza. A sua doutrina não pertence à exclusiva transcendência divina, que deixa o homem um desesperançado verme em inimizade com a justiça infinita. Ele também é um apaixonado crente na imanência de Deus. Assim escreve ele: "Não pos so ser, ó Deus, não posso ser, afinal de contas, se tu não estiveres em mim; mais do que isso, se eu não estivesse em ti, a quem pertencem todas as coisas, em quem estão todas as coisas ... 'O Deus, tu nos fizeste para ti, e o nosso coração não encontra repouso enquanto não descansarmos em ti ... A vontade de Deus é a própria natureza das coisas - Dei voluntas rerum natura est".
Allen, Continuity of Christian Thought, Introdução, mui erroneamente declara que "a teologia agostiniana se apóia na transcendência divina como o seu princípio controlador e a cada ponto aparece como uma demonstração

Teologia Sistemática
243
ca mais antiga interpretação da fé cristã". Por outro lado, L. L. Paine, Trinita- rianism, 69, 368-397, mostra que, enquanto Atanásio defende uma transcendência dualista, Agostinho defende uma imanência teísta: "Portanto, a 'lanência estóica, neoplatônica com Agostinho, suplanta a transcendência platônico-aristotélica e de Atanásio". Alexander, Theoríes of the Will, 90 - *As teorias dos antigos pais são indeterministas e o pronunciado agostinia- ismo de Agostinho resulta na proeminência da doutrina do pecado original.
. Os primitivos pais pensam que a origem do pecado nos anjos e em Adão se ceve à vontade livre. O pensamento de Agostinho sobre a origem do pecado ia posteridade de Adão se deve à vontade má herdada. Harnack, Wesen des Christenthums, 161 - "Até hoje, no catolicismo, a piedade interior e viva e a sua expressão, é, na essência, totalmente agostiniana".
Calvino é essencialmente agostiniano e realista; ver Institutes, livro 2, caps 1-3; Hagenbach, Hist. Doctrine, 1.505,506, com citações e referências. Zwín- glio não é agostiniano. Ele sustenta a viciosidade nativa, embora ela ocasione o pecado, não é o pecado em si. Ela não é crime, mas uma condição e uma doença". Zwínglio ensinava que a criança recém-nascida - a vivificação de Cristo a todos que morreram em Adão - está livre de qualquer nódoa do pecado com Adão antes da queda. Contudo, os reformadores, exceto Zwínglio, eram agostinianos e explicavam a culpa hereditária da humanidade não pelo fato de que todos homens estão representados em Adão, mas participam no pecado dele. Esta é ainda a doutrina da Igreja Luterana.
A teoria do encabeçamento natural de Adão considera a humanidade um desenvolvimento do germe. Conquanto as folhas de uma árvore aparecem como unidades desconexas, quando as vemos cair, uma observação embaixo discernirá a conexão com os rebentos, com os ramos, com o tronco e, finalmente, remontará a sua vida à raiz e à semente de onde originariamente provém. A raça humana é una porque surgiu de um cabeça. Seus membros não devem ser considerados atomisticamente como indivíduos segregados; a mais profunda verdade é a da unidade orgânica. Contudo, não somos filosoficamente realistas; não cremos na existência separada dos universais. Não defendemos a universalia ante re, que é o extremo realismo; nem a universa- iia post rem, que é o nominalismo; mas a universalia in re, que é o realismo moderado. O extremo realismo não pode ver as árvores pela madeira; o nominalismo não pode ver a madeira pela árvore; o moderado vê a madeira nas árvores. Sustentamos "a universalia in re, mas insistimos que os universais devem ser reconhecidos como realidades de modo tão verdadeiro como o são" (H. B. Smith, System, 319, nota). Três sementes de carvalho têm uma vida comum do mesmo modo que três bobinas não a têm. O realismo moderado é verdadeiro sobre as coisas orgânicas; o nominalismo só é verdadeiro a respeito dos nomes próprios. Deus não criou qualquer árvore nova desde que criou a primeira; nem criou qualquer ser humano desde o filho do primeiro homem. Eu sou apenas um galho e uma conseqüência da árvore da humanidade
Então, o nosso realismo só afirma a verdadeira conexão histórica de cada membro da raça com seu primeiro pai e cabeça e tal derivação de cada um a partir dele faz de nós participantes do seu caráter. Adão era uma raça; e com a sua queda a raça também caiu. Shedd: "Todos nós existimos em Adão na

244
Augustus Hopkins Strong
nossa substância elementar invisível. O Seyn de todos está nele, embora não o Daseyn, o noumenon existia, embora não o fenomenorí'.
As novas concepções do reino da lei e do princípio da hereditariedade que prevalecem na ciência moderna operam para vantagem da teologia cristã. A doutrina do encabeçamento natural de Adão é tão somente a transmissão hereditária do caráter desde o primeiro pai da raça até os seus descendentes. Por isso empregamos a palavra "imputação" (atribuição) em sentido próprio - o de computar a nós ou atribuir a nós o que na realidade é propriamente nosso. Ver Julius Müller, Doctrine of Sin, 2.259-357 esp. 328 - "O problema é o seguinte: Devemos admitir que a depravação herdada de Adão por geração natural envolve culpa pessoal; embora essa depravação, tanto quanto natural, não tem as condições próprias de que a culpa depende.
A única explicação satisfatória para esta dificuldade é a doutrina cristã do pecado original. Se só aqui se pode sustentar a possibilidade, pode-se harmonizar os princípios aparentemente contraditórios, a saber, a depravação da natureza humana universal e firmemente assentada, como fonte do pecado atual e a responsabilidade e culpa individuais". Estas palavras, embora escritas por alguém que defende uma teoria diferente, são, entretanto, um poderoso argumento em favor da teoria do encabeçamento natural de Adão.
Thornwell, Theology, 1.343-"Devemos contradizer cada trecho da Escritura e cada uma das suas doutrinas que tornam a impureza odiosa a Deus e digna de castigo aos seus olhos, ou devemos sustentar que pecamos em Adão quando de sua primeira transgressão". Secretan, em sua Work on Liberty, defende uma vida coletiva da raça em Adão. Naville, Problem of Evil, retruca: "Nós existimos em Adão, não individualmente, mas por sua semente. Cada um de nós, como indivíduo, responde somente pelos atos pessoais, ou mais exatamente, pelo elemento pessoal dos atos dele. Porém, como ele é um ser humano, cada um de nós responde junta e separadamente (solidaire- ment) pela queda da raça humana". Bersier, Unidade da Raça, em sua Queda e Futuro: "Se recebemos a ordem de amar o próximo como a nós mesmos, é porque nós somos esse próximo".
Consideramos esta teoria do Encabeçamento Natural de Adão como a mais satisfatória das teorias mencionadas e que fornece o mais importante auxílio para o entendimento do grande problema do pecado original. Em seu favor podemos apresentar as seguintes considerações:
Ele estabelece a mais natural interpretação sobre Rm. 5.12-21. No verso 12 desta passagem - "a morte passou a todos os homens porque todos pecaram" - a grande maioria dos comentadores considera a palavra "pecaram" uma descrição de uma transgressão da raça em Adão. A morte de que se fala, como mostra o contexto todo, principalmente, embora não exclusivamente, física. Passou a todos - até mesmo aos que não cometeram nenhuma transgressão consciente e pessoal que justificaria sua aplicação (v. 14). A fraseologia legal da passagem mostra que esta aplicação não é matéria de decreto soberano mas de pena judicial (vs. 13,14,15,16,18 - "lei", "transgressão",

Teologia Sistemática
245
"rrensa", "juízo. ... um ato de justiça para a condenação", "ato de justiça", líúficação"). Como a explicação desta universal sujeição à pena, vem a r ::ência ao pecado de Adão. Por esse único ato ("assim também", v. 12) - a "rfensa de um" (vv. 15,17), "uma ofensa" (v. 18) - a morte veio a todos os :: raens porque todos [não 'cometeram pecado', mas pecaram (návzEC, fjpapTov
i:dsto de ação passada instantânea) - isto é, todos pecaram "naquela ofensa- de "um" homem. Compare 1 Co. 15.22 - "como todos morrem em Adão"
:nde significa o contraste com a ressurreição física; 2 Co. 5.14 - "um morreu por todos, logo todos morreram".
Beyschlag, N.T. Theology, 2.58-60 - "Para entender o ponto de vista do apóstolo, devemos seguir a exposição de Bengel (que Meyer e Pfleiderer também favorecem): 'Porque todos - a saber, em Adão - pecaram'; todos, isto é, os que estavam incluídos em Adão, segundo o ponto de vista do Velho Testamento, que vê toda a raça no seu fundador, praticar o ato dele". Ritschl: 'Sem dúvida, Paulo tratou o destino universal da morte como devido ao pecado de Adão. Contudo, isto não se presta a uma regra teológica porque o apóstolo formou esta idéia"; ou seja, o ensino de Paulo não o torna ligado à fé. Philippi, Com. On Rm, 168 - interpreta Rm. 5.12 "um pecou por todos, logo todos pecaram" com 2 Co. 5.15 - "um morreu por todos, pelo que todos morreram". Evans, Presb. Review, 1883, 234 - Rm. 5.15 - "pela ofensa de um morreram muitos", v. 17 - "pela ofensa de um e por meio de um só reinou a morte", v. 19 - "pela desobediência de um homem" - todas estas expressões e as relativas à salvação correspondentes a elas, indicam que a raça decaída e a raça redimida são consideradas uma multidão, uma totalidade. Assim oí Ttávxeç em 1 Co. 5.14 indica uma concepção correspondente à unidade orgânica da raça.
O Prof. George B. Stevens, Pauline Theology, 32-40, 129-139 nega que Paulo ensina que todos homens pecam em Adão: "Eles pecam no mesmo sentido em que os crentes foram crucificados para o mundo e morreram para o pecado quando Cristo morreu na cruz. Concebe-se que a renovação do crente se operou através dos atos e experiências de Cristo, nas quais ela se baseia. Como as conseqüências dos seus sofrimentos vicários remontam à sua causa, assim são as conseqüências que fluem do começo de Adão as quais remontam à fonte original do mal e se identificam com este; mas não se deve tratar esta afirmação como uma fórmula lógica mais rígida do que aquela que é sua contrapartida. ... Há uma identificação mística da causa com o efeito, - tanto no caso de Adão como no de Cristo".
Quando tratamos da teoria da Nova Escola sobre o pecado, assinalamos que a incapacidade de entender a união vital do crente com Cristo impossibilita ao teólogo da Nova Escola de entender a união orgânica da raça com Adão. A expressão de Paulo "em Cristo" significa mais do que Cristo ser o tipo e iniciador da salvação e o pecar em Adão significa mais para Paulo do que seguir o exemplo ou a atuação do espírito do nosso primeiro pai. Em 2 Co. 5.14 o argumento é: porque Cristo morreu, todos morreram para o pecado e morreram em Cristo. A ressurreição vida é a mesma coisa que a vida que

246
Augustus Hopkins Strong
morreu e ressuscitou na morte e ressurreição de Cristo. Assim, o pecado de Adão é nosso porque a mesma vida que transgrediu e tornou-se corrompida nele desceu até nós e é nossa posse. Em Rm. 5.14 excluem-se expressamente os pecados individuais e conscientes a que a teoria da Nova Escola atribui sentença condenatória e nos vv. 15-19 declara-se que o juízo é "uma ofensa". O Prof. Wm. Arnold Stevens, de Rochester, diz com muita propriedade: "Paulo ensina que o pecado de Adão é nosso, não potencialmente, mas por obras". A respeito de %ap-rav diz ele: "Pode-se conceber: 1) aoristo histórico, empregado no sentido momentâneo; 2) o aoristo compreensivo ou coletivo, como em SifjXGev no mesmo verso; 3) o aoristo empregado no sentido de pretérito perfeito como em Rm. 3.23 - návzeç yàp íúmptov mi taTepoájvxai.
Em 5.12 o contexto determina com grande probabilidade que o aoristo é empregado no primeiro destes sentidos". Podemos acrescentar que os intérpretes não estão procurando quem entende íúiap-cov assim em 3.23; ver também o rodapé da Versão Revisada. Mas porque a passagem de Rm. 5.12-19 é tão importante, reservamos nesta seção um tratamento mais pormenorizado.
Ela permite qualquer que seja a verdade que pode haver na teoria federal e na da atribuição mediata combinada com ela, conquanto nenhuma destas teorias possam ser justificadas como racionais a não ser como corolários ou acessórios da verdade do encabeçamento natural de Adão. Só com base nesta suposição do encabeçamento natural poderia Deus, com justiça, constituir Adão como nosso representante, ou manter-nos responsáveis pela natureza depravada que recebemos dele. Contudo, ela justifica os processos de Deus postulando uma real e honesta provação da nossa natureza comum preliminarmente à atribuição do pecado - verdade que as teorias já mencionadas, em comum com a da Nova Escola, negam; enquanto se apóia em princípios filosóficos corretos a respeito da vontade, da capacidade, da lei, e aceita as representações escriturísticas da natureza do pecado, o caráter penal da morte, a origem da alma e a unidade da raça na transgressão.
John Caird, Fund. Ideas of Christianity, 1.196-232, favorece o ponto de vista de que o pecado consiste tão somente numa tendência hereditária da nossa natureza para o mal e que somos culpados desde o nascimento porque desde então temos o pecado. Mas reconhece no agostinianismo a veraz unidade orgânica da raça e a implicação de cada membro na história. Diz-nos que devemos considerar o homem simplesmente como um indivíduo abstrato e isolado. A teoria atomista considera que a sociedade não tem outra existência a não ser a dos indivíduos que a compõem. Porém aproxima-se da verdade ao dizer que a sociedade é que cria o indivíduo e não o indivíduo que a cria. O homem não passa a existir como tábula rasa na qual os agentes externos podem escrever qualquer coisa que a vontade registre. O indivíduo está embebido de influências devidas ao passado da sua espécie. A teoria individualista corre em direção oposta aos mais óbvios fatos da observação e

Teologia Sistemática
247
experiência. Como filosofia da vida, o agostinianismo tem uma profundidade e significação que a teoria individualista não defende".
Alvah Hovey, Manual of Christian Theology, 175 (2- ed.) - "Todo filho de Adão conta com um grau de simpatia que tem por todo sistema do mal no mundo e com o principal ato de desobediência entre os homens. Se tal simpatia é completa, se se expressa por atos e pensamentos, se a força total do seu ser se forma contra o céu e a favor do inferno, é difícil limitar a responsabilidade". Schleiermacher sustenta que a culpa do pecado original atribuída, não ao indivíduo como tal, mas como membro da raça, assim a consciência da união racial traz consigo a consciência da culpa racial. Defende ainda que todos homens são igualmente pecadores e só diferem na forma de receber a graça ou na atitude para com ela; o pecado é o malum metaphysicum de Epinosa.
Conquanto a sua pressuposição fundamental - determinação da vontade de cada membro da raça antes da sua consciência individual - seja uma hipótese difícil em si mesma, fornece a chave para muito mais dificuldades do que ela sugere. Uma vez admitido que a raça era uma no seu primeiro ancestral e nele caiu, e lançou-se luz sobre um problema de outra forma insolúvel - relativo à nossa responsabilidade pela natureza pecaminosa que pessoal e conscientemente não originamos. Visto que, com as outras teorias supramenciona- das, não podemos negar quaisquer termos deste problema - depravação inata ou responsabilidade por ela - aceitamos esta solução como a mais plausível.
Sterret, Reason and Authority in Religion, 20 - "A oscilação completa do pêndulo do pensamento de hoje afasta-se do ponto de vista individual e dirige-se para o social. As teorias da sociedade estão suplantando as do indivíduo. O pensamento reinante tanto no estudo científico como no histórico é a solidariedade do homem. Chega até ao extremo de um determinismo que aniquila o indivíduo". Chapman, Jesus Christ and the Phesent Age, 43 - "Nunca foi menos possível negar a verdade de que a teologia dá expressão à sua doutrina do pecado original do que na era atual. É só uma forma do fato da hereditariedade universalmente reconhecida. Há um mal coletivo, pois que a responsabilidade repousa sobre toda a raça humana. Todo homem participa deste mal comum; organiza-se isto em sua natureza; estabelece-se em seu ambiente". E. G. Robinson: "A tendência da teologia moderna [nesta última geração] é a individualização, que faz de cada homem um 'onipotentezinho;. Mas a raça humana é una em espécie e, em certo sentido, numericamente uma. A raça potencialmente jaz em Adão. Toda força desenvolvida na raça está nele. Não existe um aprimoramento da raça, a não ser do ponto de partida de uma humanidade decaída e culpada". Goethe diz que, conquanto a humanidade sempre avança, o indivíduo permanece o mesmo.
O verdadeiro teste de uma teoria é que não seja explicada, mas que seja capaz disso. Na química, a teoria atômica, a teoria do éter na física, a teoria da gravitação, a teoria da evolução, são hipóteses em si não demonstráveis,

248
Augustus Hopkins Strong
aceitas provisoriamente só porque, se admitidas, unificam grandes conjuntos de fatos. Coleridge diz que o pecado original é o mistério que esclarece todas as coisas. Contudo, neste mistério nada há de contraditório ou arbitrário. Gladden, What is Left?, 131 - "A hereditariedade é obra de Deus em nós e o ambiente é Deus operando em torno de nós". Quer adotemos a teoria de Agostinho, quer não, os fatos da obliqüidade moral e o sofrimento humano universal estão diante de nós. Somos compelidos a reconhecer estes fatos com a nossa fé na justiça e bondade de Deus. Agostinho dá-nos um princípio unificador que, melhor do que qualquer outro, explica estes fatos e os justifica.
Esta teoria encontra seu apoio nas conclusões da moderna ciência; sobre a lei moral, que requer o estado de direito assim como atos de justiça; sobre a vontade humana, incluindo as tendências e determinações subconscientes e inconscientes; sobre a hereditariedade e a transmissão do mau caráter; sobre a unidade e solidariedade da raça humana. Por isso, a teoria agostiniana pode ser chamada de interpretação ética ou teológica de certos fatos biológicos incontestáveis e reconhecidos.
Ribot, Heredity, 1 - "Hereditariedade é a lei biológica pela qual todos seres dotados de vida tendem a repetir-se em seus descendentes; ela é para as espécies o que a identidade pessoal é para o indivíduo. Através dela permanece uma base imutável em meio a incessantes variedades. Pelo mesmo processo a natureza copia e imita a si mesma". Griffith-Jones, Ascent Thorough Chríst, 202-218 - "À condição moral do homem prende-se o desenvolvimento; a reversão ao tipo selvagem; um arremedo hipócrita e protetor de si mesmo quanto à virtude; o parasitismo; a anomalia física e moral; a profunda perversão da faculdade". Simon, Reconciliation, 154 ss. - "Antes dos indivíduos, que são sucessivas diferenciações, afetaram-se o organismo e os produtos. ... Como um organismo, a humanidade sofreu o prejuízo conseqüente do pecado. Recebeu-o logo no começo. No início da germinação da semente entrou a doença e a humanidade foi açoitada com a morte conseqüente do pecado
Bowne, Theory of Thought and Knowledge, 134 - "A noção geral não tem nenhuma existência real ou possível. Toda existência real é necessariamente singular e individual. O único meio de dar à noção qualquer significação metafísica é o encaminhamento a uma lei inerente à realidade e esta tentativa fracassará se, ao fim, não concebermos tal lei como regra segundo a qual uma inteligência básica prossiga posicionando o indivíduo". Sheldon, Methodist Review, março, 1901, 214-227, atribui esta explicação à doutrina do pecado original. Os seres humanos têm uma natureza comum, diz ele, só no sentido de que eles são personalidades semelhantes. Se literalmente morrêssemos em Adão, literalmente morreríamos em Cristo. Cristo não é um ser que abrange o todo do mesmo modo que Adão também não o é. Consideramos este argumento como uma perfeita prova em oposição à conclusão que se pretende. Existe um Cristo que abrange o todo. O erro fundamental da

Teologia Sistemática
249
maior parte dos que se opõem ao agostinianismo é que eles concebem erroneamente a união com Cristo. Neste sentido, "uma inteligência básica situa indivíduos". O mesmo ocorre na relação dos homens para com Adão. Também aqui há "uma lei inerente à realidade" - obra regular da vontade divina segundo a qual os semelhantes produzem semelhantes e um germe pecaminoso se reproduz.
Contudo, é bom lembrarmos que, conquanto esta teoria do método da nossa união com Adão seja meramente uma valiosa hipótese, o problema que ela procura explicar, em ambos os seus termos, nos é apresentado tanto pela consciência como pela Escritura. Em conexão com este problema anuncia-se na Escritura um fato central, a ponto de sentirmo-nos compelidos a crer no testemunho divino, embora cada tentativa de explicação se prove insatisfatória. Tal fato central que constitui a substância da doutrina da Escritura sobre o pecado original é este: que o pecado de Adão é a causa imediata e a base da depravação inata, da culpa e da condenação de toda a raça humana.
Três coisas devem ser recebidas no testemunho da Escritura: 1) depravação inata; 2) conseqüente culpa e condenação; 3) o pecado de Adão é a causa e base de ambos. Destes três pontos da Escritura não somente parece natural, mas inevitável tirar a inferência de que "todos pecaram" em Adão.
A teoria agostiniana estabelece um elo de ligação entre dois segmentos de fatos que, caso contrário, dificilmente se reconciliariam. Mas, colocando neste elo de ligação, esclarece-se perfeitamente uma subjacente, mas implícita suposição do arrazoado de Paulo e busca-se provar isto, mostrando que, em nenhuma outra suposição, pode, afinal de contas, entender-se o raciocínio de Paulo. Visto que a passagem de Rm. 5.12-19 é tão importante, examiná- la-emos, a seguir, com mais pormenores. Trataremos principalmente de reproduzir em substância o Comentário de Shedd, embora o tenhamos combinado com notas de Meyer, Schaff, Moule e outros.
EXPOSIÇÃO DE ROMANOS 5.12-19 - Paralelos entre a salvação em Cristo e a ruína que veio através de Adão, em cada caso, sem a intervenção de nenhum ato pessoal da nossa parte, nem na obtenção da nossa salvação por mérito nosso, no caso da vida recebida de Cristo, nem do nosso pecado individual, no caso da morte recebida através de Adão . A proposição do paralelo começa com o
V. 12: "pelo que, como por um homem entrou o pecado no mundo e, pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, por isso que todos pecaram", assim, (podemos completar a sentença interrompida) por um homem a justiça entrou no mundo e a vida pela justiça e assim, a vida passou a todos os homens porque todos tornaram-se participantes de tal justiça. Isto significa tanto a vida física como a espiritual. A física é apresentada 1) com origem no v. 14; 2) na alusão a Qn. 3.19; 3) da suposição universal judaica e cristã de que a morte física resulta do pecado de Adão.
Ver Sb. 2.23,24 - "Deus criou o homem para a incorruptibilidade e o fez ima-

250
Augustus Hopkins Strong
gem da sua própria natureza; é por inveja do diabo que a morte entrou no mundo: prová-la-ão quantos são de seu partido"; Eclesiástico [Sabedoria de Jesus, Filho de Sirac (Ben Sirac)] 25.24 - "Foi pela mulher que começou o pecado, por sua culpa todos morremos"; 2 Ed. 3.7,21; 7.11,46, 118; 9.19 (estes não constam na LXX); as citações dos apócrifos acima foram extraídas da B.J. (Bíblia de Jerusalém); 1 Co. 15.21 - "Porque, assim como a morte veio por um homem, também a ressurreição dos mortos veio por um homem". De Rm. 5.18,21, onde Çcofi se opõe a eótvaxoç e de 2 Tm. 1.10, onde ocorre o mesmo contraste, fica evidente que a morte é espiritual. O ofixcoç no v. 12 apresenta o modo em que historicamente a morte veio a todos; a saber, a morte é o efeito cuja causa é o pecado. Pelo ato de Adão a morte física e a espiritual passaram a todos os homens, porque todos pecaram, ècp' ro = pois, com base no fato de que, em razão de que, todos pecaram. kccvxeç = todos, sem exceção, inclusive as crianças, como ensina o v. 14.
"Hiiaptov menciona a razão particular por que todos morreram, a saber, porque todos pecaram. É o aoristo de uma ação momentânea passada - pecaram quando, através de um, o pecado entrou no mundo. É como se se dissesse: "porque, quando Adão pecou, todos pecaram nele e com ele". Encontra-se a prova disso no contexto explicativo que se segue (15-19), no qual, por mais de cinco vezes sucessivamente reitera-se que um, apenas um pecado causou a morte que incidiu sobre todos. Compare 1 Co. 15.22 - "Porque, assim como todos morrem em Adão, assim todos serão vivificados em Cristo". O sentido de "todos são pecadores", "todos tornaram-se pecaminosos", é admissível, pois ánapxáveiv não é á"i,apxcoXòv yívsaSai ou eívai. O sentido de "a morte passou a todos os homens porque todos, consciente ou pessoalmente, pecaram", contrapõe-se 1) ao v. 14, em que se afirma que certas pessoas que fazem parte dos 7távxeç, sujeito de TÍnapxov, e que sofrem a morte, que é o castigo do pecado, não o cometeram à semelhança do primeiro Adão, isto é, na transgressão individual e consciente; e 2) os vv. 15-19 em que repetidamente se afirma que, não milhões de transgressões, mas só um pecado causou a morte de todos. Este parece o sentido sugerido por è(p' m róvxeç ájxapxávouaiv. Além disso, -rínapxov não tem o sentido de "foram considerados e tratados como pecadores"; porque 1) não há nenhum outro exemplo na Escritura onde este verbo, na voz ativa, tem sentido passivo; e 2) a voz passiva não faz íjuapxov denotar ação humana, mas divina. Isto não justificaria a aplicação da morte, em que Paulo está pensando.
O v. 13 começa demonstrando a proposição, no v. 12, de que a morte vem a todos, porque todos cometeram o pecado do mesmo homem. O argumento é o seguinte: O pecado existiu antes da lei; pois havia morte, que é o castigo do pecado. Mas não se cometeu este pecado contra a lei mosaica porque essa lei ainda não existia. A morte no mundo, antes da lei, prova que deve ter havido alguma outra lei contra a qual se cometeu o pecado.
V. 14. Nem podia ter sido uma violação pessoal e consciente de uma lei não escrita, em cuja base se aplicou a morte; porque a morte passou sobre multidões, do mesmo modo que os infantes e os idiotas, que não cometeram pecado em suas próprias pessoas, como foi o caso de Adão, violando algum mandamento conhecido. Aqui não se mencionam os infantes, porque a intenção é incluir outros que, embora em idade madura, não atingiram a consciência

Teologia Sistemática
251
moral. Mas, porque a morte em todo lugar e em todo tempo é o castigo do cecado, a de todos deve ter sido o castigo do pecado comum na raça, quando róvxeç %uxptov em Adão. A lei que eles violaram foi o estatuto edênico de Gn. 2.17. A relação entre o pecado deles e o de Adão não é a de semelhança, mas de identidade. Se o pecado pelo qual veio a morte sobre eles tivesse sido como o de Adão, teria havido tantos pecados causadores de morte, que a justificam, quantos indivíduos. A morte não teria vindo ao mundo "através de um só homem" (v. 12), mas de milhões de seres humanos e o juízo teria vindo sobre todos para condenação através dos milhões de ofensas e não através de um (v. 18). O objetivo da digressão parentética nos versos 13 e 14 é impedir o leitor de supor, a partir da afirmação de que "todos pecaram", que as transgressões individuais de todos homens significam e tornam claro que só se referem ao primeiro pecado do primeiro homem. Os que morreram antes de Moisés devem ter violado alguma lei. A lei mosaica e a lei da consciência não têm sido incluídas no caso. Por isso, tais pessoas talvez tenham cometido o pecado contra o mandamento edênico, o estatuto da prova; o pecado de tais pessoas não foi semelhante (ó^oícoç) ao de Adão, mas idêntico a ele; em quantidade, exatamente o mesmo pecado "daquele homem". Eles não praticaram pessoal e conscientemente o pecado da mesma forma que Adão o praticou; contudo, em Adão e na natureza comum entre ele e os seus descendentes, eles praticaram (versus Discussões Teológicas em Voga, 5.277,278). Não pecaram à semelhança de Adão, mas em Adão e caíram com Adão na primeira desobediência (Catecismo Maior de Westminter).
Os versos 15-17 mostram como a obra da graça difere da obra do pecado e a ultrapassa. Em contraposição à exata justiça de Deus, punindo todos pelo primeiro pecado que todos cometeram em Adão, coloca-se a justificação gratuita de todos os que estão em Cristo. O pecado de Adão é o seu ato e o da posteridade também; por isso, a atribuição à posteridade é justa e merecida. A obediência de Cristo é obra exclusiva dele; por esse motivo, a atribuição dela aos eleitos é graciosa, imérita. Aqui xo-bç noXXovq não tem extensão igual a oí noXXoí da primeira oração porque outras passagens ensinam que "os muitos" que morrem em Adão não se ligam aos que estão em Cristo; ver 1 Co. 15.22; Mt. 25.46; ver também a nota sobre o verso 18 abaixo. To-bç noXXoòç aqui se refere às mesmas pessoas a respeito das quais se diz, no verso 17, que "recebem a abundância da graça e o dom da justiça". O verso 16 acentua uma diferença entre a condenação e a justificação. A condenação resulta de uma ofensa; a justificação liberta o homem de muitas ofensas. O verso 17 reforça e explica o 16. Se a união em Adão, com seu pecado, por justiça, traz a destruição, a união com Cristo, na sua retidão, é ainda mais justa ao trazer a salvação.
O verso 18 resume o paralelo entre Adão e Cristo iniciado no verso 12, mas interrompido pelos parênteses compreendidos entre os versos 13-17. "Pois assim como por uma ofensa ... sobre todos os homens para a condenação; assim também, por um ato de justiça ... sobre todos os homens para justificação da [necessária à] vida" = xo-bç 7toXX,oúç do verso 15. Em cada caso há uma totalidade; mas daquela expressão "todos os homens" é que deriva a vida física de Adão; desta expressão "todos os homens" deriva sua vida espiritual de Cristo (Compare 1 Co. 15.22 - "Porque, assim como todos morrem

252
Augustus Hopkins Strong
em Adão, assim todos serão vivificados em Cristo" - nesta última oração Paulo fala, como mostra o contexto, não da ressurreição de todos os homens, quer santos quer pecadores, mas somente da ressurreição bendita dos justos; a saber, da dos que são um com Cristo).
Verso 19. "Porque, como, pela desobediência de um só homem, muitos foram feitos pecadores, assim, pela obediência de um, muitos serão feitos justos". Os muitos constituem-se pecadores porque, conforme o verso 12, pecaram em Adão e com ele, em sua queda. O verbo pressupõe o fato da união natural entre aqueles com quem se relaciona. Declaram-se todos pecadores com base em "uma ofensa", porque, quando se cometeu uma ofensa, todos eram um - isto é, eram uma natureza comum no primeiro casal. Atribuiu-se o pecado porque este foi cometido. Todos são castigados com a morte porque, literalmente, pecaram em Adão; não porque se considera terem metafisicamente cometido o pecado, e não o cometeram de fato. Oí toXXoí é empregado em contraste entre um ancestral, e designa-se a expiação de Cristo como í)7icckoti, a fim de contrastá-la com o mxpaKori de Adão.
KaxacxaGriaovxcu tem a mesma significação que na primeira parte do verso. àíkcuoi KaxaaxaGriaovxai significa tão somente "serão justificados", e é empregada em lugar de ôiKauoeítcovxou, a fim de tornar mais perfeita a antítese de á"j.apxcoXoi Kaxeaxa0f"aav. Esta expressão "serão feitos justos" pressupõe o fato de uma união entre ó eiç e oí 710XX0Í, isto é, entre Cristo e os crentes, do mesmo modo que "foram feitos pecadores" pressupõe 0 fato de uma união entre ó stç e oí tioXXoí, i.e., entre os homens e Adão. O futuro KaxaaxaôfiCTovxai refere-se à sucessão de crentes; a justificação de todos já está idealmente completa, mas, na verdade, aguarda os tempos da crença de cada um. "Os muitos" que "serão feitos justos" não correspondem à humanidade toda, mas apenas a "os muitos" a quem, no verso 15, a graça foi abundante e que são descritos, no verso 17, como "os que recebem a abundância da graça e do dom da justiça".
"Mas esta união difere em muitas particularidades importantes da que há entre Adão e a posteridade. Não é natural e substancial, mas moral e espiritual; não é genérica e universal, mas individual e eletiva; não é causada pela ação criadora de Deus, mas por seu ato regenerador. Sem exceção, todos são um em Adão; são um em Cristo somente pela fé. A atribuição do pecado de Adão não é um ato arbitrário no sentido de que, se Deus quis assim, ele podia computar isto na conta de quaisquer seres do universo, apenas por uma vontade. O pecado de Adão não podia ser atribuído aos anjos decaídos, por exemplo, bem como 0 castigo neles, porque eles nunca foram um com Adão por unidade substancial e natural. O fato de que eles cometeram transgressão por atos de sua própria vontade não justifica a atribuição do pecado adâmico a eles, assim como 0 fato de que a posteridade de Adão cometeu transgressão por atos praticados por eles mesmos não é razão suficiente para atribuir-lhes o pecado de Adão. A não ser a união real entre a natureza e 0 ser, nada pode justificar a atribuição do pecado de Adão; e semelhantemente, a obediência de Cristo não pode ser atribuída a um incrédulo, mais do que a um anjo perdido, porque nenhum deles é moral e espiritualmente um com Cristo" (Shedd).

TABELADAS VÁRIAS TEORIAS DAIMPUTAÇÃO
CONDENAÇÃO NÃO HERDADA
CONDENAÇÃO HERDADA

Pelagiana
Arminiano
Nova Escola
Federa
Placcana
Agostiniana
I. Origem da alma
Criação imediata
Criação imediata
Criação imediata
Criação imediata
Criação imediata
Criação mediata
II. Estado do homem no nascimento
Inocente e capaz de obedecer a Deus
Depravado, mas ainda capaz de cooperar com o Espírito
Depravado e vicioso, contudo não este
Depravado, incapaz e condenável
Depravado, incapaz e condenável
Depravado, incapaz e condenável
III. Efeitos do pecado de Adão
Somente sobre si
Corromper sua posteridade fisicamente e intelectualmente. Nenhuma culpa imputada ao pecado de Adão
Transmitir à toda a raça humana o vício
Assegurar a condenação de seus companheiros no pácto, e sua criação como depravada
Ligação natural da depravação a todos os seus descendentes
Culpa do pecado de Adão, corrupção e morte
IV. Como todos pecaram?
Os que seguem ao exemplo de Adão
Conscientemente ratificando os atos de Adão, a despeito do auxílio do Espírito
Transgresão voluntária com conhecimento da Lei
Sendo enumerado pecador no pecado de Adão
Possuindo uma natureza depravada
Tendo parte no pecado de Adão, como o cabeça da raça
V. O que é corrupção
Só do mau hábito em cada caso
Guarda tendências maléficas, a despeito do Espírito
Incondenável mas com tendências más
Condenável com disposição para o mau
Condenável com disposição para o mau
Condenável com disposição para o mau
VI. O que é imputado
Os pecados de todos os homens
Somente os pecados de todos os homens e ratificação desta natureza
Atos de transgressão individuais dos homens
O pecado de Adão, a corrupção humana e os pecados do homem
Só a natureza depravada e os pecados próprios do homem
0 pecado de Adão, nossa depravação, e nossos pecados
VII. () que ií a morte conlrafda?
Espiritual e eterna
Física e espiritual por decretos
Espiritual e eterna apenas
Física, espiritual e eterna
Física, espiritual e eterna
Física, espiritual e eterna
VIII. Qminlos slio salvos?
()s que seguem ao exemplo (le Cristo
Cooperando com o Espírito dado a Iodos
Aceitando a Cristo sob influências da verdade apresentada pelo Espírito
Sendo contado justo através do ato de Cristo
Tornando-se possuidores do uma nova natureza em Cristo
Pela obra de Cristo com quem somos um

254
Augustus Hopkins Strong
II. OBJEÇÕES À DOUTRINA AGOSTINIANA DA ATRIBUIÇÃO
A doutrina da atribuição, à qual chegamos é atacada pelos seus opositores, que apresentam as objeções a seguir. Ao discuti-las, devemos lembrar que uma verdade revelada na Escritura pode apresentar reivindicações à nossa crença, a despeito das dificuldades que nos são insolúveis. Contudo, espera-se que um exame mostre as objeções em questão que se apoiam ou em falsos princípios filosóficos, ou em falsos conceitos da doutrina combatida.
Que não pode haver pecado sem que haja disposições e atos maus antes de haver consciência.
Negamos tal afirmação. A maior parte das disposições e atos maus são imperfeitamente conscientes e não se pode discerni-los. A objeção se apóia na suposição de que a lei se limita a estatutos publicados ou a padrões anteriormente reconhecidos pelos seus cumpridores. Um ponto de vista mais profundo da lei idêntica aos princípios constituintes do ser dispondo a natureza à conformidade com a natureza de Deus, demandando volições justas apenas porque estas são manifestações de um estado de direito, tendo reivindicações sobre os homens em sua capacidade corporativa, tira toda a força desta objeção.
Se o nosso alvo é achar um ato consciente da transgressão na qual se baseia a acusação de culpa e condenação do homem, podemos achar isto mais facilmente no pecado de Adão do que no começo da história pessoal de cada homem; porque nenhum ser humano pode lembrar-se do primeiro pecado. A principal questão é: Todo pecado é pessoal? Reivindicamos que tanto a Escritura como a razão respondem esta pergunta pela negativa. Existe uma coisa que se chama pecado racial e responsabilidade racial.
Que o homem não pode ser responsável por uma natureza pecaminosa que ele pessoalmente não originou.
Replicamos que a objeção ignora o testemunho da consciência e da Escritura. Estas afirmam que somos responsáveis por aquilo que somos. A natureza pecaminosa não é alguma coisa exterior a nós, mas é o íntimo do nosso ser. Se a justiça original do homem e o novo sentimento implantado na regeneração têm caráter moral, então a tendência inata para o mal tem caráter moral; como aqueles são recomendáveis, do mesmo modo também esta o é.
Se se disser que o pecado não é o ato da natureza, mas de uma pessoa, respondemos que, em Adão, toda a natureza humana subsistiu uma vez na forma de pessoalidade simples e o ato da pessoa pode ser ao mesmo tempo

Teologia Sistemática
255
o ato da natureza. O que não pode ser em qualquer ponto subseqüente no tempo, pode ser ou é, naquele tempo. A natureza humana pode cair em Adão, embora tal queda não possa repetir-se no caso de qualquer um dos seus descendentes. Hovey, Outlines, 129 - Diremos que a vontade é a causa do pecado nos seres santos enquanto o desejo errôneo é a causa do pecado nos seres ímpios? É o que Agostinho sustenta". Pepper, Outlines, 112 - "Nenhum de nós cai por si mesmo. Somos assim na provação em Adão, de modo que a sua queda é a nossa".
O pecado de Adão não nos pode ser atribuído visto que não podemos sos arrepender dele.
A objeção só é plausível quando deixamos de distinguir o pecado de Adão como uma interior apostasia da natureza de Deus e o referido pecado como o ato exterior de transgressão que se seguiu e manifestou essa apostasia. Na verdade, não podemos nos arrepender do pecado de Adão como nosso ato pessoal ou como ato pessoal de Adão, mas considerá-lo como apostasia da nossa natureza comum - apostasia essa que se manifesta nas nossas transgressões pessoais como ocorreu com ele, podemos arrepender-nos dela e, na verdade, arrependemo-nos. Na verdade esta natureza é corrupta em si mesma e avessa a Deus, pela qual o cristão se arrepende.
O Deus que conhecemos não fez a nossa natureza como a encontramos. Estamos cônscios da nossa depravação e apostasia de Deus. Sabemos que Deus não pode ser o responsável por isso; que a responsabilidade é da nossa natureza. Mas ela não pode ser, a menos que a corrupção seja a de si mesmo. Por esta natureza corrompida por si mesma devemos arrepender- nos e, na verdade, arrependemo-nos. Anselmo, De Conceptu Virginali, 23 - "Adão pecou num ponto de vista como uma pessoa; em outro como homem (i.e., como natureza humana que, naquele tempo, existia só nele). Mas, visto que Adão e a humanidade são inseparáveis, o pecado de uma pessoa necessariamente afeta a natureza. É esta que Adão transmitiu à posteridade e trans- mitiu-a como o pecado o fez, levando o fardo da dívida que não pôde ser paga, roubada da justiça de que Deus originariamente o investiu; e em cada um dos seus descendentes esta natureza prejudicada faz pecadoras as pessoas. Contudo, não no mesmo grau em que Adão se encontrava, pois este pecou tanto na natureza humana como em pessoa, enquanto a criança recém-nascida peca só por possuir a natureza", - mais resumidamente, em Adão, uma pessoa fez a natureza pecaminosa; na sua posteridade a natureza torna as pessoas pecadoras.
Que, se somos responsáveis pelo primeiro pecado de Adão, também devemos sê-lo não só pelo de Adão, mas pelos dos nossos ancestrais imediatos.
Respondemos que a apostasia da natureza humana pode ocorrer apenas uma vez. Ela ocorreu em Adão antes que ele comesse o fruto proibido e a

256
Augustus Hopkins Strong
revelasse ao comê-lo. Os subseqüentes pecados de Adão e dos nossos ancestrais imediatos não mais são atos que determinam ou mudam a natureza; eles só mostram o que a natureza é. Eis aqui a verdade e a limitação da Escritura que declara que "o filho não levará a maldade do pai" (Ez. 18.20; cf Lc. 13.2,3; Jo. 9.2,3). O homem não responde pelas tendências especificamente más que lhe foram comunicadas pelos seus ascendentes imediatos originadas de tais tendências, mas pela apostasia original que constituiu a única e final revolta da raça para com Deus e pela depravação e desobediência pessoais que, no seu próprio caso advieram dela.
Agostinho, Encheiridion, 46,47, tende para uma atribuição dos pecados dos ancestrais imediatos, mas sugere que, em se tratando da graça, isto pode limitar-se "à terceira e quarta geração" (Ex. 20.5). O pensamento de Tomás de Aquino é que Deus diz isto porque os pais vivem até a terceira e quarta geração da sua descendência e influem neles, pelo exemplo, a voluntariamente tornarem-se como eles. Burgesse, Original Sin, 397, acrescenta a idéia pactuai à da geração natural a fim de evitar a atribuição dos pecados dos ancestrais imediatos do mesmo modo que os de Adão. Shedd também. Mas Baird, Elohim Revealed, 508, dá uma explicação melhor quando estabelece uma distinção entre o primeiro pecado da natureza, que se apostatou e as subseqüentes ações pessoais que manifestam somente a natureza, mas não a mudam. Imagine que Adão permanecesse inocente, mas alguém da sua posteridade caísse. Então os seus descendentes teriam sido culpados pela mudança da sua natureza, mas não pelos pecados que ocorreram nas pessoas que viveram no período entre ele e a posteridade.
Acrescentamos que o homem pode dirigir o curso de uma corrente de lava que flui vulcão abaixo em um canal particular e pode cavar um novo canal montanha abaixo. Mas a correnteza é constante em sua quantidade e qualidade e sofre a mesma influência de gravitação em todos estágios de seu progresso. Sou responsável pela tendência declinante que a minha natureza proporciona ao início; mas não o sou pelas tendências herdadas e as especificamente más como algo separado da natureza, - pois elas não se separam desta - são formas e manifestações dela. Elas terminam após um certo tempo; não com o pecado da natureza. A declaração de Ez. 18.20, "o filho não levará a iniqüidade do pai" como a negação que Cristo fez de que a cegueira se devia aos pecados individuais ou aos dos pais (Jo. 9.2,3) simplesmente mostra que Deus não atribui a nós os pecados dos nossos ancestrais imediatos; o que não é inconsistente com a doutrina de que o mal físico e moral do mundo resulta do pecado de Adão, cujo peso a raça suporta.
As tendências peculiares à avareza ou à sensualidade herdadas de um ancestral imediato são simplesmente rugas na depravação nativa que nada acrescentam à sua soma ou culpa. Shedd, Dogm. Theoi, 2.88,94 - "Herdar um temperamento é herdar um traço secundário". H. B. Smith, System, 296 - "Ez. 18 não nega que os descendentes estejam envolvidos em resultados maus dos pecados ancestrais sob o governo moral de Deus, mas simplesmente mostra que há oportunidade para o deslinde no arrependimento e

Teologia Sistemática
257
obediência". Mosley, Predestination, 179 - "Agostinho diz que as declarações de Ezequiel de que o filho não levará a iniqüidade do pai não são lei universal do procedimento divino, mas somente uma profecia especial alusiva à misericórdia divina sob a dispensação do evangelho e o pacto da graça, sob o qual o efeito do pecado original e o castigo da humanidade por causa do primeiro pai foi removido". Provérbio alemão: "A maçã não cai longe da árvore".
Que, se o pecado e condenação de Adão podem ser nossos por propagação, a justiça e a fé também deveriam sê-lo pelo mesmo processo.
Respondemos que nenhuma qualidade simplesmente pessoal, quer de pecado quer de justiça, comunicam-se por propagação. A geração comum não transmite a culpa pessoal, mas apenas aquela que pertence à espécie toda. Do mesmo modo a fé e a justiça pessoais não se propagam. O pecado original é a conseqüência da natureza do homem, enquanto a graça dos pais é uma excelência pessoal e intransmissível" (BuRGESse).
Thornwell, Selected Writings, 1.543, diz que a doutrina agostiniana implica que Adão, penitente e crente, deve ter gerado filhos penitentes e crentes, vendo que a natureza como se encontra nos pais flui sempre de pai para filho. Porém, ver Fisher, Discussões, 370, onde Tomás de Aquino sustenta que a mesma qualidade ou culpa pessoal se propaga (Tomás de Aquino, 2.629). Anselmo, (De Conceptu Virginali et Originali Pecato, 98), não decidirá a questão. "A natureza original da árvore se propaga - não na natureza do enxerto"
quando se planta a semente vinda do enxerto. Burgesse: "Os pais estudados não transmitem geneticamente o ensino aos filhos, mas estes nascem na mesma ignorância que os outros". Agostinho: "Um judeu circuncidado não gera filhos circuncidados, mas incircuncisos; e a semente que foi semeada sem casca ainda produz cereal com casca".
A recente modificação do darwinismo por Weismann confirma a doutrina do texto. O ponto de vista de Lamarck é que o desenvolvimento de cada raça ocorre através do esforço dos indivíduos; a girafa tem o pescoço longo porque sucessivas girafas buscavam alimento em árvores altas. Darwin sustenta que o desenvolvimento ocorreu não por causa do esforço, mas por causa do ambiente, que mata o inadequado e permite a sobrevivência do adequado; a girafa tem o pescoço longo porque, entre os filhos das girafas, só os de pescoço longo viveram para propagar-se. Weismann, porém, conta-nos agora que, mesmo naquela época, não haveria desenvolvimento, a menos que houvesse uma tendência inata espontânea nas girafas de tomar-se de pescoço longo; nada de valioso depois que a girafa nascia; todos dependem dos genes dos pais. Darwin defende a transmissão dos caracteres adquiridos, de modo que os indivíduos são afluentes da correnteza da humanidade; Weismann, ao contrário, sustenta que os caracteres adquiridos não se transmitem e que os indivíduos são apenas efluentes da humanidade; a correnteza dá suas características aos indivíduos, mas os indivíduos não as dão à correnteza.

258
Augustus Hopkins Strong
Weismann, Heredity, 2.14, 266-270, 482 - "Os caracteres só adquiridos pela operação de circunstâncias externas, agindo durante a vida do indivíduo, não podem ser transmitidos. ... A perda de um dedo não é herdada; o aumento de um órgão através do exercício é uma opção puramente pessoal e não transmitido; nenhuma criança com pais que sabem ler jamais lêem sem serem ensinadas; os filhos nem mesmo aprendem a falar se não forem ensinados". Os cavalos com a cauda cortada, as chinesas com os pés apertados, não transmitem suas peculiaridades. A ruptura do hímen não se transmite. Weismann cortou a cauda de 66 camundongos em 5 sucessivas gerações, mas, dos 901 descendentes, nenhum nasceu sem cauda, C. J. Romanes, Life and Letters, 300 - "Três casos adicionais de gatos que perderam as caudas tendo após gatinhos pitocos". Em seu weismanismo, Romanes escreve: "A verdadeira atitude científica da mente relacionada ao problema da hereditariedade é dizer com Galton: 'Devemos quase reservar a nossa crença em que as células estruturais, afinal de contas, podem reagir em elementos sexuais e podemos estar confiantes em que, na maioria dos casos, elas agem assim em pequeno grau; ou seja, tais modificações adquiridas são aridamen- te, se é que o são, herdadas, no sentido correto da palavra"'. Isto parece classificar Romanes e Galton do lado de Weismann na controvérsia. Contudo, Burbank diz que "os caracteres adquiridos são transmitidos ou nada conheço da vida planejada".
A. H. Bradford, Heredity, 19,20, ilustra os pontos de vista opostos: "A vida humana não é uma correnteza clara que flui das montanhas e recebe em seu variado curso algo em torno de milhões de regatos e riachos na superfície do solo de sorte que não é mais puro que na origem. A este ponto de vista Darwin e Spencer, Weismann e Haeckel opõem o ponto de vista de que a vida humana é mais uma corrente que, vinda das montanhas, flui sob a terra, para o mar e ressurge aqui e ali nas fontes. Algumas são salinas, outras sulfúricas e algumas manchadas de ferro; as diferenças se devem totalmente ao solo rompendo à superfície. A correnteza-mãe e o sal, o enxofre e o ferro abaixo fluem para o mar, substancialmente inalterado. Se Darwin está certo, então devemos mudar os indivíduos para mudar a sua posteridade. Se o correto é Weismann, então devemos mudar o ambiente para que nasçam indivíduos melhores. Porque aquele que é nascido do Espírito é espírito; mas o que é nascido do espírito manchado pelas corrupções da carne ainda está manchado".
A melhor conclusão garantida pela ciência parece ser a de Wallace, Forum, agosto, 1890, isto é, que sempre há uma tendência de transmitir os caracteres adquiridos, mas apenas os que afetam o sangue e o sistema nervoso, como a bebida e a sífilis vencem o hábito do organismo e tornam-se permanentes. Aplicando agora este princípio à conexão entre Adão e a raça, consideramos radical o pecado de Adão, comparado só ao ato de fé que imerge a alma em Cristo. É um afastamento total da luz e amor de Deus e a fixação dos demais nas trevas e morte. Cada ato subseqüente encaminha-se na mesma direção, mas o ato que se manifesta, não altera a natureza. O primeiro ato do pecado priva a natureza de todo apoio e crescimento moral a não ser que o Deus imanente contraponha as tendências inerentes do mal. A posteridade de Adão herda sua natureza corrompida, mas não quaisquer caraterísticas

Teologia Sistemática
259
subseqüentes adquiridas, quer as do primeiro pai, quer as dos ancestrais imediatos.
Bascom, Comp. Psychology, cap VIII - "As modificações, embora grandes, como a discordância artificial, que não se opera na estrutura fisiológica, não se transmitem. Quanto mais conscientes e voluntárias forem as nossas aquisições, menos se transmitem por hereditariedade". Schaler, Interpretation of Nature, 88 - "A hereditariedade e a ação individual podem combinar as suas forças e assim intensificar um ou mais motivos herdados que afetam a forma, e o efeito pode ser transmitido aos descendentes. Deste modo o conflito das heranças pode levar à instituição da variedade. A acumulação dos impulsos pode levar a uma súbita revolução e a espécie pode mudar, não através do ambiente, mas por competição entre a multidão de heranças". Supõe-se que a visitação dos pais nos filhos seja uma doutrina ultrajante até quando ensinada na Escritura. Agora ela é aplaudida vigorosamente, desde que tome o nome de hereditariedade. Dale, Ephesians, 189-"Quando jovens, lutávamos contra certos pecados e os matávamos; eles não nos perturbam mais; mas seus fantasmas parecem surgir dos sepulcros nos distantes anos e revestir- se na carne e sangue dos nossos filhos".
Que, se as conseqüências morais são propriamente uma pena, o pecado, considerado como natureza pecaminosa, deve ser a punição do pecado, considerado como o ato dos nossos primeiros pais.
Porém replicamos que a impropriedade de punir o pecado desaparece quando consideramos que o pecado punido é o nosso, juntamente com aquele pelos quais nós somos punidos. A objeção é válida contra a teoria federal, ou contra a da atribuição Mediata, mas não contra a do encabeçamento natural de Adão. Negar que Deus, através da operação de causas secundárias, pode punir o ato de transgressão com o hábito e tendência que dele resultam é ignorar os fatos da vida diária assim como as afirmações da Escritura em que o pecado é representado como sempre se reproduzindo e, com cada crescente reprodução, sua culpa e castigo (Rm. 6.19; Tg. 1.15).
Rm. 6.19 - "assim como apresentastes os vossos membros para servirem à imundícia e à maldade para a maldade, assim apresentai agora os vossos membros para servirem à justiça para santificação"; Ef. 4.22 - "que se corrompem pelas concupiscências do engano"; Tg. 1.15 - "Depois, havendo a concupiscência concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, sendo consumado, gera a morte"; 2 Tm. 3.13 - "homens maus e enganadores irão de mal a pior, enganando e sendo enganados". VerMEYER sobre Rm. 1.24 - "Pelo que também Deus os entregou às concupiscências do seu coração é à imundícia". Todos efeitos voltam às causas. Schiller: "Esta é a própria maldição dos maus atos, Que do novo mal torna-se a semente". Whiton, Is Etemal Punishment Endless, 52 - "O castigo do pecado consiste essencialmente na expansão mais ampla e mais forte da doença da alma. Rm. 5.22 - 'Quanto ao ímpio, as suas iniqüidades o prenderão'. O hábito de pecar prende o ímpio

260
Augustus Hopkins Strong
'com as cordas do pecado'. O pecado é por si mesmo perpetuador. O pecador gravita em torno de um mal cada vez maior, numa queda cada vez mais profunda". O menor dos nossos pecados tem em si o poder de expansão infinita; deixado ao léu da sua sorte alagaria o mundo com a miséria e destruição.
Sabedoria 11.16- "para que compreendessem que no pecado está o castigo". Shakespeare, Ricardo II, 5.5 "Gastei o tempo e agora o tempo me gasta"; Péricles, 1.1- "Eu sei que um pecado provoca outro; o assassino está pronto a cobiçar como a chama a fumegar"; Rei Lear, 5.3 - "Os deuses são justos e, do nosso prazer os vícios fazem instrumentos para torturar-nos". "O Fausto de Marlowe tipifica a contínua degradação de uma alma que renunciou o seu ideal e atração de um vício pelo outro, pois vão de mão em mão como as Horas" (James Russel Lowell). Sra. Humphrey Ward, David Grieve, 410 - Além de tudo, não há muita esperança quando a voracidade se volta para um homem idoso especialmente após o intervalo de alguns anos".
Que a doutrina exclui toda a provação de indivíduos separados desde Adão, fazendo da sua vida moral uma simples manifestação de tendência recebidas dele.
Respondemos que a objeção leva em conta apenas a nossa conexão com a raça e ignora o complementar e importante fato da vontade pessoal de cada ser humano. Que a vontade pessoal faz mais do que simplesmente expressar a natureza; ela pode, até certo ponto, reprimir a natureza, ou pode, por outro lado, acrescentar o caráter pecaminoso e a influência de si mesma. A saber, há um resquício de liberdade, que abre espaço para a provação pessoal além do pecado da raça em Adão.
Kreibig, Versohnungslehre, objeta ao ponto de vista de Agostinho que, se o pecado pessoai procede do original, a única coisa de que os homens são culpados é o pecado de Adão; todo pecado subseqüente é um desenvolvimento espontâneo; a vontade individual só pode manifestar seu caráter inato. Mas retrucamos que esta é uma representação de Agostinho. Ele não perde de vista as lembranças da liberdade do homem (ver na página 620 a afirmação do ponto de vista de Agostinho e, na seção seguinte, sobre a Capacidade 640-644). Ele diz que a árvore corrompida pode produzir os maus frutos da moralidade, embora não o fruto da graça divina. Não é verdade que a vontade, de um modo absoluto, é como o caráter. Embora este seja o mais seguro indicador do que podem ser as decisões da vontade, ele não é infalível.
O primeiro pecado de Adão e os pecados do homem após a regeneração, provam isto. Embora estas decisões sejam excepcionais, irregulares e espontâneas, não deixam de ser atos da vontade e mostram que o agente não se prende aos motivos, nem ao caráter.
Eis aqui a nossa resposta à questão se não é pecado propagar a raça e produzir filhos. Cada filho tem uma vontade pessoal que pode ter a sua própria provação e oportunidade de libertação. Denney, Studies in Theology, 87-99 - "Pode-se dizer que aquilo que herdamos fixa nossas provações, mas

Teologia Sistemática
261
não o nosso destino. Pertencemos a Deus do mesmo modo que ao passado". "Todas as almas são minhas"(Ez. 18.4). "todo aquele que é da verdade ouve a minha voz" (Jo. 18.37) Thomas Fuiler: "1. Roboão gerou a Abias, isto é, um mau pai gerou um mau filho; 2. Abias gerou Asa, isto é, um mau pai gerou um bom filho; 3. Asa gerou a Josafá, isto é, um bom pai gerou um bom filho;
4. Josafá gerou a Jorão, isto é, um bom pai gerou um mau filho. Com isso vejo que os pais piedosos não podem ser copiados; eis uma péssima notícia para mim. Vejo, porém, que a verdadeira impiedade nem sempre é hereditária; eis uma boa notícia para o meu filho". Butcher, Aspects of Greek Genius, 121 - Entre os gregos "o ponto de vista popular é que se herda a culpa; isto é, que os filhos são punidos pelos pecados dos pais. O ponto de vista de Ésquilo bem como o de Sófocles é que a tendência para a culpa é sempre herdada, o que não anula a liberdade do homem. Por isso, se os filhos são castigados, isto ocorre por causa dos seus próprios pecados. Mas Sófocles encara a verdade de que o filho inocente pode sofrer pelos pecados dos pais".
Julius Müller, Doctrine of Sin, 2.316 - "A teoria orgânica do pecado simplesmente conduz ao naturalismo, que põe em risco não só a doutrina do juízo final, mas, de um modo geral, a da imortalidade pessoal". Por isso, devemos começar a pregação com o conhecido e reconhecido pecado do homem. Devemos dar a mesma ênfase escriturística na conexão entre nós e Adão, a fim de explicar o problema das tendências pecaminosas universais e inveteradas, visando a reforçar a nossa necessidade de salvação da ruína comum e ilustrar a nossa conexão com Cristo. A Escritura não faz, e não necessitamos fazer nossa a responsabilidade pelo pecado de Adão, o grande tema da nossa prédica.
Que a unidade orgânica da raça na transgressão é coisa tão distante da experiência comum que a sua pregação neutraliza todos apelos da consciência.
Qualquer que seja a verdade existente nesta objeção, deve-se à natureza por si mesma isolante do pecado. Os homens sentem a unidade da família, da profissão, da nação a que pertencem, e, na mesma proporção o sopro da sua simpatia e da experiência da graça divina, fazê-los entrar no sentimento de Cristo sobre a unidade da raça (cf. Is. 6.5; Lm 3.39-45; Ed. 9.6; Ne. 1.6). O fato de que a auto-restrição e busca de si mesmo são reconhecidas como responsáveis só pelos seus atos pessoais não deve impedir a nossa pressão sobre a atenção dos homens mais do que a busca de padrões das Escrituras. Só assim pode o cristão encontrar uma solução para o tenebroso problema da corrupção inata ainda que condenável; só assim o irregenerado será levado ao pleno conhecimento da profundidade da sua ruína e da sua dependência absoluta de Deus para a salvação.
Identificação do indivíduo com a nação ou com a raça: Is. 6.5 - "Ai de mim, que vou perecendo; porque sou um homem de lábios impuros e habito

262
Augustus Hopkins Strong
no meio de um povo de impuros lábios"; Lm 3.42 - "Nós prevaricamos e fomos rebeldes"; Ed. 9.6 - "Estou confuso e envergonhado para levantar a ti a minha face, meu Deus, porque as minhas iniqüidades se multiplicam sobre a minha cabeça"; Ne. 1.6 - "faço confissão pelos pecados dos filhos de Israel ... também eu e a casa de meu pai pecamos". Do mesmo modo Deus castiga Israel pelo pecado do orgulho de Davi; assim também os pecados de Rubem, Acã, Geazi são visitados nos seus filhos e descendentes.
H. B. Smith, System, 296, 297 - "Sob o governo moral de Deus o homem pode, com justiça, sofrer por causa dos pecados de outro. Uma relação orgânica dos homens é considerada no grande juízo de Deus na história.... Existe o mal que vem sobre os indivíduos, não como castigos pelos seus próprios pecados, mas como sofrimento que vem sobre o governo moral. ... Jr. 32.18 reforça a declaração do segundo mandamento, de que Deus visita a iniqüidade dos pais nos filhos. Pode-se dizer que tudo isto são simples 'conseqüências' das relações familiares, ou tribais, ou nacionais, ou raciais - 'o mal se toma cósmico em razão do estreitamento das relações que originariamente se adaptaram para fazer o bem cósmico; mas, então, o plano de Deus deve encontrar-se nas conseqüências - plano este administrado por um ser moral, sobre seres morais, conforme as considerações e fins morais; e, se isto for levado plenamente em conta, a disputa quanto as 'conseqüências' e 'castigo' torna-se simplesmente verbal.
Há uma consciência comum bem acima da particular. Ela controla os indivíduos quando aparecem as grandes crises como no caso da queda de Fort Sumter convocando o povo para a defesa da União e Proclamação da Emancipação ao repicar dos sinos pela morte da escravidão. Coleridge dizia que o pecado original é um mistério que esclarece as coisas. Bradford, Heredity, 34, cita Elam, Physician's Problems, 5 - "Um vício adquirido e habitual não deixará seu traço sobre um ou mais descendentes, quer em sua forma original, quer estritamente aliada. O hábito do pai se toma o impulso total, mas irresistível do filho; a tendência orgânica é estimulada ao máximo e a força da vontade e da consciência proporcionalmente se enfraquece. ... Assim visitam-se os pecados dos pais nos filhos".
Pascal: "É surpreendente que o mistério mais distante do nosso conhecimento - quero dizer, a transmissão do pecado original - seja aquele sem o qual não temos o verdadeiro conhecimento de nós mesmos. Neste abismo é que gira e vacila a chave da nossa condição a ponto de o homem tornar-se mais incompreensível sem mais mistério do que o próprio mistério seja incompreensível ao homem". Contudo, a perplexidade de Pascal se deve em grande parte à defesa da posição agostiniana de que o pecado herdado é danoso e produz a morte eterna, apesar de que não sustenta a posição coordenada agostiniana de uma existência primária e um ato da espécie em Adão. O atomismo é egoísta. Os mais puros e mais nobres sentem mais fortemente que a humanidade não se assemelha a um amontoado de grãos de areia ou a uma fileira de tijolos postos numa extremidade, mas é uma unidade orgânica. É isto que o cristão sente pela família e pela igreja. É isso que Cristo, no Getsêmani, sentiu pela raça. Se se disser que a tendência do ponto de vista agostiniano é diminuir o senso de culpa dos pecados pessoais, respondemos que somente aqueles que reconhecem os pecados arraigados em um pecado

Teologia Sistemática
263
podem reconhecer, com propriedade, o mal deles mesmos. Para tais pessoas eles são apenas sintomas de tão profunda e universal apostasia de Deus que nada, a não ser a graça infinita, pode livrar-nos dela.
I) Que uma constituição através da qual o pecado de um indivíduo envolve na culpa e condenação a natureza de todos os homens que dele descendem contraria a justiça de Deus.
Reconhecemos que nenhuma teoria humana pode esclarecer plenamente o mistério da atribuição. Mas preferimos deixar a justiça mais do que a soberania na decisão de Deus. As considerações a seguir, embora parcialmente hipotéticas, podem lançar luz sobre a matéria: a) A provação da nossa natureza comum em Adão, como era sem pecado e com pleno conhecimento da lei de Deus, é mais consistente com a justiça divina do que uma provação separada de cada indivíduo, com inexperiência, depravação inata, mau exemplo, tudo favorecendo uma decisão contra Deus. b) Uma constituição que possibilitou uma queda pode ter sido indispensável a qualquer provisão de uma salvação,
A nossa oportunidade de salvação pela graça é melhor do que teria sido a ausência de pecado dos Adãos sem lei. d) A constituição que permitiu a unidade com o primeiro Adão na transgressão não pode ser injusta, visto que um mesmo princípio da unidade com Cristo, o segundo Adão, nos assegura a salvação. e) Há também uma união física e natural com Cristo que antedata a queda e que é incidente à criação do homem. A imanência de Cristo na humanidade garante um contínuo esforço divino para remediar o desastre causado pela livre vontade do homem e restaurar a união moral com Deus que a raça perdeu com a queda.
Deste modo, a nossa a ruína e nossa redenção igualmente se operaram sem os nossos atos pessoais. Como toda a vida natural da humanidade estava em Adão, do mesmo modo toda a vida espiritual da humanidade estava em Cristo. Como a nossa velha natureza estava corrompida em Adão e se propagou a nós através da geração física, assim a nossa nova natureza foi restaurada em Cristo e comunicou-se a nós através da obra regeneradora do Espírito Santo. Se, então somos justificados por estarmos em Cristo, de igual modo podemos ser condenados por estarmos em Adão.
Stearns, N. Eng., janeiro, 1882.95 - "O silêncio da Escritura sobre a conexão exata entre o primeiro e grande pecado e os pecados dos milhões de indivíduos que têm vivido desde aquela época, nem a ciência, nem a filosofia têm sido capazes de dar uma explicação satisfatória. Separe a dupla natureza do homem em sociedade ou individualmente. A lei científica da hereditariedade produziu uma nova ocorrência da doutrina que os antigos teólogos procuravam expressar sob o nome de pecado original, - termo que tinha um

264
Augustus Hopkins Strong
sentido como o utilizado inicialmente por Agostinho, mas impropriamente aplicado, se aceitarmos qualquer outra teoria que não seja esta".
O Dr. Hovey reivindica que o ponto de vista agostiniano desmorona quando aplicado à conexão entre a justificação dos crentes e a justiça de Cristo; porque os crentes não estavam em Cristo, na substância das suas almas, ao operar a redenção deles. Entretanto, respondemos que a vida de Cristo, que nos torna cristãos, é a mesma que fez a expiação na cruz e ressuscitou da sepultura para a nossa justificação. O paralelo entre Adão e Cristo tem analogia com a natureza, não com a identidade. Há uma conexão da vida física com Adão; uma espiritual com Cristo.
Stahl, Philosophie des Rechts, citada no Comentário de Olshausen sobre Rm. 5.12-21 - "Adão é a matéria original da humanidade; Cristo é a sua idéia original em Deus; ambos pessoalmente vivos. O homem é um neles. Por isso, o pecado de Adão tornou-se o pecado de todos. Cada folha de uma árvore pode estar verde ou seca; mas cada uma sofre pela doença da raiz e só se recupera através da sua cura. Quanto menor é o homem muito mais isolada lhe aparecerá cada coisa; pois, na superfície, tudo está separado. Ele verá na humanidade, na nação, e não só, mas na família, meros indivíduos onde o ato de um não tem conexão com o do outro. Quanto mais profundo o homem, mais estas relações interiores da unidade procedentes do próprio centro operam-se violentamente sobre ele. Sim, o amor ao nosso próximo nada é a não ser um profundo sentimento de unidade; porque nós só amamos aquele por quem sentimos e reconhecemos ser um conosco. O que o amor cristão ao nosso próximo é para o coração a unidade da raça é para o entendimento. Se não é possível o pecado através de um e a redenção através de um, então a ordem de amar o nosso próximo é também incompreensível. A ética cristã e a fé cristã são, por isso, na verdade, indissoluvelmente unidas. O cristianismo efetua na história um avanço semelhante ao do reino animal, revelando a unidade essencial do homem cujo conhecimento no mundo antigo se desvanecera quando as nações se separaram".
Se os pecados dos pais não foram visitados nos filhos, nem as virtudes o poderiam ser; a possibilidade de uns envolve a das outras. Se a culpa do nosso primeiro pai não pode ser transmitida a todos que dele derivaram a sua vida, a justificação da parte de Cristo não poderia ser transmitida a todos que dele também derivaram sua vida. Contudo, não vemos qualquer trecho bíblico garantir a teoria de que todos homens são justificados do pecado original em virtude da sua conexão com Cristo. Aquele que é a vida de todos os homens concede as múltiplas bênçãos temporais com base na sua expiação. Mas a justificação do pecado condiciona-se à consciente rendição da vontade humana e confiança na misericórdia divina. O Cristo imanente está sempre estimulando o indivíduo e a coletividade a tal decisão. Mas a aceitação ou rejeição da graça oferecida cabe à livre vontade do homem. Este princípio capacita-nos a avaliar com propriedade o ponto de vista do Dr. Henry E. Robins a seguir.
H. E. Robins, Harmony of Ethics With Theol., 51 - "Todos os nascidos de Adão acham-se em tal relação com Cristo que a salvação é direito inato sob promessa - direito esse que só se perde por ato inteligente pessoal e moral, como foi o caso de Esaú". O Dr. Robins defende a justificação incompleta de

Teologia Sistemática
265
todos - que se realiza e se completa só quando a alma se inclui no oferecimento de Cristo ao pecador. Preferimos dizer que, a humanidade, em Cristo, é idealmente justificada porque o próprio Cristo se justifica, mas o homem individualmente só é justificado quando conscientemente se apropria da graça oferecida ou se entrega ao Espírito renovador. Allen, Jonathan Edwards,
312 - "A graça de Deus é tão orgânica em sua relação com o homem como o mal com a natureza. A graça também reina onde quer que reine a justiça". William Ashmore, New Trial of the Sinner, Revista Cristã, 26.245-264 - "Há um evangelho na natureza comensurado com a lei da natureza; Rm. 3.22 - 'para todos e sobre todos os que crêem'; o primeiro 'todos' é ilimitado; o segundo limita-se aos que crêem".
R. W. Dale, Ephesians, 180 - "As nossas fortunas identificam-se com as de Cristo; no pensamento e propósito divinos somos inseparáveis dele.
Se tivéssemos sido verazes e leais à idéia divina, a energia da justiça de Cristo ter-nos-ia elevado às sucessivas alturas da bondade e alegria até que ascendêssemos desta vida terrena às maiores forças e mais elevados serviços e mais ricos prazeres de outros mundos mais divinais; e ainda por um período áureo de desenvolvimento intelectual, ético e espiritual após outro devemos continuar a subir rumo à perfeição infinita e transcendente de Cristo. Entretanto, pecamos; e como a união entre Cristo e nós não poderia ser rompida sem a derrota final e irrevogável do propósito divino, Cristo seria trazido dos serenos céus abaixo, à confusa e perturbadora vida da nossa raça, à dor, à tentação, à cruz, à sepultura e, deste modo, o ministério da sua expiação por nossos pecados estaria consumado".
SEÇÃO VI - CONSEQÜÊNCIAS DO PECADO DE ADÃO À POSTERIDADE
Como resultado da transgressão de Adão, toda a posteridade nasceu no mesmo estado em que ele estava quando caiu. Porém, como a lei é uma exigência integral de harmonia com Deus, todas conseqüências morais provindas da transgressão devem ser consideradas como sanções da lei ou expressões do desagrado divino através das coisas que ele estabeleceu. Algumas dessas conseqüências, contudo, são reconhecidas antes que outras e são de menor escopo; é bom considerar como sanções da lei três aspectos: depravação, culpa e pena.
I. DEPRAVAÇÃO
É a falta de retidão original, por um lado, ou santo sentimento para com Deus e, por outro lado, a corrupção moral, ou inclinação para o mal. Tem-se demonstrado fartamente, em nossa consideração sobre o pecado, tanto a partir das Escrituras como da razão que tal depravação existe.

266
Augustus Hopkins Strong
A salvação é dupla: libertação do mal - a pena e o poder do pecado; e o cumprimento do bem - semelhança com Deus e realização da verdadeira idéia da humanidade. Tudo isso ela inclui tanto em favor da raça como do indivíduo: remoção das barreiras que separam os homens uns dos outros; e o aperfeiçoamento da sociedade na comunhão com Deus; ou seja, o reino de Deus na terra. Essa era a natureza do homem quando, a princípio, veio das mãos de Deus, para temer, amar e confiar em Deus acima de todas as coisas. Perdeu-se esta inclinação para Deus; o pecado alterou e corrompeu a mais íntima natureza do homem. Em lugar da inclinação para Deus há uma temerosa inclinação para o mal. A depravação tanto é negativa - ausência do amor e da semelhança moral com Deus - como positiva - a presença das múltiplas tendências para o mal. Duas perguntas chamam a nossa atenção:
A depravação é total ou parcial?
As Escrituras representam a natureza humana como totalmente depravada. A expressão "depravação total", contudo, é passível de falsa interpretação, e não deve ser usada sem qualquer explicação. A depravação total da humanidade universal:
Negativamente, - não significa que cada pecador é: à) destituído de consciência; pois a existência de fortes impulsos para o certo, e o remorso pelo erro mostram que a consciência está freqüentemente aguçada; b) desprovido de todas qualidades agradáveis ao homem e úteis quando julgadas segundo os padrões humanos; pois a existência de tais qualidades é reconhecida por Cristo; c) inclinação para toda sorte de pecado; pois certas formas de pecado excluem outras; d) o seu mais intenso egoísmo e oposição a Deus; porque ele se toma pior a cada dia.
Jo. 8.9 - "Quando ouviram isso, saíram um a um a começar pelos mais velhos até os últimos (embora Jo. 7.53-8.11 não seja escrito por João é uma narrativa perfeitamente verdadeira que vem da era apostólica). Os músculos das pernas de uma rã morta contraem-se quando uma corrente elétrica passa por eles. Assim a alma morta sentirá o toque da mão divina. A consciência natural, combinada com o princípio do amor próprio, pode ajudar a escolher o bem, embora não tenha o amor a Deus como escolha. Bengel: "Perdemos a semelhança a Deus ; mas, apesar de tudo, permanece uma indelével nobreza que devemos venerar tanto em nós como nos outros. Continuamos a ser humanos de conformidade com aquela semelhança, através da bênção divina com que a vontade do homem está comprometida. Esquecem-se disso os que falam mal da natureza humana. Absalão absteve-se da graça do seu pai; mas o povo, com tudo isso, reconheceu nele o filho do rei".
Mc. 10.21 - "E Jesus, olhando para ele, o amou". Estas mesmas qualidades, contudo, podem mostrar que os que as possuem estão pecando

Teologia Sistemática
267
contra a grande luz e são mais culpados; cf. Ml. 1.6 - "O filho honrará o pai e o servo a seu senhor; e, se eu sou Pai, onde está a minha honra? e, se eu sou senhor, onde está o meu temor?" John Caird, Fund. Ideas of Chrístianity, 2.75
"Aquele que afirma a depravação total da natureza humana, da cegueira e incapacidade absolutas pressupõe em si e nos outros a presença de um critério ou princípio de bem, em virtude do qual discerne em si o que é totalmente mau; contudo, a própria proposição de que a natureza humana é totalmente má seria ininteligível senão falsa. ... A consciência do pecado é um sinal negativo de que a possibilidade se tornará real". Um templo em ruínas pode ter belos fragmentos de colunas flauteadas, mas não é uma habitação apropriada ao deus para cujo louvor foi construído.
Mt. 23.23 - "dais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho e desprezais o mais importante da lei, o juízo, a misericórdia e a fé; deveis, porém, fazer estas coisas e não omitir aquelas"; Rm. 2.14,15 - "quando os Gentios, que não têm lei, fazem naturalmente as coisas que são da lei, não tendo eles lei, para si mesmos são lei, os quais mostram a obra da lei escrita nos corações, testificando juntamente a sua consciência". O pecado da avareza pode excluir o da luxúria; o pecado do orgulho pode excluir o da sensualidade. Shakespeare, Otelo, 2.3 - "Aprouve ao diabo que a bebedeira abrisse espaço à ira diabólica". Franklin Carter, Life of Mark Hopkins, 321-323 - O Dr. Hopkins não pensava que os filhos de Deus eram descritos simultaneamente como vermes, porcos, ou víboras. Contudo, digo que o homem pode imergir numa degradação inferior à do bruto: "Nenhum bruto é mais capaz de se rebelar contra Deus do que de servi-lo; é mais capaz de afundar abaixo do nível da sua própria natureza do que surgir ao nível do homem. Nenhum bruto pode ser um tolo ou um demônio. ... Do mesmo modo em que o pecado e a corrupção entram no reino espiritual, encontramos uma das analogias ocor- rentes nas formas inferiores do ser, as quais mostram a unidade de todo o sistema. Toda desintegração e corrupção da matéria acham-se sob domínio de uma lei inferior sobre a mais elevada. O corpo começa a voltar aos seus elementos naturais e as forças físicas começam a ganhar ascendência sobre a força mais elevada da vida. Do mesmo modo, todo pecado e corrupção do homem vem da submissão a uma lei inferior ou princípio de ação oposto às demandas de um ser mais elevado".
Gn. 15.16 - "a medida da injustiça dos amorreus ainda não está cheia'; 2Tm. 3.13-"mas os homens maus e enganadores irão de mal a pior". Depravação não significa simplesmente privação do bem. Depravação (de + pra- vus, torto, perverso) é mais do que privação. O homem, deixado ao seu destino, tende a decair e o seu pecado aumenta dia a dia. Porém há uma influência divina que desperta a consciência e acende a aspiração às coisas melhores. O Cristo imanente é "a luz que alumia a todo homem" (Jo. 1.9). Prof. V,'~ Adams Brown: "Até onde o Espírito de Deus opera entre os homens e eles recebem 'a luz que alumia a todo homem' devemos qualificar nossa afirmação da depravação total. A depravação não é tanto um estado como uma tendência. Com a crescente complexidade da vida, o pecado se toma mais complexo. O pecado de Adão não é o pior. 'Haverá menos rigor para os de Sodoma no Dia do Juízo do que para ti' (Mt. 11.24)".

268
Augustus Hopkins Strong
Contudo, os homens não estão na condição dos demônios. Só aqui e ali eles atingiram "um desinteressado amor pelo mal". Tais homens são poucos e não nasceram assim. Há graus de depravação. E. G. Robinson: "Ainda há uma boa faixa deixada com o diabo". Satanás mesmo se tomará pior do que é agora. A expressão "depravação total" só se refere às relações com Deus e significa incapacidade de fazer qualquer que seja, à vista de Deus, um ato de bondade. Nenhum ato que não provenha de um verdadeiro coração e constitua uma expressão deste é totalmente bom. Contudo, não temos o direito de dizer que todos atos do irregenerado desagradam a Deus. Os atos corretos de motivos corretos são bons, quer praticados por um cristão, quer por alguém que não tem o coração regenerado. Tais atos, contudo, são sempre assistidos por Deus e, graças a eles, são devidos a Deus e não àquele que os praticou.
Positivamente: - cada pecador é: a) totalmente destituído daquele amor a Deus que constitui a exigência fundamental e toda abrangente da lei;
carregado de sentimento inferior ou um desejo que ultrapasse a consideração por Deus e sua lei; c) supremamente determinado em sua preferência do eu em relação a Deus, quer na vida interior, quer na exterior; ã) possuído de uma aversão para com Deus a qual, apesar de às vezes latente, torna-se inimizade ativa, tão logo a vontade de Deus entra em conflito com a do próprio pecador; é) desordenada e corrompida em cada faculdade, através desta substituição do egoísmo pela afeição suprema para com Deus; f) não credor de nenhum pensamento, emoção ou ato que a santidade divina pode aprovar; g) sujeito a uma lei de progresso constante na depravação e não tem nenhuma energia recuperadora que o capacite a ser bem sucedido em resistir.
a) Jo. 5.42 -"mas bem vos conheço, que não tendes em vós o amor de Deus", b) 2 Tm. 3.4 - "mais amigos dos deleites do que amigos de Deus"; cf. Ml. 3.4 - "O filho honrará o pai e o servo a seu senhor; e, se eu sou Pai, onde está a minha honra? E, se eu sou Senhor, onde está o meu temor?"
2 Tm. 3.2 - "amantes de si mesmos", d) Rm. 8.7 - "a inclinação da carne é inimizade contra Deus", e) Ef. 4.18 - "entenebrecidos no entendimento ... pela dureza do seu coração"; Tt. 1.15 - "o seu entendimento e consciência estão contaminados"; 2 Co. 7.1 - "imundícia da carne e do espírito"; Hb. 3.12
"um coração mau e infiel", f) Rm. 3.9 - "estão debaixo do pecado"; 7.18 - "em mim, isto é, em minha carne não habita bem algum".gf) Rm. 7.18 - "o querer está em mim; mas não consigo realizar o bem"; 23 - "vejo nos meus membros outra lei que batalha contra a lei do meu entendimento e me prende debaixo da lei do pecado que está em meus membros".
Cada pecador preferiria uma lei mais branda e uma administração diferente. Mas qualquer que não ama a lei de Deus, na verdade, não ama a Deus. O pecador procura garantir seus próprios interesses mais do que os de Deus. Mesmo os assim chamados atos religiosos ele pratica, preferindo o seu próprio bem à glória de Deus. Ele desobedece e sempre desobe

Teologia Sistemática
269
deceu à fundamental lei do amor. É como um comboio ferroviário na descida, cujos freios Deus deve aplicar, ou ocorrerá a destruição certa. Há paixões latentes em cada coração, as quais, se deixadas soltas, acarretarão a maldição sobre o mundo. Muitos homens que escaparam do incêndio do Teatro Iraquois em Chicago, provaram-se brutos ou demônios pisoteando os fugazes que clamavam por misericórdia. Denney, Studies in Theol., 83 - "A depravação que o pecado produziu na natureza humana estende-se a toda ela. Não há nenhuma parte da natureza humana que não seja afetada por ela. A natureza do homem é uma peça inteira e aquilo que a afeta, afinal de contas, afeta o todo. Quando a desobediência à vontade de Deus viola a consciência, o entendimento moral é obscurecido e a vontade enfraquecida. Não somos construídos em compartimentos estanques, dos quais, um pode ser arruinado enquanto os outros permanecem intactos". Contudo, contra a depravação total devemos opor a redenção total; contra o pecado original, a graça original. Cristo está em cada coração humano mitigando os efeitos do pecado, estimulando o arrependimento, e "pode também salvar perfeitamente os que por ele se chegam a Deus" (Hb. 7.25). Até mesmo o pagão, não regenerado, pode "despojar-se ... do velho homem" (Ef. 4.22,24), sendo liberto "do corpo desta morte ... por Jesus Cristo, nosso Senhor" (Rm. 7.24,25).
B. Smith, System, 277 - "Depravação total nunca significa que os homens são tão maus quanto possam ser; nem que, em condições naturais, eles não tenham qualidades cordiais; nem que não tenham virtudes num sentido limitado (Justitia civilis). Mas que 1) a depravação, ou condição pecaminosa do homem, infecta-o todo: intelecto, sentimento, coração e vontade; 2) em cada pessoa não renovada ressalta algum sentimento inferior; e 3) cada um é destituído do amor a Deus. Sobre estas posições: quanto
à força da depravação sobre o homem todo, já demos a prova da Escritura; quanto 2) ao fato de que em cada homem não renovado ressalta algum sentimento inferior e pode-se apelar para a experiência; os homens sabem que o principal sentimento se fixa em algum bem inferior - intelecto, coração e vontade caminham juntos; ou que predomina alguma forma de egoísmo - emprega-se este em sentido genérico - o eu busca sua felicidade em algum objeto inferior, atribuindo-lhe um supremo sentimento; quanto ao 3) toda pessoa não renovada é desprovida do supremo amor a Deus, é o ponto da maior força e deve ser estimulado com o mais poderoso efeito ressaltando a profundidade e a 'totalidade' do pecado do homem: os não renovados não têm o supremo amor de Deus, que é a substância do primeiro mandamento.
Capacidade, ou incapacidade?
Em oposição à plena capacidade ensinada pelos pelagianos, à graciosa capacidade dos arminianos e à capacidade natural dos teólogos da Nova Escola, as Escrituras declaram a total incapacidade de o pecador voltar-se para Deus ou fazer o que é verdadeiramente bom aos olhos de Deus (ver abaixo aprova da Escritura). Também uma concepção própria da lei leva-nos à conclusão de

270
Augustus Hopkins Strong
que nenhum homem cujas forças estão diminuídas, ou pelo pecado original, ou pela ação pecaminosa pode elevar-se àquele padrão perfeito. O pecador pode a) evitar o pecado contra o Espírito Santo; b) optar pelo pecado menor em vez do maior; c) recusar-se à submissão a certas tentações; ã) praticar certos atos externos, embora por motivos imperfeitos; é) buscar a Deus por interesses próprios.
Mas, por outro lado, o pecador não pode d) por sua simples vontade conformar o seu caráter e vida com a lei de Deus; b) mudar a sua preferência fundamental para com o eu e para com o pecado pelo supremo amor a Deus; nem c) praticar qualquer ato, embora insignificante, que encontre a plena aprovação ou resposta às exigências da lei.
Até onde há estágios do intelecto, sentimento e vontade que o homem não pode por qualquer força da vontade, ou da escolha contrária que há nele, sujeitar-se a Deus, não se pode dizer que ele possui o mínimo de capacidade suficiente por si para a vontade de Deus; e, se se buscar uma base para a responsabilidade e culpa do homem, encontrar-se-á, mas na sua capacidade original, em Adão, vinda das mãos do seu Criador.
A atual capacidade do homem é natural, o que significa inata; não adquirida pela nossa ação pessoal, mas congênita. Contudo, não é natural, como resultante das limitações originais da natureza humana, ou da subseqüente perda de qualquer faculdade essencial a essa natureza. A natureza humana, no princípio, na criação, era dotada da capacidade de guardar perfeitamente a lei de Deus. Mesmo depois do pecado, o homem não perdeu suas faculdades essenciais do intelecto, sentimento ou vontade. Tais faculdades se enfraqueceram, embora sejam atualmente incapazes de agir na medida normal de suas forças. Porém, mais especificamente, o homem tornou cada faculdade uma inclinação ausente de Deus, a qual o torna moralmente incapaz de tributar obediência espiritual. A incapacidade para o bem, que agora carateriza a natureza humana, resulta do pecado e ela mesma é pecado.
Por isso, entendemos tratar-se de uma incapacidade natural e moral; moral porque tem sua fonte na própria corrupção da natureza moral do homem e na fundamental aversão à vontade de Deus; - natural, inata, causadora da paralisia parcial de todas as forças naturais do intelecto, do sentimento, da consciência e da vontade. O homem é responsável pela incapacidade nestes dois aspectos.
O pecador não pode fazer uma coisa importante, a saber: atender à vontade divina. SI. 119.59 - "Considerei os meus caminhos e voltei os meus pés para os teus testemunhos". W. Northrup: "O pecador pode buscar a Deus: a) por amor próprio, considerando os seus próprios interesses; b) por sentimento de dever, senso de obrigação, do despertar da consciência; c) por gratidão pelas bênçãos já recebidas; d) pela aspiração ao infinito e satisfatório". Denney, Studies of Theology, 85 - "Um espirituoso moralista francês disse que Deus não precisa ter inveja dos seus inimigos mesmo naquilo que eles chamam de virtude; nem os ministros de Deus.... Mas há uma coisa que

Teologia Sistemática
271
o homem não pode fazer sozinho: harmonizar o seu estado com a sua natureza. Quando se tiver descoberto que o homem, sem Cristo, tem sido capaz de reconciliar-se com Deus e dominar o mundo e o pecado, então a doutrina da incapacidade, ou da escravidão devida ao pecado pode ser negada; então, mas só então". A Igreja Escocesa Livre, no ato declaratório de 1892, diz "que, sustentando e ensinando, conforme a Confissão de Fé, a corrupção da natureza toda decaída, esta igreja ainda sustenta que permanecem sinais da sua grandeza criada à semelhança de Deus; que possui um conhecimento de Deus e do dever; que é responsável pela concordância com a moral e com o evangelho; e que, embora incapaz, sem o auxílio do Espírito Santo, de voltar-se para Deus, é capaz de sentimentos e ações que, por si mesmos, são virtuosos e dignos de louvor".
Quanto ao uso da expressão "capacidade natural" para designar mera posse de todas faculdades constituintes da natureza humana do pecador, objetamos com base nos seguintes pontos:
Falta quantitativa. - A expressão "capacidade natural" é falsa porque parece implicar que a existência de meros poderes do intelecto, do sentimento e da vontade é qualificação quantitativa suficiente para a obediência à lei de Deus enquanto tais forças têm sido diminuídas pelo pecado e são naturalmente incapazes ao invés de naturalmente capazes de tributar a Deus o talento a princípio outorgado. Mesmo que a direção moral das faculdades do homem fossem normais, o efeito do pecado hereditário e do pessoal tomariam naturalmente impossível aquela grande semelhança para com Deus que a lei da perfeição absoluta demanda. Portanto, o homem não tem a capacidade perfeitamente natural de obedecer a Deus. Ele a teve em certa ocasião, mas perdeu- a com o primeiro pecado.
Quando Jean Paul Richter diz de si mesmo: "Tenho feito de mim mesmo tudo que se pode fazer de pouca valia", evidencia uma complacência de si mesmo que se deve à sua própria ignorância e falta de discernimento moral. Quando o homem realiza a extensão das demandas da lei, vê que, sem o auxílio divino, é impossível a obediência. John B. Gough representa os confirmados esforços do ébrio na reforma de um homem que escala o Monte Etna em incandescente lava ou como o remador nas Cataratas do Niágara.
Falta qualitativa. - Visto que a lei de Deus requer do homem não tanto simples volições retas como a conformidade para com Deus no seu total estado interior dos sentimentos e vontade, o poder da escolha contrária nas simples volições não constitui uma capacidade natural de obedecer a Deus, a menos que o homem possa, por aquelas simples volições, mudar o subjacente estado dos sentimentos e da vontade. Mas o homem não possui tal poder. Visto que Deus julga todos atos morais em conexão com o estado geral do

272
Augustus Hopkins Strong
coração e da vida, a capacidade natural para o bem envolve não só o pleno complemento das faculdades, mas também uma tendência dos sentimentos e da vontade para com Deus. Sem esta tendência não há, de modo algum, a possibilidade da prática de ação moral correta e, onde não há tal possibilidade, não pode haver tal capacidade quer natural, quer moral.
Wilkinson, Epic of Paul, 21 - "O ódio assemelha-se ao amor, Em que, só por ser o que é, desenvolve-se, Usurpando, por fim, totalmente o homem, e vertiginosamente desenvolve-se como um pólipo. John Caird, Fund. Ideas, 1.53 - "O ideal é a revelação de uma força em mim mais poderosa que a minha. O mandamento supremo 'faze' e o pronunciamento diferente apenas na forma da mesma voz do espírito que diz 'podes'; e as minhas mais elevadas realizações alcançam-se, não por auto-afirmação, mas por auto-renúncia e auto-rendição à infinita vida da verdade e da justiça que há em mim e reina em mim". A consciente incapacidade de alguém, juntamente com o recebimento do "poder que Deus dá" (1 Pe. 4.11) é o segredo da coragem de Paulo;
2 Co. 12.10 - "quando estou fraco, então sou forte"; Fp. 2.12,13 - "operai a vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é quem opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade".
Não se conhece tal capacidade. - Em adição ao argumento psicológico já mencionado, podemos apresentar outro a partir da experiência e da observação. Estes testificam que o homem reconhece a inexistência de tal capacidade. Visto que ninguém, pelo exercício das forças naturais, jamais se voltou para Deus ou praticou ato verdadeiramente bom aos olhos de Deus, a existência de uma capacidade natural de fazer o bem é pura suposição. Não há nenhuma garantia científica para inferir a existência de uma capacidade que nunca se manifestou em um só exemplo desde o início da história.
"Salomão não podia conservar na memória os Provérbios; por isso os escreveu". O livro de Provérbios necessita da explicação complementar do Novo Testamento sobre a ausência do auxílio e do oferecimento deste;
Jo. 15.15 - "sem mim nada podeis fazer"; 6.37 - "o que vem a mim de maneira nenhuma lançarei fora". A incapacidade do paralítico andar é bem diferente da sua indisposição de aceitar um remédio. Ele não pode escalar o penhasco, mas, se se descer uma corda, pode ser içado desde que consinta que o amarrem. Darling, Presb. Fleview, julho, 1901. 505 - "Se recebemos ordens, podemos estender o braço ressequido; mas Deus não requer isto a alguém que não o tenha. Podemos 'ouvir a voz do Filho de Deus' e 'viver' (Jo. 5.25), mas não podemos tirar da sepultura faculdades que não possuímos antes da morte".
O mal prático da crença. - O mal prático, assistindo à pregação da capacidade natural, fornece um forte argumento contra ela. As Escrituras, em

Teolooia Sistemática
273
suas declarações sobre a incapacidade e desesperança do pecador, apontam para a dependência exclusiva de Deus para a salvação. A doutrina da capacidade natural, assegurando-lhe que ele é capaz de arrepender-se imediatamente e voltar-se para Deus, estimula o adiamento, colocando a salvação sempre ao seu alcance. Se uma simples vontade garante-a, ele poderá ser salvo tão facilmente amanhã como pode hoje. A doutrina da incapacidade pressiona o homem à imediata aceitação das ofertas de Deus, para que não perca o dia da graça.
Os que se preocupam mais com o eu são aqueles em quem o eu se torna inteiramente submisso e escravizado às influências exteriores. Mt. 16.25 - "aquele que quiser salvar a sua vida perdê-la-á". O egoísta é uma palha na superfície de um riacho corrente. Cada vez mais torna-se vítima das circunstâncias até que, por fim, não tem mais liberdade que o bruto. SI. 49.20 - "O homem que está em honra e não tem entendimento é semelhante aos animais, que perecem".
Repitamos, contudo, que a negação de toda incapacidade humana, quer natural, quer moral, de voltar-se para Deus ou de fazer o que é verdadeiramente bom aos olhos de Deus, não implica em negar o poder humano de ordenar a sua vida externa em muitos particulares de conformidade com as regras morais, ou mesmo alcançar o louvor dos homens pela sua virtude. O homem tem ainda uma grande liberdade de, em certa extensão limitada, agir, sobre a sua própria natureza, e modificá-la por vontade isolada exteriormente conformada com a lei de Deus. Ele pode escolher formas mais ou menos elevadas de ações egoísticas e perseguir estes cursos escolhidos com variados graus de energia. A liberdade de escolha, dentro destes limites, de modo algum é incompatível com a servidão completa da vontade às coisas espirituais.
Jo. 1.13 - "não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus"; 6.44 - "ninguém pode vir a mim, se o Pai, que me enviou, não o trouxer"; 3.5 - "aquele que não nascer da água e do Espírito não pode entrar no reino de Deus"; 8.34 - "todo aquele que comete pecado é servo do pecado"; 15.4,5 - "a vara, de si mesma, não pode dar fruto ... sem mim nada podeis fazer"; Rm. 7.18 - "em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum; o querer está em mim, mas não consigo realizar o bem"; 24 - "miserável homem que eu sou! Quem me livrará do corpo desta morte?" 8.7,8 - "a inclinação da carne é inimizade contra Deus; pois não é sujeita à lei de Deus"; 1 Co. 2.14 - "o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura e ele não pode entendê-las porque elas se discernem espiritualmente"; 2 Co. 3.5 - "não que sejamos capazes por nós de pensar alguma coisa como de nós mesmos; mas a nossa capacidade vem de Deus"; Ef. 2.1 - "mortos em ofensas e pecados";

274
Augustus Hopkins Strong
8-10 - "pela graça sois salvos por meio da fé e isto não vem de vós; é dom de Deus; não vem das obras para que ninguém se glorie. Porque somos feitura sua, criados em Cristo para as boas obras"; Hb. 11.6 - "sem fé é impossível agradar-lhe".
O imperativo categórico do dever de Kant, expresso nos termos: "Devo, por isso posso", é reminiscência do conhecimento da liberdade do homem original - da qual ele é dotado, e que agora se acha destruída pelo pecado. Ou pode ser a coragem da alma em que Deus opera novamente por seu Espírito. Ao "Ich soll, also ich kann" (Devo, por isso posso) de Kant, Julius Müller substituiria: "Ich sollte freilich kõnnen, aber ich kann nicht" - "Na verdade, devo ser capaz, mas não o sou". Verdadeiramente o homem se arrepende quando aprende que o seu pecado o fez incapaz de arrepender-se sem a graça de Deus. Emerson, em seu poema intitulado "Voluntariedade" diz: "Tão perto está a magnitude do nosso pó, tão perto está Deus do homem, quando o dever lhe murmura grandiosamente aos ouvidos Tu deves, A juventude responde, Eu posso". Mas sem a graça especial, toda a capacidade que o homem possui é inteiramente insuficiente para cumprir as demandas da lei de Deus. A lei paterna e a civil implicam certo tipo de poder. A teologia puritana denominava o homem de "livre entre os mortos" (SI. 88.5, V.A.). Há uma enorme liberdade dentro da escravidão; a vontade é "uma gota de água presa dentro de um cristal sólido" (Oliver Wendell Holmes). O homem que a si mesmo se mata é tão morto como se o tivesse sido por outrem (Shedd, Dogmatic Theology, 2.106).
Confissão de Westminster, 9.3 - "Por causa da sua queda em um estado de pecado, o homem perdeu totalmente a sua capacidade de querer qualquer bem espiritual que acompanha a salvação; assim também, como natural, avesso ao bem e morto no pecado, ele é incapaz, por sua própria força, de conver- ter-se ou preparar-se para isso". Hopkins, Works, 1.233-235 - "Enquanto dura a oposição do coração do pecador e a sua vontade, ele não pode chegar-se a Cristo. É impossível, e o continuará sendo, até que uma mudança e renovação do coração através da graça divina removem a falta de vontade e oposição e ele passe a desejá-la no dia do poder de Deus". Hopkins fala da total incapacidade de obedecer a lei de Deus, isto é, impossibilidade total".
Hodge, System of Theology, 2.257-277 - "A incapacidade não consiste na perda de qualquer faculdade da alma, nem na perda da livre atuação, porque o pecador determina os seus próprios atos, nem na simples distinção do que é bom. Isto surge da falta de discernimento e, conseqüentemente, da falta dos sentimentos próprios. A incapacidade pertence só às coisas do Espírito. O que o homem não pode fazer é arrepender-se, crer e regenerar-se a si mesmo. Ele não pode praticar qualquer ato que mereça a aprovação de Deus. O pecado anula tudo o que o homem faz e este não pode livrar-se dele. A distinção entre a capacidade natural e moral não tem sentido. Podemos dizer que o inculto entende e aprecia a llíada porque tem todas faculdades que tem um erudito? Podemos dizer que o homem pode amar a Deus se quiser? Isto é falso se vontade significa erudição. É um truísmo se significar apenas afeição. As Escrituras nunca tratam o homem desta forma e dizem que ele tem poder para fazer o que Deus requer. É perigoso ensinar isto porque enquanto o homem não sentir sua impossibilidade de fazer o que quer

Teologia Sistemática
275
que seja, Deus nunca salva. A incapacidade envolve a doutrina do pecado original; envolve a necessidade da influência do Espírito na regeneração.
A incapacidade é inconsistente com a obrigação quando ela surge do pecado e é removida pela remoção deste
Shedd, Dogm. Theol., 2.213-257, Sermons in South Church, 33-39 - "A origem desta desesperança não está na criação, mas no pecado. Deus pode confiar-nos os dez talentos, ou os cinco que originariamente nos confiou, juntamente com um diligente e fiel desenvolvimento deles. Porque o servo perdeu os talentos, está livre da obrigação de devolvê-los com interesse?
O pecado contém em si o elemento de servidão. No próprio ato de transgredir a lei de Deus, há uma ação reflexa da vontade humana sobre si mesma e, em vista disso, menos capaz de guardar a lei do que anteriormente. O pecado é um ato suicida da vontade humana. Cometer o erro destrói a força de praticar o que é correto. A depravação total traz consigo a fraqueza total. A faculdade do querer arruinou-se interiormente; talvez torne incapaz para a santidade por sua própria ação; pode entregar-se ao apetite e ao egoísmo com tal intensidade e avidez que se torna incapaz de converter-se e dominar a sua inclinação para o erro". Ver Stevenson, Dr. Jekill e Dr. Hyde, - Andover Review, junho, 1886.664. Podemos nos associar à vida de um outro - quer mau, quer bom; podemos quase transformar-nos em Satã ou em Cristo, como diz Paulo em Gl. 2.20 - "vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim"; ou ser um valido do "espírito que opera nos filhos da desobediência" (Ef. 2.2). Mas se nos entregamos à influência de Satã, a recuperação da nossa verdadeira personalidade torna-se mais difícil e, por fim, impossível.
CULPA
Natureza da culpa
Culpa é o merecimento de punição, ou obrigação de tributar satisfação à justiça de Deus pela deliberada violação da lei. Há uma reação da santidade contra o pecado que a Escritura denomina "a ira de Deus" (Rm. 1.18). Pecado é, em nós, ato ou estado; a justiça punitiva de Deus é sobre todo pecador como algo a ser temido; a culpa é uma relação do pecador com tal justiça, a saber, o merecimento de punição do pecador.
A culpa se relaciona com o pecado como o ponto incandescente com a fogueira. Schiller, Die Braut von Messina (A noiva de Messina): Das Leben ist der Güter hõchstes nicht; Der Uebel grõsstes aber ist die Schuld" - "A vida não é a mais elevada posse; mas o maior dos males é a culpa". Delitzsch: "Die Schamrõthe ist die Abendrõthe der unter gegangenen Sonne der ursprünglichen Gerechtigkeit" — "O rubor da vergonha é o rubor do cair da tarde depois que o sol da retidão original desceu". E. G. Robinson:
"As angústias da consciência não surgem do medo do castigo; elas é que são o castigo".

276
Augustus Hopkins Strong
As seguintes notas servem tanto para prova como para explicação:
A culpa incorre só através da transgressão, ou por parte da natureza do homem, ou da pessoa. Só somos culpados do pecado que temos originado ou de cuja origem temos participado. Culpa não é, portanto, mera propensão ao castigo, sem participar na transgressão do castigo que se inflige; em outras palavras, no governo divino não há algo como a culpa construtiva. Somos culpados só por aquilo que fizemos, ou em nossos primeiros pais e pelo que somos em conseqüência de tais feitos.
Ez. 18.20 - "o filho não levará a maldade do pai" =, como diz Calvino (Com. in loco)\ "O filho não levará a iniqüidade do pai, porque ele receberá a sua devida recompensa e levará o seu próprio fardo. ... Todos são culpados de suas próprias faltas. ... Cada um perece por sua própria iniqüidade".
A saber, toda a raça caiu em Adão e todos são punidos por seus próprios pecados, não pelos dos ancestrais imediatos, nem pelo pecado de Adão como pessoa estranha a nós. Jo. 9.3 - "Nem ele pecou, nem seus pais" (para que ele nascesse cego) = Não atribua a qualquer pecado especial mais tardio o que é conseqüência do pecado da raça - este "trouxe ao mundo a morte e o nosso sofrimento". Shedd, Dogm. Theol., 2.195-213.
A culpa é o resultado objetivo do pecado e não deve ser confundida com a poluição subjetiva, ou depravação. Todo pecado, quer natural, quer pessoal, é ofensa contra Deus (Sl. 51.4-6), ato ou estado de oposição à vontade dele, tem seu efeito na ira pessoal de Deus (Sl. 7.11; João 3.18,36) e deve ser expiado, ou pela punição ou pela expiação (Hb. 9.22). Diferentemente da pureza divina, o pecado não só envolve poluição, mas também, em antagonismo com a santa vontade de Deus, envolve culpa. Esta culpa, ou obrigação de satisfazer a ultrajada santidade de Deus, se explica no N.T. com os termos "devedor' e "dívida" (Mt. 6.12; Lc. 13.4; Mt. 5.21; Rm. 3.19; 6.23; Ef. 2.3). Visto que a culpa, resultado objetivo do pecado, é inteiramente distinta da depravação, resultado subjetivo, a natureza humana pode, como em Cristo, ter culpa sem depravação (2 Co. 5.21), ou pode, como no crente, ter a depravação sem a culpa (1 João 1.7,8).
Sl. 51.4-6 - "Contra ti, contra ti somente pequei, e fiz o que a teus olhos é mal para que sejas justificado quando falares e puro quando julgares"; 7.11 - "Deus é um juiz justo, um Deus que se ira todos os dias"; Jo. 3.18 - "quem não crê já está condenado"; 36 - "aquele que não crê no Filho não verá a vida, mas a ira de Deus sobre ele permanece"; Hb. 9.22 - "sem derramamento de sangue não há remissão"; Mt. 6.12 - "dívidas"; Lc. 13.4 - "devedores";
Mt. 5.21 - "será réu de juízo'; Rm. 3.19 - "todo o mundo seja condenável diante de Deus"; 6.23 - "o salário do pecado é a morte" = a morte é o merecimento do pecado; Ef. 2.3 - "por natureza filhos da ira"; 2 Co. 5.21 - "Àquele

Teologia Sistemática
277
que não conheceu pecado o fez pecado por nós"; 1 Jo. 1.7,8 - "O sangue de Jesus Cristo, seu Filho, nos purifica de todo pecado. Se dissermos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos e não há verdade em nós".
O pecado traz em seu rasto não só a depravação, mas a culpa, não só a macula, mas reatus. A Escritura apresenta a poluição do pecado através dos símiles de "uma gaiola de pássaros impuros" e das "feridas, escoriações e chagas putrefatas"; através da lepra e da impureza levítica, sob a velha dis- pensação; através da morte e corrupção da sepultura sob os velhos e os novos. Mas a Escritura apresenta a culpa do pecado, com igual vivacidade, no temor de Caim e no remorso de Judas. A reação de Deus relativa ao pecado e a sua demanda pela satisfação refletem-se na vergonha e no remorso de cada consciência despertada. Há um sentimento instintivo no coração do pecador de que o pecado será punido e deve sê-lo. Mas o Espírito Santo torna a necessidade de reparação tão profundamente sentida que a alma não se tranqüiliza enquanto a sua dívida não for paga. O membro que ofende a igreja e que é verdadeiramente penitente ama a lei e a igreja que o exclui e não pensa que é fiel se, na verdade não é. Assim Jesus, quando carregado com a culpa da raça, foi pressionado para a cruz, dizendo: "Importa que eu seja batizado com um certo batismo e como me angustio até que venha a cumprir-se!" (Mc. 10.32; Lc. 12.50).
Todo pecado envolve culpa e a alma pecadora por si demanda castigo, de sorte que todos, finalmente, irão para o lugar onde desejam estar. Todos os grandes mestres da literatura têm reconhecido isto. Esta inesgotável sede por reparação constitui a própria essência da tragédia. Os trágicos gregos estão plenos disso e Shakespeare é o seu mais impressionante mestre: Medida por Medida, 5.1 - "Lamento causar-vos tanta pena. Meu coração está tão cheio de remorsos que bem mais desejo a morte do que o perdão. Eu a mereço e a imploro". Outros escritores mais tarde seguiram Shakespeare.
Tais cenas não se limitam às páginas do romance. Num recente julgamento em Siracusa, o conde, assassino da esposa, agradeceu ao júri porque convenceu-o; declarou justo o veredicto; pediu que ninguém interviesse para obstar a decisão da justiça; declarou que a maior bênção que lhe podia ser conferida é deixá-lo sofrer a punição do crime. Em Platsburgo, no fim de outro julgamento em que o acusado era um vivo convicto que golpeou com um machado um convicto colega, o júri, após uma ausência de duas horas, veio pedir ao juiz que explicasse a diferença entre homicídio de primeiro e segundo grau. De súbito o prisioneiro levantou-se e disse: "Este não é um homicídio de segundo grau. Foi deliberado e premeditado. Eu sei que errei, que devo confessar a verdade, e que devo ser enforcado". Isto não deixou ao júri outra senão decisão votar o veredicto e o juiz sentenciou a forca conforme ele confessou que merecia. Em 1891, Lars Ostendahl, o mais famoso pregador da Noruega, surpreendeu os seus ouvintes ao confessar de público que tinha sido culpado de imoralidade e que não poderia mais continuar no pastorado. Pediu ao povo, pelo amor de Cristo, que lhe perdoasse e não abandonasse aquele pobre em seu asilo. Ele não só era pregador, mas também o chefe de uma grande obra filantrópica.
Tal é o movimento e tal é a demanda da consciência iluminada. A falta de convicção de que o crime deve ser punido é um dos sinais mais certos da

278
Augustus Hopkins Strong
decadência moral quer no indivíduo, quer na nação (Sl. 97.10 - "Vós, que amais ao Senhor, aborrecei o mal"; 149.6 - "Estejam na vossa garganta os altos louvores de Deus e espada de dois fios nas suas mãos" - para executar o juízo de Deus sobre a iniqüidade).
Tal relação do pecado para com Deus mostra-nos como Cristo "foi feito pecado por nós" (2 Co. 5.21). Porque Cristo é Deus imanente, ele é, também, em essência, a humanidade, o homem universal, a vida da raça. Todos os nervos e sensibilidades da humanidade encontram-se nele. Ele é o cérebro central para o qual e pelo qual devem passar todas idéias. Ele é o centro cardíaco para o qual e pelo qual devem comunicar-se todas as dores. Você não pode telefonar ao seu amigo sem antes entrar em contato com a central telefônica (O autor escreveu esta nota quando os telefones dependiam da telefonista [nota do tradutor]). Você não pode ofender o seu próximo sem primeiro ofender a Cristo. Cada um de nós pode dizer-lhe: "Contra ti, contra ti somente pequei" (Sl. 51.4). Por causa da sua humanidade central e auto- inclusiva Cristo pode sentir todas angústias da vergonha e o sofrimento que, com justiça, pertencem aos pecadores, os quais, entretanto, não podem sentir, porque o seu pecado embruteceu-os e os mortificou. Se, na verdade, o Messias é um ser humano, deve ser um Messias que sofre. Em razão da sua própria humanidade ele deve ter em sua própria pessoa toda a culpa da humanidade e ser o "Cordeiro de Deus que" toma e assim "tira o pecado do mundo" (Jo. 1.29).
A culpa e a depravação não se distinguem apenas no pensamento; elas também são discerníveis nos fatos. O assassino convicto pode arrepender-se e tornar-se puro, embora possa ainda estar sob a obrigação de sofrer a punição do seu crime. O crente está livre da culpa (Rm. 8.1), mas não está livre da sua depravação (Rm. 7.23). Por outro lado, Cristo estava sob a obrigação de sofrer (Lc. 24.26; At. 3.18; 26.23), conquanto está sem pecado (Hb. 7.26). No livro intitulado Pensamentos Religiosos Modernos, 3-29, R. J. Campbell apresenta um ensaio sobre A Expiação, com o qual, independentemente do ponto de vista quanto à origem do mal moral em Deus, em substância concordamos. Ele sustenta que "para livrar o homem do seu senso de culpa, é necessária a expiação objetiva"; diríamos nós: para livrar o homem da culpa em si - obrigação de sofrer. "Se Cristo é o Filho eterno de Deus, esse lado da natureza divina que continuou na criação, se ele contém a humanidade e está presente em cada item e ato da experiência humana, então está associado à existência do mal primordial. ... Ele, e só ele pode separar o vínculo entre o homem e sua responsabilidade pelo pecado pessoal. Cristo não pecou no homem, mas tomou a responsabilidade da experiência do mal em que a humanidade nasceu, e aquilo que constitui pecado. Por isso, o Filho eterno em quem a humanidade está contida sofre desde que a criação começou. Esta misteriosa paixão de Deus deve continuar até que se consuma a redenção e a humanidade seja restaurada para Deus. Assim, sente-se cada conseqüência do mal humano na experiência de Cristo. Ele não só assume a culpa, mas leva o castigo de cada alma humana". Contudo, reivindicamos que a necessidade deste sofrimento acha-se, não nas necessidades do homem, mas na santidade de Deus.

Teolooia Sistemática
279
Contudo, a culpa como resultado objetivo, não deve confundir-se com a consciência subjetiva da culpa (Lv. 5.17). Na condenação da consciência, a condenação de Deus se manifesta parcialmente e de modo profético (1 João 3.20). Porém a culpa é primeiramente uma relação com Deus e, em segundo lugar, uma relação com a consciência. O progresso no pecado é marcado pela diminuição da sensibilidade do "insight" moral e do sentimento. Como "o maior dos pecados é não estar consciente de nada", assim a culpa pode ser grande na proporção da ausência da sua consciência (Sl. 19.12; 51.6; Ef. 4.18,19
à7irt^yr"KÓT£Ç). Não há nenhuma evidência, contudo, de que a voz da consciência pode ser completa ou finalmente silenciada. O tempo para o arrependimento pode passar, mas o tempo para o remorso não. O progresso na santidade, por outro lado, é marcado por crescente apreensão da profundeza e extensão da nossa pecaminosidade, conquanto esteja combinada, em uma experiência cristã normal, com a certeza de que a culpa dos nossos pecados foi tirada por Cristo (João 1.29).
Lv. 5.17 - "E, se alguma pessoa pecar, e fizer contra algum de todos os mandamentos do Senhor o que se não deve fazer, ainda que o não soubesse, contudo, ela será culpada e levará a sua iniqüidade"; 1 Jo. 3.20 - "se o nosso coração nos condena, maior é Deus do que o nosso coração e conhece todas as coisas"; Sl. 19.12 - "Quem pode entender os seus próprios erros? Expurga-me tu dos que me são ocultos"; 51.6 - "Eis que amas a verdade no íntimo, e no oculto fazes conhecer a sabedoria"; Ef. 4.18,19 - "entenebrecidos no entendimento ... havendo perdido todo o sentimento"; Jo. 1.29 - "Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo".
Platão, Republic, 1.330 - Quando a morte se aproxima, despertam-se os cuidados e apreensões, especialmente o temor do inferno e seus castigos". Cícero, De Divinitate, 1.30 - "Daí vem o remorso pelas más ações". Pérsio, Sátira 3 - "Seu vício o entorpece; sua fibra se torna gorda; ele não tem consciência de falta aiguma; não sabe que perda ele sofre; está de tal forma mergulhado que não há nem mesmo uma bolha na superfície". Shakespeare, Hamlet, 3.1 - "Assim a consciência faz-nos a nós todos covardes"; 4.5 - "Para a minha alma doentia, como é a verdadeira natureza do pecado, cada brinquedo parece o prólogo de algum grande mal; A culpa é tão cheia de ciúme sem arte, que se derrama no medo do derramamento; Ricardo III, 5.3 - "Ó consciência covarde, como tu me afliges! ... Minha consciência tem mil diversificadas línguas e cada uma traz consigo um diversificado conto, E cada conto me condena por uma vilania"; Tempestade, 3.3 - "Todos os três estão desesperados; a grande culpa deles, Como veneno dado para fazer efeito muito tempo depois, Faz agora morder os espíritos"; Antônio e Cleópatra, 3.9
"Quando nós, em nosso vício (ó miséria), nos tornamos mais duros, os sábios deuses vendem os nossos olhos; Em nossa imundícia destilam nossos claros julgamentos; fazem-nos Adorar os nossos erros; riem-se de nós, enquanto nos envaidecemos da nossa confusão".

280
Augustus Hopkins Strong
Dr. Shedd disse uma vez a uma classe de jovens graduandos em teologia: "Queria que sobre o coração nu, palpitante de cada um de vocês pudesse haver um rubro carvão incandescente da ira do Deus Onipotente"! Sim, acrescentamos, desde que tal rubro carvão incandescente pudesse ser apagado por uma rubra gota do expiatório sangue de Cristo. O Dr. H. E. Robins: "Para o pecador convicto um inferno simplesmente exterior seria uma chama refrescante, comparada com a agonia do seu remorso". John Milton representa Satanás dizendo: "Qualquer lugar para onde vôo é inferno; eu mesmo sou um inferno". James Martineau, Jackson's Life, 190 - "Faz parte da essência do culpado o declínio que aplica o seu próprio anestésico". Mas esta mortificação da consciência não pode durar para sempre. A consciência é um espelho da santidade de Deus. Podemos cobrir o espelho com o véu das diversões e enganos deste mundo. Removido o véu e refletida a consciência novamente como a solar pureza das demandas de Deus, somos visitados pela auto-relutância e pelo queixume de nós mesmos. John Caird, Fund. Ideas, 2.25 - "Embora possa lançar fora todos vestígios da sua origem divina, nossa natureza retém ao menos uma terrível prerrogativa, fazer-se presa de si mesma". Lyttelton, LuxMundi, 277 -"Afalácia comum de que um pecador auto-indulgente não é inimigo de outrem, mas de si mesmo, na verdade, envolveria mais uma inferência de que tal pecador não se sentiria culpado".
Se alguém não gosta da doutrina da culpa, lembre-se de que sem a ira de modo nenhum há perdão, sem culpa não há perdão.
Graus de culpa
As Escrituras reconhecem diferentes graus de culpa atribuídos a diferentes tipos de pecados. A variedade de sacrifícios sob a lei mosaica e a variedade de adjudicações no juízo explicam-se com base nesse princípio.
Lc. 12.47,48 - "será castigado com muitos açoites ... com poucos açoites será castigado"; Rm. 2.6 - "o qual recompensará a cada um segundo as suas obras". Ver também Jo. 19.11 - "aquele que me entregou a ti maior pecado tem"; Hb. 2.2,3 - "se toda transgressão recebe a justa retribuição, como escaparemos nós, se não atentarmos para tão grande salvação?" 10.28,29 - "Que- brantando alguém a lei de Moisés, morre sem misericórdia pela palavra de duas ou três testemunhas. De quanto maior castigo cuidais vós será julgado merecedor aquele que pisar o Filho de Deus?"
A casuística, contudo, tem traçado muitas distinções que não têm fundamento escriturístico. Tal é a distinção entre pecado venal e pecado mortal na Igreja Católica Romana: mortais, os pecados não perdoados. Também a distinção entre os pecados de omissão e os de comissão não procede visto que toda omissão é ato de comissão.
Mt. 25.45 - "quando não o fizeste a um destes pequeninos"; Tg. 4.17 - "Aquele, pois, que sabe fazer o bem e não o faz comete pecado". John Ruskin:

Teologia Sistemática
281
"A condenação dada no Trono do Juízo - descrita mais solenemente - refere- se a tudo o que não é feito e não ao que é feito. Há pessoas que têm medo de praticar o que é errado; mas se, energicamente estão fazendo o contrário, eles o fazem todo dia, não importa em que grau". A Igreja Católica Romana age na suposição de que ela pode determinar a malignidade de cada ofensa e atribuir, no confessionário, a penitência adequada. Thornwell, Theology, 1.424-441, diz que "todos pecados são veniais, exceto um - porque há um pecado contra o Espírito Santo", embora "nenhum seja em si mesmo venial porque, por menor que seja, procede de um estado e de uma natureza de apostasia". Veremos, contudo, que o obstáculo para o perdão, no caso do pecado contra o Espírito Santo, é mais subjetivo que objetivo.
J. Spencer Kennard: "O Catolicismo Romano na Itália apresenta o espetáculo dos representantes autoritários e os próprios mestres de moral e religião que vivem em toda forma de engano, corrupção e tirania; e, por outro lado, discriminam os pecados veniais dos pecados mortais, classificando como veniais a mentira, a fraude, a fornicação, a infidelidade conjugal e até mesmo o homicídio; tudo isso pode ser expiado e perdoado ou mesmo permitido mediante um simples pagamento financeiro; ao mesmo tempo classifica como mortais o desrespeito e a desobediência à igreja".
As Escrituras indicam as seguintes distinções envolvendo diferentes graus de culpa:
Pecado de natureza e transgressão pessoal.
O pecado de natureza envolve culpa, embora seja maior a culpa quando este pecado da natureza se reafirma na transgressão pessoal; pois, conquanto esta inclua em si aquela, também acrescenta àquela um novo elemento, a saber, o exercício consciente da vontade individual e pessoal em virtude do qual se faz uma nova decisão contra Deus, induz-se um mau hábito especial e a condição total da alma se toma mais depravada. Apesar de termos dado ênfase à culpa do pecado congênito, porque esta verdade é mais contestada, convém lembrar que o homem chega a uma convicção de sua depravação nativa só através de uma convicção de suas transgressões pessoais. Por esta razão, a maior parte da nossa pregação sobre o pecado deve consistir em aplicações da lei de Deus aos atos e disposições da vida do homem.
Mt. 18-9.14 - "dos tais é o reino dos céus" - com relação à inocência das crianças; 23.32 - "encheis a medida dos vossos pais" = transgressão pessoal acrescida da depravação herdada. Quando pregamos, devemos primeiro tratar das transgressões individuais, e depois, do pecado do coração e do racial.
O homem não é um desenvolvimento espontâneo total de tendências inatas, que são a manifestação do pecado original. Os motivos não determinam, mas persuadem a vontade. Todo homem é culpado das transgressões pessoais conscientes que, com o auxílio do Espírito Santo, podem ser levados ao juízo condenatório da consciência. Birks, Difficulties of Belief, 169-174 - "O pecado original não afasta o significado da transgressão pessoal. Adão foi

282
Augustus Hopkins Strong
perdoado; mas alguns dos seus descendentes não o são. Na Escritura, a segunda morte refere-se à nossa própria culpa pessoal".
Isto não significa que o pecado original não envolve tão grande pecado como o de Adão ao transgredir pela primeira vez, pois o pecado original é o da primeira transgressão; significa apenas que a transgressão pessoal é pecado original acrescido da ratificação consciente do ato de Adão pelo indivíduo. "Somos culpados por aquilo que somos, tanto quanto por aquilo que fazemos. Nosso pecado não é apenas a soma de todos os nossos pecados.
Há uma pecaminosidade que é o denominador comum de todos os nossos pecados". É costume falar brandamente do pecado original, como se apenas os pecados pessoais devessem ser levados em conta. Mas só à luz do pecado original é que se pode explicar os pessoais. Pv. 14.9 - "Os loucos zombam do pecado". Simon, Fteconciliation, 122 - "A pecaminosidade do homem varia de indivíduo para indivíduo; a pecaminosidade da humanidade é uma constante". Robert Browning, Ferishtah's Fancies. "O Homem avoluma o seu tipo nas massas. Deus as simplifica unidade a unidade. Tu e Deus existis - assim penso eu! certamente: Penso nas massas - humanidade - Disparatadas, dispersas, deixam-te sozinho! Perguntam à tua alma solitária que leis são claras para ti;
Tu e nenhum outro estás em pé ou cais ao lado delas! Eis o que te resta".
Pecados de ignorância e pecados de conhecimento.
Aqui a culpa é medida pela posse do grau de luz ou, em outras palavras, pelas oportunidades de conhecimento que o homem tenha tido e pelas forças de que ele tenha sido dotado. A genialidade e o privilégio aumentam a responsabilidade. Os pagãos são culpados, mas aqueles para quem os oráculos de Deus foram confiados são mais culpados que eles.
Mt. 10.15 - "haverá menos rigor para o país de Sodoma e Gomorra do que para aquela cidade"; Lc. 12.47.48 - "e o servo que soube a vontade de seu senhor... será castigado com muitos açoites; mas aquele que não soube ... com poucos açoites será castigado"; 23.34 - Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem = o conhecimento completo os põe além do alcance do perdão. Jo. 19.11 - "aquele que me entregou a ti maior pecado tem"; At. 17.30
"Mas Deus, não tendo em conta os tempos da ignorância"; Rm. 1.32 - "conhecendo a justiça de Deus (que são dignos de morte os que tais coisas praticam), não somente as fazem, mas também consentem aos que as fazem"; 2.12 - "Mas todos os que sem lei pecaram sem lei também perecerão; e todos o que sob a lei pecaram pela alei serão julgados"; 1 Tm. 1.13,15,16
"mas alcancei misericórdia porque o fiz ignorantemente, na incredulidade".
Is. 42.19 - "Quem é cego ... como o servo do Senhor"? Jesus advertiu os fariseus sobre o pecado contra o Espírito Santo. A culpa da crucificação repousou sobre os judeus mais do que sobre os gentios. O Israel apóstata era mais culpado que os pagãos. Os maiores pecadores do presente podem estar entre os cristãos, não entre os gentios. Satanás era um arcanjo; Judas era um apóstolo; Alexandre Bórgia era um papa. Jackson, James Martineau,
365 - "Corruptio optimi péssima est (há mais corrupção entre os melhores do

Teologia Sistemática
283
que entre os piores), como se vê no ébrio Webster, no traidor Bacon, no licen- cioso Goethe". Sir Roger de Coverley observa que ninguém a não ser os homens de escol merecem a forca. Kaftan, Dogmatik, 317 - "Com freqüência,
o maior pecado envolve a menor culpa; o menor pecado, a maior culpa". Robert Browning, The Ring and Book (Papa, 1975) - "Há um novo tribunal mais elevado que o de Deus, - o dos homens cultos! O fino senso de honra no peito humano Transcende aqui o velho e rude oráculo!" O Doutor H. E. Robins sustenta que "é impossível o paliativo da culpa à luz sob o sistema da pura lei e só é possível porque a provação do pecador é a da graça".
Pecados de fraqueza e pecados de presunção.
Aqui a culpa é medida pela energia da vontade má. O pecado pode ser reconhecido como pecado, contudo, pode ser cometido na precipitação ou fraqueza. Apesar de que a precipitação e a fraqueza sejam uma atenuante da ofensa que brota disso, elas se constituem pecado, revelando um coração descrente e desordenado. Porém de muito maior culpa são as escolhas presunçosas do mal em que se manifesta não a fraqueza, mas a força de vontade.
Sl. 19.12,13 - "Expurga-me tu dos que me são ocultos. Também da soberba guarda o teu servo"; Is. 5.11 - "Ai dos que puxam pela iniqüidade com cordas de vaidade e pelo pecado, como se fosse com cordas de carro" = não afastes com o pecado a insensibilidade, mas com avidez, persistentemente e de boa vontade afasta-a. Gl. 5.1 - "surpreendido nalguma ofensa"; 1 Tm. 5.24
"Os pecados de alguns homens são manifestos, precedendo o juízo; e em alguns manifestam-se depois" = os pecados de alguns são de tal modo claros que eles agem como oficiais de justiça daqueles que os cometem; enquanto outros requerem uma prova. Lutero representa um da primeira classe dizendo de si mesmo: "Esto peccator et pecca fortiter" (Sê pecador e peca mais intensamente).
Mq. 7.3 - "As sua mãos fazem diligente o mal". Do mesmo modo devemos fazer o bem. "A minha arte é a minha vida", diz Grisi, a prima-dona da ópera,
"Eu me poupo todo dia para aquele em que estou no palco". H. Bonar:
"O pecado trabalha; deixe-me também trabalhar. Ativo como o pecado, o meu trabalho realizo, até que eu repouse o descanso da eternidade". A lei criminal alemã faz distinção entre homicídio intencional não deliberado e o homicídio intencional deliberado. Há três graus de pecado: 1. De ignorância, como a perseguição da parte de Paulo; 2. De fraqueza, como a negação de Pedro;
3. De presunção, como o homicídio de Urias. O pecado de presunção é imperdoável sob a lei judaica; não é imperdoável sob Cristo.
Pecado da obstinação incompleta e o da final.
Aqui a culpa é medida, não pela suficiência ou insuficiência objetiva da graça divina, mas pelo grau de falta de receptividade a que o pecado conduziu a alma. Como o único pecado para a morte descrito na Escritura é o pecado contra o Espírito Santo, aqui consideramos a natureza desse pecado.

284
Augustus Hopkins Strong
Mt. 12.31 - "Todo pecado e blasfêmia se perdoará aos homens, mas a blasfêmia contra o Espírito não será perdoada aos homens"; 32 - "E qualquer que disser alguma palavra contra o Filho do Homem, ser-lhe-á perdoado, mas, se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado nem neste século nem no futuro"; Mc. 3.29 - "Qualquer, porém, que blasfemar contra o Espírito Santo, nunca obterá perdão, mas será réu do eterno juízo";
Jo. 5.16,17 - "Se alguém vir a seu irmão cometer pecado que não é para morte, orará, e Deus dará vida àqueles que não pecarem para morte.
Há pecado para morte e por esse não digo que ore. Toda iniqüidade é pecado e há pecado que não é para a morte"; Hb. 10.26,27 - "se pecamos voluntariamente, depois de termos recebido o conhecimento da verdade, já não resta mais sacrifício pelos pecados, mas uma expectação horrível de juízo e ardor de fogo, que há de devorar os adversários".
Ritschl sustenta que todo pecado insuficiente para a rejeição definitiva de Cristo ocorre mais por ignorância do que por pecado e de modo nenhum é objeto de sentença condenatória. Isto faz o pecado contra o Espírito Santo ser o único real. A consciência e a Escritura contradizem igualmente este ponto de vista. Há um endurecimento muito incipiente do coração que precede a obstinação final. VferDENNEY, Studies in Theology, 80. A compostura do criminoso nem sempre é sinal de inocência. S. S. Times, 12 de abril de 1.902.200 - A sensibilidade da consciência e do sentimento e o correspondente semblante, e o comportamento devem ser retidos pela pureza de vida e a liberdade da transgressão. Por outro lado a compostura do semblante e a serenidade sob a suspeita e acusação devem ser resultantes da continuação da prática do erro, com o conseqüente endurecimento de toda a natureza moral".
Weismann, Heredity, 2.8 - "Tão logo qualquer órgão cai em desuso, degenera e, finalmente, se perde ... Nos parasitos os órgãos do sentido se degeneram". O telégrafo sem fio de Marconi requer um "receptor" sintonizado.
O "transmissor" envia inúmeros raios para o espaço. Só o receptor com a capacidade de vibrações correspondentes pode entendê-los. Deste modo o pecador pode destruir sua receptividade, que o universo inteiro profere da verdade de Deus, embora seja incapaz de ouvir uma só palavra dela, O Panorama: "Se o homem retirasse os seus olhos, não poderia ver - nada poderia fazê-lo ver. Assim se o homem, por obstinada iniqüidade destruísse o seu poder de crer no perdão de Deus, estaria num estado de desesperança. Embora Deus ainda seja gracioso, o homem não pode reconhecer a sua graça e nem receber para si o perdão de Deus".
O pecado contra o Espírito Santo não deve ser considerado como um simples ato isolado, mas também como o sintoma exterior de um coração tão radical e finalmente estabelecido contra Deus que nenhuma força que Deus possa consistentemente usar o poupará. Tal pecado, portanto, só pode ser o clímax de um longo curso de endurecimento de si mesmo e depravação de si mesmo. Aquele que o cometeu ou deve ser profundamente indiferente à sua condição, ou ativa e amargamente hostil a Deus; de modo que a ansiedade ou

Teologia Sistemática
285
o medo da condição de alguém é evidência de que ele não o cometeu. O pecado contra o Espírito Santo não pode ser perdoado simplesmente porque a alma que o cometeu não é receptiva às influências divinas, ainda quando tais influências se exercem com a maior força adequada a empregar sua administração espiritual.
A prática do pecado contra o Espírito Santo é marcada pela perda da visão espiritual; o peixe cego da Caverna de Mamote substituiu a luz pela escuridão e, com o tempo, perdeu os seus olhos. Ele é marcado por uma perda de sensibilidade religiosa; a sensitiva perde a sua sensibilidade na proporção em que se toca nela. É marcado pela perda da força de vontade de praticar o bem; "a lava endurece depois de sair da cratera e nesse estado não pode voltar à fonte" (Van Oosterzee). O mesmo escritor também assinala (Dogmática, 2.428): "Herodes Antipas, após a sua antiga dúvida e escravização chegou à mortificação tal a ponto de zombar do Salvador, à menção de cujo nome nunca antes tremia". Julius Müller, Doctrine ofSin, 2.425 - "Não que se recuse a graça divina a qualquer que, em verdadeiro arrependimento peça o perdão dos seus pecados; mas aquele que os comete nunca preenche as condições subjetivas em cujas bases é possível o pecado porque o agravamento deste, por fim, destrói toda a susceptibilidade de arrependimento.
O caminho para Deus não está fechado para os que não o fecham para si mesmos". Drummond, Natural Law in the Spiritual World, 97-120, ilustra o processo decadente do pecador através da lei da degeneração no mundo vegetal e no animal: pombos, rosas, morangos, todos tendem a reverter ao tipo primitivo e selvagem. "Como escaparemos nós se não atentarmos para tão grande salvação"? (Hb. 2.3).
Shakespeare, Macbeth, 3.5 - 'Todos vós sabeis que a segurança é o principal inimigo dos mortais". Moulton, Shakespeare como Artista Dramático, 90-124 - "Ricardo III é o protótipo do vilão. A vilania tornou-se um fim em si mesma. Ricardo é um artista em vilania. Na prática do crime ele não tem emoções naturais. Considera a vilania com o entusiasmo intelectual de um artista. O ideal do seu sucesso é a vilania. Há uma fascinação de irresistibilidade nele. Em seu crime é imperturbável. Não há esforço, mas humor, no crime; uma despreocupação sugere recursos ilimitados; uma incalculável inspiração. Shakespeare livra a representação da acusação de monstruosidade tomando toda esta história vilã em desenvolvimento nemésico". Ver A. H. Strong, Great Poets, 188-193. Guido de Robert Browning, Ring and Booké um exemplo de pura aversão ao bem. Guido tem aversão pela bondade de Pompília e declara que, se a apanhar no mundo vindouro, a assassinará ali como a mataria aqui.
Alexandre VI, pai de César e Lucrécia Bórgia, papa da crueldade e lascívia, ostentou até o dia da morte a aparência de infalível zelo e genialidade e até mesmo de sensibilidade e modéstia. Nenhum temor ou reprovação da consciência parecia lançar melancolia sobre a sua vida, como acontecia com Tibério e Luís XI. Ele cria viver sob a proteção especial da Virgem, embora a tivesse pintado nas características da sua amante Júlia Farnese. Nunca teve

286
Augustus Hopkins Strong
o escrúpulo da falsa testemunha, do adultério, ou do homicídio. 1/erGREGOROvius, Lucrezia Borgia, 294, 295. Jeremy Taylor descreve o progresso do pecado no pecador da seguinte forma: Primeiro ele o assusta, depois o toma um prazer, depois uma alegria, depois freqüente, depois habitual, depois confirmado; daí o homem se torna impenitente, obstinado, resolve nunca arrepender-se e perde-se".
Há um estado de total insensibilidade a emoções de amor ou temor e, através do seu pecado, pode chegar a um estado como esse. A prática da blasfêmia é tão somente a expressão de um coração endurecido e odioso. Blasfêmia é apenas a expressão de um coração endurecido e irado. B. H. Payne: "A chama do cálcio queimará o fio de aço de modo que não seja mais afetado pelo magneto. ... Como as cinzas incandescentes e a fumaça espiral que o vulcão lança da sua garganta roncadora é o acúmulo dos meses e anos, assim o pecado contra o Espírito Santo não é uma expressão impensada em um momento de paixão ou raiva, mas a entrega de uma abertura a um estado do coração e da mente abundante no acúmulo de semanas e meses de oposição ao evangelho".
Dr. J. P. Thompson: Pecado imperdoável é o conhecimento desejoso, persistente, desprezível, repulsa maldosa à verdade e à graça divina manifesta na alma através da força convincente e iluminadora do Espírito Santo. Dorner diz que "por isso este pecado não pertence aos tempos do Velho Testamento ou à simples revelação da lei. Implica a plena revelação da graça em Cristo e a sua consciente rejeição da parte da alma à qual o Espírito a manifestou (At. 17.30 - "não tendo em conta os tempos da ignorância"; Rm. 3.25 - "remissão dos pecados dantes cometidos"). Mas, será que não constava no Velho Testamento que Deus disse: "Não contenderá o meu Espírito para sempre com o homem" (Gn. 6.3), e "Efraim está entregue aos ídolos; deixa-o" (Os 4.17)? O pecado contra o Espírito Santo é pecado contra a graça, mas não parece limitar-se aos tempos do Novo Testamento.
É verdade ainda que o pecado imperdoável é cometido contra o Espírito Santo ao invés de contra Cristo: Mt. 12.32 - "se qualquer falar palavra contra o Filho do Homem, ser-lhe-á perdoado, mas se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado, nem neste século nem no futuro". Jesus adverte os judeus contra isso; ele não diz que os judeus já o cometeram. Eles pareciam tê-lo cometido quando, depois do Pentecostes, acrescentaram à rejeição de Cristo a rejeição do testemunho do Espírito Santo sobre a ressurreição de Cristo.
PENA
Idéia da Pena
Pena é a dor ou perda que direta ou indiretamente o Legislador inflige, na vindicação da sua justiça ultrajada pela violação da lei.
Turrettin, 1.213 - "A justiça necessariamente demanda que todo pecado seja punido, mas do mesmo modo não demanda que seja punido na mesma

Teologia Sistemática
287
pessoa que o praticou ou exatamente no mesmo tempo e grau". Até onde esta afirmação do grande teólogo federalista pretende explicar nossa culpa em Adão e a nossa justificação em Cristo não podemos concordar com as suas palavras; mas devemos acrescentar que a razão, em cada caso, pela qual nós sofremos a pena do pecado de Adão e Cristo sofre a pena dos nossos pecados não se encontra em qualquer relação pactuai, mas no fato de que o pecador é um com Adão e Cristo é um com o crente, - ou seja, não unidade pactuai, mas vital. A palavra 'pena' como a palavra 'dor', deriva de poena, jtoivfi, e implica noção correlata de merecimento. Sob o governo divino não pode haver nenhuma culpa construtiva, de modo que nenhuma pena pode ser infligida por ficção legal. Os sofrimentos de Cristo não foram uma pena infligida arbitrariamente nem ocorreu para expiar a culpa pessoal, mas devida à natureza humana à qual ele se uniu e da qual ele fazia parte. Prof. Wm. Adams Brown: ''Perda, não sofrimento; é a pena suprema para o cristão.
A verdadeira pena é a separação de Deus. Se tal separação envolve sofrimento, é sinal da misericórdia de Deus, pois onde há vida há esperança.
O sofrimento sempre deve ser interpretado como um apelo especial de Deus para o homem.
A definição implica que:
As conseqüências naturais da transgressão, apesar de constituírem parte da pena do pecado, não a esgotam. Em toda pena há um elemento pessoal, a ira santa do Legislador, que expressa as conseqüências naturais embora parcialmente.
Não negamos, ao contrário, afirmamos que as conseqüências naturais da transgressão consistem numa parte da pena do pecado. Condena-se o pecado da lascívia com a deterioração e corrupção do corpo; o da mente, com a deterioração e corrupção da alma. Pv. 5.22 - "Quanto ao ímpio, as suas ini- qüidades o prenderão e com cordas do pecado, será detido" - como o caçador é apanhado no laço que preparou para o animal selvagem. O pecado é auto-revelador e auto-atormentador. Mas isto é apenas a meia verdade.
Os que limitam todo o castigo à reação das leis naturais correm o risco de esquecer que Deus não é só imanente no universo, mas também transcendente e que "cair nas mãos do Deus vivo" (Hb. 10.31) é cair nas mãos não só da lei, mas também do Legislador. A lei natural não é só a expressão normal da mente e da vontade de Deus. Detestamos uma pessoa indecente física e oralmente. Não há castigo do pecado mais terrível que ser objeto da aversão de Deus. Jr. 44.4 - "Ora, não façais esta coisa abominável que aborreço!" Acrescente-se a esta lei da continuidade que causa a reprodução do pecado, e a lei da consciência que faz do pecado o seu revelador, juiz e atormentador e ter-se-á evidência suficiente da ira de Deus contra o mesmo pecado independente de quaisquer castigos exteriores. Vê-se o sentimento divino para com o pecado ao Jesus açoitar os vendilhões do templo, denunciar os fariseus, chorar sobre Jerusalém, agonizar no Getsêmani. Imagine o sentimento de um pai para com o traidor da sua filha e entender-se-á palidamente o sentimento de Deus para com o pecado.

288
Augustus Hopkins Strong
Os fatos voltam ao seu autor e o caráter determina o destino; esta lei revela a justiça de Deus. A pena vindicará o caráter divino na longa corrida embora nem sempre no tempo. Todas religiões reconhecem isto. Diz o sacerdote budista no Japão: "O malfeitor tece o pano em torno de si mesmo como o bicho da seda forma o seu casulo". Sócrates faz a volta de Circe de homem a porco uma simples parábola de uma influência por si mesma brutalizadora do pecado. No Inferno de Dante os castigos são todos dos próprios pecados; por isso os homens estão no inferno antes de morrerem. Hegel: "A pena é a outra metade do crime". Sagebeer, The Biblie in Court, 59 - "Corrupção é destruição e o pecador é um suicida; a pena corresponde à transgressão e é o resultado dela; o pecado é a morte em execução; a morte é o pecado no castigo final". J. B. Thomas, Baptist Congress, 1901.110 - "Que importa se, como caçador furtivo espero a noite e deliberadamente atiro nele ou se armo o revolver de modo que alguém atire nele quando comete a depredação"? Tennyson, Sonhos Marinhos: "Seu lucro é perda; porque aquele que engana o amigo, Engana-se mais a si mesmo, e sempre leva em torno de si um silencioso tribunal de justiça em seu seio, Sendo ele próprio o juiz e o júri e ele mesmo o prisioneiro no tribunal e sempre condenado: E isso leva a sua vida à derrocada; depois vem o que se sucede".
O objetivo da pena não é a reforma do ofensor, a garantia da segurança social ou governamental. Tais fins podem incidentemente ser assegurados pela sua aplicação, mas o grande fim da pena é a vindicação do caráter do Legislador. A pena é essencialmente uma reação necessária da santidade divina contra o pecado. Contudo, visto que pontos de vista errôneos sobre o objetivo da pena têm tão importante significação sobre nossos futuros estudos da doutrina, mencionamos de modo mais completo as duas teorias errôneas que têm maior curso.
A pena não é essencialmente reformatória. Isto quer dizer que a reforma do ofensor não é o desígnio primário, como a pena não pretende reformar. A pena em si procede não do amor do Legislador, mas da sua justiça. Quaisquer que sejam as influências reformadoras que podem em qualquer exemplo estar em conexão com ela não são partes da pena, mas mitigações dela e acrescentam-se não à justiça, mas à graça. Se a reforma se segue à aplicação da pena, não é o efeito desta, mas o de certos atos benevolentes que têm sido providos para tomar em bem o que naturalmente seria para o ofensor uma fonte de dano.
A partir das Escrituras, onde a freqüente referência à punição como justiça de Deus, mas nunca ao amor de Deus; do intrínseco merecimento do pecado, a que a pena é correlata; do fato de que a punição deve ser vindicativa para que seja disciplinar, justa e, conseqüentemente, reformatória; do fato de que, com apoio nesta teoria, a punição não seria justa quando o pecador já estivesse reformado, ou não o pudesse ser, de modo que, quanto maior fosse o pecado, menor seria a punição, nota-se que o objetivo da pena não é a reforma.

Teologia Sistemática
289
A punição é essencialmente diferente do castigo. Este procede do amor (Jr. 10.24 - "Castiga-me, ó Senhor, mas com medida; não na tua ira"; Hb. 12.6
o Senhor corrige o que ama"). A punição procede não do amor, mas da justiça - ver Ez. 28.22 - "quando nela executar juízos, e nela me santificar"; 36.21,22 - em juízo, "Não é por vosso respeito que eu faço isto, mas pelo meu santo nome"; Hb. 12.29 - "Porque o nosso Deus é um fogo consumidor"; Ap. 15.1,4 - "a ira de Deus ... só tu és santo ... os teus juízos são manifestos"; 16.5 - "Justo és tu ... porque julgaste estas coisas"; 19.2 -"Verdadeiros e justos são os seus juízos; pois julgou a grande prostituta". Portanto, não é verdade a palavra da Utopia de Sir Thomas More: "O fim de todo o castigo é a destruição do vício e a salvação dos homens". Lutero: "Deus tem duas varas: uma, a da misericórdia e bondade; outra, a da ira e da fúria". A primeira é castigo; a segunda é a pena.
Se for correta a teoria de que a finalidade da pena é a reforma, então, punir o crime sem exigir reforma faz do estado um transgressor; as suas punições devem ser proporcionais, não ao tamanho do crime, mas ao estado do pecador; a pena de morte deve ser abolida apoiada no fato de que ela exclui toda esperança de reforma. Mas a mesma teoria aboliria qualquer juízo final, ou castigo eterno; pois, quando a alma se torna tão ímpia que não há mais esperança de reforma, não há mais justiça alguma em puni-la. Quanto maior o pecado, menor seria o castigo; e, afinal de contas, Satanás, o maior pecador, não deveria ser castigado.
Denúncias modernas da pena capital baseiam-se freqüentemente em concepções errôneas sobre o objetivo da pena. Se os opositores entendessem qual pena se deve garantir, desapareceria a oposição à doutrina da futura punição. Harris, God the Creator, 2.447,451 - "O castigo não é primordialmente reformatório; ele educa a consciência e vindica a autoridade da lei". R. W. Dale: "Não é necessário provar que a forca é benéfica para o enforcado. A teoria de que a sociedade não tem direito de mandar para a cadeia alguém, para alimentá-lo a pão e água, a cortar o cânhamo ou trabalhar num moinho a pedal, a não ser para reformá-lo, é inteiramente errada. Ele deve merecer a punição, ou, caso contrário, a lei não tem direito de puni-lo". Uma Casa de Refúgio ou uma Escola Industrial Rural é primordialmente uma instituição penal, pois priva da liberdade e coage ao trabalho contra a vontade do penitenciário. Esta perda e privação não se justifica a não ser baseada no merecimento do seu ato errôneo. Quaisquer que sejam as influências graciosas e filantrópicas que possam advir deste aprisionamento e coação, não podem explicar o elemento penal da instituição. Se se pudesse, apelar-se-ia para um decreto de habeas corpus da parte de qualquer tribunal competente, obteria o ganho da causa.
O tratamento que Deus deu ao homem neste mundo também combina os elementos pena e castigo. Em primeiro lugar, o sofrimento é merecido e isto justifica a sua aplicação. Mas no começo se faz acompanhar de toda a sorte de influências amenizadoras que tendem a afastar o homem de Deus. Como se resiste a estas influências graciosas, o elemento punitivo toma-se preponderante e a pena reflete a santidade de Deus em lugar do seu amor. Moberly, Atonement and Personality, 1-25 - "O objetivo imediato da punição não é a dor. Ela deve ser um meio com vistas a um fim moral, a saber, o arrependi-

290
Augustus Hopkins Strong
mento. Mas onde o depravado se torna um tigre humano, a punição deve chegar ao clímax. Há uma punição que não é restauradora. Conforme o espírito como se recebe a punição, ela pode ser interior ou exterior. Toda punição começa como disciplina. Tende para o arrependimento. Seu triunfo seria interior. Toma-se punitivo só quando o pecador se recusa a arrepender-se. A punição é apenas a conseqüência do pecado. O penitente ideal condena-se a si mesmo, identifica-se com a justiça aceitando a pena. Na medida em que a pena falha em seu propósito de produzir o arrependimento, adquire cada vez mais o caráter punitivo, cujo clímax não é o Calvário, mas o Inferno".
Alexander, Moral Orderand Progress, 327-333 (citado em Ritchie, Darwin, and Heget, 67) - "A punição caracteriza-se por três elementos: É punitiva, quando ela cai na lei geral de que a resistência ao tipo dominante recua na criatura culpada e resistente; é preventiva quando, sendo uma determinação estatutária, tem como alvo a manutenção da lei independente do caráter do indivíduo. Mas esta característica é secundária, e aquela está compreendida numa terceira idéia, a da reforma, que é o modo superior em que aparece a punição quando se trata de um tipo mental ideal e é afetado por pessoas conscientes". Hyslop, Freedom, Responsibility and Punishment in Mind, abril 1894.167-189 - "No Reformatório de Elmira, de 2295 pessoas com liberdade condicional entre os anos de 1876 e 1889, 1907 pessoas, ou 83% representam provavelmente uma reforma completa. Os deterministas dizem que esta classe de pessoas não pode agir de outra forma. Alguma coisa está errada nesta teoria. Concluímos que 1. A responsabilidade causai justifica a punição preventiva; 2. A responsabilidade moral potencial justifica a punição corretiva;
3. A verdadeira responsabilidade moral justifica a punição retributiva". É preciso assinalar aqui o emprego incorreto da palavra "punição", que só pertence à ultima classe. Nos dois primeiros casos deve-se empregar a palavra "castigo".
b) A pena não é essencialmente dissuasiva e preventiva. - Isto significa que seu primeiro desígnio não é proteger a sociedade dissuadindo o homem de cometer tais ofensas. Admitimos que este fim é freqüentemente assegurado em conexão com a punição, tanto na família como no governo civil e sob o governo de Deus. Mas defendemos que este é um resultado meramente inci- dental, que a sabedoria e a bondade de Deus têm posto em conexão com a aplicação da pena; não pode ser a razão e base para a pena em si. Algumas das objeções à teoria anterior aplicam-se também a esta. Mas em adição ao que já se disse, argumentamos:
O desígnio da pena não pode ser principalmente garantir a segurança social e governamental, porque nunca é justo punir o indivíduo para o bem da sociedade. Nenhuma punição, contudo, fará ou poderá fazer bem se não for justa e reta em si mesma. A punição faz o bem só quando a pessoa punida a merece; e tal merecimento de punição e não os bons efeitos que se seguem deve ser a base e a razão por que ela é aplicada. A teoria contrária implicaria que o criminoso poderia continuar livre, mas por causa do efeito da sua punição sobre os

Teolooia Sistemática
291
outros, e porque aquele homem poderia cometer crime se só estivesse querendo cumprir a pena.
Kant, Praktische Vernunft, 151 (ed. Rosenkranz) - "A noção do merecimento do mal e a punição implicam necessariamente a idéia da transgressão voluntária; e a idéia da punição exclui a felicidade em todas as formas. Embora aquele que aplica a punição, na verdade, ao punir o criminoso, também pode ter o propósito benevolente, contudo a punição deve justificar-se, antes de nada, como pura e simples compensação e retribuição. ... Em cada punição como tal, o elemento primordial é a justiça e esta constitui-se a essência. Verdade é que, um propósito benevolente pode somar-se à punição; mas o criminoso não pode reivindicar isto como seu direito e não pode contar com isso". Estes pronunciamentos de Kant aplicam-se à teoria dissuasora bem como à teoria reformadora da pena. O elemento de mérito ou retribuição é a base dos outros na punição.
Certo juiz inglês, ao sentenciar um criminoso, disse que ele o puniu não por roubar ovelha, mas porque a ovelha não podia ser roubada. Mas a maior injustiça é punir um homem simplesmente para servir de exemplo. A sociedade não pode ser beneficiada por esse tipo de injustiça. A teoria pode não dar nenhuma razão por que alguém deva ser punido mais do que um outro nem por que uma segunda ofensa deva ser punida mais do que a primeira. Nesta teoria, contudo, se houvesse apenas uma criatura no universo e nenhuma além dela que fosse afetada pelo seu sofrimento, não poderia com justiça, ser punida por maior que fosse o seu pecado. O único princípio que pode explicar a punição é o do merecimento.
Evita-se o crime mais pela convicção de que ele merece punição; o maior agente dissuasivo é a consciência". Por isso, no governo de Deus "não há nenhuma indicação de que a futura punição opera o bem para os perdidos ou para o universo. A integridade do redimido não deve ser mantida sujeitando os perdidos a uma punição que não merecem. O erro merece punição e Deus precisa puni-lo, quer advenha disso o bem quer não. O pecado intrinseca- mente é merecedor do mal. A impureza deve ser banida da parte de Deus. Deus deve vindicar a si mesmo, ou deixar de ser santo.
Bowne, Principies of Ethics, 186, 274 - Os que sustentam que a punição é essencialmente dissuasiva e preventiva "ignoram a metafísica da responsabilidade e tratam o problema 'positiva e objetivamente' com base na fisiologia, na sociologia, etc., e nos interesses da segurança pública. A questão da culpa ou inocência é tão irrelevante como a que se refere à culpa ou inocência das vespas e dos vespões. Um antigo defensor deste ponto de vista manifestou a opinião de que "convinha que um homem morresse pelo povo'
(Jo. 18.14) e por isso Jesus foi levado à morte. ... Uma multidão na Europa oriental podia ser persuadida de que um judeu tinha trucidado uma criança cristã em sacrifício. As autoridades podiam estar perfeitamente certas da inocência do homem e, ainda proceder a punição dele por causa do clamor da multidão e do perigo de um motim". Os homens do primeiro escalão no governo francês pensaram que seria melhor que Dreyfus sofresse por causa da França do que tornar público um escândalo afetando a honra do exército

292
Augustus Hopkins Strong
francês. Em perfeita consistência com este princípio, McKin, Heredity and Human Progres, 192, advoga a aplicação de uma morte indolor aos idiotas, imbecis, epiléticos, ébrios contumazes, criminosos insanos, assassinos, destruidores de casas noturnas e todos os perigosos e incorrigíveis. Ele mudaria o lugar da matança das nossas ruas e casas para instituições penais; a saber, abandonaria a punição, mas protegeria a sociedade.
Deixar de reconhecer a santidade como o atributo fundamental de Deus e a afirmação de que a santidade, como condição do exercício do amor, viciam a discussão da pena em A. H. Bradford, Age of Faith, 243-250 - "Qual é a finalidade do sofrimento penal? Manifestar a santidade de Deus? Expressar a santidade da lei moral? E simplesmente uma conseqüência natural? Manifesta a paternidade de Deus? Deus não inflige a pena somente para satisfazer a si mesmo, ou manifestar a sua santidade, como um pai terreno inflige sofrimento em seu filho para mostrar a sua ira contra o que pratica o mal ou manifestar a sua própria bondade. A idéia de punição é essencialmente bárbara e estranha a tudo o que se conhece da divindade. A pena que não é reformatória ou protetora é barbarismo. Em casa, a punição é sempre disciplinar. Seu objetivo é o bem estar do filho e da família. A punição que expressa ira ou inimizade sem nenhum propósito de remediar é reminiscência do barbarismo. Traz consigo o conteúdo da vingança. É a expressão da raiva, da paixão ou, na melhor das hipóteses, da justiça fria. O sofrimento penal é, sem dúvida, a santidade divina expressando a aversão ao pecado. Mas, se pára em tal expressão, não é santidade, mas egoísmo. Por outro lado, se se empregar ou permitir a expressão da santidade para que o pecador possa detestar o seu pecado, então deixa de ser punição e passa a ser castigo. Em qualquer outra hipótese, o sofrimento penal não tem nenhuma justificativa a não ser a vontade arbitrária do Onipotente e tal hipótese é uma contestação tanto da sua justiça como do seu amor". Este ponto de vista nos parece ignorar a reação necessária da santidade divina contra o pecado; tornar a santidade apenas uma forma de amor; um meio visando a um fim e tal fim utilitário; e desta forma negar à santidade qualquer existência independente ou mesmo real na natureza divina.
A ira de Deus é calma e judicial, desprovida de toda paixão ou capricho, mas é a expressão da justiça eterna e imutável. É vindicativa, mas não vingativa. Sem ela não haveria governo e Deus não seria Deus. F. W. Robertson: Não existe em toda a punição o elemento de vingança e não é também pecaminoso o sentimento, mas parte essencial à natureza humana? Se assim for não deve haver a ira de Deus". Lord Bacon: "A vingança é um tipo selvagem de justiça". Stephen: A lei criminal provê a satisfação legítima das paixões da vingança".
A verdadeira pena do pecado
A única palavra na Escritura que designa a pena total do pecado é "morte".
A morte, contudo, é dúplice:
Morte física, - ou separação da alma em relação ao corpo, incluindo
todos aqueles males temporais e sofrimentos que resultam da perturbação da

Teologia Sistemática
293
harmonia original entre o corpo e a alma e que são a obra da morte em nós. a morte física é parte da pena do pecado, aparece: d) Da Escritura. Esta é a mais óbvia importância da ameaça em Gn. 2.17 - "certamente morrerás"; cf. 3.19 "ao pó voltarás". Alusões a tal ameaça no V.T. :onfirmam esta interpretação; Nm. 16.29 - "visitados como se visitam todos os homens", onde ^pD = visitação judicial, ou punição; 27.3 (LXX 5i' ájj.ocpTÍav aúxoú). A oração de Moisés em Sl. 90.7-9,11, e a oração de Ezequias em Is. 38.17,18, reconhecem plenamente a natureza penal da morte. ON. T. ensina a mesma doutrina, por exemplo em João 8.44; Rm. 5.14,16,17, onde deve notar-se a fraseologia judicial {cf. 1.32); ver também 6.23. Em 1 Pe. 4.6 :ala-se da morte física como o juízo de Deus contra o pecado. Em 1 Co. 15.21,22 a ressurreição física de todos crentes, em Cristo, se contrasta com a morte corporal de todos homens, em Adão. Rm. 4.14,15; 6.9,10; 8.3,10,11; Gl. 3.13 mostram que Cristo submeteu-se à morte física como pena do pecado e pela sua ressurreição do túmulo deu prova de que a pena do pecado se esgotou e que nele a humanidade estava justificada. "Como a ressurreição do corpo é parte da redenção, assim também a morte do corpo é parte da pena".
Sl. 90.7,9 - "somos consumidos pela tua ira ... todos os dias vão passando na tua indignação"; Is. 38.17,18 - "tão amorosamente abraçaste a minha alma que não caiu na cova da corrupção porque lançaste para trás das tuas costas todos os meus pecados porque não pode louvar-te a sepultura"; Jo. 8.44 - "ele [Satanás] foi homicida desde o princípio"; 11.33 - Jesus "moveu-se muito em espírito" = moveu-se com indignação pelo que o pecado tinha operado; Rm. 5.12,14,16,17 - "pelo pecado, a morte ... a morte passou a todos os homens, por isso que todos pecaram ... a morte reinou ... até sobre aqueles que não pecaram à semelhança da transgressão de Adão ... o juízo veio sobre uma só ofensa para condenação ... pela ofensa de um só a morte reinou por esse"; cf. a fraseologia legal em 1.32 - "os quais conhecendo a justiça de Deus (que são dignos de morte os que tais coisas praticam)".
Rm. 6.23 - "o salário do pecado é a morte" = a morte é a dívida justa do pecado. 1 Pe. 4.6 - "para que, na verdade, fossem julgados segundo os homens, na carne" = para que pudessem sofrer a morte física, a qual é a pena do pecado para os homens em geral. 1 Co. 15.21,22 - "assim como todos morrem em Adão, assim também todos serão vivificados em Cristo";
Rm. 4.24,25 - "dos mortos ressuscitou a Jesus, nosso Senhor, o qual por nossos pecados foi entregue e ressuscitou para nossa justificação"; 6.9,10 - "Havendo Cristo ressuscitado dos mortos, não morre mais; a morte não terá mais domínio sobre ele. Pois, quanto a ter morrido, de uma vez morreu para o pecado; mas, quanto a viver, vive para Deus"; 8.3,10,11 - "Deus, enviando seu Filho em semelhança da carne do pecado, pelo pecado condenou o pecado na carne ... o corpo, na verdade, está morto por causa do pecado"
(= um cadáver, por causa do pecado) ... "aquele que ressuscitou a Jesus também vivificará o vosso corpo mortal"; Gl. 3.13 - "Cristo nos resgatou da

294
Augustus Hopkins Strong
maldição da lei, fazendo-se maldição por nós; porque está escrito: Maldito todo aquele que for pendurado no madeiro".
Sobre a relação entre a morte e o pecado, ver Griffith-Jones, Ascent Through Christ, 169-185 - "Não são antagônicos, mas complementares um do outro - um espiritual, o outro biológico. O fato natural é adequado ao emprego moral". Savage, Lile Alter Death, 33 - "A princípio os homens não criam na morte natural. Se um homem morresse, é porque alguém o tinha matado. Não se esperava ou necessitava nenhuma razão ética. Contudo, finalmente buscavam alguma explicação moral e apontavam a morte como castigo pelo pecado humano". Se este é o curso da evolução humana, devemos concluir que, mais tarde, a crença representa a verdade mais do que antigamente.
A Escritura com verdade afirma a doutrina de que a morte em si, e não os seus simples acessórios, é a conseqüência e pena do pecado. Por esta razão não podemos aceitar a teoria muito atraente e plausível que passamos a mencionar:
Newman Smyth, The Place of Death in Evolution, sustenta que, como o arco-íris na nuvem aponta para um emprego moral, assim a morte, que antes tinha sido tão somente a lei natural da criação, por ocasião do pecado do homem foi indicada como um emprego moral. É com este caráter moral da morte adquirido que Gênesis se relaciona. A morte torna-se uma maldição por ser um temor e um tormento. Os animais não têm esse medo. Mas no homem a morte abala a consciência. A redenção retira o temor e a morte recua ao seu aspecto natural ou até mesmo torna-se o portal de entrada para a vida. Para nenhum animal a morte é uma maldição a não ser para o homem.
O elemento retribuidor na morte é o efeito do pecado. Quando o homem se tornar perfeito, a morte não terá mais sentido e, como último inimigo, será destruída. A morte aqui é o método pelo qual a Natureza garante uma vida sempre vigorosa, jovem, próspera e a mais exuberante e alegre possível. É a maneira como Deus garante o maior número e variedade possíveis de seres imortais. Há muitas salas de aula pela eternidade no universo divino e uma ilimitada sucessão de estudiosos passando por elas. Há muitos redis, mas um só rebanho. A ceifadeira Morte continua tendo o seu lugar. Quatro ou cinco gerações são as que podemos amar e delas obtemos estímulo moral.
Os muitos Matusaléns nos levariam a novas gerações. Bagehot diz que a civilização primeiro precisa formar um bolo de costume e, a seguir destruí-lo.
A morte, diz Martineau, Study, 1.372-374, é a provisão para levar-nos longe antes de ficarmos muito tempo em casa a perder nossa receptividade. A morte é a libertadora de almas. A morte de sucessivas gerações concede variedade ao céu. Ela aperfeiçoa o amor, revela-se a si mesma, une de modo tal como a vida não o conseguiria. Como para Cristo, assim também para nós, ela é o expediente que nos permite irmos embora.
Da razão.
O predomínio do sofrimento e morte entre as criaturas racionais não pode reconciliar-se com a justiça divina a não ser apoiada na suposição de que é uma aplicação da pena judicial por causa de uma pecaminosidade da natureza pertencente até mesmo àqueles que não atingiram a consciência moral.

Teologia Sistemática
295
A objeção de que a morte existia na criação animal antes da queda do homem pode ser respondida dizendo que, apenas pelo fato do pecado do homem, ela não teria existido. Podemos crer que Deus dispôs mesmo a história geológica para corresponder ao fato previsto da apostasia humana (cf. Rm. 8.20-23 - onde se diz que a criação se sujeitou à vaidade por causa do recado do homem).
Sobre Rm. 8.20-23 - "a criação ficou sujeita à vaidade, não por sua vontade" - ver Com. de Meyer, e Baptist Quaterly, 1.143; também Gn. 3.17-19 - "maldita é a terra por causa de ti". Como a estrutura vertebral do primeiro peixe era uma "conseqüência antecipadora" do homem, assim o sofrimento e morte do peixe perseguido e devorado por outros peixes eram a "conseqüência antecipadora" da guerra prevista entre o homem e Deus.
A trasladação de Enoque e de Elias e dos santos que permanecerem na segunda vinda de Cristo parece pretender ensinar-nos que a morte não é uma lei necessária do ser organizado e mostrar o que teria acontecido a Adão se tivesse obedecido. Ele foi criado corpo "natural", "terreno", mas podia ter atingido um mais elevado ser, o corpo "espiritual", o "celeste", sem a intervenção da morte. O pecado, contudo, tomou a condição normal das coisas em rara exceção (cf. 1 Co. 15.42-50). Visto que Cristo suportou a morte como a pena do pecado, a morte, para o cristão, toma-se o portal através do qual ele entra em plena comunhão com o Senhor.
Exceto Enoque e Elias, que foram trasladados, e os muitos que estiverem vivos na segunda vinda de Cristo, todos cristãos passarão pela morte física. Enoque e Elias possivelmente são tipos dos santos sobreviventes. Sobre
Co. 15.51 - "nem todos dormiremos, mas todos seremos transformados".
O livro apócrifo Assunção de Moisés, v. 9 diz-nos que Josué, sendo levado em visão para uma clareira no momento da morte de Moisés, contemplou um duplo Moisés: um lançado na sepultura, pertencendo à terra, o outro misturando-se com os anjos. A crença na imortalidade de Moisés não faz parte de qualquer ressurreição de cadáver terreno. Quando Paulo foi arrebatado ao terceiro céu, pode ter-se dado um translado temporário do espírito desencarnado. Livre por um breve espaço da casa de prisão a que estava confinado, pode ter passado pelo véu e ter visto e ouvido o que a língua mortal não pode descrever. Também, provavelmente, Lázaro não contou o que viu: "Ele não contou; ou algo selou Os lábios daquele evangelista"; Tennyson, in Memoríam, xxxi.
Nicoll, Life of Christ: "Cada um de nós tem de encarar o último inimigo, a morte. Desde que o mundo começou, todos que nele entraram, mais cedo ou mais tarde têm tido esta luta e a batalha sempre termina do mesmo modo.
Na verdade dois escaparam, enfrentando e vencendo seu inimigo; escaparam sendo retirados da batalha". Mas esta morte física, para o cristão, tem

296
Augustus Hopkins Strong
sido transformada por Cristo em bênção. Um prisioneiro perdoado pode ainda ser guardado na prisão com o melhor benefício possível para um corpo exausto; deste modo o fato exterior da morte física pode continuar, apesar de ter cessado a pena. Macaulay: As cadeias de um prisioneiro idoso são necessárias para sustentá-lo; a escuridão que enfraqueceu a sua vista é necessária para pervertê-la". Portanto, a morte espiritual não foi totalmente removida do cristão; uma parte dela, a saber, a depravação, ainda permanece; embora tenha cessado a punição, ela é apenas um castigo. Quando o dedo desata a ligadura que o prende, o corpo que antes só castigara começa a curar a perturbação. Ainda existe a dor, mas esta não é mais punitiva; agora é um remédio.
No meio do açoite, quando o menino se arrepende, a sua punição se transforma em castigo.
Jo. 14.3 - "E, se eu for e vos preparar lugar, voltarei outra vez e vos levarei para mim mesmo, para que, onde eu estiver, estejais vós também";
Co. 15.54-57 - "Tragada foi a morte na vitória ... Onde está, ó morte, o teu aguilhão? O aguilhão da morte é o pecado e a força do pecado é a lei" - i.e. a condenação da lei, sua aplicação penal; 2 Co. 5.1-9 - "porque sabemos que, se a nossa casa terrestre deste tabernáculo se desfizer, temos de Deus um edifício ... mas temos confiança e desejamos, antes, deixar este corpo, para habitar com o Senhor"; Fp. 1.21,23 -"morrer é ganho ... tendo o desejo de partir e estar com Cristo; porque isto é ainda muito melhor". Em Cristo e no seu sofrimento da pena do pecado, o cristão rompeu o círculo da conexão racial natural e é salvo do mal até mesmo que seja uma punição. O cristão pode ser castigado, mas nunca é punido: Rm. 8.1 - "Portanto, agora nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus". Na casa de Jairo Jesus disse: "Por que vos alvoroçais e chorais"? e tendo repreendido os que choravam e pranteavam, "os pôs todos para fora" (Mc. 5.39,40). Os velórios e réquiens e missas e vigílias das igrejas de Roma e da Rússia são reminiscên- cias do paganismo totalmente estranhas ao cristianismo.
Palmer, Theological Definition, 57 - "A morte temida e combatida é terrível; mas um augúrio à morte é a morte da morte e o caminho para a vida".
A idéia de que a punição ainda permanece para o cristão é "a noiva da doutrina papal do fogo do purgatório". Palavras de Browning, Ring and Book, 2.60 - "Na sua face há luz, mas em sua sombra também há cura", aplicam-se aos paternais castigos de Deus, mas não às suas retribuições penais. Em At. 7.60
"adormeceu" - Arnot assinala: "Quando a morte se torna a propriedade do crente, recebe um novo nome: chama-se sono". Houve um outro que disse: "Cristo não enviou, mas ele mesmo veio salvar; Ele não emprestou o preço do resgate, mas deu; Cristo, o pastor, morreu pela ovelha; Nós só dormimoé'.
Morte espiritual, ou separação da alma em relação a Deus, incluindo toda a dor da consciência, perda da paz, e tristeza do espírito, que resultam da perturbação da relação normal entre a alma e Deus.
Apesar de que a morte física é parte da pena do pecado, de modo nenhum é a principal. O termo 'morte' é freqüentemente usado na Escritura no sentido moral e espiritual, denotando a ausência daquilo que constitui a verda

Teologia Sistemática
297
deira vida da alma, a saber, a presença e favor de Deus. "Segue-me, e deixa os mortos [espiritualmente] sepultar os seus [fisicamente] mortos" (Mt. 8.22).
Mt. 8.22 - "Segue-me e deixa aos mortos [espiritualmente] sepultar [fisicamente] os seus mortos"; Lc. 15.32 - "este teu irmão estava morto e reviveu";
Jo. 5.24 - "quem ouve a minha palavra e crê naqueie que me enviou tem a vida eterna e não entrará em condenação, mas passou da morte para a vida"; 8.51 - "se alguém guardar a minha palavra, nunca verá a morte; Rm. 8.13 - "se viverdes segundo a carne, morrereis; mas se, pelo espírito, mortificardes as obras do corpo, vivereis"; Ef. 2.1 - "estando vós mortos em ofensas e pecados"; 5.14 - "Desperta, ó tu que dormes, levanta-te dentre os mortos";
Tm. 5.6 - "mas a que vive em deleites, vivendo, está morta"; Tg. 5.20 - "aquele que fizer converter do erro do seu caminho um pecador salvará da morte uma alma"; 1 Jo. 3.14 - "quem não ama a seu irmão permanece na morte"; Ap. 3.1 - "tens nome de que vives e estás morto".
Não se pode duvidar de que a pena denunciada no jardim e imposta sobre a raça é, em primeiro lugar e principalmente, a morte da alma, que consiste na sua separação de Deus. Só neste sentido, a morte foi plenamente visitada em Adão no dia em que comeu o fruto proibido (Gn. 2.17). Só neste sentido o cristão escapa da morte {João 11.26}. Por esta razão, no paralelo entre Adão e Cristo (Rm. 5.12-21), o apóstolo passa do pensamento da simples morte física na primeira parte da passagem para a morte tanto física como espiritual no seu encerramento (v. 21 - "assim como o pecado reinou na morte, assim a graça reinou através da justiça para a vida eterna por Jesus Cristo, Nosso Senhor" - onde "vida eterna" é mais que existência física sem fim e "morte" é mais que a morte do corpo).
Gn. 2.17- "no dia em que dela comeres, certamente morrerás"; Jo. 11.26
"e todo aquele que vive e crê em mim nunca morrerá"; Rm. 5.14,18,21 - "justificação de vida ... vida eterna"; contrastar com "a morte reinou ... o pecado reinou na morte".
A morte eterna pode ser considerada a culminância e complementação da morte espiritual e consiste essencialmente na correspondência da condição exterior ao estado interior da alma ímpia (At. 1.25). Parece que alguma peculiar energia repulsiva da santidade divina se inaugura (Mt. 25.41:2 Ts. 1.9) e envolve retribuição positiva visitada por um Deus pessoal tanto sobre o corpo como sobre a alma do malfeitor (Mt. 10.28; Hb. 10.31; Ap. 14.11).
At. 1.25 - "Judas se desviou, para ir para o seu próprio lugar: ML 25.41 - "Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, que está preparado para o diabo e os seus anjos"; 2 Ts. 1.9 - "os quais, por castigo, padecerão a etema perdição ante a face do Senhor e a glória do seu poder": Mt. 10.28 - "temei,

298
Auguslus Hopkins Strong
antes, aquele que pode fazer perecer no inferno a alma e o corpo"; Hb. 10.31
"Horrenda coisa é cair nas mãos do Deus vivo"; Ap. 14.11 - "E a fumaça do seu tormento sobe para todo sempre".
Kurtz, Religionslehre, 67 - "Porque Deus é santo deve manter a ordem do mundo e, onde esta é destruída, restaurá-la. Contudo, isto não pode acontecer de outra forma senão esta: a ofensa pela qual o pecador destruiu a ordem do mundo recai sobre ele mesmo; e esta é a pena. O pecado é a negação da lei. A pena é a negação desta negação, isto é, o restabelecimento da lei.
O pecado é a confiança do pecador contra a lei. A pena, ao contrário, é a confiança na lei elástica porque é viva e vai de encontro ao pecador".
Platão, Górgias, 472 E; 509 B; 511 A; 515 B - "A impunidade é uma maldição mais terrível que qualquer punição e nada pode acontecer de tão bom ao criminoso do que a sua retribuição, cuja omissão faria uma dupla desordem no universo. O próprio ofensor pode gastar suas artes em artifícios de escape e pensar que é feliz se não os encontrar. Mas todo o seu enredamento é apenas uma parte da ilusão do seu pecado; e, quando ele cai em si e vê qual é, na realidade, a sua transgressão, ele se torna prisioneiro da justiça eterna e sabe que é bom para ele ser afligido e, pela primeira vez, emparelhar-se com a verdade".
SEÇÃO VII - A SALVAÇÃO DAS CRIANÇAS
Os pontos de vista que têm sido apresentados a respeito da depravação inata e a reação da santidade divina contra ela sugerem a pergunta se as crianças que morrem antes de alcançar a consciência moral são salvas e, se são, de que modo. A esta pergunta respondemos:
As crianças estão em estado de pecado, necessitam de regeneração e só podem salvar-se através de Jesus Cristo.
Jó 14.4 - "(Quem do imundo tirará o puro? Ninguém"); Sl. 51.5 - "Eis que em iniqüidade fui formado; e em pecado me concebeu minha mãe"; Jo. 3.6 - "O que é nascido da carne é carne"; Rm. 5.14 - "No entanto, a morte reinou desde Adão até Moisés, até sobre aqueles que não pecaram à semelhança da transgressão de Adão"; Ef. 2.3 - "Por natureza filhos da ira"; 1 Co. 7.14 "Doutra sorte, vossos filhos seriam imundos" - indica claramente o estado impuro das crianças, por natureza; e Mt. 19.14- "Deixai os pequeninos e não os estorveis de vir a mim" - não só é consistente com esta doutrina, mas confirma-a fortemente; porque o sentido é: "não os estorveis de vir a mim" - de quem eles necessitam como salvador. "A vinda a Cristo" é sempre a vinda de um pecador àquele que é o sacrifício pelo pecado; cf. Mt. 11.28- "Vinde a mim todos os que estais cansados".
Contudo, comparadas com os que transgrediram pessoalmente, são consideradas possuídas de relativa inocência e de submissão e confiança, que podem servir para ilustrar as graças do caráter cristão.

Teologia Sistemática
299
Dt. 1.39 - "E vossos meninos ... e vossos filhos que nem bem nem mal sabem"; Jn. 4.11 - "cento e vinte mil homens que não sabem discernir entre a sua mão direita e a sua mão esquerda"; Rm. 9.11 - "porque, não tendo eles ainda nascido, nem tendo feito bem ou mal"; Mt. 18.3,4 - "se não vos conver- terdes e não vos fizerdes como crianças, de modo nenhum entrareis no Reino dos céus. Portanto, aquele que se tornar humilde como esta criança, esse é maior no Reino dos céus". IferJuuus Müller, Doctrine of Sin, 2.265. Wendt, Teaching of Jesus, 2.50 - "Receptividade despretensiosa, ... não o recebimento do reino de Deus numa idade infantil, mas num caráter infantil ... é a condição de entrada; ... não inocência, mas a receptividade em si, da parte dos que não se consideram muito bons ou muito maus para a oferta apresentada, mas o recebimento com desejo de coração. As crianças têm esta despretensiosa receptividade do reino de Deus a qual, via de regra, é a sua cara- terística, visto que ainda não possuem outras coisas das quais se orgulhariam".
Por esta razão, elas são objeto de especial compaixão e cuidado divinos e pela graça de Cristo é certa a sua salvação.
Mt. 18.5,6,10,14 - "Qualquer que receber em meu nome uma criança tal como esta a mim em recebe. Mas qualquer que escandalizar um destes pequeninos que crêem em mim, melhor lhe fora que se lhe pendurasse ao pescoço uma mó de azenha e se submergisse na profundeza do mar.... Vede, não desprezeis algum destes pequeninos, porque eu vos digo que os seus anjos nos céus sempre vêem a face de meu Pai, que está nos céus. ... Também não é da vontade do Pai, que está nos céus, que um destes pequeninos se perca"; 19.14 - "Deixai os pequeninos e não os estorveis de vir a mim, porque dos tais é o reino dos céus" - não o reino da natureza, mas o reino da sua graça, o reino dos pecadores salvos. A palavra "tais" não significa crianças, mas crentes semelhantes às crianças. Meyer, sobre Mt. 19.14, relaciona a passagem só com os infantes espirituais: "Não as criancinhas", diz ele, "mas homens com disposição infantil". Geikie: "Venham as crianças a mim e não as proíbam, porque o reino do céu é conferido apenas a tais como os que têm um espírito de criança e a natureza dela". As palavras do Salvador não indicam que as criancinhas são 1) sem pecado, ou 2) dignas do batismo; mas, que a sua receptividade para o ensino, 2) intensa avidez, e 3) a confiança sincera, ilustram os traços necessários à admissão no reino divino.
Por isso, substancialmente concordamos com o Dr. A. C. Kendrick em seu artigo na Sunday School Times: "A linguagem não se aplica aos infantes e às crianças como tais. Deve ser tomada figuradamente, e referir-se às qua idades na infância, à sua dependência, à sua confiança, à sua tema afeição, à sua amorosa obediência, que são típicas das graças cristãs essenciais. ...
Se se perguntar da lógica das palavras do nosso Salvador - como ele poderia atribuir, como uma razão para permitir que as criancinhas literalmeme devem ser trazidas a ele que as criancinhas espiritualmente têm uma reivindicação do reino do céu - respondo: As pessoas que como uma classe estão capacitadas para o reino espiritual de Deus não podem ser objeto de indiferença dele, ou igualmente ser consideradas com intenso interesse. ... A classe que

300
Augustus Hopkins Strong
em sua própria natureza reproduz as mais brilhantes caraterísticas da excelência cristã devem ser objeto do cuidado e preocupação especiais de Deus".
A estas notas do Dr. Kendrick acrescentamos que as palavras de Jesus parecem-nos indicar mais do que uma preocupação e cuidado especial. Conquanto elas parecem pretender proibir toda idéia de que as crianças são salvas pela sua santidade natural, ou sem a aplicação das bênçãos da expiação a elas, para nós parecem incluir os infantes no número daqueles que têm o direito a estas bênçãos; a saber, a preocupação e o cuidado de Cristo chegam a escolher os infantes para a vida eterna e capacitá-los ao reino do céu.
Cf. Mt. 18.14 - "não é da vontade do vosso Pai, que está nos céus, que um destes pequeninos se perca" = os que Cristo recebeu aqui não rejeitará no além. É claro que isto se refere aos infantes, como infantes. As palavras de Cristo garantem a salvação àqueles que morrem antes da consciência moral.
A transgressão pessoal, contudo, envolve a necessidade de um arrependimento pessoal e fé para a salvação antes da morte.
As descrições da misericordiosa provisão de Deus que se estendem à ruína da queda também nos levam a crer que os que morrem na infância recebem a salvação através de Cristo com a mesma certeza de que herdam o pecado de Adão.
João 3.16 - "Porque Deus amou o mundo" - inclui os infantes. Rm. 5.14- "a morte reinou desde Adão até Moisés, até sobre aqueles que não pecaram à semelhança da transgressão de Adão, o qual é a figura daquele que havia de vir" = Há uma aplicação da vida de Cristo às crianças, como há uma aplicação da morte de Adão a elas. 19-21 - "Porque, como pela desobediência de um só homem muitos foram feitos pecadores, assim, pela desobediência de um, muitos serão feitos justos. Veio, porém, a lei para que a ofensa abundasse; mas, onde o pecado abundou, superabundou a graça; para que, assim como o pecado reinou na morte, também a graça reinasse pela justiça para a vida eterna, por Jesus Cristo, nosso Senhor". = como sem o seu ato pessoal os infantes herdaram a corrupção da parte de Adão, assim, sem o seu ato pessoal foi-lhes provida a salvação em Cristo.
Hovey, Bib. Eschatology, 170,171 - Embora os escritores sagrados nada falem sobre condição futura dos que morrem na infância, dificilmente podemos errar ao derivarmos do silêncio uma conclusão favorável. Que nenhum profeta ou apóstolo, que nenhum pai ou mãe devotos, devem ter expressado qualquer solicitude quanto aos que morrem antes de serem capazes de discernir entre o bem e o mal é surpreendente, a menos que tal solicitude fosse impedida pelo Espírito de Deus. Não há exemplo de oração pelas as crianças tiradas na infância. Em lugar nenhum o Salvador ensina que elas estão em perigo de estarem perdidas. Por isso nós cremos de coração e de modo confiante que elas são redimidas pelo sangue de Cristo e santificadas pelo seu Espírito de modo que, quando entram para o mundo invisível, elas se acham entre os santos". Davi deixou de jejuar e chorar quando sua filha morreu e disse: "Porém agora é morta, por que jejuaria eu? Eu irei para ela, porém ela não retornará para mim" (2 Sm. 12.23).

Teologia Sistemática
301
è) A condição da salvação dos adultos é a fé pessoal. As crianças são incapazes de preencherem esse requisito. Visto que Cristo morreu por todos, temos razão para crer que é feita a provisão para a sua aceitação de Cristo de outro modo.
Co. 5.15 - "ele morreu por todos"; Mc. 16.16 - "Aquele que crer e for batizado será salvo; mas o que não crer será condenado" (os versos 9-20 são de autoridade canônica, apesar de não escritos por Marcos). O Dr. G. W. Northrop sustenta que, como, para o cristão, a morte deixou de ser uma pena, Cristo, tendo expiado e removido a culpa do pecado original a todos os homens, incluiu os infantes. Mas retrucamos que não há nenhuma evidência de que qualquer culpa haja sido retirada exceto para os que participam da união vital com Cristo. E. G. Robinson, Christian Theol., 166 - "A maldição recai sobre cada um com o nascimento, mas cada um dos que chegam à idade da responsabilidade pode abrandá-la ou intensificá-la, na medida em que a sua natureza, que traz a maldição, dirige ou sofre a direção da sua razão ou da sua consciência. Assim todos alcançam igualmente as bênçãos da salvação, mas podem perdê-las ou assegurá-las, conforme a atitude de cada um para com Cristo, que é o único que pode garanti-las. Para as crianças, como a maldição vem sem a sua eleição, de igual modo vem a sua remoção".
No juízo final, a conduta pessoal se toma o teste do caráter. Porém as crianças são incapazes de transgressão pessoal. Temos razão, portanto, para crer que elas estarão entre os salvos, visto que esta regra da decisão não se aplica a elas.
Mt. 25.45,46 - "quando a um destes pequeninos não o fizestes, não o fizestes a mim. E estes irão para o tormento eterno"; Rm. 2.5,6 - "no dia da ira e da manifestação do juízo de Deus, o qual recompensará a cada um segundo as suas obras". Norman Fox, The Unfolding of Baptist Doctrine, 24 - "Não são apenas os Católicos Romanos que crêem na perdição dos infantes. Os luteranos, na Confissão de Augsburgo, condenam os batistas, que afirmam que as crianças são salvas sem o batismo - 'damnant Anabaptistas qui... affirmant qui pueros sine baptismo salvos fieri' (condenam os Anabatis- tas, que afirmam que as crianças sem o batismo estão salvas). Ao declarar que os 'infantes eleitos que morrem na infância' são salvos, a Confissão de Westminster implica que os não eleitos que morrem na infância estão perdidos. Sem dúvida, alguns do que elaboraram aquele credo ensinavam isso".
Contudo, João Calvino não cria na perdição dos infantes, de cuja crença ele tem sido acusado. Na edição de suas obras em Amsterdã, 8.522, lemos: "Não duvido de que as crianças que o Senhor reúne desde quando começaram a viver são regeneradas por uma operação oculta do Espírito Santo".
Em suas Instituições, livro 4, cap. 16, p. 335, ele fala da isenção da graça da salvação "como uma idéia não livre da execrável blasfêmia". A Revista

302
Augustus Hopkins Strong
Presbiteriana e Referências, out. 1890: 634-651, cita Calvino como segue: "Em todo lugar eu ensino que ninguém pode, com justiça, ser condenado e perecer senão por pecado atual; dizer que inúmeros mortais, levados da vida quando ainda crianças, são precipitados dos braços de suas mães para a morte eterna é uma blasfêmia universalmente detestável". Assim também John Owen, Works, 8.522 - "Há dois meios de Deus salvar os infantes. Primeiro, interessando-os no pacto, se os seus pais imediatos ou remotos foram crentes; ... Segundo, pela graça da eleição, mais livre e não presa a quaisquer condições".
Visto que não há nenhuma evidência de que as crianças que morrem na infância são regeneradas antes da morte, com ou sem o uso de meios externos, parece mais provável que a obra da regeneração pode ser executada pelo Espírito em conexão com o primeiro encontro com Cristo no outro mundo. Como o remanescente da depravação natural do cristão foi erradicado, não pela morte, mas na morte, pela vista de Cristo e da união com ele, assim o primeiro momento de consciência da criança pode coincidir com o ver Cristo, o Salvador, que cumpre a santificação inteira de sua natureza.
Co. 3.18 - "Mas todos nós, com cara descoberta, refletindo, como um espelho, a glória do Senhor, somos transformados de glória em glória na mesma imagem, como pelo Espírito do Senhor"; 1 Jo. 3.2 - "sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele; porque assim como é o veremos". Se perguntássemos por que não mais se diz isto sobre a Escritura, responderíamos: Isto concorda com a analogia do método geral de Deus de ocultar o que não é de valor prático imediato. Há algum tempo, contudo, o conhecimento do fato de que todas crianças que morrem na infância são salvas podia causar a impressão de que o infanticídio é uma virtude.
Embora concordemos com os escritores citados a seguir, quanto à salvação dos infantes que morrem antes da idade da consciência e transgressão voluntária, discordamos da tendência aparentemente arminiana da explicação que eles sugerem. H. E. Robins, Harmony of Ethics With Theology.
"A declaração judicial da absolvição baseada na morte de Cristo, que veio para todos os homens, em cujo benefício eles são introduzidos pela morte natural, é uma justificação incipiente e se aperfeiçoará através do novo nascimento no Espírito Santo a menos que a ação moral pessoal dos que estão perdidos ofereça resistência à obra divina". F. O. Dickey: Porque os infantes são membros da raça e justificados da pena do pecado herdado pela obra meritória de Cristo, pela mesma razão a raça é justificada da mesma pena e na mesma extensão que aqueles e os membros da raça que morrem na infância serão salvos". Temos a impressão de que o elemento de verdade nos pronunciamentos acima parece-nos consistir no fato de que a união de Cristo com a raça garante a reconciliação objetiva dela em Deus. Mas a reconciliação objetiva e pessoal depende da união moral com Cristo e pode realizar-se no infante só por meio da apropriação da morte de Cristo.

Teologia Sistemática
303
Enquanto, na natureza das coisas e pelas expressas declarações da Escritura, estamos impedidos de estender esta doutrina da regeneração na morte a qualquer que comete pecados pessoais, contudo, temos a garantia da conclusão de que, certa e grande como é a culpa do pecado original, nenhuma alma humana é condenada somente por este pecado da natureza, mas de que, por outro lado, todos aqueles que não transgrediram consciente e voluntariamente são participantes da salvação de Cristo.
Por outro lado, os que defendem uma segunda provação, logicamente, devem sustentar que, no outro mundo, os infantes vivem em estado de pecado e que, ao morrerem, eles só passam por um período de provação em que podem ou não aceitar a Cristo; doutrina muito menos consoladora que a proposta acima. Ver Prentiss, Presb. Review, julho de 1.883:548-580 - Lyman Beecher e Charles Hodge a princípio tornaram corrente em seu país a doutrina da salvação de todos os que morrem na infância. A aceitar-se esta doutrina, seguir-se-á: 1) que estes participantes do pecado original devem ser totalmente salvos através da graça e poder divinos; 2) que na criança não nascida existe a promessa e potencialmente toda espiritualidade humana; 3) que a salvação é totalmente possível independentemente da igreja visível e dos recursos da graça; 4) que para metade de toda a raça esta vida não é, de modo algum, um período de provação; 5) que os pagãos que nunca ouviram falar do evangelho podem ser salvos; 6) que a providência de Deus inclui em seu escopo tanto infantes como pagãos".
"As crianças exercem sobre nós uma influência redentora e retificadora e os seus atos e palavras casuais e a simples confiança chamam o nosso mundo empedernido e os corações obstinados de volta aos pés de Deus. Silas Marner, o velho urdidor do Raveloe, tão pateticamente e de modo vivido descrita no romance de George Eliot, era duro, desolado, ímpio velho mísero, mas depois que o pequeno Epie fugiu para a sua miserável cabana naquela memorável noite de inverno, voltou novamente a crer. 'Agora eu', disse finalmente, 'posso confiar em Deus até o fim da minha vida'. Um incidente no hospital do Sul ilustra o poder que as crianças têm de levar os homens ao arrependimento. Uma menininha estava para submeter-se a uma operação perigosa. Quando subiu na mesa de cirurgia, o doutor que foi anestesiá-la disse: 'Antes de eu fazer você ficar boa vou fazer você dormir'. 'Então', disse ela docemente, 'se o senhor me vai fazer dormir, eu quero orar antes'. Descendo sobre os joelhos, e cruzando as mãos, repetiu a amável oração que aprendeu aos pés da mãe: 'Agora que vou deitar-me para ninar, oro ao Senhor para minha alma guardar'. Por um momento, os olhos daquele grupo marejaram em lágrimas, pelas cordas dedilhadas, enquanto o cirurgião disse:
'Em trinta anos, esta foi-te é a primeira vez que eu oro'". A criança que já tem idade bastante para pecar contra Deus tem idade bastante para confiar em Cristo como Salvador dos pecadores.

Parte VI
SOTERIOLOGIA, OU DOUTRINA DA SALVAÇÃO ATRAVÉS DA OBRA DE CRISTO E DO ESPÍRITO SANTO

Capítulo I
CRISTOLOGIA, OU A REDENÇÃO OPERADA POR CRISTO
SEÇÃO I - PREPARAÇÃO HISTÓRICA PARA A REDENÇÃO
Visto que Deus, desde a eternidade determinara a redenção da humanidade, a história da raça, desde o tempo da queda até a vinda de Cristo, foi provi- dencialmente arranjada no sentido de preparar o caminho da referida redenção. Tal preparação foi dupla:
PREPARAÇÃO NEGATIVA - na história do mundo pagão.
Isto mostrou 1) a verdadeira natureza do pecado e a profundidade da ignorância espiritual e a natureza da depravação a que a raça, deixada ao léu do seu destino, deve cair; e 2) a falta de poder da raça humana para preservar ou readquirir um adequado conhecimento de Deus ou livrar-se do pecado valen- do-se da filosofia ou da arte.
Por que não podia Eva ter sido a mãe da semente escolhida como a princípio se supôs que fosse? (Gn. 4.1 - "e ela concebeu e teve Caim [i.e. 'obtido', 'adquirido'], e disse: alcancei do Senhor um varão"). Por que não se fixou a cruz junto aos portais do Éden? A Escritura sugere que havia necessidade de uma preparação (Gl. 4.4 - "mas, vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho"). Dos dois agentes de que se valeu, chamamos de paganismo a preparação negativa. Mas ela não foi inteiramente negativa; foi também em parte positiva. Justino Mártir fala de um Aóyoç cjTtepjiaxiKÓç entre os pagãos. Clemente de Alexandria chama Platão um Mcovaíiç àTxiKÍÇcov, um Moisés de fala grega. Observe a atitude sacerdotal de Pitágoras, Sócrates, Platão, Píndaro, Sófocles. A Bíblia reconhece Jó, Balaão, Melquisedeque como exemplos de sacerdócio, ou de comunicação divina, fora dos limites do povo escolhido. Ou Deus compartilhava nas religiões pagãs, ou não eram religiões. Confúcio, Buda, Zoroastro eram, quando nada, reformadores, que Deus, na sua providência, levantou. Gl. 4.3 classifica o judaísmo como "rudimentos do mundo", e Rm. 5.20 diz-nos que "a lei entrou" como uma força em

308
Augustus Hopkins Strong
cooperação com outros fatores humanos, com a revelação primitiva, com o pecado, etc.".
A preparação positiva do paganismo recebe maior atenção quando con- cebe-mos Cristo como o Deus imanente, revelando-se na consciência e na história. Este é o verdadeiro sentido de Justino Mártir, Apology, 1.46; 2.10,13
"Toda a raça humana participou do Logos e os que viveram segundo a razão (Xóyo-u), eram cristãos, embora fossem contados como ateus. Entre eles estão os gregos Sócrates e Heráclito e os que se assemelhavam a eles. ... Cristo era conhecido em parte até mesmo por Sócrates. ... Os ensinos de Platão não eram tão diferentes dos de Cristo, embora não fossem semelhantes em todos aspectos. Porque todos escritores da antigüidade eram capazes de ter uma visão obscura das realidades por meio da semente que neles habitava sobre o Verbo (Xóyov) implantado". Justino Mártir reivindicava a inspiração de Sócrates. Tertuliano falava de Sócrates como "paene noster" - "quase um dos nossos". Paulo fala dos cretenses como tendo "seu próprio profeta" (Tt. 1.12- provavelmente Epimênides (596 a.C.), a quem Platão chama de -ôeíoç àvrip - "homem de Deus" que Cícero copia ao lado de Bacis e Sibilo, o eritreu. Clemente de Alexandria, Stromata, 1.19; 6.5- "O mesmo Deus que forneceu os dois concertos foi o que deu a filosofia aos gregos, pela qual o Onipotente é glorificado entre os gregos". Agostinho: "Platão deu-me a conhecer o verdadeiro Deus; Jesus Cristo mostrou-se o caminho para ele".
Bruce, Apologetics, 207 - "Deus deu aos gentios pelo menos a luz estelar do conhecimento religioso. Os judeus foram eleitos por causa do gentios. Havia uma certa luz mesmo para os pagãos, embora o paganismo como um todo era um fracasso. Porém até o seu próprio fracasso era uma preparação para o recebimento da verdadeira religião". Hatch, Hibbert Lectures, 133,238
"O neoplatonismo, esplêndida visão do incomparável e irrecuperável mundo nefelibático em que o sol da filosofia grega se pôs. ... No seu lado ético, o cristianismo tem grandes elementos em comum com o estoicismo reformado; do seu lado teológico movia-se em harmonia com os novos movimentos do platonismo". E. G. Robinson: "A idéia de que todas as religiões, a não ser a cristã, são obra direta do diabo, é judaica, e agora se acha abandonada. Ao contrário, Deus se revelou à raça até onde esta tem sido capaz de conhecê-lo. ... Qualquer religião é melhor do que nenhuma, pois todas religiões implicam moderação".
Jo. 1.9 - "Ali estava a luz verdadeira que alumia a todo homem que vem ao mundo"-tem sua equivalência no Velho Testamento no Sl. 94.10 - "Aquele que argúi as nações não castigará? E o que dá ao homem conhecimento não saberá?" Cristo é o grande educador da raça. O Verbo preencarnado exerceu influência sobre a consciência dos gentios. Só ele dá veracidade ao "anima naturaliter Cristiana est" (a alma é cristã por natureza). Sabbatier, Philos. Religion, 138-140 - "Religião é a união entre Deus e a alma. Porque a experiência primeiro se realizou perfeitamente em Cristo. Eis aqui o fato ideal e o histórico unidos de um modo harmônico. O racionalismo e a ortodoxia de Orígenes e de Tertuliano tem, cada um, a sua verdade. A consciência religiosa de Cristo é a fonte da qual flui o cristianismo. Ele é o começo da vida do homem. Tem o espírito da filiação - Deus no homem e o homem em Deus. 'Quid interius Deo?' Ele nos apresenta a insistência da moral ideal, e ainda a

Teologia Sistemática
309
pregação da misericórdia ao pecador. O evangelho é a semente do carvalho e o cristianismo é o carvalho que brota dele. Na semente do carvalho, assim como na árvore, estão os elementos hebraicos temporários. O paganismo é a materialização da religião; o judaísmo é a sua legalização. 'Em mim', diz Charles Secretan, vive alguém maior do que eu"'.
Mas o elemento positivo no paganismo é fraco. Os seus altares e sacrifícios, sua filosofia e arte, despertaram anseios que ele não pode satisfazer. Seus sistemas religiosos tornaram-se fonte de corrupção mais profunda. Não há esperança e nem progresso. A inerte calma da Esfinge simboliza a monotonia da civilização egípcia". As nações clássicas tornaram-se mais desesperadas quando se tornaram mais cultas. Para as melhores mentes a verdade parecia impossível de ser alcançada e toda esperança do bem-estar parecia um sonho. Os judeus eram o único povo de boas perspectivas; e toda a nossa moderna confiança no destino e desenvolvimento vem deles. Eles, por sua vez, extraem toda sua esperança da profecia. Não foi o seu "gênio pela religião" que os fez o que são, mas a revelação especial de Deus.
Embora Deus estivesse na história dos pagãos, ainda assim, tão excepcionais eram as vantagens dos judeus, que quase não podemos concordar com a doutrina do New Englander, set. 1883. 576 - "A Bíblia não reconhece outras revelações. Fala da 'máscara do rosto com que todos os povos andam cobertos e o véu com que todas as nações se escondem' (Is. 25.7); At. 14.16,17 - 'o qual, nos tempos passados, deixou andar todos os povos em seus próprios caminhos; contudo, não se deixou a si mesmo sem testemunho'; não uma revelação interna nos corações dos sábios, mas uma revelação externa na natureza, 'beneficiando lá do céu, dando-vos chuvas e tempos frutíferos, enchendo de mantimento e alegria o vosso coração'. As convicções dos reformadores pagãos relativas à inspiração divina eram obscuras e intangíveis, comparadas com o conhecimento dos profetas e dos apóstolos através dos quais Deus falava ao seu povo".
PREPARAÇÃO POSITIVA - na história de Israel.
Um simples povo foi separado dos outros desde os tempos de Abraão e educado em três grandes verdades: 1) a majestade de Deus em sua unidade, onipotência e santidade; 2) a pecaminosidade do homem e sua desesperança moral; 3) a certeza de uma salvação vindoura. Tal educação a partir da época de Moisés foi conduzida pelo uso de três principais agentes:
A Lei. A legislação mosaica, a) através das suas teofanias e milagres; cultivava a fé num Deus pessoal e onipotente e Juiz; b) através das suas determinações e ameaças despertava o senso do pecado; c) através do seu sistema sacerdotal e sacrificial inspirava a esperança de algum processo de salvação e acesso a Deus.
A educação dos judeus, antes de tudo, se opera através da lei. Na história universal, como na individual, a lei deve preceder o evangelho; João Batista

310
Augustus Hopkins Strong
deve vir antes de Cristo; o conhecimento do pecado deve preparar uma auspiciosa entrada para o conhecimento de um Salvador. Enquanto o pagão estava estudando as obras de Deus, o povo escolhido estava estudando o próprio Deus. Os homens ensinam por palavras e por obras; do mesmo modo Deus. E as palavras revelam coração a coração, o que as obras nunca podem fazer. "Fazia-se os judeus conhecer, em benefício da humanidade, a culpa e a vergonha do pecado. Contudo, precisamente quando a doença estava no clímax, os médicos estavam sob o desprezo". Wrightnour: "Como a ensinar todas as eras subseqüentes que nenhuma purificação exterior forneceria um remédio, o grande dilúvio que lavou todo o mundo antediluviano, com exceção de um única família relativamente pura, não purificou o mundo do pecado".
Com este crescimento gradual no sentido do pecado há também uma fé ampliada e aprofundada. Kuyper, Work of the Holy Spirit, 67 - "Abel, Abraão, Moisés = o indivíduo, a família, a nação. Pela fé Abel obteve testemunha; pela fé Abraão recebeu o filho da promessa; pela fé Moisés conduziu Israel através do Mar Vermelho". Kurtz, Religionslehre, fala da relação entre a lei e o evangelho como "Ein fliessender Gegensatz" - "uma antítese fluente" - como a que há entre a flor e o fruto. A. B. Davidson, Expositor, 6.163 - "O curso da revelação é como um rio que não pode ser dividido em seções". E. G. Robinson:
As duas idéias fundamentais do judaísmo são: 1. a teológica - a unidade com Deus; 2. filosófica - a distinção entre Deus e o mundo material. O judaísmo vai à semente. Jesus, com o malho de ferreiro da verdade, destruiu as formas mortas e os judeus pensavam que ele estivesse destruindo a Lei".
Profecia. - Esta era de duas espécies: a) verbal, - começando com o proto-evangelho no jardim e estendendo-se pelos quatrocentos anos que precedem a vinda de Cristo; b) típica, - em pessoas como Adão, Melquisedeque, José, Moisés, Josué, Davi, Salomão, Jonas; e na prática de atos tais como o sacrifício de Isaque o levantamento da serpente no deserto feito por Moisés.
A relação da lei com o evangelho é como a de um esboço de um quadro completo ou do plano de Davi para a execução do templo de Salomão. Quando todas outras nações estavam afundadas no pessimismo e desespero, a luz da esperança irrompeu com brilho entre os hebreus. A nação ampliou seus limites. A fé era a sua própria vida. Os santos do Velho Testamento viram todas as perturbações da presente "sub specie eternitatis", e creram que "a luz semeia-se para o justo, e a alegria, para os retos de coração" (Sl. 97.11).
A esperança de Jó era a do povo escolhido: "Eu sei que o meu Redentor vive, e que, por fim, se levantará sobre a terra" (Jó 19.25). Hutton, Essays, 2.237 - "O supernaturalismo hebreu transmudou para sempre o naturalismo puro da poesia grega. E agora nenhum poeta moderno que não sinta e reproduza em seus escritos a diferença entre o natural e o sobrenatural pode tornar-se realmente grande".
Cristo é a realidade para a qual apontam os tipos e cerimônias indicados pelo judaísmo; e estes desapareceram com o advento do cristianismo assim

Teologia Sistemática
311
como as pétalas de uma flor caem com o aparecimento dos frutos. Muitas promessas feitas aos santos do Velho Testamento, que lhes pareciam bênçãos temporais, cumpriram-se de melhor forma por serem mais espirituais do que eles esperavam. Deste modo Deus cultivou neles uma ilimitada confiança - na essência a mesma que a fé da nova dispensação porque era a confiança absoluta de um pecador conscientemente desesperançado no método salvador de Deus e que era implicitamente, embora não explicitamente, uma fé em Cristo.
O proto-evangelho (Gn. 3.15) diz: "esta (a semente prometida) te ferirá a cabeça". A palavra "esta" vem traduzida em alguns manuscritos em latim pela palavras "ipsa". Por isso os doutores em divindades na Igreja Católica Romana atribuem a vitória ã virgem. Note que Satanás foi amaldiçoado, mas Adão e Eva não o foram; porque estes eram candidatos à restauração. A promessa do Messias reduziu-se na medida em que a raça se tornou mais velha desde Abraão até Judá, Davi, Belém e a virgem. A profecia falava do "cetro" e das "setenta semanas". Ageu e Malaquias predisseram que o Senhor viria subitamente ao segundo templo. Cristo deveria ser verdadeiramente homem e verdadeiramente Deus; profeta sacerdote e rei; humilhado e exaltado. Quando a profecia se tornasse completa, passaria o breve intervalo e, a seguir, ele, de quem Moisés na lei, e os profetas escreveram, verdadeiramente viria.
Contudo, esta preparação toda para a vinda de Cristo, por causa da perversidade do homem, transformou-se nos mais formidáveis obstáculos ao progresso do evangelho. O Império Romano levou Cristo à morte. A filosofia rejeitou Cristo como loucura. O ritualismo judaico, o mais sombrio, usurpou o lugar da adoração e da fé, substância da religião. O último método divino da preparação no caso de Israel foi o do
Juízo. - Os repetidos castigos divinos por causa da idolatria culminaram com a ruína do reino e cativeiro dos judeus. O exílio teve dois principais efeitos: a) religioso, - dando ao monoteísmo firme raiz no coração do povo e levando ao estabelecimento do sistema de sinagogas pelo qual o monoteísmo daí em diante se preservou e se propagou; b) civil, - convertendo os judeus de um povo agrícola em comerciantes, espalhando-os entre todas nações e, finalmente, imbuindo-os do espírito da lei e organização romanas.
Assim o povo se tomou pronto para receber o evangelho e propagá-lo pelo mundo inteiro na época em que se tomara consciente de suas necessidades e, através de seus maiores filósofos e poetas, expressava seus anseios pela libertação.
Com a união da Europa, da Ásia e da África há uma pequena terra pela qual passaram caravanas desde o Oriente até o Ocidente. A Palestina tomou- se "o olho do mundo". Os hebreus, através de todo o mundo romano eram a grande Palestina da dispersão". A dispersão dos judeus por todas as terras tinha preparado um ponto de partida monoteísta para o evangelho em cada cidade pagã. As sinagogas judaicas prepararam lugar para as assembléias

312
Augustus Hopkins Strong
onde ouviriam o evangelho. O Grego, língua literária universal, tinha providenciado um meio através do qual aquele evangelho seria pregado. "César unificou o Latim no Ocidente, como Alexandre o fez com o fez com o Grego no Oriente"; e a paz universal juntamente com as estradas romanas e as leis romanas tornaram possível àquele evangelho, quando tivesse obtido apoio, expandir-se até aos confins da terra. A primeira aurora do empreendimento missionário surge entre os judeus prosélitos antes da era cristã. O cristianismo lançou a base deste espírito proselitista e santificou-o até conquistar o mundo à fé cristã.
Beyschlag, N.T. Theotogy, 2.9,10 - "Em sua expedição geral através do Helesponto, Paulo reverteu o curso que Alexandre empreendeu e levou o evangelho à Europa aos centros da cultura grega". Vemos nestas preparações muitas linhas convergentes a um resultado, de forma inexplicável, a não ser que as tomemos como provas da sabedoria de Deus preparando o caminho para o reino de seu filho; e tudo isto a despeito do fato de que "o endurecimento veio em parte sobre Israel, até que a plenitude dos gentios haja entrado" (Rm. 11.25). James Robertson, Early Religion of Israel, 15 - "Israel agora instrui o mundo no louvor a Mamon, após ter outrora ensinado o conhecimento de Deus".
SEÇÃO II - A PESSOA DE CRISTO
A redenção do pecado da humanidade devia ser efetuada através de um Mediador que une em si tanto a natureza humana como a divina para que possa reconciliar Deus com o homem e o homem com Deus. Para facilitar o entendimento da doutrina escriturística sob consideração, convém, de início, apresentar um breve exame histórico dos pontos de vista relativos à pessoa de Cristo.
Como já vimos, na história da doutrina, as crenças defendidas para a solução no início são apenas gradualmente precipitadas e cristalizadas em fórmulas definidas. A primeira pergunta que os cristãos naturalmente faziam a si mesmos era: "que pensais vós do Cristo?" (Mt. 22.42); daí a sua relação com o Pai; a seguir, na devida sucessão, a natureza do pecado, da expiação, da justificação, da regeneração. Estabelecendo conexão destas perguntas com os nomes dos grandes líderes que procuravam respectivamente responder-lhes, temos: 1. a Pessoa de Cristo tratada por Gregório Nazianzeno (328);
2. a Trindade por Atanásio (325-373); 3. o pecado por Agostinho (353-430);
Expiação por Anselmo 1033-1109); 5. Justificação pela fé por Lutero (1485- 1560); 6. Regeneração por João Wesley (1703-1791); - seis dias de teologia, deixando só o sétimo, para a doutrina do Espírito Santo, que pode ser obra dos nossos dias. Jo. 10.36 - "aquele a quem o Pai santificou e enviou ao mundo" - indica um certo processo misterioso através do qual o Filho foi preparado para a sua missão. Atanásio: "Se o Verbo de Deus está no mundo, em corpo, como estranho é afirmar que ele também entrou na humanidadeI" Este é o fim natural da evolução do inferior para o superior.

Teologia Sistemática
313
L LEVANTAMENTO HISTÓRICO DOS PONTOS DE VISTA RELATIVOS À PESSOA DE CRISTO
Os Ebionitas = 'pobre'; 107 A.D. ?) negavam a natureza divina
ie Cristo, e sustentavam que ele era apenas homem, quer concebido natural, quer sobrenaturalmente. Contudo, tal homem tinha uma relação peculiar com Deus, na qual, desde a época do batismo, uma plenitude desmedida do Espírito Divino repousava sobre ele. O ebionismo era simplesmente um judaísmo sob o disfarce da igreja cristã e a negação da divindade de Cristo ocasionada pela aparente incompatibilidade com o monoteísmo.
Fürst (Léxico Hebraico) deriva o nome ebionita da palavra que significa 'pobre'; ver Is. 25.4 - "porque foste fortaleza do pobre"; Mt. 5.3 - "Bem-aventurados os pobres de espírito". Significa "almas opressas, piedosas". Epifânio as faz remontar aos cristãos que se refugiaram, 66 A.D., em Pela pouco antes da destruição de Jerusalém. Eles duraram até o quarto século. Dorner não atribui nenhuma época para a formulação da seita, nem atribui historicamente a liderança a qualquer pessoa. Não se tratava de um cristianismo judaico, mas uma divisão dele. Havia dois grupos de ebionitas:
Os nazarenos, que defendiam o nascimento sobrenatural de Cristo, não iam além de admitir a hipóstase do Filho. Menciona-se que eles tinham o Evangelho segundo Mateus em Hebraico.
Os de Cerinto, que punham o batismo de Cristo em lugar do seu nascimento sobrenatural, e faziam a filiação ética a causa da física. Segundo eles parece uma fábula que o Filho de Deus tivesse nascido de uma virgem. Não há nenhuma união pessoal entre o elemento divino e o humano em Cristo. Cristo, distinto de Jesus, não era somente uma força impessoal que desceu sobre Jesus, mas uma hipóstase preexistente acima das forças terrenas criadas. Os Ebionitas de Cerinto que, no todo, representam melhor o espírito do ebionismo, aproximavam-se do farisaísmo judaico e eram hostis aos escritos de Paulo. A Epístola aos Hebreus, de fato, pretende atacar uma tendência ebionita de valorizar excessivamente a lei e subestimar Cristo. Contudo, Em um ponto de vista completo, contudo, convém mencionar que:
O Ebionismo Gnóstico dos pseudo-clementinos, que, com o fim de destruir a divindade de Cristo e salvar o assim chamado monoteísmo puro, da religião primitiva, abandonou até a melhor parte do Velho Testamento. Em todas as suas for-mas, o Ebionismo concebe Deus e o homem exteriores um ao outro. Deus não podia originar-se do homem. Cristo não passava de um profeta ou mestre, que, em recompensa da sua virtude, desde o tempo do batismo, era dotado do Espírito. Após a sua morte, foi elevado a condição de rei. Mas isto não justifica a adoração que a igreja lhe tributa. Um simples mediador nos separaria de Deus, ao invés de unir-nos a ele.
Docetistas (SoKéco - 'parecer', 'aparentar'; 70-170 A.D.) como a maioria dos gnósticos no século II e os maniqueístas no século m, negavam a reali

314
Augustus Hopkins Stroirg
dade do corpo de Cristo. Este ponto de vista era a seqüência lógica da suposição de que o mal é inerente à matéria. Se a matéria é má e Cristo era puro, então o corpo humano de Cristo deve ter sido meramente fantástico. O doce- tismo era simplesmente uma filosofia pagã introduzida na igreja.
O gnóstico Basílides defendia um Cristo realmente humano, a quem o voúç divino se uniu através do batismo; mas os seguidores de Basílides se tornaram docetistas. Para eles o corpo de Cristo era só aparente. Na verdade não tinha vida nem morte. Valentino tornou o Eon, Cristo, um corpo puramente pneumático e digno dele, passar pelo corpo da Virgem, como a água através do caniço, sem tomar para si nada da natureza humana através da qual ele passou; ou como o raio de luz através do vidro colorido que só dá à luz uma parte da sua sombra. A vida de Cristo é somente uma teofania. Os patri- passianos e os sabelianos, que eram somente seitas do docetismo, negavam toda a humanidade real de Cristo. Mason, Faith ofthe Gospel, 141 - "Ele tece os espinhos da morte e da vergonha 'como uma vereda triunfal', cuja aspereza nunca sentiu. O seu desenvolvimento é apenas exterior e aparente. Não se lhe pode atribuir ignorância alguma em meio à onisciência de Deus". Shelley: "A sua forma mortal É como o vapor nebuloso Que o planeta do Oriente anima com a luz". O forte argumento contra o docetismo encontra-se em Hb. 2.14- "Visto que os filhos participam da carne e do sangue, também ele participou das mesmas coisas".
O fato de que o docetismo apareceu bem cedo mostra a impressão que Cristo causou de ser um sobre-humano. Entre muitos dos gnósticos, a filosofia que fornece a base do seu docetismo é a apoteose do mundo. Deus não precisa tornar-se homem para ser essencialmente divino. Este ponto de vista e o erro oposto do já mencionado judaísmo mostram a sua insuficiência nas tentativas de combinar um com o outro, como na filosofia alexandrina.
Os Arianos (Ário, condenado em Nice, 325) negavam a integridade da natureza divina em Cristo. Eles consideravam o Logos que se uniu à humanidade em Cristo, não como possuído de divindade absoluta, mas como o primeiro e mais elevado dos seres criados. Este ponto de vista originou-se numa falsa interpretação dos relatos escriturísticos do estado de humilhação de Cristo e no equívoco da subordinação temporária com a desigualdade original e permanente.
Dorner chama o arianismo uma reação contra o sabelianismo. Sabélio reduziu a encarnação de Cristo a um fenômeno temporário. Ário pensava acentuar a hipóstase do Filho e atribuir-lhe fixidez e substância. Mas, na sua mente, a realidade da filiação parecia requerer subordinação ao Pai. Orígenes pensava na subordinação do Filho ao Pai em conexão com a doutrina da geração eterna. Ário sustentava a subordinação e também a geração, mas esta, ele declarava que não podia ser eterna, mas limitada ao tempo.

Teologia Sistemática
315
Os Apolinciristcis (Apolinário, condenado em Constantinopla, 381) negavam a integridade da natureza humana de Cristo. Segundo este ponto de vista, Cristo, de modo nenhum, tinha voíiç ou 7tv£\j)j.a humanos além daquele concedido pela natureza divina. Cristo tinha só o arâpa e xiropí humanos; o lugar do vouç e do 7tve\)"j.a humanos foi preenchido pelo Logos divino. O apolina- rismo é uma tentativa de construir a doutrina da pessoa de Cristo nas formas da tricotomia platônica.
Para que a divindade não parecesse um elemento estranho, quando acrescido a esta humanidade reduzida, Apolinário dizia que havia uma tendência eterna para o elemento humano no próprio Logos; que em Deus estava a verdadeira humanidade; que o Logos é o homem eterno, arquétipo. Mas não existe esta coisa de tornar-se homem - só há uma manifestação da carne da qual o Logos já era. Deste modo temos um Cristo de cabeça grande, mas com corpo de anão. Justino Mártir precedeu Apolinário neste ponto de vista.
Ao opor-se a isto, os Pais da igreja diziam que, o que "o Filho de Deus não tomou para si, não o santificou" - xò à7tpóa?ai7txov kcu àdepárce-oxov. Dorner, Jahrbuch f. d. Theol., 1.397-408 - Na teoria ariana, a impossibilidade de unificar duas almas finitas conduziu finalmente à negação [apolinarista] da alma humana de Cristo.
O pensamento de Apolinário é que o Verbo eterno uniu em si, não uma natureza completa, mas uma natureza animal irracional humana. Simon, Reconciliation, 329 - é quase apolinarista quando sustenta que o Logos encarnado era humano, mas não um homem. Ele constitui o homem, auto- limitado, de modo a poder salvar aquele a quem deu a vida. Gore, Incarnation,
93 - "Apolinário sugere que o arquétipo da humanidade existe em Deus, que fez o homem à sua imagem, de modo que a natureza deste, em certo sentido, preexistia em Deus. O Filho de Deus é eternamente humano e pode preencher o lugar da mente humana em Cristo sem deixar de ser, em certo sentido, divino. ... A isto a igreja se opunha; o homem não é Deus e nem Deus um homem. O primeiro princípio do teísmo é de que a humanidade, no fundo, não é a mesma coisa que Deus. Este é um princípio intimamente ligado à responsabilidade do homem e à sua realidade. Estavam em jogo os interesses do teísmo".
Os Nestorianos (Nestório, exonerado do patriarcado de Constantinopla, 431) negavam a união real entre as naturezas divina e humana em Cristo, tomando-a mais uma unidade moral do que orgânica. Recusavam-se, portanto, a atribuir à unidade resultante os atributos de cada natureza e consideravam Cristo como um homem numa relação bem próxima com Deus. Assim eles sustentavam virtualmente duas naturezas e duas pessoas ao invés de duas naturezas em uma pessoa.
Nestório não gostava da expressão: "Maria, mãe de Deus". A declaração de Calcedônia declarava sua verdade, com o significativo acréscimo: "quanto

316
Augustus Hopkins Strong
à sua humanidade". Nestório fazia Cristo um templo de Deus. Ele cria na a-ovácpeia, mas não na êvcocnç, - junção e moradia, mas não união absoluta.
Ele se excedeu na analogia da união do crente com Cristo e separou tanto quanto pôde o elemento divino do humano. Neste ponto de vista as duas naturezas eram, àXXoq kccí ixXXoq, em lugar de aXXo kccí aXXo que o constitui eTç - uma pessoalidade. A união que ele aceitava é moral, e considera Cristo simplesmente Deus e homem, em vez de Deus-homem.
João Damasceno comparou a paixão de Cristo ao sentimento de uma árvore sobre a qual brilha o sol. O machado derruba a árvore, mas não danifica os raios solares. Assim os golpes desferidos contra a humanidade de Cristo não ferem a sua deidade; conquanto a carne sofra, a deidade permanece impassível. Contudo, esta não deixa nenhuma eficácia divina nos sofrimentos humanos e nenhuma união pessoal do elemento humano com o divino. O erro de Nestório surge de um nominalismo filosófico que se recusa a conceber a natureza sem a pessoalidade. Ele tão somente cria mais numa união local ou moral, como é a união matrimonial, em que os dois se tornam um; ou como o estado, que às vezes é chamado de uma pessoa moral, porque sua unidade se compõe de pessoas.
"Não há necessidade alguma de um nascimento virginal, - para assegurar um pai sem pecado do mesmo modo que uma mãe também pura. O nes- torianismo sustenta que não há encarnação real - só uma aliança entre Deus e o homem. Deus e o homem unem-se do mesmo modo que a formação das siamesas, Chang e Eng. Mas a encarnação não é apenas um grau mais elevado da união mística". Gore, Incarnation, 94- Nestório adotou e popularizou a doutrina do famoso comentador Teodoro de Mopsuéstia. Mas o Cristo de Nestório era tão somente um homem deificado, não um Deus encarnado; ele era debaixo, não de cima. Se ele fosse exaltado até unir-se à essência divina, sua exaltação seria apenas a de um indivíduo".
Os Eutiquianos (Eutiques, condenado em Calcedônia, 451) negavam a distinção e coexistência das duas naturezas e defendiam uma mistura de ambas o que constituía um tertium quid, uma terceira natureza. Visto que neste caso o divino deve sobrepor o humano, segue-se que o humano foi realmente absorvido ou transmudado no divino, apesar de que o divino não ficou sendo em todos respeitos o mesmo, após a união, que se deu anteriormente. Os eutiquianos foram chamados de monofisitas porque virtualmente reduziam as duas naturezas a uma.
Eles eram uma escola alexandrina que incluía monges de Constantinopla e do Egito. Empregavam as palavras cúyx-oaiç, p.eTapo^fi - mescla, transformação - para descrever a união das duas naturezas de Cristo. A humanidade ligada à divindade era uma gota de mel mesclada ao oceano. Houve uma mudança em qualquer dos elementos, mas do mesmo modo que uma pedra atrai a terra, ou um meteorito, o sol ou, quando um barquinho empurra um navio, todo o movimento era virtualmente na parte do objeto menor. Deste modo a humanidade foi absorvida pela divindade, para desaparecer. Ilustrou-se

Teologia Sistemática
317
a união com o elétron, um metal formado de prata e de ouro. Uma ilustração mais moderna seria a da união química de um ácido e um alcalino, para formar um sal diferente dos seus constituintes.
Com efeito, esta teoria nega o elemento humano e, com isso, a possibilidade da expiação, da parte da natureza humana, assim como da união real do homem com Deus. Tal união mágica das duas naturezas, como Eutiques descreve, é inconsistente com qualquer homem digno da parte do Logos; a humanidade está bem próxima tanto do elemento ilusório como na teoria do docetismo. Mason, Faith of the Gospel, 140 - "Isto não só faz Deus, mas também a humanidade algo um tanto estranho - alguma natureza inominável, em posição intermédia - a fabulosa natureza de um semideus semi- humano", como o Centauro.
O autor de "A Teologia Alemã" diz que "a natureza de Cristo era totalmente despojada se si mesma e não era nada mais que uma casa e habitação de Deus". Os místicos teriam personalidade humana de tal modo completa com
o órgão da personalidade divina que podemos ser para Deus o que a mão é para o homem" e que "eu" e "meu" podem deixar de ter qualquer sentido. Ambos pontos de vista têm um sabor de eutiquianismo. Por outro lado, o unitário diz que Cristo é "simplesmente um homem". Mas não pode haver essa coisa de simples homem sem algo acima e além dele, autocentrado e automovimentado. O trinitário às vezes se declara crer que Cristo é Deus e homem, implicando dessa forma duas substâncias. O melhor é dizer que o Deus-homem manifesta todos os poderes divinos e qualidades de que todos os homens e toda a natureza são corpos parciais.
A futura pesquisa parece mostrar que a história esgotou as possibilidades de heresia e que as negações futuras da doutrina da pessoa de Cristo devem ser, na essência, formas dos pontos de vista já mencionados. Todas controvérsias com relação à pessoa de Cristo devem, necessariamente, girar em tomo de três pontos: 1) a realidade das duas naturezas; 2) a integridade das duas naturezas; 3) a união das duas naturezas em uma só pessoa. O ebionismo e o docetismo negam a realidade das naturezas; o arianismo e o apolinarismo negam a sua integridade; o nestorianismo e o eutiquianismo negam a propriedade de sua união. Em oposição a todos esses erros, a doutrina ortodoxa tem a sua base e sustenta-a até hoje.
Podemos aplicar a esta matéria o que o Dr. A. P. Peabody disse numa conexão diferente: "O cânon da infidelidade estava encerrado quase tão logo foi o das Escrituras" - os modernos descrentes têm, na maioria, repetido as objeções dos seus antigos predecessores. Brooks, Foundations of Zoólogy,
126 - "Como uma granada que deixou de explodir é recolhida em algum campo de batalha, por alguém sem experiência e que a faz explodir no seio de sua própria família, com resultados desastrosos, assim uma destas crenças abandonadas pode danificar a cabeça de alguma família intelectual para confusão daqueles que o seguem como líder".

318
Augustus Hopkins Strong
A Doutrina Ortodoxa (promulgada em Calcedônia, 451) sustenta que na pessoa de Cristo há duas naturezas, uma humana e uma divina, cada uma em sua plenitude e integridade e que estas duas naturezas estão orgânica e indis- soluvelmente unidas sem, contudo, resultarem daí uma terceira natureza. Em resumo, para usar o dito antigo, a doutrina ortodoxa proíbe-nos tanto de dividir a pessoa como confundir as naturezas.
Contudo, temos que demostrar que esta doutrina é escriturística e racional. Podemos com mais facilidade por em ordem nossas provas reduzindo os três pontos mencionados a dois, a saber: 1) realidade e integridade das duas naturezas; 2) união das duas naturezas em uma só pessoa.
A fórmula de Calcedônia é negativa, com exceção da sua declaração de um êvcoaiç 'òrcoa-ccmKri. Ela procede das naturezas e considera que o resultado da união é a pessoa. Considera-se cada uma das duas naturezas em movimento recíproco. O símbolo nada diz de uma àvimoaxacna da natureza humana, nem diz que o Logos fornece o ego na personalidade. Contudo, João Damasceno adiantou-se a estas conclusões e Pedro Lombardo usou a sua obra, traduzida para o Latim, e estabeleceu os pontos de vista da igreja do Ocidente na Idade Média. Dorner considera que isto causou o surgimento da mariolatria, da invocação dos santos e da transubstanciação na Teologia da Igreja Católica Romana. Ver Philippi, Glaubenslehre, 4.189 ss.; Dorner, Penson Christ, 1.93-119 e Glaubenslehre, 2.320,328 (Syst. Doctrine, 3.216-223), em cuja última passagem pode-se encontrar valiosa matéria relativa aos mutantes empregos das palavras 7tpócco7tov, ímócnacnç, oiiaía, etc.
Gore, Incarnation, 96,101 - "Estas decisões tão somente expressam, numa nova forma, sem qualquer acréscimo substancial, o ensino apostólico apresentado no Novo Testamento. Expressam-no numa nova forma, tendo em vista a proteção dos propósitos do mesmo modo que a promulgação legal protege um princípio moral. São desenvolvimentos apenas no sentido de que representam o ensino apostólico elaborado em fórmulas com o auxílio de uma terminologia alimentada pela dialética grega. ... O que a igreja tomou emprestado ao pensamento grego é a sua terminologia, não a substância do seu credo. Mesmo com relação à sua terminologia devemos fazer uma importante ressalva; porque o cristianismo deu ênfase à pessoalidade de Deus e do homem com que o helenismo pouco se preocupou".
AS DUAS NATUREZAS DE CRISTO - SUA REALIDADE E INTEGRIDADE
A Humanidade de Cristo
Sua Realidade. - Esta pode ser demonstrada da seguinte maneira:
Ele expressamente chama-se a si mesmo e é chamado, "homem".

Teologia Sistemática
319
Jo. 8.40 - "procurais matar-me a mim, homem que vos tem dito a verdade"; At. 2.22 - "Jesus Nazareno, homem aprovado por Deus entre vós";
Rm. 5.15 - "de um só homem, Jesus Cristo"; 1 Co. 15.21 - "como a morte veio por um homem, também a ressurreição dos mortos veio por um homem";
Tm. 2.5 - "um só mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo, homem". Compare as genealogias em Mt. 1.1-17 e Lc. 3.23-38; aquela prova que Jesus é de linhagem real e esta que pertence à linhagem natural de sucessão de Davi; aquela remonta sua linhagem a Abraão e esta a Adão. Cristo é, portanto, filho de Davi e tronco de Israel. Compare a expressão "Filho do homem", p. ex. em Mt. 20.28, a que, embora se acrescentem outros sentidos, sem dúvida indica a verdadeira humanidade de Jesus. Compare, finalmente, o termo "carne" (= natureza humana), aplicada a ele em João 1.14 - "e o Verbo se fez carne", e em 1 Jo. 4.2 - "todo o espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus".
"Jesus é o verdadeiro Filho do homem como proclamou ser. Isto implica que ele é o representante de toda a humanidade. Considere por um momento o que está implicado no fato de você ser homem. Quantos pais (pai e mãe) você teve? Você responde: Dois. Quantos avós? Quatro. Quantos bisavós? Oito. Quantos trisavôs? Dezesseis. O número de ancestrais aumenta à medida em que se recua e, se você tomar somente vinte gerações, vai contar mais de um milhão de progenitores. O nome Smith ou Jones, que você tem representa só uma linha de todos esses milhões; você pode ter qualquer outro nome; a sua existência é mais uma expressão da raça do que de qualquer família ou linhagem particular. O que é verdade com relação a você, também o é com relação ao Senhor Jesus, do lado humano. Todas as linhagens da nossa humanidade comum convergem para ele. Ele é o Filho do homem, muito mais do que o filho de Maria"; ver sermão de A. H. Strong no Congresso Batista em Londres.
Ele possuía os elementos essenciais da natureza humana de que se constituem atualmente - um corpo material e uma alma racional.
Mt. 26.38 - "A minha alma está cheia de tristeza"; Jo. 11.33 - "moveu-se muito em espírito"; Mt. 26.26 - "isto é o meu corpo"; Lc. 24.39 - "espírito não tem carne nem ossos, como vedes que eu tenho"; Hb. 2.14 - "Visto como os filhos participam da carne e do sangue, também ele participou das mesmas coisas"; 1 Jo. 1.1 - "O que temos ouvido, o que temos visto com os nossos próprios olhos, o que contemplamos, e as nossas mãos apalparam, com respeito ao Verbo da vida"; 4.2 - "todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus".
Contudo, Cristo não era todos homens em um e não ilustrou o desenvolvimento de todas as forças humanas. O riso, a pintura, a literatura, o casamento - estes aspectos ele não invadiu. Não consideramos isto como ausência do homem ideal. A perfeição de Jesus é a do amor autolimitado. Por nossa causa ele se santificou (Jo. 17.19), ou separou-se de muitas coisas que no homem comum teriam sido excelência e prazer. Tornou-se um exemplo para nós fazendo a vontade de Deus e refletindo o caráter de Deus em seu

320
Augustus Hopkins Strong
ambiente particular e em sua missão particular - a de Redentor do mundo. Moberly, Atonement and Personality, 86 - 105 - "Cristo não era apenas um homem entre os homens. Sua relação com a raça humana não é diferente por ser outro, mas idêntica às nossas. Sua relação com a raça não era uma relação diferenciadora mas consumadora. Ele não era homem de modo genérico mas inclusivo ... A única relação que poderia ser comparada a sua é a de Adão que era a humanidade em um sentido real ... O Espírito de Deus se torna, pela encarnação, o espírito do homem ... Se a humanidade de Cristo não fosse a humanoidade do Divino, não seria uma relação inclusiva e consumidora, na qual ela se torna, de fato, para a humanidade de todos os outros homens ... O centro do ser de Cristo com o homem não era em si mesmo mas em Deus. ele era a expressão, pela reflexão da vontade, do Outro."
Ele era movido por princípios instintivos e exercia as forças ativas que pertencem a uma humanidade normal e desenvolvida (fome, sede, cansaço, sono, amor, compaixão, ira, ansiedade, temor, lamento, choro, oração).
Mt. 4.2 - "depois teve fome"; Jo. 19.28 - "tenho sede"; 4.6 - "Jesus, pois, cansado do caminho, assentou-se junto da fonte"; Mt. 8.24 - "o barco era coberto pelas ondas; ele, porém, estava dormindo"; Mc. 10.21 - "E Jesus, olhando para ele, o amou"; Mt. 9.36 - "E, vendo a multidão, teve grande compaixão deles"; Mc. 3.5 - "E olhando para eles, em redor, com indignação, condoendo-se da dureza do seu coração": Hb. 5.7 - "oferecendo, com grande clamor e lágrimas, orações e súplicas ao que podia livrar da morte"; Jo. 12.27
"Agora, a minha alma está perturbada e, que direi eu? Pai, salva-me desta hora"; 11.33-"moveu-se muito em espírito"; 35-"Jesus chorou"; Mt. 14.23- "subiu ao monte para orar à parte"; Hb. 2.16 - "Porque, na verdade, não tomou os anjos, mas tomou a descendência de Abraão".
O Prof. J. P. Silvernail, The Elocution of Jesus, encontra as seguintes indicações quanto à sua libertação. Caraterizava-se 1. Pela naturalidade (sentado, como em Cafarnaum); 2. Pela deliberação (cultiva a reação positiva da parte dos seus ouvintes); 3. Pela circunspecção (olhou para Pedro); 4. Pela ação dramática (a mulher apanhada em adultério); 5. Pelo autocontrole (autoridade, equilíbrio, sem gritaria, denúncia contra os escribas e fariseus). Tudo isto são manifestações de qualidades e virtudes verdadeiramente humanas.
A Epístola de Tiago, irmão do nosso Senhor, com sua exaltação de uma vida mansa, tranqüila e santa pode ser um reflexo constante do caráter de Jesus, como tinha aparecido a Tiago durante os primeiros dias em Nazaré. Assim, a exclamação de João Batista, "Eu careço de ser batizado por ti" (Mt. 3.14) pode ser uma inferência do seu relacionamento com Jesus durante a infância e juventude.
Estava sujeito às leis ordinárias do desenvolvimento humano tanto no corpo como na alma (crescia e se fortalecia em espírito; interrogava; crescia em sabedoria e em estatura; aprendeu a obediência; sofreu sendo tentado; aperfeiçoou-se através do sofrimento).

Teologia Sistemática
321
Lc. 2.40 - "E o menino, crescia e se fortalecia, em espírito, cheio de sabedoria"; 46 - "assentado no meio dos doutores, ouvindo-os e interrogando-os" (aqui, aos doze anos, aparece pela primeira vez tornando-se plenamente consciente de que é o Enviado de Deus, o Filho de Deus; 49 - "Não sabeis que me convém tratar dos negócios de meu Pai?") 52 - "crescia em sabedoria e em estatura"; Hb. 5.8 - "aprendeu a obediência, por aquilo que padeceu"; 2.18 - "naquilo que ele mesmo, sendo tentado, sofreu, pode socorrer aos que são tentados"; 10—convinha que aquele ... consagrasse, pelas aflições, o Príncipe da salvação deles.
Keble: "Não foi o nosso Senhor uma criancinha, ensinada aos poucos a orar; pelo pai querido e pela compassiva mãe instruído dia a dia"? Adamson, The Mind in Christ "Para Henry Drummond a cristandade foi a coroa da evolução do universo inteiro. O crescimento de Jesus em estatura e em graça diante de Deus e dos homens é uma miniatura do processo evolutivo de longa duração". Forrest, Christ of History and of Experience, 185 - "A encarnação do Filho não é a sua única revelação de Deus, mas a interpretação de todas as suas outras revelações de Deus à humanidade pecadora na natureza e história e experiência moral que tinham sido entenebrecidas pelo pecado. ...
O Logos, encarnado ou não, é o xéXoç assim como o àp/ií da criação".
Andrew Murray, Spirit of Christ, 26,27 - "Conquanto agora ele mesmo batizado, contudo, não pode batizar outros. Em primeiro lugar, ele deve, na força do seu batismo, enfrentar a tentação e vencê-la; deve aprender a obediência e suportá-la; através do Espírito eterno, oferecer-se como sacrifício a Deus e sua vontade; então só ele pode outra vez receber o Espírito Santo como recompensa da obediência, com o poder de batizar todos os que pertencem a ele"; ver At. 2.33 - "De sorte que, exaltado à direita de Deus e, tendo recebido do Pai a promessa do Espírito Santo, derramou isto que agora vedes e ouvis".
é) Ele sofreu e morreu (transpirou sangue; rendeu o espírito; seu flanco foi cravado e dele saíram sangue e água).
Lc. 22.44 - "E, posto em agonia, orava mais intensamente. E o seu suor tornou-se em grandes gotas de sangue que corriam até ao chão"; Jo. 19.30 - "E, inclinando a cabeça, entregou o espírito"; 34 - "um dos soldados lhe furou o lado com uma lança, e logo saiu sangue e água"; Stroud sustentava que a causa física da morte do nosso Senhor foi a prova de que Jesus morreu com o coração partido.
Anselmo, Cur Deus homo, 1.9-19 - "Já se disse que o Senhor crescia em sabedoria e em graça para com Deus, não porque isto era assim, mas porque ele agia como se assim fosse. Assim foi exaltado depois da morte, como se esta exaltação fosse por causa da morte". Podemos, entretanto, rep!';ar: Resolva todos os sinais da humanidade pela simples aparência, e você perde a natureza divina assim como a humana; porque Deus é verdade e não pode produzir a mentira. O bebê, a criança e até mesmo o homem, em certos respeitos, é ignorante. O menino Jesus não estava fazendo cruzes, como no quadro de Overbeck, mas jugos e arados, como relata Justino Mártir -

322
Augustus Hopkins Strong
trabalhando como verdadeiro aprendiz na profissão de José: Mc. 6.3 - "Não é este o carpinteiro, o filho de Maria"?
Ver o quadro de Holman Hunt, The Shadow of the Cross - no qual, não Jesus, mas só Maria vê a sombra da cruz na parede. Ele viveu uma vida de fé, assim como de oração (Hb. 12.2 - "Jesus, autor (capitão, príncipe) e aperfei- çoador da nossa fé"), dependente da Escritura, o que era muito, como o SI. 16 e o 118 e Is. 49, 50, 61 escritos para ele e a respeito dele. VerPARKS, Discourses, 297-327; Deutsch, Remains, 131-0 mais transcendental vôo do Talmude é este dito: 'Deus ora' ". Na humanidade de Cristo, unida como está à divindade, temos a verdadeira resposta a esta peça poética do Talmude.
Sua Integridade.
Empregamos aqui o termo 'integridade' para significar, não a mera plenitude, mas a perfeição. O que é perfeito é, afortiori, completo em todas as suas partes. A natureza humana de Cristo era:
Sobrenaturalmente concebida; visto que a negação de sua concepção sobrenatural envolve, ou uma negação da pureza de Maria, sua mãe, ou a negação da veracidade das narrativas de Mateus e de Lucas.
Lc. 1.34,35 - "E Maria disse ao anjo: Como se fará isso, visto que não conheço varão? E, respondendo, o anjo disse-lhe: Descerá sobre ti o Espírito Santo e a virtude do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra". A semente da mulher (Gn. 3.15) não tinha pai terreno. "Eva" = vida, não só por ser a fonte da vida física da raça, mas também por trazer ao mundo aquele que devia ser a sua vida espiritual. Juuus Müller, Proof-Texts, 29 - Jesus Cristo "não tinha de modo nenhum um pai terreno; seu nascimento foi um ato criativo de Deus, rompendo as cadeias da geração humana". Dorner, Glaubenslere, 2.447 (Doutrina Sistemática, 3.345) - "A nova ciência reconhece os múltiplos métodos de programa e em uma mesma espécie".
O Prof. Loeb achava que o ovo não fertilizado do ouriço do mar pode ser feito por tratamento químico a fim de produzir um novo mais econômico e acha provável que se pode obter o mesmo efeito entre os mamíferos. Deste modo, coloca-se entre as possibilidades científicas a partenogênese na mais elevada ordem da vida. Romanes, mesmo quando agnóstico, afirmava que o nascimento virginal até na raça humana, de modo nenhum devia estar no nível das possibilidades; ver sua obra Darwin depois de Darwin, 119, no rodapé - "Mesmo que uma virgem tivesse concebido e dado à luz um filho, mesmo que tal fato na espécie humana tivesse sido único, provocaria um precedente na continuidade psicológica". Só um novo impulso da parte do Criador poderia salvar o Redentor das longas fatalidades ocorrentes na geração humana. Mas a nova criação da humanidade em Cristo é cientificamente tão possível como a primeira criação em Adão; e em ambos os casos não pode ter havido nenhuma violação da lei natural, mas apenas a única revelação das suas possibilidades. "O nascimento a partir de uma virgem pode tornar claro que algo novo estava ocorrendo na terra e que se tratava de alguém que não era

Teologia Sistemática
323
um simples homem vindo ao mundo". A.B. Bruce: "O naturalismo integral exclui a vida virginal bem como o nascimento virginal".
Paul Lobstein, Incarnation of our Lord, 217 - Aquilo que é desconhecido aos ensinos de S. Pedro e S. Paulo, S. João e S. Tiago, e do próprio nosso Senhor e está ausente dos mais antigos e dos mais tardios evangelhos, não pode ser tão essencial como tantas pessoas têm suposto". Este argumento do silêncio é suficientemente encarado pelas considerações de que Marcos passou mais de trinta anos da vida de nosso Senhor em silêncio; que João pressupõe as narrativas de Mateus e de Lucas; que Paulo não trata da história da vida de Jesus. Os fatos eram conhecidos a princípio só por Maria e José; a própria natureza deles envolve reticência até que Jesus foi demonstrado ser "Filho de Deus em poder, pela ressurreição dos mortos" (Rm. 1.4); nesse tempo o desenvolvimento natural de Jesus e sua recusa de estabelecer um reino terreno pode ter feito os eventos miraculosos de trinta anos atrás parecerem a Maria um sonho maravilhoso; por esse motivo, só gradualmente o conto maravilhoso da mãe do Senhor achou seu destino na tradição do evangelho e dos credos da igreja e no íntimo do coração dos cristãos do mundo todo.
Cooke, sobre The Virgin Birth of our Lord, Revista Metodista, nov. 1904.849- 857 - "Se há uma nódoa moral na raça humana, se no próprio sangue e constituição da humanidade há uma inerradicável tendência para o pecado, então é totalmente inconcebível que alguém que nasceu na raça por processo natural escape à nódoa da raça. E, por fim, se o nascimento virginal não é histórico, então uma dificuldade maior que qualquer crítica destrutiva, resultante da evolução de documentos, interpolações, improbabilidades psicológicas e contradições inconscientes depara com a razão e transtorna todos os longos resultados da observação científica; que um pecaminoso e que peca deliberadamente e o casal descasado teriam dado a vida para o mais puro ser humano que jamais viveu ou com quem jamais a raça humana sonhou, e que, conhecendo e perdoando os pecados dos outros, nunca conheceu a vergonha da sua própria origem".
Livre tanto da depravação hereditária como do verdadeiro pecado; como se demonstra do fato de nunca ter oferecido sacrifício, ou nunca orar pelo perdão, ensinando que todos, a não ser ele, necessitavam do novo nascimento, desafiava todos a argüi-lo de um só pecado.
Freqüentemente Jesus subia ao templo, mas nunca ofereceu sacrifício.
Ele orava: "Pai, perdoa-lhes" (Lc. 23.34); mas nunca orou: "Pai, perdoa-me'.
Ele dizia: "Necessário vos é nascer de novo" (Jo. 3.7); mas tais palavras indicam que e/e tinha tal necessidade. "Em nenhum momento em toda aquela vida nem um só pormenor foi alterado, a não ser para pior". Ele não só rendeu-se à vontade de Deus quando passou a conhecê-la, mas buscou-a: 'não busco a minha vontade, mas a vontade do Pai, que me enviou" (Jo. 5.30).
A ira que ele mostrou não era apaixonada, ou egoística, ou vindicativa, mas a indignação da justiça contra a hipocrisia e crueldade - indignação acompa-

324
Augustus Hopkins Strong
nhada de mágoa: "olhando para eles com indignação, condoeu-se da dureza do seu coração (Mc. 3.5). F. W. H. Myers, St. Paul, 19,53 - "Tu, com oração forte e com muitíssima insistência Serás interrogado, e responderás, Mostra
o coração oculto pulsando sob a criação, Sorri com teus olhos bondosos e sê humano para com os homens. ... Sim, durante a vida inteira, nos momentos de tristeza e no pecar, ele me bastará, ele me bastou: Cristo é o fim, pois Cristo foi o começo, Cristo o começo, porque o fim é Cristo". Nenhuma experiência pessoal de pecado, mas resistência a este, capacita-nos a libertar-nos.
Lc. 1.35 - "pelo que também o Santo, que de ti há de nascer, será chamado Filho de Deus"; Jo. 8.46 - "Quem de vós me convence de pecado?" 14.30
"aproxima-se o príncipe deste mundo e nada tem em mim" = a mais insignificante inclinação má na qual a sua tentação pode apoiar-se; Rm. 8.3 - "à semelhança da carne do pecado" = na carne, mas sem o pecado que nos outros homens se apega à carne; 2 Co. 5.21 - "Àquele que não conheceu pecado"; Hb. 4.15 - "em tudo foi tentado, mas sem pecado"; 7.26 - "santo, inocente, imaculado, separado dos pecadores" - pelo fato de sua concepção imaculada; 9.14 - "pelo Espírito eterno, ofereceu a si mesmo imaculado a Deus"; 1 Pe. 1.19 - "com o precioso sangue de Cristo, como cordeiro imaculado incontaminado" 2.22 - "o qual não cometeu pecado, nem na sua boca se achou engano"; 1 Jo. 3.5,7 - "nele não há pecado ... ele é justo".
Julius Müller, Proof-Texts, 29 - "Se Cristo só tivesse natureza humana, não poderia ter sido sem pecado. Mas a vida tira da parte putrefata matéria para o seu próprio viver. A vida divina apropria a humana". Dorner, Glaubenslehre, 2.446 (Syst. Doctrine, 3.344) - "O que a regeneração é para nós, para Deus é a encarnação". Nesta origem da impecaminosidade de Jesus por causa da sua união com Deus, vemos o absurdo tanto doutrinário com prático de falar em uma concepção imaculada da Virgem e de fazer a sua impecaminosidade preceder à do seu filho. Sobre a doutrina Católica Romana, ver H. B. Smith, System, 389-392; Mason, Faith of the Gospel, 129-131 - "Ela faz a regeneração da humanidade começar, não com Cristo, mas com a Virgem. Ela quebra a conexão com a raça. Em vez de a pecaminosidade brotar da raça pecaminosa, deriva sua humanidade de algo não semelhante ao resto da humanidade". Tomás Aquino e Liguori, ambos chamam Maria rainha da misericórdia e seu filho Jesus, o Rei da Justiça. Bradford, Heredity, 289 - "A Igreja Romana fez quase uma apoteose de Maria; mas não é bom esquecer que o processo começou com Jesus. Do que ele era tirou-se uma inferência sobre o que sua mãe deve ter sido".
"Cristo assumiu a natureza humana de tal modo que esta, sem pecado, arcou com as conseqüências do pecado". Essa parte da natureza humana que o Logos assumiu na união com ele mesmo é instantânea e, pelo fato de assumi-la, purificou-a de toda a depravação inerente. Mas, se em Cristo não há nenhum pecado, ou tendência para pecar, como poderia ele ser tentado? Do mesmo modo respondemos que Adão foi tentado. Cristo não era onisciente: Mc. 13.32 - "daquele dia e hora, ninguém sabe, nem os anjos que estão no céu, nem o Filho, senão o Pai". Só no fim da primeira tentação Jesus reconhece Satanás como o adversário das almas: Mt. 4.10 - "vai-te, Satanás". Jesus pôde ser tentado não só porque não era onisciente, mas porque

Teologia Sistemática
325
também tinha a mais aguda suscetibilidade às formas do desejo inocente. Para tais desejos a tentação pode apelar. O pecado não consiste nestes desejos, mas na gratificação deles sem a ordem de Deus e contrárias à sua vontade. Meyer: "A cobiça é um apetite descontrolado. Não há prejuízo nenhum em qualquer apetite natural, considerado em si. Mas o apetite foi prejudicado pela queda". Foi assim que Satanás apelou (Mt. 4.1-11) para o desejo do nosso Senhor alimentar-se, obter aplauso, ou auferir poder: Ueber- glaube, Aberglaube, Unglaube" (Kurtz); cf. Mt. 26.39; 27.42; 26.53. Toda tentação deve dirigir-se ou ao desejo, ou ao medo; desse modo é que Cristo "em tudo foi tentado, mas sem pecado" (Hb. 4.15). A primeira tentação no deserto apelou para o desejo; a segunda, no horto, para o medo. Após a primeira tentação, Satanás "ausentou-se dele por algum tempo" (Lc. 4.13); porém voltou, no Getsêmani - "porque se aproxima o príncipe deste mundo e nada tem em mim" (Jo. 14.30) - se fosse possível para destruir a obra de Jesus, levantando dentro dele grandes e agonizantes temores do sofrimento e morte que se deparavam à sua frente. Contudo, tanto do desejo como do medo de que a sua alma estava movida, ele era "sem pecado" (Hb. 4.15). A árvore à beira do precipício ferozmente é açoitada pelos ventos; tremenda é a pressão sobre as suas raízes, mas estas se mantêm firmes. Mesmo no Getsêmani e no Calvário nunca Cristo orou pedindo perdão para si, mas para os outros.
Natureza humana ideal, - fornecendo o padrão moral que o homem progressivamente deve alcançar, apesar de que dentro dos limites do conhecimento e da atividade requerida por sua vocação como Redentor do mundo.
SI. 8.4-8 - "Fizeste-o, no entanto, por um pouco, menor do que Deus e de glória de honra o coroaste". 1 Co. 15.45 - "O primeiro ... Adão ... o último Adão" - implica que o segundo Adão realizou o pleno conceito da humanidade que deixou de ser realizado no primeiro Adão; é o que aparece no v. 49 - "assim, como trouxemos a imagem do [homem] terreno". 2 Co. 3.18 - "a glória do Senhor" é o padrão em cuja semelhança fomos transformados.
Fp. 3.21 - "que transformará o nosso corpo abatido, para ser conforme o seu corpo glorioso"; Cl. 1.18 - "para que em tudo tenha a preeminência";
Pe. 2.21 - "sofreu em vosso lugar, deixando-vos o exemplo, para seguirdes os seus passos"; 1 Jo. 3.3 - "Qualquer que nele tem esta esperança purifica- se a si mesmo, como também ele é puro".
A expressão "filho do homem" (Jo. 5.27), cf. Dn. 7.13, Com. de Pusey, in loco, e Westcott, Bibl. Com. sobre João 32-35 parece sugerir que Cristo responde à idéia perfeita da humanidade, como existia no princípio na mente divina. Não que ele fosse infinitamente belo na forma física; porque o único meio de conciliar as aparentes indicações conflitantes é supor que a respeito de todas exterioridades ele assumiu a média da humanidade aparentando ao mesmo tempo sem forma ou graça (Is. 52.2), com idade anterior ao seu tempo (Jo. 8.57 - "Ainda não tens cinqüenta anos"), em outra ocasião revelando tanto da sua graça interior e glória que os seres humanos foram atraídos e sentiram pavor (SI. 45.2 - "Tu és mais formoso do que os filhos dos homens";
Lc. 4.22 - "as palavras de graça que saíam da sua boca"; Mc. 10.32 - "Jesus

326
Augustus Hopkins Strong
ia adiante deles. E eles maravilhavam-se e seguiam-no atemorizados"; Mt. 17.1-8 narrativa da transfiguração). Compare os quadros bizantinos de Cristo com os dos pintores italianos, - aqueles ascéticos e macilentos; estes de boa aparência física. Os quadros modernos fazem Jesus excessivamente judeu. Contudo, há um certo elemento de verdade nas palavras de Mozoom- dar: "Jesus era oriental e nós, ocidentais o entendemos. Ele falava através de linguagem figurada. Nós o entendemos. Ele era místico. Você o toma literalmente; você faz dele um inglês". Do mesmo modo os cristãos japoneses não engolem o sistema ocidental de teologia porque dizem que isto seria deprimente para o mundo segundo o ponto de vista que o japonês tem a respeito de Cristo.
Mas com referência a todo elemento espiritual Cristo era perfeito. Nele se unem todas as excelências de ambos os sexos, de todos os temperamentos e nacionalidades e caracteres. Ele não só possui a inocência passiva, mas também a santidade positiva e absoluta, que triunfa na tentação. Em si ele engloba todos os objetivos e razões para o sentimento e adoração; de sorte que, ao amá-lo, "o amor nunca é demasiado". Portanto, não é a nossa natureza humana, mas a natureza humana de Cristo que é a verdadeira base da ética e da teologia. Esta ausência de estreita individualidade, este ideal, a humanidade universal, não podem ter sido garantidas simplesmente pelas leis da propagação; ela é garantida pela milagrosa concepção.
Seth, Ethical Principies, 420 - "O segredo da força do ideal moral é a convicção de que ele leva consigo não um simples ideal, mas a expressão da suprema Realidade". Bowne, Theory of Thought and Knowledge, 364 - "O apriori só esboça um possível, e não determina o que será real dentro dos limites do possível. Se a experiência é possível, deve assumir certas formas, mas estas são compatíveis com uma variedade infinita de experiência". Nem uma verdade ou ideal a priori pode garantir o cristianismo. Queremos uma base histórica, um Cristo real, uma realização do ideal divino. "Os grandes homens", diz Amiel, "são os verdadeiros homens". Sim, acrescentamos, mas não somente Cristo, o maior homem, mostra o que é o verdadeiro homem. A perfeição celestial de Jesus revela-nos a grandeza do nosso possível ser, enquanto revela ao mesmo tempo deficiência infinita e a fonte donde deve vir toda a restauração.
Gore, Incarnation, 168 - Jesus Cristo é o homem católico. Em certo sentido, os maiores homens têm transcendido os limites do seu tempo. 'Os verdadeiramente grandes têm todos uma idade, e a partir de um espaço visível derramam a sua influência. Tanto no poder como nos atos são permanentes, e o tempo não está com eles, mas trabalha para eles e eles no tempo'. Mas em um único sentido a humanidade de Jesus é católica; porque é isenta, não das limitações que tornam estreita e isolada a nossa humanidade simplesmente local e nacional". Dale, Ephesians, 42 - Cristo é um servo e algo mais. Há uma tranqüilidade, uma liberdade, uma graça, sobre a sua prática da vontade de Deus, que pertence apenas a um Filho. ... Nada há de constrangimento. ... Para isso ele nasceu. ... Ele faz a vontade de Deus como um filho faz a vontade de seu pai, naturalmente, quase sem pensar. ... Nenhuma irreverente familiaridade sobre a comunhão com o Pai, mas nenhum traço de medo, ou mesmo de estranheza. ... Os profetas caíram por terra quando a

Teologia Sistemática
327
glória divina lhes foi revelada, mas Cristo permanece calmo e firme. Um sujeito pode perder a posse de si mesmo na presença do seu príncipe, mas um filho não".
Mason, Faith ofthe Gospel, 148 - "O que em certa ocasião ele havia percebido, daí em diante conheceu. Ele não tinha nenhuma opinião, nenhuma conjectura; nunca ouvimos dizer que ele esqueceu, nem mesmo que eie lembrou, o que implicaria um grau de esquecimento; nunca ouvimos dizer que ele chegou a verdades pelo processo de raciocínio; mas ele raciocina a partir de outras. Não se registra que ele tomou conselho ou formou planos; mas ele quis, propôs e fez uma coisa com vistas a outra".
Natureza humana que encontrou sua pessoalidade só na união com a natureza divina, - em outras palavras, uma natureza humana impessoal, no sentido de que ele não tinha nenhuma pessoalidade separada da natureza divina e anterior à sua união com ela.
Impessoalidade da natureza humana de Cristo é somente aquilo que não tem pessoalidade antes que ele a assumisse, nem antes da sua união com a divina. É a natureza humana cujo conhecimento e cuja vontade só se desenvolveram na união com a pessoalidade do Logos. É por isso que os Pais rejeitaram a palavra rivwtoa-tocaícc, e substituíram-na por èvwioaTaaía, - eles não favoreciam a não pessoalidade, mas a //ifro-pessoalidade. Em termos ainda mais claros, o Logos não assumiu a união consigo mesmo de uma pessoa humana já desenvolvida, como Tiago, Pedro, ou João, mas a natureza humana antes que ela se tivesse tornado pessoal ou capaz de receber um nome. Ela alcançou a sua pessoalidade só na união com a natureza divina. Pelo que vemos em Cristo não duas pessoas - uma humana e outra divina - mas uma pessoa, e que possui uma natureza humana assim como divina.
Mason, Faith ofthe Gospel, 136 - "Não contamos nenhum defeito em nosso corpo que não tenha nenhuma subsistência pessoal separada de nós mesmos e que, se separada de nós, não é nada. Ela participa de uma vida verdadeiramente pessoal porque nós, cujos corpos elas possuem, somos pessoas. O que lhes acontece a nós". Do mesmo modo, a pessoalidade do Logos fornece o princípio organizador da dupla natureza de Jesus. Quando ele faz uma retrospectiva, vê a si mesmo habitando na eternidade com Deus no que se refere à natureza divina. Porém com respeito à sua humanidade nunca foi eterno; teve o seu começo no tempo. Contudo, a sua humanidade nunca teve uma existência pessoal separada; sua pessoalidade só se desenvolveu em conexão com a natureza divina. Gòschel, citado em Dorner, Person Christ, 5.170 - "Cristo é humanidade; nós a temos; ele a é inteiramente; nós participamos dela. Sua pessoalidade precede e se encontra na base da pessoalidade da raça e de seus indivíduos. Como idéia, ele se encontra implantado na humanidade toda; ele se encontra na base de cada consciência humana, sem, contudo, atingir a realização em um indivíduo; porque isto só é possível em toda a raça nos fins dos tempos".
Emma Marie Caillard, Man in the Light of Evolution, Revista Contemporânea, dez. 1893. 873-881 - "Cristo não é apenas o objetivo com o qual a raça

328
Augustus Hopkins Strong
que deve conformar-se, mas é também o princípio vital que molda cada indivíduo à similitude da própria raça. Potencialmente existe o tipo perfeito através de todos os estágios intermediários pelos quais progressivamente se aproxima e, se não existe, nenhum deles também pode existir. Não pode haver desenvolvimento se não houver vida. Cristo, o tipo perfeito da humanidade é o objetivo da evolução do homem. Ele existe e potencialmente sempre existiu na raça e no indivíduo tanto antes como depois da encarnação visível, de igual modo em milhões daqueles que não levam o seu nome, assim como daqueles que o levam. No sentido mais estrito das palavras, ele é a vida do homem e este é o sentido muito mais profundo e mais significativo que se pode dizer da vida do universo". Dale, Christian Fellowship, 159 - "A encarnação de Cristo não é uma maravilha isolada e anormal. É a testemunha divina da relação verdadeira e ideal de todos os homens com Deus". A encarnação não é um evento separado do Verbo "cujas origens são desde os tempos antigos, desde os dias da eternidade" (Mq. 5.2).
é) Natureza humana germinal e capaz de auto-comunicação, constituindo- o assim o cabeça espiritual e começo de uma nova raça de que o homem decaído individual e coletivamente deriva a vida nova e santa.
Em Is. 9.6, Cristo é chamado Pai da eternidade". Em Is. 53.10, se diz que "ele verá a sua posteridade". Em Ap. 22.16 ele chama a si mesmo "a raiz" assim como "geração de Davi". Ver também Jo. 5.21 - "assim também o Filho vivifica aqueles que quer"; 15.1 - "eu sou a videira verdadeira" - cujas raízes não estão plantadas na terra, mas no céu; o vinhateiro de cujo tronco deve proceder a nova vida da humanidade e a quem os ramos meio secos da velha humanidade devem ser enxertados para que tenham a vida divina. UerTRENCH, Sermão sobre Cristo a Videira Verdadeira, Hulsean Lectures. Jo. 17.2 - "des- te-lhe poder sobre toda carne, para que dê a vida eterna a todos quantos lhe deste"; 1 Co. 15.45 - "o último (foi feito) espírito vivificante" - não se trata aqui do Espírito Santo, nem da natureza divina de Cristo, mas do "ego da sua total pessoalidade divino-humana".
Ef. 5.23 - "como também Cristo é a cabeça da igreja" = cabeça à qual estão unidos todos os membros e da qual a vida e o poder derivam. Cristo chama os discípulos "filhinhos" (Jo. 13.33); quando os deixa chama-os "órfãos" (14.18). "Ele a si mesmo apresenta-se como pai e não menos que irmão" (20.17 - "meus irmãos"; cf. Hb. 2.11 - "irmãos", e 13 - "Eis-me aqui a mim e aos filhos que Deus me deu"). A nova raça se propaga conforme a analogia antiga; o primeiro Adão é a fonte da vida física; o segundo Adão, da espiritual; o primeiro Adão é a fonte da corrupção; o segundo, da santidade.
Daí Jo. 12.24 - "se morrer, dá muito fruto"; Mt. 10.37 e Lc. 14.26 - "Quem ama o pai, ou a mãe mais do que a mim não é digno de mim" = ninguém, que prefere seus velhos ascendentes à sua nova descendência e parentesco espiritual, é digno de mim. Por isso Jesus não é somente a mais nobre encarnação da velha humanidade, mas também a fonte e início de uma nova, a nova fonte da vida da raça. Cf. 1 Tm. 2.15 - "salvar-se-á, porém dando à luz filhos" - o que trouxe Cristo ao mundo.

Teologia Sistemática
329
Lightfoot, Cl. 1.18 - "que é o princípio e o primogênito dentre os mortos"
"Aqui àpxri = 1. prioridade no tempo. Cristo foi feito primícias dentre os mortos (1 Co. 15.20,23); 2. a força originadora, não somente o principium principatum, mas também o principium principians. Como ele é o primeiro com relação ao universo, assim torna-se o primeiro com relação à igreja; cf. Hb. 7.15,16 - "outro sacerdote que não foi feito segundo a lei do mandamento carnal, mas segundo a virtude da vida incorruptível". Paulo ensina que "Cristo é a cabeça de cada homem" (1 Co. 11.3), e que "nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade" (Cl. 2.9). Whiton, Gloria Patri, 88-92, assinala sobre Ef. 1.10, que o propósito de Deus é "congregar em Cristo todas as coisas, tanto as que estão nos céus, como as que estão na terra" - para trazer todas as coisas a um cabeça (àvaKecpaXaicbaaa0ai). A história é a perpetuamente crescente encarnação da vida, cujo clímax e coroa é a plenitude divina da vida de Cristo. Nele a filiação do mundo outrora inconsciente desperta para a consciência do Pai. É ele o mais digno de ostentar o nome de Filho de Deus, com preeminente, mas não exclusivo direito. Concordamos com estas palavras de Whiton, desde que signifiquem que Cristo é o único doador da vida ao homem e o único doador da vida ao universo.
Por isso Cristo é a única autoridade máxima na religião. Ele se revela na natureza, no homem, na história, na Escritura, mas cada um deles é um espelho que o reflete em nós. Em cada caso o espelho é ou mais ou menos borrado e a imagem obscurecida, embora apareça, não obstante, no espelho.
O espelho é inútil se não houver um olho para contemplá-lo e um objeto para ser visto nele. O Espírito Santo dá a visão enquanto o próprio Cristo, vivo e presente, fornece o objetivo (Tg. 1.23-25; 2 Co. 3. 18; 1 Co. 13.12).
Do outro lado da humanidade está a cristandade; do outro lado da raça decaída e pecaminosa está a nova raça criada pela introdução e morada de Cristo. Por isso, só quando ele ascendeu com a perfeita humanidade pôde enviar o Espírito Santo porque este, que torna o homem filho de Deus, é o Espírito de Cristo. Agora a humanidade de Cristo, em virtude da sua união com a divindade, tornou-se universalmente comunicável. É tão consoante com a evolução derivar os dons espirituais do segundo Adão, fonte solitária, como derivar o homem natural do primeiro Adão, também fonte solitária.
Simon, Fteconciliation, 308 - "Todo homem, no sentido, tem a natureza divina - como ensina Paulo, -ôeíov yévoç (At. 17.29).... É como se, no centro, estivesse enfaixado com várias voltas, e depois na forma de um bulbo, discerníssemos a viva chama divina, imprimindo em nós, qualitativa, para não dizer quantitativamente, da mesma forma absoluta que o grande sol ao qual ela pertence". A idéia de verdade, beleza, justiça tem em si uma qualidade absoluta e divina. Ela vem de Deus, embora das profundezas da nossa própria natureza. É a evidência de que Cristo, "a luz que alumia a todo homem" (Jo. 1.9), está presente e opera em nós.
Pfleioerer, Philos. Religion, 1.272 - "Que a idéia divina do homem como 'o filho do seu amor' (Cl. 1.13) e da humanidade como o Reino deste Filho de Deus, é a causa final imanente de toda existência e desenvolvimento mesmo antes do mundo da natureza, este têm sido o pensamento fundamental da gnose cristã desde a era apostólica e penso que nenhuma filosofia ainda foi capaz de abalar ou ultrapassar tal pensamento - a pedra angular do ponto de

330
Augustus Hopkins Strong
vista idealista do mundo". Porém Mead, O Lugar de Ritschl na História da Doutrina, 10, diz a respeito de Pfleiderer e de Ritschl: "Ambos reconhecem Cristo moralmente perfeito e o cabeça da Igreja Cristã. Ambos negam a sua preexistência e essência divina. Ambos rejeitam a concepção tradicional de Cristo como o Redentor. Ritschl chama Cristo de Deus, embora inconsistentemente; Pfleiderer abre mão de dizer uma coisa quando parece significar outra".
As passagens aqui mencionadas refutam abundantemente a negação doce- tista do verdadeiro corpo humano de Cristo e a negação apolinarista da verdadeira alma humana de Cristo. Mais do que isto, estabelecem a realidade e a integridade da natureza humana de Cristo, possuída de todos elementos, faculdades e forças essenciais à humanidade.
A Divindade de Cristo
A realidade e integridade da natureza divina de Cristo foi suficientemente provada em um capítulo anterior. Precisamos apenas fazer referência à evidência dada de que, durante o ministério terreno, Cristo:
Possuía conhecimento de sua divindade.
Jo. 3.13 - "o Filho do Homem, que está no céu" - passagem que indica claramente a consciência de Cristo, pelo menos em certas épocas da sua vida terrena, de que ele não estava confinado à terra, mas também estava no céu [apesar de que aqui, Westcott e Hort, juntamente com K e B, omitem ó còv èv xrâ o-òpavw; na defesa da leitura comum ver Broadus, Hovey's Com. On Jo. 3.13]\ 8.58 - "antes que Abraão existisse eu sou" - aqui Jesus declara que há um sentido em que a idéia de nascimento e de começo não se aplicam a ele, mas na qual ele pode aplicar a si o nome "eu sou" do Deus eterno: 14.9,10
"Estou há tanto tempo convosco, e não me tendes conhecido, Filipe? Quem me vê a mim vê o Pai; e como dizes tu: Mostra-nos o Pai? Não crês tu que eu estou no Pai e que o Pai está em mim?"
Adamson, The Mind of Christ, 24-49, dá os seguintes exemplos do conhecimento sobrenatural de Jesus: 1. O conhecimento que Jesus tinha de Pedro (Jo. 1.42); 2. a sua descoberta de Filipe (1.43); 3. seu reconhecimento de Natanael (1.47-50); 4. a mulher samaritana (4.17-19,39); 5. as pescas maravilhosas (Lc. 5.6-9; Jo. 21.6); 6. a morte de Lázaro (Jo. 11.14) 7. o jumentinho;
o cenáculo (Mc. 14.15); 9. a negação de Pedro (Mt. 26.34); 10. a forma como ele morreria (Jo. 12.33; 18.32); 11. a forma como Pedro morreria (Jo. 21.19); 12. a queda de Jerusalém (Mt. 24.2).
Jesus não diz "nosso Pai", mas "meu Pai" (Jo. 20.17). A rejeição dele é pecado maior que a rejeição dos profetas porque ele é o "filho amado" de Deus (Lc. 20.13). Ele conhece, melhor do que os anjos, os propósitos de Deus, porque ele é o seu Filho (Mc. 13.32). Como Filho de Deus, só ele conhece, e só ele pode revelar o Pai (Mt. 11.27). Há algo mais claro na sua

Teologia Sistemática
331
filiação do que na dos seus discípulos (Jo. 1.14 - "unigênito"; Hb. 1.6 - "primogênito").
Exercia poderes e prerrogativas divinos.
Jo. 2.24,25 - "Mas o mesmo Jesus não confiava neles, porque a todos conhecia e não necessitava de que alguém testificasse do homem, porque ele bem sabia o que havia no homem"; 18.4 - "Sabendo Jesus todas as coisas, que sobre ele haviam de vir, adiantou-se"; Mc. 4.39 - "E ele, despertando, repreendeu o vento e disse ao mar: Cala-te. E o vento se aquietou e houve grande bonança"; Mt. 9.6 - "Ora, para que saibais que o Filho do Homem tem na terra autoridade para perdoar pecados - disse ao paralítico: Levanta-te, toma a tua cama e vai para a tua casa"; Mc. 2.7 - "Porque diz este blasfêmias? Quem pode perdoar pecados senão Deus?"
Não basta, como Alexandre Severo, guardar o busto de Cristo, numa capela particular, do mesmo modo que um Virgílio, um Orfeu, um Apolônio e outras pessoas da mesma valia; ver Gibbon, Decline and Fali, cap. XVI. "Cristo é tudo em todos. Na história árabe, o príncipe tomou de uma casca de noz a miniatura de uma tenda que se ampliou a ponto primeiro de cobri-lo e, depois o seu palácio e, depois o seu exercito e, por fim, todo o seu reino.
Do mesmo modo o ser de Cristo e sua autoridade ampliam-se quando os refletimos até que eles sejam levados, não só para dentro de nós, dos nossos lares e do nosso país, mas do mundo todo formado de homens pecadores e sofredores e de todo o universo de Deus".
Matheson, Voices of the Spirit, 39 - "Que lei é essa que eu chamo de gravitação, mas o sinal do Filho do homem no céu? É o evangelho da auto- rendição na natureza. É a incapacidade de qualquer mundo ser o seu próprio centro, a necessidade de cada mundo centrar-se em algo mais. ... No firmamento, assim como na terra, os muitos tornam-se um ao darem-se como exemplo de muitos". O mais sutil pensamento falhará e faltará o aprendizado; as igrejas mudam, as formas deixam de existir, os sistemas passam; Mas as nossas necessidades humanas, não se alterarão, Cristo jamais se modificará. Sim, amém, Ó imutável, só tu és o guia da vida e a meta espiritual; Tu, que és a luz no vale escuro, Tu que és o ancoradouro da alma".
Mas isto significa, em outras palavras, que havia, em Cristo, um conhecimento e uma força tais que pertencem só a Deus. As passagens citadas fornecem uma refutação tanto para a negação ebionita da realidade como para a negação da integridade por parte dos arianos sobre a natureza divina de Cristo.
Napoleão ao Conde Montholon (Memórias de Bertrand): "Penso que entendo um pouco da natureza humana, e digo que tudo isto [heróis da antigüidade] eram seres humanos e eu também o sou; mas não há ninguém como ele: Jesus Cristo era mais do que um homem". Mesmo Espinosa, Trac. Theol.-Pol., cap 1 (vol. 1.383), diz que "Cristo comungava com Deus, mente a mente ... tal intimidade espiritual é ímpar" (Martineau, Types, 1.254) e Chan-

332
Augustus Hopkins Strong
ning fala de Cristo como sendo mais do que um ser humano; tendo apresentado uma imaculada pureza que é a mais elevada distinção do céu. F. W. Robertson chamou a atenção para o fato de que a expressão "Filho do homem" (Jo. 5.27; cf. Dn. 7.13) implica em si que Cristo é mais do que um homem; teria sido impertinência dele ter-se proclamado Filho do homem, se não tivesse reivindicado ser algo mais; cada homem não podia chamar-se a mesma coisa? Quando alguém toma para si esta designação caraterística, como aconteceu com Jesus, implica que há algo estranho em ser Filho do homem; esta não é a condição e dignidade originais; a saber, ele é também Filho de Deus.
Corrobora o argumento da Escritura achar que a experiência cristã sem distinção reconhece a divindade de Cristo e que a história cristã mostra uma nova concepção da dignidade da infância e da feminilidade, do elemento sagrado da vida humana, e do valor da alma humana; surgindo da crença de que, em Cristo, a divindade honrou a natureza humana fazendo-se uma união perpétua com ela, levando a culpa e castigo e elevando-a da desonra do túmulo para a glória do céu. Tanto a humanidade como a divindade de Cristo são necessárias; a humanidade, - porque, como testemunha O Juízo Final de Miguel Ângelo, as eras que negligenciaram a humanidade de Cristo sem dúvida têm algum defensor e Salvador humano, e encontram um pobre substituto para o Cristo sempre presente na mariolatria, na invocação dos santos, e na 'presença real' da hóstia ou na missa; porque, se Cristo não é Deus, ele não pode oferecer uma infinita expiação por nós, nem realizar uma verdadeira união entre as nossas almas e o Pai. Dorner, Glaubenslehre, 2.325-327 (Doutrina Sistemática, 3.221-223) - Maria e os santos ocuparam o lugar de intercessores no céu; a transubstanciação forneceu um Cristo presente na terra". Quase que se pode dizer que Maria se fez a quarta pessoa da divindade.
Harnack, Das Wesen des Christendums: Não é paradoxo nem racionalis- mo, mas tão somente expressa a verdadeira posição apresentada diante de nós nos evangelhos; só o Pai, não o Filho, tem um lugar no evangelho como Jesus o proclamou"; /'.e., Jesus não tem lugar nenhum, nem autoridade, nem supremacia, no evangelho; o evangelho é um cristianismo sem Cristo; ver Nicoll, The Church's One Foundation, 48. E isto em face das próprias palavras de Jesus: "Vinde a mim" (Mt. 11.28): "O Filho do Homem ... se assentará no trono da sua glória e todas as nações serão reunidas diante dele" (Mt. 25.31,32); "quem me vê a mim vê o Pai" (Jo. 14.9) "quem não crê no Filho não verá a vida, mas a ira de Deus sobre ele permanece" (Jo. 3.36). Loisy, The Gospel and the Church, defende a teoria da semente diferentemente da teoria da cebola. O quarto evangelho parece uma produção do segundo século? E então? Há uma evolução da doutrina quanto a Cristo. "Harnack não concebe o cristianismo como uma semente, a princípio potencialmente uma planta, depois uma planta real, desde o começo da sua evolução idêntica ao limite final e desde a raiz até o alto do caule. Ele a concebe mais como um fruto amadurecido, ou muito amadurecido, que deve ser descascado para descobrir-se o cerne incorruptível, e ele descasca o fruto de tal modo que pouco sobra até o fim". R. W. Gilder: "Se Jesus é apenas um homem, e tão somente um homem, Digo que Toda a humanidade se apega a ele, e sempre

Teologia Sistemática
333
se apegará. Se Jesus é só um Deus, eu juro que o seguirei por todo o céu e por todo o inferno, terra e mar, e ar".
Sobre Cristo manifesto na natureza, ver Jonathan Edwards, Observations on Trinity, ed. Smith, 92-97 - "Aquele que, por sua influência imediata, produz, a cada momento, o ser e atua por seu Espírito no mundo, porque se inclina a comunicar-se, indubitavelmente comunica a sua excelência aos corpos, até onde de qualquer forma há consentimento ou analogia. E a beleza do rosto e o suave ar no ser humano nem sempre são o efeito da excelência da mente; contudo, a beleza da natureza na verdade é emanação ou sombra da excelência do Filho de Deus. De tal modo que, quando nos deleitamos com as campinas floridas e a suave brisa do vento, podemos considerar que só vemos as emanações da doce benevolência de Jesus Cristo. Quando observamos a fragrante rosa ou o lírio, vemos seu amor e sua pureza. Assim as verdes árvores, e os verdes campos, e o canto das aves são emanações do seu infinito regozijo e benignidade. A tranqüilidade e a naturalidade das árvores e vinhas são sombras da sua beleza e benignidade. Os cristalinos rios e as murmurantes correntezas são os vestígios do seu favor, da sua graça e beleza. Quando contemplamos o brilho do sol, as bordas das nuvens vespertinas ou o belo arco-íris, vemos os delineamentos da sua glória e bondade e, da sua mansidão e docilidade no céu azul. Há também muitas coisas através das quais podemos contemplar a sua tremenda majestade: no poder do sol, nos cometas, no trovão, nas trovejantes nuvens a tremular, nas ásperas rochas e cimo dos montes. A bela luz pela qual o mundo se enche de um claro dia é clara representação de sua imaculada santidade, felicidade e deleite a comunicar-se. Sem dúvida esta é uma razão pela qual Cristo é comparado com tanta freqüência a estas coisas e chamado pelos seus nomes, tais como, Sol da Justiça, Estrela Matutina, Rosa de Saron, o Lírio do Vale, a macieira entre as árvores do bosque, um molho de mirra. Através disto podemos descobrir a beleza de muitas metáforas e símiles que a uma pessoa sem filosofia parecem tão inadequadas. Por semelhante modo, quando contemplamos a beleza da perfeição do corpo humano, ainda vemos como que emanações das perfeições divinas de Cristo, embora nem sempre fluam das excelências mentais da pessoa que as possui. Vemos, porém, a mais adequada imagem da beleza de Cristo quando a vemos na alma humana".
A UNIÃO DAS DUAS NATUREZAS EM UMA SÓ PESSOA
As Escrituras representam claramente Jesus Cristo tendo sido possuído de uma natureza divina e de uma natureza humana, cada qual inalterada em essência e não desvestida de seus atributos e poderes normais do mesmo modo em que elas com igual distinção representam Jesus Cristo como uma única pessoalidade indivisível em quem as duas naturezas estão vital e inseparavel- mente unidas de modo que ele, com propriedade, é não Deus e homem, mas Deus-homem. As duas naturezas estão ligadas não por laço moral de amizade, nem por laço espiritual que liga o crente ao Senhor, mas um laço único e

334
Augustus Hopkins Strong
inescrutável que os constitui uma pessoa com uma só vontade e consciência, - vontade e consciência que incluem em seu estado tanto a natureza humana como a divina.
Whiton, Gloria Patri, 79-81, deixa de falar na união de Deus e homem; por isso, diz ele, envolve a falácia das duas naturezas. Ele fala mais na manifestação de Deus no homem". Como se pudesse haver algo como um mero homem excluindo algo acima dele e além dele e movido por si mesmo. Podemos ver com simpatia a objeção de Whiton sobre a expressão "Deus e homem", por causa da sua implicação de uma união imperfeita. Porém preferimos o termo "Deus-homem" em lugar de "Deus no homem", porque esta última pode igualmente descrever a união de Cristo com cada crente. Cristo é "o unigênito", no sentido em que cada crente não é. Podemos ainda também simpatizar com Dean Stanley, Life and Letters, 1.115- "Ai da igreja que tem um culto tão divino que conserva uma lista de Artigos! Mais do que nunca me fortaleço na opinião de que só há uma necessidade, e esta deve ser: 'Eu creio que Cristo é tanto Deus como homem'".
Prova desta União
Cristo fala uniformemente si mesmo e fala-se dele como uma só pessoa. Não há nenhum intercâmbio de "eu" e "tu" entre as naturezas divina e humana como as achamos entre as pessoas da Trindade (João 17.23). Cristo nunca usa
o plural em referência a si mesmo, a não ser em João 3.11 - "nós falamos do que sabemos" - e mesmo aqui o "nós" é mais provavelmente usado como incluindo os discípulos. I João 4.2 - "veio em carne" - é suplementado por João 1.14 - "fez-se carne"; e estes textos juntos asseguram-nos que Cristo veio assim em natureza humana para tornar essa natureza um elemento em sua pessoalidade única.
Jo. 17.23 - "Eu neles, e tu em mim, para que eles sejam perfeitos em unidade; e para que o mundo conheça que tu me enviaste a mim, e que tens amado a eles como me tens amado a mim"; 3.11 - "Nós dizemos o que sabemos, e testificamos o que vimos, e não aceitais o nosso testemunho";
Jo. 4.2 - "todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus"; Jo. 1.14- "E o verbo se fez carne e habitou entre nós" = ele entrou na natureza humana para que a natureza humana e ele formassem, não duas pessoas, mas uma.
Na Trindade, o Pai é objetivo para o Filho, o Filho para o Pai e ambos para
o Espírito Santo. Porém a divindade de Cristo nunca é objetiva para a humanidade, nem a sua humanidade para a sua divindade. Moberly, Atonement and Personality, 97 - "Ele não é tanto Deus como homem, mas Deus no homem e através do homem e como homem. Ele é uma pessoalidade totalmente indivisível.... Devemos estudar o elemento divino no humano e através

Teologia Sistemática
335
deste. Esperando o elemento divino lado a lado com o humano, ao invés de discernir o divino dentro do humano perdemos a significação de ambos". Erramos quando dizemos que algumas palavras de Jesus relativas à sua ignorância sobre o dia final (Mc. 13.33) se referem à natureza humana, enquanto outras palavras relativas ao seu ser no céu ao mesmo tempo em que ele estava na terra (Jo. 3.13) se referem à natureza divina. Nunca há separação da natureza humana para com a divina, ou da divina para com a humana; todas palavras de Cristo foram proferidas e todas as obras de Cristo foram feitas por uma pessoa: o Deus-homem.
Os atributos e poderes de ambas as naturezas são aplicáveis a Cristo e reciprocamente as obras e dignidades de Cristo são aplicáveis a quaisquer das naturezas, de modo inexplicável, a não ser com base no princípio de que estas duas naturezas são orgânica e indissoluvelmente unidas em uma só pessoa (exemplos daquele uso estão em Rm. 1.3 e 1 Pe. 3.18; e deste 1 Tm. 2.5 e Hb. 1.2,3). Por isso podemos dizer, por um lado, que o Deus-homem existiu antes de Abraão, contudo, nasceu no reino de César Augusto e que Jesus Cristo chorou, cansou-se, sofreu, morreu, contudo, é o mesmo ontem, hoje e eternamente; por outro lado, podemos dizer que um Salvador divino nos redimiu em uma cruz e que o Cristo humano está presente com o seu povo até o fim do mundo (Ef. 1.23; 4.10; Mt. 28.20).
Rm. 1.3 - "seu Filho, que nasceu da descendência de Davi, segundo a carne"; 1 Pe. 3.18 - "Cristo também padeceu uma vez pelos pecados ... mor- tificado, na verdade, na carne, mas vivificado pelo Espírito (Rev. e Atual, do Brasil 'no espírito')''; 1 Tm. 2.5 - "um só Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo, homem"; Hb. 1.2,3-"pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de tudo ... O qual, sendo o resplendor da sua glória, ... havendo feito por si mesmo a purificação dos nossos pecados, assentou-se à destra da Majestade, nas alturas"; Ef. 1.22,23 - "Sujeitou todas coisas a seus pés e, sobre todas as coisas, o constituiu cabeça da igreja, que é o seu corpo, a plenitude daquele que cumpre tudo em todos"; 4.10 - "aquele que desceu é o mesmo que subiu acima de todos os céus, para cumprir todas as coisas"; Mt. 28.20 - "Eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos".
Mason, Faith of the Gospel, 142-145 - "Maria era Theotokos, porém não a mãe da divindade de Cristo, mas da sua humanidade. Falamos do sangue de Deus, o Filho, mas não é como Deus porque ele tem sangue. As mãos do menino Jesus fizeram os mundos, somente significando aquele cujas mãos foram agentes da criação. ... O espírito e o corpo em nós não são somente postos lado a lado e isolados um do outro. O espírito não tem reumatismo e o reverente corpo não comunga com Deus. A razão por que um afeta o outro é que eles são o nosso ser. ... Evitemos o modo de tratar Cristo de uma forma sensitiva, carinhosa - modo que o desonra e debilita a alma do adorador. ... Evitemos, por outro lado, expressões tais como 'o Deus que morre', que perde a humanidade na divindade". Charles H. Spurgeon assinala que todo "caro" lembra a mulher que dizia que estava lendo em um "caro Hebreus".

336
Augustus Hopkins Strong
As constantes representações escriturísticas sobre o infinito valor da expiação de Cristo e da união da raça humana com Deus que têm sido asseguradas nele só são inteligíveis quando Cristo é considerado, não como um homem de Deus, mas como um Deus-homem, em quem as duas naturezas são de tal modo unidas que o que cada uma faz tem o valor de ambas.
Jo. 2.2 - "Ele é a propiciação pelos nossos pecados e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo"; como prova João em seu evangelho que Jesus é o Filho de Deus, o Verbo, Deus; assim, em sua primeira epístola prova que o Filho de Deus, o Verbo, Deus se fez homem; Ef. 2.16-18
"reconciliar ambos [judeus e gentios] com Deus em um corpo, matando com ela as inimizades. E, vindo, ele evangelizou a paz a vós que estáveis longe e aos que estavam perto; porque por ele ambos temos acesso ao Pai em um mesmo Espírito"; 21,22 - "no qual, todo edifício bem ajustado, cresce para templo santo no Senhor, no qual também vós juntamente sois edificados para moradia de Deus no Espírito"; 2 Pe. 1.4 - pelas quais ele nos tem dado grandíssimas promessas da natureza divina". John Caird, Fund. Ideas of Christianity, 2.107 - "Não podemos separar os atos divinos de Cristo dos humanos sem duplicar a unidade da sua pessoa e vida".
Corrobora este ponto de vista lembrar que a consciência cristã universal reconhece em Cristo uma pessoalidade simples e indivisível e expressa esse reconhecimento em seus trabalhos de cântico e louvor.
A prova anteriormente mencionada sobre a união de uma natureza humana perfeita com uma natureza divina perfeita em uma só pessoa de Jesus Cristo basta para refutar tanto a separação nestoriana das naturezas como a confusão eutiquiana delas. Contudo, algumas formas modernas de estabelecer a doutrina desta união - formas de declaração em que entram algumas falsas concepções já notadas - necessitam de um breve exame antes de continuarmos a proceder nossa tentativa de elucidação.
Dorner, Glaubenslehre, 2.403-411 (Doutrina Sistemática, 3.300-308) - Na encarnação incluem-se três idéias: 1) a aceitação da natureza divina pelo Logos (Hb. 2.14 - 'participou ... da carne e do sangue'; 2 Co. 5.19 - 'Deus estava em Cristo'; Cl. 2.9 - 'nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade'); 2) nova criatura do segundo Adão através do Espírito Santo e do poder do Altíssimo (Rm. 5.14 - 'transgressão de Adão, o qual é a figura daquele que havia de vir'; 1 Co. 15.22 - 'assim como todos morrem em Adão, assim também todos serão vivificados em Cristo' 15.45 - 'o primeiro Adão foi feito alma vivente; o último Adão em espírito vivificante'; Lc. 1.35 - 'descerá sobre ti o Espírito Santo e a virtude do Altíssimo te cobrirá'; Mt. 1.20 - 'o que nela está gerado é do Espírito Santo'); 3) fazendo-se carne sem diminuir a divindade ou a humanidade (1 Tm. 3.16 -'que se manifestou na carne';
Jo. 4.2 - 'Jesus Cristo veio em carne'; Jo. 6.414,51 - 'Eu sou o pão que

Teologia Sistemática
337
desceu dos céus .... eu sou o pão vivo'; 2 Jo. 7 - 'Jesus Cristo veio em carne';
Jo. 1.14 - 'o Verbo se fez carne'). Este último texto não pode significar:
O Logos deixou de ser o que era e começou a ser apenas homem. Não pode ser uma simples teofania, na forma humana. Entende-se o elemento real na humanidade bem como a realidade do Logos".
Os luteranos sustentam uma comunhão das naturezas, assim como uma comunicabilidade das propriedades delas: 1) genus idiomaticum = comunica- bilidade dos atributos de ambas naturezas com uma pessoa; 2) genus apoteles- maticum (de à7toTé;\.eap.a, 'aquilo que se finda ou se completa', /.e., a obra de Jesus) = atributos da pessoa comunicados a cada uma das naturezas constituintes. Por isso, Maria pode ser chamada "a mãe de Deus", como o símbolo de Calcedônia declara, "quanto à sua humanidade", e o que cada natureza fez tem o valor de ambas; 3) genus majestaticum = atributos de uma natureza comunicada a outra de sorte que a natureza divina comunica à humana, não a humana à divina. Os luteranos não crêem em um genus tapeinoticon, i.e., elementos humanos comunicados aos divinos. A única comunicação do humano é à pessoa, não à natureza divina, do Deus-homem. Exemplos deste terceiro genus majestaticum encontram-se em Jo. 3.13 - "ninguém subiu ao céu, senão o que desceu do céu, o Fiiho do Homem, que está no céu" [aqui, contudo, Westcott e Hort, juntamente com X e B, omitem ó còv èv x& oúpavâj; 5.27 - "deu-lhe pode de exercer juízo, porque é o Filho do Homem". Da explicação que esta figura de linguagem chama "a/eose", Lutero diz: "Alloeosis est larva quaedam diaboli, secundum cujus rationes ego certe nolim esse Christianus".
A Igreja Reformada nega o genus majestaticum, baseada no fato de que ela não permite uma distinção clara das naturezas. E esta é uma grande diferença entre ela e a Igreja Luterana. Assim Hooker, comentando sobre a subida do Filho do homem ao lugar onde ele estava antes, diz: "Pela expressão 'Filho do homem' deve-se entender toda a pessoa de Cristo, que, sendo homem na terra, encheu o céu com a sua gloriosa presença; mas não segundo a natureza para a qual o título homem lhe foi dado".
Falsas Interpretações Modernas desta União
Teoria da humanidade incompleta. - Gess e Beecher sustentam que a parte imaterial em Cristo é apenas uma divindade contraída e metamorfoseada.
Os que advogam este ponto de vista sustentam que o Logos divino reduziu- se à condição e limite da natureza humana e assim literalmente tomou-se uma alma humana. A teoria difere do apolinarismo por não propor necessariamente um ponto de vista tricotomista da natureza do homem. Contudo, enquanto o apolinarismo negava a origem humana só do Tcvevpa, esta teoria estende a negação a todo o seu ser imaterial, - e só o seu corpo derivou da Virgem. Ela é sustentada, com ligeiras formas variantes, pelos alemães Hofmann e Ebrard assim como por Gess; e Henry Ward Beecher foi o seu principal representante na América.

338
Augustus Hopkins Strong
Gess sustenta que Cristo abriu mão da sua eterna santidade e autocons- ciência divina, para tornar-se homem, de sorte que, durante a sua vida terrena, ele nunca pensou, falou, ou operou como Deus, mas sempre destituído dos atributos divinos.
Contra esta teoria apresentamos as seguintes objeções: à) Baseia-se numa falsa interpretação da passagem de João 1.14 - ó /.óyoç aápí, èyéveTO. A palavra oáp^ aqui tem seu sentido neotestamentário comum. Nem designa só a alma nem só o corpo, mas a natureza humana em sua totalidade {cf. João 3.6 - tò yeyevvrnaévov ek ttiç aapKÒç aápí; èotiv; Rm. 7.18 - ouk oíkeí èv èpoí, tom' ècrav èv Tfj aapKÍ (j,ot>, àyadóv). Que èyévexo não implica uma transmutação do Àóyoç em natureza humana, ou em alma humana é evidente de èaKrivcoaev, que se segue - uma alusão ao Shechi- nah do tabemáculo mosaico; e da passagem paralela de 1 João 4.2 - èv aapKÍ è^ri^tn^óta - onde não só nos é ensinada a unidade da pessoa de Cristo, mas a distinção das naturezas constituintes.
Jo. 1.14 - "o Verbo se fez carne e habitou [tabernaculou] entre nós, e vimos a sua glória"; 3.6 - "o que é nascido da carne é carne"; Rm. 7.18 - "em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum"; 1 Jo. 4.2 - "Jesus Cristo veio em carne". Visto que a palavra "carne", no emprego escriturístico, denota a natureza humana em sua inteireza, há tão pouca razão para inferir destas passagens uma mudança do Logos para um corpo humano como a do Logos para uma alma humana. Não há nenhuma humanidade reduzida em Cristo.
A vantagem da doutrina monística é que ela evita este erro. Onipresença é a presença da totalidade de Deus em todo lugar. SI. 85.9 - "Certamente que a salvação está perto daqueles que o temem, para que a glória habite em nossa terra" - cumpriu-se quando Cristo, a verdadeira Shekinah, tabernaculou na carne humana e os homens "viram a sua glória, como a glória do Unigênito do Pai, cheio de graça e verdade" (Jo. 1.14). E Paulo diz em 2 Co. 12.9 - "de boa vontade me gloriarei nas minhas fraquezas, para que em mim habite [tabernacule] o poder de Cristo".
Contradiz as duas grandes classes de passagens da Escritura já referidas, que afirmam, por um lado, a plenitude da sua natureza humana e a sua derivação do tronco de Israel e da semente de Abraão (Mt. 1.1-16; Hb. 2.16). Assim nega tanto a verdadeira humanidade como a verdadeira divindade de Cristo.
Ver as passagens da Escritura citadas como prova da divindade de Cristo nas pp. 305-315 (46-48 da Apostila). O próprio Gess reconhece que, se as passagens em que Jesus afirma seu conhecimento divino e poder e sua consciência da unidade com o Pai referem-se à sua vida terrena, sua teoria cai por

Teologia Sistemática
339
terra. "O apolinarismo tinha um certo tipo de magnificência grotesca, ao dar ao corpo humano e à alma de Cristo um 7tveúp.a infinito e divino. Sustenta ao menos o lado divino da pessoa de Cristo. Mas a teoria que se nos apresenta nega ambos os lados". Enquanto limita a divindade, que, na verdade, não é divindade, afasta da humanidade tudo o que nela há de valioso; porque uma humanidade que consiste apenas em um corpo não é humanidade. Tal humanidade é como o retrato a "meia distância" que pintou apenas o lado interior do homem. Mt. 1.1-16, genealogia de Jesus, e Hb. 2.16 - "tomou a descendência de Abraão" - indica que Cristo tomou tudo o que pertence à natureza humana.
É inconsistente com as representações escriturísticas da imutabilidade de Deus, sustentando que o Logos abandona os atributos da divindade e seu lugar e ofício como segunda pessoa da Trindade a fim de enquadrar-se dentro dos limites da humanidade. Visto que atributos e substância são termos corre- latos, é impossível sustentar que a substância de Deus está em Cristo, se ele não possui os atributos divinos. Contudo, como veremos daqui em diante, a posse dos atributos divinos por parte de Cristo não implica necessariamente seu constante exercício deles. Na verdade sua humilhação consistiu em abrir mão do seu exercício independente.
l/erDoRNER, Unverânderlichkeit Gottes (A Imutabilidade de Deus), Jahrbuch für Deutsche Theologie (Anuário de Teologia Alemã), 1.361; 2.440; 3.579; esp.
1.390-412 - Gess sustenta que, durante os trinta e três anos da vida terrena de Jesus, alterou-se a Trindade; o Pai não mais derramou a sua plenitude no Filho; o Filho não mandou mais com o Pai o Espírito Santo; o mundo foi sustentado e governado só pelo Pai e pelo Espírito, sem a mediação do Filho, o Pai deixou de gerar o Filho. Ele diz que só o Pai tem asseidade; ele é o único Monas. A Trindade é uma família, cujo cabeça é o Pai, mas cujo membro e cuja condição é variável. Para Gess não importa se a Trindade consiste em Pai, Filho e Espírito Santo ou (como durante a vida de Jesus) em só um. Mas é uma Trindade em que dois membros são acidentais. Uma Trindade que pode ser bem sucedida sem um de seus membros não é uma Trindade nos moldes da Escritura. O Pai depende do Filho e o Espírito depende do Filho tanto quanto o Filho depende do Pai. Afastar o Filho é afastar o Pai e o Espírito. Este abandono da realidade dos atributos, ou da sua santidade, da parte do Logos, é o mesmo que tornar possível Cristo pecar. Pode-mos, porém, atribuir a possibilidade de pecar a um ser que realmente é Deus? A realidade da tentação requer que postulemos uma alma verdadeiramente humana".
Destrói todo o esquema escriturístico da salvação, porque toma impossível qualquer experiência de natureza humana por parte da divina, - pois quando Deus se torna homem deixa de ser Deus; porque toma impossível qualquer expiação por parte da natureza humana, - pois a mera humanidade, apesar da sua essência ser uma divindade limitada e dormente, não é capaz de

340
Augustus Hopkins Strong
um sofrimento que tenha valor infinito; torna impossível qualquer união apropriada da raça humana para com Deus na pessoa de Jesus Cristo, - pois onde a verdadeira divindade e verdadeira humanidade estão ausentes não pode haver nenhuma união das duas.
Ver Dorner, Jahrbuch für Deutsche Theologie, 1.390 - "Sobre esta teoria só se pode sustentar uma teoria de expiação exibicionista. Não há nenhuma humanidade real que, na força da divindade, possa apresentar um sacrifício a Deus. Por isso, não a substituição, mas a obediência, neste ponto de vista nos reconcilia com Deus. Ainda que se diga que o Espírito de Deus é a verdadeira alma em todos os homens, isto em nada ajuda a resolver o problema; porque é necessário estabelecer uma distinção essencial entre a morada do Espírito no ímpio, no regenerado e em Cristo respectivamente. Porém, nesse caso, perdemos a semelhança entre a natureza de Cristo e a nossa; a de Cristo, preexistente, e a nossa não. Sem esta doutrina panteísta, a diferença entre Cristo e nós é ainda maior; porque, na verdade, ele é um Deus peregrino, vestido de um corpo humano e não pode, com propriedade, ser chamado de alma humana. Não temos uma média entre o corpo e a divindade; e no estado de exaltação, não temos, na verdade, uma natureza humana; só o Logos infinito, num corpo glorificado, que o reveste".
A teoria de Isaac Watt sobre a humanidade preexistente também implica que a humanidade originalmente encontra-se na divindade; não procede de um choque humano, mas divino; entre o humano e o divino não há nenhuma apropriada distinção; por essa razão não pode haver apropriada redenção da humanidade; ver Biblia Sacra, 1975.421. A. H, Hodge, Pop. Lectures, 226 - "Se Cristo não assume um 7tveí)p.a humano, ele não pode ser um sumo sacerdote que, conosco, sente todas as nossas enfermidades, tendo sido tentado como nós". Mason, Faith ofthe Gospel, 138 - "A conversão da divindade em carne só teria acrescentado mais um homem ao número já existente - sem pecado, talvez, entre pecadores - mas não teria efetuado nenhuma união entre Deus e o homem".
Teoria da encarnação gradual. - Dorner e Rothe sustentam que o ato da encarnação não completa a união entre as naturezas divina e humana.
Os que advogam este ponto de vista sustentam que a união entre as duas naturezas se completou por uma comunicação da plenitude do Logos divino com o homem Cristo Jesus. Esta comunicação é mediada pela consciência humana de Jesus. Antes que a consciência humana começasse, a pessoalidade do Logos ainda não era divino-humana. A união pessoal se completou só gradualmente, à medida em que a consciência humana se desenvolveu a ponto de apropriar-se da divina.
Dorner, Glaubenslehre, 2.600 (Doutrina Sistemática, 4.125) - "Para que Cristo pudesse apresentar o seu amor sumo sacerdotal através do sofrimento e morte, os lados diferentes da sua pessoalidade ainda permanecem em recí

Teologia Sistemática
341
proca separação. Concordemente a sua união divino-humana ainda não se havia realizado completamente, embora tal finalização estivesse divinamente garantida desde o começo". 2.431 (Doutrina Sistemática, 3.328) - Apesar da sua transformação, dentro da união, o Logos, desde o começo acha-se unido com Jesus no mais profundo alicerce do seu ser, e a vida de Jesus sempre tem sido divino-humana no sentido de que uma receptividade presente para com a divindade nunca deixou de ser satisfeita. ... Mesmo a humanidade inconsciente do bebê é receptiva ao Logos, como a planta com relação à luz.
A união inicial já faz Cristo o Deus-homem, mas este processo não impede uma subseqüente transformação; porque, sem dúvida, ele se tornou onisciente e incapaz de morrer, do mesmo modo que no princípio".
2.464 sq. (Doutrina Sistemática, 3.363 sq.) - "A vida real de Deus, como Logos, vai além do seu princípio como vida humana. Porque se a Unio deve completar-se através do desenvolvimento, a relação da comunicação e recepção deve continuar. Em sua consciência pessoal há uma distinção entre o dever e o ser. A vontade precisa ser atuante e converter-se em ação, qualquer que seja a revelação ou percepção da vontade de Deus procedente do intelecto ou da consciência. Foi preciso que, com a sua vontade, ele sustentasse cada revelação da natureza e da vontade. Aos doze anos diz ele:
'É necessário cuidar dos negócios de meu Pai'. E à resposta de Satanás, na tentação: 'És tu Filho de Deus?' ele deve responder com a afirmação que exclui toda dúvida, embora ele pudesse provar através de um milagre.
Tal desenvolvimento moral era sua tarefa como foi da vontade do Pai. Ele ouve o Pai e obedece. Nele o conhecimento imperfeito nunca foi o mesmo que o falso conceito. Em nós, a ignorância tem o erro como contrapartida. Mas para ele, este nunca foi o caso apesar de que ele crescia no conhecimento até o fim".
Há um resumo dos seus pontos de vista na Revista de Princeton, 1873.71 -87
Dorner ilustra a relação entre a humanidade e a divindade de Cristo com a relação entre Deus e o homem, na consciência e no testemunho do Espírito.
Até aqui o elemento humano é imaturo e incompleto, enquanto o Logos não está presente. O conhecimento avança para a unidade com o Logos e o conhecimento humano terá maior e mais elevada confirmação. Uma resignação tanto do Logos como da natureza humana com a união envolve a encarnação. O desenvolvimento continua até que a idéia e a realidade da humanidade divina coincidam perfeitamente. A aceitação da unidade foi gradual, na vida de Cristo. Sua exaltação começou com a perfeição do seu desenvolvimento".
É objetável pelas seguintes razões:
A Escritura claramente ensina que aquele que nasceu de Maria era totalmente o Filho de Deus assim como o Filho do homem (Lc. 1.35); e que. no ato da encarnação, Jesus se tomou Deus-homem e não na sua ressurreição (Fp. 2.7). Mas esta teoria virtualmente ensina o nascimento de um homem que subseqüente e gradualmente tomou-se Deus-homem ao conscientemente apropriar-se do Logos com quem ele mantinha relacionamento ético - relaciona

342
Augustus Hopkins Strong
mento sobre o qual a Escritura silencia. Seu erro radical é que equivoca uma consciência incompleta da união com uma união incompleta.
Em Lc. 1.35 - "o santo, que de ti há de nascer, será chamado Filho de Deus"; - e Fp. 2.7 - "esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens" - temos a evidência de que Cristo foi tanto Filho de Deus como Filho do homem desde o começo da vida terrena. Mas segundo Dorner, antes de haver qualquer consciência humana, a pessoalidade de Jesus Cristo não era divino-humana.
Visto que a consciência e a vontade pertencem à personalidade distinta da natureza, a hipótese de uma apropriação mútua, consciente e voluntária da divindade pela humanidade e da humanidade pela divindade durante a vida terrena de Cristo é tão somente uma forma da doutrina nestoriana de uma dupla pessoalidade. Segue-se, contudo, que como estas duas pessoalidades não se tornam absolutamente uma até a ressurreição, a morte do homem Jesus Cristo, a quem o Logos ainda não se uniu plenamente, não pode possuir uma eficácia expiatória.
Tomasio, Christi Person und Werk, 2.68-70, objeta ao ponto de vista de Dorner que "nos conduz a um homem que está em íntima comunhão com Deus". Contra Dorner, ele sustenta que "a união entre o elemento divino e o humano em Cristo existe antes que se tenha consciência dele". 193-195 - O ponto de vista de Dorner "faz cada um dos elementos, o divino e o humano, aspirar a um pelo outro, e atingir a sua verdade e realidade somente na outra parte. Até onde se concebe o elemento divino, isto se aproxima muito do panteísmo. Pressupõem-se duas pessoalidades voluntárias, com mútua relação ética; ao menos em princípio, duas pessoas. Dorner diz o seguinte: "Até onde a humanidade ainda é inconsciente, a pessoa do Logos ainda não é o ego central do seu elemento humano. A princípio, o Logos não se comunica conquanto seja uma pessoa ou seja auto-consciente. Ele se conserva isolado por si mesmo, na proporção exata quando a humanidade deixa de ter o poder de percepção'. No começo, então, este homem ainda não é Deus- homem; apenas o Logos opera dentro dele e sobre ele. "A unio personalis desenvolve-se e se completa; torna-se mais abrangente e plena. Até o momento da ressurreição ainda há uma separação relativa'. Assim pensa Dorner. Mas a Escritura nada informa sobre uma relação ética do elemento divino para com o humano na pessoa de Cristo. Ela só informa o sujeito divi- no-humano".
Conquanto a teoria declara uma união final completa entre Deus e o homem em Jesus Cristo, torna essa união muito mais difícil para a razão porque envolve a fusão de duas pessoas em uma, mais do que a união de duas naturezas em uma pessoa. Contudo, vimos que a Escritura não dá nenhum

Teologia Sistemática
343
jpoio à doutrina de uma dupla pessoalidade durante a vida terrena de Cristo.
O Deus-homem nunca diz: "Eu e o Logos somos um"; "aquele que me vê vê o Logos"; "o Logos é maior que eu"; "eu vou para o Logos". Na ausência de toda a evidência escriturística em favor desta teoria, devemos considerar os argumentos racionais e dogmáticos contra ela como conclusivos.
Liebner, Jahrbuch fürdie Theologie, 3.349-366, alega, contra Dorner, que na Escritura não há nenhum sinal da comunhão entre as duas naturezas de Cristo, como há entre as três pessoas da Trindade. Philippi também faz obje- ções ao ponto de vista de Dorner: 1) que implica uma identidade de essência panteística tanto em Deus como no homem; 2) que não faz do nascimento, mas da ressurreição a época em que o Verbo se fez carne; 3) que não explica como duas pessoalidades podem tornar-se uma. Cita Dorner dizendo: "A unidade de essência Deus e homem é a grande descoberta deste século". Mas das citações seguintes da sua História da Doutrina da Pessoa de Cristo, II, 3.5,23,69,115, parece que Dorner não é panteísta - "A filosofia protestante produziu o reconhecimento da conexão essencial e unidade dos elementos humano e divino. ... Para a teologia dos nossos dias os elementos divino e humano não são mutuamente exclusivos, mas grandezas conexas relacio- nando-se interiormente um com o outro e confirmando-se um com o outro e através de tal ponto de vista omitem-se tanto a separação como a identificação. ... E agora a tarefa comum de produzir a união das faculdades e qualidades a uma união essencial transferiram-se mutuamente em ambos elementos. A diferença entre elas é que só Deus tem asseidade. ... Se nós contrariássemos cada ponto de vista que representa o elemento divino e o humano num relacionamento estreito e essencial, voluntariamente abriríamos mão das conquistas dos séculos e voltaríamos à base onde a cristologia é uma impossibilidade absoluta".
Ver Dorner, System, 1.123 -"A fé postula uma diferença entre o mundo e Deus, que a religião procura unir. A fé não quer ser uma simples relação consigo mesma, ou com as suas representações e pensamentos. Isso seria um monólogo; a fé quer diálogo. Por isso não consente com um monismo que reconhece só Deus, ou só o mundo (com o ego). A dualidade (não o dualismo, que se opõe a tal monismo, mas não quer opor-se à demanda racional da unidade) sem dúvida é uma condição da verdadeira e vital unidade". A unidade é o fundamento da religião; a diferença é o fundamento da moralidade. Moralidade e religião são apenas manifestações do mesmo princípio. O empenho moral do homem é a operação de Deus dentro dele. Deus pode reve- lar-se só no perfeito caráter e vida de Jesus Cristo.
Stalker, Imago Christi (Imagem de Cristo): "Cristo não é metade Deus e metade homem, mas perfeitamente Deus e perfeitamente homem". Moberly. Atonement and Personality, 95 - "O encarnado não oscilou entre ser Deus e ser homem. Na verdade ele foi sempre Deus e nunca um outro Deus além do expresso dentro das possibilidades da consciência e do caráter humano".
Ele sabe que é algo mais do que é como encarnado. Seus milagres mostram em que a humanidade pode tornar-se. John Caird, Found. Ideas of Chrístianity, 14

344
Augustus Hopkins Slrong
"A divindade de Cristo não é a da natureza divina em justaposição mecânica à humana, mas a de uma natureza divina que se difundiu, mesclou, identifi- cou-se com os pensamentos, sentimentos, volições de uma individualidade humana. Qualquer que seja o elemento divino, que não pode organicamente unir-se com o espírito humano ou respirar através deie, não é e nem pode estar presente em alguém que, seja quem for é real e verdadeiramente humano".
A Natureza Real desta União
Sua grande importância. - Conquanto as Escrituras representam a pessoa de Cristo como o mistério coroa do esquema cristão (Mt. 11.27; Cl. 1.27;2.2;
Tm. 3.16), elas também nos estimulam ao seu estudo (João 17.3; 20.27; Lc. 24.39; Fl. 3.8,10). Isto é mais necessário, visto que Cristo não é só o ponto central do Cristianismo, mas o próprio cristianismo - a incorporação da reconciliação e a união entre o homem e Deus. As notas que se seguem oferecem- se, não como explicação plena, mas somente como alguns aspectos relevantes das dificuldades sobre o assunto.
Mt. 11.27-"Ninguém conhece o Filho senão o Pai; e ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem ele quiser revelar". Aqui parece estar indicado que o mistério da natureza do Filho é ainda maior que a do Pai. Shedd, Hist. of Doctríne, 1.408 - A pessoa de Cristo é em certo sentido mais frustrante à razão do que a Trindade. Embora haja uma negligência profana, há também, uma curiosidade profana: Cl. 1.27 - "as riquezas da glória deste mistério ... que é Cristo em vós, esperança da glória"; 2.2,3 - "o mistério de Deus - Cristo, em quem estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e da ciência"; 1 Tm. 3.16 - "grande é o mistério da piedade: Aquele que se manifestou em carne" - neste texto a Vulgata, os Pais latinos e Buttmann fazem a palavra ^rua-cripiov ser o antecedente de õç, e o relativo toma o gênero natural do seu antecedente, enquanto nucmípiov se refere a Cristo; Hb. 2.11 - "o que santifica como os que são santificados, são todos de um [não o pai, mas a raça, ou substância]" (cf. At. 17.26 - "e de um só fez toda a geração de homens") - alusão à solidariedade da raça e a participação de Cristo em tudo que nos pertence.
Jo. 17.3 - "E a vida eterna é esta: que conheçam a ti só por único Deus verdadeiro e a Jesus Cristo, a quem enviaste"; 20.27 - "Põe aqui o teu dedo e vê as minhas mãos; chega a tua mão e põe-na no meu lado; não sejas incrédulo, mas crente"; Lc. 24.39 - "Vede as minhas mãos e os meus pés, que sou eu mesmo; tocai-me e vede, pois um espírito não tem carne nem ossos, como vedes que eu tenho"; Fp. 3.8,10 - "tenho também por perda todas as coisas pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; ... para conhecê-lo"; 1 Jo. 1.1 - "o que era desde o princípio, o que vimos com os nossos olhos, o que temos contemplado, e as nossas mãos tocaram da Palavra da vida".

Teologia Sistemática
345
Nash, Ethics and Revelation, 254,255 - "Ranke diz que Alexandre era um dos poucos homens em quem a biografia é idêntica à história universal. Tais palavras se aplicam mais precisamente a Cristo". Crane, Religion of Tomorrow, 267 - "Sendo a religião simplesmente a pessoalidade de Deus, o cristianismo é a pessoalidade de Cristo". Pascal: "Jesus Cristo é o centro e o objetivo de tudo, e quem não o conhece nada conhece da ordem da natureza nem de si mesmo". Goethe nos últimos anos de vida escreveu: "A humanidade não pode retroceder um passo e não podemos dizer que a religião cristã, como se apresenta agora, nunca desaparecerá; agora que incorporou o elemento divino, não pode jamais ser dissolvido". H. B. Smith, homem de pensamento esclarecido e devoto, propôs na íntegra a sua doutrina em uma sentença: "Chegue- mo-nos a Jesus, - a pessoa de Cristo é o centro da teologia". Dean Stanley nunca se cansava de citar como sua Confissão de Fé as palavras de John Bunyan: "Bendita Cruz - bendito sepulcro - bendito mais do que ele - Aquele que foi levado à vergonha por mim!" E Charles Wesley escreveu no Amor Católico: "Exaustiva toda peleja terreal, destes movimentos, formas e modos e nomes, A ti, Caminho, Verdade e Vida, cujo amor meu simples coração inflama - Divinamente ensinado a viver e a morrer, até que voe, Para junto de ti e dos teus".
"Temos dois grandes lagos chamados Erie e Ontário; estes são ligados pelo Rio Niágara através do qual o Erie derrama as suas águas no Ontário. A igreja cristã toda, por todos os séculos, tem sido chamada a transbordar de Jesus Cristo, que é infinitamente maior do que ela. Seja o Lago de Erie símbolo de Cristo, o Logos preexistente, o Verbo eterno, o Deus revelado no universo. Que o Niágara nos seja a tela do mesmo Cristo ora limitado ao estreito canal da sua manifestação em carne, mas mostre dentro de tais limites a mesma correnteza para o oriente e a gravitação descendente que os homens de modo tão imperfeito outrora perceberam. A tremenda catarata, espargindo suas águas no abismo e abalando a própria terra, é o sofrimento e a morte do Filho de Deus, que, pela primeira vez, torna palpáveis aos corações humanos as forças da justiça e do amor operantes na natureza divina desde o princípio. Manifesta-se a lei da vida universal; agora se vê que a justiça e o juízo são os fundamentos do trono de Deus; que a justiça de Deus em todo lugar e em todo tempo fazem o castigo seguir-se ao pecado; que o amor que cria e sustenta os pecadores deve ser contado com os transgressores e levar as iniqüidades deles. O Niágara apresentou a gravitação do Lago Erie. E não foi sem razão. Porque do Niágara se expande outro lago pacífico. O Ontário é o resultado e a semelhança do Erie. Desse modo a humanidade redimida é o transbordamento de Jesus Cristo, mas só de Jesus Cristo após ter passado pelo imensurável auto-abandono na sua vida terrena e na sua trágica morte no Calvário. Como as águas do Lago Ontário sempre se alimentam do Niágara, assim a igreja extrai a sua vida da cruz. E o propósito de Cristo não é que repitamos o Calvário, o que nunca poderemos fazer, mas que reflitamos em nós mesmos semelhante movimento para frente e de gravitação para o auto-sacrifício que ele revelou caraterizando a própria vida de Deus" (A. H. Strong, Sermon before the Baptist Congres, Londres, 12 de julho de 1905).

346
Augustus Hopkins Strong
Os principais problemas. - São os seguintes: 1. uma pessoalidade e duas naturezas; 2. natureza humana sem pessoalidade; 3. relação do Logos com a humanidade durante a vida terrena de Cristo; 4. relação da humanidade com o Logos durante a vida celestial de Cristo. Podemos lançar luz sobre o n° 1 usando a figura de dois círculos concêntricos; sobre o n° 2 lembrando pai e mãe se unem na produção de um só filho; sobre o n° 3 com a ilustração da memória latente que contém tanto mais que a lembrança presente; sobre o n° 4. ao pensar que o corpo é a manifestação do espírito e que Cristo, em seu estado celestial, não está limitado a lugar.
Lutero dizia que seria necessário que tivéssemos "novas línguas" antes que pudéssemos, com propriedade, estabelecer esta doutrina; particularmente uma nova língua sobre a natureza do homem. Mais tarde a elucidação dos problemas mencionados acima ocuparão imediatamente a nossa atenção. Nossa investigação não deve ser prejudicada pelo fato de que o elemento divino em Jesus Cristo se manifeste dentro das limitações humanas. Eis a condição de toda revelação. Jo. 14.9 - "quem me vê a mim vê o Pai"; Cl. 2.9
"nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade" = até a medida da capacidade humana de receber e expressar a divina. Hb. 2.11 e At. 17.26 atribuem ao homem uma consubstancialidade com Cristo e Cristo é o Deus manifesto. É lei da hidrostática que a coluna menor de água se nivele à maior.
O Lago Erie não será mais elevado que a água do tubo ao qual está ligado. Assim a pessoa de Cristo alcança o nível de Deus, apesar de limitado em extensão e ambiente. Ele é Deus manifesto na carne.
Robert Browning, Death in the Desert. "Todo reconhecimento de Deus em Cristo, digo eu, Aceito pela razão, soluciona para ti Todas questões na terra e fora dela e permitem que sejas mais sábio"; Epílogo ao Drama da Pessoa: "Um rosto, longe de se desvanecer, manifesta-se, Ou desfaz-se para se recompor, Torna-se o meu Universo que sente e conhece". "Tal rosto", dizia Browning à senhora Orr, ao encerrar o seu poema, "é o rosto de Cristo.
Eis como o sinto". Esta é a resposta dele às vítimas do ceticismo do século dezenove para o qual o Amor encarnado desapareceu do universo, levando consigo a crença em Deus. Deste modo ele atesta a contínua presença de Deus em Cristo, tanto na natureza como na humanidade.
Razão para o mistério. - A união das duas naturezas na pessoa de Cristo é necessariamente inescrutável porque não há nenhuma analogia com ela em nossa experiência. Tentativas de ilustrá-la com a distinção de corpo e alma por um lado, e a distinção entre Cristo e o crente por outro, do Filho divino com o Pai são unilaterais e tornam-se inteiramente equívocas se consideradas como fornecedoras de um elemento racional da união e não simplesmente um meio de repelir a objeção. As duas primeiras ilustrações ressentem-se da falta do elemento essencial das duas naturezas para torná-las completas: alma e corpo não são duas naturezas, mas uma assim como o ferro e o calor não são duas

Teologia Sistemática
347
substâncias. As duas últimas ilustrações ressentem-se da falta do elemento da pessoalidade simples: Cristo e o crente são duas pessoas, não uma, assim como o Filho e o Pai não são uma pessoa, mas duas.
As duas ilustrações mais freqüentemente empregadas são a alma e o corpo e a união do crente com Cristo. Cada uma delas ilustra um lado da grande doutrina, mas cada uma suplementa a outra. Aquela, tomada separadamente, representa a teoria eutiquiana; esta a nestoriana. Como a doutrina da Trindade, a pessoa de Cristo é um fato absolutamente único, no qual não encontramos analogia. Mas não sabemos como corpo e alma estão unidos.
A. A. Hodge, Popular Lectures, 218,230 - "Muitas pessoas são unitárias, não por causa das dificuldades da Trindade, mas por causa das dificuldades da Pessoa de Cristo.... A união das duas naturezas não é mecânica, como é entre o oxigênio e o nitrogênio no nosso ar; nem é orgânica, como o coração e os pulmões; mas é pessoal. A melhor ilustração é a união do corpo com a alma na nossa pessoa; como estão perfeitamente juntas no mesmo orador! Contudo, não são duas naturezas humanas, mas uma só. Por isso necessário se faz acrescentar a ilustração da união entre o crente e Cristo". E aqui também devemos confessar a imperfeição da analogia, porque Cristo e o crente são duas pessoas, não uma. A pessoa do Deus-homem é única e sem um adequado paralelo. Mas isto constitui sua dignidade e glória.
A Base da Possibilidade. - A possibilidade da união divindade e humanidade em uma pessoa baseia-se na criação original do homem à imagem divina. O parentesco do homem com Deus, em outras palavras, a posse de uma natureza racional e espiritual é a condição da encarnação. A vida do irracional é incapaz de união com Deus. Mas a natureza humana é capaz da divina não só no sentido de que ela vive, move-se e tem o seu ser em Deus, mas porque Deus pode unir-se indissoluvelmente a ela e dotá-la de poderes divinos conquanto ainda permaneça verdadeiramente humana. Visto que a imagem moral de Deus na natureza humana perdeu-se com o pecado, Cristo, a imagem perfeita de Deus segundo a qual o homem foi feito, restaura aquela imagem perdida, unindo-se à humanidade e enchendo-a de vida e amor divinos.
Pe. 1.4 - "participantes da natureza divina". A criação e a providência não fornecem o último limite da habitação de Deus. Além destas, existe a união espiritual entre o crente e Cristo, e mesmo além disto, existe a urvdade entre Deus e o homem na pessoa de Jesus Cristo. Dorner, Glaubenslehre. 2.283 (Doutrina Sistemática, 3.180) - "A humanidade em Cristo relaciona-se com a divindade, como marido e mulher no casamento. Ela é recep: /a ~ias exaltada pelo recebimento. Cristo é o produto da aliança [casamento] entre Deus e Israel".
Ib., 2.403-411 (Doutrina Sistemática 3.301 -308) - "A questão é a seguinte: Como pode Cristo ser Criador e criatura? O Logos, como tal, acha-se em pólo

348
Augustus Hopkins Strong
bem oposto como um objetivo distinto. Como pode ele tornar-se, e ser, aquilo que existe como objeto de sua atividade e operação? Pode a causa tornar-se o próprio efeito? Resolve-se o problema lembrando apenas que o elemento divino e humano, embora distintos um do outro, devem ser tratados como estranhos um ao outro e mutuamente exclusivos. A própria coisa que os distingue os liga entre si. Sua distinção essencial é que Deus tem asseidade, enquanto o homem tem somente dependência, 'um abismo chama outro abismo' (SI. 42.7) - o abismo da riqueza divina e o abismo da pobreza humana, chamam-se reciprocamente. 'Da minha parte o clamor - da parte dele a resposta'. Os recursos infinitos de Deus e a necessidade infinita do homem, o imensurável suprimento de Deus e a ilimitada receptividade do homem, atra- em-se mutuamente, até que se unam naquele em quem habita corporalmente a plenitude divina. A mútua atração é de tal modo ética, que o amor divino 'nos amou primeiro' (1 Jo. 4.19).
"Por isso a segunda nova criação não é, como a primeira, distinta de Deus; ela está unida a ele. A natureza se distingue de Deus, embora este se mova e opere nela. A natureza humana encontra muito mais a sua verdadeira realidade, ou realização, na união com Deus. O ato unificador de Deus não a infringe ou desfaz, mas ao contrário, a primeira faz, o que, na idéia de Deus, deve ser". Por isso a encarnação é o próprio cumprimento da idéia da humanidade. Admitir a humanidade sobrenatural é a mais natural de todas as coisas. O homem não é apenas uma tangente de Deus, mas um vaso oco a completar-se na fonte infinita. Natura humana in Christo capax divinae (Em Cristo, a natureza do homem tem a capacidade da divina).
Deus não podia ter-se tornado um anjo, ou uma árvore, ou uma pedra. Mas podia tornar-se homem, porque este foi feito à sua imagem. Deus no homem, como sustenta Phillips Brooks, é o ser absolutamente natural. Chan- ning diz que "todas as mentes pertencem a uma família". E. B. Andrews: "A divindade e a humanidade não são predicativos contraditórios. Se, com propriedade, se entendesse isto, não teria havido nenhum movimento unitário. Num verdadeiro sentido, o homem é divino. Isto também é verdade com relação a Cristo. Porém ele é infinitamente mais divino na natureza do que nós. Se dissermos que a sua divindade é uma nova espécie, então esta surge de um novo grau". "Se o olho não fosse um sol, Nenhuma luz poderia brilhar para ele: A alma não poderia obter a semelhança divina, Se ela também não fosse divina".
John Caird, Fund. Ideas of Christianity, 1.165 - "Um círculo menor pode representar um maior dentro da sua forma circular; mas um círculo maior ou menor não pode ser a imagem de um quadrado". ... 2.101 - "Deus não seria Deus sem a união com o homem e o homem não seria homem sem a união com Deus. Ele se fez imanente nos espíritos, compartilha das dores e tristezas. ... Mostrando o elemento infinito no homem, Cristo nos atrai para a sua própria excelência moral". Lyman Abbott, Theology of and Evolutionist, 190 - "Encarnação é a morada de Deus nos seus filhos, cujo tipo e padrão é visto naquele que é ao mesmo tempo a manifestação de Deus no homem e a revelação dessa humanidade aos homens deve ocorrer quando se cumpre a obra de Deus no mundo - Deus perfeito, o homem perfeito porque Deus habita perfeitamente no homem perfeito".

Teologia Sistemática
349
Citamos estes pronunciamentos, não porque os consideramos admissíveis à verdade completa sobre a união do Cristo divino e humano; mas porque reconhecem a semelhança essencial do elemento humano ao divino e, deste modo, auxiliam o entendimento da união entre os dois. Vamos além dos escritores citados ao sustentar não somente a morada de Deus em Cristo, mas uma união orgânica e essencial. Contudo, Cristo não é o Deus-homem em virtude de possuir maior medida do elemento divino do que nós, mas por ser a fonte original de toda a vida tanto humana como divina. Sustentamos a sua deidade assim como a sua divindade como alguns destes escritores parecem não fazer. Ver Hb. 7.15,16 - "outro sacerdote que foi feito ... segundo a virtude da vida incorruptível"; Jo. 1.4 - "nele estava a vida e a vida era a luz dos homens".
Dupla pessoalidade. - Esta posse de duas naturezas não envolve uma dupla pessoalidade no Deus-homem em razão de que o Logos se une consigo mesmo não como um homem individual com a pessoalidade já desenvolvida, mas com a natureza humana que não tem nenhuma existência separada antes de sua união com a divina. A natureza humana de Cristo é impessoal no sentido de que alcança autoconsciência e autodeterminação só na pessoalidade do Deus-homem. E importante aqui assinalar a distinção entre natureza e pessoa. Natureza é substância possuída em comum; as pessoas da Trindade têm uma natureza; há uma natureza comum da humanidade. Pessoa é natureza subsistindo separadamente, com poderes de consciência e vontade. Visto que a natureza de Cristo não tem e nunca teve uma subsistência separada, é impessoal e no Deus-homem o Logos fornece o princípio de pessoalidade. É igualmente importante observar que a autoconsciência e a autodeterminação não pertencem à natureza como tal, mas só à pessoalidade. Por esta razão, Cristo não tem duas consciências e duas vontades, mas uma só consciência e uma só vontade. Esta consciência e vontade, contudo, nunca é simplesmente humana, mas é sempre teantrópica - atividade de uma pessoalidade que une em si a humana e a divina (Mc. 13.32; Lc. 22.42).
O pai e a mãe humanos são pessoas distintas e cada um dá aos seus filhos algo da sua própria natureza peculiar; contudo, o resultado não é duas pessoas no filho, mas uma pessoa com uma consciência e uma vontade. Assim a Paternidade de Deus e a maternidade de Maria não produziram uma dupla pessoalidade em Cristo, mas só uma. Dorner ilustra a união do elemento humano e divino em Jesus através do Espírito Santo no crente; nada estranho, nada distinguível da vida humana na qual ele entrou; e através do senso moral, que é a própria presença de Deus na alma humana, embora a consciência não interrompa a unidade da vida. Estas ilustrações auxiliam-nos a entender a interpretação do elemento humano através do divino em Jesus; mas apresentam o defeito de sugerir que a relação dele com Deus é diferente

350
Augustus Hopkins Strong
da nossa não no gênero, mas no grau. Só Jesus pode dizer: "Antes de Abraão nascer eu sou" (Jo. 8.58); "Eu e o meu Pai somos um" (Jo. 10.30).
A teoria das duas consciências e das duas vontades, elaborada por João Damasceno foi um acréscimo não garantido à doutrina ortodoxa proposta em Calcedônia. Embora o ponto de vista de João Damasceno tivesse sido sancionado pelo Concilio de Constantinopla (681), "este nunca foi considerado ecumênico pela Igreja Grega e sua composição e espírito privam suas decisões de todo valor indicativo do verdadeiro sentido da Escritura". A natureza tem sua consciência e vontade, só quando se manifesta na pessoa. Uma pessoa tem uma só consciência, a qual abrange em seu escopo, em todos os tempos, uma natureza humana e, às vezes, divina. Observe que não dizemos que a natureza humana de Cristo não possuía vontade, mas apenas que não a tinha antes da união com a natureza divina e não a tinha separada da vontade que foi formada do elemento humano e do divino unidos.
Sartório emprega a ilustração dos dois círculos concêntricos: um, o ego da pessoalidade em Cristo, é ao mesmo tempo o centro de ambos os círculos, a natureza humana e a divina. Ou melhor, ilustrado por um vaso de ar invertido e imerso, às vezes abaixo do seu centro, às vezes acima, dentro de outro vaso bem maior cheio de água. Ver Mc. 13.32 - "daquele Dia e hora, ninguém sabe, nem os anjos que estão no céu, nem o Filho"; Lc. 22.42 - "Pai, se queres, passa de mim este cálice; todavia, não se faça a minha vontade, mas a tua". Dizer que, embora em sua capacidade humana fosse ignorante, ao mesmo tempo em sua capacidade divina ele era onisciente, é acusar Cristo de inveracidade. Sempre que Cristo falava, não eram duas pessoas que falavam, mas a pessoa em quem ambas as naturezas estavam unidas.
Ao que ficou dito adicionamos várias definições de pessoalidade: Boêthius, citado em Dorner, Glaubenslehre, 2.415 (Doutrina Sistemática 3.313) -"Perso- na est animae rationalis individua substantia" (Pessoa é a substância racional indivisível da alma); F. H. Robertson, Lect. On Gen., p. 3 - "Pessoalidade = autoconsciência, vontade, caráter"; Porter, Human Intelect, 626 - "Pessoalidade = subsistência distinta, quer patente, quer latente, autoconsciente e autodeterminante"; Harris, Philos. Basis of Theism, 408 - "Pessoa = ser, consciência do eu, subsistente na individualidade e identidade e dotada de razão intuitiva, sensibilidade racional e livre vontade". Dr. E. G. Robinson define "natureza" como "o substrato ou condição do ser que determina o gênero e atributos da pessoa, mas que é claramente distinta da própria pessoa".
Lotze, Metaphysics, 244 - "A identidade do sujeito da experiência interna é tudo o que requeremos. Sempre que e sempre quando a alma conhece a si mesma como o sujeito idêntico, ela é e assim é chamada, tão somente por essa razão, substância". Illingworth, Personality, Human and Divine, 32 - "Nossa concepção de substância não deriva do mundo físico, mas do mental. Substância é, antes de tudo, aquilo que suporta os nossos sentimentos mentais e manifestações. Kant declara que a idéia de liberdade é a fonte da nossa idéia de pessoalidade. "A pessoalidade consiste na liberdade total da alma sobre o mecanismo da natureza".
Efeito sobre o humano. - A união das naturezas divina e humana torna esta possuída dos poderes pertencentes àquela; em outras palavras, os atributos

Teologia Sistemática
351
ia natureza divina são outorgados à humana sem passar por sobre sua essência, - de modo que o Cristo humano, mesmo na terra, tinha poder para ser, conhecer e agir como Deus. Que este poder era latente, ou raramente manifesto. era o resultado do estado da auto-escolha da humilhação na qual o Deus- homem entrou. Neste estado de humilhação, a comunicação do conteúdo da raa natureza divina com a humana foi mediada pelo Espírito Santo. O Deus- homem, em sua forma de servo, conhecia, ensinava e fazia só o que o Espírito Santo permitia e dirigia (Mt. 3.16; João 3.34; At. 1.2; 10.38; Hb. 9.14). Mas quando havia permissão, ele conhecia, ensinava e fazia, não como os profetas, pelo poder comunicado de fora, mas em virtude de sua própria energia (Mt. 17.2; Mc. 5.41; Lc. 5.20,21; 6.19; João 2.11,24,25; 3.13; 20.19).
Kahnis, Dogmatik, 2- ed. 2.77- "A natureza humana não se toma divina, mas (como diz Chemnitz) só o meio-termo do divino; do mesmo modo que a lua não tem luz própria, mas só reproduz a do sol. Assim também a natureza humana pode, por derivação, exercer os atributos divinos, porque ela está unida ao elemento divino em uma só pessoa". Mason, Faith ofthe Gospel, 151
"A nossa alma espiritualiza o nosso corpo e um dia nos dará força para a humanidade em Cristo, conquanto esta ainda não deixa de ser humanidade".
Phillippi, Glaubenslehre, 4.131 - "A união exalta o elemento humano do mesmo modo que a luz ilumina o ar, o calor dá brilho ao ferro, o espírito exalta o corpo, o Espírito Santo santifica o crente através da união com a sua alma.
O fogo transmite ao ferro as suas propriedades de iluminação e queima; apesar de que o ferro não se torna fogo. O Espírito Santo santifica o crente, mas
o crente não se torna divino; porque o determinante é o princípio divino. Não falamos da luz aérea, do calor do ferro, ou de uma alma corporal. Assim a natureza humana possui o elemento divino só por derivação. Neste sentido é nosso destino tornarmo-nos 'participantes da natureza divina' (2 Pe. 1.4)". Mesmo na sua vida terrena, quando ele queria ser ou, mais precisamente, quando o Espírito permitia, ele era onipotente, onisciente, onipresente, podia andar sobre o mar, ou entrar a portas fechadas. Mas, no seu estado de humilhação, ele estava sujeito ao Espírito Santo.
Em Mt. 3.16, a unção do Espírito Santo no seu batismo não foi a descida material da pomba ("como uma pomba"). O aparecimento como uma pomba só foi um sinal exterior da vinda do Espírito Santo das profundezas do seu ser, derramando-se como um dilúvio na sua consciência divino-humana.
Jo. 3.34 - "pois não lhe dá Deus o Espírito por medida"; At. 1.2 - "depois de ter dado mandamentos, pelo Espírito Santo, aos apóstolos"; 10.38 - "como Deus ungiu a Jesus de Nazaré, com o Espírito Santo e com virtude; o qual andou fazendo o bem e curando todos os oprimidos do diabo, porque Deus era com ele"; Hb. 9.14 - "o sangue de Cristo, que, pelo Espírito eterno, se ofereceu a si mesmo imaculado a Deus".
Quando o Espírito Santo permitia, ele sabia, ensinava e operava como Deus; Mt. 17.2 - "transfigurou-se diante deles"; Mc. 5.41 - "Menina, a ti te digo: levanta-te"; Lc. 5.20,21 - "Homem, os teus pecados te são perdoados.

352
Auguslus Hopkins Strong
... Quem pode perdoar pecados senão Deus?" - Lc. 6.19 - "saía dele virtude que curava todos"; Jo. 2.11 - "Jesus principiou assim os seus sinais em Caná da Gaiiiéia e manifestou a sua glória"; 24,25 - "porque a todos conhecia. ... ele bem sabia o que havia no homem"; 3.13 - "o Filho do Homem, que está no céu" [contudo, aqui Westcott e Hort, juntamente com K e B, omitem ó còv èv tô o-üpavcò, - em defesa da leitura comum, ver Broadus, Hovey's Com., sobre Jo. 3.13]; 20.19 - cerradas as portas ... chegou Jesus, e pôs-se no meio".
Cristo é o "servo do Senhor" (Is. 42.1-7; 49.1-12; 52.13; 53.11) o sentido de tkxíç (At. 3.13,26; 4.27,30) não é "criança" ou "Filho"; é "servo" como aparece na Versão Revista e Atualizada do Brasil (SBB). Porém no estado de exaltação Cristo é o doador do Espírito (Jo. 16.7 - "enviar-vo-lo-ei"), presente no Espírito (Jo. 14.18 - "voltarei para vós"; Mt. 28.20 - "Eis que estou convos- co todos os dias, até a consumação dos séculos") e operando através do Espírito (1 Co. 15.45 - "o último Adão, em espírito vivificante"; 2 Co. 3.17 - "Ora, o Senhor é Espírito").
Delitzsch: "A concepção do servo do Senhor é, como se fosse, de uma pirâmide, cuja base é o povo de Israel como um todo; a parte central, Israel, segundo o Espírito; o cume, o Mediador da Salvação, que surge de Israel". Cheyne, sobre Isaías, 2.253, concorda com este ponto de vista de Delitzsch, que é também o de Oeler. O V. T. é a vida de uma nação; o N.T., a vida de um homem. O principal fim de uma nação é produzir o homem; o principal fim do homem é salvar o mundo. Sabatier, Philos. Religion, 59 - Se potencialmente e em certo grau a humanidade não fosse um Emanuel, Deus conosco, nunca teria produzido de seu seio aquele que teve e revelou tal bendito nome". Queremos ampliar e corrigir esta ilustração da pirâmide, fazendo com que a base seja o Logos, como o Criador e sustentador de todas as coisas (Ef. 1.23;
Cl. 1.16); o estrato que se apóia a seguir no Logos é a humanidade universal (SI. 8.5,6); a seguir vem Israel como um todo (Mt. 2.15); o Israel espiritual se apóia sobre o Israel segundo a carne (Is. 42.1-7); como ápice e pedra superior, vem, a coroar a pirâmide, Cristo, o verdadeiro servo do Senhor e Filho do homem (Is. 53.11; Mt. 20.28). Podemos avançar com a humanidade sempre desenvolvendo-se e subindo ao céu (Is. 9.6 - "Pai eterno"; Is. 53.10 - "verá a sua posteridade"; Ap. 22.16 - "Raiz e Geração de Davi"; Hb. 2.13 - "eu e os filhos que Deus me deu".
Efeito sobre o divino. - Esta comunhão das naturezas era tal que, apesar de que a natureza divina em si é incapaz de ignorância, de fraqueza, de tentação, de sofrimento, ou morte, a pessoa de Jesus Cristo era capaz destas coisas em virtude da união da natureza divina com a humana. Como o Salvador humano pode exercer atributos divinos, não só em virtude de sua humanidade, mas derivada, em virtude de possuir a natureza divina, assim o Salvador pode sofrer e ignorar como homem, não em sua natureza divina, mas derivada em virtude de possuir a natureza humana. Podemos ilustrar isto com a conexão entre o corpo e a alma. A alma sofre dor por causa da sua união com o corpo,

Teologia Sistemática
353
o que separada do corpo seria impossível. Assim o Deus-homem apesar da natureza divina impassível, era capaz por causa da união com o elemento humano, de um sofrimento absolutamente infinito.
Como a minha alma nunca poderia sofrer as dores do fogo se apenas fosse alma, mas pode sofrê-las na união com o corpo, assim o Deus, doutra forma impassível pode sofrer as agonias mortais através da união com a humanidade, o que ele nunca poderia se não se ligasse à minha natureza.
A união entre a humanidade e a divindade é tão estreita que a própria divindade se submeteu à maldição e pena da lei. Por que Cristo é Deus passou ele pelas chamas do Getsêmani e do Calvário sem chamuscar-se? Ao invés disso, digamos, porque Cristo é Deus, suportou o sofrimento absolutamente infinito.
A. J. F. Behrends, Examiner, 21 de abril de 1898 - "Jesus Cristo é Deus na forma de homem; tão integralmente Deus como se não fosse homem; tão integralmente homem como se não fosse Deus. Ele é sempre divino e sempre humano. ... As enfermidades e dores do seu corpo traspassaram a natureza divina. ... A demanda da lei lançada sobre Cristo não veio de fora, mas de dentro. É a justiça dentro dele que tornou necessária a sua morte".
Necessidade da união. - A união das duas naturezas em uma pessoa é necessária para constituir Jesus Cristo um apropriado mediador entre o homem e Deus. Esta dupla natureza dá-lhe comunhão com as duas partes visto que envolve uma dignidade igual à de Deus e ao mesmo tempo perfeita simpatia para com o homem (Hb. 2.17, 18; 4.15,16). Esta dupla natureza, contudo, capacita-o a apresentar tanto a Deus como ao homem os termos apropriados da reconciliação: sendo homem, pode fazer expiação pelo homem; sendo Deus, sua expiação tem valor infinito; enquanto tanto a sua divindade como a sua humanidade combinam-se para mudar os corações dos ofensores e constrangê-los à submissão e amor(l Tm. 2.5; Hb. 7.25).
Hb. 2.17,18 - "Porque convinha que, em tudo, fosse semelhante aos irmãos, para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote naquilo que é de Deus, para expiar os pecados do povo. Porque, naquilo que ele mesmo, sendo tentado, padeceu, pode socorrer os que são tentados"; 4.15,16 - "Porque não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; porém um que, como nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado. Cheguemo-nos, pois, com confiança ao trono da graça, para que possamos alcançar misericórdia e achar graça, a fim de sermos ajudados em tempo oportuno"; 1 Tm. 2.5 - "um só Deus e um só mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo, homem"; Hb. 7.25 - "Portanto, pode salvar perfeitamente os que por ele se chegam a Deus, vivendo sempre a interceder por eles".

354
Augustus Hopkins Strong
Porque Cristo é homem, pode fazer expiação pelo homem e simpatizar com o homem. Porque Cristo é Deus, sua expiação é de valor infinito e a união que ele efetua com Deus é completa. Um salvador somente humano nunca nos poderia reconciliar e nos unir novamente a Deus. Mas o salvador divino-humano vem ao encontro das nossas necessidades. Ver Wilberforce, Incarnation, 170-208. Como o sumo sacerdote no passado levava em sua mitra o nome IHVH, e em seu peitoral os nomes das tribos de Israel, assim Cristo Jesus é Deus conosco e, ao mesmo tempo, nosso representante propi- ciatório diante de Deus. Na Eneida de Virgílio, Dido diz com precisão: "Haud ignara maii, miseris succurrere disco" - "Eu mesmo não ignoro o sofrimento, aprendo a mostrar compaixão". Terêncio profere uma palavra quase cristã quando escreve: "Homo sum, et humani nihil a me alienum puto". - "Sou homem e, em mim, nada de humano julgo que seja estranho em mim". A experiência e divindade de Cristo tornam estas palavras muito mais verdadeiras nele do que em qualquer outro ser humano.
A união eterna. - A união da humanidade com a divindade na pessoa de Cristo é indissolúvel e eterna. Diferentemente dos avatares do Oriente, a encarnação foi a admissão da natureza humana pela segunda pessoa da Trindade. Na ascensão de Cristo, a humanidade glorificada atingiu o trono do universo. Por seu espírito, este mesmo Salvador divino-humano é onipresente para assegurar o progresso do seu reino. A sujeição final do Filho ao Pai, mencionada em 1 Co. 15.28, não pode ser outra senão o completo retorno do Filho à sua relação original com o Pai; visto que, segundo João 17.5, Cristo deve novamente possuir a glória que tinha com o Pai antes que o mundo existisse (cf. Hb. 1.8; 7.24,25).
Co. 15.28 - "E quando todas as coisas lhe estiverem sujeitas, então, o Filho se sujeitará àquele que todas as coisas lhe sujeitou, para que Deus seja tudo em todos"; Jo. 17.5 - "Glorifica-me tu, ó Pai, com aquela glória que tinha contigo antes que o mundo existisse"; Hb. 1.8 - "Mas, do Filho, diz: ó Deus, o teu trono subsiste pelos séculos dos séculos"; 7.24 - "mas este, porque permanece para sempre, tem o seu sacerdócio perpétuo". Dorner, Glaubenslehre, 2.281-283 (Doutrina Sistemática 3.177-179), sustenta que há uma distinção presente e relativa entre a vontade do Filho, como Mediador, e a do Pai (Mt. 26.39 - "não como eu quero, mas como tu queres") - a qual cessa quando Cristo se torna Juiz (Jo. 16.26 - "Naquele dia, pedireis em meu nome, e não vos digo que eu rogarei por vós ao Pai"). Se o reino de Cristo cessasse, ele seria inferior aos santos, que devem reinar. Mas eles devem reinar só em Cristo e com ele, que é o cabeça.
A melhor ilustração do sentido possível do abandono do reino por Cristo encontra-se no Governador da Companhia das índias Orientais, abrindo mão da sua autoridade em favor da rainha e incorporando-a à do governo da sua terra, embora ele, ao mesmo tempo se tornasse Secretário de Estado da

Teologia Sistemática
355
índia. Assim Cristo abrirá mão do seu ofício, mas nunca da sua mediação. Naquele tempo ele reinava por autoridade delegada; agora em união com o Pai. Wrightnour: "Quando o grande remédio operou a perfeita cura, o médico não será mais tratado como médico. Quando a obra da redenção já estiver completa, cessará o ofício mediador do Filho". Podemos acrescentar que começarão outros ofícios como o da amizade e instrução.
Melanchton: "Cristo findará sua obra como Mediador e, a partir de então, reinará com Deus, revelando-nos imediatamente a sua divindade". Quenste- ot, citado por Schmid, Dogmatik, 293, é da opinião que o abrir mão do reino será apenas uma mudança da administração externa em favor de uma interna, - não uma rendição de todo o poder e autoridade, mas só de um modo de exercício. Hanna, Resurrection, preleção 4 - "não se trata de abrir mão de sua autoridade mediadora; o seu trono é eterno, - mas trata-se de um reconhecimento público do fato de que Deus é tudo em todos, de que Cristo é o meio de que Deus se vale para cumprir tudo". Análise Paralela da Bíblia,
Co. 15.28 - "Não é a sua relação mediadora com o seu próprio povo que será interrompida; muito menos a sua relação pessoal com a Divindade, como Verbo divino; mas somente a relação mediadora com o mundo genericamente". Ver também Edwards, Observations on the Trinity, 8 e ss. Expositor's GreekTestament, sobre 1 Co. 15.28, não afirma nenhuma outra sujeição além da envolvida na Filiação. ... Isto não implica inferioridade da natureza, nem exclusão do poder, mas a livre submissão do amor. ... que é a essência do espírito filial que dominou Cristo do começo ao fim. ... Qualquer que seja a sua glória dedica-se à glória e ao poder do Pai, que, por sua vez, o glorifica".
Dorner, Glaubenslehre, 2.402 (Doutrina Sistemática, 3.297-299) - "Não devemos imaginar a encarnação de Cristo no mundo angelical, ou em outras esferas. Isto tornaria a encarnação apenas a mudança de roupagem, uma teofania passageira; e a relação de Cristo com a humanidade seria tão somente exterior". Bispo de Salisbury, citado por Swayne, O Conhecimento do nosso Senhor como Homem, XX - "Permite-se-nos crer que há algo paralelo ao progresso da humanidade do nosso Senhor no estado de humilhação, vindo até os nossos dias, no estado de exaltação? isto é, de fato, tornando-se cada vez mais adequado à natureza divina? Ver Cl. 1.24 - 'cumpro o resto'; Hb. 10.12,13- 'esperando até que os seus inimigos'; 1 Co. 15.28
'quando todas as coisas lhe estiverem sujeitas'". A nosso juízo, tal conclusão não oferece garantia, pelo fato de que o Deus-homem, em sua exaltação, tem a glória do estado preexistente (Jo. 17.5); que todos os poderes celestes já estão sujeitos a ele (Ef. 1.21,22); e que ele agora é onipresente (Mt. 28.20).
j) O infinito e o finito em Cristo. - Nossa investigação da Escritura, ensinando a respeito da pessoa de Cristo leva-nos a três importantes conclusões: 1. que a divindade e a humanidade, o infinito e o finito, nele não são mutuamente exclusivos; 2. que a humanidade em Cristo difere da sua divindade não meramente em grau, mas em gênero; e que 3. esta diferença em gênero é dife

356
Augustus Hopkins Strong
rença entre o infinito original e o finito derivativo, de modo que Cristo é a fonte da vida, tanto física como espiritual, para todos homens.
Nossa doutrina exclui o ponto de vista de que Cristo é apenas quantitativamente diferente dos outros homens nos quais habita o Espírito de Deus. Qualitativamente, ele difere por ser a fonte da vida e os homens os seus receptores. É verdade não só que a plenitude de Deus está só nele; é verdade que também ele é Deus, revelando-se e comunicando-se, o que não acontece com os homens. Contudo, não podemos sustentar com E. H. Johnson, Outline of Syst. Theol., 176-178, que a humanidade de Cristo foi da mesma espécie que a deidade, mas não da mesma substância. Não conhecemos nenhuma substância subjacente e base do ser. Tal substância a si mesmo se limita e se manifesta em Jesus Cristo. O elemento determinante não é o humano, mas o divino. A fonte infinita tem uma manifestação finita; mas no finito vemos o Infinito; 2 Co. 5.19 - "Deus estava em Cristo, reconciliando consigo o mundo"; Jo. 14.9 - "Quem me vê a mim vê o Pai". Por isso podemos concordar com os seguintes escritores que consideram todos homens participantes da vida de Deus, embora neguemos que Cristo seja apenas homem, distinto dos seus semelhantes por ter, mais do que nós, participação naquela vida.
J. M. Whiton: "Como deve o espírito divino que se manifesta na vida do Jesus Cristo homem distinguir-se qua divino, do mesmo espírito divino manifesto na vida da humanidade? Respondo que, nele, a pessoa de Cristo habita corporalmente a plenitude de Deus. Dou ênfase à plenitude e digo: Deus é semelhante à raça e à direção espiritual, mas a plenitude está apenas nele - plenitude naturalmente não absoluta, visto que circunscrita a um organismo humano, mas dentro dos limites de tal organislno. A divindade essencial não pode ser atribuída ao Cristo humano a não ser em comum com a raça, criada à imagem de Deus. A vida é uma só e é divina". ... Gloria Patri, 88.23 - "Toda encarnação da vida é pro tanto e em tal medida uma encarnação de Deus.... e o processo de Deus é a perpetuamente crescente encarnação da vida cujo clímax e coroa é a divina plenitude da vida em Cristo. ... O Homoousios do Credo Niceno foi uma grande vitória da verdade. Porém os Pais nicenos edi- ficaram de uma forma melhor do que conheciam. O unitário Dr. Heoge os louvava porque eles captaram a verdade, a conclusão lógica daquilo que deveria vir mais tarde; que Deus e o homem são a mesma substância". Assim Momerie, Inspiração, sustenta que a natureza do homem é em gênero, a mesma que a de Deus. Ver a crítica deste ponto de vista em Watts, New Apologetic, 133,134. Ele considera que o homoiousios envolve homoousios; a natureza divina capaz de fissão ou segmentação, quebrada em parte e distribuída entre agentes morais finitos; a natureza divina submetendo-se a perenes limitações; por isso todo homem, até certo ponto inspirado, e o mal é tão verdadeiramente uma inspiração de Deus como o bem. Parece-nos que Watts não tem a concepção própria do infinito como base do finito, e por isso não o exclui.
Lyman Abbott afirma que Cristo é "não Deus e homem, mas Deus no homem". Cristo difere dos outros homens só como a flor difere do bulbo. Como

Teologia Sistemática
357
verdadeiro homem, ele é genuinamente divino. Deidade e humanidade não são duas naturezas distintas, mas só uma. A natureza ético-espiritual que é finita no homem é idêntica à natureza que é infinita em Deus. A distinção entre Cristo e os outros homens acha-se, portanto, no grau em que compartilha esta natureza e possui uma única plenitude de vida - "ungiu ... com o Espírito Santo e com poder" (At. 10.38). Phillips Brooks: "A esta humanidade do homem como parte de Deus - com isto concordo; porque a isto amo e nada mais quero conhecer. ... O homem é, em virtude de sua humanidade essencial, participante da vida do Verbo essencial. ... Para cada alma, até onde possível recebê-la, Deus fere a sua vida e lhe dá o seu socorro". Phillips Brooks crê que Deus habita como redentor no homem, de sorte que a salvação é do homem, para o homem, pelo homem. Ele não sente escrúpulo em dizer a cada um: "Você é uma parte de Deus".
Conquanto nos esquivemos de expressões que parecem implicar uma divisão da natureza divina, somos compelidos a reconhecer a verdade em que estes escritores estão empenhados em expressar a unidade essencial de toda a vida, e de Deus em Cristo, como a sua fonte e o seu doador. "É com aprovação que Cristo cita as palavras do SI. 82.6 - 'Eu disse: Vós sois deuses'. Microscópicos, na verdade, somos divinos - centelhas da chama da divindade. Deus é o Criador, mas é através de Cristo como o mediador e como a Causa final. 'E nós por ele' (1 Co. 8.6) = existimos para ele, para a realização de uma humanidade divina em solidariedade com ele. Cristo é ao mesmo tempo o fim e a causa instrumental do processo inteiro. Samuel Harris, Deus, o Criador e Senhor de Tudo, fala do "elemento essencialmente divino no homem". O Filho, ou Verbo de Deus, "quando manifesto nas formas de uma personalidade finita, é o Cristo essencial revelando isso em Deus, que é essencial e eternamente humano".
Pfleiderer, Philos. Religion, 1.196 - "A humanidade inteira é o objeto do amor divino; é um Emanuel e filho de Deus; sua história inteira é uma encarnação contínua de Deus; na verdade a Escritura diz que nós somos uma geração divina e que em Deus vivemos e nos movemos e existimos. Mas o que está potencialmente na consciência humana de Deus não é por causa do que também se manifesta a ela desde o princípio". Hatch, Hibbert Lect., 175- 180, sobre o monismo estóico e o dualismo platônico, diz-nos que os estóicos criam num Xóyoç, pessoal e num uXri impessoal, ambos modos de uma só substância. Alguns consideram Deus como um modo da matéria, natura natu- rata: "Júpiter est quodcumque vides, quodcumque moveris" (Lucan, Phars., 9.579); outros concebiam-no como a natura naturans, - esta se tornou a concepção dominante. ... Os produtos são todos divinos, mas não igualmente divinos.... Mais próxima da essência pura de Deus está a alma humana; ela é uma emanação ou uma fluência dele, um renovo que está separado da vida de uma árvore paterna embora continue a viver com ela, uma colônia na qual alguns membros do grupo paterno se estabeleceram. Platão seguiu Anaxá- goras ao sustentar que a mente está separada da matéria e age sobre ela. Deus está fora do mundo. Ele lhe dá forma do mesmo modo que o carpinteiro à madeira.

358
Augustus Hopkins Strong
SEÇÃO III - OS DOIS ESTADOS DE CRISTO I. ESTADO DE HUMILHAÇÃO
1. Natureza desta humilhação
Podemos apresentar, como nota indigna de seriedade, os pontos de vista de que ela consistiu essencialmente ou na união do Logos com a natureza humana, pois esta união com a natureza humana continua no estado de exaltação; ou nas provações exteriores e privações da vida humana de Cristo, pois este ponto de vista lança reprovação sobre a pobreza e ignora o poder da alma de subir a uma área superior às suas circunstâncias exteriores.
E. G Robinson, Chrístian Theology, 224 - "O erro de supor que é por demais humilhante obedecer a uma iei derivou do tesouro romano do mérito e obras de supererrogação [obras que excedem ao exigido por lei]. Melhor é o sentimento de Frederico, o Grande, quando o seu resoluto súdito vizinho, cujo moinho de vento ele tentou retirar, tendo-o derrotado num processo judicial, o frustrado monarca exclamou: 'Graças a Deus que na Prússia há lei'!" Palmer, Theological Definition, 79 - "Deus se revela na rocha, nos vetais, nos animais, no homem. Não pode o processo continuar? Não pode aparecer na plenitude dos tempos um homem que revele Deus tão perfeitamente quanto é possível nas condições humanas - um homem que é Deus dentro das limitações da humanidade? Tal encarnação é humilhação apenas aos olhos do homem. Para Cristo, trata-se de exaltação, de glória; Jo. 12.32 - "E eu, quando for levantado da terra, todos atrairei a mim' ". George Harris, Moral Evolution, 409 - "A divindade de Cristo não é obscurecida, mas, ao contrário, é vista claramente, brilhando através da sua humanidade".
Podemos dedicar mais atenção
A teoria de Thomasius, Delitzsch e Crosby, de que a humilhação consistiu na renúncia dos seus atributos divinos.
Esta teoria sustenta que o Logos, apesar de reter a sua divina consciência de si mesmo e seus atributos imanentes de santidade, amor e verdade, renunciou seus atributos relativos de onisciência, onipotência, onipresença a fim de tomar para si a verdadeira natureza humana. Segundo este ponto de vista, há, na verdade, duas naturezas em Cristo, mas nenhuma delas é infinita. Thomasius e Delitzsch são os principais defensores desta teoria na Alemanha. Howard Crosby tem sustentado semelhante ponto de vista na América.
A teoria de Thomasius, Delitzsch, e Crosby, embora inadequadamente, tem sido chamada de quenótica (de ÈKÉvcoaev - "a si mesmo se esvaziou" - em

Teologia Sistemática
359
Fp. 2.7), e seus defensores são chamados de teólogos quenóticos. Há uma quênose do Logos, mas de um tipo diferente do que esta teoria supõe. Crosby dá ênfase á locução "se fez", em Jo. 1.14 - "e o Logos de fez carne" - e dá à palavra carne o sentido de "homem", ou de "humano". Conseqüentemente, Crosby deve, por efeito lógico, negar, embora não o faça, que o corpo de Cristo derivou da Virgem.
A este ponto de vista objetamos que:
Contradiz as Escrituras já referidas nas quais Cristo afirma seu conhecimento e poder divinos. Tem-se dito que a divindade pode interromper suas funções terrenas, pois ela existia sem estas antes da criação. Mas interromper os atributos divinos é interromper a substância de Deus. Nem é resposta suficiente dizer que só os atributos relativos são interrompidos enquanto os atributos imanentes, que caraterizam principalmente a divindade, são retidos; pois os imanentes envolvem necessariamente os relativos, do mesmo modo que o maior envolve o menor.
Leibner, Jahrbuch für d. Theol., 3.349-356 - "Está o Logos aqui? Mas em que ele mostra a sua presença, para que possa ser conhecida"? Hase, Huterus Redivivus, 113 ed., 217, nota. John Caird, Fund, Ideas of Christianity, 2.125- 146, critica a teoria quenótica, mas admite que com todas as suas contradições, como ele as considera, é uma tentativa de tornar concebível a profunda verdade de um Deus simpático e que a si mesmo se sacrifica.
Visto que o Logos, unindo-se a uma alma humana, reduz-se à condição e limitações dela, a teoria é virtualmente da coexistência de duas almas em Cristo. Mas a união de duas almas finitas é mais difícil de explicar do que a união de uma finita com uma infinita, visto que não pode haver naquele caso nenhuma direção inteligente e controle do elemento humano pelo divino.
Dorner, Jahrbuch für d. Theol, 1.397-408 - "A impossibilidade de tornar duas almas finitas em uma levou, por fim, o arianismo à negação de qualquer alma humana em Cristo" (apolinarismo). Esta afirmação de Dorner, que já citamos ao tratar do apolinarismo, ilustra a iguai impossibilidade, apoiada na teoria de Thomasius de edificar, a partir de duas almas iguais, a pessoa de Cristo.
Esta teoria deixa de garantir seu fim, que é o de tornar compreensível o desenvolvimento humano de Jesus, pois, apesar de despido dos atributos reativos da Divindade, o Logos ainda retém sua divina consciência de si mesmo juntamente com seus atributos imanentes de santidade, amor e verdade. E difícil reconciliar isto com um desenvolvimento humano puramente natural como a posse dos atributos relativos de Deus seriam. A teoria logicamente

360
Augustus Hopkins Strong
leva a uma negação da posse de quaisquer atributos divinos ou de qualquer consciência divina da parte de Cristo e apresenta-se no ponto de vista de Gess e Beecher de que a divindade do Logos transforma-se verdadeiramente em uma alma humana.
Kahnis, Dogmatik, 3.343 - "A teologia antiga concebia Cristo no seu uso pleno e inquebrantável da consciência de si mesmo, dos atributos divinos, e das funções terrenas, desde a sua concepção até à sua morte. Embora Jesus, como feto, criança, menino, não fosse onipotente e onipresente em sua natureza humana, contudo ele o era quanto à natureza divina, que constituía um ego com a humana. Entretanto, Thomasius declarava que o Logos abriu mão dos seus atributos relativos, durante a sua peregrinação em carne. A.ohi§oã.Q de Oqrher a Isto Jaa.sea.dQ cvalTO.utahlH.da.de dlvlaa^ttans^ãe a.raax- ca porque torna toda a transposição impossível.
"Porém algumas coisas da doutrina de Thomasius ainda são difíceis: 1a, a divindade pode sem dúvida interromper suas funções terrenas porque ela existe sem estas antes que o mundo existisse. Contudo, na natureza de uma pessoalidade absoluta há um conhecimento, uma vontade, um sentimento absolutos de que ela não pode abrir mão. Por isso, Fp. 2.6-11 fala de um abrir mão da glória divina, mas não abrir mão dos atributos ou da natureza.
28, pouco se ganha com a suposição de que se abriu mão dos atributos ou natureza divinos, visto que o Logos, mesmo quando desvestido de uma parte dos seus atributos, ainda possui plenamente a sua própria consciência divina que deve tornar menos difícil o desenvolvimento humano. 3a, as expressões da própria consciência, as obras poderosas, as palavras da sabedoria, todas divinas, provam que Jesus estava de posse da sua consciência própria e atributos divinos.
"O elemento essencial que os quenóticos têm em vista são firmes; a saber, que a pessoalidade divina do Logos desvestiu-se da sua glória (Jo. 17.5), das riquezas (2 Co. 8.6), da forma divina (Fp. 2.6). Este desvestir-se é o tor- nar-se homem. Daí, a humilhação não é abandonar a posse da natureza e atributos, mas o seu emprego. Que o homem pode deste modo abrir mão da sua própria consciência e dos seus poderes, vemos diariamente no sono. Mas nem por isso o homem deixa de ser homem. Sustentamos que, quando o Logos se tornou homem não se desvestiu da pessoa e natureza divinas, o que é impossível; mas apenas do emprego e exercício delas - que lhe são latentes - para desdobrá-las ao seu emprego, na medida que a natureza humana se desenvolvia - emprego que se completou na condição de exaltação". Esta afirmação de Kahnis, embora próxima do elemento correto, ainda nem é perfeitamente correta, nem perfeitamente completa.
Teoria de que a humilhação consistiu na renúncia do exercício independente dos atributos divinos.
Esta teoria, que consideramos como a mais satisfatória de todas, pode ser mais plenamente estabelecida como segue. A humilhação, como a Escritura parece mostrar, consistiu:

Teologia Sistemática
361
No ato do Logos preexistente segundo o qual ele interrompeu sua glória divina com o Pai para tomar a forma de servo. Neste ato, ele resignou, não a posse, nem o uso total, mas o exercício independente dos atributos divinos.
Jo. 17.5 -"glorifica-me tu, ó Pai, junto de ti mesmo, com a glória que tinha contigo antes que o mundo existisse"; Fp. 2.6,7 - "subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo; e reconhecido em forma humana";
Co. 8.9 - "pois conheceis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico, se fez pobre por amor de vós, para que, pela sua pobreza, vos tornás- seis ricos". Pompflia, em Ring and Book de Robert Browning: "Agora vejo como Deus é mais semelhante ao Deus nascido".
A onisciência abre mão de todo o conhecimento, porém a de criança, de menino, do embrião, o germe da infinitesimal humanidade. A onipotência abre mão de todo o poder, mas da origem impregnada no ventre da Virgem.
A divindade se estreita num ponto que se segue à extinção absoluta. O ato de Jesus lavar os pés aos discípulos (Jo. 13.1-20) simboliza a descida do seu trono de glória, tomando a forma de servo, para nos purificar, pela regeneração e santificação, para as bodas do Cordeiro.
Na submissão do Logos ao controle do Espírito Santo e as limitações da sua missão messiânica em sua comunicação da plenitude divina da natureza humana que ele recebera na união consigo mesmo.
At. 1.2 - Jesus, "depois de ter dado mandamentos, pelo Espírito Santo, aos apóstolos que escolhera"; 10.38 - "ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e com virtude"; Hb. 9.14 - "o sangue de Jesus Cristo, que, pelo Espírito eterno se ofereceu a si mesmo imaculado a Deus". Um menor pode ter grandes bens que lhe foram deixados, apesar de que pode tê-lo empregado como o seu guardião lhe permite. Na llíada de Homero, quando Andrôma- co traz o seu filho para partir com Heitor, o menino fica apavorado com as plumas de guerra do capacete do seu pai, e Heitor as tira para abraçá-lo.
Do mesmo modo Deus põe de lado "aquela forma gloriosa, aquela luz insofrí- vel e aquele brilho metálico da majestade". Arthur H. Hallam, em Rab andhis Friend, 282,283 - "Revelação é a aproximação voluntária do Ser infinito aos caminhos e pensamentos da humanidade finita".
Na contínua renúncia do Deus-homem até no que se refere à sua natureza humana do exercício dos poderes divinos de que ele foi dotado em virtude de sua união com o divino e sua aceitação voluntária, da tentação, sofrimento, e morte que se seguiram a isso.
Mt. 26.53 - "ou pensas tu que eu não poderia, agora, orar a meu Pai e que ele não me mandaria mais de doze legiões de anjos"? Jo. 10.17,18 - "Por isso, o Pai me ama, porque dou a vida para tornar a tomá-la. Ninguém ma tira

362
Augustus Hopkins Strong
de mim, mas eu de mim mesmo a dou; tenho poder para a dar e poder para tomá-la"; Fp. 2.8 - "e, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo sendo obediente até à morte e morte de cruz". Cf. Shakespeare, Mercador de Veneza: "Tal música existe nas almas imortais, que, embora suas vestes lamacentas se lhe colem, não podemos vê-la (a música)".
Cada um destes elementos da doutrina tem seu próprio apoio nas Escrituras. Portanto, devemos considerar a humilhação de Cristo, não consistentes com um simples ato, mas envolvendo uma contínua auto-renúncia, que começou com a Kenosis do Logos em se tomando homem e que culminou na auto- sujeição do Deus-homem à morte de cruz.
Entender-se-á melhor a nossa doutrina sobre a humilhação de Cristo se a situarmos no meio do caminho entre dois pares de pontos de vista errôneos, criando um terceiro no total de cinco. A lista é a seguinte: 1) Gess: O Logos abriu mão de todos atributos divinos; 2) Thomasius: O Logos abriu mão só dos atributos relativos; 3) O Verdadeiro Ponto de Vista: O Logos abriu mão do exercício independente dos atributos divinos; 4) Velha Ortodoxia: Cristo abriu mão dos atributos divinos; 5) Anselmo: Cristo agiu como se não possuísse atributos divinos. Apresentamos abaixo a exposição completa da passagem clássica relativa à humilhação, a saber, Fp. 2.5-8, no parágrafo seguinte, páginas 705, 706. Brentius ilustra a humilhação de Cristo com um rei que viaja incógnito. Mas Mason, Faith of Gospel, 158, diz, com precisão, que "partir só em aparência com o gozo dos atributos divinos seria impor-nos um pretenso sacrifício de si mesmo; mas partir verdadeiramente com ele é manifestar de modo mais perfeito a verdadeira natureza de Deus".
2. Estágios da humilhação de Cristo
Podemos distinguir: a) O ato do Logos pré-encamado pelo qual, tomando- se homem, ele interrompeu o exercício independente dos atributos divinos. b) Sua submissão às leis comuns que regulam a origem das almas de um tronco pecaminoso preexistente, recebendo sua natureza humana da Virgem, natureza que só a concepção miraculosa tornaria pura. c) Sua sujeição às limitações que o crescimento e desenvolvimento humano envolviam, atingindo a consciência de sua filiação aos seus doze anos, não operando milagres senão depois do batismo, d) A subordinação de si mesmo, em estado, conhecimento, ensino e atos ao controle do Espírito Santo, vivendo, assim, não independente, mas como um servo, é) Sua sujeição à tentação e ao sofrimento, em conexão com uma raça pecaminosa e, finalmente, à morte que se constituiu na pena da lei.
Pedro Lombardo perguntava se Deus podia saber mais do que ele estava consciente. Trata-se apenas de um outro modo de colocar a questão se,

Teologia Sistemática
363
durante a vida terrena de Cristo, o Logos existia fora da carne de Jesus. Devemos responder com a afirmativa. Doutra sorte, o número de pessoas na Trindade seria variável e o universo poderia agir sem aquele que está sempre "sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder" (Hb. 1.3) e em quem "todas as coisas subsistem" (Cl. 1.17). Convém lembrar a natureza da onipresença de Deus (ver pp. 279-282). A onipresença não é nada menos que a presença integral de Deus em todo lugar. A partir daí, segue-se que o Cristo integral pode estar presente em cada crente de um modo tão pleno como se esse crente fosse o único a receber a sua plenitude e que o Logos inteiro pode estar unido e presente no homem Jesus Cristo, enquanto, ao mesmo tempo, ele enche e governa o universo. Por isso, em virtude da sua onipresença, o Logos todo pode sofrer na terra enquanto o Logos todo reina no céu. O Logos fora de Cristo tem a consciência perpétua da sua divindade, enquanto o Logos, unido à humanidade em Cristo, está sujeito ao desconhecimento, à fraqueza e à morte. Shedd, Dogm. Theol., 1.153 - "Jeová, embora presente na forma da sarça ardente, era ao mesmo tempo onipresente"; 1.265-284, esp. 282 - "Porque o sol brilha na nuvem e através dela, não se segue que não possa ao mesmo tempo estar brilhando através dos outros espaços do universo, desobstruído por qualquer vapor em qualquer parte". Gordon, Ministry of the Spirít, 21 - "Diferentemente do homem, em Deus a chegada a um lugar não necessita o afastamento de outro". João Calvino: "Lá está o Cristo todo; mas nem tudo o que estava em Cristo estava lá".
Não se concebe como se pode dispor do exercício dos atributos da onipotência, da onisciência e da onipresença, mesmo que seja por algum tempo quando se considera o Logos como é em si mesmo, sentado no trono do universo. A matéria é um tanto mais fácil quando lembramos que não o Logos per se, mas ao invés disso, o Deus-homem, Jesus Cristo, em quem o Logos submeteu a esta humilhação. South, Sermons, 2.9 - "Nunca a fonte está tão cheia, se ela se comunica através de um tubo de pequena dimensão; a correnteza pode ser pequena e considerável e igual à medida da sua condução". Sartório, Person and Work of Christ, 39 - "Quando o olho humano abre, vê céu e terra; mas quando fecha pouco ou nada vê. Contudo, a sua capacidade inerente não muda. Do mesmo modo a divindade não muda a sua natureza quando desce a cortina da humanidade diante dos olhos do Deus-homem".
O elemento divino em Cristo, durante a maior parte da sua vida terrena, é latente, ou só esporadicamente presente à sua consciência ou manifesto aos outros. Ilustremos a partir da segunda infância, na qual a própria mente existe, mas não é capaz de uso; ou da primeira infância, em que nem mesmo um Newton, ou um Humboldt, se retrocedessem à terra e ocupassem um cérebro infantil, com poderes infantis. Há mais na memória do que podemos lembrar neste momento; a memória é maior do que a lembrança. Há mais de nós er todos os tempos do que podemos saber; só uma súbita emergência revela a grandeza dos recursos da nossa mente e do coração e da vontade. No regenerado, a nova natureza é maior do que aparenta: "Amados, agora scmos filhos de Deus e ainda não é manifesto o que havemos de ser. Mas sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele" (1 Jo. 3.2). Deste modo há uma plenitude oceânica de recursos de cuja consciência e cujo exercício só agora e daí em diante o Espírito permite.

364
Augustus Hopkins Strong
Sem negar (como Dorner) a plenitude, mesmo a partir do momento da sua concepção, da união entre a deidade e a humanidade, podemos ainda dizer com Kahnis: "A natureza humana de Cristo, segundo a medida do seu desenvolvimento, se apropria cada vez mais do seu emprego consciente da plenitude latente da natureza divina Assim tiramos a média entre os dois extremos opostos. Por um lado, a quênosis não é a extinção do Logos. Nem, por outro, sentiu fome ou sono por milagre; isto é docetismo. Não devemos minimizar a humilhação de Cristo, porque esta é a sua glória. Não há limite para a sua descida a não ser a que surge da sua impecaminosidade. Sua humilhação não é simplesmente o abrir mão da aparência de Deus. Beard, Elohim Revealed, 585 - "Seria fraco e absurdo que alguém, baseado no fato de que o Imperador Carlos Quinto abriu mão dos seus trajes da realeza e assumiu o estilo de um súdito e ignorou o mais importante fato que realmente se tornou uma pessoa reservada e tivesse sido alvo da celebração da sua condescendência". Cf. 2 Co. 8.9 - "sendo rico, se fez pobre por amor de vós" = tornou-se um pedinte. Mt. 27.46 - "Meu Deus, meu Deus, por que me desamparaste"? = o não exercício da onisciência divina.
Contudo, visto que a passagem de Fp. 2.6-8 é a principal base e apoio da doutrina da humilhação de Cristo, anexamos aqui um exame mais pormenorizado a seu respeito.
EXPOSIÇÃO DE FILIPENSES, 2.6-8. A passagem reza; "pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tomando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em forma humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até a morte e morte de cruz".
O sujeito da sentença é, no início, (v. 6,7) Cristo Jesus, considerado o Logos preexistente; a seguir, (v. 8), este mesmo Cristo Jesus é considerado o encarnado. O contraste entre ja.opcpfi 8eot> e jxopcpriv 8ox>\ox> assim como os particípios Xaprâv e yevó"xevoç (v. 7) e ei>pe0eíç (v. 8) indicam a mudança do sujeito. Afirma-se, então, que, o Logos preexistente, "apesar de subsistir na forma de Deus, não considerou sua igualdade com Deus algo que deve ser retido à força, mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, (isto é) fazendo-se semelhança dos homens. E, na condição de homem, ele (o filho encarnado de Deus) humilhou-se a si mesmo, tornando-se obediente até à morte, e morte de cruz" (v. 8).
É bom notar aqui que o Logos se desvestiu, ao tornar-se homem, não da sua substância de Deus, mas da "forma de Deus" na qual a substância se manifestou. Tal "forma de Deus" só pode ser o exercício independente das forças e prerrogativas da divindade que constitui sua "igualdade com Deus". Disto ele abriu mão, "tomando a forma de servo" - ou, tornando-se subordinado, como homem. (Aqui outros textos completam o ponto de vista através das suas representações da influência controladora do Espírito Santo na vida terrena de Cristo. As expressões "tornando-se em semelhança de homens" e, "reconhecido em figura humana" são empregadas não para indicar que Jesus Cristo não era realmente humano, mas que ele era tanto Deus quanto homem e, portanto, livre do pecado que se prende ao homem {cf. Rm. 8.3 - èv ó"o.oió>naTi oapKÒç àjmpTÍaç - Meyer). Finalmente, esta pessoa, agora união de Deus e homem, submete-se, consciente e voluntariamente, à humilhação de uma ignominiosa morte de cruz.

Teologia Sistemática
365
Ver Lightfoot, em Fp. 2.8 - "Cristo desvestiu-se, não da sua natureza divina, porque isto era impossível, mas das glórias e prerrogativas da divindade. Isto ele fez tomando a forma de servo". Evans, em Presb. Review, 1.883.287
"Dois estágios da humilhação de Cristo, cada um representado por um verbo finito, definindo o ato central do estágio particular, acompanhado de dois particípios modais. O 1a estágio acha-se indicado no v. 7. Seu ato central é; 'esvaziou-se a si mesmo'. Suas duas modalidades são: 1) 'tomando a forma de servo'; 2) 'tornando-se em semelhança de homens'. Temos aqui a humilhação da quenosis; pela qual Cristo tornou-se homem. 22 estágio, indicado no v. 8. Seu ato central é: 'humilhou-se a si mesmo'. Suas duas modalidades são: 1) 'reconhecido em forma humana'; 2) 'tornando-se obediente até à morte e morte de cruz'. Temos aqui a humilhação da sua obediência e morte; pela qual, na humanidade, ele se tornou sacrifício pelos nossos pecados".
Meyer relaciona Ef. 5.31 exclusivamente com Cristo e a igreja, fazendo a futura união completa, contudo, /'.e., no tempo da Parousia. "Por isso, deixará
o homem seu pai e sua mãe" = "na encarnação, Cristo deixou pai e mãe (seu assento à direita de Deus), e se uniu à sua esposa (a igreja) e os dois (descendentes de Cristo e da igreja) tornaram-se uma só carne (eticamente uma pessoa do mesmo modo que o casal torna-se um através da união física). Contudo, os Pais (Jerônimo, Teodoreto, Crisóstomo), relacionaram isto com a encarnação". Sobre Fp. 2.6-8, ver também Comentário das Escrituras Sagradas de Lange; Robert R. Wicks e Ernest Scott em The lnterpreter's Bible.
Sobre a questão se Cristo se tomaria homem caso não tivesse ocorrido o pecado, os teólogos estão divididos. Dorner, Martensen e Westcott respondem pela afirmativa; Robinson Watts e Denney pela negativa. Westcott, Com.
On Hebrews, p. 8 - "Na sua essência, a encarnação independe da Queda, embora condicionada por ela, quanto às suas circunstâncias". Per contra, ver Robinson, Christian Theology, 219, nota - "Seria difícil mostrar que um método semelhante de argumento a partir de premissas a priori não teria igual valor para provar que o pecado foi necessário ao esquema da criação". Denney, Studies in Theology, 101, opõe-se à doutrina da encarnação necessária independentemente do pecado, que tende a obliterar a distinção entre a natureza e a graça a fim de apagar os traços definidos da redenção operada por Cristo, como a revelação suprema de Deus e de seu amor.
II. O ESTADO de exaltação
A natureza da exaltação
Consistiu essencialmente em: d) Um reassumir, da parte do Logos. de seu independente exercício dos atributos divinos, b) O afastamento, da parte do Logos, de todas limitações em sua comunicação da plenitude divina à natureza humana de Cristo, c) O correspondente exercício, da parte da natureza humana, daqueles poderes que pertenciam a ela em virtude da sua união com a divina.

366
Augustus Hopkins Strong
O Salmo oitavo, com a sua dissertação sobre a glória da natureza humana, cumpre-se aqui apenas em Cristo (ver Hb. 2.9 - "vemos ... Jesus").
Hb. 2.7 - fi^áTTCoüaç ocmov Ppaxú ti jiap' àyyéXouç - pode ser traduzido, como na Versão Revista: "Tu o fizeste por um pouco de tempo menor do que os anjos". O corpo de Cristo não estava necessariamente sujeito à morte; só por compulsão exterior, ou rendição voluntária poderia ele morrer. Por isso a ressurreição era uma necessidade natural (At. 2.24 - "ao qual Deus ressuscitou, soltas as ânsias da morte, pois não era possível que ele fosse retido por ela"; 31 - "a sua alma não foi deixada no Hades, nem a sua carne viu a corrupção"). Esta exaltação, que afetou a humanidade apenas na sua cabeça, deve ser a experiência de todos os seus membros. Os nossos corpos também estão livres dos laços da corrupção e devemos sentar com Cristo no seu trono.
Os estágios da exaltação de Cristo
O despertar e a ressurreição.
Tanto os luteranos como os romanistas estabelecem distinção entre estes dois, fazendo aquele preceder e este suceder à pregação de Cristo "aos espíritos em prisão". Estes pontos de vista repousam numa falsa interpretação de
Pe. 3.18-20. Os luteranos ensinam que Cristo desceu ao inferno para proclamar seu triunfo aos espíritos maus. Mas isto dá à palavra èKtipuÇev o sentido incomum de proclamar seu triunfo ao invés de seu evangelho. Os romanistas ensinam que Cristo entrou no mundo inferior para pregar aos santos do V.T. a fim de que eles pudessem ser salvos. Mas a passagem fala só dos desobedientes; não pode imprimir apoio a uma teoria sacramental da salvação dos crentes do V.T. A passagem não afirma a descida de Cristo ao mundo dos espíritos, mas só uma obra do Logos preencamado oferecendo salvação, através de Noé, ao mundo então prestes a perecer.
Agostinho, Ad Euodian, ep. 99 - "Os espíritos encerrados em prisão são os incrédulos que viveram no tempo de Noé, cujos espíritos ou almas esta- vam encerrados nas trevas da ignorância como numa prisão; Cristo pregou a eles, não em carne, porque ele ainda não era encarnado, mas em espírito, isto é, na natureza divina". Calvino ensinava que Cristo desceu ao mundo inferior e sofreu as dores dos perdidos. Mas nem todos calvinistas pensam assim; ver Princeton Essays, 1.153. Meyer em Rm. 10.7, considera a pergunta - "Quem descerá ao abismo (isto é, a tornar a trazer dentre os mortos a Cristo)"? - como uma alusão e, assim, indiretamente um texto prova da descida de Cristo ao mundo inferior. Mason, Faith of Gospel, 211, favorece uma pregação aos mortos: "Durante esse tempo [os três dias] ele não retornou ao céu e ao seu Pai". Mas embora Jo. 20.17 seja mencionado como prova, esta afirmativa não será verdadeira apenas a respeito do seu corpo? No que se refere à sua alma, Cristo pode dizer: "Pai, nas tuas mão entrego o meu espírito", e "Hoje estarás comigo no Paraíso" (Lc. 23.43, 46).

Teologia Sistemática
367
Zahn e Dorner representavam melhor o ponto de vista luterano. Zahn, em Expositor, mar., 1898.216-223 - "Se Jesus era verdadeiramente humano, então a sua alma, depois de deixar o corpo, entrou em comunhão com os espíritos que partiram. ... Se Jesus é aquele que vive para sempre, e age mesmo depois de morto, não se pode pensar que a sua permanência no reino dos mortos fosse uma condição puramente passiva, mas de conhecimento daqueles que habitavam lá. ... Se Jesus é o Redentor da humanidade, as gerações daqueles que passaram devem ter entrado em contato pessoal com ele, com a sua obra e o seu reino, sem aguardar o dia final".
Dorner, Glaubenslehre, 2.662, defende o pensamento de que "a descida de Cristo ao Hades marca uma nova era da sua vida pneumática, em que ele se mostra livre das limitações de tempo e espaço". Ele rejeita "a noção de Lutero sobre um progresso simplesmente triunfal e uma proclamação de Cristo. Antes de Cristo", diz ele, "não havia lugar povoado de perdidos. A descida foi uma aplicação do benefício da expiação (implicada em Kip-úaasiv). A obra é profética, não sumo sacerdotal, nem real. Fala-se que ir aos espíritos em prisão é um ato espontâneo, não uma necessidade física. Nenhuma força do Hades o levou ao Hades. A liberdade das limitações de um corpo mortal indica um estágio da existência mais elevado. A alma de Cristo por algum tempo é incorpórea - só ttve%ia - como a dos que partiram.
"Não se encontra registrada, nem a razão supõe a cessação desta pregação; na verdade a igreja antiga supunha que ela tivesse continuado através dos apóstolos. Ela expressa a significação universal de Cristo para as primitivas gerações e para todo o reino dos mortos. Não há força física que seja um limite para ele. As portas do inferno, ou Hades, não prevalecerão sobre ou contra ele. O estado intermediário é de bênção para ele e ele pode admitir o ladrão penitente. Até mesmo aqueles que não se sujeitaram à manifestação histórica de Cristo na vida terrena ainda devem e podem entrar em relação com ele a fim de serem capazes de aceitá-lo ou rejeitá-lo. Deste modo confirmam-se a relação universal de Cristo com a humanidade e o elemento absoluto da religião cristã". Este é, substancialmente, o pensamento de Dorner.
Tudo isso versus Strauss, cujo pensamento é de que a morte de grande massa de homens, antes e depois de Cristo, prova que a religião cristã não é necessária à salvação, porque não é universal.
Quanto aos pontos de vista opostos, ver E. D. Morris, Is There Salvation afoter Death? e Wright, Relation of Death to Probation, 22.28 - "Se Cristo pregou aos espíritos no Hades, pode ter sido com a finalidade de demonstrar a desesperança de acrescentar no outro mundo os privilégios gozados neste. Não lemos que tivesse qualquer efeito nos ouvintes. Se os homens não ouviram Moisés nem os profetas, também não ouvirão ainda que um dos mortos ressuscite. 'Hoje estarás comigo no Paraíso' (Lc. 23.43) não seria um consolo se Cristo naquele dia estivesse indo ao reino dos espíritos perdidos. Contudo, os antediluvianos foram especialmente favorecidos com a pregação de Noé e especialmente os ímpios".
Para a afirmação completa do ponto de vista apresentado no texto, de que a citada pregação se referia à de Cristo como o Logos preexistente aos espíritos, agora em prisão, quando outrora desobedeceram nos dias de Noé, ver Barlett, em New Englander, out. 1872.601 sq., e Biblia Sacra, abr. 1883.333-373.

368
Augustus Hopkins Strong
Antes de dar a substância da exposição de Barlett, transcrevemos por completo a passagem em foco, de 1 Pe. 3.18-20 - "Porque também Cristo padeceu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos, para levar-nos a Deus; mortificado, na verdade, na carne, mas vivificado pelo Espírito, no qual também foi e pregou aos espíritos em prisão, os quais em outro tempo, foram rebeldes, quando a longanimidade de Deus esperava nos dias de Noé".
Segue-se a exposição de Barlett: '"no qual' [7tve-ò"o.om, a natureza divina]
'foi e pregou aos espíritos em prisão, que noutro tempo foram rebeldes'. à7teitfriaaaiv é um aoristo circunstancial, que indica o tempo da pregação como um passado definido. É um dativo anartro (relativo ao que sofre de anartria = impossibilidade de articular palavras por efeito da paralisia de certos músculos), como em Lc. 8.27; Mt. 8.23; At. 15.25; 22.17. Trata-se de um particípio aposto, ou predicativo. [Pelo seu emprego no verso 18 (ôavaxanMç), em 1 Ts. 1.6 (ôe^ájiEvoi) e em Cl. 2.11,13, parece que o particípio aoristo não descreve necessariamente uma ação preliminar à do verbo principal],
A conexão do pensamento é: Pedro exorta os seus leitores a serem firmes, sofrendo com bravura, porque o mesmo ocorreu com Cristo; em sua natureza inferior foi entregue à morte, em sua natureza mais elevada suportou a oposição dos pecadores antes do dilúvio. Os pecadores daquele tempo apenas são mencionados porque isto permite uma introdução à referência ao batismo feita a seguir. Cf., Gn. 6.3; 1 Pe. 1.10,11; 2 Pe. 2.4,5".
b) A ascensão e assento à direita do Deus.
Como a ressurreição proclamou Cristo aos homens como homem perfeito e glorificado, vencedor do pecado e da morte, proclamou-o ao universo como Deus restabelecido, possuidor do domínio universal, o objeto onipresente de culto e que ouve a oração. Destra Dei ubique est.
Mt. 28.18,20 - "Toda a autoridade me é dada no céu e na terra. ... E eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século"; Mc. 16.19 — "Ora, o Senhor, depois de lhes ter falado, foi recebido no céu e se assentou à direita de Deus"; At. 7.55 - "Mas ele, estando cheio do Espírito Santo e, fixando os olhos no céu, viu a glória de Deus e Jesus, que estava à direita de Deus"; 2 Co. 13.4 - "ainda que tenha sido crucificado por fraqueza, vive, contudo, pelo poder de Deus"; Ef. 1.22,23 - "E sujeitou todas as coisas a seus pés e o constituiu como cabeça da igreja, que é o seu corpo, a plenitude daquele que cumpre tudo em todos"; 4.10 - "Aquele que desceu é também o mesmo que subiu acima de todos os céus, para cumprir todas as coisas". Philippi, Glaubenslehre, 4.184-189-"Antes da ressurreição, Cristo era o Deus- homerrr, desde a ressurreição, ele é o Deus-homem. ... Ele come com os seus discípulos, não para apresentar a qualidade, mas a realidade, do seu corpo humano". Nicoll, Life ofChrist "Foi coisa dura para Elias a ascensão" - foram necessários carruagem e cavalos de fogo - "porém, foi mais fácil para Cristo ascender do que descer", havia uma gravitação para cima. Maclaren: "Ele não deixou o mundo, apesar de ter ascendido para o Pai, diferentemente de quando veio ao mundo"; Jo. 1.18- "o Filho unigênito, que está no seio do Pai"; 3.13 - "o Filho do homem, que está no céu".

Teologia Sistemática
369
Somos compelidos a considerar o problema da relação da humanidade com o Logos no estado de exaltação. Os luteranos defendem a ubiqüidade do corpo humano de Cristo, e fazem dela a base para a sua doutrina dos sacramentos. Dorner, Glaubenslehre, 2.674-676, sustenta uma "presença não somente do Logos, mas do Deus-homem como um todo, com todo o seu povo, mas não necessariamente como uma presença de igual modo semelhante no mundo; a saber, sua presença condiciona-se moralmente à receptividade do homem". Os antigos teólogos diziam que Cristo não está no céu, quasicárcere (como se estivesse num cárcere). Calvino, Institutes, 2.15-"ele é encarnado, mas não encarcerado". Ele foi para o céu, lugar dos espíritos e lá ele se manifesta; mas ele também foi mais distante acima de todos os céus, para preencher todas as coisas. Está com o seu povo todos os dias. Todo o poder foi entregue nas suas mãos. A igreja é a plenitude daquele que cumpre tudo em todos. Do mesmo modo os Atos dos Apóstolos falam constantemente do Filho do homem, do Jesus homem como Deus, sempre presente, objeto de adoração, sentado à direita de Deus, tendo todo o poder e prerrogativas da divindade. Ver Westcott, Bib. Com., em Jo. 20.22 - "asso- prou sobre eles e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo" - "O efeito caraterís- tico da oferta pascal mostra-se na nova fé pela qual os discípulos reuniram-se em sociedade viva; o efeito caraterístico da dádiva do Pentecostes mostrou o exercício da supremacia potencialmente universal".
Quem e o que é esse Cristo que está presente com o seu povo que ora? Não basta dizer que é simplesmente o Espírito Santo; porque o Espírito Santo é o "Espírito de Cristo" (Rm. 8.9) e, tendo o Espírito Santo, temos o próprio Cristo (Jo. 16.7 - "[enviarei a vós o Espírito Santo]"; 14.18 - "Voltarei para vós"). O Cristo, que, deste modo está presente conosco quando oramos, não é simplesmente o Logos, ou a natureza divina de Cristo; sua humanidade separada da divindade e localizada no céu. Isto seria inconsistente com a sua promessa, "eis que eu estou convosco", em que o "eu" que fala não é somente a divindade, mas a divindade e humanidade inseparavelmente unidas; e isto significaria negar a união real e indissolúvel das duas naturezas. O salvador, irmão mais velho e simpatizante que está conosco quando oramos, é tanto homem como Deus. Por isso esta humanidade é ubíqua através da virtude de sua união com o Ser divino.
Mas isto não significa que o corpo humano de Cristo esteja presente em toda a parte. Causaria a impressão de que o corpo deve existir em relações espaciais, e limitar-se a lugares. Não sabemos se isto é assim a respeito da alma. Tudo indica que o céu é um lugar, porque o corpo de Cristo encontra-se lá; corpo espiritual não é corpo que é espírito, mas que está adequado aos usos do espírito. Apesar de que Cristo pode manifestar-se no corpo humano glorificado só no céu, sua alma humana, em virtude da união com a natureza divina, pode no mesmo momento estar com o seu povo espalhado por toda a terra. Como, nos dias da sua vida em carne, sua humanidade estava confinada ao lugar, sua alma humana é ubíqua. A humanidade pode existir sem o corpo; porque, durante os três dias no sepulcro, o corpo de Cristo estava na terra, mas a sua alma estava no mundo; do mesmo modo há, durante o estado intermediário, uma separação entre alma e corpo dos crentes. Mas a humanidade não pode existir sem alma; e, se o Salvador humano está conosco,

370
Augustus Hopkins Strong
então essa humanidade, ao menos no que diz respeito à sua parte imaterial, deve estar presente em toda a parte. Per contra, ver Shedd, Dogm. Theology, 2.326, 327. Porque a natureza humana de Cristo por derivação tornou-se possuída dos atributos divinos, não há validade alguma na noção da progressividade dessa natureza, agora que ascendeu à direita de Deus.
Shedd, Dogm. Theology, 2.327 - "Suponha a presença da natureza divina de Cristo na alma de um crente em Londres. Esta natureza divina está ao no mesmo momento junto com a natureza divina de Cristo, presente e modificada por ela, estando no céu, não em Londres. Do mesmo modo Hooker, Eccl. Polity, 54,55 e E. G. Robinson: "Cristo está no céu à direita do Pai, intercedendo por nós, enquanto está presente na igreja através do seu Espírito. Oramos ao Jesus teantrópico. A posse de um corpo humano não constitui limitação. Pouco sabemos da natureza do corpo atual". Acrescentamos a esta última nota excelente a expressão da nossa convicção de que o conceito moderno da natureza simplesmente relativa do espaço e o ponto de vista idealista de que a matéria, apenas como a expressão da mente e da vontade, tem aliviado este assunto de muitas dificuldades. Se Cristo é onipresente e o seu corpo é a manifestação da sua alma, então cada alma pode sentir a presença da sua humanidade mesmo agora e "todo olho" pode vê-lo na sua segunda vinda, embora os crentes estejam separados de Boston a Pequim. O corpo do qual sua glória rebrilha pode ser visto em dez mil lugares simultaneamente; (Mt. 28.20; Ap. 1.7).
SEÇÃO IV - OS OFÍCIOS DE CRISTO
As Escrituras representam os ofícios de Cristo em número de três: profético, sacerdotal e real. Apesar de que estes termos derivam de relações humanas concretas, expressam idéias perfeitamente distintas. O profeta, o sacerdote e o rei do V.T., diferençavam-se, mas designavam prefigurações daquele que devia combinar todas estas variadas atividades em si mesmo, e forneceria a realidade ideal, da qual eram símbolos imperfeitos.
Co. 1.30 - "vós sois dele, em Jesus Cristo, o qual para nós foi feito por Deus sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção". Aqui a palavra "sabedoria" parece indicar a obra "profética", a palavra "justiça" a sacerdotal e "santificação" e "redenção" a obra real de Cristo. Denovan: "Os três ofícios são necessários. Cristo deve ser profeta, a fim de salvar-nos da ignorância do pecado; sacerdote para salvar-nos da culpa do pecado; rei, para salvar-nos do domínio do pecado na nossa carne. A nossa fé não pode ter base firme em qualquer um dos três isoladamente, do mesmo modo que um banquinho não se afirma sobre menos que três pés".
A. A. Hodge, Popular Lectures, 235 - "Há em latim duas palavras para designar 'ofício'; munus = posição (de mediador), e officia = funções (de profeta, sacerdote e rei). Não são ofícios separados como os de Presidente da República, Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, e Senador. Não são

Teologia Sistemática
371
funções separadas passíveis de sucessiva e isolada execução. Ao invés disso são como as várias funções de um corpo humano vivo - pulmões, coração, cérebro - funcionalmente distintos, embora interdependentes, e constituindo uma vida. Do mesmo modo as funções de Profeta, Sacerdote e Rei, implicam reciprocidade mútua de um para com o outro: Cristo é sempre um profeta sacerdotal; é sempre um sacerdote real, e um rei sacerdotal; e juntos cumprem a redenção, para a qual todos são essenciais. Cristo é tanto usahriç como 7tapáKXr]Toç".
O OFÍCIO PROFÉTICO DE CRISTO
Natureza da obra profética de Cristo
á) Devemos aqui evitar a estreita interpretação que tomaria o profeta um preditor dos eventos futuros. Ao invés disto ele era um intérprete inspirado ou revelador da vontade divina, um meio de comunicação entre Deus e o homem (7ipO(pfixr"Ç = não preditor, mas porta-voz. Cf. Gn. 20.7, Abraão; Sl. 105.15, patriarcas; Mt. 11.19, João Batista; 1 Co. 12.28, Ef. 2.20 e 3.5, no N.T. expositores da Escritura).
Gn. 20.7 - "restituí a mulher ao seu marido, porque profeta é" - referindo- se a Abraão; Sl. 105.15 - "Não toqueis nos meus ungidos e não maltrateis os meus profetas" - falando dos patriarcas; Mt. 11.9 - "Mas, então, que fostes ver? Um profeta? Sim, vos digo eu, e muito mais do que profeta" - falando de João Batista, de quem não temos predições registradas e cuja indicação a Jesus como o "Cordeiro de Deus" (Jo. 1.29) parece ter sido apenas um eco de Is. 53. 1 Co. 12.28 - "primeiramente, apóstolos, em segundo lugar, profetas"; Ef. 2.20 - "edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas"; 3.5
"tendo sido revelado pelo Espírito aos seus santos apóstolos e profetas" - todos estes textos falando dos expositores da Escritura do Novo Testamento.
Qualquer órgão da revelação ou meio de comunicação divina é um profeta. "Por isso", diz Philippi, "os livros de Josué, Juizes, Samuel e Reis são chamados de 'profetae priores', ou 'profetas primitivos' ". O Respice, Aspice, Prospice (Retrovisão, Visão atual, Previsão) de Bernardo descreve a obra do profeta; porque o profeta podia ver e desvendar coisas do passado, do presente, ou do futuro. Daniel foi um profeta, ao contar a Nabucodonosor o que tinham sido os seus sonhos, assim como dar-lhe a sua interpretação (Dn. 2.28,36). A mulher samaritana com precisão chamou Cristo de profeta, quando ele lhe disse tudo o que ela havia feito (Jo. 4.29)".
O profeta comumente unia três métodos para cumprir o seu ofício: ensino, predição e operação de milagres. Em todos estes respeitos Jesus realizou a sua obra profética (Dt. 18.15 cf. At. 3.22; Mt. 13.57; Lc. 13.33; João 6.14). Ele ensinava (Mt. 5-7), operava milagres (Mt. 8,9), proferia predições

372
Augustus Hopkins Strong
(Mt. 24,25), enquanto em sua pessoa, vida, obra, morte revelava o Pai (João 8.26; 14.9; 17.8).
Dt. 18.15 - "O Senhor, teu Deus, te despertará um profeta do meio de ti, de teus irmãos, como eu; a ele ouvireis"; cf. onde se diz que esta profecia se cumpriu em Cristo. Jesus chama-se a si mesmo profeta em Mt. 13.57 - "Não há profeta sem honra, a não ser na sua pátria e na sua casa"; Lc. 13.33 - "Importa, porém, caminhar hoje, amanhã e no dia seguinte, para que não suceda que morra um profeta fora de Jerusalém". Ele foi chamado profeta: Jo. 6.14 - "Vendo, pois aqueles homens o milagre que Jesus tinha feito, diziam: Este é, verdadeiramente o profeta que devia vir ao mundo". Jo. 8.26 - "e o que dele [o Pai] tenho ouvido, isso falo ao mundo". 14.9 - "quem me vê a mim vê o Pai"; 17.8 - "porque lhes dei as palavras que me deste".
Denovan: "Cristo nos ensina através da sua palavra, seu Espírito e seu exemplo". Os milagres de Cristo são principalmente os de cura. "Só o pecado é contagioso. Mas Cristo é o exemplo de cura perfeita, e a sua cura é contagiosa. Através do seu transbordamento ele cura outros. Basta um 'toque' " (Mt. 9.21).
Edwin P. Parker, em Horace Bushnell: "Os dois elementos fundamentais da profecia são o discernimento e a expressão. A profecia cristã implica 'insi- ght' ou discernimento das coisas espirituais através da iluminação divina e a sua expressão através da inspiração em termos de verdade cristã ou em tons e cadências do testemunho cristão. Podemos defini-la, então, como a publicação das verdades percebidas pela iluminação divina, apreendidas pela fé, e assimiladas pela experiência, sob o impulso da inspiração, e para a edificação. ... Requer uma base natural e preparação racional da mente humana, um conjunto adequado de dons naturais em que se apega o dom espiritual para o apoio e nutrição. Os dons têm tido um cultivo devoto. Eles foram coroados pela iluminação e pela inspiração. Porque o discernimento dá uma previsão, o profeta é alguém que vê as coisas como se desdobram e em que se tornam; discernirá as sinalizações a longa distância e as indicações da Providência; anunciaremos aos homens que preparem o caminho para elas e elas para o caminho da vinda do reino de Deus".
Estágios da obra profética de Cristo
São quatro, a saber:
d) A obra preparatória do Logos, iluminando a humanidade antes do advento de Cristo em carne. Todo conhecimento religioso preliminar, quer dentro, quer fora dos limites do povo escolhido, é de Cristo, o revelador de Deus.
A obra profética de Cristo começou antes que ele aparecesse em carne.
Jo. 1.9 - "Ali estava a verdadeira luz, que alumia a todo homem que vem ao mundo" = toda a luz natural da consciência, da ciência, da filosofia, da arte, da civilização é a luz de Cristo. Tennyson: "Os novos pequenos sistemas têm o seu dia, Eles têm o seu dia e deixam de ser; São apenas luzes quebradas

Teologia Sistemática
373
de ti, E tu, ó Senhor, és mais do que eles". Hb. 12.25,26 - "Vede que não rejeiteis ao que vos fala. ... a voz do qual moveu então [no Sinai] a terra, mas agora anunciou, dizendo: Ainda uma vez comoverei, não só a terra, senão também o céu"; Lc. 11.49 - "Por isso, diz também a sabedoria de Deus: Profetas e apóstolos lhes mandarei"; cf. Mt. 23.34 - "Portanto, eis que eu vos envio profetas, sábios e escribas; a alguns deles matareis e crucificareis" - o que mostra que Jesus se referia aos seus próprios ensinos, assim como aos dos primitivos profetas.
O ministério terreno do Cristo encarnado. - No ministério terreno, Cristo mostrou-se um profeta por excelência. Enquanto, como os profetas do Y.T., ele se submetia à direção do Espírito Santo, diferentemente deles, ele achava a fonte de todo o conhecimento e poder em si mesmo. A palavra de Deus não vinha a ele; ele mesmo era a Palavra (o Verbo).
Lc. 6.19 -"E toda a multidão procurava tocar-lhe, porque saía dele virtude que curava todos"; Jo. 2.11 - "Jesus principiou assim os sinais em Caná da Galiléia e manifestou a sua glória"; 8.38.58 - "Eu falo do que vi junto de meu Pai.... antes que Abraão existisse, eu sou"; cf. Jr. 2.1 - "E veio a mim a palavra do Senhor"; Jo. 1.1 - "No princípio era o Verbo (a Palavra)". Mt. 26.53 - "doze legiões de anjos"; Jo. 10.18 - da sua vida: "tenho poder para a dar e poder para tornar a tomá-la"; 34 - "Não está escrito na vossa lei: Vós sois deuses? Pois, se a lei chamou deuses àqueles a quem a palavra de Deus foi dirigida. ... àquele a quem o Pai santificou e enviou ao mundo, vos dizeis: Blasfemas, porque disse: Sou Filho de Deus"? Martensen, Dogmatics, 295-301, diz do ensino de Jesus que "a sua fonte não foi a inspiração, mas a encarnação". Jesus não foi inspirado; ele foi o inspirador. Por isso ele é o verdadeiro "Mestre daqueles que sabem". Os seus discípulos agem em seu nome.
A direção e o ensino da sua igreja na terra, desde a sua ascensão. - A atividade profética de Cristo continua através dos seus apóstolos e ministros e das influências iluminadoras do Espírito Santo (Jo. 16.12-14; At. 1.1). Os apóstolos desenvolveram os germes da doutrina que Cristo pôs em suas mãos. A igreja é, em sentido derivado, uma instituição profética estabelecida para ensinar o mundo através da pregação e ordenanças. Mas os crentes são profetas só no sentido de serem proclamadores do ensino de Cristo (Nm. 11.29; Jl. 2.28).
Jo. 16.12-14 - "Ainda tenho muita coisa que vos dizer, mas vós não o podeis suportar agora. Mas quando vier aquele Espírito de verdade, ele vos guiará em toda a verdade. ... Ele me glorificará, porque há de receber do que é meu e vo-lo há de anunciar"; At. 1.1 - "Fiz o primeiro tratado, ó Teófilo, acerca de tudo que Jesus começou, não só a fazer, mas a ensinar" = a obra profética de Cristo estava apenas iniciada, durante o seu ministério terreno;

374
Augustus Hopkins Strong
continuou desde a sua ascensão. A inspiração dos apóstolos, a iluminação de todos os pregadores e cristãos a fim de entenderem e desenvolverem o sentido da palavra que eles escreveram, a convicção dos pecadores; tudo isto faz parte da obra profética de Cristo executada através do Espírito Santo.
Em virtude da união deles com Cristo e da participação do Espírito de Cristo, todos os cristãos se tornam num sentido secundário profetas, bem como sacerdotes e reis. Nm. 11.29 - "Tomara que todo o povo do Senhor fosse profeta, que o Senhor lhes desse o seu Espírito"! Jl 2.28 - "derramarei do meu Espírito sobre toda a carne; e vossos filhos e filhas profetizarão". Toda a verdadeira profecia moderna, contudo, é apenas uma nova publicação da mensagem de Cristo - a proclamação e exposição da verdade já revelada na Escritura. "Toda a assim chamada profecia, de Montano a Sweden- borg, prova sua falsidade por não atestar milagres".
A. A. Hodge, Pop. Lectures, 242 - "Todo profeta humano pressupõe um eterno profeta divino e infinito de quem recebe o conhecimento, do mesmo modo em que cada correnteza pressupõe uma fonte de onde flui. ... Como o telescópio da mais elevada potência traz para o seu campo o mais estreito segmento do céu, do mesmo modo Cristo, o profeta, às vezes apresenta o mais intenso discernimento ao brilhante centro do mundo celestial aos que este mundo considera iletrados e tolos e a igreja reconhece apenas como bebês em Cristo".
d) Cristo, revelando o Pai aos seus santos em glória (João 16.15; 17.24,26; cf. Is. 64.4; 1 Cor. 13.12). - Assim a obra profética de Cristo será sem fim como o Pai, que ele revela, é infinito.
Jo. 16.25 - "chega, porém, a hora em que vos não falarei mais por parábolas, mas abertamente vos falarei do Pai"; 17.24 - "aqueles que me deste quero que, onde eu estiver, também eles estejam comigo para que vejam a minha glória que me deste"; 26 - "Eu lhes fiz conhecer o teu nome e lho farei conhecer mais". A revelação da sua glória será a revelação do Pai, em seu Filho. Is. 64.4 - "Porque, desde a antigüidade, não se ouviu, nem com os ouvidos se percebeu, nem com os olhos se viu um Deus além de ti, que trabalhe por aquele que nele espera"; 1 Co. 13.12 - "Porque, agora, vemos por espelho em enigma; mas, então, veremos face a face; agora, conheço em parte, mas, então, conhecerei como também sou conhecido". Ap. 21.23 - "E a cidade não necessita de sol nem de lua, para que nela resplandeçam, porque a glória de Deus a tem alumiado, e o Cordeiro é a sua lâmpada" - não a luz, mas a lâmpada. Luz é algo geralmente difuso; vê-se através dela, mas não se pode vê-la. A lâmpada é o estreitamento para baixo, a concentração, a focali- zação da luz, de modo que se torne definida e visível. Deste modo, no céu, Cristo será o Deus visível. Nunca veremos o Pai separado de Cristo. Nenhum homem ou anjo em tempo algum viu Deus, "a quem nenhum homem viu nem pode ver". "O unigênito Filho ... o fez conhecer", e ele o fará conhecer eternamente (Jo. 1.18; 1 Tm. 6.16).
Os ministros do evangelho nos tempos modernos, quando se juntam a Cristo e são tomados pelo seu espírito, tem direito de chamar-se profetas.

Teologia Sistemática
375
O profeta é alguém - 1. enviado por Deus e consciente da sua missão; 2. com uma mensagem da parte de Deus que ele é compelido a proferir; 3. mensagem baseada no passado, posicionando-a em novas luzes para o presente e fazendo novas aplicações dela para o futuro. A palavra do Senhor deve vir a ele; deve ser o evangelho de/e; deve haver tanto coisas novas como velhas. Toda a matemática está no mais simples axioma; mas necessita da iluminação divina para descobri-la. Toda a verdade está nas palavras de Jesus, não somente, na primeira profecia pronunciada após a queda, mas só os apóstolos a revelaram. A mensagem do profeta deve ser 4. para o lugar e tempo - em primeiro lugar para os contemporâneos e para as necessidades presentes; 5. uma mensagem de significação eterna e influência mundial. Como a palavra do profeta destinava-se ao mundo todo, assim também a nossa palavra pode destinar-se a outros mundos "para que, agora, pela igreja, a multi- forme sabedoria de Deus seja conhecida dos principados e potestades nos céus" (Ef. 3.10). Deve ser também 6. uma mensagem do reino e triunfo de Cristo, que opõe os desvios e calamidades do presente o brilho ideal e a consumação perfeita a que Deus está conduzindo o seu povo: "Bendita seja a glória do Senhor, desde o seu lugar"; "o Senhor está no seu santo templo; cale-se diante dele toda a terra" (Ez. 3.12; Hc. 2.20).
O OFÍCIO SACERDOTAL DE CRISTO
O sacerdote era uma pessoa divinamente indicada para interceder a Deus em nosso favor. Cumpria esse ofício, primeiro oferecendo o sacrifício e, em segundo lugar, fazendo a intercessão. Em ambos estes respeitos Cristo é sacerdote.
Hb. 7.24-28 - "este, porque permanece eternamente, tem seu sacerdócio perpétuo. Portanto, pode também salvar perfeitamente os que se chegam a Deus, vivendo sempre a interceder por eles. Porque nos convinha tal sumo sacerdote, santo, inocente, imaculado, separado dos pecadores e feito mais sublime do que os céus, que não necessitasse, como os sumos sacerdotes de oferecer cada dia sacrifícios, primeiramente por seus próprios pecados e, depois pelos do povo; porque isso fez ele, uma vez, oferecendo-se a si mesmo. Porque a lei constitui sumos sacerdotes a homens fracos, mas a palavra do juramento, que veio depois da lei, constitui ao Filho, perfeito para sempre".
A raça toda foi separada de Deus por seu pecado. Mas Deus escolheu os israelitas como nação sacerdotal, Levi como tribo sacerdotal, Arão como família sacerdotal, o sumo sacerdote desta família como o tipo do grande sumo sacerdote, Jesus Cristo. J. S. Candlish, em Bib. World, fevereiro, 1897.87- 97, cita os seguintes fatos relativos aos sofrimentos do nosso Senhor como prova da doutrina da expiação: 1. Cristo deu a sua vida através de um ato perfeitamente livre; 2. por considerar Deus o seu Pai e a obediência à sua vontade; 3. o mais amargo elemento do seu sofrimento é que ele o suportou junto a Deus; 4. esta indicação divina e aplicação do sofrimento é inexplicável, a não ser como Cristo suportou o juízo divino contra o pecado da raça.

376
Augustus Hopkins Strong
1. A Obra Sacrificial de Cristo, ou Doutrina da Expiação
As Escrituras ensinam que Cristo obedeceu e sofreu em nosso lugar para satisfazer uma demanda imanente da santidade divina e assim remover um obstáculo na mente divina para o perdão e restauração da culpa. Esta afirmação pode ser ampliada e explicada preliminarmente da seguinte maneira:
O atributo fundamental de Deus é a santidade e santidade não é o amor comunicante de si mesmo, mas a retidão auto-afirmativa. A santidade limita e condiciona o amor, pois o amor pode querer a felicidade só na medida em que esta resulta da retidão ou consiste nela, isto é, na conformidade com Deus.
Já vimos na nossa discussão sobre os atributos divinos (vol. 1, pp. 268-275); que santidade não é amor próprio, nem amor, mas a pureza e a justiça auto- afirmantes. Aqueles que sustentam que o amor é auto-afirmativo assim como autocomunicante e, por isso, essa santidade é o amor de Deus por si mesmo, devem admitir que este amor auto-afirmativo, que é a santidade, condiciona e fornece o padrão para o amor autocomunicante que é a benevolência. Mas sustentamos que a santidade não é idêntica ao amor, nem uma manifestação dele. Porque a conservação própria deve preceder a entrega de si mesmo; e porque a benevolência encontra o seu objeto, motivo, padrão e limite na justiça, na santidade, a comunicação de si mesmo. Deus deve, em primeiro lugar, sustentar o seu próprio ser antes que possa dar dele a outrem; e esta sustentação própria deve ter seu próprio motivo no mérito do que se sustenta. Santidade não pode ser amor, porque o amor é irracional e caprichoso a não ser que tenha o seu padrão pelo qual ele é regulado; este padrão não pode ser o amor em si mesmo, mas deve ser a santidade. Fazer da santidade uma forma de amor é, na verdade, negar a sua existência e, com isto, negar que qualquer expiação é necessária para a salvação do homem.
O universo é um reflexo de Deus e Cristo, o Logos, é a sua vida. Deus constituiu o universo e a humanidade como uma parte dele de modo a expressar a sua santidade positivamente estabelecendo conexão da felicidade com a retidão, atribuindo a infelicidade ou sofrimento ao pecado.
Já vimos no vol. 1, pp. 109, 309-311, 335-338 que, porque Cristo é o Logos, o Deus imanente, o Deus revelado na natureza, na humanidade e na redenção, o universo deve ser reconhecido como criado, sustentado e governado pelo mesmo Ser que, no curso da história, se manifestou em forma humana e fez a expiação do pecado pela morte no Calvário. Como toda a atividade criadora de Deus foi exercida através de Cristo (vol. 1, p. 310), do mesmo modo acontece com Cristo em quem consistem e são sustentadas todas as coisas. A providência, assim como a preservação, é sua obra. Ele faz o universo refletir Deus e especialmente a natureza ética de Deus. Que a dor ou perda seguem universal e inevitavelmente é uma prova de que Deus, de modo

Teologia Sistemática
377
inalterável se opõe ao mal moral; e as demandas e reprovações da consciência testemunham que a santidade é atributo fundamental do ser divino.
Cristo, o Logos, como revelador de Deus no universo e na humanidade, deve condenar o pecado visitando-o no sofrimento que é sua pena; enquanto, ao mesmo tempo, como a Vida da humanidade, ele deve suportar a reação da santidade de Deus contra o pecado que constitui a pena.
Há aqui uma dupla obra de Cristo que Paulo declara em Rm. 8.3 - "Porquanto, o que era impossível à lei, visto como estava enferma pela carne, Deus, enviando seu Filho à semelhança da carne do pecado, pelo pecado condenou o pecado na carne". O sentido é que Deus, através de Cristo, fez o que a lei não podia fazer, isto é, cumprir o livramento para a humanidade; e isto, enviando seu Filho numa natureza que em nós se identifica com o pecado. Em conexão com o pecado (jtepi á^ap-cíaç) e, como oferta pelo pecado, Deus condenou o pecado, condenando Cristo. Expositor's Greek Testament, in loco: "Quando se faz a pergunta: Em que sentido Deus enviou seu Filho 'em conexão com o pecado', só há uma resposta possível. Ele enviou seu Filho para expiar o pecado através da sua morte sacrificial. Este é o centro e o fundamento do evangelho de Paulo; ver Rm. 3.25 sq.". Mas o que quer que Deus tenha feito para condenar o pecado ele o fez através de Cristo; "Deus estava em Cristo, reconciliando o mundo consigo" (2 Co. 5.19); Cristo foi o condenador, assim como o condenado; em nós, a consciência, que une o acusador e o acusado mostra-nos como Cristo podia ser tanto o Juiz como o que suporta o pecado.
Nossa pessoalidade não é contida em si mesmo. Vivemos, movemo-nos e existimos naturalmente em Cristo, o Logos. Nossa razão, sentimento, consciência, completam-se só nele. Ele é a humanidade genérica de que somos os frutos. Quando a sua retidão condena o pecado, e o seu amor voluntário suporta o sofrimento que é a pena do pecado, a humanidade ratifica o juízo de Deus, torna plena a propiciação pelo pecado e satisfaz as demandas da santidade.
Minha existência pessoal fundamenta-se em Deus. Não posso perceber o mundo fora de mim nem reconhecer a existência do meu companheiro, a não ser quando ele estabelece uma ponte sobre o abismo entre mim e o universo. Seria impossível a consciência própria completa se não participássemos da razão universal. A menor criança faz suposições e emprega processos lógicos que são totalmente instintivos, mas que indicam nele a operação de uma inteligência infinita e absoluta. O verdadeiro amor só é possível quando o amor de Deus flui em nós e de nós se apossa: de sorte que o poeta pode de um modo verdadeiro dizer: "O nosso amor resiste em um amor mais elevado". Nenhuma vontade humana é verdadeiramente livre, a não ser que Deus a emancipe; só aquele que o Filho de Dejs liberta é verdadeiramente livre; "operai a vossa salvação com temor e tremor;

378
Augustus Hopkins Strong
porque é Deus quem opera em vós tanto o querer como o efetuar" (Fp. 2.12,13).
A nossa natureza moral testemunha que nós não somos auto-suficientes, completos naquele em quem vivemos, nos movemos e existimos (Cl. 2.10;
At. 17.28). Ninguém pode fazer a consciência por si mesmo. Há uma consciência comum muito acima da finita e individual. Há uma consciência comum em todos os seres morais. John Watson: "Não há nenhuma consciência do eu independente da dos outros eus e coisas e nenhuma consciência do mundo daquela simples realidade proposta em ambas". Esta simples realidade é Jesus Cristo, o Deus manifesto, a luz que ilumina todo o homem e a vida de tudo o que vive (Jo. 1.4,9). Ele pode representar a humanidade diante de Deus porque a sua divindade imanente constitui a própria essência da humanidade.
Enquanto o amor de Cristo explica sua voluntariedade de suportar o sofrimento por nós, só a sua santidade fornece a razão para a constituição do universo e da natureza humana que torna o sofrimento necessário. Com respeito a nós, o seu sofrimento é substitutivo, visto que a sua divindade e a sua impecaminosidade o capacitam a fazer por nós o que nunca poderíamos fazer por nós mesmos. Contudo, essa substituição está participando - não da obra de alguém estranho a nós, mas de alguém que é a vida da humanidade, a alma da nossa alma e a vida da nossa vida e assim conosco responsável pelos pecados da raça.
Os recentes tratados sobre a expiação, em sua maioria, têm sido descrições dos seus efeitos sobre a vida e o caráter, mas não têm lançado luz alguma sobre a referida expiação se é que, na verdade, não negaram a sua existência. Não devemos dar ênfase aos efeitos ignorando a causa. A Escritura declara que o único objetivo da expiação é que Deus "seja justo" (Rm. 3.26); nenhuma teoria da expiação atenderá às demandas da razão ou da consciência que não baseia a sua necessidade na justiça de Deus, ao invés de baseá-la no seu amor. Reconhecemos que as nossas concepções sobre a expiação sofreram alguma mudança. Para os nossos pais foi um simples fato histórico, um sacrifício oferecido em poucas breves horas sobre a cruz. Foi uma substituição literal do sofrimento de Cristo em nosso favor, o pagamento da nossa dívida por outro e, com base nesse pagamento, nos foi permitido andar livres. Tais sofrimentos logo acabaram e o hino, "Cumpriu-se a redentora obra do amor", expressa a alegria do crente numa redenção terminada. Tudo isso é verdade. Mas é apenas uma parte dela. A expiação, como cada uma das outras doutrinas do cristianismo, é um fato da vida; tais fatos não podem ser multiplicados nas nossas definições, porque eles são maiores do que qualquer uma destas que podemos estruturar. A idéia de substituição acrescentamos a de participação. As obras e o sofrimento de Cristo não são exteriores ou estranhas a nós. Ele é osso dos nossos ossos e carne da nossa carne; o sustentador da nossa humanidade; sim ele é a própria vida da raça.

Teologia Sistemática
379
A obra histórica do Cristo encarnado não é em si a expiação; ao invés disso é a revelação da expiação. O sofrimento do Cristo encarnado é a manifestação do sofrimento eterno de Deus no tempo e no espaço por causa do pecado humano. Contudo, sem a obra histórica que findou no Calvário, o duradouro sofrimento de Deus nunca podia tornar-se compreensível ao homem.
A vida de Cristo na Palestina e a morte no Calvário revelaram a união com a humanidade a qual antedatou a queda. Deste modo, ligado a nós desde o começo, ele sofreu em todo o pecado humano; "Em toda a angústia dele foi ele angustiado" (Is. 63.9); deste modo o salmista diz: "Bendito seja o Senhor, que de dia em dia nos cumula de benefícios; o Deus, que é a nossa salvação"
(Sl. 68.19). O sacrifício histórico foi um vidro incandescente que focalizou os raios difusos do sol da justiça e os tornou eficazes na fusão dos corações humanos. Os sofrimentos de Cristo só se apoderam de nós quando vemos neles as duas verdades contrastadas, mas complementares; a santidade deve fazer a pena seguir-se ao pecado e o amor deve compartilhar a pena com o transgressor. A cruz foi a apresentação completa da santidade que requereu e do amor que proveu a redenção do homem. Aquelas seis horas de dor nunca podiam ter conseguido a nossa salvação se não tivessem sido uma revelação dos fatos eternos do ser divino. O coração de Deus e o sentido de toda a história anterior foram então desvendados. A evolução total da humanidade pintou, nos seus elementos essenciais, de um lado o pecado e a condenação da raça e, do outro, a graça e o sofrimento daquele que era a sua vida e salvação. Como aquele que foi levantado na cruz era Deus, manifestado na carne, do mesmo modo o sofrimento na cruz era o sofrimento de Deus pelo pecado, manifesto na carne. A atribuição dos nossos pecados a ele é o resultado da sua união conosco. Ele foi o nosso substituto desde o princípio. Não podemos brigar com a doutrina da substituição quando vemos que esta é apenas a participação das nossas mágoas e tristezas através daquele cuja vida pulsa em nossas veias.
O sacrifício histórico de Nosso Senhor não é só a revelação final do coração de Deus, mas também a manifestação da lei da vida universal - a lei de que o pecado traz sofrimento a todos em conexão com ela e que nós só podemos vencer o pecado em nós mesmos e no mundo entrando em comunhão com os sofrimentos de Cristo e com a vitória de Cristo, ou, em outras palavras, pela união com ele através da fé.
Nós também estamos sujeitos à mesma lei da vida. Nós, que entramos ra mesma comunhão com o nosso Senhor, "cumprimos ... o resto das a: ;ções de Cristo ... pelo seu corpo, que é a igreja" (Cl. 1.24). A igreja cristã pode reinar com Cristo só quando participa do seu sofrimento. A expiação se toma um modelo e um estímulo para o sacrifício de si mesmo e um teste do caráter

380
Augustus Hopkins Strong
cristão. Mas é fácil ver como o efeito subjetivo do sacrifício de Cristo pode absorver a atenção a fim de excluir a sua base e causa. A influência moral da expiação aprofundou-se mais nas nossas mentes e corremos o perigo de esquecer que não é a salvação dos homens, mas a santidade de Deus que a requer. Quando o compartilhamento exclui a substituição; quando a reconciliação do homem com Deus exclui a reconciliação de Deus com o homem; quando apenas a paz segura é a paz no coração do pecador e não se dá nenhum pensamento à paz com Deus que é o primeiro objetivo que a expiação deve assegurar; então o sistema evangélico todo se enfraquece, ignora-se a justiça de Deus e o homem praticamente se põe em lugar de Deus. Não devemos voltar às velhas concepções mecânicas e arbitrárias da expiação; devemos avançar para uma captação da relação da raça com Cristo.
Um conhecimento maior de Cristo, a vida da humanidade, nos capacitarão a apegarmo-nos firmemente à natureza objetiva da expiação e à sua necessidade baseada na santidade de Deus; enquanto, ao mesmo tempo, apropria- mo-nos de tudo o que é bom no moderno ponto de vista da expiação, como demonstração final do amor constrangedor de Deus que move o homem ao arrependimento e à submissão.
Métodos para a Escritura Representar a Expiação.
Podemos classificar as representações da Escritura de conformidade com as analogias moral, comercial, legal ou sacrificial.
MORAL - A expiação é descrita como
Uma provisão originada no amor de Deus, manifestando-o ao universo; mas também como um exemplo de amor desinteresseiro de assegurar nossa libertação do egoísmo. - Nestas passagens há referência à morte de Cristo como a fonte de estímulo moral para o homem.
Uma provisão: Jo. 3.16 - "Porque Deus amou o mundo de tal maneira, que deu seu Filho unigênito"; Rm. 5.8 - "Mas Deus prova o seu amor para conosco em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores"; 1 Jo. 4.9
"Nisto se manifestou o amor de Deus para conosco: que Deus enviou seu Filho unigênito ao mundo, para que por ele vivamos"; Hb. 2.9 - "vemos, porém, coroado de glória e honra aquele Jesus, que, por causa da paixão da morte, para que, pela graça de Deus, provasse a morte por todos" = redenção originada no amor do Pai, assim como no do Filho. Um exemplo: Lc. 9.22-24
"É necessário que o Filho do Homem padeça ... e seja morto. ... Se alguém quer vir após mim ... tome cada dia a sua cruz, e siga-me ... mas qualquer que, por amor de mim, perder a sua vida a salvará"; 2 Co. 5.15 - "E ele morreu por todos, para que os que vivem não vivam mais para si"; Gl. 1.4- "o que se deu a si mesmo por nossos pecados, para nos livrar do presente século mau"; Ef. 5.25-27 - "também Cristo amou a igreja e a si mesmo se deu por ela, para a santificar"; Cl. 1.21.22 - "vos reconciliou no corpo da sua carne, pela morte, para vos apresentar santos"; Tt. 2.14 - deu-se a si mesmo por nós para nos remir de toda a iniqüidade e purificar"; 1 Pe. 2.21-24 - "também

Teologia Sistemática
381
Cristo padeceu por nós, deixando-nos o exemplo, para que sigais as suas pisadas, o qual não cometeu pecado ... levando ele mesmo em seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro para que, mortos para o pecado, pudéssemos viver para a justiça". Mason, Faith of Gospel, 181 - "Um piedoso aldeão, ouvindo o texto, 'Deus amou o mundo', exclamou: 'Ah! isso é que é amor!
Eu poderia ter-me entregado a mim mesmo, mas nunca teria dado o meu filho' ". Foi uma ferida no Pai através do coração do Filho: "Olharão para mim, a quem traspassaram; e o prantearão como quem pranteia por um unigênito"
(Zc. 12.10).
COMERCIAL - A expiação descrita como
Um resgate pago para libertar-nos da escravidão do pecado (note nestas passagens o uso de òcvtí, preposição de preço, barganha, câmbio). Nestas passagens a morte de Cristo é representada como o preço de nossa libertação do pecado e da morte.
Mt. 20.28 e Mc. 10.45 - "dar a sua vida em resgate de muitos" - ?onpov àv-tí noXk&v. 1 Tm. 2.6 - "que deu-se a si mesmo em resgate por todos" - àvTíXuTpov. 'Av-tí ("por" ou "de" no sentido de "em lugar de") nunca deve ser confundido com ímép ("por" no sentido de "em favor de", "em benefício de").
' Av-tí é uma preposição que indica preço, barganha, câmbio; e esta significação se aplica a cada passagem do N.T. Ver Mt. 2.22 - "Arquelau reinava na Judéia em lugar de [àv-tí] Herodes, seu pai"; Lc. 11.11 - "se o filho lhe pedir... peixe, lhe dará por [àv-tí] peixe uma serpente"? Hb. 12.2 - "autor e consuma- dor da nossa fé, o qual, pelo [àv-tí = como preço do] gozo que lhe estava proposto, suportou a cruz"; 16 - "Esaú, que, por [àv-tí = em troca de] um manjar, vendeu o seu direito de primogenitura". Ver também Mt. 16.26 - "Ou que dará o homem em recompensa da (àvTàÀXayna) sua alma"? = como a comprará de volta, quando uma vez ele a perdeu? ' Av-tüonpov = resgate substitutivo. A conexão em 1 Tm. 2.6 requer que írnép signifique "em vez de". Devemos interpretar esse wtép como o àv-tí de Mt. 20.28. "Alguma coisa sucede a Cristo e, em razão disso, é preciso que aconteça a mesma coisa aos pecadores" (E.Y. Mullins).
Meyer, em Mt. 20.28 - "dar a sua vida em resgate de muitos" - "Concebe- se a \"/t>%r" como A/útpov, o resgate pelo, ou através do, derramamento do sangue, e se torna o (preço) da redenção". Ver também 1 Co. 6.20; 7.23
"fostes comprados por preço"; e 2 Pe. 2.1 - "negarão o Senhor que os resgatou". A palavra "redenção", na verdade, significa simplesmente "comprar outra vez", ou "o estado de ser comprado outra vez"- /'.e., liberado pelo pagamento de um preço. Ap. 5.9 - "foste morto e com teu sangue compraste para Deus homens de toda tribo". Winer, N.T. Grammar, 258 - "Em grego, àv-tí é a preposição de preço". Buttmann, N.T. Grammar, 321 - "Na significação da preposição àv-tí (em lugar de, por), não ocorre nenhum desvio do emprego comum". Ver de Grimm Wilke, Lexicon Greek-Latirr. "àv-tí, in vicem, anstatf-, Thayer, Lexicon of N. T. - àvxí, sobre o que é dado, recebido, ou

382
Augustus Hopkins Strong
suportado em benefício de alguma coisa;... sobre o preço da venda (ou aquisição) Mt. 20.28.
Pfleiderer, em New World, setembro 1899, tem dúvidas sobre se Jesus em algum tempo proferiu as palavras "dar a sua vida em resgate de muitos" (Mt. 20.28). Ele as considera essencialmente paulinas, e resultantes de reflexão dogmática sobre a morte de Jesus como um meio de redenção. Mas estas palavras ocorrem não em Lucas, o evangelho paulino, mas em Mateus, que foi escrito muito antes. De qualquer modo elas representam a concepção apostólica do ensino de Jesus, a qual ele mesmo prometeu ser formada sob a orientação do Espírito Santo, que traria todas as coisas à memória dos apóstolos e os guiaria em toda a verdade (Jo. 14.26; 16.13). Como veremos abaixo, Pfleiderer declara que a doutrina de Paulo é a do sofrimento substitutivo.
LEGAL - A expiação é descrita como
Um ato de obediência à lei que os pecadores violaram; uma pena para livrar da culpa; e uma apresentação da justiça de Deus necessária à vindicação do seu processo de perdão e restauração do pecador. - Nestas passagens, a morte de Cristo é representada como uma exigência da lei e governo de Deus.
Obediência: Gl. 4.4,5 - "nascido de mulher, nascido sob a lei, para remir os que estavam debaixo da lei"; Mt. 3.15- "assim nos convém cumprir toda a justiça" - O batismo de Cristo prefigura a sua morte e é uma consagração a ela; cf. Mc. 10.38 - "Podeis vós beber o cálice que eu bebo e ser batizados com o batismo com que sou batizado"? Lc. 12.50 - "Importa, porém, que eu seja batizado com um certo batismo e como me angustio até que venha a cumprir-se"! Mt. 26.39 - "Meu Pai, se é possível, passa de mim este cálice; todavia, não seja como eu quero, mas como tu queres"; 5.17 - "Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas; não vim ab-rogar, mas cumprir"; Fp. 2.8
"tornando-se obediente até à morte"; Rm. 5.19 - "pela obediência de um, muitos serão feitos justos"; 10.4 - "Porque o fim da lei é Cristo para a justiça de todo aquele que crê". - Pena: Rm. 4.25 - "por nossos pecados foi entregue e ressuscitou para a nossa justificação"; 8.3 - "Deus, enviando seu Filho em semelhança da carne do pecado, pelo pecado condenou o pecado na carne"; 2 Co. 5.21 - Àquele que não conheceu pecado o fez pecado por nós"
aqui a palavra "pecado" = um pecador, sob a maldição (Meyer); Gl. 1.4 - "o qual se deu a si mesmo por nossos pecados"; 3.13 - "Cristo nos resgatou da maldição da lei fazendo-se maldição por nós, porque está escrito: Maldito todo aquele que for pendurado no madeiro"; cf. Dt. 21.23 - "porquanto o pendurado é maldito de Deus". Hb. 9.28 "Cristo, oferecendo-se uma vez, para tirar os pecados de muitos"; cf. Lv. 5.17 - "se alguma pessoa pecar... será culpada e levará a sua iniqüidade"; Nm. 14.34 - "cada dia, representando um ano, levareis as vossas iniqüidades quarenta anos"; Lm 5.7 - "Nossos pais pecaram e já não existem; nós levamos as suas maldades". Apresentação: Rm. 3.25,26 - "ao qual Deus propôs para propiciação pela fé no seu sangue, para demonstrar a sua justiça pela remissão dos pecados dantes cometidos

Teologia Sistemática
383
sob a paciência de Deus"; cf. Hb. 9.15 - "intervindo a morte para remissão das transgressões que havia debaixo do primeiro testamento".
Nestas passagens vemos uma excelente seção em Pfleiderer, Die Ritschl'sche Theologie (A Teologia Ritschliana), 38-53. Pfleiderer critica severamente a fuga de Ritschl da força natural delas e declara que o ensino de Paulo é que Cristo nos redimiu da maldição da lei pelo sofrimento como substituição da morte imposta pela lei contra os pecadores. Por outro lado,
L. L. Paine, Evolution of Trinitarianism, 288-307, cap. sobre a Expiação do Novo Cristão, sustenta que Cristo apenas ensina a reconciliação condicionada ao arrependimento. Paulo acrescenta a idéia da mediação extraída do dualismo platônico de Filo. A Epístola aos Hebreus faz de Cristo uma vítima sacrificial em propiciação a Deus, de sorte que a reconciliação se torna a Deus ao invés de ser ao homem. Mas o ponto de vista do Professor Paine de que Paulo ensina uma mediação ariana é incorreto. "Deus estava em Cristo"
(2 Co. 5.19) e Deus "se manifestou em carne" (1 Tm. 3.16) constituem-se a chave do ensino de Paulo o que é idêntico à doutrina de João sobre o Logos:
"o Verbo era Deus", e "o Verbo se fez carne" (Jo. 1.1, 14).
The Outlook, 15 de dez de 1900, em crítica ao Prof. Paine, estabelece três postulados do Novo Trinitarismo: 1. O reinado essencial de Deus e do homem; no homem há uma divindade essencial e em Deus, uma humanidade essencial. 2. A imanência divina; esta presença universal dá à natureza a sua unidade física e à humanidade a sua unidade moral. Isto não é panteísmo nem ainda a soma das suas experiências. 3. Deus transcende a todos os fenômenos; apesar de que em todos ele é maior do que todos. Ele penetra perfeitamente no ser humano e, através desta habitação num ser humano, gradualmente entra em todos os seres humanos em sua plenitude, de sorte que Cristo é o primogênito entre muitos irmãos. Os defeitos deste ponto de vista, que contém muitos elementos de verdade, são: 1. Considera Cristo como produto ao invés de produtor e o homem formado divinamente ao invés de sua humanidade agir como Deus, o cabeça entre os homens ao invés de o Criador e a Vida da humanidade; 2. Por isso, torna impossível a Jesus Cristo suportar os pecados de todos os homens e substitui em favor disto tal apresentação histriônica do sentimento de Deus e de tal beleza de exemplo, possíveis dentro dos limites da natureza humana; a saber, não existe nenhuma divindade de Cristo e nenhuma expiação objetiva.
SACRIFICIAL - A expiação é descrita como
Uma obra de mediação sacerdotal, que reconcilia Deus com o homem; note aqui que o termo 'reconciliação' tem seu sentido usual de remover a inimizade não do ofensor, mas da parte ofendida; uma oferta pelo pecado apresentada em favor dos transgressores; uma propiciação que satisfaz as demandas da santidade violada; e uma substituição da obediência de Cristo e sofrimento por nós. Tomadas juntas, estas passagens mostram que a morte de Cristo é exigida pelo atributo da justiça de Deus ou santidade para que os pecadores sejam salvos.

384
Augustus Hopkins Strong
Mediação sacerdotal. Hb. 9.11,12 - "vindo Cristo, o sumo sacerdote, ... nem por sangue de bodes e de bezerros, mas, por seu próprio sangue, entrou uma vez no santuário, havendo efetuado a eterna redenção"; Rm. 5.10 - "Porque, se nós, sendo inimigos, fomos reconciliados com Deus pela morte de seu Filho"; 2 Co. 5.18,19 - "E tudo provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por Jesus Cristo. ... Deus estava em Cristo, reconciliando consigo o mundo, não lhes imputando os seus pecados"; Ef. 2.16 - "e, pela cruz, reconciliar ambos com Deus em um só corpo, matando com ela as inimizades"; cf. 12,13,19-"estranhos aos concertos da promessa... vós que estáveis longe ... não mais sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos santos e da famflia de Deus"; Cl. 1.20 - "havendo feito por eie a paz pelo sangue da cruz, por meio dele reconciliasse o mundo consigo mesmo".
A respeito destas passagens, ver Meyer, que mostra em que sentido para o apóstolo "nós éramos 'inimigos', não de forma ativa, hostis a Deus, mas de modo passivo como aqueles contra os quais Deus se irou". A Epístola aos Romanos começa com a revelação da ira contra gentios e judeus (Rm. 1.18). "Porque, se nós, sendo inimigos" (Rm. 5.10) = "quando Deus foi hostil a nós". "Reconciliação" é, portanto, a remoção da ira de Deus para com o homem. Meyer, nesta passagem, diz que a morte de Cristo não remove a ira do homem para com Deus [isto não é obra de Cristo, mas do Espírito Santo]. O ofensor não reconcilia a pessoa ofendida, nem ele mesmo.
Cf. Nm. 25.13, onde se diz que Finéias, matando Zinri, "fez propiciação pelos filhos de Israel". Sem dúvida "propiciação" aqui não pode ser uma reconciliação de Israel. A ação não termina no sujeito, mas no objeto - Deus. Do mesmo modo, 1 Sm. 29.4 - "com que aplacaria este a seu senhor? Porventura, não seria com as cabeças destes homens"? Mt. 5.23,24 - "Se trou- xeres a tua oferta ao altar e aí te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa diante do altar a tua oferta, e vai reconciliar-te com o teu irmão [/'.e., remove a inimizade dele, não a tua], e depois vem, e apresenta a tua oferta".
Pfleiderer, Die Ritschlische Theologie, 42 - " 'ExQpoi õvxeç (Rm. 5.10) = não a disposição ativa da inimizade da nossa parte para com Deus, mas a nossa condição passiva sob a inimizade ou ira de Deus". Paulo não é o autor desta doutrina; ele reivindica que recebeu do próprio Cristo (Gl. 1.12). Simon, Reconciliation, 167 - "A idéia de que só o homem necessita de reconciliar-se vem de uma falsa concepção da imutabilidade de Deus. Porém Deus não seria injusto, se a sua relação com o homem fosse a mesma depois do pecado deste como era antes". O velho hino expressa a verdade: "Meu Deus se reconcilia; ouço a sua voz perdoando; ele me toma por seu filho; não mais posso ter medo; Com confiança filial aproximo-me e clamo: 'Pai, Aba, Pai"'.
Oferta pelo pecado: Jo. 1.29 - "Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo" - aqui avpcov afastar tomando ou levando; tomar e afastar. Trata-se de uma alusão à oferta pelo pecado em Is. 53.6-12 - "quando a sua alma se puser por expiação do pecado ... como um cordeiro foi levado ao matadouro ... mas o Senhor fez cair sobre ele a iniqüidade de nós todos". Mt. 26.29-8 - "isto é o meu sangue, o sangue do Novo Testamento, que é derramado por muitos, para a remissão dos pecados"; cf. Sl. 50.5 - "fizeram comigo um concerto com sacrifícios". 1 Jo. 1.7 - "o sangue de Jesus Cristo, seu Filho nos

Teologia Sistemática
385
purifica de todo pecado" = não santificação, mas justificação; 1 Co. 5.7 - "Cristo, nossa páscoa, foi sacrificado por nós"; cf. Dt. 16.2-6 - "sacrificarás como oferta de páscoa ao Senhor, teu Deus". Ef. 5.2 - "entregou-se a si mesmo por nós, em oferta e sacrifício a Deus, em cheiro suave"; Hb. 9.14 - "o sangue de Cristo, que, pelo Espírito eterno, se ofereceu a si mesmo imaculado a Deus"; 22,26 - "sem derramamento de sangue não há remissão,... agora, na consumação dos séculos, uma vez se manifestou, para aniquilar o pecado pelo sacrifício de si mesmo"; 1 Pe. 1.18,19 - "fostes resgatados ... com o precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro imaculado e inconta- minado".
Lowrie, Doctríne of St. John, 35, assinala que Jo. 6.52-59 - "comerdes a minha carne e beberdes o meu sangue" - é uma referência que Cristo faz à sua morte em termos de sacrifício. Assim, como veremos abaixo, é uma propiciação (1 Jo. 2.2). Por isso, objetamos firmemente a afirmação de Wilson, Gospei of Atonement, 64 - "A morte de Cristo é um sacrifício, se sacrifício significa o exemplo culminante do sofrimento do inocente em favor do culpado o que surge da solidariedade do ser humano; mas não se pense que há substituição ou expiação". Wilson se esquece de que a necessidade do sofrimento surge da justiça de Deus; que, sem esse sofrimento, o homem não pode ser salvo; que Cristo suportou o que nós, por causa da insensibilidade do pecado, não podemos sentir ou suportar; que este sofrimento substitui o nosso, de sorte que somos salvos em conseqüência disso. Wilson sustenta que a Encarnação substitui a Expiação, que todo o pensamento a respeito da expiação pode ser eliminado. Henry B. Smith resume bem melhor o evangelho com as palavras: "Encarnação para a Expiação". Consideramos melhores ainda as palavras: "Encarnação para revelar a Expiação".
Propiciação: Rm. 3.25,26 - "o qual Deus propôs para propiciação, ... no seu sangue ... para que ele seja justo e justificador daquele que tem fé em Jesus". Uma exposição completa e crítica desta passagem encontra-se na Teoria Ética da Expiação, pp. 750-760. Por ora, basta dizer que ela mostra: 1) que a morte de Cristo é um sacrifício propiciatório; 2) que o seu primeiro e principal efeito é sobre Deus; 3) que o atributo particular que em Deus demanda a expiação é a justiça, ou santidade; 4) que a satisfação de tal santidade é condição necessária da justificação da parte de Deus para com o crente.
Compare Lc. 18.13 - "Ó Deus, tem misericórdia de mim, pecador"! Literalmente: "Ó Deus, sê propício a mim, pecador" - pelo sacrifício cuja fumaça sobe diante do publicano enquanto ele ora. Hb. 2.17 - "misericordioso e fiel sumo sacerdote naquilo que é de Deus, para expiar os pecados do povo"; 1 Jo. 2.2 - "E ele é a propiciação pelos nossos pecados e não somente pelos nossos, mas pelos de todo o mundo"; 4.10 - "Nisto está o amor, não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou e enviou seu Filho para propiciação pelos nossos pecados"; cf. Gn. 32.20, LXX. - Eu o aplacarei [è^iXáaonai, 'propiciarei'] com o presente que vai adiante de minr: Pv. 16.14 LXX. - "O furor do rei é como o mensageiro da morte; mas o homem sábio o apaziguará" [è^iXáce-tai, 'propiciará'].
Sobre a propiciação, ver Foster, Christian Life and Theology, 216 - "Em conseqüência, algo se fez para que Deus se inclinasse a perdoar o pecador. Deus se inclinou a perdoar os pecadores através do sacrifício, porque a sua

386
Augustus Hopkins Strong
justiça foi demonstrada pela aplicação da pena do pecado; mas não porque ele necessitasse de inclinar-se de coração a amar o pecador ou exercer a sua misericórdia. Na verdade, foi ele mesmo que 'propôs' Jesus como 'propiciação' (Rm. 3.25,26)". Paulo nunca une a expiação objetiva aos seus efeitos subjetivos, embora nenhum escritor do Novo Testamento tenha reconhecido mais plenamente estes efeitos subjetivos. Com ele Cristo por nós sobre a cruz é a preparação necessária para Cristo em nós através do seu Espírito. Gould, Bib. Theol. N.T., 74, 75, 89, 172, sem garantia contrasta a representação de Paulo a respeito de Cristo como sacerdote o que ele chama de representação de Cristo como profeta na Epístola aos Hebreus: "O sacerdote diz: Não basta a volta do homem para Deus; deve haver uma expiação do pecado do homem. É a doutrina de Paulo. O profeta diz: Nunca houve uma provisão divina para o sacrifício. O que se busca é a volta do homem para Deus. Mas esta volta deve ser completa. Jesus é o perfeito profeta que nos dá o exemplo da obediência restabelecida e que entra na obra imperfeita do homem. É a doutrina da Epístola aos Hebreus". O reconhecimento da explicação no ensino de Paulo, juntamente com a negação da sua validade e interpretação da Epístola aos Hebreus como profética ao invés de sacerdotal, é uma curiosidade da exegese moderna.
Lyman Abbott, Theology ofart Evolutionist, 107-127, vai mais adiante quando afirma: "No N. T. Deus nunca diz que ele recebe a propiciação, nem que Jesus Cristo propicia, ou satisfaz a ira de Deus". Contudo, o Dr. Abbott acrescenta que, no N. T. Deus é representado como a si mesmo propiciado: A diferença entre o cristianismo e o paganismo está na representação como Deus aplaca a sua própria ira e satisfaz a sua própria justiça externando o seu próprio amor". Contudo, não se deve pensar que propiciar de si mesmo é suportar a pena: "Em nenhum lugar do V. T. a idéia do sacrifício está ligada à da pena; sempre está ligada à purificação: 'pelas suas pisaduras fomos sarados' (Is. 53.5). E no N. T., 'o Cordeiro de Deus ... tira o pecado do mundo' (Jo. 1.29); 'o sangue de Jesus ... purifica' (1 Jo. 1.7).... O de que a humanidade necessita não é a remoção da pena, mas a remoção do pecado". Isto nos parece uma contradição distinta tanto de Paulo como de João, para quem a propiciação é essencial à doutrina cristã (ver Rm. 3.25; 1 Jo. 2.2), conquanto admitamos que a propiciação é feita, não por um pecador, mas pelo próprio Deus, na pessoa de seu Filho.
Substituição: Lc. 22.37 - "E com os malfeitores foi contado"; cf. Lv. 16.21,22
"E Arão porá ambas as mãos sobre a cabeça do bode vivo e sobre ele confessará todas as iniqüidades dos filhos de Israel ... e os porá sobre a cabeça do bode ... aquele bode levará sobre si todas iniqüidades deles à terra solitária"; Is. 53.5,6 - "ele foi ferido pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniqüidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele e pelas suas pisaduras fomos sarados. Todos nós andávamos desgarrados como ovelhas; cada um se desviava pelo seu caminho, mas o Senhor fez cair sobre ele a iniqüidade de nós todos". Jo. 10.11 - "o bom pastor dá a sua vida pelas suas ovelhas"; Rm. 5.6-8 - "Porque Cristo, estando nós ainda fracos, morreu a seu tempo pelos ímpios. Porque apenas alguém morrerá por um justo; pois poderá ser que pelo bom alguém ouse morrer. Mas Deus prova o seu amor para conosco em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores".

Teologia Sistemática
387
A estes textos devemos acrescentar os mencionados sob a letra b acima, nos quais a morte de Cristo é descrita como um resgate. Além do comentário de Meyer, já citado, sobre Mt. 20.28 - "dar a sua vida em resgate de muitos", Vóxpov àv-ci noW&v - Meyer também diz: "àvxí também denota substituição. Aquilo que é dado como resgate toma o lugar dos que devem ser libertos, é dado em vez deles, a eles. ' Av-tí só pode ser entendido no sentido de substituição no entendimento de que o resgate está presente como um equivalente, para garantir o livramento daqueles em favor de quem foi pago o resgate; ponto de vista que é só confirmado pelo fato de que, em outras partes do N.T., fala-se deste resgate, via de regra, como sacrifício expiatório. Que aquilo que [aqueles por quem o resgate é pago] é redimido é a eterna àn&Xeia em que, tendo a ira de Deus permanecido sobre eles, continuam aprisionados como em estado de desesperançado cativeiro, a não ser que a sua culpa seja expiada".
Cremer, N.T Lex., diz que "em ambos os textos do N.T., Mt. 16.26 e Mc. 8.37, a palavra àvmXXay\ia, como Vínpov está aquém da concepção de expiação; cf. Is. 43.3,4; 51.11; Am. 5.12. Isto se confirma pelo fato de que a satisfação e a substituição pertencem essencialmente à idéia de expiação". Dorner, Glaubenslehre, 2.515 (Doutrina Sistemática, 3.414) - "Mt. 20.28 contém o pensamento de substituição. Conquanto o mundo todo não tenha igual mérito quanto à sua alma, e não possa possuí-lo, a morte e obra de Cristo são de tal modo valiosas que podem servir como um resgate".
O judaísmo rabínico reconhece os sofrimentos dos justos como tendo um sentido substitutivo para o pecado dos outros. Mas Wendt, Teaching of Jesus, 2.225-262, diz que esta idéia de satisfação vicária foi um acréscimo de Paulo ao ensino de Jesus. Wendt admite que tanto Paulo como João ensinavam a substituição, mas nega que Jesus o fizesse. Ele defende que àvtí em Mt. 20.28 significa somente que Jesus deu a sua vida como um meio através do qual ele obtém a libertação de muitos. Mas esta interpretação não é natural e viola o emprego lingüístico. Sustenta que Paulo e João entenderam erroneamente e erroneamente interpretaram as palavras do nosso Senhor. Preferimos o franco reconhecimento da parte de Pfleiderer de que, como Paulo e João, Jesus ensinava a substituição, mas nenhum deles estava correto. Colestock, sobre a Substituição com um Estágio no Pensamento Teológico, do mesmo modo sustenta que se deve desprezar a idéia de substituição. Admitimos que a idéia de substituição necessita de ser suplementada pela idéia de participação e deste modo isenta das implicações exteriores e mecânicas, mas que, abandonar a concepção em si, é abandonar a fé nos evangelistas e no próprio Jesus.
O Dr. W. N. Clarke, em sua Christian Teology, rejeita a doutrina da retribuição pelo pecado e nega a possibilidade do sofrimento penal em favor de outro. Um ponto de vista apropriado a respeito da pena e a conexão vital de Cristo com a humanidade tornaria estas idéias rejeitadas não só dignas de crédito, mas inevitáveis. O Dr. Alvah Hovey revê a Teologia do Dr. Clarke. Air Jour. of Theology, janeiro 1899.205 - "Se não dermos importância ao fato de se suportar a pena por algum grau de sentimento ou volição pecanrrosos, não há base para negar que um ser santo possa suportá-la em iugar de um pecador. Porque nada, a não ser a prática do erro, é impossível a um santo.

388
Augustus Hopkins Strong
Na verdade, suportar em lugar de outro a pena justa do seu pecado, faz com que o outro possa, desta forma, ser salvo dela e tornar-se amigo de Deus, e talvez seja esta a mais elevada função de amor ou de boa vontade concebível". Denney, Studies, 126,127, mostra que "substituição significa somente que, para a sua aceitação da parte de Deus, o homem depende de algo que Cristo fez por ele e que ele nunca poderia ter feito e nunca precisará fazer em favor de si mesmo. ... A perda da nossa vida livre livrou-nos da vida perdida. Pode- se pregar esta substituição e isto liga os homens a Cristo fazendo-se sempre dependentes dele. A condenação dos nossos pecados em Cristo sobre a cruz é a farpa no anzol; sem ela, tomará a isca que você tem, mas não pescará os homens; você não aniquilará o orgulho, nem tornará Cristo, o Alfa e o Ômega, a redenção do homem".
Um exame das passagens mencionadas mostra que, enquanto as formas em que a obra expiatória de Cristo é descrita em parte derivada das relações moral, comercial e legal, a linguagem prevalecente é a do sacrifício. O ponto de vista correto da expiação deve, portanto, basear-se na interpretação adequada da instituição do sacrifício especialmente achado no sistema mosaico.
Às vezes se faz a pergunta: Por que há tão pouca coisa nas palavras de Jesus a respeito da expiação? O Dr. R. W. Dale responde: Porque Cristo não veio pregar o evangelho; ele veio para que o evangelho pudesse ser pregado.
Ele teve de suportar a cruz antes que se pudesse explicá-la. Jesus veio para ser o sacrifício, não para falar a respeito deste. Porém a sua reticência é exatamente o que nos fala que devemos encontrar nas suas palavras. Ele as proclamou incompletas e falou-nos de um subseqüente Mestre - o Espírito Santo. O testemunho do Espírito Santo temos nas palavras dos apóstolos. Devemos ter em mente que os evangelhos suplementaram as epístolas, e não o contrário. Os evangelhos simplesmente completam o nosso conhecimento de Cristo. Não cabe ao Redentor magnificar o custo da salvação, mas cabe-o ao redimido. Aquele que praticou o grande feito tem o mínimo a dizer a esse respeito.
Harnack: "Há uma lei interna que compele o pecador a olhar para Deus como um juiz iroso. Apesar de que nenhum outro sentimento é possível". Consideramos esta confissão como uma demonstração da exatidão psicológica da doutrina de Paulo sobre a expiação vicária. Deste modo a natureza humana tem sido constituída por Deus para que reflita a demanda da sua santidade. Que a consciência necessita de ser aplacada é prova de que Deus precisa ser aplacado. Quando Whiton declara que a propiciação é oferecida apenas à nossa consciência, que é a ira daquilo que é de Deus dentro de nós e que Cristo levou os nossos pecados, não em substituição por nós, mas em comunhão conosco, a fim de despertar a nossa consciência sobre a aversão a eles, ele se esquece de que Deus não é apenas imanente na consciência, mas também transcendente e que os veredictos da consciência são apenas indicações dos mais elevados veredictos de Deus: 1 Jo. 3.20 - "se o nosso coração nos condena, maior é Deus do que o nosso coração e conhece todas

Teologia Sistemática
389
as coisas". Lyman Abbott, Theology of an Evolutionist, 57 - "Um povo meio emancipado do paganismo que imagina que Deus deve ser aplacado pelo sacrifício antes de poder perdoar os pecados deu ao sistema sacrificial que Israel tomou de empréstimo do paganismo a mesma autoridade divina que aos elementos revolucionários no sistema que se destinou eventualmente a varrê-io totalmente da existência". Do mesmo modo Bowne, Atonement, 74 - "Na sua essência, o fato moral é que, se Deus deve perdoar o injusto, deve- se descobrir um meio de torná-lo justo. A dificuldade não é de ordem forense, mas moral". Tanto Abbott como Bowne consideram a justiça como simples forma de benevolência e a expiação como meio com vistas a um fim utilitário, a saber, restauração e felicidade da criatura. Um ponto de vista mais correto da justiça de Deus como atributo fundamental do seu ser, operado na constituição do universo, como infalivelmente estabelecendo conexão entre o sofrimento e o pecado, teria levado estes escritores a sentirem uma visão e inspiração na instituição do sacrifício e uma necessidade divina de que Deus sofreria se o homem não fosse liberto.
Instituição do Sacrifício, mais especialmente encontrada no sistema mosaico.
a) Podemos apresentar como insustentável, por um lado, a teoria de que o sacrifício é essencialmente a apresentação de uma oferta (Hofmann, Baring- Gould) ou uma festa (Spencer) à divindade; por outro lado a teoria de que o sacrifício é o símbolo de uma comunhão renovada (Keil) ou a oferta de gratidão ao Deus de toda a vida e ser do adorador (Bâhr). Nenhuma destas teorias pode explicar o fato de que o sacrifício de uma oferta de sangue envolve o sofrimento e morte da vítima não trazida pela alma simplesmente grata, mas pela alma de uma consciência abalada.
Lange, Introd. to Com. on Exodus, 38 - "Os pagãos mudam os símbolos de Deus em mitos (racionalismo), do mesmo modo em que os judeus mudam os sacrifícios de Deus em ofício meritório (ritualismo)". Westcott, Hebrews, 281- 294, parece sustentar com Spencer que o sacrifício é essencialmente uma festa feita como oferta a Deus. Do mesmo modo Filo: "Deus recebe o ofertan- te fiel à sua mesa dando-lhe em troca uma parte do sacrifício". Com isto compare os espíritos na Odisséia de Homero, que recebem força ao beberem o sangue do sacrifício. O ponto de vista de Bâhr está a meio caminho da verdade. Renovação da união pressupõe Expiação. Lyttleton, em Lux Mundi, 281 - "O pecador deve, em primeiro lugar, expiar o seu pecado através do sofrimento; só então ele pode entregar sua vida a Deus purificada pela morte expiatória". Jahn, Bib. Archaeology, 373, 378 - "É da própria idéia de sacrifício que se apresenta a vítima diretamente a Deus e, na apresentação é destruída". Bowne, Philos. of Theism, 253, fala do sentimento delicado do crítico bíblico que com a sua boca cheia de carne de boi ou de ovelha, professa estar chocado com a crueldade para com os animais que os sacrifícios no templo envolviam. Lord Bacon: "Os hieróglifos vieram antes das letras

390
Augustus Hopkins Strong
e as parábolas antes dos argumentos". A velha dispensação foi a grande parábola de Deus ao homem. A teocracia foi sepultada com todos os hieróglifos divinos. Existe a pedra Roseta através da qual podemos ler estes hieróglifos? As sombras que se foram abreviando na limitação do esboço passam e desvanecem totalmente sob o pleno esplendor meridiano do Sol da Justiça".
A verdadeira importância do sacrifício, como fartamente se evidencia, tanto nas fontes gentílicas como judaicas, abrangia três elementos: primeiro, da satisfação da divindade ofendida ou propiciação oferecida à santidade violada; segundo, da substituição do sofrimento e morte da parte do inocente para a merecida punição do culpado, e terceiro a comunhão da vida entre o ofertante e a vítima. Combinando estas três idéias temos a importância do sacrifício: A satisfação pela substituição e a substituição pela incorporação. O sacrifício de sangue entre os pagãos expressava a consciência de que o pecado envolve culpa; que a culpa expõe o homem à justa ira de Deus; que sem a expiação daquela culpa não há perdão; e que, através do sofrimento de um outro que compartilha a sua vida, o pecador pode expiar seu pecado.
Luthardt, Compendium der Dogmatik, 170, cita de Nágelsbach, Nachho- merische Teologie (Teologia Pós-homérica), 338 sq. - "A essência da punição é a retribuição (Vergeltung) e a retribuição é uma lei fundamental da ordem terrena. A retribuição inclui a força expiatória da punição. Esta consciência de que a pena do pecado demanda retribuição, a saber, esta certeza de que há na divindade uma justiça que pune o pecado, em conexão com a consciência da transgressão pessoal, desperta o anseio pela expiação"; que se expressa no sacriffcio de um animal que é morto. Os gregos reconheciam a expiação não só no sacrifício de animais, mas nos humanos.
Stahl, Christliche Philosophie (Filosofia Cristã), 146 "Toda consciência não pervertida declara a lei eterna de justiça que inevitavelmente a punição se seguirá ao pecado. No reino moral há outro meio de satisfazer a justiça - o da expiação. Isto difere da punição em seu efeito, isto é, na reconciliação; a autoridade moral, afirmando-se, não através da destruição do ofensor, mas elevando-o a ela e unindo-a a ele. Mas o ofensor não pode oferecer o seu próprio sacrifício; isto só pode ser feito pelo sacerdote". No Prometeu Acorrentado, de Ésquilo, Hermes diz a Prometeu: "Desse tremendo suplício não esperes ver o fim, salvo se algum deus quiser ficar em teu lugar, a descer aos antros do invisível Plutão, nos redutos sombrios do Tártaro". E isto é feito por Quiron o mais sábio e mais justo dos Centauros, filho de Cronos, sacrificando-se em lugar de Prometeu, enquanto Hércules mata a águia em seu peito e assim livra-o do tormento. A lenda de Ésquilo é quase uma predição do verdadeiro Redentor
Westcott, Hebrews, 282, sustenta que a idéia das ofertas expiatórias, correspondendo à consciência do pecado, não pertencem à religião primitiva da Grécia. Respondemos que a llíada de Homero, no primeiro livro, descreve exatamente uma oferta expiatória a Febo Apoio, afastando a sua ira e fazendo

Teologia Sistemática
391
cessar a praga e as devastações. E. G. Robinson sustenta que não há "nenhuma evidência de que os judeus tivessem qualquer idéia da eficácia do sacrifício para a expiação da culpa moral". Mas, ao aproximar-se do tabernáculo ou do templo, o altar sempre se apresentava diante do lavatório. H. Clay Trum- bull, S. S. Times, 30 de novembro, 1901.801 - "A páscoa não era uma passagem pelas casas dos israelitas, mas uma passagem ou travessia junto ao Senhor para entrar nas casas daqueles que o recebiam de bom grado e que tinham entrado no pacto com ele através do sacrifício. O soberano oriental era acompanhado pelo executor, que entrava para matar o primogênito da casa só quando não houvesse nenhum sinal de pacto na porta". Consideramos esta explicação como um substituto de um resultado e efeito incidental do sacrifício pelo sacrifício em si. Isto sempre teve consigo a idéia de reparação de um erro pelo sofrimento substitutivo.
Curtis, A Religião Semítica Primitiva nos Nossos Dias, na Significance of Sacrifice, 218-237, conta-nos que foi à Palestina sob a explicação de Robert Smith de que o sacrifício é uma festa simbolizando comunhão amistosa entre o homem e Deus. Ele chegou à conclusão de que a ceia sacrificia! não é um elemento primário, mas há um valor substitutivo na oferta. Não estão excluídas a oferta e a festa; mas há um valor substitutivo na oferta. Não se excluem a oferta e a comemoração; mas estas são seqüências e incidentes. O infortúnio é evidência de pecado; é preciso que o pecado seja expiado; a ira de Deus precisa ser removida. O sacrifício consiste principalmente no derramamento do sangue da vítima. A "explosão do sangue" satisfaz e paga a divindade. George Adam Smith em Is. 53 (2.364) - "Por ser inocente, ele dá a sua vida como satisfação da lei divina pela culpa do seu povo. Sua morte não é simplesmente um martírio ou desvio da justiça humana; na intenção e propósito de Deus, mas também através da sua oferta voluntária, é um sacrifício expiatório. Não há nenhum exegeta que não concorde com isto. 353 - A substituição do servo do Senhor em favor do povo culpado e o poder redentor dessa substituição não são doutrina arbitrária".
Satisfação significa simplesmente que há um princípio no ser divino que não rejeita somente o pecado passivamente, mas também, ativamente, se opõe a ele. O juiz, se for correto, deve repelir o suborno com indignação e a mulher pura deve arder em ira contra uma proposta infame. R. W. Emerson:
"A vossa bondade deve ter um limite no despenhadeiro - caso contrário, não é bondade". Porém o juiz e a mulher não se sentem bem na repulsa; ao invés disso eles sofrem. Deste modo Deus não se regozija com a dor ou com a perda a cuja inflição ele é compelido. Deus tem uma ira que é calma, judicial, inevitável - reação natural da santidade contra a falta desta. Cristo sofre tanto por ser aquele que aplica a punição como aquele sobre quem ela é aplicada: "Porque Cristo não se agradou a si mesmo, mas, como está escrito: Sobre mim caíram as injúrias dos que te injuriavam" (Rm. 15.3; cf. SI. 69.9).
Considerando o propósito exato e eficácia dos sacrifícios mosaicos, devemos distinguir entre seus ofícios teocráticos e os espirituais. Eles são, por um lado, os meios indicados pelos quais o ofensor podia ser restaurado ao lugar e privilégios exteriores, como membro da teocracia, que ele tinha perdido por

392
Augustus Hopkins Strong
causa da negligência e da transgressão; e cumpriram este propósito mesmo sem o gênio e o espírito que apresentavam. Por outro lado eram símbolo do sofrimento vicário e morte de Cristo e obtinham perdão e aceitação da parte de Deus só quando eram oferecidos com a verdadeira contrição e com fé no método de salvação de Deus.
Hb. 9.13,14 - "Porque, se o sangue dos touros e bodes e a cinza de uma novilha, esparzida sobre os imundos, os santificam, quanto à purificação da carne, quanto mais o sangue de Cristo, que, pelo Espírito eterno, se ofereceu a si mesmo imaculado a Deus, purificará a vossa consciência das obras mortas, para servirdes ao Deus vivo"? 10.3,4 - "Nesses sacrifícios, porém, cada ano, se faz comemoração dos pecados, porque é impossível que o sangue dos touros e bodes tire pecados". A morte de Cristo também, como os sacrifícios do V.T., opera um benefício temporal mesmo sobre aqueles que não têm fé; ver pp. 771,772.
Robertson, Early Religion of Israel, 441,448, rebate ao ataque da alta crítica de que, nos dias de Isaías, Miquéias, Oséias, Jeremias, não existia código levítico; que estes profetas expressavam a sua desaprovação do sistema sacrificial todo como mero artifício humano destituído de sanção divina. Mas o Livro do Concerto, sem dúvida, existia na sua época, com esta ordem: "Um altar na terra me farás e sobre ele sacrificarás holocaustos (Ex. 20.24). Ou, caso se sustente que Isaías condena até mesmo um trecho da legislação, isto bem prova, porque faria também o profeta condenar o sábado como uma parte da adoração voluntária e até mesmo rejeitaria a oração como desagradável a Deus, visto que, na mesma conexão ele diz: "as festas da Lua Nova, e os sábados ... não posso suportar ... quando estendeis as vossas mãos, escondo de vós os meus olhos" (Is. 1.13-15). Isaías somente estava condenando o sacrifício sem a piedade; caso contrário nós o faríamos condenar tudo o que ocorria no templo. Mq. 6.8 - "o que é que o Senhor requer de ti, senão que pratiques a justiça"? Isto não exclui a oferta de sacrifício, pois Miquéias antecipa o tempo quando "o monte da Casa do Senhor será estabelecido no cume dos montes, ... e irão muitas nações e dirão: Vinde, e subamos ao monte do Senhor" (Mq. 4.1,2). Os 6.6 "eu quero misericórdia e não sacrifício", interpreta-se com que segue: "o conhecimento de Deus mais do que os holocaustos". Compare com Pv. 8.10; 17.12; e as palavras de Samuel:
"o obedecer é melhor do que o sacrificar" (1 Sm. 15.22). O que é o altar de onde se extraiu a sua descrição da teofania de Deus e do qual se tomou a brasa viva que tocou os seus lábios e preparou o profeta? (Is. 6.1-8) Jr. 7.22 - "Porque nunca falei ... acerca de holocaustos ou sacrifícios ... mas isto ...
Dai ouvidos à minha voz". Jeremias insiste apenas na indignidade do sacrifício onde não há coração.
d) Desse modo os sacrifícios do Antigo Testamento, quando oferecidos corretamente, envolto em uma consciência de pecado da parte do adorador, daquele que trazia a vítima para a expiação do pecado, fazia repousar as mãos

Teologia Sistemática 393
do ofertante sobre a cabeça da vítima, fazendo confessar os pecados através ia oferta, o derramar do sangue sobre o altar, e o conseqüente perdão dos recados e a aceitação da oferta do adorador. A oferta pelo pecado e o bode expiatório do grande dia da expiação simbolizaram as duas idéias elementares de sacrifício, a saber, satisfação e substituição juntamente com a conseqüente remoção da culpa daqueles que ofertam e fizeram o sacrifício.
Lv. 1.4 - "E porá a sua mão sobre a cabeça do holocausto, para que seja aceito por ele, para expiação"; 4.20 - "e fará a este novilho como o fez ao novilho da expiação; assim lhe fará, e o sacerdote por eles fará propiciação e lhes será perdoado o pecado"; do mesmo modo 31 e 35 - "e o sacerdote fará propiciação por ela e lhe será perdoado o pecado"; assim também 5.10,16;
6.7. Lv. 17.11 - "Porque a alma (vida) da carne está no sangue, pelo que vo-lo tenho dado sobre o altar, para fazer expiação pela vossa alma (vida), porquanto é o sangue que fará expiação pela alma (vida)".
Os sacrifícios patriarcais eram expiação como sacrifício de Jó pelo testemunho de seus amigos: Jó 42.7-9 - "A minha ira se acendeu contra ti [Elifaz]
... Tomai, pois, sete bezerros ... oferecei holocaustos por vós"; cf. 33.24 - "então, Deus terá misericórdia dele e lhe dirá: Livra-o, que não desça à cova; já achei resgate"; 1.5 - Jó oferecia holocaustos por seus filhos, porque ele dizia: "Porventura pecaram meus filhos e blasfemaram de Deus no seu coração"; Gn. 8.20 - Noé "ofereceu holocaustos sobre o altar"; 21 - "e o Senhor cheirou o suave cheiro e disse o Senhor em seu coração: Não tomarei mais a amaldiçoar a terra por causa do homem".
O sofrimento vicário que se pretende em todos estes sacrifícios, está claro em Lv. 16.1-34 - relato da expiação e o bode expiatório do grande dia da expiação cujo sentido completo apresentamos abaixo; também Gn. 22.13 - "e foi Abraão, e tomou o carneiro, e ofereceu-o em holocausto, em lugar do seu filho"; Ex. 32.30-32 - onde Moisés diz: "Vós pecastes grande pecado; agora, porém, subirei ao Senhor; porventura farei propiciação por vosso pecado. Assim, tornou Moisés ao Senhor e disse: Ora, este povo pecou pecado grande, fazendo para si deuses de ouro. Agora, pois, perdoa o seu pecado; se não, risca-me, peço-te, do teu livro, que tens escrito". Ver também Dt. 21.1-9 — a expiação de um homicida incerto, com o sacrifício de uma bezerra; onde Oehler, O. T. Theology, 1.39,9 diz: "Evidentemente a pena de morte para um homicida involuntário é simbolicamente executada sobre a bezerra". E Is. 53.1- 12 - "Todos nós andamos desgarrados como ovelhas; cada um se desviava pelo seu caminho, mas o Senhor fez cair sobre ele a iniqüidade de nós todos ... pisaduras ... expiação do pecado" - as idéias tanto de satisfação como de substituição tornam-se ainda mais claras.
Wallace, Representative Responsability: "Os animais oferec oos er- sacrifício devem estar relacionados com o homem, sujeitos a ele. ser de sua propriedade. Não devem ser resultado de caça. Devem trazer a "'arca e impressão da humanidade. Deve-se impor as mãos humanas sobre o sacr^' - cio: as mãos do ofertante e as do sacerdote. A oferta substitu o ofertante.
O sacerdote substitui o ofertante. O sacerdote e o sacrifício são um _'ico

394
Augustus Hopkins Strong
símbolo. [Por isso, na nova dispensação, o sacerdote e o sacrifício são um: ambos acham-se em Cristo]. O sumo sacerdote deve entrar no santo dos santos com o seu próprio dedo mergulhado no sangue: o sangue deve estar em contato com a sua própria pessoa; é outra indicação da identificação dos dois. Alimenta-se e sustenta-se a vida com a vida. Toda vida inferior ao homem pode ser sacrificada para o bem do homem. Deve-se derramar o sangue no chão. 'A vida está no sangue'. Deus reserva a vida. Ela é dada em benefício do homem não para ele. A vida em favor da vida é a lei da criação. Do mesmo modo, a vida de Cristo, também, em benefício da nossa vida. Originariamente Adão era um sacerdote da família e da raça. Mas perdeu esse caráter representativo por causa da desobediência e a sua redenção é a do indivíduo, não da raça. A raça deixou de ter um representante. Os súditos do reino divino deviam ser, em vista disso, não descendência natural de Adão, mas os redimidos. O fato de que se requer o corpo e o sangue indica a demanda de que a morte seja uma violência que derrama sangue. Os sacrifícios apresentam, não o próprio Cristo [seu caráter, sua vida], mas a sua morte".
Segue-se uma tentativa de esquematizar os SACRIFÍCIOS JUDAICOS. A razão geral para o sacrifício acha-se expressa em Lv. 17.11 (citado acima). I. Para o indivíduo: 1. A expiação = sacrifício com vistas à expiação dos pecados de ignorância (o elemento impensado e a tentação plausível): Lv. 4.14, 20,31. 2. Oferta pela culpa = sacrifício com vistas à expiação dos pecados de omissão: Lv. 5.5,6. 3. O holocausto = sacrifício com vistas à expiação dos pecados em geral: Lv. 1.3 (a oferta de Maria, Lc. 2.24). II. Para a família: A Páscoa: Ex. 12.27. III. Para o povo: 1. O sacrifício diário matutino e vespertino: Ex. 29.38-46. 2. Oferta do grande dia da expiação: Lv. 16.6-10. Neste último, empregavam-se as duas vítimas: uma para representar o significado: morte e a outra para representar o resultado: perdão. Uma única vítima não podia representar tanto a expiação, através do derramamento de sangue, como a justificação, através da retirada do pecado.
Jesus morreu pelos nossos pecados na festa da Páscoa, na hora do sacrifício diário. Mclaren, em S. S. Times, 30 de nov. 1901.801 - "O derramamento de sangue e a conseqüente segurança eram somente uma parte do ensino da Páscoa. Há uma dupla identificação do ofertante com o sacrifício; primeiro, ele a oferece como seu representante, impondo as mãos sobre a sua cabeça, ou transferindo a sua pessoalidade, como se fosse para a vítima; em segundo lugar, recebendo-a de volta, da parte de Deus, a quem ele a ofereceu, ele se alimenta da vítima, fazendo-a parte da sua vida e nutrindo-se dela: 'Minha carne ... que eu darei pela vida do mundo ... quem de mim se alimenta também viverá por mim' (Jo. 6.51,57)".
Chambers, em Presb. And Ref. Review, janeiro, 1892.22-34 - Sobre o grande dia da expiação "a dupla oferta - uma para o Senhor e a outra para Azazel - tipifica não só a remoção da culpa do povo, mas a sua transferência para o odioso e detestável ser que é a causa primeira da sua existência", /'.e., Satanás. Lidgett, Spir. Principie of the Atonement, 112,113 - "Não foi a punição que o bode levou para o deserto, porque a idéia de punição não está diretamente associada ao bode expiatório. Ele leva o pecado - toda a infidelidade da comunidade que contaminou os lugares santos - deles, de modo que, por isso, eles podem ser purificados ... A oferta pelo pecado - representando o

Teologia Sistemática
395
pecador ao levar o fardo do seu pecado - faz a expiação ao recuar e elevar a sua vida para Deus sob condições que representam ao mesmo tempo a ira e o ato de aplacar Deus".
é) Não é essencial a este ponto de vista sustentar que uma instituição formal divina do rito do sacrifício, na expulsão do homem do Éden, pode ser provada com a Escritura. Como a família e o estado, o sacrifício pode, sem tal constrangimento formal, ter a sanção divina e ser ordenado por Deus. Contudo, a prevalência quase universal do sacrifício, juntamente com o fato de que sua natureza, como uma oferta de sangue, parece excluir a própria invenção do homem, combina com algumas indicações da Escritura em favor do ponto de vista de que era uma determinação divina. Desde os tempos de Moisés, não pode haver dúvida quanto à sua autoridade divina.
Compare a origem da oração e da adoração, para o que não achamos nenhuma injunção formal divina no início da história. Hb. 11.4- "Pela fé, Abel ofereceu maior sacrifício do que Caim, pelo qual alcançou testemunho de que era justo, dando Deus testemunho dos seus dons" - aqui se pode argumentar que a fé de Abel não era presunção; ela deve ter tido alguma injunção e promessa de Deus em que se baseava. Gn. 4.3-5 - "Caim trouxe do fruto da terra uma oferta ao Senhor. Abel também trouxe dos primogênitos das suas ovelhas e da sua gordura; e atentou o Senhor para Abel e para a sua oferta. Mas para Caim e para a sua oferta não atentou".
Tem-se argumentado, em corroboração a este ponto de vista, que a existência do sacrifício anteriormente vem sugerida em Gn. 3.21 - "E fez o Senhor Deus a Adão e a sua mulher túnicas de peles e os vestiu". Visto que não se permitia até muito depois a matança de animais para a alimentação (Gn. 9.3 - "Tudo quanto se move, que é vivente, será para vosso mantimento"), tirou-se a inferência de que as peles com que Deus vestiu nossos primeiros pais eram de animais mortos para o sacrifício; esta vestimenta fornecia um tipo de justiça de Cristo que garante a nossa restauração ao favor de Deus, como a morte das vítimas fornecia o tipo do sofrimento de Cristo, que nos garante a remissão do castigo. Contudo, devemos considerar esta hipótese tão agradável e possivelmente correta, mais do que uma verdade demonstrada pela Escritura. Visto que os instintos não pervertidos da natureza humana são expressão da vontade de Deus, a fé que Abel possuía pode ter consistido em confiar nestes ao invés de insinuações de egoísmo e de justiça própria. O sacrifício de animais, como a morte de Cristo que o sacrifício significava, apenas acelerou o que lhes pertencia por causa da conexão com o pecado do homem. A fé reconheceu tal conexão. Westcott, Hebrews,
281 - "Não há nenhuma razão para pensar que o sacrifício foi instituído em obediência a uma revelação direta. ... No começo menciona-se na Escritura como uma coisa natural e conhecida. Era praticamente universal nos tempos pré-cristãos.... No devido tempo a prática popular do sacrifício foi regulamentada pela revelação como disciplinar e empregada como veículo do ensino

396
Augustus Hopkins Strong
típico". Preferimos dizer que o sacrifício provavelmente teve origem num instinto fundamental da humanidade e, por isso, tornou-se uma ordenança divina do mesmo modo que o casamento e o governo civil.
Sobre Gn. 4.3,4, ver C. H. M. - "A total diferença entre Caim e Abel está, não na natureza deles, mas nos seus respectivos sacrifícios. Caim trouxe a Deus o fruto manchado de pecado de uma terra amaldiçoada. Não há aqui o reconhecimento do fato de que ele era um pecador, condenado à morte. Todo o seu esforço não podia satisfazer a santidade de Deus, ou remover a sua pena. Mas Abel reconheceu o seu pecado, a condenação, a desesperança, a morte, e trouxe o sacrifício de sangue - sacrifício de um outro ser - provido pelo próprio Deus, que satisfizesse as exigências de Deus. Ele achou um substituto e apresentou-o com fé - fé que olha de si para Cristo, ou o caminho indicado por Deus para a salvação. A diferença não estava nas pessoas, mas nas ofertas. A respeito de Abel se diz que Deus 'deu testemunho dos seus dons' (Hb. 11.4). De Caim se diz: 'se fizeres bem (LXX.: òpBffiç Trpoaevéytoiç - se. ofereceres corretamente) não haverá aceitação para ti"? Mas Caim desejou afastar-se de Deus e do caminho de Deus, e perder-se no mundo. Este é o 'caminho de Caim' (Jd. 11)". Num ponto de vista contrário, ver Crawford, Atonement, 259 - "Tanto nos tempos levíticos como nos patriarcais, não temos nenhuma instituição do sacrifício, mas a sua regulamentação já existente. Porém a fé em Abel pode ter sido aceita, não como uma revelação relativa ao culto sacrificial, mas ao Redentor prometido; o seu sacrifício pode ter expressado aquela fé. Se é assim, a sua aceitação da parte de Deus deu sustentação divina aos sacrifícios futuros. Não se tratava de uma adoração voluntária porque não substituía outro culto que Deus já havia instituído. Não é preciso supor que Deus tivesse dado uma ordem expressa. Abel pode ter sido movido por algum estímulo divino interior. Assim disse Adão a Eva: 'esta agora é osso dos meus ossos....' (Gn. 2.23), antes da ordem divina para que se casassem. Não foi apresentado nenhum fruto durante a dispensação patriarcal. Os sacrifícios pagãos representam uma corrupção do sacrifício primitivo". Von Lasaulx, Die Sühnopfer der Gríechen und Rómer, und ihr Verháltniss zu dem einen auf Golgotha (O Holocausto dos Gregos e Romanos, e a sua relação com o do Gólgota), 1 - "A primeira palavra do homem original provavelmente foi uma oração e a primeira ação do homem decaído foi um sacrifício"; ver tradução em Biblia Sacra, 1.368-408. Bispo Butler: "Pela prevalência geral dos sacrifícios propiciatórios sobre o mundo pagão, em que a noção de arrependimento é suficiente para expiar a culpa parece contrariar o sentido geral da humanidade".
f) O N. T. admite e pressupõe a doutrina veterotestamentária do sacrifício. A linguagem sacrificial de que as descrições da obra de Cristo se revestem pode ser explicada como uma acomodação aos métodos judaicos de pensamento, visto que esta terminologia em grande parte estava em uso comum entre os pagãos e Paulo a usava mais do que quaisquer outros apóstolos tratando dos gentios. Negar o seu sentido veterotestamentário, quando usado pelos escritores do Novo Testamento para descrever a obra de Cristo é negar qual

Teologia Sistemática
397
quer apropriada inspiração tanto na indicação mosaica dos sacrifícios como interpretações apostólicas. Portanto, devemos sustentar, como resultado de uma simples indução dos fatos escriturísticos, que a morte de Cristo é uma ferta vicária, provida pelo amor de Deus com o propósito de satisfazer uma demanda interior da santidade divina e remover um obstáculo na mente divina rira a renovação e perdão dos pecadores.
A epístola de Tiago não faz alusão ao sacrifício. Mas ele não teria deixado de fazê-lo se tivesse sustentado o ponto de vista moral da expiação; porque, neste caso teria sido um óbvio auxílio ao seu argumento contra o ofício meramente formal. Cristo protestou contra a lavagem das mãos e a guarda dos dias de sábado. Se o sacrifício tivesse sido uma parte da formalidade humana, como, com indignação teria investido contra ele! Mas, ao invés disto, ele recebeu de João Batista, sem censura, as palavras: 'Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo' (Jo. 1.29)".
A. A. Hodge, Popular Lectures, 247 - "Os sacrifícios de touros e de bodes eram como um símbolo de dinheiro, como as nossas promissórias, aceitas no valor do seu anverso até o dia do vencimento. Mas o sacrifício de Cristo é o ouro que, de um modo absoluto cancelou toda a dívida através do seu valor intrínseco. Por isso, quando Cristo morreu, mãos sobrenaturais rasgaram de alto a baixo o véu que fazia separação entre o homem e Deus. Quando terminou a verdadeira expiação, o sistema simbólico todo que o representava tornou-se functum officio (completo pelo ofício), e foi abolido. Logo depois disto,
o templo caiu por terra e o ritual tornou-se impossível".
Sobre a negação de que a morte de Cristo deve ser interpretada pelos sacrifícios pagãos e judaicos, ver Maurice em Sac., 154 - "A significação pagã das palavras, quando aplicadas a um uso cristão, não devem simplesmente ser modificadas, mas invertidas"; Jowett, Epistles of St. Paul, 2.479 - "Os sacrifícios pagãos e judaicos, mostram mais o que não era o sacrifício de Cristo, do que o que ele era". Bushnell e Young não duvidam da natureza expiatória dos sacrifícios pagãos. Mas os principais termos que o N. T. emprega para descrever o sacrifício de Cristo são tomados de empréstimo do ritual sacrificial grego, p. ex., Sucría, 7tpoa(popá, íXaap.óç, áyiáÇco, Kaôaípco, íXácncojica- Negar que estes termos, quando aplicados a Cristo, implicam expiação e substituição, é negar a inspiração dos que os empregaram.
Com todas estas indicações da nossa discordância da moderna nega:ãc do sacrifício expiatório, julgamos de bom alvitre, em contraste, apresentar a mais clara afirmação possível do ponto de vista de que discordamos, s:: pode ser encontrado em Pfleiderer, Philos. Religion, 1.238,260,261 - ' - ~ s- tinção gradual da moral sobre a cerimonial, a repressão e final sues::. ;ã: da expiação cerimonial pela purificação moral do sentido e da , :ia e conseqüentemente a transformação da concepção mística da redenção na cc-res- pondente concepção ética da educação, pode ser designada cc~: : :e~e do princípio teológico do desenvolvimento da história da re! gíãc '.'as çara Paulo, o problema sobre em que sentido a morte da cruz pode ser o ~e o da redenção messiânica encontrou a sua resposta tão some-:e "os c-essucostos

398
Augustus Hopkins Strong
da teologia farisaica, que se apoiava no sofrimento inocente e especialmente no martírio, ou da justiça, um meio expiatório de compensar os pecados do povo todo. O que seria mais natural do que Paulo contemplar a morte na cruz do mesmo modo, como um recurso expiatório de salvação com vistas à redenção do mundo pecador?
"Somos induzidos a ver nesta teoria o pressentimento simbólico da verdade de que o novo homem sofre, como se fosse de um modo vicário, em favor do velho homem; porque ele toma sobre si as dores diárias da subjugação de si mesmo e inculpavelmente com paciência os males que o velho homem não pôde, a não ser por necessidade, atribuir a si mesmo como punição. Por isso, como Cristo é a exemplificação da idéia moral do homem, do mesmo modo a sua morte é o símbolo do processo moral da dolorida subjugação própria na obediência e paciência em que consiste a verdadeira redenção interior do homem. ... De igual modo Fichte diz que o único meio apropriado para a salvação é a morte do eu, morte com Jesus, a regeneração.
"O defeito da doutrina de Kant e Fichte sobre a redenção consiste nisto, que ela limita o processo da transformação ética para o indivíduo e se empenha em explicá-la somente a partir da sua razão e liberdade. Como pode o indivíduo libertar-se da sua falta de potencialidade e tornar-se livre? Esta pergunta não tem solução. A doutrina cristã da redenção é a de que a libertação moral do indivíduo não é o efeito do seu próprio poder natural, mas o efeito do Espírito divino, que, desde o começo da história humana exerce a sua atividade como o poder educativo para o bem, e particularmente criou para si, na comunidade cristã, um órgão permanente para a educação do povo e dos indivíduos. É o individualismo moral de Kant que o impediu de achar no espírito comum historicamente realizado do bem a verdadeira força valiosa para o indivíduo tornar-se bom".
C) Teorias sobre a Expiação.
Ia) Sociniana, ou Teoria do Exemplo.
Esta teoria sustenta que a pecaminosidade subjetiva é a única barreira entre o homem e Deus. Só o homem e não Deus necessita de reconciliar-se. O único método de reconciliação é a melhoria da condição moral do homem. Esta pode efetuar-se através da vontade do próprio homem pelo arrependimento e reforma. A morte de Cristo é apenas a morte de um mártir nobre. Ele nos redime só com o seu exemplo humano de fidelidade à verdade e o dever tem poderosa influência sobre o progresso moral. Este fato os apóstolos, consciente ou inconscientemente, revestiram da linguagem dos sacrifícios gregos e judaicos. Esta teoria foi plenamente elaborada por Lélio Socínio e Fausto Socínio da Polônia, no século XVI. Seus defensores modernos acham- se no grupo unitário.
O texto que à primeira vista parece favorecer esta opinião encontra-se em
Pe. 2.21 - "Cristo também padeceu por nós, deixando-nos o exemplo, para que sigais as suas pisadas". Mas veja letra (e) abaixo. Quando Correggio viu

Teologia Sistemática
399
o quadro de Santa Cecília de Rafael, exclamou: "Eu também sou pintor'1. Deste modo Socínio sustentava que o exemplo de Cristo despertou a nossa humanidade para a imitação. Ele considera a expiação como pagã e impossível; cada um deve receber segundo as suas obras; Deus está pronto a admitir o perdão baseado no simples arrependimento.
E. G. Robinson, Christian Theology, 277 - "Esta teoria primeiro insiste na inviolabilidade das seqüências morais na conduta de cada agente moral; a seguir insiste em que, em dada condição, o fiat onipotente pode cativar as conseqüências da transgressão. ... O unitarismo erra ao dar uma força transformadora àquele que opera a beneficência só depois de se operar a transformação". Ao atribuir à natureza humana uma força transformadora por si mesma, ignora a sua necessidade da regeneração através do Espírito Santo. Mas mesmo esta obra regeneradora do Espírito Santo pressupõe a obra expiatória de Cristo. "Necessário vos é nascer de novo" (Jo. 3.7) necessita a expressão "Importa que o Filho do Homem seja levantado" (Jo. 3.14). Só a cruz é que satisfaz o instinto de reparação do homem. Harnack, Das Wesen des Christenthums, 99 - "Aqueles que consideravam a morte de Cristo logo deixaram de trazer oferta de sangue a Deus. Isto é verdade tanto no judaísmo como no paganismo. A morte de Cristo põe um fim às ofertas de sangue na história religiosa. O impulso para o sacrifício encontrou satisfação na cruz de Cristo". Consideramos isto como prova de que a cruz é essencialmente uma satisfação à justiça divina e não um mero exemplo de fidelidade ao dever.
A teoria sociniana é a primeira das seis sobre a expiação, as quais, a grosso modo, correspondem às seis teorias do pecado tratadas anteriormente, e é a primeira que inclui a mais falsa doutrina que aparece nas mitigadas formas das que se seguem.
A esta teoria fazemos as seguintes objeções:
d) Baseia-se em falsos princípios filosóficos, como, por exemplo, de que a vontade é meramente a faculdade das volições; que o fundamento da virtude está na utilidade; que a lei é uma expressão da vontade arbitrária; que a pena é um meio de reformar o ofensor; que a retidão, quer em Deus, quer no homem, é apenas manifestação da benevolência.
Se a vontade é simplesmente a faculdade das volições, sem ser tambér- a determinação fundamental do ser para um fim último, então o homem pode por uma simples volição, efetuar a sua própria reforma e reconciliação cc~ Deus. Se o fundamento da virtude se encontra na utilidade, então nada há "o ser divino que impede o perdão, o bem da criatura, e não demanda a sar: fede de Deus e é a razão do sofrimento de Cristo. Se a lei é uma expressão 02 vontade arbitrária, ao invés de uma transcrição da natureza di\ na e~ 0-2- quer tempo pode ser dispensada, e 0 pecador pode ser perdoaoo po- simples arrependimento. Se a pena é só um meio de reforrrtar o o;enscr. então o pecado não envolve a culpa objetiva, ou a obrigação de sc;'er 5 0 pecado pode ser perdoado a qualquer momento, a todos os q^e 0 =o£"do- nam; na verdade, deve ser perdoado, visto que a punição es:2 ora de ugar

400
Augustus Hopkins Strong
quando o pecador já está reformado. Se a justiça é apenas uma forma ou manifestação de benevolência, então Deus pode mostrar a sua benevolência com tanta facilidade através do perdão como através da pena, e a morte de Cristo tão somente tem a intenção de atrair-nos para o bem pela força de um nobre exemplo.
Wendt, Teaching of Jesus, 2.218-264, é essencialmente sociniano neste ponto de vista da morte de Jesus. Contudo, ele atribui a Jesus a idéia de que o sofrimento é necessário, mesmo para alguém que está em perfeito amor e bendita comunhão com Deus, visto que a bênção terrena não é a verdadeira bem-aventurança e que uma verdadeira piedade é impossível sem a renúncia e a inclinação para servir aos outros. A vida sacrificial terrena do Messias é o seu maior ato necessário e o ponto culminante do seu ensino. O sofrimento fez dele um exemplo perfeito e, deste modo, garantiu o sucesso da sua obra. Mas, Wendt não explica por que Deus teria tornado necessário que o santíssimo sofresse. Podemos entender esta constituição das coisas só como uma revelação da santidade de Deus, e da sua relação punitiva com o pecado do homem. Simon, Reconciliation, 357, bem mostra como o exemplo poderia ter sido suficiente para uma raça que somente necessitava de liderança. Porém a raça necessitava mais é de energia, cumprimento das condições, restauração na direção de Deus em favor dos homens da parte de um dentre eles, aquele de cuja essência participavam, o quai os criou, em quem eles consistiam e cuja obra era a obra deles. Cristo aplicou a condenação divina dos pecados e impulsos que surgiram da vida subconsciente. Antes que o pecado, que no momento parecia ser dele, pudesse passar a pertencer-lhe, ele o condenou. Ele simpatizou, revelou a própria justiça e tristeza de Deus.
Hb. 2.16-18 - "na verdade, ele não tomou os anjos, mas tomou a descendência de Abraão. Pelo que convinha que em tudo fosse semelhante aos irmãos para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote naquilo que é de Deus para expiar os pecados do povo, porque, naquilo que ele mesmo, sendo tentado, padeceu, pode socorrer aos que são tentados".
É um desenvolvimento natural do ponto de vista pelagiano sobre o pecado e logicamente necessita de um corte ou renúncia de cada uma das outras doutrinas caraterísticas do cristianismo - inspiração, pecado, divindade de Cristo, justificação, regeneração e recompensa eterna.
A teoria sociniana requer uma renúncia da doutrina da inspiração; porque a idéia de sacrifício vicário e expiatório está entrelaçada no tear do Velho e do Novo Testamentos. Requer um desprezo da doutrina bíblica do pecado; porque nela toda idéia do pecado como perversão da natureza que torna o pecador incapaz de salvar-se e, como a culpa objetiva que demanda a satisfação da santidade divina, ela é negada. Requer de nós que desprezemos a divindade de Cristo; porque, se o pecado é um mal leve, e o homem pode salvar- se do seu castigo e do seu poder, então não há mais necessidade ou de um sofrimento infinito, ou de um Salvador também infinito, e o Cristo humano é tão bom como um divino. Requer que nós abandonemos a doutrina da justifi

Teologia Sistemática
401
cação como um ato de Deus declarando justo o pecador aos olhos da lei somente por causa da justiça e morte de Cristo a quem ele está unido pela fé; porque a teoria sociniana não pode permitir que homem seja beneficiado por uma outra justiça que não seja a sua própria. Ela requer uma negação da doutrina da regeneração; porque esta não é mais a obra de Deus, mas do pecador; não é mais uma mudança dos sentimentos abaixo da consciência, mas uma volição do pecador que a si mesmo se reforma. Requer uma negação da retribuição eterna; porque esta não é mais adequada à transgressão finita da lei arbitrária e do pecar superficial que não envolve a natureza.
Contradiz os ensinos da Escritura de que o pecado envolve a culpa objetiva assim como a contaminação subjetiva; que a santidade de Deus deve punir o pecado; que a expiação era um processo de punição do pecado do homem; e que este processo vicário de punição era necessário, da parte de Deus, para tornar possível a apresentação da graça para com o culpado.
As Escrituras não fazem o principal objetivo da expiação ser o aprimoramento moral subjetivo do homem. É para Deus que se oferece o sacrifício, e o seu objetivo é satisfazer a vontade divina e remover da sua mente o obstáculo da apresentação da graça ao culpado. É algo exterior ao homem e à sua felicidade ou virtude, que exige que Cristo sofra. O que Emerson disse do mártir é ainda mais verdadeiro a respeito de Cristo: "embora o amor lamente, a razão irrite, surge uma voz sem resposta: é a perdição do homem a ser salvo, quando deve morrer em favor da verdade". A verdade pela qual Cristo morreu é a que se encontra dentro da natureza de Deus; não somente exte- riorizada e publicada entre os homens. O que a verdade de Deus requeria e que Cristo executou - a plena satisfação de uma justiça violada. "Jesus pagou-a toda e nenhuma obediência ou justiça da nossa parte pode acrescentar-se à sua obra como base da nossa salvação.
E. G. Robínson, Christian Theology, 276 - "Esta teoria deixa de apresentar o dever do reconhecimento profundo, senso universal e inato de merecer o mal, que em todos os tempos e lugares tem ajudado os homens a buscar a expiação da sua culpa. A teoria da influência moral não faz provisão adequada deste senso de culpa e seus requisitos, quer em Cristo, quer naqueles que Cristo salva. Supondo que a obra redentora de Cristo consiste simplesmente em ganhar os homens para a prática da justiça, ela não leva em conta a pena. quer como sanção da lei, quer como reação da santidade divina conira o pecado, ou como reprimenda da consciência individual. ... A teoria soc ' =
releva o fato de que deve haver alguma manifestação objetiva da :ra de Ge-s e o desprazer contra o pecado".
Não fornece nenhuma explicação adequada sobre os sofriinen:: í er.::- te de Cristo. A angústia daquele que não se assemelha ao mártir nãc p.: 2e :e: valor e o desprezo da parte do Pai não pode ser justificado, com bise r.i hipótese de que Cristo morreu como simples testemunha da verdade. Se os sofri-

402
Augustus Hopkins Strong
mentos de Cristo não fossem propiciatórios, não nos forneceriam um exemplo perfeito, nem se constituiriam uma manifestação do amor de Deus.
Compare o sentimento de Jesus, no ponto de vista da morte, com o de Paulo: "tendo o desejo de partir" (Fp. 1.23). Jesus, cheio de angústia: "Agora a minha alma está perturbada: e que direi eu? Pai, salva-me desta hora" (Jo. 12.27). Se Cristo é somente um mártir, então não é um exemplo perfeito; porque muitos mártires têm sentido maior coragem na aproximação da morte e na agonia final têm sido capazes de dizer que o fogo que os consumia era "um leito de rosas". O Getsêmani, com a sua angústia mental, parece ter sido registrado para indicar que os sofrimentos de Cristo na cruz não eram principalmente físicos. A Igreja Católica Romana indevidamente dá ênfase ao lado físico da paixão do nosso Senhor, mas perde de vista o elemento espiritual.
O Cristo de Roma, na verdade, ou é um bebê ou é um morto e o crucifixo apresenta-nos não um Redentor ressurrecto e vivo, mas um corpo dilacerado e inerte.
Stroud, em sua Physical Cause of our Lord's Death, considera provável que Cristo tenha morrido por seu coração partido e que só isto explica Jo. 19.34 - "um dos soldados lhe furou o lado com um lança e logo saiu sangue e água" - /'.e., o coração já estava danificado pela angústia. Esta se devia ao abandono do Pai (Mt. 27.46 - "Meu Deus, meu Deus, porque me desamparaste"?), e o resultado da morte mostra que esse abandono não foi imaginário. Será que Deus fez o mais santo de todos os homens tornar-se o maior sofredor de todos os tempos? Esse coração danificado pelo abandono do Pai significa mais que martírio. Se a morte de Cristo não é propiciatória, ela me enche de terror e desespero; porque ela não só me apresenta um exemplo imperfeito em Cristo, mas uma prova de justiça imensurável da parte de Deus. Lc. 23.28 - "não choreis por mim; chorai, antes, por vós e por vossos filhos" = Jesus rejeita toda a compaixão que esquece o seu sofrimento pelos outros.
Quanto ao ponto de vista de Stroud, Westcott objeta que o sangue não fluiu prontamente de um cadáver comum. A separação dos corpúsculos sangüíneos vermelhos da linfa, ou água, seria o começo da decomposição, inconsistente com a afirmação em At. 2.31 - "nem a sua carne viu a corrupção". Porém o Dr. W. W. Keen, de Filadélfia, em seu artigo sobre O Sangüíneo Doce do nosso Senhor (Biblia Sacra, jul., 1897. 469-484) endossa o ponto de vista de Stroud quanto à causa física da morte do nosso Senhor. O fato de Cristo ser abandonado pelo Pai foi apenas o ápice do afastamento relativo que constituiu a fonte da solidão de Cristo através da vida. Através dela ele foi o servo do Espírito. Na cruz o Espírito o deixou por conta da fraqueza da natureza humana sem assistência, destituída dos recursos da consciência divina. Compare o curioso texto de Hb. 2.9 - "para que ele, separado de Deus (xcopi QeoD) provasse a morte por todos".
Se Cristo simplesmente supusesse ser desamparado por Deus, não só se tornaria um homem errado e, como o predicado da divindade se aplica a ele, um Deus errado; mas se ele se agradava da falta de confiança da parte de Deus, como é possível ainda sustentar que a sua vontade estava em

Teologia Sistemática
permanente e perfeito acordo e identidade com a vontade de Deus"? Charles C. Everett, Evangelho de Paulo, diz que Jesus não foi crucificado porque ele foi amaldiçoado, mas foi amaldiçoado porque foi crucificado, de modo que, numa destrutiva vingança contra ele, ab-rogou-se a si mesma. Esta interpretação, porém contradiz 2 Co. 5.21 - "Àquele que não conheceu pecado o fez pecado por nós" - onde a identificação divina de Cristo com a raça dos pecadores antedata e explica os seus sofrimentos. Jo. 1.29 - "o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo" - não se refere a Jesus como um cordeiro por causa da sua bondade, mas como um sacrifício. Maclaren: "como a morte de Cristo prova o amor de Deus? Só com base numa suposição, a saber, que Cristo é o Filho encarnado de Deus, enviado pelo amor e imagem expressa do Pai"; e, podemos acrescentar, sofrendo de modo vicário por nós e removendo o obstáculo na mente de Deus para o nosso perdão.
A Escritura não declara a influência do exemplo de Cristo, nem a experiência cristã a endossa como o principal resultado garantido pela morte. O mero exemplo é apenas uma nova pregação da lei, que repele e condena. A cruz tem força para levar o homem à santidade só quando ela, a princípio, mostra uma satisfação que aponta para os seus pecados. Concordemente a maioria das passagens que representam Cristo como um exemplo também contém referências à sua obra propiciatória.
Não há virtude alguma em simplesmente estabelecer o exemplo. Cristo nada fez simplesmente por causa do exemplo. Até mesmo o seu batismo foi o símbolo da sua morte propiciatória; ver pp. 761,762. A exortação do apóstolo não é "abstende-vos de toda a aparência do mal" (1 Ts. 5.22), mas abstende- vos de toda a forma de mal". A morte de Cristo é o pagamento de uma dívida real para com Deus; e o convicto pecador primeiro necessita de ver a dívida que ele tem para com a justiça divina paga por Cristo, antes que ele pense na esperança de reformar a sua vida. Os hinos da igreja "Em Cristo deponho os meus pecados", e "Nem todo o sangue dos animais", representam o ponto de vista dos sofrimentos de Cristo que os cristão derivaram das Escrituras. Quando o pecador vê que a hipoteca está cancelada, que alguém carregou sobre si a pena, pode dedicar-se livremente ao serviço do seu Redentor. Ap. 12.11 - "Eles o venceram (venceram Satanás) pelo sangue do Cordeiro" = como Cristo venceu Satanás pelo seu sacrifício propiciatório, do mesmo modo nós vencemos através da apropriação da expiação de Cristo e do seu Espírito; cf. 1 Jo. 5.4 - "Esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé". O próprio texto no qual os socinianos se apóiam, quando tomado em conexão com o contexto, prova que esta teoria é uma falsa interpretação da Escritura. 1 Pe. 2.21 - "Cristo também padeceu por vós, deixando-vos o exemplo, para que sigais as suas pisadas" - é seguido pelo verso 24 - "levando ele mesmo em seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro, para que, mortos para os pecados, pudéssemos viver para a justiça; e pelas sua feridas fomos sarados" - estas últimas palavras representam uma citação da descrição de Isaías sobre os sofrimentos substitutivos do Messias (Is. 53.5).

404
Augustus Hopkins Strong
Quando disseram ao pecador convicto que Deus pode limpar o coração e renová-lo, ele respondeu com justa impaciência: "Não é isto que eu quero; primeiro preciso pagar a minha dívida"! A. J. Gordon, Ministry of Spirít, 28,89
"Em lugar nenhum no tabernáculo ou no templo encontraremos um lavatório assentado diante do altar. O altar é o Calvário e o lavatório é o Pentecos- tes; um representa o sangue sacrificial e o outro o Espírito santificador. ... O óleo que simboliza o Espírito santificador sempre foi posto 'o sangue da oferta pela expiação da culpa' (Lv. 14.17)". A extremidade do sacrifício de Cristo na cruz coincidiu com a extrema manifestação da culpa da raça. A grandeza disto ele conhecia teoricamente desde o começo do seu ministério. O seu batismo não pretendia simplesmente estabelecer um exemplo. Foi um reconhecimento de que o pecado merece a morte; de que ele foi contado com os transgressores; de que ele foi enviado para morrer pelo pecado do mundo. Ele não foi tanto um mestre como o sujeito de todo o ensino. Nele o grande sofrimento do santo Deus por causa do pecado apresenta-se ao universo. A dor de umas poucas breves horas salva o mundo, só porque ele estabelece um fato eterno no ser divino e abre-nos o seu próprio coração.
Shakespeare, Henrique V, 4.1 "Há uma alma da bondade nas coisas más e os homens que as observam destilam-na". É bom pregar Cristo como exemplo. Lyman Abbott diz que o sangue de Jesus compra o nosso perdão e nos redime para Deus, do mesmo modo em que o patriota redime o seu país da servidão e adquire a sua liberdade. Mas até mesmo Ritschl, Justice and Reconciliation, 2, vai além, quando diz: "Os que defendem a teoria do exemplo devem lembrar que Jesus se afastou da imitação quando se pôs bem além dos seus discípulos como autor do perdão. E eles perceberam que em primeiro lugar se deve apropriar desse perdão antes que lhe seja possível imitar a sua piedade e a realização moral". Este é um reconhecimento parcial da verdade de que a remoção da culpa objetiva pela expiação de Cristo deve preceder a remoção da contaminação subjetiva pela regeneração da parte de Cristo e pelo Espírito santificador. Lidgett, Spir. Princ. ofAtonement, 265-280, mostra que há uma demanda paterna da satisfação que se deve buscar através da resposta filial. Thomas Chalmers, no começo do ministério estimulava o seu povo para reformar a sua vida. Porém ele confessa: "Nunca ouvi dizer que houvesse tal reforma entre eles". Só quando pregou a separação do homem com relação a Deus e o perdão através do sangue de Jesus Cristo é que ele ouviu falar dessa melhora.
Gordon, Chríst of Today, 129 - "A consciência do pecado é em grande parte a criação de Cristo". Homens como Paulo, Lutero, Edwaros mostram isto de uma forma impressionante. Foster, Christian Life and Theology, 198- 201 - "Naturalmente há um sentido em que o cristão deve imitar a morte de Cristo, porque deve 'tomar a cada dia a sua cruz' (Lc. 9.23) e seguir o seu Mestre; porém neste mais elevado sentido e mais completo escopo da sua morte não se trata mais de um objeto estabelecido para nossa imitação do que é a criação do mundo. No seu sacrifício, Cristo faz pelo homem o que o homem não poderia fazer por si mesmo. Vemos na cruz: 1. a magnitude da culpa do pecado; 2. a nossa própria condenação; 3. o remédio adequado; porque o objeto da lei se obtém na execução da justiça; 4. a base objetiva do

Teologia Sistemática
perdão". Maclaren: "O cristianismo sem um Cristo morto é um cristianismo moribundo".
Esta teoria contradiz todo o teor do N. T., fazendo a vida de Cristo, e não a sua morte, a caraterística mais significativa e importante da sua obra. As constantes alusões à morte de Cristo como fonte da nossa salvação bem como o simbolismo das ordenanças não podem ser explicados com base em uma teoria que considera Cristo como mero exemplo e trata os seus sofrimentos como incidentes, ao invés de essência da sua obra.
O Dr. H. B. Hackett freqüentemente chama a atenção para o fato de que o registro nos evangelhos de só três anos de vida de Jesus e a proeminência dada ao registro das cenas finais dessa vida, não são evidência dela, mas de que a sua morte foi a grande obra do Senhor. A verdade central do cristianismo não é a vida de Cristo, mas a sua morte. A cruz é o símbolo cristão por excelência. Em ambas ordenanças - batismo e ceia - é realçada a morte de Cristo. Nem o exemplo de Cristo, nem o seu ensino revelam Deus como a sua morte. É a morte de Cristo que estabelece um elo entre todas doutrinas cristãs. O marco do sangue de Cristo encontra-se sobre todos eles do mesmo modo que o fio de escarlata que percorre todo o cordão e corda da marinha britânica é um sinal de que ela é propriedade da coroa.
Será que a morte de Jesus não teve outra relação com a nossa morte além da que teve a morte de Paulo? Paulo foi um mártir, mas não se registrou a sua morte. Gould, Bib. Theol. N.T., 92 - "De modo nenhum Paulo reside na vida e obra do nosso Senhor a não ser quando elas se envolvem na morte e ressurreição deste". O que significam as palavras de Jesus: "Está consumado" (Jo. 19.30)? Na teoria sociniana o que se consumou? A salvação socinia- na ainda não tinha começado. Por que Jesus não fez o batismo e a ceia serem memoriais do seu nascimento, em vez de o serem da sua morte? Por que o véu do templo não se rasgou no batismo, ou no Sermão do Monte? Tão somente porque a sua morte abriu caminho para Deus. Na conversa com Nicodemos, Jesus desprezou as formalidades: "sabemos que és mestre vindo da parte de Deus" (Jo. 3.2). Não basta reconhecer Jesus como mestre.
É preciso haver renovação através do Espírito de Deus de modo que se reconheça também a elevação do Filho do homem como o Salvador que realiza a expiação (Jo. 3.14,15). E a Pedro Jesus diz: "Se eu não te lavar os pés, não tens parte comigo" (Jo. 13.8). Não se pode ter parte com Cristo como Mestre enquanto não ele é rejeitado como Redentor do pecado.
2a) Teoria Bushneliana, ou Teoria da Expiação de Influência Moral. Sustenta como a Sociniana que não há nenhum princípio da natureza divina que seja propiciado pela morte de Cristo; mas que tal morte é manifestação do amor de Deus sofrendo com o pecado da criatura. A expiação de Cristo, portanto, é a mera conseqüência do fato de tomar sobre si a natureza humana; e é um sofrimento, não da pena em lugar do homem, mas dos ais e pesares que

406
Augustus Hopkins Strong
o viver de um ser humano envolve. Esta expiação tem o efeito, não de satisfazer a justiça divina, mas de revelar o amor divino a fim de abrandar o coração para o arrependimento; em outras palavras, os sofrimentos de Cristo foram necessários, não para remover um obstáculo que existe na mente de Deus para o perdão do pecador, mas para convencer o pecador de que de modo algum existe tal obstáculo. Esta teoria, na substância, tem sido defendida por Bushnell, na América; por Robertson, Maurice, Campbell e Young na Grã-Bretanha; por Schleiermacher e Ritschl, na Alemanha.
Orígenes e Abelardo são os antigos representantes deste ponto de vista.
Ela pode ser encontrada no Sacrifício Vicário de Bushnell. Mais tarde a obra de Bushnell, chamada Perdão e Lei, contém uma modificação da sua mais antiga doutrina a que ele foi levado pelas críticas ao seu Sacrifício Vicário.
Na obra mais tardia ele reconhece o que antes negava tão firmemente, a saber, que a morte de Cristo tem efeito sobre Deus do mesmo modo que sobre o homem e que Deus não pode perdoar sem "custo para si mesmo". Ele confessa abertamente a fraqueza do seu ensino anterior para com os pecadores convertidos e, como a única homilética eficaz ele recomenda a pregação da própria doutrina do sacrifício propiciatório que substituía o livro que ele tinha escrito. Contudo, mesmo em Perdão e Lei não há nenhum reconhecimento do verdadeiro princípio e base da expiação na santidade punitiva de Deus. Visto que a forma da doutrina original de Bushnell é a única que atende à mais ampla aceitação, é principalmente a esta que dirigimos as nossas objeções.
W. Robertson, Sermons, 1.163-178, sustenta que os sacrifícios de Cristo são o resultado necessário da posição de conflito em que ele se colocou ou colisão com o mal que está no mundo. Ele entrou em contato com a roda viva e foi por eia esmagado; bateu o seu tacão sobre o covil da serpente e foi ferido por suas presas. Maurice, on Sacrífice, 209, e Essays of Theology, 141,228, considera os sofrimentos de Cristo como uma ilustração, dada por um homem ideal, do sacrifício de si mesmo devido a Deus a partir da humanidade de que ele é a raiz e a cabeça e todos os homens são redimidos nele, independentemente da sua fé e só precisam que se tragam a ele as novas da sua redenção. Young, Life and Light ofMen, sustenta um ponto de vista semelhante ao de Robertson. A morte de Cristo é o resultado necessário da sua colisão com o mal e os sofrimentos extirpam o pecado somente através da manifestação do amor auto-sacrificial de Deus.
Campbell, Atonement, 129-191, cita Edwards para mostrar que se pode satisfazer a justiça infinita em qualquer uma das duas formas: 1) por uma punição infinita; 2) por um adequado arrependimento. Esta última, que Edwards despreza como impraticável, Campbell declara ter sido a verdadeira expiação oferecida por Cristo, que se apresenta como o grande penitente, confessando o pecado do mundo. Mason, Faith of Gospel, 160-210, toma substancialmente o ponto de vista de Campbell, negando a substituição e dando ênfase à unidade de Cristo com a raça e a sua confissão do pecado humano. Na ver

Teologia Sistemática
407
dade ele admite que o nosso Senhor assumiu a pena, mas só no sentido de que ele entendeu quão grande é a condenação e a pena da raça.
Schleiermacher nega que haja satisfação a Deus através da substituição.
Ele a substitui pela influência da personalidade de Cristo sobre os homens de modo que eles se sentem reconciliados e redimidos. A expiação é somente subjetiva. Contudo é a obra de Cristo na qual só a unidade do mesmo Cristo com Deus ensina aos homens que eles podem ser um com Deus. A consciência de Cristo de estar em Deus e conhecê-lo e o seu poder de transmitir esta consciência aos outros fazem dele o Mediador e Salvador. A idéia da reparação, da compensação, da satisfação, da substituição é inteiramente judaica.
Ele a considera possível só nas pessoas de mente estreita. Ele diz que detesta esse tipo de relação histórica. Ele não tem este sentido da santidade de Deus, ou da culpa do homem, que tomaria necessário qualquer sofrimento de punição ou oferta a Deus pelo pecado humano. Deseja substituir o cristianismo exterior e histórico pelo interior e subjetivo.
Contudo, Ritschl é o mais recente e influente representante da teoria da Influência Moral na Alemanha. Encontra-se o seu ponto de vista em seu Rechtfertigung und Versõhnung, ou na versão inglesa, Justificação e Reconciliação. Ritschl é o mais anti-hegeliano e libertário, mas, como Schleiermacher, ele não trata o pecado com seriedade; considera o sentimento de culpa como uma ilusão que é a parte de Cristo que deve ser descartada; há um conceito inadequado da pessoa de Cristo, uma negação prática da sua preexistência e da obra da expiação objetiva; na verdade, a obra de Cristo dificilmente é posta em qualquer relação precisa com o pecado. E. H. Johnson: Muitos ritschilianos negam tanto a concepção miraculosa como a ressurreição física de Jesus. O pecado não preocupa particularmente a Deus; Cristo é o Salvador só no mesmo sentido que Buda, exercendo o senhorio sobre o mundo indiferente a ele; ele é o Verbo de Deus apenas no sentido de que ele revela esta indiferença divina às coisas. Tudo isto não concorda com o ensino do N. T. de que Cristo é o unigênito de Deus, que estava com o Pai antes que o mundo existisse, que ele fez para Deus a expiação dos pecados e que o pecado é essa coisa abominável que Deus detesta".
A esta teoria objetamos da seguinte forma:
Conquanto ela abranja um valioso elemento de verdade, a saber, a influência moral dos sofrimentos do Deus-homem sobre o homem, ela falha ao substituir um efeito subordinado da expiação sobre o seu principal alvo e ainda se apropria injustamente do nome 'vicário', que só se aplica ao referido alvo. Sofrer com o pecador de modo algum é sofrer em seu lugar.
Dale, Atonement, 137, ilustra o ponto de vista de Bushnell através da esposa leal, que sofre o exílio ou o aprisionamento do marido; através do filantropo, que sofre as privações e durezas de um povo selvagem, que ele civiliza só suportando as misérias das quais ele deveria livrá-los; através do missionário morávio que entra na vida da cela do leproso para converter os seus internos. Também Potwin diz que o sofrimento e a morte são o preço da expiação, não a expiação em si mesma.

408
Augustus Hopkins Strong
Respondemos que sofrimentos tais como estes não tornam vicário o sacrifício de Cristo. A palavra 'vicário' (de vicis) implica substituição, que esta teoria nega. O vigário de uma paróquia não é necessariamente alguém que realiza o ofício com o reitor, ou na simpatia com ele; é alguém que fica no lugar o reitor. O vice-presidente é alguém que atua em lugar do presidente;
'A. B. nomeado cônsul, vice C. D., demitido', implica que A. B, agora deve servir em lugar de C. D. Se Cristo é um 'sacrifício vicário', então ele faz a expiação para Deus em lugar de e em favor dos pecadores. O sofrimento de Cristo nos pecadores e com eles, embora seja o mais importante e influente fato, não é o sofrimento em lugar daqueles em quem consiste a expiação. Apesar de que sofrimento nos pecadores e com eles pode ser em parte o meio através do qual Cristo foi capaz de suportar a ira de Deus contra o pecado, não deve ser confundido com a razão pela qual Deus põe o seu sofrimento sobre ele; nem deve cegar-nos quanto ao fato de que esta razão é a sua posição no lugar do pecador a fim de responder pelo pecado à santidade retributiva de Deus.
Apóia-se em falsos princípios filosóficos, tais como, que a justiça é idêntica à benevolência, ao invés de condicioná-la; que Deus está sujeito a uma eterna lei do amor, em vez de ser ele mesmo a fonte de toda a lei; que o fim da pena é a reforma do ofensor.
Hovey, Godwith Js, 181-281, dá uma das melhores respostas a Bushnell.
Ele mostra que, se Deus está sujeito à lei eterna do amor, então, necessariamente ele é o Salvador; ele deve ter criado o homem logo que ele pôde; ele torna os homens santos logo que possível; ele faz todo o bem que pode; ele não é melhor do que seria. Mas isto implica em negar a transcendência de Deus e reduzir a onipotência a uma simples força natural. A concepção de Deus como sujeito à lei põe em risco a auto-suficiência e liberdade de Deus.
Watts, New Apologetic, 277-280, assinala que, sobre os princípios de Bushnell, deve haver uma expiação destinada aos anjos decaídos. Deus se compromete a assumir a natureza angélica e fazer pelos anjos tudo o que ele faz por nós. Também não há nenhuma razão para restringir a expiação ou oferecer a salvação à vida presente. B. B. Warfield, na Princeton Review, 1903.81-92, bem mostra que todas as formas da teoria da Influência Moral apóiam-se na suposição de que Deus é apenas amor e que tudo quanto se requer baseado no perdão ao pecador é a penitência, ou de Cristo ou dele mesmo, ou dos dois.
Ignorando a santidade divina e minimizando a culpa do pecado, muitos escritores modernos fazem da expiação um mero incidente da encarnação de Cristo. Phillips Brooks, Life, 2.350,351 - "A expiação pelo sofrimento é o resultado da encarnação; aquela é necessária e este é o elemento essencial desse resultado. Porém o sacrifício é um elemento essencial porque, na verdade, ele significa aqui a consagração da natureza humana ao seu emprego e pronunciamento mais elevados e não exige necessariamente que se pense

Teologia Sistemática
na dor. Não é a destruição, mas o cumprimento da vida humana. Na medida em que a vida humana assim consagrada e completa é em nós a mesma que é em Jesus e na medida em que a sua consagração e cumprimento se nos tornam moralmente possíveis, a mesma consagração e cumprimento que ele realiza por sua expiação e sacrifício e, incidentemente, seu sacrifício tornam- se vicários. Não que eles sejam desnecessários, mas que eles possibilitam e se fazem bem sucedidos em nós os mesmos processos que eram perfeitos nele".
A teoria não fornece nenhuma razão apropriada para o sofrimento de Cristo. Enquanto mostra que o Salvador necessariamente sofre por seu contato com o pecado humano e a com tristeza, não dá nenhuma explicação de tal constituição do universo que torna o sofrimento uma conseqüência do pecado, não só para o pecador, mas também para o ser inocente que entra em conexão com o pecado. Ignora a santidade de Deus, que se manifesta na constituição das coisas e que requer a expiação.
B. W. Lockhart, em recente afirmação da doutrina da expiação, mostra este defeito de apreensão: "Deus, em Cristo, reconciliou o mundo consigo mesmo; Cristo não reconcilia Deus com o homem, mas o homem com Deus. Cristo não capacita Deus a salvar os homens; Deus capacita Cristo a salvá- los. Os sofrimentos de Cristo são vicários como a mais alta ilustração da lei espiritual através da qual a boa alma é impelida a sofrer para que os outros não sofram, a morrer para que os outros não morram. Os sofrimentos vicários de Jesus são também a grande revelação da natureza vicária de Deus ao homem; a revelação da cruz eterna na sua natureza; está no coração de Deus suportar o pecado e a tristeza das criaturas no seu eterno amor e compaixão; contudo, uma revelação de que a lei que salva o perdido através do trabalho vicário das almas divinizadas sempre que o divinizado e o perdido possam influir um no outro".
Conquanto haja muito na afirmação acima com o que nós concordamos, nós lhe atribuímos falsa apreensão da razão do sofrimento de Cristo. Tal razão só deve ser encontrada na santidade de Deus que se expressa na própria constituição do universo. Não foi o amor, mas foi a santidade que fez invariavelmente o sofrimento se seguir ao pecado de sorte que a pena recai não só sobre o transgressor mas sobre aquele que é a vida e o fiador do transgressor. A santidade de Deus causa sofrimento não só para Deus, mas para Cristo que é a manifestação de Deus. O amor suporta o sofrimento, mas é a santidade que o necessita. A afirmação de Lockhart acima mostra o efeito, que é a reconciliação; mas deixa de reconhecer a causa, que é a propiciação.
As palavras de E. G. Robinson fornecem o complemento necessário: "A obra de Cristo tem dois lados: propiciatório e reconciliador. Cristo sentiu a dor de associar-se à culpa da raça. O desagrado divino caiu sobre ele como possuindo a natureza culposa. Na sua própria pessoa ele redime esta natureza suportando a sua pena. A propiciação deve preceder a reconciliação. A teoria da Influência Moral reconhece a necessidade de uma mudança subjetiva no

410
Augustus Hopkins Strong
homem, mas não faz nenhuma provisão de uma atuação objetiva para assegurá-la".
Contradiz os claros ensinos da Escritura, que necessita a expiação, não simplesmente para revelar o amor de Deus, mas para satisfazer a sua justiça; que os sofrimentos de Cristo são propiciatórios e penais; e que a consciência humana necessita de ser propiciada pelo sacrifício de Cristo, antes que possa sentir a influência moral de seus sofrimentos.
Em Ef. 5.2 fica evidente que a expiação não é principalmente uma oferta ao homem, mas a Deus - "e se entregou a si mesmo por nós em oferta e sacrifício a Deus"; Hb. 9.14 - "ofereceu-se a si mesmo imaculado a Deus".
A consciência, reflexo da santidade de Deus, só pode ser propiciada quando se propicia a própria santidade. O simples amor e simpatia são sentimentalis- mos, e incapazes de se mover, a não ser que haja um cenário para a justiça. Spear: "O apelo para o homem sem uma retaguarda para dar ênfase e força ao apelo, nunca tocará o coração. A simples aparência de expiação não tem influência moral". Crawford, Atonement, 358-367 - "Ao invés de livrar-nos da pena, a fim de livrar-nos do pecado, esta teoria faz Cristo livrar-nos do pecado para que ele nos livre da pena. Mas isto reverte a ordem da Escritura. E o Dr. Bushnell admite, no fim, que o ponto de vista moral da expiação é moralmente fraco; e que o ponto de vista objetivo que ele condena é, além do mais, indispensável para a salvação dos pecadores".
Alguns homens estão bem prontos a perdoar aqueles que lhes ofenderam. A escola ritschliana não vê culpa a ser expiada e nem a necessidade de propiciação. Só o homem precisa ser reconciliado. Os ritschlianos estão prontos para perdoar Deus. A única expiação, feita através do arrependimento, dirige- se à consciência humana. Shedd diz com propriedade: "Tudo que se requer para a satisfação e paz na consciência da alma pecadora também se requer para a satisfação do próprio Deus". Walter Besan: "Não basta ser perdoado; é necessário perdoar-se a si mesmo". As proposições inversas são ainda mais verdadeiras: Não basta perdoar-se a si mesmo; é necessário também ser perdoado; na verdade, não se pode com justiça perdoar-se a si mesmo se não se for primeiro perdoado; 1 Jo. 3.20 - "se o nosso coração nos condena, maior é Deus do que o nosso coração e conhece todas as coisas". A. J. Gordon, Ministry ofSpirit, 201 - "Como o sumo sacerdote levava o sangue ao santo dos santos na velha dispensação, assim o Espírito leva o sangue de Cristo ao mais íntimo santuário do nosso espírito na nova dispensação para que ele purifique "a vossa consciência das obras mortas, para servirdes ao Deus vivo" (Hb. 9.14).
Contradiz os claros ensinos da Escritura, que necessita a expiação, não simplesmente para revelar o amor de Deus, mas para satisfazer a sua justiça; que os sofrimentos de Cristo são propiciatórios e penais; e que a consciência humana necessita de ser propiciada pelo sacrifício de Cristo, antes que possa sentir a influência moral de seus sofrimentos.

Teologia Sistemática
Já vimos que as formas em que as Escrituras descrevem a morte de Cristo são principalmente tiradas do sacrifício. Note o reconhecimento de Bushnell de que estas "formas de altar" são os métodos mais vividos e eficientes de apresentar a obra de Cristo e que o pregador não pode dispensá-las. Não está clara a razão por que não as dispensaria se o sentido proveio delas.
Em sua obra mais tardia, intitulada Perdão e Lei, Bushnell parece reconhecer esta inconsistência e representa Deus afetado pela expiação; em outras palavras, a expiação tem uma influência tanto objetiva como subjetiva. Deus pode perdoar apenas "a custo de si mesmo". Ele "mostra o seu ressentimento através do sofrimento por nós". Isto norteia o verdadeiro ponto de vista, mas não reconhece a demanda da santidade divina pela santificação; e atribui paixão, fraqueza e imperfeição a Deus. Dorner, Glaubenslehre, 2.591 (Doutrina Sistemática, 4.59,69), objeta a esta teoria da Influência Moral modificada, que o amor que faz o bem a um inimigo já é um amor que perdoa; de sorte que o benefício a um inimigo não pode ser, como supõe Bushnell, uma condição para o perdão.
Para o ponto de vista de Campbell, de que Cristo é o grande Penitente, e de que a sua expiação consiste essencialmente na sua confissão dos pecados do mundo, respondemos que não é possível nenhuma confissão ou penitência sem responsabilidade. Se Cristo não exerceu o ofício substitutivo, a ordem dos seus sofrimentos dada por Deus foi uma manifesta injustiça. Tais sofrimentos, contudo, são impossíveis com base na mera simpatia. A Escritura os explica declarando que ele suportou a nossa maldição e tornou-se resgate em nosso lugar. Por isso há mais nos sofrimentos de Cristo do que "um perfeito Amém na humanidade quanto ao juízo de Deus sobre o pecado do homem". Não foi o zelo de Finéias para com Deus que fez uma expiação, mas a sua execução do juízo (SI. 106.30 - "executou o juízo" - LXX: èÇiXáaaxo, "fez propiciação") e desviou a ira de Deus. Observe aqui o contraste entre a expiação sacerdotal de Arão, que ficava entre os vivos e os mortos e a judicial de Finéias, que executou o justo juízo e, deste modo, desviou a ira de Deus. Em nenhum dos dois casos a mera confissão foi suficiente para tirar o pecado. Sobre o ponto de vista de Campbell ver adiante, p. 760.
Moberly, Atonement and Personality, 98, tem o grande mérito de assinalar que Cristo compartilha os nossos sofrimentos em virtude do fato de que a nossa personalidade tem sua base nele; mas ele deixa de indicar que esta participação na nossa pena tornou-se necessária através da justiça de Deus. Ele nos diz que Cristo santificou o presente e cancela o passado. Oferece a Deus uma santidade viva nas condições e caráter humanos; torna o terrível sacrifício em humanidade de perfeita contrição. Por um lado é uma oferta de obediência, por outro, de expiação; por um lado, oferta de vida, por outro, oferta de morte". Esta modificação do ponto de vista de Campbell pode ser racionalmente sustentado só através da conexão com uma declaração anterior de que o atributo fundamental de Deus é a santidade; que a santidade é a justiça de si mesma afirmante; que esta justiça necessariamente se expressa na punição do pecado; que a relação de Cristo com a raça, na qualidade de seu sustentador e a sua vida o fez aquele que suporta a sua culpa e com justiça é responsável pelo pecado da referida raça. A Escritura declara que o alvo último da expiação é que Deus "seja justo" (Rm. 3.26), e nenhuma teoria

412
Augustus Hopkins Strong
da expiação vai ao encontro das demandas quer da razão quer da consciência que não baseia a sua necessidade na justiça de Deus, ao invés de basear- se no seu amor.
E. Y. Mullins: "Se a união de Cristo com a humanidade possibilitou-o de ser 'o representante Penitente', e o Amém da humanidade para que Deus executasse ajusta condenação do pecado, sua união com Deus possibilitou- o a ser o representante do Juiz, e o Amém da natureza divina para sofrer, como expressão da condenação". Denney, Studies in Theology, 102,103 - "O sério elemento no pecado não é o desgosto do homem, a suspeita, a alienação de Deus, nem a debilitação, os efeitos corrosivos do vício na natureza humana, mas, ao invés disso, a condenação de Deus relativa ao homem. Este Cristo sofreu e morreu para remover a condenação. 'Suportando a vergonha e a cruel zombaria, Ei-lo condenado em meu lugar; Selou o meu perdão com o seu sangue; Aleluia!'
Bushnell considera Mt. 8.17 - "Ele tomou sobre si as nossas enfermidades e levou sobre si as nossas doenças" - como indicador da natureza da obra expiatória de Cristo. O sentido então deveria ser que ele simpatizou tão plenamente com todos os males humanos que os tornou seus próprios. Contudo, Hovey deu uma explicação mais completa e correta. As palavras significam: "Sua profunda simpatia com estes efeitos do pecado moveram-no de tal maneira que tipificou o seu sofrimento final dos próprios pecados, ou agüentou o sofrimento preliminar e parcial do sofrimento que devia expiar os pecados dos homens". O seu suspiro final quando ele curou o surdo (Mc. 7.34) e o seu choro junto à sepultura de Lázaro (Jo. 11.351) foram causados pe\a compreensão antecipada de que ele era um com a humanidade que estava sob a maldição e que ele também se "tornou maldição por nós" (Gl. 3.13). O grande erro de Bushnell é a negação da necessidade objetiva e efeito da morte de Jesus e toda a Escritura que aponta para uma influência da expiação fora de nós como uma refutação da sua teoria.
Esta teoria confunde o método de Deus salvar o homem com a experiência de salvação sentida pelo homem. Faz a própria expiação consistir em efeitos na união do crente com Cristo e a influência purificadora desta união sobre o caráter e a vida.
Stevens, em sua Doctrine of Salvation comete este equívoco. Diz ele:
"As velhas formas da doutrina da expiação - de que o sofrimento de Cristo é necessário para aplacar a ira de Deus e induzi-lo a perdoar; ou a satisfazer à lei de Deus e capacitá-lo a perdoar; ou dirigir-se ao coração do homem para induzi-lo a aceitar o perdão; tudo isto se tem provado inadequado. Ainda rejeitar a paixão de Cristo é rejeitar o principal elemento de poder do cristianismo.
... Para mim, as palavras 'expiação eterna' denotam paixão sem data da parte de Deus por causa do pecado; significam que Deus é, por sua própria natureza, alguém que suporta o pecado - que o pecado magoa e fere o seu coração e que ele se entristece e sofre em conseqüência disso. Resulta do amor divino - como da sua santidade e da sua simpatia - que na nossa aflição ele se

Teologia Sistemática
aflige'. Expiação da 'parte de Deus' é o nome da mágoa e da dor imposta pelo pecado sobre o coração paterno de Deus. As aflições de Cristo revelam esta tristeza divina pelo pecado. Na amarga mágoa e na angústia que ele experimentou por causa do pecado vemos refletida a dor e a tristeza que o pecado traz ao amor divino".
Tudo isso se tem dito com propriedade exceto que a santidade é considerada como uma forma de amor e a principal ofensa do pecado é considerada como a mágoa do coração do Pai. O Dr. Stevens deixa de considerar que, se o amor fosse supremo, nada haveria que evitasse a ímpia tolerância do pecado. Porque a santidade é suprema, o amor se condiciona a ela. Não é o amor que liga o sofrimento ao pecado e requer que o Redentor sofra, mas é a santidade. O Dr. Stevens afirma que as teorias até agora correntes nas igrejas protestantes e a teoria que ele defende são "sempre irreconciliáveis"; elas "se baseiam em diferentes concepções a respeito de Deus". Revista Semanal Britânica, 16 de nov. de 1905 - "A doutrina da expiação não é a de que a salvação é o livramento do pecado e que tal livramento é obra de Deus, que motiva o amor dele pelos homens; estas são verdades que cada um que escreve sobre a expiação admite. A doutrina da expiação tem por tarefa explicar como é feita essa obra. ... Dr. Stevens não apresenta nenhuma contribuição para o seu cumprimento. Ele admite que temos em Paulo 'uma teoria de expiação substitutiva'. Mas vê algo em Paulo que ele pensa mais adequado à experiência cristã do apóstolo - por exemplo, a idéia de morrer com Cristo e ressuscitar com ele; e, sobre o poder de aceitar esta última, ele sente a liberdade de deixar a expiação transbordar como algo a ser explicado a partir da posição controversa de Paulo ou da sua herança farisaica, de qualquer modo que não tem valor permanente para a mente cristã. ... A experiência depende do método. Paulo não morreu com Cristo como alternativa para Cristo ter morrido com ele; morreu com Cristo totalmente e apenas porque Cristo morreu por ele. É o sentido que estas duas últimas palavras têm - não desenvolvido na teoria da expiação substitutiva - que tem em si o motivo moral de levar Paulo à união com o seu Senhor na vida e na morte. ... Na própria exposição do Dr. Stevens, Paulo sustentava as duas idéias lado a lado; para ele a união mística com Cristo só foi possível através da aceitação das verdades das quais o Dr. Stevens não sabia o que fazer".
Esta teoria confina a influência da expiação aos que ouviram falar dela,
excluindo, assim os patriarcas e os pagãos. Mas as Escrituras representam Cristo como o Salvador de todos homens no sentido de assegurar-lhes a graça que, só por sua obra expiatória, nunca poderia ter sido outorgada consistente- mente com a santidade divina.
Hovey: "A influência da expiação para o homem é muito mais extensiva do que a sua influência moral". Cristo é Advogado, não com o pecador, mas com o Pai. Conquanto a obra do Espírito tem influência moral sobre o coração do homem, o Filho garante, pela apresentação do seu sangue, no céu, o perdão que só pode vir de Deus (1 Jo. 2.1,2 - "temos um advogado com o Pai, Jesus

414
Augustus Hopkins Strong
Cristo, o justo; e ele é a propiciação pelos nossos pecados"). Conseqüentemente 1.9 - "Se confessarmos os nossos pecados, ele [Deus] é fiel e justo [fiel à sua promessa e justo para com Cristo] para perdoar os nossos pecados". Por isso o publicano não orou pela mudança do seu coração, mas por misericórdia baseada no sacrifício [Lc. 18.13 - "O Deus, tem misericórdia de mim, pecador"!, literalmente: "Ó Deus, sê propício para comigo, (que sou um) pecador"! Rev. e Atual, do Br.].
A gravitação conservou o universo estável muito antes de ser ele descoberto pelo homem. Do mesmo modo a expiação de Cristo se aplica à salvação do homem muito antes de que este suspeitasse da existência daquela. A "luz do mundo" (Jo. 8.12) passa por muitos "raios X", além do espectro visível, mas é capaz de imprimir a imagem de Cristo sobre os patriarcas ou sobre os pagãos. Esta luz tem estado brilhando através dos séculos, mas "as trevas não a compreenderam" (Jo. 1.5). Seus raios registram-se só onde há coração sensível ao recebimento deles. Brilham eles através do homem e eles revelam quão desconhecido é o pecado e desconhecidas as possibilidades do bem. A teoria da Influência Moral não leva em conta o Cristo preexistente e a obra expiatória antes da sua manifestação em carne. Por isso conduz logicamente à crença numa segunda provação para muitos imbecis, excluídos e pagãos que neste mundo não ouvem falar da expiação de Cristo. Deste modo, a doutrina de Bushnell destrói a doutrina da retribuição futura.
Para Lyman Abbott a expiação é a propiciação de si mesmo da parte do amor de Deus e a sua influência é exercida através da educação. Na sua Theology of an Evolutionist, 118,190, ele sustenta que a expiação é "a verdadeira reconciliação entre Deus e o homem fazendo-o ao mesmo tempo através da encarnação e paixão de Jesus Cristo, que viveu e sofreu, não para redimir o homem do tormento futuro, para purificá-lo e aperfeiçoá-lo à semelhança de Deus. ... O sacrifício não é a pena que o sofredor inocente suporta por causa da culpa do homem; é uma doutrina para a qual não há autoridade alguma, quer na Escritura, quer na vida (1 Pe. 3.18?) - mas o descanso de uns no amor, para que os outros recebam a vida. ... Redenção não é restauração a um estado de inocência que se perdeu, impossível de se restaurar, mas o ápice de um longo processo no qual o homem será apresentado diante do Pai 'sem mancha, nem ruga, ou qualquer coisa' (Ef. 5.27). ... Nós cremos não na propiciação de um Deus irado através de um outro que sofre para apaziguar a ira do Pai, mas na perpétua propiciação do próprio Pai, cuja misericórdia, apontando para a remissão do pecado, satisfaz como coisa alguma a indignação divina contra o pecado, pela abolição deste. ... Misericórdia é detestar a lástima; é a lástima da ira. A piedade vence a ira, levantando o pecador da sua degradação e restaurando-o à sua pureza". E em tudo isto não há menção da justiça divina como fonte da indignação e objeto da propiciação!
É interessante notar que alguns dos maiores defensores da teoria da Influência Moral mudaram para outra crença quando se aproximaram da morte. L. W. Munhall conta-nos que, nesses momentos, Horace Bushnell disse: "Temo que aquilo que eu possa ter escrito e dito sobre a idéia da expiação engane e cause grande prejuízo"; e quando pensava nisto mais tarde, clamou: "Ó Senhor Jesus, pela tua misericórdia, confio só no sangue derramado

Teologia Sistemática
que tu ofereceste no Calvário"! Schleiermacher, no leito da morte, reuniu a sua família e uns poucos amigos e ele mesmo ministrou a Ceia do Senhor. Depois de orar e abençoar o pão e depois de pronunciar as palavras "Isto é o meu corpo, partido por vós", acrescentou: "Este é o nosso fundamento"! Quando ele começou a abençoar o cálice, clamou: "Depressa, depressa, tragam o cálice! Estou tão feliz"! Então inclinou-se tranqüilamente para trás e expirou. Ritschl, na sua History of Pietism, 2.65, criticou duramente o hino de Paul Gerhardt: "O Haupt voll Blut und Wunden" (Ó cabeça cheia de sangue e de feridas), descrevendo o sofrimento físico; mas pediu ao seu filho que repetisse os dois últimos versos desse hino: "Ó cabeça sagrada agora ferida"! quando estava para morrer (Há em português uma versão que começa dizendo:
"Ó fronte ensangüentada"). E, em geral, o pecador convicto encontra paz mais rapidamente e com mais segurança quando aponta para o Redentor que morreu na cruz e suportou a pena do pecado em seu lugar.
3a) Teoria Grociana, ou Teoria Governamental da Expiação.
Sustenta que a expiação é uma satisfação, não a qualquer princípio interior da natureza divina, mas às necessidades de governo. Da parte de Deus, o governo do universo não pode sustentar-se, nem a lei divina pode preservar sua autoridade sobre os seus súditos, a não ser que o perdão dos ofensores seja acompanhado por uma apresentação do alto valor que Deus estabelece para a sua lei e a nefanda culpa de violá-la. Tal apresentação da consideração divina para com a lei é fornecida no sofrimento e morte de Cristo. Cristo não sofre exatamente a pena da lei, mas Deus graciosamente aceita o seu sofrimento como substituto para a pena. Este procedimento do sofrimento substitutivo da parte de Cristo apóia a lei divina de tal modo nas consciências e corações dos homens que Deus pode perdoar o culpado no seu arrependimento sem detrimento dos interesses do seu governo. O autor desta teoria era Hugo Grócio, jurista e teólogo holandês (1583-1645). A teoria carateriza a teologia da Nova Inglaterra e é geralmente sustentada pelos que aceitam o ponto de vista do pecado defendido pela Nova Escola.
Grócio era um gênio precoce. Escreveu bons versos em latim aos nove anos de idade; estava preparado para a universidade aos doze; editou a obra enciclopédica de Marciano Capella aos quinze. Ainda cedo foi com a embaixada para a corte da França onde passou um ano. De volta para a sua terra, graduou-se doutor em leis. Quanto à literatura, editou as reminiscências de Arato e escreveu três dramas em latim. Aos vinte foi nomeado historiógrafo das Províncias Unidas; a seguir, advogado geral do fisco para a Holanda e Zelândia. Escreveu sobre lei internacional; foi nomeado deputado para a Inglaterra; aprisionado por causa das suas opiniões teológicas; fugiu para Paris; tornou-se embaixador da Suécia na França. Escreveu comentários sobre a Escritura, história, teologia e poesia. Foi indiferente ao dogma, amante da paz, árbitro, crente desapaixonado, tratando a doutrina mais como um

416
Augustus Hopkins Strong
estadista do que como um teólogo. E. G. Robinson costumava dizer a respeito de Grócio: "O onipotente Deus ordena que o homem que se aprofunda em tudo não chegue ao fundo de nada".
Grócio, o jurista, concebia a lei com uma mera questão de expediente - um aparelho para procurar resultados governamentais práticos. O texto mais freqüentemente citado em apoio à sua teoria é 15, 42-21 "Foi do agrado do Senhor, por amor de sua retidão, tornar grande e glorioso a sua lei." Estranhamente acrescenta-se uma explicação: "mesmo quando suas ordens não são cumpridas."
Park:" Cristo satisfez a lei. Cristo sofre um castigo divino por nossos pecados - Cristo foi amaldiçoado pelo pecado de Adão assim como os céus e a terra o foram pelo pecado de Adão, - Isto é, ele sofreu dores e sofrimentos por causa deste pecado."
Grócio empregava a palavra acceptilatio, com a qual ele significava a soberana provisão de Deus sobre o sofrimento que não é a pena em si, mas que determinou aceitar como substituto. Temos aqui uma virtual negação de que existe algo na natureza de Deus, que requer o sofrimento de Cristo; porque, se a pena pode ser abrandada em parte, pode ser abrandada no todo e a razão por que Cristo sofre, afinal de contas, deve ser encontrada, não em qualquer demanda da santidade de Deus, mas somente na influência benéfica de tais sofrimentos sobre o homem; de sorte que, em princípio, esta teoria alia-se à do Exemplo e à da Influência Moral, já mencionadas.
Note a diferença entre defender a tese de um substituto para a pena, como Grócio o faz, e a de uma equivalente pena substitutiva, como fazem as Escrituras. A própria afirmação deste ponto de vista da parte de Grócio pode encontrar-se na sua Defensio Fidei Catolicae de Satisfactione [Defesa da Crença Católica sobre a Satisfação] (Works, 4.297-338). Presidente Woolsey:
"O sofrimento de Cristo se deve a um profundo e terrível senso de responsabilidade, conceito de suma importância para o homem sobre os firmes padrões nesta crise. Ele assume, não a ira de Deus, mas o sofrimento como o único meio de redenção no que respeita ao sentimento do pecado do homem e, deste modo, preocupa-se com o governo de Deus". Isto reúne as teorias Governamental e da Influência Moral.
Foster, Christian Life and Theology, 226,227 - "Grócio dá ênfase à idéia da lei em lugar da de justiça, e faz dos sofrimentos de Cristo um exemplo legal e oportunidade de relaxamento da lei; não a estrita pena exigida pela justiça. Mas este ponto de vista, embora possa ser considerado e ter servido para esclarecer o pensamento da época, não encontra aceitação geral e deixa pouco sinal de si mesma entre os teólogos que sustentam a linha da descendência teológica evangélica".
A esta teoria apresentamos as seguintes objeções:
Conquanto contenha um valioso elemento de verdade, a saber, que o sofrimento e morte de Cristo asseguram os interesses do governo de Deus, é errônea ao substituir o principal alvo da expiação por aquilo que é apenas subordinado e incidental.

Teologia Sistemática
417
Em nossa discussão sobre a pena (pp. 655,656) vemos que o objetivo da punição não é primordialmente a segurança do governo. Não é o direito de punir o homem em benefício da sociedade. O castigo do mal deve anteceder à punição ou esta não terá nenhum efeito sobre a sociedade. Nenhuma punição que não seja justa e reta em si mesma pode operar o bem na sociedade.
Apóia-se em falsos princípios filosóficos, tais como, que a utilidade é a base da obrigação moral; que a lei é uma expressão da vontade de Deus e não da sua natureza; que o fim da pena é impedir a comissão de ofensas; e que a retidão se resolve com a benevolência.
Hodge, Syst. Theology, 2.573-581; 3.188, 189 - "Porque Deus receber como satisfação aquilo que na realidade não é, é o mesmo que dizer que não há realidade em coisa alguma. Deus pode tomar a parte pelo todo, o erro por verdade, o errado por certo. Na verdade, a teoria nega a necessidade da obra de Cristo. Se cada coisa criada oferecida a Deus é tão digna da aceitação de Deus, então, o sangue dos touros e bodes pode tirar pecados e Cristo morreu em vão". Dorner, Glaubenslehere, 2.570,571 (Doutrina Sistemática, 4.38-40)
"Acceptilatio implica que nada é bom e correto em si. Deus é indiferente ao bem e ao mal. O homem só pode estar comprometido com a autoridade e com a força. Não há necessidade de punição ou de expiação. Seguem-se a doutrina das indulgências e a das obras supererrogatórias".
Ignora e virtualmente nega que a santidade imanente de Deus de que a lei com suas penas ameaçadoras e a consciência humana com a sua demanda de punição são apenas reflexos finitos. Há algo atrás do governo; se a expiação satisfaz o governo, deve ser porque satisfaz a justiça de Deus da qual o governo é uma expressão.
Nenhum pecador profundamente convicto sente que a sua controvérsia se dá com o governo. Arruinado e poluído, ele se sente em antagonismo com a pureza de um Deus pessoal. O governo não é maior nem menor do que Deus. O que lhe satisfaz deve satisfazer ao governo. É por isso que o pecador ora: "Contra ti, contra ti, somente pequei" (SI. 51.4); "Deus, sê propício a mim, pecador" (tradução literal de Lc. 18.13); propiciado através do sacrifício indicado por Deus, cuja fumaça sobe em seu favor enquanto ele ora".
No governo divino esta teoria não reconhece nenhuma constituição, mas só a determinação legislativa; mesmo esta não se fundamenta em nenhuma necessidade da natureza de Deus, mas só no seu expediente ou na sua vontade arbitrária; a lei pode ser ab-rogada simplesmente por razões econômicas, se disso advier algum bem incidental. J. M. Campbell, Atonement, 81,144
"Nenhum pecador consciente, em cujo espírito entraram os terrores da lei, jamais pensou numa justiça de um reitor, mas na justiça absoluta, e só nela.
... Deste modo, a justiça de reitor pressupõe a absoluta e assim faz a mente

418
Augustus Hopkins Strong
retroceder; a idéia de uma expiação que satisfaz, embora não possa agir de outra forma, é uma ilusão".
A Teologia de N. W. Taylor se intitula "Governo Moral", e a Teologia Sistemática de C. G. Finney é um tratado do Governo Moral apesar que ela o chama por um outro nome. Mas porque as idéias de governo na Nova Inglaterra não se baseavam suficientemente na santidade de Deus, porém na utilidade, no expediente, ou na felicidade, a própria idéia de governo desapareceu da teologia da Nova Escola e os seus defensores quase de comum acordo partiram para a teoria da Influência Moral da expiação que é apenas um socianis- mo modificado. Tanto a expiação de Andover como a de Oberlin tornaram-se puramente subjetivas. Por esta razão a teoria grociana ou Governamental perdeu seu apoio no mundo teológico e não precisa de muito espaço.
Faz ser uma apresentação da justiça o que não é um exercício dela; a expiação não é, segundo esta teoria, uma execução, mas uma apresentação da lei que assegurará o perdão aos que a violam. Tal representação meramente cênica pode inspirar respeito pela lei só na medida em que a irrealidade essencial dela for insuspeita.
Para ensinar que o pecado será punido, é preciso que haja punição. Potwin: "É difícil perceber como a apresentação daquilo que o pecado merece, mas não recebe, pode satisfazer a justiça". O ponto de vista sociniano sobre Cristo como um exemplo de virtude é mais inteligível do que o grociano como exemplo de castigo. Lyman Abbott: "Se eu pudesse pensar que Jesus sofreu e morreu para causar uma impressão moral sobre mim, isto não produziria em mim tal impressão moral William Ashmore: "Uma situação de tragédia determina um homicídio que faz a platéia chorar. Se Cristo não é em sentido algum substituto ou, se ele, com o pecador, que ele representa, não é co-responsável, então Deus e Cristo são participantes da tragédia real mais terrível que entenebreceu a história humana, somente causando sobre os homens calorosa sensibilidade - um artifício de palco com o mesmo efeito".
A mãe finge chorar para induzir o filho a obedecer. Mas ele só o fará enquanto ele pensa que ela está magoada de verdade e o último estágio da criança é pior do que o primeiro. A expiação de Cristo não é uma encenação de paixão. O inferno não pode ser curado com homeopatia. O sacrifício no Calvário não é uma encenação dramática do sofrimento com vistas à produção de uma impressão moral sobre espectadores tocados pelo terror. É uma lição objetiva, somente por se tratar de uma realidade. Toda a justiça de Deus e todo o seu amor focalizam a cruz, de modo que ela ensina de Deus e a sua verdade mais do que todo o espaço e todo o tempo.
John Milton, Paradise Lost, livro 5, fala da "névoa, a glosa comum dos teólogos". Tal névoa é a ficção legal pela qual o sofrimento de Cristo ocupa o lugar da pena ditada pela lei, embora não a seja. E. G. Robinson: "A expiação não é um artifício, de sorte que, se alguém suporta uma certa cota de sofrimento, um certo número de outras situações pode estar quite relativamente a todas". A misericórdia nunca frauda a justiça. Contudo, a teoria da Nova

Teologia Sistemática
419
Escola sobre a expiação admite que Cristo fraudou a justiça por um ardil. Ela substitui a pena de Cristo a respeito do redimido e, a seguir, substitui algo pela pena de Cristo.
A intensidade dos sofrimentos de Cristo no horto e na cruz é inexplicável com base na teoria de que a expiação foi uma apresentação histriônica da forma como Deus considera o seu governo e só pode explicar-se com base no ponto de vista de que Cristo, na verdade, suportou a ira de Deus contra o pecado humano.
Cristo recusou o "vinho com mirra" (Mc. 15.23), para que pudesse até o fim ter plena posse das suas forças e não proferir nenhuma palavra a não ser as da verdade e sobriedade. O seu clamor de agonia, "Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?" (Mt. 27.46), não foi a produção de um impensado e delirante sofrimento. Expressa o mais profundo sentido da crucificação.
O entenebrecimento dos céus foi tão somente o símbolo exterior do oculto semblante de Deus para com aquele que "se fez pecado por nós" (2 Co. 5.21).
No caso de Cristo, muito mais do que todos os outros, finis coronat, e as palavras da morte são imortais. "As línguas dos moribundos produzem a atenção como uma profunda harmonia; Quando as palavras mínguam, raramente são gastas em vão porque elas expressam a verdade, sopram palavras de dor".
A mulher pura enfrenta as palavras infames com muito mais que uma leve recusa. Ela se inflama e se ira. SI. 97.10 - "Vós que amais o Senhor, aborrecei o mal"; Ef. 4.26 - "Irai-vos e não pequeis". Assim cabe à santidade de Deus não deixar o pecado sem castigo. Deus não apenas mostra ira, mas ele fica irado. É próprio da ira de Deus que enfrente o pecado e Cristo o faz quando ele é contado com os transgressores. A morte é o cálice que ele teve de beber (Mt. 20.22; Jo. 18.11) e que ele esgotou até o fim. Mason, Faith of Gospei, 196 - "De todos homens só Jesus verdadeiramente 'provou a morte' (Hb. 2.9). Alguns homens são muitíssimo estólidos e sem imaginação para prová-lo. Para os cristãos a amarga morte terminou porque Cristo morreu e ressuscitou. Mas para Jesus o seu terror ainda não diminuiu. Ele ainda conserva resolutamente as suas faculdades sãs até à profunda e terrível morte".
Por isso não podemos concordar com Wendt ou com Johnson nas citações seguintes. Wendt, Teaching of Jesus, 2.249,250 - "O abandono do Pai não foi absoluto, visto que Jesus ainda o chamou 'Deus meu' (Mt. 27.46). Jesus sentiu a falta daquela energia do espírito que o sustentava e simplesmente expressa o seu ardente desejo e oração para que Deus mais uma vez conceda o seu poder e assistência". N. H. Johnson, The HolySpirit, 143,144- "Não é necessário crer que Deus escondeu a sua face de Cristo no momento final. A única coisa necessária é admitir que Cristo não via mais o rosto do Pai. ... Ele sentia que era assim, mas não o era". Tais explicações tomam irreais os sofrimentos e palavras de Cristo e para a nossa mente são inconsistentes tanto com a sua divindade como com a sua expiação.

420
Augustus Hopkins Strong
O verdadeiro poder da expiação sobre a consciência humana e sobre o coração deve-se, não à sua apresentação com respeito à lei de Deus, mas à sua apresentação de uma verdadeira execução da lei e uma verdadeira satisfação da santidade violada, satisfação esta cumprida por Cristo em lugar do pecador.
Whiton, Gloria Patri, 143,144, reivindica que Cristo é a propiciação pelos nossos pecados apenas por trazer a paz à consciência e satisfazer à demanda divina sentida por isso. Whiton considera a expiação não como uma obra governamental exterior a nós, mas educacional dentro de nós. Ao lado da objeção que este ponto de vista levanta sobre a transcendência de Deus e a sua imanência, argumentamos com as palavras de Matthew Henry: "Nada pode satisfazer uma consciência ofendida a não ser aquela que satisfaz um Deus ofendido". C. J. Baldwin: "A parte do lago que se expande não tem poder para movimentar-se; ela movimenta o moinho só quando contida na estreita corrente e se derrama sobre a queda. Do mesmo modo o amor de Deus move o homem só quando se concentra no sacrifício da cruz".
A teoria contradiz todas passagens da Escritura que representam a expiação como necessária; como propiciando o próprio Deus; como sendo a revelação da justiça de Deus; como sendo uma execução da pena da lei; como tornando a salvação matéria de dívida do crente com base no que Cristo fez; como purificando verdadeiramente ao invés de tornar possível a purificação; como não simplesmente assegurando ao pecador que Deus pode agora perdoar- lhe por aquilo que Cristo fez, mas que Cristo na verdade operou uma salvação completa e a fornece a todos que se chegam a ele.
John Bunyan, O Peregrino, cap. vi - "Sobre esse lugar erguia-se uma cruz e, pouco abaixo, um sepulcro. Assim eu vi, no meu sonho, quando o Cristão subiu com a cruz, seu fardo rolou dos seus ombros e caiu das suas costas, e começou a desabar, e continuou até que atingiu a boca do sepulcro, dentro do qual entrou e não vi mais nada. Então o Cristão se alegrou, e se iluminou, e disse com o coração festivo: Através da sua tristeza ele me deu descanso, e com a sua morte deu-me vida. Então, por um pouco de tempo, olhou e extasiou-se; porque lhe era bem surpreendente que o olhar para a cruz aliviou-lhe o fardo".
A narrativa de John Bunyan é mais verdadeira para a experiência do Cristão que a teoria Governamental. O pecador encontra paz, não vindo a Deus com um distante respeito a Cristo, mas com a vinda direta ao "Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo" (Jo. 1.29). As palavras de Cristo a cada pecador consciente são simplesmente estas: "Vinde a mim" (Mt. 11.28). Com base no que Cristo fez, a salvação é assunto de dívida para o crente. 1 Jo. 1.9
"Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para perdoar os nossos pecados" - fiel à sua promessa, e justo para com Cristo. Por outro lado, a teoria Governamental, tende a dissuadir o acesso direto do pecador a

Teologia Sistemática
Cristo, e tornar o caminho para a aceitação consciente de Deus mais curta e mais certa.
Quando O Panorama diz: "Nem mesmo para o Filho de Deus devemos vir em lugar de virmos para Deus", apenas vemos a clara negação da validade das demandas e promessas de Cristo, porque ele exige imediata submissão quando determina ao pecador que o siga, e promete salvação imediata quando garante a todos os que vêm a ele que não os lançará fora. A teoria de Grócio é legal e especulativa, mas não tem base na Escritura, nem atende às necessidades da natureza humana.
4a) Teoria de Irving, ou da Depravação Gradualmente Extirpada.
Sustenta que, na encarnação, Cristo tomou a natureza humana como se estivesse em Adão, não antes da queda, mas depois, natureza humana, portanto, com sua corrupção inata e predisposição para a moral má; que, não obstante a posse dessa maculada e depravada natureza, Cristo, através do poder do Espírito Santo, ou de sua natureza divina, não só evitou que a sua natureza humana se manifestasse em qualquer pecado real e pessoal, mas gradualmente purificou-a, através da luta e do sofrimento, até que, na sua morte, extirpou completamente sua depravação original e tomou a unir-se com Deus. Esta purificação subjetiva da natureza humana na pessoa de Jesus Cristo constitui a sua expiação, e os homens são salvos não por qualquer propiciação objetiva, mas somente por tomar-se participantes da nova humanidade de Cristo através da fé. Esta teoria foi elaborada por Edward Irving, de Londres (1792-1834) e tem sido sustentada, em substância, por Menken e Dippel na Alemanha.
Nisto Irving foi precedido de Felix de Urgela, Espanha (+818), a quem Alcuíno se opôs. Felix diz que o Logos se uniu à natureza humana sem anteriormente santificá-la. Edward Irving, no início da sua vida colega do Dr. Chalmers, em Glasgow, nos seus últimos anos foi pregador da Igreja Nacional da Escócia, em Londres.
Os seguidores de Irving diferem na sua representação dos pontos de vista. Diz Miller, Hist. And Doct. of Irvingism, 1.85 - "Se, na verdade, fizemos Cristo pecador, então, na verdade, todos os credos estão no fim e não merecemos sofrer a morte dos blasfemos. ... A concepção milagrosa privou-o da pessoalidade humana, e privou-o também do pecado original da culpa que precisa ser expiada por uma outra pessoa, mas não o privou da substância da carne e sangue pecaminosos; isto é, carne e sangue iguais aos de seus irmãos". 2.14- Freer diz: "De sorte que, apesar de decaída a carne, o sangue que ele assumiu, através do Espírito Eterno, nasceu no mundo "o Santo". 11-15, 282-305 - "A humanidade não decaída não necessitava de redenção; por isso, Jesus não a recebeu. A natureza de que ele tomou parte era pecaminosa como um todo, mas santíssima na sua pessoa".

422
Augustus Hopkins Strong
Deste modo, diz um tratado irvingiano, "sendo parte da própria natureza que tinha incorrido na pena do pecado, embora em sua pessoa nunca o tivesse cometido, ou mesmo pensado nisso, parte da humanidade comum podia sofrer essa pena e, na verdade sofreu, para expiar essa natureza apesar de que aquele que a tomou não conheceu pecado". Dr. Curry, citado por McLintock e Strong, Encyclopaedia, 4.663, 664 - "Deus entrou em união vital com a humanidade decaída sob a lei. O último pensamento levou, no modo realístico de Irving, a noção da participação no caráter decaído da humanidade, que ele designou através dos termos que implicavam pecaminosidade real em Cristo. Ele tentou desembaraçar-se da odiosidade dessa idéia, dizendo que esta foi subjugada e há muito expulsa pelo Deus que nela habitava".
Devemos considerar os mais tardios expositores da doutrina de Irving, como tendo abrandado, senão expurgado, sua principal caraterística como mostra a citação das próprias palavras de Irving {Works, 5.115) - "Torna-se manifesto que Cristo assumiu a nossa natureza decaída porque não há nenhuma outra a ser recebida como existente. 123 - "A natureza humana é totalmente decaída; a sua simples aceitação pelo Filho não a torna santa". 128 - "A sua alma pranteou, e magoou-se, e orou a Deus continuamente pela sua libertação da morte, da corrupção, e da tentação que ele sentiu no taber- náculo da sua carne". 152 - "Estes sofrimentos vieram, não simplesmente por atribuição, mas por real participação do elemento pecaminoso e amaldiçoado". Irving freqüentemente citava Hb. 2.10 - "aperfeiçoasse, por meio de sofrimentos, o Autor da salvação deles".
Os seguidores de Irving negam a pecaminosidade de Cristo, admitindo que apenas a enfermidade inata e as tendências congênitas não são pecado; a saber, que nenhuma depravação inata deve ser chamada de pecado, mas só a transgressão real. A nosso juízo, Irving com justiça foi acusado de afirmar a pecaminosidade da natureza humana de Cristo e com base nessa acusação foi deposto pelo presbitério da Escócia. Irving possuía uma estatura imponente, uma voz poderosa, e uma oratória natural e elegante. Era amante do estilo antigo e grandioso. Em Londres, durante algum tempo ele foi a grande sensação popular. Porém, pouco depois do começo da sua nova igreja em Regenfs Square em 1827, ele achou que a moda desapareceu e a sua igreja não mais ficava cheia. Concluiu que o mundo estava sob o reinado de Satanás; tornou-se um milenista fanático; entregou-se inteiramente ao estudo da profecia. Em 1830 ele pensava que os dons apostólicos reviveram; sustentava a esperança de uma restauração da igreja primitiva embora ele mesmo estivesse relegado a uma posição subordinada. Esgotou as suas energias e morreu aos quarenta e dois anos. "Se eu tivesse me casado com Irving", disse a Sra. Thomas Carlyle, "não teria havido mais línguas".
Irving era homem de comando, de voz poderosa e de oratória natural e graciosa. Ele amava a antigüidade e a grandeza. Mas logo após a abertura de sua nova igreja na Rejeufs Square em 1827, ele descobriu que a moda havia passado e que sua igreja não mais lotava. Ele concluiu que o mundo estava sob o reino de Satanás; e tornou-se um milenarista fanático; e entregou-se completamente ao estudo da profecia. Em 1830 ele achou que os dons dos apóstolos haviam se reavivado e manteve a esperança da restauração da igreja primitiva.

Teologia Sistemática
A esta teoria apresentamos as seguintes objeções:
Apesar de abranger um importante elemento de verdade, a saber, o fato da nova humanidade em Cristo, da qual todos que crêem se tornam participantes, é acusável de sério erro negando a expiação objetiva que torna possível a aplicação subjetiva.
Bruce, em sua Humiliation of Christ, chama esta teoria de "redenção por amostragem". É uma expiação que Irving tem em sua mente puramente subjetiva. O livramento do pecado, a fim de libertar da pena, é o reverso exato da ordem da Escritura. Contudo, este livramento do pecado, no ponto de vista de Irving, deve estar assegurado de um modo exterior e mecânico. Ele sustenta que é a economia do Velho Testamento que deve permanecer enquanto a do Novo deve passar. Isto é um sacramentalismo, ou dependência de um rito exterior, ao invés de uma graça interior, essencial à salvação. Os seguidores de Irving são sacramentalistas. Eles consideram o crucifixo e as velas, o incenso e as vestes magníficas, o ritual altamente complicado e simbólico, como acessórios necessários à religião. Sentem a necessidade de uma autoridade exterior, visível e permanente, mas que se apóia na inspiração e contínuo auxílio sobrenatural. Eles não acham, como os católicos, a sua autoridade no papa; acham-na nos novos apóstolos e profetas. A igreja nunca pode ser renovada, como pensam eles, a não ser pela restauração de todas as ordens ministrantes mencionadas em Ef. 4.11 - "apóstolos ... profetas... evangelistas ... pastores ... ensinadores". Porém a marca do apóstolo do N. T. é o aparecimento de Cristo para ele. Os apóstolos de Irving não resistem a este teste.
Baseia-se em falsos princípios fundamentais, como, de que a lei é idêntica à ordem natural do universo e, como tal, é uma exaustiva expressão da vontade e da natureza de Deus; que o pecado é apenas uma força do mal moral dentro da alma ao invés de também envolver uma culpa objetiva e desertar da punição; que a pena é mera reação da lei contra o transgressor ao invés de ser também a revelação de uma ira pessoal contra o pecado; que a mancha do mal da natureza humana pode ser extirpada pelo sofrimento das suas conseqüências naturais, pena que deste modo reforma o transgressor.
Dorner, Glaubenslehre, 2.463 (Doutrina Sistemática, 3.361,362) - "Na teoria de Irving, as inclinações más não são pecaminosas. A pecaminosidade só tem a ver com os atos maus. As conexões soltas entre o Logos e a humanidade tem um sabor de nestorianismo. É obra da pessoa desembaraçar-se de algo na humanidade que não a torna pecaminosa. Se a pecaminosidade da natureza de Jesus não tornou a sua pessoa pecadora, o mesmo ocorre conosco; o que é um elemento pelagiano, revelado também na negação de que, para a nossa redenção, precisamos de Cristo como um sacrifício expiatório. Para que a encarnação de Cristo seja completa, não é necessário que

424
Augustus Hopkins Strong
ele assuma a natureza pecaminosa, a não ser que o pecado seja essencial à natureza humana. No ponto de vista de Irving, a morte do corpo de Cristo opera a regeneração da sua natureza pecaminosa. Mas isto significa fazer do pecado uma coisa simplesmente física e o corpo a única parte do homem que necessita da redenção". Deste modo, a pena se tornaria reformadora e a morte salvadora.
Irving sustenta que há dois tipos de pecado: 1. o pecado sem culpa; 2. o pecado culposo. A depravação passiva não é culposa; é parte da natureza sensível do homem; sem ela não seriamos humanos. Mas a partir do momento em que esta natureza decaída se expressa em atos, torna-se culposa. Irving, quase no fim da sua vida, defende um tipo de perfeição sem pecado; porque desde que ele conserva esta natureza pecaminosa inativa, e seja guiado pelo Espírito Santo, ele está livre do pecado e da culpa. Cristo tomou o seu pecado passivo, para ser semelhante aos seus irmãos e capaz de sofrer.
Contradiz as representações expressas e implícitas da Escritura com relação ao fato de Cristo estar livre de toda mancha da depravação hereditária; falsa representação da sua vida como uma crescente consciência da subjacente corrupção de sua natureza humana, que culminou com o Getsêmani e com o Calvário; e nega a verdade de suas próprias afirmações quando declara que ele deve ter morrido por causa da sua própria depravação apesar de que ninguém seria salvo por ela.
"Sustentarei até à morte", dizia Irving, "que a carne de Cristo era tão rebelde como a nossa, tão decaída como a nossa. ... A natureza humana era corrupta até o cerne e tenebrosa como o inferno, e esta é a natureza humana que o Filho de Deus tomou sobre si e de que se revestiu". O libertador deve estar tão fundo no lodaçal como aquele que ele liberta. Não há nenhuma substituição. Cristo empreendeu uma guerra contra o pecado da sua própria carne e o expeliu. A sua glória não está em salvar os outros, mas em salvar- se a si mesmo e deste modo demonstrar o poder do homem através do Espírito Santo para expulsar o pecado do seu coração e da sua vida. Irving sustenta que a sua teoria é a única ensinada na Escritura e sustentada desde o princípio pela igreja.
Nicoll, Life of Christ, 183 - "Todos os outros, quando crescem em santidade, crescem no seu senso de pecado. Mas quando Cristo é desamparado pelo Pai, pergunta: 'Por que?' bem sabendo que a razão não está no seu pecado. Ele nunca faz confissão de pecado. O prefácio da sua mais longa oração é uma afirmativa de justiça; 'Eu te glorifiquei' (Jo. 17.4). O seu último pronunciamento na cruz é uma citação de SI. 31.5 - "Pai, nas tuas mão entrego o meu espírito' (Lc. 23.46), mas ele não acrescenta, como o salmo, 'tu me redimiste, ó Deus da verdade', porque ele não necessitava de redenção, mas ele mesmo é o Redentor".
Faz a obediência ativa de Cristo e a purificação subjetiva de sua natureza humana ser a principal caraterística da sua obra enquanto as Escrituras

Teologia Sistemática
fazem a sua morte e procedimento passivo da pena o centro de tudo e sempre o consideram como alguém que é pessoalmente puro e que, vicário, suporta a punição da culpa.
Na teoria de Irving não existe atribuição, representação, ou substituição.
A sua única idéia de sacrifício é que o próprio pecado será sacrificado, ou aniquilado. As muitas teorias subjetivas sobre a expiação mostram que a ofensa da cruz não cessou (Gl. 5.11 - "Logo, o escândalo da cruz está aniquilado"). O Cristo crucificado é ainda um escândalo para a especulação moderna. Contudo, é, como nos tempos antigos, "poder de Deus para a salvação" (Rm. 1.16; cf. 1 Co. 1.23,24 - "pregamos a Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os gregos. Mas, para os que são chamados, tanto judeus como gregos, lhes pregamos a Cristo, poder de Deus e sabedoria de Deus").
Como o oceano recebe as impurezas dos rios e as purifica, do mesmo modo Irving representa Cristo como recebendo para si as impurezas da humanidade e purificando dos pecados a raça. Aqui está o sentido da contaminação, mas não o sentido da culpa; a poluição subjetiva, mas não a condenação objetiva. Assumimos precisamente a base oposta à de Irving, a saber, de que Cristo tem a depravação hereditária, mas a culpa hereditária; que ele tinha a obrigação de sofrer pelos pecados da raça à qual ele historicamente se uniu e da qual ele foi o criador, o sustentador e a vida. Ele "se fez pecado por nós" (2 Co. 5.21), não no sentido de um contaminado, como pensava Irving, mas no sentido de alguém condenado a levar as nossas iniqüidades e sofrer as conseqüências penais. O teste de uma teoria de expiação, como o teste de uma religião, é o seu poder de "limpar a mão vermelha direita" da Lady Macbeth; a saber, o seu poder de satisfazer a justiça divina da qual a nossa consciência condenadora é apenas um reflexo. A teoria de Irving não tem tal poder. O Dr. E. G. Robinson inclinou-se para o ponto de vista de Irving, quando este defendeu que "Cristo assumiu a natureza humana quando a encontrou".
Ela necessita a rendição da doutrina da justificação simplesmente como um ato declaratório de Deus; e requer tal ponto de vista da santidade divina expresso só através da ordem da natureza como só pode ser sustentado com base nos princípios do panteísmo.
Tomás de Aquino inquiriu se Cristo foi morto por si mesmo, ou por um outro. A pergunta sugere uma outra maior - se Deus constituiu outras forças além das suas próprias, pessoais ou impessoais, no universo, além das que ele tem na sua transcendência; ou se toda a sua atividade surge da atividade da criatura e se identifica com ela. A teoria de uma expiação simplesmente subjetiva é mais consistente com este último ponto de vista do que com aquele.

426
Augustus Hopkins Strong
5a) A Teoria Anselmiana da Expiação ou Comercial.
Esta teoria sustenta que o pecado é uma violação da honra ou majestade divina e, cometido contra um ser infinito, merece uma punição infinita; que a majestade de Deus requer que ele execute a punição enquanto o amor de Deus pleiteia a dispensa da culpa; que este conflito dos atributos divinos é reconciliado eternamente pelo sacrifício voluntário do Deus-homem, que em virtude da dignidade da sua pessoa, suporta a punição infinita do pecado, que de outra forma os pecadores sofreriam extensa e eternamente; que este sofrimento do Deus-homem apresenta à majestade um equivalente exato dos merecidos sofrimentos dos eleitos; e que, como resultado desta satisfação das reivindicações divinas, os eleitos pecadores são perdoados e regenerados. Este ponto de vista foi a princípio abordado por Anselmo de Cantuária (1033-1109) como substituto para o mais antigo ponto de vista patrístico de que a morte de Cristo foi um resgate pago a Satanás para libertar os pecadores do seu poder. É sustentado por muitos teólogos escoceses e nos Estados Unidos pela Escola de Princeton.
A velha teoria patrística, que a anselmiana suplantou, foi chamada de teoria militar da Expiação. Satanás, do mesmo modo que o aprisionador na guerra, tem direito sobre os seus cativos, que podiam ser vendidos só mediante o pagamento de resgate. É Justino, o Mártir, quem primeiro propõe este ponto de vista do pagamento de resgate a Satanás. Gregório de Nissa acrescenta que a humanidade de Cristo é a isca com que Satanás foi atraído para esconder o anzol da divindade de Cristo e, deste modo, ser apanhado pelo artífice. Pedro Lombardo, Quatro Livros de Sentenças, 3.19 - "O que fez o nosso aprisionador? Sustentou para ele a sua cruz como uma ratoeira; nela pôs como isca o seu sangue". Até mesmo Lutero compara Satanás com o crocodilo que engole o icnêumon só por achar que o animalejo devora o que está dentro dele.
Estas metáforas mostram isto, ao menos, que, em nenhuma época, a igreja creu numa expiação meramente subjetiva. Nem esta relação com Satanás foi o único aspecto em que a expiação foi considerada mesmo pela igreja primitiva. Num período tão antigo como o quarto século, encontramos um grande Pai da igreja que sustentava que a verdade e a bondade de Deus requereram a morte de Cristo. UerCRiPPEN, History of Christian Doctrine, 129 - "Atanásio (325-373) sustenta que a morte de Cristo é o pagamento de uma dívida para com Deus. Em resumo, o seu argumento é: Deus, tendo ameaçado de morte como punição do pecado, não seria verdadeiro se não cumprisse a sua ameaça. Mas seria igualmente indigno a bondade divina permitir que seres racionais, aos quais ele deu o seu próprio Espírito, incorressem nesta morte como conseqüência de uma imposição praticada sobre eles pelo diabo. Vendo, então, que nada, a não ser a morte, poderia resolver este dilema, o Verbo, que não podia morrer, assumiu o corpo mortal e, oferecendo a sua natureza humana em sacrifício por todos, cumpriu a lei através da sua morte". Gregório Nazian-

Teologia Sistemática
zeno (390) "reteve a figura de um resgate, mas, percebendo claramente que a analogia é incompleta, explica a morte de Cristo como um expediente para harmonizar os atributos divinos".
Porém, embora muitos teólogos tenham reconhecido uma relação da expiação com Deus, nenhum antes de Anselmo deu qualquer explicação clara da natureza de tal relação. O agudo, breve e belo tratado intitulado "Cur Deus Homo" (Por que Deus Homem?) constitui a maior contribuição para a discussão desta doutrina. Ele mostra que "o que quer que o homem deva, deve-o a Deus, não ao diabo. ... Aquele que não presta a devida honra a Deus retira dele o que lhe pertence e o desonra; e isto é pecado. ... é necessário que ou a honra roubada lhe seja restaurada, ou que se siga o castigo". Em virtude do seu pecado original, o homem não pode prestar satisfação à desonra cometida contra Deus; "pecador não pode justificar pecador". Nem um anjo pode prestar esta satisfação. Ninguém pode fazê-lo a não ser Deus. "Se, pois, ninguém pode fazê-lo senão Deus, e ninguém deve fazê-lo senão o homem, deve ser operado da parte de Deus e feito através do homem". O Deus- homem, para efetuar a satisfação dos pecados de toda a humanidade, deve "dar de si mesmo a Deus algo mais valioso do que tudo o que está abaixo de Deus". Essa dádiva de valor infinito é a sua morte. A recompensa do seu sacrifício torna-se em vantagem para o homem e, deste modo, harmonizam- se a justiça e o amor de Deus.
A esta teoria fazemos a seguintes objeções:
Conquanto contenha um valioso elemento de verdade, em sua representação da expiação, satisfazendo um princípio da natureza divina, concebe este princípio de maneira muito formal e externa, fazendo a idéia da honra divina e majestade mais proeminente que a da santidade divina na qual a honra e majestade divinas se baseiam.
Esta tem sido chamada de "Teoria Criminal" de Expiação, como a antiga teoria patrística do resgate pago a Satanás tem sido chamada de "Teoria Militar". Tem sua origem num tempo quando prevaleciam idéias exageradas sobre a autoridade dos papas e dos imperadores e a desonra da majestade deles (crimen lesae majestatis) era a maior ofensa conhecida na lei.
Allen, Jonathan Edwards, 88,89 - "Do ponto de vista da soberania, não há necessidade de expiação. No maometanismo, onde a soberania é o supremo e único princípio teológico, não se sente necessidade alguma de satisfazer a justiça divina. Deus pode perdoar quem ele quiser; a soberana vontade pode ditar em quaisquer bases. Por isso ela constitui um grande avanço na teologia latina assim como uma evidência da sua imensuráve' superioridade com relação ao maometanismo quando, pela primeira vez, Anselmo, de modo claro e enfático afirmou uma necessidade interior no ser divino de que a justiça seja satisfeita pela afronta da pecaminosidade humana contra ela".
Henry George, Progress and Poverty, 481 - "Nos dias do feudalismo, pensava-se que o céu era organizado em base feudal e que a primeira e segunda

428
Augustus Hopkins Strong
pessoas da Trindade eram suseranas como comandantes em chefe". William James, Varieties of Religious Experíence, 329,830 - "O tipo monárquico de soberania era, por exemplo, tão firmemente plantado na mente dos nossos pais que a sua imaginação requereu uma dose de crueldade e arbitrariedade no seu Deus. Chamavam a crueldade de 'justiça retributiva' e, sem ela, indubitavelmente Deus não as teria abatido. Hoje, porém, detestamos a própria noção de sofrimento eterno; e este tratamento arbitrário da salvação e da perdição seletiva de indivíduos, de que Jonathan Edwards poderia persuadir- se não só da sua própria convicção, mas uma 'convicção prazerosa', como a doutrina 'do grande prazer, do brilho e da doçura' parece-nos, senão algo soberana, irracional e fraca".
Em sua ânsia de manter a eficácia da expiação de Cristo uma obediência passiva, a obediência ativa, perfeitamente expressa na Escritura, tem insuficiente ênfase e quase se perde de vista.
Sozinhas, nem a obediência ativa de Cristo, nem a sua paixão obediente podem salvar-nos. Como veremos mais adiante em nosso exame da doutrina da justificação, esta era necessária como base sobre a qual a nossa pena pode ser remida; aquela como base sobre a qual podemos ser admitidos ao favor divino. Calvino refletia o elemento passivo no ponto de vista de Anselmo nas seguintes passagens da Instituição Cristã; II, 17.3 - "Deus, para quem nós éramos detestáveis por causa do pecado, foi aplacado pela morte do seu Filho e se fez propício a nós". ... II, 16.7 - "É necessário considerar como ele mesmo substituiu a fim de pagar o preço da redenção. A morte nos pôs sob o seu jugo, mas ele, em nosso lugar, libertou a si mesmo em seu poder para isentar-nos daquele jugo". ... II, 16.2 - "Cristo interpôs e levou o que, pelo justo juízo de Deus, ameaçava os pecadores; com o seu próprio sangue expiou o pecado que os tornava detestáveis a Deus; através desta expiação satisfez e propiciou devidamente o Pai; por esta intercessão aplacou a sua ira; baseado nisto, estabeleceu a paz entre Deus e os homens; e por este laço garantiu-lhes a benevolência divina".
Tem-se dito que Anselmo considera a morte de Cristo não como uma punição vicária, mas como um sacrifício voluntário por cuja compensação a culpa foi retirada e justificada. Deste modo Neander, Hist. Christ. Dogmas (Bohn), 2.517, entende que Anselmo ensina "a necessidade de uma satisfactio viçaria activa", e diz: "Não encontramos nos seus escritos a doutrina de uma satisfactio passiva; em lugar nenhum ele diz que Cristo suportou a punição dos homens". Shedd, História da Doutrina Cristã, 2.282, julga que isto é um falso entendimento de Anselmo. A Encyclopaedia Britannica segue o ponto de vista de Shedd quando fala dos sofrimentos de Cristo como uma pena: "A justiça do homem demanda satisfação; e, como um insulto à honra infinita, a satisfação deve ser infinita, /.e., deve descarregar tudo o que não é de Deus. Tal pena só pode ser paga pelo próprio Deus e, como no caso do homem, a pena deve ser paga na forma de homem. A satisfação só é possível através do Deus- homem. Ora, este Deus-homem, sem pecado, é isento da punição do pecado; por isso a sua paixão é voluntária, não dada por obrigação. Por isso, o

Teologia Sistemática
mérito dela é infinito; deste modo aplaca-se a justiça de Deus e a sua misericórdia se estende ao homem". Para Anselmo a verdade parece que a obediência de Cristo é passiva ao satisfazer a justiça de Deus suportando o castigo que o pecador merece; mas ao mesmo tempo ele sustenta que a obediência de Cristo é ativa, pelo fato de que ele suportou a pena voluntariamente quando não tinha obrigação alguma de fazer isto.
Shedd, Dogm. Theology, 2.431, 461, 462 - "Cristo não só sofreu a pena, mas obedeceu o preceito da lei. Neste caso, a lei e a justiça cumprem tudo o que lhes é devido. Mas, quando o perdido sofre sozinho a pena, mas não obedece o preceito, defrauda-se a lei numa parte dos seus deveres. Não há obediência completa da lei, se somente se suporta a pena. ... Conseqüentemente o pecador nunca pode satisfazer completa e exaustivamente a lei divina, por mais que ele sofra, porque ele não pode de uma vez e simultaneamente suportar a pena e obedecer o preceito. Ele deve 'dez mil talentos' e não tem 'com que pagar' (Mt. 18.24,25). Mas Cristo o fez e por isso ele 'engrandeceu-o pela lei e o fez grandioso' (Is. 42.21, num grau infinitamente mais elevado do que toda a família humana poderia ter feito se todos sofressem pelos seus pecados".
Permite um peso desproporcional às passagens da Escritura que representam a expiação sob analogias comerciais, como o pagamento de dívida ou resgate, para a exclusão daqueles que a descrevem como um fato ético, cujo valor deve ser estimado não quantitativamente, mas qualitativamente.
Milton, Paradise Lost, 3.209-213 - "Morra ele, ou a justiça, a não ser que por ele morra um outro, capaz e de livre vontade, e pague a rígida satisfação: morte por morte". O principal texto sobre o qual se apóiam os defensores da teoria Comercial é Mt. 20.28 - "dar a sua vida em resgate de muitos". Pfleiderer, Philos. Religion, 1.257 - "A obra de Cristo, do modo em que Anselmo a construiu, não é nada mais que o protótipo da execução e satisfação meritórias da parte dos santos da igreja e, por isso, do ponto de vista da igreja medieval, é um pensamento logicamente perfeito. O mais notável é que as igrejas da Reforma podiam estar satisfeitas com esta teoria não obstante a completa contradição com a sua mais profunda consciência moral. Se, segundo os princípios protestantes gerais, não há obras meritórias supererrogatórias, então é de se supor que elas não sejam aceitas nem no caso de Jesus".
E. G. Robinson, Christian Theology, 258 - "Abelardo rejeitou a teoria anselmiana por basear a expiação na justiça em vez de baseá-la na benevolência e por considerar insuficiente o poder dos sofrimentos e morte de Cristo na busca de uma mudança subjetiva no homem". Enciclopédia Britânica, 2.93 (art. Anselmo) - "Esta teoria exerceu enorme influência na forma da doutrina da igreja. É sem dúvida um avanço na teoria da antiga patrística até onde ela substitui por uma competição entre Deus e Satanás, competição entre a bondade e a justiça de Deus; mas coloca a relação toda em base simplesmente legal, não dá nenhuma direção ética nem reconhece que a consciência do indivíduo deve ser redimida. A respeito disto contrasta desfavoravelmente mais tarde com a teoria de Abelardo".

430
Augustus Hopkins Strong
Representa a expiação como tendo referência só com o eleito e ignora as declarações da Escritura de que Cristo morreu por todos.
Como Agostinho, Anselmo limita a expiação aos eleitos. Contudo, Leão, o Grande, em 461, afirmou que "Tão precioso é o derramamento do sangue de Cristo pelo injusto, que, se todo o universo de cativos cresse no Redentor, não haveria cadeia do diabo que pudesse contê-lo" (Crippen, 132). O Bispo Gailor, da Igreja Episcopal, ouviu o general Booth em Memphis dizerem 1903: "Amigos, Jesus derramou o seu sangue para pagar o preço, e comprou da parte de Deus a salvação suficiente para rodear o mundo". O Bispo diz: "Senti que este ponto de vista da salvação é diferente do meu. Contudo, tal ensino, parcial como é, eleva os homens aos milhares, do lodo e do vício do pecado para o poder e pureza da nova vida em Jesus Cristo".
Foster, Christiart Life and Theology, 221 - "Anselmo não estabelece uma clara conexão entre a morte de Cristo e a punição do pecado, visto que ele faz a obra supererrogatória voluntária e, conseqüentemente 'é natural' que o perdão seja dado aos pecadores. Contudo a sua teoria serve para transmitir aos teólogos posteriores a grande idéia da expiação objetiva".
Tem o defeito de sustentar uma transferência meramente externa da obra de Cristo enquanto não estabelece claramente a base interna de tal transferência na união do crente com Cristo.
Tomás de Aquino forneceu este suplemento necessário, a saber, a doutrina da União do Crente com Cristo, Summa, pars 3, quaes. 8. A teoria anselmiana é de tendência romanista, como a teoria a ser mencionada a seguir é de tendência protestante. P. S. Moxom afirma que a salvação não é por substituição, mas que a substituição é por incorporação. Preferimos dizer que a salvação é por substituição, mas esta é por incorporação. Incorporação envolve substituição e a dor de um outro aplica-se a mim. Sendo incorporado à humanidade, tudo a que a humanidade está exposta e todas as suas tendências recaem sobre Cristo. Simon, Reconciliação através da Encarnação, tenta unir os dois elementos da doutrina.
Lidgett, Spir. Prin. ofAtonement, 132-189-"Anselmo representa a morte de Cristo não como nossa em qualquer sentido em que podemos entrar. Bushnell, com precisão afirma que ela não tem nenhuma dinâmica moral na Cruz".
6a)Teoria Ética da Expiação.
Ao propor o que podemos conceber como sendo a verdadeira teoria da expiação, parece desejável dividir nosso enfoque em duas partes. Nenhuma teoria pode ser satisfatória se não fornecer uma solução para os dois problemas: 1. O que a expiação cumpriu? ou, em outras palavras, qual foi o objetivo da morte de Cristo? A resposta a esta pergunta deve ser uma descrição da expiação na sua relação com a santidade de Deus. 2. Qual o meio utilizado?

Teologia Sistemática
ou, em outras palavras, como poderia, com justiça, Cristo morrer? A resposta a esta pergunta deve ser uma descrição da expiação surgindo da relação de Cristo com a humanidade. Ocupar-nos-emos destas duas partes do assunto seguindo uma ordem.
Edwards, Works, 1.609, diz que duas coisas fizeram dos sofrimentos de Cristo uma satisfação pela culpa humana: 1) sua igualdade e equivalência à punição do merecimento do pecador; 2) a união entre Cristo e o merecimento e a propriedade do seu ser aceito, no sofrimento, como representante do pecador. Cristo suportou a ira de Deus: 1) à vista do pecado e do castigo;
suportando os efeitos da ira ordenada por Deus. Estas afirmativas de Edwards sugerem dois pontos de vista a partir dos quais consideramos a expiação; mas eles resumem declarações da Escritura que não afirmam distintamente a resistência ao sofrimento da pena propriamente dita. Deste modo eles abrem caminho para as teorias da Nova Escola sobre a expiação, propostas pelos sucessores de Edwards.
Adolphe Monod, com propriedade, diz: "Salve primeiro a lei santa de Deus; depois disto salve-me". Edwards sentiu a primeira destas necessidades, pois ele diz em seus Mistérios da Escritura, Works, 3.542 - "A necessidade da satisfação de Cristo a respeito da justiça divina é como se fosse o centro e elo de todas as doutrinas da revelação pura. As outras doutrinas são relativamente de pouca importância a não ser que se relacionem com esta". E em sua Obra da Redenção, 1.412 - "Cristo nasceu com a finalidade para a qual morreu; por isso ele começou a morrer logo que nasceu". Ver Jo. 12.32,33 - "E eu, quando for levantado da terra, todos atrairei a mim. Mas ele dizia isso significando com que morte havia de morrer". Cristo "foi levantado"; 1. como propiciação à santidade de Deus, que faz o sofrimento seguir-se ao pecado, fornecendo, deste modo, a única base para o perdão exterior e a paz interior;
como um poder de purificar os corações e vidas dos homens, Jesus é "a serpente levantada no deserto" (Jo. 3.14), e nós vencemos "por causa do sangue do Cordeiro" (Ap. 12.11).
Primeiro: A Expiação relacionada com a santidade em Deus.
A teoria Ética sustenta que a necessidade da expiação se baseia na santidade de Deus, da qual a consciência do homem é reflexo finito. Há um princípio ético na natureza divina, que exige que o pecado seja punido. Afora os seus resultados, o pecado presta essencialmente um desserviço. Como nós, que fomos feitos à imagem de Deus, marcamos nosso crescimento na pureza através da crescente presteza com que detectamos a impureza e a crescente aversão para com ela, assim a infinita pureza é um fogo consumidor de toda a iniqüidade. Como há uma exigência ética em nossa natureza de que não só a iniqüidade dos outros, mas também a nossa, seja visitada com a punição e uma consciência aguçada não pode descansar até que tenha satisfeito a justiça

432
Augustus Hopkins Strong
para com os seus maus atos, assim há uma exigência ética da natureza de Deus de que a pena se siga ao pecado.
A santidade de Deus tem como suas correlatas e conseqüências a consciência e a pena. Gordon, Christ of Today, 216 - "Na antiga Atenas, a rocha sobre cujo topo sentava-se o Tribunal do Areópago, representando a mais elevada razão e o melhor caráter do Estado Ateniense, tinha sob si a Caverna das Fúrias". Shakespeare conhecia a natureza humana e testemunhava da necessidade da expiação. Em sua última Vontade e Testamento escreve: "Em primeiro lugar encomendo a minha alma às mãos de Deus, meu Criador, esperando e crendo firmemente, nos méritos de Cristo Jesus meu Salvador, para tornar-me participante da vida eterna". Ricardo III, 1.4-"Determino-vos, na esperança de ter a redenção pelo sangue precioso de Cristo derramado por nossos pecados, que vos retireis e não ponhais a mão em mim". Ricardo II, 4.1 - "O Resgate do mundo, bendito Filho de Maria". Henrique IV, 2- parte,
3.2 - "Aquele terrível Rei tomou sobre si o nosso estado para livrar-nos da maldição da ira do Pai. Henrique VI, 1§ parte 1.1 "Aqueles campos santos sobre cujos solos andaram os benditos pés que, há catorze séculos em nosso benefício foram cravados na amarga Cruz". Medida sobre Medida, 2.2 - "Por que todas as almas que há foram esquecidas de uma vez; e ele podia com grande vantagem ter rejeitado o remédio". Henrique VI, 2a parte, 1.1 - "Ora, por que a morte daquele que morreu por todos"! Vai Bem Tudo que Termina Bem, 3.4 - "Que anjo abençoará aquele indigno esposo? Ele não pode prosperar a não ser que as orações daquela de quem os céus se deleitam em ouvir e que gosta de admitir, o afaste da ira da maior justiça".
A punição é a reação constitucional do ser de Deus contra o mal moral - a auto-afirmação da santidade infinita contra seu antagonista que seria seu destruidor. Em Deus esta demanda é desprovida de toda paixão e é consistente com a infinita benevolência. É uma demanda de que não se pode escapar, visto que a santidade de que brota é imutável. Portanto, a expiação é uma satisfação da exigência ética da natureza divina pela substituição dos sofrimentos penais de Cristo para a punição da culpa.
John Wessel, reformador antes da Reforma (1419-1489): "Ipso deus, ipse sacerdos, ipse hostia, pro se, de se, sibi satisfecit" = "Ele mesmo, ao mesmo tempo Deus, sacerdote e vítima sacrificial, satisfez-se a si mesmo, em favor de si mesmo [i.e. pelos pecados dos homens aos quais se uniu] e através de si mesmo [pelos seus próprios sofrimentos, não tendo pecado".Os Emblemas de Quarles (Francisco Quarles): "Ó profundidades sem fim! Ó ilimitado amor! Morre o que sofre as ofensas, para libertar os ofensores"!
Spurgeon, Autobiography, 1.98 - "Quando nas mãos do Espírito Santo, sob a convicção do pecado, tive claro e agudo senso da justiça de Deus.
O que quer que seja para as outras pessoas, o pecado tornou-se para mim um fardo intolerável. Não é que eu sentisse tanto o inferno, como sentia o

Teologia Sistemática
pecado e sempre tive em mente a preocupação de honrar o nome de Deus e a integridade moral do seu governo. Senti que ela não satisfaz a minha consciência se, injustamente, eu vier a cair no esquecimento. Veio, então, a pergunta: 'Como pode Deus ser justo e ainda justificar-me a mim que tenho sido tão culpado'? ... A doutrina da expiação é, na minha mente, uma das mais seguras provas da inspiração da Escritura Sagrada. Quem pensaria ou poderia pensar no justo Governante"?
Esta substituição é desconhecida da mera lei e está acima e além dos poderes da lei. É uma operação da graça. Contudo, a graça não viola ou suspende a lei, mas vale-se dela e cumpre-a. A retidão da lei é mantida no sentido de que a fonte de toda a lei, o juiz e o punidor voluntariamente se submetem para manter a pena e mantê-la na natureza humana que cometeu pecado.
Matheson, Moments on the Mount, 221 - "Na consciência, o homem condena e é condenado. Cristo é Deus em carne, tanto é sacerdote com vítima sacrificial (Hb. 9.12). Ele é 'cheio de graça' - graça perdoadora - mas 'também é 'cheio de verdade e, deste modo, 'o unigênito do Pai' (Jo. 1.14). "não é um perdão que ignora o pecado, não uma justiça sem misericórdia. Ele perdoa o pecador porque leva o seu pecado". Kaftan, referindo-se a alguns teólogos modernos, que voltaram à velha doutrina, mas que disseram que a base da expiação não é a idéia jurídica da punição, mas a da propiciação, afirma:
"Ao contrário da mais elevada idéia ética da propiciação é exatamente a da punição. Afaste esta idéia, e a propiciação se toma nada que não seja a idéia de aplacar a ira de uma divindade enfurecida. Exatamente a idéia do sofrimento vicário no castigo de alguma forma deve apontar para a plena expressão da consciência ética.
"A consciência despertada por Deus não pode aceitar perdão algum sem que ao mesmo tempo experimente a condenação do pecado.... Embora sem pecado e sem merecer castigo, Jesus tomou sobre si o mal que veio ao mundo como conseqüência e castigo do pecado na vergonhosa morte na cruz pela mão dos pecadores.... Conseqüentemente, em benefício do homem, ele suportou tudo o que este merecia e que, em decorrência, escapou ao castigo final eterno e tornou-se filho de Deus. ... Esta não é simplesmente uma conclusão subjetiva de fatos correlatos, mas algo objetivo e real que a fé conhece e reconhece".
Assim, a expiação responde à demanda ética da natureza divina de punir o pecado e o ofensor ficar livre. Ficam os interesses do governo divino garantidos como o primeiro resultado desta satisfação do próprio Deus de cuja natureza o governo é expressão; como segundo resultado faz-se a provisão às necessidades da natureza humana: por um lado, a necessidade de uma satisfação objetiva da demanda ética de uma punição do pecado e, por outro, a necessidade de uma manifestação do amor divino e misericórdia que afetará o coração e moverá para o arrependimento.

434
Augustus Hopkins Strong
A grande passagem clássica sobre a expiação é Rm. 3.25,26 - "ao qual Deus propôs para propiciação pela fé no seu sangue, para demonstrar a sua justiça pela remissão dos pecados dantes cometidos, sob a paciência de Deus; para a demonstração da justiça neste tempo presente, para que ele seja justo e justificador daquele que tem fé em Jesus". Ou, em tradução um tanto mais livre, ler-se-ia a passagem da seguinte maneira: - "a quem Deus propôs em seu sacrifício propiciatório, através da fé, mostrar a sua justiça por conta da pretermissão das ofensas passadas na paciência de Deus; a fim de declarar a sua justiça no tempo presente de sorte que ele seja justo e justifique aquele que crê em Jesus".
EXPOSIÇÃO DE RM 3.25,26. - Estes versos são o desenvolvimento de uma afirmação do assunto da epístola - a revelação da "justiça de Deus" (a justiça que Deus provê e aceita) - mencionada em 1.17, mas agora com nova luz e demonstração em 1.18-3.20, que tanto gentios como judeus estão sob condenação e igualmente estão impedidos da salvação por outro método além das suas obras. Resumimos aqui a substância do comentário de Meyer sobre esta passagem.
"V. 25. 'Deus propôs Cristo como oferta propiciatória, através da fé, por meio do seu sangue, èv xrô a-òxcm aíncra não pertence a 7iíaTecoç, mas a 7tpoéôeTO. O propósito desta colocação em seu sangue é eiç evSei^iv xfjç 8iKaiocróvTiç cdnoí}, 'para a declaração pública da sua justiça [judicial e punitiva]', que recebeu a sua satisfação na morte de Cristo como oferta propiciatória e, por isso, demonstrada e apresentada de um modo prático. 'Por conta da supressão dos nossos pecados que anteriormente ocorreram', /.e., porque ele permitiu que os pecados anteriores a Cristo não tivessem punição, pelo que se perdeu de vista a sua justiça e se obscureceu e passou a necessitar de uma evSei^iç, ou declaração pública aos homens. Omissão não é absolvição, rópeaiç, a supressão, é o elemento intermediário entre o perdão e o castigo. A expressão 'em virtude da paciência de Deus' expressa o motivo da rápeaiç. Antes do sacrifício de Cristo, a administração de Deus era um escândalo; era necessária a vindicação. A expiação é a resposta de Deus para a mudança da libertação do culpado.
V. 26. eiç tò eívat não é o epexegético de eiç êvôei^iv, mas apresenta a teleologia do íXaa-nípiov, que é o alvo final de toda a afirmação õv 7ipoé-ôexo para Kaipcò - a saber, em primeiro lugar, Deus ser justo e, em segundo lugar, aparecer justo em conseqüência disto. Justus et justificans, em vez de jus- tus et condenans, é o summum paradoxon evangelicum. A graça é a base determinante desta revelação da justiça, não através da condenação, mas da expiação".
Repetimos o que se disse nas págs. 719 e 720 (43 de Ofícios) a respeito do ensino da passagem, a saber, que ela mostra: 1) que a morte de Cristo é um sacrifício propiciatório; 2) que o seu primeiro e principal efeito recai sobre Deus; 3) que o atributo particular em Deus demanda a expiação na sua justiça, ou santidade; 4) que a satisfação da sua santidade é condição necessária para que Deus justifique o crente. Só de um modo incidental e subordinado é que a expiação é uma necessidade para o homem; Paulo disto fala principalmente como uma necessidade para Deus. Na verdade Cristo sofre para que Deus apareça justo; mas atrás desta aparição está a realidade; o principal

Teologia Sistemática
objetivo do sofrimento de Cristo é que Deus seja justo enquanto perdoa o pecador crente, a saber, a base da expiação é às vezes interior ao próprio Deus. Ver Hb. 2.10 - "convinha" que Deus = é moralmente próprio de Deus, fazer Cristo sofrer; cf. Zc. 6.8 - "aqueles que saíram para a terra do Norte fizeram repousar o meu Espírito na terra do Norte" = os juízos aplicados à Babilônia satisfizeram a minha justiça.
Charnock: "Aquele que uma vez 'apagou a violência do fogo' para os filhos dos hebreus também apagará, da ira de Deus contra o pecador, o fogo mais quente que a fornalha mais aquecida o sétuplo". O mesmo Deus, que é um Deus de santidade e que, em virtude disso deve punir o pecado humano, é também um Deus de misericórdia e, em virtude desta, ele mesmo suporta a punição do pecado humano. Dorner, Geschichte prot. Theologie (História da Teologia Protestante, 93 - "Cristo não só é o mediador entre Deus e o homem, mas entre o Deus justo e o Deus misericordioso" - cf. SI. 85.10 - "A misericórdia e a verdade se encontraram; a justiça e a paz se beijaram".
"A consciência demanda a ação vicária porque a consciência declara que o perdão gratuito não seria justo".
Lidgett, Spir. Principie of the Atonement, 219, 304 - "A expiação 1. tem sua significação na direção de Deus; 2. consiste em que Senhor suporta a morte em nosso favor; 3. o espírito em que ele suportou a morte é de vital importância na eficácia do seu sacrifício, a saber, a obediência. Deus dá o arrependimento, contudo, o requer; dá a expiação, contudo, a requer. 'Graças a Deus, pois, pelo seu dom inefável' (2 Co. 9.15)''. Simon, em Expositor, 6.321- 334 (em substância) - "Como na oração pedimos a Deus que nos dê energia e nos capacite a obedecer a sua lei e ele responde entrando no nosso coração e obedecendo em nós e por nós; como oramos pedindo força na aflição e achamo-lo ajudando-nos ao introduzir o seu Espírito em nós e sofrendo em nós e por nós; do mesmo modo, na expiação, Cristo, o Deus manifesto obedece e sofre em nosso lugar. Até mesmo a teoria moral implica também a substituição. Deus, em nós, obedece a sua própria lei e suporta as tristezas que o pecado causou. Por que não pode ele, na natureza humana, suportar também a pena do pecado? Tal possibilidade não pode ser consistente- mente negada por qualquer pessoa que crê no socorro divino concedido em resposta à oração. A doutrina da expiação e a da oração estão juntas e abran- gem-se".
Segunda: A expiação relacionada com a Humanidade em Cristo.
A teoria ética da expiação sustenta que se põe em tal relação com a humanidade que o que a santidade de Deus demanda que Cristo tem a obrigação de pagar e paga plenamente em virtude de sua dupla natureza para que a reivindicação da justiça seja satisfeita e o pecador que aceita o que Cristo fez em sei: favor seja salvo.
O Dr. R. W. Dale, em sua obra sobre a Expiação, propõe-nos a segunte pergunta: "Qual deve ser a relação de Cristo com os homens, afim de possibilitar que ele morra por eles"? Mudamos a forma da pergunta de modo que

436
Augustus Hopkins Strong
se leia: "Qual deve ser a relação de Cristo com os homens a fim de, não só possibilitar, mas tornar justo e necessário que ele morra em favor deles"?
Em síntese, Dale responde que Cristo deve ter tido uma relação original e central com a raça humana e com cada um dos seus membros. Quando tratamos do Monismo Ético, da Trindade e da pessoa de Cristo, mostramos que Cristo, como Logos, como Deus imanente, é a vida da humanidade, carregado da responsabilidade pelo pecado humano, conquanto não conheça pessoalmente nenhum pecado. Desta responsabilidade e culpa raciais que Cristo assumiu e pelas quais ele sofreu logo que o homem pecou, a obediência e o sofrimento de Cristo na carne foram o reflexo e revelação visíveis. Só na união orgânica de Cristo com a raça podemos encontrar a relação vital que fará o seu sofrimento vicário ou possível, ou justo. Só quando consideramos o Calvário revelador dos princípios eternos da natureza divina, podemos ver como os sofrimentos das poucas horas sobre a cruz seriam suficientes para salvar os milhões de seres humanos.
O Dr. E. Y. Mullins propõe a doutrina da Expiação em cinco proposições:
"1. Para a expiação, Cristo se uniu vitalmente à raça humana. Só mesmo assumindo a natureza daqueles é que ele iria redimir para quebrar o poder do seu captor.... A raça humana pode assemelhar-se a muitos pardais que foram capturados numa armadilha do caçador e desesperadamente lutam contra o seu destino. Uma grande águia vertiginosamente desce do céu, embaraça-se com os pardais na rede e, abrindo as suas poderosas asas sobe levando a armadilha e os cativos e, rompendo as malhas liberta-se e liberta-os. ... Cristo, a fonte da vida, dando de si mesmo a vitalidade aos redimidos e, fazendo- os participar das experiências do Getsêmani e do Calvário, rompendo-lhes deste modo o poder do pecado e da morte - eis aí a expiação em virtude da qual retira-se o pecado, e o homem se une a Deus".
O Dr. Mullins, com propriedade, considera este ponto de vista da expiação por demais estreito visto que ele desconsidera as diferenças entre Cristo e os homens que surgem da sua impecaminosidade e da sua divindade. Por isso acrescenta que 2. "Cristo tornou-se o substituto dos pecadores; 3. tornou-se o representante dos homens diante de Deus; 4. ganhou força sobre os corações humanos para tirá-los do pecado e reconciliá-los com Deus; e 5. tornou- se propiciação e satisfação, fazendo a remissão dos pecados consistente com a santidade divina". Se a união de Cristo com a raça começa com a criação e antedata a queda, mais tarde todos os pontos do esquema acima são apenas correlatos naturais e conseqüências do primeiro; substituição, representação reconciliação, propiciação, satisfação, tornam-se apenas aspectos da obra que Cristo fez por nós em virtude do fato de que ele é Deus imanente, a vida da humanidade, sacerdote e vítima, condenador e condenado, expiador e expiado.
Vimos como Deus pode, com justiça, exigir satisfação; agora mostramos que Cristo pode, com justiça realizá-la; ou, em outras palavras, como o inocente pode, com justiça sofrer pelo culpado. A solução do problema está na união de Cristo com a humanidade. O primeiro resultado dessa união é a obrigação de sofrer pelo homem; visto que, sendo um com a raça, Cristo teve uma

Teologia Sistemática
participação na responsabilidade da raça com a lei e a justiça de Deus. Nele a humanidade foi criada; em cada estágio da existência a humanidade foi sustentada pelo seu poder; como Deus imanente, ele era a vida da raça e de cada membro dela. A participação de Cristo na vida do homem, com justiça e inevitavelmente, sujeitou-o à exposição do homem e suscetibilidade e especialmente à condenação de Deus por causa do pecado.
No sétimo capítulo de Elsie Venner, Oliver Wendell Holmes faz o Rev. Sr. Honeywood pôr de lado um velho sermão sobre a natureza humana e escreve um sobre as Obrigações de um Criador infinito para com uma Criatura finita. A. F. J. Behrends baseava a relação representativa do nosso Senhor não na natureza humana, mas na divina. "Ele é nosso representante não porque estava nos lombos de Adão, mas porque nós, incluindo Adão, estamos nos lombos dele. A existência pessoal criada baseia-se no Logos, de modo que Deus deve tratá-lo do mesmo modo que cada pecador individualmente e o pecado e a culpa e a punição devem afligir o Logos e o pecador, e isto, quer o pecador seja salvo, quer não. Não se trata, como freqüentemente se diz, de uma negação da graça ou da liberdade na graça, porque ela não é uma negação da liberdade ou da graça a fim de mostrar que são eternamente racionais e estão em conformidade com a lei eterna. Na esfera ideal, a necessidade e a liberdade, a lei e a graça fundem-se". J. C. C. Clarke, O Man and this Divine Father, 337 - "A expiação vicária não consiste em qualquer ato simples. ... Nenhum ato a abrange totalmente e nenhuma definição pode envolvê-la". Neste sentido podemos adotar as palavras de Forsyth: "Na expiação, o Pai Santo trata o pecado do mundo sobre (não dentro de) uma alma cósmica".
B. Foster, sobre Mt. 26.53,54 - "Ou pensas tu que eu não poderia, agora, orar a meu Pai e que ele me daria mais de doze legiões de anjos? Como, pois, se cumpririam as Escrituras, que dizem que assim convém que aconteça". "A Escritura se baseia nesta expressão 'que aconteça', e não o contrário. A expressão 'que aconteça' é a demanda ética da sua conexão com a raça. Ter-lhe-ia sido imoral safar-se do organismo. A lei do organismo é: cada um segundo a sua capacidade; a cada um segundo a necessidade. Davi nas canções, Aristóteles na lógica, Darwin na ciência, têm a obrigação de contribuir para o organismo com os seus talentos. Será que eles têm a obrigação e Jesus está livre dela? Mas Jesus pode contribuir e, porque pode, deve. Contudo, ele é membro não só do todo, mas de cada parte; Rm. 12.5 - 'membros uns dos outros'. Como a membresia do todo pende para o pecado do todo, assim o fato de que ele é membro da parte o faz responsável pelo pecado daquela parte".
Fairbairn, Place of Christ in Modem Thelogy, 483,484 - "Há um sení:do em que a teoria patripassiana está certa; o Pai sofreu; apesar de que não sofreu como o Filho, mas de modo distinto e diferente. ... Através da sua piedade o homem tornou-se a sua tristeza.... Há uma revelação do seu sofrimento na rendição do Filho. Esta rendição representa o sacrifício e a paixão de toda a Divindade. Neste ponto não se aplicam o grau e proporção; se não fosse assim, poderíamos dizer que o Pai sofreu mais por dar o Filho do que

438
Augustus Hopkins Strong
este ao ser entregue. Aquele que dá por dever não tem a recompensa daquele que se regozija em fazê-lo. ... Um membro da Trindade não pode sofrer sem que os demais sofram. ... O sacrifício visível é o do Filho; o invisível é do Pai". A Teoria de Andover, representada em Ortodoxia Progressiva, 43-53, afirma não só a Influência Moral da Expiação, mas também que a raça toda está naturalmente em Cristo e, por isso foi punida no seu sofrimento e morte e através destes.
A participação de Cristo na responsabilidade da raça para com a lei e justiça de Deus não foi destruída pela encarnação, nem pela sua purificação no ventre da Virgem. Em virtude da unidade orgânica da raça, cada membro da raça, desde Adão, nasceu no mesmo estado em que Adão caiu. As conseqüências do pecado de Adão, tanto para si como para sua posteridade, são: 1) depravação, ou corrupção da natureza humana; 2) culpa, ou obrigação de prestar satisfação pelo pecado à santidade divina; 3) pena, ou verdadeira perda ou sofrimento visitado por aquela santidade sobre a culpa.
Moberly, Atonement and Personality, 117 - "Cristo tomou sobre si, como expressão viva de si mesmo, uma natureza que pesava, não só pela incapacidade presente, mas por esta como parte do resultado judicial necessário da pecaminosidade aceita e inerente. A natureza humana não é apenas incapaz, mas culpada e é, por si, conseqüência e aspecto da culpa". Lidgett, Espiritual Principies of Atonement, 166-168, critica o Dr. Dale por negligenciar o propósito paterno da expiação com o fim de servir à educação moral da criança - o castigo marcante causado pelo merecimento do mal, trazendo-o à consciência do ofensor; e também negligenciando a declaração positiva contida na expiação cuja lei é santa, justa e boa - algo mais que a expressão negativa do castigo pelo mal do pecado.
Bowne, Atonement, 101 - "Algo como esta obra da graça é a necessidade moral para com Deus. É uma terrível responsabilidade assumida quando a nossa raça humana foi apresentada com a sua terrível possibilidade da prática do bem e do mal. Por isso Deus se sente na obrigação de cuidar da sua família humana; reflexões sobre a sua posição como criador e governador, em vez de remover só tornam mais manifesta tal obrigação. Até onde podemos conceber Deus como sentado numa condição suprema e de satisfação de si mesmo, ele não é, afinal de contas, amor, mas apenas reflexo do nosso egoísmo e vulgaridade. Até onde podemos concebê-lo dando-nos da sua plenitude infinita, mas sem custo real para si, ele se iguala aos heróis da raça. Sempre é possível um pensamento mais elevado, até vermos Deus recebendo o mundo no seu coração, comungando com a nossa tristeza, carregando o nosso fardo e comandando todo o sacrifício de si mesmo. Só então ocorre a possibilidade da graça, do amor, do heroísmo moral e da condescendência, de sorte que nada sobra de mais elevado. E a obra do próprio Cristo, tornada um evento histórico, deve ser vista, não somente como uma parte da história, mas também como manifestação da cruz que estava oculta no amor divino

Teologia Sistemática
desde a fundação do mundo, e que, afinal de contas, envolve a existência do mundo humano".
John Caird, Fund. Ideas of Christianity, 2.90,91 - "Conceber o ideal de perfeição moral encarnada numa pessoalidade humana e ao mesmo tempo alguém que nos ama com amor tão absoluto que se identifica conosco e faz seu o nosso bem e o mal - reúne estes elementos num espírito humano vivo e consciente, e você tem nele a capacidade da vergonha e angústia, a possibilidade de carregar o fardo da culpa humana e derrota, que a humanidade perdida e culpada nunca poderia levar por si mesma".
Se Cristo tivesse nascido por geração comum, ele também teria tido depravação, culpa e pena. Mas ele não nasceu assim. No ventre da Virgem, a natureza humana que ele assumiu estava expurgada da depravação. Mas este expurgo da depravação não tirou a culpa ou a pena. Ainda foi deixada a justa exposição à pena da lei violada. Apesar de que a natureza de Cristo foi purificada, sua obrigação de sofrer ainda foi conservada. Ele podia ter deixado de se unir à humanidade e não necessitaria de ter sofrido. Podia ter separado esta conexão com a raça e não precisaria ter sofrido. Mas, uma vez nascido da Virgem, uma vez possuído da natureza humana que estava sob a maldição, ele tinha o compromisso de sofrer. Toda a massa e peso do desagrado de Deus contra a raça caíram sobre ele, uma vez que se tornou membro da raça.
Porque Cristo é em essência a humanidade, o homem universal, a vida da raça, ele é o cérebro central para o qual e através do qual devem passar todas idéias. Ele é o coração central ao qual e através do qual devem comunicar-se todas as dores. Você não pode telefonar para um amigo do outro lado da cidade sem primeiro chamar a central telefônica. Você não pode ferir o seu próximo sem primeiro ferir Cristo. Cada um de nós pode dizer com ele: "Contra ti, contra ti somente pequei" (SI. 51.4). Por causa da sua humanidade central e de total alcance, ele deve levar em sua própria pessoa o fardo de toda a humanidade e ser o "Cordeiro de Deus, que" toma e, deste modo, "tira o pecado do mundo" (Jo. 1.29). Simms Reeves, grande tenor inglês, diz que a música da paixão era muita coisa para ele; ele foi encontrado vencido depois de cantar as palavras do profeta em Lm 1.12 - "Não vos comove istc. todos vós que passais pelo caminho? Atendei e vede se há dor como a minha dor, que veio sobre mim, com que me entristeceu o Senhor, no dia do furor da sua ira".
O padre Damien dedicou a sua vida ao ministério na colônia de leprosos das Ilhas Havaianas. Embora, tendo entrado, estivesse livre da doença, fc: acometido da lepra e então escreveu: "Devo ficar com o meu povo". Uma vez leproso, não havia livramento. Uma vez ligado à humanidade, Cristo se expôs e estava sujeito a tudo que ocorria com a humanidade. Apesar de que ele pessoalmente não tem pecado, fez-se pecado por nós. Cristo herdou a culpa e a pena. Hb. 2.14,15 - "visto que os filhos participam da came e do sangue, também ele participou das mesmas coisas, para que, aniquilasse o que tinha

440
Augustus Hopkins Strong
o império da morte, isto é, o diabo, e livrasse todos os que, com medo da morte, estavam por toda a vida sujeitos à servidão".
Só Deus pode perdoar o pecado porque só ele pode senti-lo na verdadeira odiosidade e pô-lo no verdadeiro merecimento. Cristo pode perdoar o pecado porque ele acrescenta ao sentimento divino sobre o pecado a angústia de uma humanidade pura relativa a isso. S. W. Culver: "Não podemos ser salvos, assim como não podemos aprender geometria através da leitura ou do diagrama. Ninguém jamais salva um outro do afogamento permanecendo friamente ou dizendo-lhe da importância de aparecer na superfície e da necessidade da respiração. É preciso afundar-se no elemento destrutivo e assumir a condição da própria pessoa que está se afogando e, no exercício da sua própria força, no vigor da sua própria vida, salvá-lo da morte iminente. Quando o seu filho está envolto nas chamas que estão consumindo a sua casa, você não vai chamá-lo do lado de fora. Você atravessa o fogo devora- dor até que você esteja nas mesmas condições de perigo em que ele está e, daí, voltar trazendo-o à liberdade e segurança".
Contudo, note que esta culpa que Cristo tomou sobre si por sua união com a humanidade 1) não era a culpa do pecado pessoal - como pertence a todo membro adulto da raça; 2) nem mesmo a culpa da depravação herdada; tal culpa pertence às crianças e aos que não chegaram à consciência moral; mas
a culpa do pecado de Adão, que pertence antes à transgressão pessoal e independentemente da depravação herdada a cada membro da raça cuja vida derivou de Adão. Este pecado original e a culpa herdada, mas sem a depravação que ordinariamente os acompanha, Cristo a toma e tira-a. Ele pode com justiça suportar a pena porque ele herda a culpa. E visto que esta culpa não é pessoal, mas daquele pecado em quem "todos pecaram" - a da transgressão comum da raça em Adão, a do pecado, raiz de que todos os outros pecados surgiram - aquele que é pessoalmente puro pode de um modo vicário suportar a pena devida ao pecado de todos.
Cristo estava consciente da inocência nas suas relações pessoais, mas não de suas relações raciais. Ele reunia em si todas as penas da humanidade como Wilkelried reunia em seu seio em Sempach os picos austríacos e, deste modo, traçava o caminho para o vitorioso suíço. Cristo tomou sobre si a vergonha da humanidade como a mãe toma para si a vergonha da sua filha, arrependendo-se disso e sofrendo por isso. Mas este não pode ser o caso de Cristo a não ser que tenha havido um laço de união entre ele e os homens bem mais vital, orgânico e profundo do que o que une mãe e filha. Cristo é, por natureza, a vida de todos os homens antes de tornar-se espiritualmente a vida dos crentes verdadeiros. Matheson, Spir. Devei. ofSt. Paul, 197-215,244, fala do sacerdócio secular de Cristo, da membresia externa e interna do corpo de Cristo. Ele é o cabeça sacrificial do mundo assim como o da igreja. Nas suas últimas cartas, Paulo declara que Cristo é "o salvador de todos os

Teologia Sistemática
homens, principalmente dos fiéis" (1 Tm. 4.10). Há uma graça "trazendo salvação a todos os homens" (Tt. 2.11). Ele "deu dons a todos os homens"
(Ef. 4.8), "entre os rebeldes, para que o Senhor habitasse entre eles"
(SI. 68.18). "Porque toda a criatura de Deus é boa, e não há nada que rejeitar"
(1 Tm. 4.4).
Royce, World and Individual, 2.408 - "Nossas tristezas são idênticas às do próprio Deus. ... Pode ocorrer o cumprimento divino só através das tristezas do tempo. ... Se Deus não conhece a tristeza, ele não conhece o supremo bem, que consiste em vencê-la ". Godet, em The Atonement, 331-351 - "Jesus condena o pecado da mesma forma que Deus o condena. Quando ele se sentiu abandonado na cruz, executou aquele ato pelo qual o próprio ofen- sor condena o seu pecado e, através dessa condenação, no que depende dele mesmo, o faz desaparecer. Há apenas uma consciência em todos os seres morais. Este eco em Cristo sobre o juízo de Deus contra o pecado é uma repetição do eco em toda a consciência do ser humano. Isto tem transformado o amor compassivo de Deus em amor que executa a satisfação da parte dele. A santidade une o sofrimento ao pecado. Porém o elemento de reparação na cruz não está no sofrimento, mas na submissão. A criança que se revolta contra a sua punição afinal não fez a reparação. Apropriamo-nos da obra de Cristo quando, pela fé, condenamos o pecado e aceitamos o Salvador".
Se se perguntar se este não é simplesmente um sofrimento por seu próprio pecado, ou, ao invés disso, por participar do pecado da raça, respondemos que tal participação no pecado da raça não é a única razão por que ele sofre; só fornece a razão subjetiva e base para levar sobre si o pecado de todos. Aunião de Cristo com a raça na sua encarnação é somente a expressão exterior e visível da união anterior com a raça que começou quando ele a criou. Como "nele foram criadas todas as coisas" e "nele subsistem todas as coisas", ou mantém- nas juntas (Cl. 1.16,17), segue-se que aquele que é a vida da humanidade deve, apesar de sua pessoalidade pura, estar envolvido na responsabilidade por todo o pecado humano e "era necessário que Cristo padecesse" At. 17.3). Era o padecimento da reação da santidade divina contra o pecado e era assim o procedimento da pena (Is. 53.6; Gl. 3.13), mas era também a execução voluntária de um plano que antedatava a criação (Fl. 2.6,7) e o sacrifício de Cristo no tempo mostrou que ele tinha estado no coração de Deus desde a eternidade (Hb. 9.14; Ap. 13.8).
Ao tratarmos deste assunto, pretendemos enfrentar a principal objeção feita à expiação. Greg, Creed of Christendom, 2.222, fala da "doutrina estranhamente consistente de que Deus é tão justo que não pode deixar o pecado sem punição, embora tão injusto que possa puni-lo na pessoa dc inocente, ...
É próprio da dialética ortodoxa explicar como a justiça divina pode ser impugnada perdoando o culpado e, vindicada punindo o inocente". Afim de enfrentar

442
Augustus Hopkins Strong
esta dificuldade, apresentam-se os seguintes relatos da identificação de Cristo com a humanidade:
O de Isaac Watts (ver Bíblia Sacra, 1875,421). Sustenta que a humanidade de Cristo tanto no corpo como na alma preexistiu à encarnação e se manifestou aos patriarcas. Respondemos que se declara que a natureza humana de Cristo deriva da Virgem.
O de R. W. Dale (Atonement, 265-440). Sustenta que Cristo é responsável pelo pecado porque, como sustentador e como a vida de todos ele é naturalmente um com todos os homens e espiritualmente um com todos os crentes (At. 17.28 - "nele vivemos, nos movemos e existimos"; Cl. 1.17 - "todas as coisas subsistem por ele"; Jo. 14.20 - "estou em meu Pai, e vós, em mim, e eu, em vós"). Contudo, se o sofrimento de Cristo pelos nossos pecados deve ser explicado pela união do crente com Cristo, o efeito existe para explicar a causa e ele pode ter morrido só em favor dos eleitos. A sua união com a raça através da criação - que reconhece a pureza de Cristo e o pecado do homem - continuam sendo o mais valioso elemento da verdade na teoria do Dr. Dale.
O de Edward Irving. Cristo tem uma natureza corrompida, enfermidade inata e uma depravação que ele gradualmente vence. Mas, ao contrário disso, as Escrituras afirmam a sua santidade e separação dos pecadores. (Ver referências nas páginas 744-747 - Teoria irviniana da Depravação Gradualmente Extirpada).
O de John Miller, Theology, 114-128; também neste capítulo: Estava Cristo em Adão? em Questões levantadas pela Bíblia. Quanto à natureza humana, embora criada pura, contudo, como a da posteridade de Adão, foi concebida pecadora em Adão. Para ele atribuída "a culpa do ato no qual todos os homens uniam-se numa relação federal. ... Foi decretado que ele seria culpado pelos pecados da humanidade toda". Necessitamos de uma real união de Cristo com a humanidade e tal derivação da substância do seu ser pela geração natural de Adão, como o tornará não somente o herdeiro construtivo, mas o herdeiro natural da culpa da raça. Por isso chegamos ao que consideramos o verdadeiro ponto de vista, a saber:
O de que a humanidade de Cristo não é uma nova criação, mas derivou de Adão através de Maria, sua mãe; de modo que Cristo, no que tange à sua humanidade, estava em Adão como nós, e tem a mesma responsabilidade racial que nós temos. Como descendente de Adão ele é responsável pelo pecado deste, como qualquer outro membro da raça; a principal diferença é que, enquanto herdamos de Adão tanto a culpa como a depravação, aquele que o Espírito Santo purificou, herdou não a depravação, mas a culpa. Cristo tomou sobre si, não o pecado (depravação), mas as suas conseqüências. Nele foi abolido o pecado, sem abolir o sofrimento que ele causa; enquanto no crente existe a abolição da obrigação de sofrer, sem abolir o pecado propriamente dito.
Ajustiça dos sofrimentos de Cristo tem sido imperfeitamente ilustrada pela obrigação do silencioso sócio de uma firma de pagar as dívidas que ele pessoalmente não contraiu; ou a obrigação do marido de pagar as dívidas da esposa; o do comprador de uma terra de assumir as dívidas da província a que ela pertence (Wm. Ashmore). Tem havido homens que gastam a energia

Teologia Sistemática
da vida toda quitando as dívidas de um pai insolvente, enfermo há muito tempo. Eles reconhecem uma unidade orgânica da família que, moral ou legalmente tornam suas as responsabilidades do seu pai. Deste modo, se diz que Cristo reconheceu a unidade orgânica da raça e viu que, tendo-se tornado um com a raça pecadora, ele se envolveu nessas responsabilidades até no que se refere ao sofrimento da morte que é a grande pena do pecado.
O defeito de todas as analogias mencionadas é que elas são puramente comerciais. A transferência de uma obrigação financeira é mais fácil de entender do que uma responsabilidade criminal. Não posso, com justiça, suportar o castigo de um outro a não ser que de alguma forma eu compartilhe a sua culpa. A teoria que defendemos mostra que é possível a participação de Cristo na nossa culpa. Na substituição, todos os crentes sustentam que Cristo levou a nossa culpa: "A minha alma olha para traz e vê os fardos que levas- te quando suspenso no maldito madeiro e nele as esperanças da culpa a respeito do que ela cometeu". Mas reivindicamos que, em virtude da união de Cristo com a humanidade, a culpa não só foi imputada, mas também transferida.
Estavam em conexão com a obrigação de Cristo sofrer, apesar de que em menor escala, os resultados causados pelo fato de Cristo assumir a humanidade: em primeiro lugar as ânsias do sofrimento; em segundo, a inevitabilidade do sofrimento. Ele sentiu o anseio de sofrer o que o perfeito amor a Deus deve sentir em vista das demandas da raça, de que a santidade do Deus que ele ama mais do que o amor que ele tem pela própria raça; o que o perfeito amor ao homem deve sentir pelo fato de suportar a pena do pecado que o homem comete é apenas um recurso para salvá-lo. Por isso vemos Cristo levando a cruz com tão majestosa determinação que os discípulos se admiraram e se amedrontaram (Mc. 10.32). Pelo mesmo motivo ouvimo-lo dizer: "Desejei muito comer convosco esta Páscoa" (Lc. 22.15); "Importa que eu seja batizado com um certo batismo; e como me angustio até que venha a cumprir-se"! (Lc. 12.50).
Aqui está a verdade na teoria de Campbell sobre a expiação. Cristo é o grande Penitente diante de Deus; faz a confissão do pecado da raça, o que os outros da mesma raça nunca poderiam ver ou sentir. Porém o ponto de vista que apresentamos é maior e mais completo que o de Campbell, no sentido de que torna a confissão e reparação obrigatória em Cristo, o que o ponto de vista de Campbell não faz, e reconhece a natureza penal dos sofrimentos de Cristo, o que Campbell nega. Lias, Atonement, 79 - "Cabeça de um clã, leal ao seu rei, vê que o seu clã esteve envolvido em rebeldia. Quanto mais intensa e perfeita a sua lealdade, mais integral a sua nobreza de coração e sentimento pelo seu povo, mais inescusável e flagrante a rebeldia daqueles por quem ele pleiteia; mais aguda a sua agonia como representante e cabeça da raça. Nada mais verdadeiro à natureza humana, no melhor sentido da palavra, do que o conflito da lealdade ao seu rei e o sentimento pelos seus vassalos o induziria a oferecer a sua vida em favor deles, a pedir que a punição que eles merecem lhes seja infligida".
A segunda menor conseqüência de Cristo ter assumido a humanidade é que, sendo o que ele é, não poderia socorrer sofrendo; em outras palavras, o elemento obrigatório e esperado também é o inevitável. Visto que ele é um

444
Augustus Hopkins Strong
ser de perfeita pureza, o contato com o pecado da raça, da qual ele é membro, na verdade, envolve necessariamente o sofrimento do tipo mais intenso que podemos conceber. O pecado é por si mesmo isolante, mas o amor e a justiça têm em si o instinto da unidade humana. Em Cristo encontram-se todos os nervos e sensibilidade do ser humano. Eie é o único membro sadio da raça. Quando a vida volta à sua parte gélida, é nela que encontra a dor. Deste modo, Cristo, o único membro sensível da humanidade entorpecida e estupefata, sente todas as dores da vergonha e sofrimento que, com justiça, pertencem aos pecadores; mas estes não as sentem simplesmente por causa da intensidade da sua depravação. Porque Cristo é puro, embora unido a uma raça pecaminosa e culpada, portanto "convinha que Cristo padecesse" (At. 17.3); ver também Jo. 3.14 - "assim importa que o Filho do Homem seja levantado" = A encarnação sob as verdadeiras circunstâncias da humanidade, traz consigo a necessidade da Paixão" (Westcott, Com. Bibl. in loco).
Compare o Jornal de John Woolman, 4.5 - "Ó Senhor, meu Deus, assombrosos horrores das trevas reúnem-se em torno de mim, e me cobrem integralmente, e não vejo saída alguma; sinto o abismo e a extensão da miséria dos meus semelhantes, separados da harmonia divina, o que é mais do que eu possa suportar; sob ela sou esmagado; levanto a minha cabeça, estendo o braço, e não encontro coisa alguma que me socorra; olho em volta e fico assombrado. No abismo da miséria, lembro que tu és onipotente e que te tenho chamado Pai". Ele teve uma visão de uma "massa obtusa, melancólica", entenebrecendo a metade dos céus e disseram-lhe que isto era o "conjunto de seres humanos, na grande miséria em que se encontram e vivem; e mesclou-se entre eles e não pôde considerar-se distinto e separado deles".
Este sofrimento nos pecados dos homens e juntamente com estes, a que Bushnell deu tão forte ênfase, embora não seja, como ele pensava, o elemento principal, é, contudo, indispensável à expiação de Cristo. O sofrimento no pecador e com ele é um meio, embora não seja o único, que possibilita Cristo a suportar a ira de Deus, o que constitui a verdadeira pena do pecado.
EXPOSIÇÃO DE 2 Co. 5.21. - Falta-nos acrescentar à prova escriturísti- ca desta suposição natural da culpa humana de Cristo. Encontramo-la em 2 Co. 5.21 - "Àquele que não conheceu pecado o fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus". A palavra "justiça" aqui não pode significar pureza subjetiva, porque, nesse caso, a expressão "o fez pecado" significaria que Deus fez Cristo ser subjetivamente depravado. Como Cristo não se tornou sem santidade não pode ter o sentido de que nele nós nos tornamos pessoas santas. Meyer chama a atenção para este paralelo entre "justiça" e "pecado": - "Para que nele nos tornássemos a justiça de Deus" = que nos tornássemos pessoas justificadas. Por correspondência, "o fez pecado por nós" deve ser = o fez pessoa condenada. "Àquele que não conheceu pecado" = Cristo não teve experiência nenhuma do pecado - é o postulado necessário da sua obra da expiação. Por isso "fez pecado por nós", é o abstrato correspondente ao concreto e = fez um pecador no sentido de que a pena do pecado recaiu sobre ele. Esta é a substância do comentário de Meyer.
Contudo, devemos considerar esta interpretação da parte de Meyer um tanto desprovida do sentido pleno do apóstolo. Como a justificação não é somente remissão da verdadeira punição, mas também livramento da obrigação

Teologia Sistemática
de sofrer a punição, - a saber, como "justiça" no texto = pessoas libertas da culpa assim como da pena do pecado, - assim o termo "pecado" contrastado no texto, = uma pessoa não só verdadeiramente punida, mas também sob a obrigação de sofrer a punição; - a saber, Cristo se "fez pecado", não só no sentido de ser posto sob a pena, mas também no de ser posto sob a culpa.
Numa nota à última edição de Meyer, admite-se substancialmente isto. "Deve-se notar", diz ele, que áp.apxíav, como Koaápa em Gl. 3.13, inclui em si necessariamente a noção de culpa". Contudo, Meyer acrescenta: "A culpa que Cristo parece levar não é apenas dele (nf) yvóvxa áiiaptíav); é por isso que a culpa dos homens lhe foi transferida; conseqüentemente a justificação dos homens é atributiva". Aqui a implicação da culpa que Cristo suporta por atribuição parece-nos contrária à analogia da fé. Como o pecado de Adão é nosso porque, na verdade nós somos um com Adão e, como a justiça de Cristo nos é atribuída só porque nós somos, na verdade, unidos a ele, assim os nossos pecados lhe são atribuídos só porque, na verdade, ele é um com a raça. Ele se "fez pecado" fazendo-se um com os pecadores; tomou a nossa culpa, tomando a nossa natureza. Aquele que "não conheceu pecado" veio a ser "pecado por nós" nascendo de uma linhagem pecadora; por herança a culpa comum da raça tornou-se dele. A culpa não só foi atribuída a Cristo; também foi transmitida.
Esta exposição pode tornar-se mais clara pondo-se os dois pensamentos contrastados nas seguintes colunas paralelas:
Justiça feita nele = Se fez pecado por nós =
pessoas justas; uma pessoa pecadora;
pessoas justificadas; uma pessoa condenada;
livres de culpa ou obrigação de sofrer; sob culpa ou obrigação de sofrer; pela união espiritual com Cristo. pela união natural com a raça.
A expiação, então, da parte de Deus, tem sua base 1) na santidade de Deus, que deve visitar com a condenação o pecado, apesar de que esta condenação traz a morte a seu Filho; e 2) no amor de Deus que providencia o sacrifício, sofrendo no seu Filho e com ele pelos pecados dos homens, mas através desse sofrimento, abrindo o caminho e os meios de salvação.
A expiação, por parte do homem, se cumpre através 1) da solidariedade da raça; da qual 2) Cristo é a vida e seu representante e segurança; 3) com justiça, levando voluntariamente sua culpa e vergonha e condenação como se fossem suas.
Melanchton: "Cristo se fez pecado por nós, não só com respeito à pu-.i- ção, mas primordialmente por ser responsável também pela culpa (culpae e: reatus)" - citado por Tomásio, Christi Person und Werk, 3.95,102,103,107: e também 1.307,314 sq. Tomásio diz que Cristo levou a culpa da raça pela atribuição; porém, como no caso da atribuição do pecado de Adão a nós, a atribuição dos nossos pecados a Cristo pressupõe relacionamento real.

446
Augustus Hopkins Strong
Cristo se apropriou do nosso pecado. Ele mergulhou na nossa culpa". Dorner, Glaubenslehre, 2.442 (Doutrina Sistemática, 3.350,351), concorda com Tomásio no sentido de que "Cristo entrou na nossa mortalidade natural que, para nós é uma condição penal, e no estado de culpa coletiva, porque é um mal, um fardo a ser suportado; não que ele tivesse culpa pessoal, mas entrou na nossa culpa pela vida comum, não como coisa estranha, mas que a ela pertencia - colocada sob a sua lei, segundo a vontade do Pai e do seu próprio amor".
Quando e como Cristo assumiu sobre si a culpa e a pena? Com relação à pena, não sentimos dificuldade em responder que, como toda a sua vida de sofrimento é propiciatória, do mesmo modo a pena se apóia nele desde o começo da sua vida. Tal pena é herdada e é conseqüência do fato de Cristo tomar a forma humana (Gl. 4.4,5 - "nascido de mulher, nascido sob a lei"). Mas a pena e a culpa são correlatas; se Cristo herdou a pena, deve ter sido porque ele herdou a culpa. Tal sujeição à culpa comum da raça é sugerida na circuncisão de Jesus (Lc. 2.21); na sua purificação ritual (Lc. 2.22 - "sua purificação" - /'.e., a purificação de Maria e do bebê; na sua redenção legal (Lc. 2.23,24; cf. Ex. 13.2,13); e no seu batismo (Mt. 3.15-"assim nos convém cumprir toda a justiça"). A pessoa batizada descia à água como se estivesse carregada de pecado e de culpa, para que tal pecado e culpa fossem sepultados para sempre e a referida pessoa se levantasse da simbólica sepultura para uma vida nova e santa. (Ebrard: Batismo = morte".) Deste modo a submissão ao batismo de arrependimento ministrado por João não é apenas uma consagração à morte, mas também um reconhecimento e confissão da sua implicação na culpa da raça pela qual a morte foi indicada e a pena inevitável (cf. Mt. 10.38; Lc. 12.50; Mt. 26.39); e, como o batismo é uma prefiguração da sua morte, do seu batismo podemos aprender alguma coisa sobre o sentido da sua morte.
Como alguém que teve culpa Cristo foi "justificado no espírito" (1 Tm. 3.16); e a sua justificação parece ter ocorrido depois que ele se manifestou em carne (1 Tm. 3.16) e quando ele "ressuscitou para nossa justificação" (Rm. 4.25). Compare Rm. 1.4 - "declarado Filho de Deus em poder, segundo o Espírito de santificação, pela ressurreição dos mortos"; 6.7-10 - "aquele que está morto está justificado do pecado. Ora, se já morremos com Cristo, cremos que também com ele viveremos ; sabendo que, havendo Cristo ressuscitado dos mortos, já não morre; a morte não mais terá domínio sobre ele. Pois, quanto a ter morrido, de uma vez morreu para o pecado; mas, quanto a viver, vive para Deus" - concebe-se aqui que estão incluídos todos os cristãos justificados idealmente na justificação de Cristo, quando ele morreu pelos nossos pecados e ressuscitou. 3.3 - "Deus, enviando seu Filho em semelhança da carne do pecado, pelo pecado condenou o pecado na carne" - sobre este trecho diz Meyer: "O envio não precede a condenação; mas a condenação se efetua no envio e com ele". Jo. 16.10 - "da justiça, porque eu vou para o Pai"; 19.30 - "Está consumado".

Teologia Sistemática
Se se pergunta se Jesus, então, antes da morte, não era justificado, respondemos que, conquanto puro e agradável a Deus (Mt. 3.17), ele estava consciente da responsabilidade da raça e da culpa da raça que deve ser expiada (Jo. 12.27 - "Agora a minha alma está perturbada; e que direi eu? Pai, salva- me desta hora; mas para isso vim a essa hora"); e que nele a natureza humana culpada suportou até o fim a separação de Deus, o que constitui a essência da morte, a pena do pecado (Mt. 27.46 - "Meu Deus, meu Deus, por que me desamparaste"?) É bom lembrar que até mesmo o crente deve "ser julgado conforme os homens, na carne" (1 Pe. 4.6), isto é, devem sofrer a morte que é, para os incrédulos, a pena do pecado, embora ele "vivam conforme Deus em Espírito", do mesmo modo Cristo, para que pudéssemos estar livres tanto da culpa como da pena, foi "mortificado na carne, mas vivificado pelo Espíri- to"(3.18); - a saber, como Cristo era homem, cabe a ele suportar a pena devida à culpa humana; mas, como ele é Deus pode exaurir essa pena e ser o verdadeiro substituto dos outros.
Se se pergunta se ele que, a partir do momento da concepção "santificou- se a si mesmo" (Jo. 17.19), a partir daquele momento não justificou-se a si mesmo, respondemos que, embora, através da eficácia retroativa da sua expiação e, com base nela, a sua natureza humana foi purificada da sua depravação a partir do momento em que ele tomou essa natureza; e apesar de, baseado nessa expiação, os crentes que viveram antes da sua vinda eram santificados e justificados; embora a sua justificação não pudesse ter procedido na base da sua expiação e a sua expiação também tivesse procedido com base na sua justificação. Isto seria um círculo vicioso; devemos ter começo em algum lugar. Tal começo está na cruz, onde a culpa foi, pela primeira vez expurgada (Hb. 1.3 - "havendo feito por si mesmo a purificação dos pecados, assentou-se à destra da Majestade, nas alturas"; Mt. 27.42 - "Salvou os outros e a si mesmo não pode salvar"; cf. Ap. 13.8 - "O Cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo").
Já se disse que a culpa e a depravação são praticamente inseparáveis, e que, se Cristo teve culpa, ele deve também ter tido a depravação, respondemos que, na lei civil, fazemos distinção entre ambas; a conversão de um homicida não remove a sua obrigação de sofrer a forca; e respondemos ainda mais, que, na justificação, fazemos distinção entre elas; a depravação air.da continua, embora haja a remoção da culpa. Deste modo podemos dizer que Cristo assumiu a culpa sem a depravação para que tivéssemos a depravação sem a culpa.
Portanto, Cristo, enquanto estava encarnado, revelou a expiação mais do que a fez. Sua obra histórica da expiação terminou na Cruz, mas sua obra histórica revelou apenas aos homens a expiação feita tanto antes quanto antes pelo logos extra-mundano. O amos eterno de Deus que sofre a necessária

448
Augustus Hopkins Strong
reação de sua própria Santidade contra o pecado de suas criaturas e com vistas à salvação delas - esta é a essência da expiação.
Nash, Ethics and Revelation, 252, 253 - "Cristo, a expiação de Deus, é a revelação e a descoberta do fato de que o sacrifício é tão profundo em Deus como o seu ser. Ele é o santo Criador.... Toma sobre si a vergonha e a dor do pecado". O tabernáculo terrestre e os seus sacrifícios são apenas a sombra dos que estão nos céus e Moisés tem a incumbência de fazer o que é terreno o padrão do que ele viu no monte. Assim, a expiação histórica é apenas a sombra das mentes obscuras e finitas de uma demanda da santidade divina e de uma satisfação prestada pelo amor divino. Godet, S. S. Times (Tempos na Escola Dominical), 16 de outubro, 1886 - "Cristo assim identificado com a raça veio para salvar, compartilhando a vida ou o seu próprio sangue, para que, quando a própria raça fosse redimida da maldição do pecado, a sua ressurreição viesse como as primícias daquela redenção"; Rm. 4.25 - "o qual foi entregue pelos nossos pecados e ressuscitou para nossa justificação".
Simon, Redemption of Man, 322 - "Se o Logos é, de um modo geral, o Mediador da imanência na criação, especialmente no homem; se os homens são diferenciações do efluxo da energia divina; se o Logos é o princípio controlador imanente de toda diferenciação, /'.e., o princípio de toda forma - as perversões próprias destas diferenciações necessárias não devem reagir naquele que é o seu princípio constituinte? 339 - Lembre-se de que não foram os homens que se apegaram firmemente a Cristo o todo vivo. ... eles subsistem naturalmente em Cristo, e têm que se separar, desligar-se dele, se é que eles devem separar-se. Este é um equívoco cometido na teoria de 'A Vida de Cristo'. Os homens são tratados em certo sentido como independentes de Cristo e tendo de ligar-se a ele. ... Não é que temos de criar o relacionamento; temos simplesmente de aceitá-lo, reconhecê-lo e ratificá-lo.
A rejeição a Cristo não é tanto uma recusa de tornar-se um com ele, como a de permanecer unido a ele, de deixar que ele seja a nossa própria vida".
A. H. Strong, Christ in Creation, 33,172 - "Quando Deus soprou nas narinas do homem o fôlego da vida, comunicou-lhe a liberdade e tornou possível a escolha própria da alienação da criatura dele mesmo, o doador da vida. Conquanto o homem nunca tenha podido romper os laços que o uniam a Deus, ele podia fazê-lo no sentido espiritual e introduzir até mesmo na vida de Deus um princípio de discórdia e de mal. Amarre firme um cordão no dedo; em parte você isola o dedo diminui a sua nutrição, provoca atrofia e doença. Contudo, a vida de todo o sistema se insurge para expelir o mal, desatar o cordão para livrar o membro da doença e do sofrimento. A ilustração está longe de ser adequada; mas auxilia num só ponto. Tem sido dadas a cada agente inteligente e moral a força, a espiritualidade para isolar-se de Deus, enquanto ainda ele naturalmente está junto a Deus de quem depende totalmente para a remoção do pecado que o separou do seu Criador. O pecado é o ato da criatura, mas a salvação é o ato do Criador.
"Se você pode imaginar um dedo dotado de uma vontade livre tentando separar sua conexão com o corpo atando-lhe em torno um barbante, você tem o quadro de um homem tentando desfazer a sua conexão com Cristo.

Teologia Sistemática
Qual o resultado de tal tentativa? Por que, dor, queda; possível morte incipiente do dedo. Por qual lei? Pela do organismo que é de tal modo constituída que se mantém contra sua própria ruptura causada pela revolta dos seus membros. A dor e a morte do dedo é a reação do todo contra a traição da parte. O dedo sofre a dor. Porém não há resultados da dor para o corpo? Este não sente também a dor? Como fica claro que essa dor não se limita a uma única parte! O coração sente, sim, o organismo todo sente, porque todos são membros uns dos outros. Não é só ele que sofre, mas o sofrimento tende a remediar o mal e remover a sua causa. O corpo reúne as suas forças, conduz as novas tendências da vida ao membro que está morrendo, luta para desembaraçar o dedo da ligadura que o prende. Assim, por todo o curso da história, Cristo, a vida natural da raça, foi afligido com a aflição do humanidade e sofreu pelo pecado do homem. Esse sofrimento é expiatório visto que se deveu à justiça. Se Deus não tivesse sido santo, se Deus não tivesse feito toda a natureza expressar a santidade do seu ser, se Deus não fizesse a dor e a perda serem conseqüências necessárias do pecado, Cristo não teria sofrido. Mas porque todas essas coisas são a pena do pecado e Cristo é a vida da raça pecaminosa, havia necessidade de que Cristo sofresse. Não há nada de arbitrário no fato de impor a ele a iniqüidade de todos.
A graça original, como o pecado original é apenas uma interpretação dos fatos biológicos".
Considerações a favor do ponto de vista Substitutivo, ou Ético:
Em favor do ponto de vista Substitutivo ou Ético da expiação apresentamos as seguintes considerações:
Apóia-se em princípios filosóficos corretos com relação à natureza da vontade, da lei, do pecado, da pena, da justiça.
Esta teoria sustenta que há estados permanentes assim como atos transitórios da vontade; e que a vontade não é somente a faculdade das volições, mas também a determinação fundamental do ser para um fim último. Considera que a lei tem sua base não na vontade arbitrária ou no expediente governamental, mas, ao invés disso, na natureza de Deus e como uma transcrição necessária da santidade de Deus. Considera que o pecado consiste não somente em atos, mas nos estados maus permanentes dos sentimentos e da vontade. Faz o objeto da pena ser, não a reforma do ofensor, ou o impedimento de fazer o mal, mas a vindicação da justiça ultrajada pela violação da lei. Ensina que justiça não é benevolência, mas um atributo distinto e separa- do da natureza divina que demanda que o pecado seja visitado com a punição independente de qualquer coisa a considerar dos resultados úteis cue advirão dela.
Combina em si todos elementos valiosos das teorias anteriormente mencionadas, conquanto evite suas inconsistências, mostrando um princípio mais profundo no qual se baseia cada um desses elementos.

450
Augustus Hopkins Strong
A teoria ética admite a indispensabilidade do exemplo de Cristo defendido pela sociniana; a influência moral do sofrimento dele, defendida pela teoria de Bushnell; a garantia da segurança do governante insiste na teoria de Grócio; a participação do crente na nova humanidade de Cristo ensinada na teoria de Irving; a satisfação à majestade de Deus para com os eleitos fez tanto pela teoria de Anselmo. Mas a teoria ética afirma que todas as outras requerem como pressuposto da sua obra eficaz a satisfação ética à santidade de Deus, apresentada na natureza humana culpada pelo seu Filho que a tomou para redimi-la.
Vai, mais plenamente, ao encontro das exigências da Escritura, sustentando que a necessidade da expiação é absoluta, visto que se apóia nas demandas da santidade imanente, atributo fundamental de Deus.
At. 17.3 - "convinha que Cristo padecesse e ressuscitasse dos mortos" - literalmente: "era necessário que Cristo padecesse"; Lc. 24.26 - "Porventura não convinha que o Cristo padecesse e entrasse na sua glória"? Literalmente: "Acaso não era necessário que Cristo padecesse estas coisas"? Não basta dizer que Cristo deve padecer para que se cumpram as profecias. Por que se profetizou que ele havia de padecer? Por que Deus propôs que ele deveria padecer? A necessidade última está na natureza de Deus.
Platão, Republic, 2.361 - "O homem justo de quem se pensa ser injusto será açoitado, torturado e amarrado; terá os olhos arrancados; e, por fim, tendo suportado todo o tipo de mal, será empalado". Isto significa que, do modo como a sociedade humana está constituída, até mesmo uma pessoa justa deve sofrer pelos pecados do mundo. "Mors mortis Morti mortem nisi morte dedisset, Aeternae vitae janua clausa foret" - "Não tivesse a Morte da morte dado a destruição da morte, Teria sido fechado o portal, o portal da vida e do céu".
Mostra-se mais satisfatória indo ao encontro das demandas da santidade; a saber, pela oferta propiciatória de alguém que é pessoalmente puro, mas que, pela união com a raça humana herdou a sua culpa e pena.
"Quo nort ascendam"? - "Para onde não subirei"? exclamou o maior ministro dos reis modernos, num momento de intoxicação. "Para onde não me inclinarei?" diz o Senhor Jesus. O Rei Humberto, durante o ataque de cólera, na Itália: "Em Castellamare eles se casam; em Nápoles morrem; eu vou para Nápoles".
Wrightnour: "Não é uma boa ilustração a de Powhatan, erguendo a sua clava para matar John Smith, enquanto Pocahontas foge entre a clava e a vítima. Deus não é um ser irado, determinado a abater alguma coisa, não importa qual. Seria melhor que Powhatan tivesse recebido ele mesmo o golpe, sem o desejo de poupar a vítima. O Pai e o Filho são um. Quando era necessário punir em sua escola em Concórdia, Bronson Alcott às vezes punha uma vara nas mão do ofensor e mandava bater na dele (Alcott), para

Teologia Sistemática
não quebrar a lei deixando de punir. O resultado é que poucas regras eram quebradas. Do mesmo modo Deus em Cristo levou o pecado do mundo e suportou a pena para que a sua lei não fosse violada".
Fornece a única explicação apropriada da linguagem sacrificial do N.T. e dos ritos sacrificiais do V.T., considerados proféticos da obra expiatória de Cristo.
Foster, Chrístian Life and Religion, 207-211 - "A imposição de mãos sobre a cabeça da vítima não é totalmente explicada a não ser por conta do grande dia da expiação, quando através do mesmo gesto e da distinta confissão dos pecados do povo seria 'posta sobre a cabeça do bode' (Lv. 16.21) para ser levado para o deserto. O sangue era sagrado e devia ser derramado diante do Senhor evidentemente em lugar da vida do pecador infrator que devia ter sido entregue". Watts, New Apologetics, 205 - " 'O Senhor proverá', eis a verdade ensinada quando Abraão valeu-se de um carneiro providenciado por Deus que ele 'ofereceu em holocausto, em lugar do seu filho' (Gn. 22.13,14). Como o cordeiro não era de Abraão, o seu sacrifício não podia ensinar que tudo o que ele tinha pertencia a Deus e, com inteira fé na sua bondade, deveria ser dedicado a ele; mas, na verdade ensina que 'sem derramamento de sangue não há remissão' Hb. 9.22)". 2 Cr. 29.27 - "ao tempo em que começou o holocausto, começou também o canto do Senhor".
Só ela dá o adequado lugar à morte de Cristo como a caraterística central de sua obra - estabelecida nas ordenanças, e no principal poder da experiência cristã.
Quando Martinho Lutero compreendeu a verdade sobre a expiação começou a soluçar e a lamentar diante de um crucifixo: "Für mich, für mich"!
"Por mim, por mim"! Elisha Kane, o explorador do Círculo Polar Ártico, enquanto procurava sinais de Sir John Flanklin e dos seus companheiros, enviou oito ou dez homens para explorar a região vizinha. Depois de vários dias, três deles voltaram quase doidos de frio - o termômetro marcava cinqüenta graus abaixo de zero - e relataram que estavam morrendo a milhas de distância. O Dr. Kane organizou um grupo de dez e, embora ele mesmo estivesse sofrendo de um velho problema do coração, dirigiu-os para o resgate. Por três vezes ele desmaiou durante doze horas de marcha e sofrimento; mas achou os homens. "Nós tínhamos certeza de que você . ria! nós tínhamos certeza de que você viria, irmão"! cochichou um deles, c:r dificuldade para falar. Por que ele tinha certeza de que o Dr. Kane \ ria? Porque sabia da estrutura de que ele era feito e sabia que ele arriscaria a sua própria vida por qualquer um deles. É uma parábola da relação de Cristo com a nossa salvação. Ele é o nosso irmão mais velho, osso dos nossos ossos e carne da nossa carne e não só arrisca a morte, mas suporta-a. para salvar-nos.

452
Augustus Hopkins Strong
Dá-nos o único meio de entender os sofrimentos de Cristo no horto e na cruz, ou de reconciliá-los com a justiça divina.
Kreibig, Versõhnungslehre (Doutrina da Reconciliação): "O homem tem urc\a cuVpa. que os so^vmerVios punWiNOS de um 'mediador. Cristo
mostra um sofrimento que não pode ser justificado a não ser pela referência de uma outra culpa que não é a sua. Estes dois fatos combinam e resolvem o problema da expiação". J. G. Whittier: "Através de todas as profundezas do pecado e perdição cai o peso da cruz; embora o abismo nunca se acha mais profundo do que a cruz possa sondar". Alceste adquiriu a vida do seu marido Admeto morrendo em lugar dele; Marco Cúrcio salvou Roma saltando na abertura do abismo; o servo russo lançou-se aos lobos para resgatar o seu ser\Uot. Berdoe, Robert Browning, 47 - "Conhecer Deus como o \e\s\a pode ser o bastante para os espíritos puros, para quem nunca pecou, sofreu, nem sentiu a necessidade de um Salvador; mas para os homens decaídos e pecadores o Cristo do cristianismo é uma necessidade imperativa; e os que nunca se renderam a ele nunca souberam o que é experimentar o descanso que ele dá à alma carregada do fardo do pecado".
Como nenhuma outra teoria, este ponto de vista satisfaz a demanda ética da natureza humana; pacifica a consciência convicta; garante ao pecador que ele pode achar a instantânea salvação em Cristo; e assim torna possível uma nova vida de santidade enquanto, ao mesmo tempo, fornece os mais altos incentivos para essa vida.
Shedd: "A parte ofendida 1) permite uma substituição; 2) provê um substituto; 3) este mesmo substitui". George Eliot: "A justiça é como o reino de Deus; não existe sem nós, como um fato; está 'dentro de nós' como um grande anseio". Mas é tanto externo como interno e a sua introversão é apenas um reflexo da extroversão; as demandas subjetivas da consciência só refletem as objetivas da santidade.
E ainda, enquanto este ponto de vista exalta a santidade de Deus, ultrapassa qualquer outro ponto de vista em sua apresentação móvel do amor de Deus - que não se satisfaz com o sofrimento no pecador e com ele, ou não se satisfaz em fazer deste sofrimento da consideração que Deus faz da lei; mas do amor que mergulha na culpa do pecador e suporta a pena; desce tanto que se faz um com ele em tudo exceto na sua depravação - faz todo o sacrifício menos o da santidade de Deus - o qual Deus não poderia fazer sem deixar de ser Deus; ver 1 Jo. 4.10 - "Nisto está o amor: não em que tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou e enviou seu Filho para propiciação pelos nossos pecados".
O soldado que pensara ter sido reprovado foi transferido para a reforma uma vez perdoado. William Huntington, em sua Autobiografia, diz que uma das sensações de dor mais agudas depois que foi despertado pela graça divina é que ele sentiu a compaixão da parte de Deus. Nunca se abusou tanto do homem como de Deus. Rm. 2.4 - "a bondade de Deus te leva ao arre

Teologia Sistemática
pendimento"; 12.1 - "pelas misericórdias de Deus" leva a "apresentardes os vossos corpos em sacrifício vivo"; 2 Co. 14.15 - "o amor de Cristo nos constrange, julgando nós assim: que, se um morreu por todos, logo, todos morreram; e ele morreu por todos, para que os que vivem não vivam mais para si, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou". O efeito da expiação de Cristo sobre o caráter e vida do cristão pode ser ilustrado com a proclamação de Garibaldi: "Aquele que ama a Itália, siga-me! Prometo-lhe dureza, prome- to-lhe sofrimento, prometo-lhe morte. Mas quem ama a Itália siga-me"!
Objeções à Teoria Ética da Expiação.
Sobre o assunto geral destas objeções, Philippi, Glaubenslehre, VI, 2.156- 180, assinala: 1) que ela se apóia em Deus só para dizer se ele perdoa o pecado e de que modo o faz; 2) que os instintos humanos são um padrão bem inseguro pelo qual se julga o procedimento do governador do universo; e 3) uma nítida declaração de Deus a respeito do plano da salvação prova a falácia e o erro de todos os raciocínios contra ela. Devemos corrigir os nossos relógios móveis e fixos conforme os padrões astronômicos.
Que um Deus que não perdoa o pecado sem expiação não é onipotente ou amoroso. - Respondemos, por um lado, que a onipotência de Deus sempre se exerce em consistência com o seu atributo fundamental da santidade de modo que, enquanto a santidade demanda o sacrifício, o amor o provê. Mostra-se a misericórdia, não pisando sobre as reivindicações da justiça, mas satisfazendo-as de um modo vicário.
Porque o homem não necessita de vingar os erros pessoais, não se segue que Deus não o deve. De fato, tal vingança é proibida com base no fato de que ela pertence a Deus; Rm. 12.19 - "Não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira, diz o Senhor". Porém há limites até mesmo para a nossa preterição sobre as ofensas. Às vezes o pai deve castigar; e, embora tal castigo não seja propriamente uma punição, torna-se tal, quando o pai se toma um senhor ou governante. É quando entram outros interesses além dos pessoais. "Porque um pai pode perdoar sem a expiação não se segue que o estado possa fazer o mesmo" (Shedd). Porém Deus é mais do que pai, mais do que Senhor, mais do que governador. Nele a pessoa e a justiça são idênticas. Para ele, permitir que o pecado não seja punido é aprová-lo; o que é a mesma coisa que negar a sua santidade.
Qualquer que seja o perdão admitido, então, deve sê-lo através da punição. O simples arrependimento nunca expia o crime, mesmo no governo civil.
O verdadeiro penitente nunca sente que o seu arrependimento se constitui a base da aceitação; quanto mais ele se arrepende, mais reconhece a sua necessidade de reparação e expiação. Por isso Deus vai ao encontro da demanda da consciência do homem, assim como da sua santidade, quando ele provê uma punição substitutiva. Deus mostra o seu amor, indo ao encontro das demandas da santidade e com o sacrifício de si mesmo.

454
Augustus Hopkins Strong
O publicano não orou para que Deus fosse misericordioso sem sacrifício, mas do seguinte modo: "Ó Deus, tem misericórdia de mim, pecador"!
(Lc. 18.13); em outras palavras, ele pediu misericórdia através do sacrifício e apoiada nele. Não podemos fazer expiação aos outros pelo erro que cometemos contra eles, nem mesmo podemos fazer expiação às nossas almas. Uma terceira parte, um ser infinito, deve expiar, de uma forma que nós não podemos. Só apoiados no fato de que o próprio Deus fez a provisão para a satisfação da reivindicação da justiça é que podemos cumprir a ordem de perdoar os outros. Então Otelo perdoaria lago? Sim, desde que este se arrependesse; Lc. 17.3 - "Se teu irmão pecar contra ti, repreende-o; e, se ele se arrepender, perdoa-lhe". Mas, e se ele não se arrepender? Sim, aí vai depender da disposição de Otelo. Ele não deve detestar lago, mas querer-lhe bem;
Lc. 6.27 - "Amai a vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, fazei bem aos que vos aborrecem, bendizei aos que vos maldizem, orai pelos que vos caluniam". Mas ele não pode receber lago na sua comunhão enquanto este não se arrepender.
Que a satisfação e o perdão excluem-se mutuamente. - Respondemos que, visto que não é uma terceira parte, mas o Juiz em si mesmo que satisfaz a sua própria santidade violada, o perdão ainda é opcional e pode ser oferecido nos termos do acordo com ele mesmo. O sacrifício de Cristo não é uma satisfação pecuniária, mas penal. A objeção é válida contra o ponto de vista meramente comercial da expiação, não contra o ponto de vista ético.
O perdão é algo além da simples retirada da pena. Quando um homem suporta a pena do seu crime, a comunidade não tem nenhum direito de se indignar contra ele? Há uma discussão entre a satisfação pecuniária e a penal. A pecuniária diz respeito apenas à dívida; a penal se refere também à pessoa do ofensor. Se o perdão é matéria de justiça no governo de Deus, também o é a respeito de Cristo. Para o recebedor é apenas misericórdia. "Fiel e justo para perdoar os nossos pecados" (1 Jo. 1.9) = fiel à sua promessa e justo para Cristo. Nem a expiação, nem a promessa, atende qualquer reivindicação pessoal do ofensor.
Filemom deve perdoar a dívida pecuniária a Onésimo, quando Paulo fizer o seu pagamento; o mesmo não ocorre com a ofensa pessoal que Onésimo praticou contra Filemom; não há perdão desta enquanto Onésimo não se arrepender e pedir-lho. Pode-se oferecer uma anistia a todos, mas sob condições. O Exemplo do oferecimento do perdão de Amos Lawrence ao que falsificou o papel que ele tinha comprado com a condição de que ele confessasse a sua falência e pusesse todos os seus negócios nas mãos do seu benfeitor.
Do mesmo modo o fato de que Cristo pagou as nossas dívidas não o impede de oferecer-nos o benefício daquilo que ele fez, apoiado na condição do nosso arrependimento e fé. O homem não fornece o equivalente, mas Deus o faz. Por isso Deus pode oferecer os resultados com apoio nos seus próprios termos. A raça toda pagou a pena quando um sofreu, do mesmo modo que todos incorreram na pena quando um pecou? Sim; todos que receberam a sua vida, cada um da sua parte - de um lado Adão, do outro lado, Cristo.

Teologia Sistemática
Hovey chama a relação de Cristo com o pecado humano de substituição penal. Do mesmo modo em que a posição do vice-rei assume toda a responsabilidade, cuidado, e anseios da autoridade real, assim a relação do substituto penal para com o pecado leva em si o sofrimento e a perda do castigo original. A pessoa sobre quem recai a ação é diferente, mas a sua punição é a mesma, ao menos quanto ao valor penal. Como autoridade vice-real pode ser inferior à real, de modo que o sofrimento vice-penal, se desprezado, pode ser superado pela pena originai. Há um desgaste no sofrimento vice-penal quando algo se perde em favor de quem a suportou? Sobre o mesmo princípio poderíamos objetar qualquer sofrimento da parte de Cristo para os que recusam ser salvos por ele. Tal sofrimento pode beneficiar outros ou até aqueles para quem ele o suportou.
Há quem diga que, se se faz a compensação, nada há a perdoar; se se admite o perdão, não se requer nenhuma compensação. Isto nos faz lembrar Narvaez, que não via razão para perdoar os seus inimigos enquanto não tivesse atirado em todos eles. Quando a parte ofendida fornece a compensação, pode oferecer os seus benefícios nos seus próprios termos. Dr. Pente- cost: "Na Escócia, trouxeram um prisioneiro perante o juiz. Quando o réu entrou, encarou o rosto do juiz para ver se podia descobrir misericórdia nele. Juiz e prisioneiro trocaram olhares, dos quais veio o reconhecimento mútuo.
O prisioneiro disse para si mesmo: 'Agora tudo certo'; o juiz tinha sido colega de classe na Universidade de Edimburgo havia vinte anos. Proferida a sentença, o pagamento de cinco libras esterlinas, o limite da lei para um delito leve, e o réu ficou muito desapontado, quando foi levado à prisão. Porém o juiz pagou a multa determinando ao escrivão que lavrasse a abolição da culpa do homem. O juiz fez isto como pessoa, explicando que as exigências da lei devem ser cumpridas e tendo feito isso liberou o homem".
Que não pode haver nenhuma verdadeira propiciação, visto que o juiz e o sacrifício são o mesmo. - Respondemos que esta objeção ignora a existência das relações pessoais dentro da natureza divina e o fato de que o Deus-homem se distingue de Deus. A satisfação se baseia na distinção das pessoas da divindade; enquanto o amor em que se origina pertence à unidade da essência divina.
A satisfação não se entrega a uma parte de Deus, porque toda a divindade, de certo modo, está no Pai; como na onipresença = totus in omni parte. Deste modo a oferta é perfeita porque a divindade toda está em Cristo (2 Co.
- "Deus estava em Cristo reconciliando o mundo"). Lyman Abbott diz que a palavra "propiciar é empregada no Novo Testamento só na voz média, para mostrar que Deus propicia a si mesmo. Lyttelton, em Lux Munal 302 - "A expiação é, sem dúvida, um mistério, mas, na verdade todo perdão o é.
É bom avaliar o peso da culpa que recai sobre o ofensor. Uma mudança omite aquele que só pode ser descrito como regenerador, doador da vida; e, deste modo, a garantia do perdão, embora se possa dizer que oblitera a dádiva, realiza-se; e, deste modo, a garantia do perdão, apesar de transmitida, pode- se dizer que oblitera, em certo sentido, as conseqüências do passado. 310 -

456
Augustus Hopkins Strong
"Cristo não suportou os sofrimentos para ficarmos livres deles, pois merecemo-los, mas para que sejamos capazes de suportá-los, como ele, de um modo vitorioso e numa inquebrantável união com Deus".
d) Que o sofrimento do inocente pelo culpado não é uma execução da justiça, mas da manifesta injustiça. - Respondemos que isto é verdade só com base na suposição de que o Filho suporta a pena dos nossos pecados, não voluntariamente, mas compulsoriamente; ou com base na suposição de que aquele que é pessoalmente inocente de modo nenhum pode envolver-se na culpa e pena dos outros ambas hipóteses contrariam a Escritura e os fatos.
O mistério da expiação encontra-se nos sofrimentos imerecidos da parte de Cristo. Muito ao contrário, isto fixa o mistério correspondente ao imerecido perdão merecido dos crentes. Já tentamos mostrar que, conquanto Cristo é pessoalmente inocente, ele estava envolvido com os outros nas conseqüências da queda, porque cabe a ele suportar a culpa e a pena da raça. Ao discutirmos a doutrina da Justificação, veremos que, pela semelhante união do crente com Cristo, tal justificação deste se torna nossa.
Para aquele que crê em Cristo como o Deus imanente, a vida da humanidade, o Criador e sustentador da raça, parece inevitável que Cristo suporte o castigo do pecado humano. As próprias leis da natureza são a manifestação da sua santidade e aquele que revela Deus também está sujeito à sua lei.
O processo histórico que culminou com o Calvário foi a manifestação de um longo sofrimento que Cristo suportou por causa da sua conexão com a raça a partir do primeiro momento em que ela pecou. A. H. Strong, Christin Creation, 80-83 - "O Deus de amor e santidade é o Deus d o sofrimento tão certo como o pecado existe. Paulo declara que completa "o resto das aflições de Cristo pelo seu corpo que é a igreja" (Cl. 1.24); em outras palavras, Cristo ainda sofre nos crentes que são o seu corpo. O sofrimento histórico realmente terminou; a agonia do Gólgota findou; os dias em que a tristeza devorou a alegria passaram; a morte não tem mais domínio sobre o nosso Senhor. Mas a tristeza pelo pecado não terminou; ainda continua e continuará enquanto o pecado existir. Mas agora não militará contra a bem-aventurança de Cristo porque a tristeza é contrabalançada e vencida pelo conhecimento infinito e glória da sua natureza divina. Bushnell e Beecher estão certos quando sustentam que o sofrimento por causa do pecado e a conseqüência natural da relação de Cristo com a criação pecadora. Estão errados ao confundir a natureza desse sofrimento e não verem que a constituição das coisas que o tornam necessário, porque é a expressão da santidade de Deus, dá ao sofrimento um caráter penal e faz de Cristo a oferta substitutiva do pecado do mundo".
é) Que não pode haver nenhuma transferência de punição e mérito, visto que estes são pessoais. - Respondemos que a idéia de representação e fiança é comum na sociedade humana e no governo; e que tal representação e fiança

Teologia Sistemática
são inevitáveis sempre que o inocente e o culpado comunguem na vida. Quando Cristo tomou a nossa natureza, não podia agir de outra forma a não ser tomando as nossas responsabilidades também.
Cristo tornou-se responsável pela humanidade à qual ele se uniu. Tanto os poetas como os historiadores têm reconhecido a propriedade do membro de uma casa ou de uma raça, respondendo um pelo outro. Antígone expia o crime da sua casa. Marcos Cúrcio sustenta que está pronto a morrer pela sua nação. Luís XVI tem sido chamado de "cordeiro sacrificial:, oferecido pelos crimes da sua raça. Do mesmo modo o sacrifício de Cristo para com toda a família humana, porque ele é um com a referida família. Mas aqui encontramos também uma limitação. Não se estende aos anjos porque ele não tomou sobre si a natureza deles (Hb. 2.16 - "Porque, na verdade, ele não tomou os anjos, mas tomou a descendência de Abraão").
"Recentemente aconteceu uma coisa estranha em uma das nossas cortes de justiça. Perguntou-se a um jovem por que não se aplicaria a pena extrema a ele. Naquele momento, um homem de cabelos grisalhos, rosto sulcado de tristeza, dirigiu-se ao prisioneiro, pôs a mão sobre o seu ombro e disse: 'Da sua honra não tenho nada a dizer. O veredicto que se encontrou contra nós é justo. Só temos de clamar por misericórdia'. 'Nós'! Nada há contra este velho pai. Contudo, neste momento ele se perdeu. Identificou o seu próprio ser com o do seu moço desordenado. Não tendes vós compaixão do filho criminoso por causa da sua compaixão pelo seu idoso e triste pai? Porque ele tem sofrido tanto, não deve a vossa demanda de que o seu filho sofra ser mitigada? Não será isso motivo para que o juiz modifique a sua sentença?
A natureza não conhece perdão algum; mas a natureza humana sim; não é a natureza, mas a natureza humana que é feita à imagem de Deus".
Que Cristo não podia ter sofrido o remorso, como parte da pena do pecado. - Respondemos, por um lado, que não pode ser essencial à idéia de pena que Cristo tenha suportado idênticas angústias que o incrédulo teria passado; e, por outro lado, não sabemos o quanto um ser perfeitamente santo, possuído de conhecimento sobre-humano e o amor podia ter sentido as mesmas angústias do remorso pela condição da humanidade de que ele era a consciência e o coração centrais.
Tome-se por exemplo o advogado lamentando a queda de uma estrela da sua profissão; a mulher envergonhada porque alguém degradou o seu sexo: o pai angustiado pela desobediência da sua filha; o cristão esmagado pelos pecados da igreja e do mundo. O espírito que a si mesmo se isola não pode entender quão perfeitamente o amor e a santidade podem tomar seus os pecados da raça da qual ele faz parte.
Simon, Reconciliation, 3&€L^ "Na medida em que o pecado da raça humana culminou com a crucificação que coroou os sofrimentos de Cristo, de um modo claro a vida da humanidade que o introduziu de forma subconsciente

458
Augustus Hopkins Strong
deve ter sido mais completamente carregada de pecado e do temor da morte que é o seu fruto no exato momento quando ele mesmo estava suportando a morte na sua mais terrível forma. Por isso, era necessário que ele sentisse como se ele fosse o pecador dos pecadores e, na agonia, clamasse: 'Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste'? (Mt. 27.46)".
Cristo pode entender a nossa condição penal. Os seres que têm semelhante natureza espiritual podem entender e suportar os sofrimentos espirituais uns dos outros. Não foi injusta a tristeza de Davi, quando clamou: "Meu filho Absalão, meu filho, meu filho Absalão! Quem me dera que eu morresse por ti"! (2 Sm. 18.33). Moberly, Atonement and Personality, 117 — "É possível a penitência na impecaminosidade pessoal? Respondemos que só aquele que é pessoalmente sem pecado pode perfeitamente arrepender, e esta identificação do sem pecado com o pecador é vital ao evangelho". Lucy Larcom: "Haja mulheres tristes, enfermas e pobres, e as que andam em andrajos;
A sua vergonha e a sua tristeza eu as suporto; Minha esperança se frustra com a sua derrota; Suportam o desprezo por causa do meu nome; Há quem peca e eu não me acuse disso"?
Que os sofrimentos de Cristo, tão finitos no tempo, não se constituem uma satisfação às infinitas demandas da lei. - Respondemos que a dignidade infinita do sofredor constitui um pleno equivalente aos olhos da justiça infinita. A substituição exclui identidade de sofrimento; não a exclui de equivalência. Visto que a justiça tem como alvo as suas penas não tanto à pessoa como ao pecado, pode admitir sofrimento equivalente quando aquele que pecou suporta-o na própria natureza.
Os sofrimentos de um cão e os de um homem têm diferentes valores.
O salário do pecado é a morte; e Cristo, sofrendo a morte, sofreu a nossa pena. A eternidade do sofrimento não é essencial à idéia de pena. O ser finito não pode esgotar uma maldição infinita; mas um ser infinito o pode em umas poucas horas. Shedd, Discourses and Essays, 307 - "Uma águia de ouro vale mil centavos de cobre. A pena paga por Cristo é estrita e literalmente equivalente embora não idêntica àquela que o pecador teria suportado. A sua obra vicária exclui esta". A opinião de Andrew Fuller é que Cristo teria de sofrer o mesmo tanto se só um pecador fosse salvo por isso.
A expiação é um fato único, ilustrado só em parte através da dívida e da pena. Contudo os termos 'compra' e 'resgate' sejam escriturísticos e simplesmente significam que a justiça de Deus pune o pecado o quanto ele merece; e isso, tendo determinado o que merece, Deus não muda. Ve/-OwEN, citado em Campbell, Atonement, 58,59. Porque o sacrifício de Cristo é absolutamente infinito, nada se lhe pode acrescentar. Se o sacrifício de Cristo satisfaz o Juiz de todos, bem pode satisfazer-nos.
Que, se a obediência passiva de Cristo satisfez a justiça divina, então a sua obediência ativa foi supérflua. - Respondamos que as obediências ativa e

Teologia Sistemática
passiva são inseparáveis. Esta é essencial àquela; e ambas são necessárias para assegurar ao pecador, por um lado, o perdão e, por outro, o que está além do perdão, a saber, a restauração do favor divino. A objeção se sustenta apenas contra um ponto de vista da expiação superficial e externa.
Para uma exposição mais completa deste ponto ver o nosso estudo sobre a Justificação; ver também, Owen, em Works, 5.175-204. Paulo insiste tanto na obediência ativa de Cristo quanto na passiva. Opor-se à teologia paulina é opor-se ao evangelho de Cristo. Charles Cuthberth Hall, Universal Elements ofthe Christian Religion, 140 - "Os efeitos disto já aparecem nos empobrecidos valores religiosos dos sermões produzidos pela geração mais jovem de pregadores e pelo deplorável declínio da vida espiritual e do conhecimento em muitas igrejas. Resultados abertos à observação mostram que o movimento para a simplificação da essência cristã descartando a teologia de São Paulo facilmente conduz o ensino do púlpito cristão a uma posição onde as experiências caraterísticas da vida cristã tornaram-se praticamente impossíveis aos que se submetem a tal ensino. O senso cristão do pecado; a penitência cristã ao pé da cruz; a fé cristã num Salvador que realiza a obra da expiação; a paz cristã com Deus pela mediação de Jesus Cristo - estas e outras experiências que eram a própria vida dos apóstolos e das almas apostólicas desvanecem do ponto de vista do ministro e não têm nenhum significado para a geração mais jovem".
0 Que a doutrina é imoral em suas tendências práticas visto que a obediência de Cristo toma o lugar da nossa e toma a nossa desnecessária. - Respondemos que a objeção ignora não só o método pelo qual se apropriam os benefícios da expiação, a saber, o arrependimento e a fé, mas também o poder regenerador e santificador concedido a todo o que crê. A fé na expiação não induz à licenciosidade, mas às "obras de amor" (Gl. 5.6) e à "purificação de corações" (At. 15.9).
A água tem pouco valor para o sedento se ele não a beber. A fé que aceita Cristo ratifica tudo o que Cristo tem feito e aceita Cristo como um novo princípio de vida. Paulo determina a Filemom que aceite Onésimo como se aceitasse o próprio apóstolo; não o velho Onésimo, mas o novo, em quem entrou o espírito de Paulo (Fm. 17). É deste modo que Deus nos recebe como novas criaturas em Cristo. Emborqi não possamos ganhar a salvação por merec - mento, recebemo-la; e isto èqvolve uma rendição do coração e da vida que garante a união com Cristo e do progresso moral.
O que se fará ao assassino convicto que destrói o perdão que as orações e lágrimas da sua esposa garantiram da parte do governo? Não resta nada a não ser executar a sentença da lei. O honorável George F. Danforth, do Tribunal de Apelação do Estado de Nova Iorque, numa carta particular diz: Apesar de que se acha estabelecido de um modo geral que o perdão atinge tanto a

460
Augustus Hopkins Strong
punição prescrita para a ofensa e a culpa do ofensor de modo que aos olhos da lei ele é tão inocente como se nunca tivesse cometido a ofensa, e o perdão faz dele como se fosse um novo homem com um novo crédito e uma nova capacidade, contudo o oferecimento do perdão é essencial à sua validade e não se completa sem a sua aceitação. Não se pode forçá-lo. A este respeito é como se o tivesse feito. O oferecimento pode ser pessoal ao ofensor ou ao seu agente e as circunstâncias assim como outros fatos podem provar a sua aceitação".
j) Que se, como complemento, a expiação requer fé, então não fornece em si uma completa satisfação à justiça de Deus. - Respondemos que a fé não é, como a expiação, a base para a nossa aceitação para com Deus e, deste modo, não é uma obra; a fé é apenas o meio de apropriação. Somos salvos não pela fé, ou por causa da fé, mas só através da fé. Não é a fé, mas a expiação que a fé aceita, que satisfaz a justiça de Deus.
Ilustre-se com a anistia dada a uma cidade, sob as condições de que cada habitante a aceite. A aceitação não é base para que se admita a anistia; é o meio através do qual se usufruem os benefícios de tal anistia. Com relação às dificuldades ligadas à expiação, podemos dizer, concluindo, com o Bispo Butler: "Se a Escritura tem, como é certo que tenha, deixado misterioso este assunto da satisfação de Cristo, não revelado, todas as conjecturas a respeito devem ser, senão evidentemente absurdas, ao menos incertas. Nem há qualquer razão para queixas de falta de maiores informações a não ser que possamos mostrar as suas reivindicações". Conquanto não possamos dizer com o Presidente Stearns: "A obra de Cristo remove os embaraços na justiça especial do universo quanto ao perdão do pecador, mas não podemos dizer como"- não se pode dizer isto porque cremos nos principais delineamentos do plano da salvação a serem revelados na Escritura - contudo admitimos que muitos problemas continuam insolúveis. Mas, como o pão nutre até mesmo aqueles que nada entendem dos seus constituintes químicos ou do método da sua digestão ou assimilação, do mesmo modo a expiação de Cristo salva aqueles que a aceitam mesmo que não saibam como ela os salva. Balfour, Fund. of Belief, 264-267 - "Pensa- va-se que o calor é uma forma da matéria; agora considera-se como um modo de movimento. Podemos tirar proveito dele, qualquer que seja a teoria adotada, ou mesmo que não tenhamos teoria nenhuma. Assim podemos tirar proveito da reconciliação com Deus, embora difiramos quanto à teoria da Expiação". - "Um dos imperadores romanos comandou a sua fuga para trazer areia de Alexandria à arena apesar de que o seu povo em Roma estava passando fome. Mas um certo capitão de navio declarou que, qualquer que fosse a ordem do imperador, o seu navio traria trigo. Deste modo, qualquer areia que os outros pudessem trazer para saciar a fome das almas, vamos trazer o trigo do evangelho - a expiação substitutiva de Jesus Cristo". I

Teologia Sistemática
461
Extensão da Expiação.
As Escrituras representam a expiação como tendo sido feita para todos homens e como suficiente para a salvação de todos. Portanto, o que é limitado não é a expiação, mas a sua aplicação através da obra do Espírito Santo.
Apoiados neste princípio de uma expiação universal, porém com sua aplicação aos eleitos, devemos interpretar passagens como Ef. 4.7; 2 Tm. 1.9,10; Jo. 17.9,20,24, declarando uma eficácia especial à expiação no caso dos eleitos; também passagens tais como 2 Pe. 2.1; 1 Jo. 2.2; 1 Tm. 2.6; 4.10; Tt. 2.11 declarando que a morte de Cristo é para todos.
As passagens que afirmam a eficácia especial da expiação, no caso dos eleitos, são as seguintes: Ef. 1.4 - "como também nos elegeu nele antes da fundação do mundo para que fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele em amor"; 7 - "em quem temos a redenção pelo seu sangue, a remissão das nossas ofensas, segundo as riquezas da sua graça"; 2 Tm. 1.9,10 - Deus, "que nos salvou e nos chamou com uma santa vocação; não segundo as nossas obras, mas segundo o seu próprio propósito e graça que nos foi dada em Cristo Jesus, antes dos tempos dos séculos, e que é manifesta, agora, pelo aparecimento do nosso Salvador Jesus Cristo, o qual aboliu a morte e trouxe à luz a vida e a incorrupção, pelo evangelho"; Jo. 17.9 - "Eu rogo por eles; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste"; 20 - "Eu não rogo somente por estes, mas também por aqueles que, pela sua palavra, hão de crer em mim"; 24 - "Pai, aqueles que me deste quero que, onde eu estiver, também estejam comigo, para que vejam a minha glória que me deste".
Passagens que afirmam que a morte de Cristo destina-se a todos: 2 Pe. 2.1
"falsos mestres, que introduzirão encobertamente heresias de perdição, e negarão o Senhor que os resgatou"; 1 Jo. 2.2 - "e ele é a propiciação pelos nossos pecados e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo"; 1 Tm. 2.6 - Jesus Cristo, "o qual se deu a si mesmo em preço de redenção por todos"; 4.10- "Deus vivo, que é o salvador de todos os homens, principalmente dos fiéis"; Tt. 2.11 - "Porque a graça de Deus se há manifestado, trazendo salvação a todos os homens". Rm. 3.22 - "sobre todos os que crêem" - às vezes tem sido interpretado como significando "a todos os homens, e sobre todos os que crêem" (eiç = destinação; ètú = extensão). Mas a Versão Revista omite as palavras "e sobre todos", e Meyer, que conserva as palavras, assinala que xoúç 7UGTeúovTaç se refere a Ttávxaç em ambos os exemplos.
A participação inconsciente na expiação de Cristo, em virtude da nossa humanidade comum com ele, em muito nos faz herdeiros da bênção temporal. A participação consciente na expiação de Cristo, em virtude da nossa fé nele e na sua obra para conosco, concede-nos justificação e vida etema. Matthew Henry diz que a expiação é "suficiente para todos; eficaz para muitos". J. M. Whiton, em The Outlook, 25 de set. de 1897 - "Samuel Hopkins de Rhode Island (1721-1803) foi quem primeiro declarou que Cristo fez a expiação por todos os homens, não só pelos eleitos, como afirmam os calvinistas".

462
Augustus Hopkins Strong
Devemos dizer "como alguns calvinistas afirmam"; pois, como veremos, o próprio João Calvino declara que "Cristo sofreu pelos pecados do mundo todo". Alfred Tennyson, certa feita perguntou a uma velha metodista quais eram as novas. "Por que, Sr. Tennyson?, há só uma parte das novas que eu conheço; que Cristo morreu pelos homens todos". Ao que ele lhe disse: "Essa é uma velha notícia, aliás, boa nova".
Se se perguntar em que sentido Cristo é o Salvador dos homens, respondemos:
Que a expiação de Cristo assegura a todos os homens um adiamento na execução da sentença contra o pecado e um espaço para o arrependimento juntamente com a continuação das bênçãos comuns da vida que se perderam na transgressão.
Se fosse executada a justiça estrita, a raça teria sido cortada já no primeiro pecado. O fato de que o homem vive mesmo depois de pecar, deve-se totalmente à cruz. Há uma pretermissão, ou "remissão dos pecados antes cometidos, sob a paciência de Deus" (Rm. 3.25), cuja justificação só se encontra no sacrifício do Calvário. Esta "remissão", contudo, é limitada na sua duração: ver At. 17.30,31 - "não tendo em conta os tempos da ignorância, anuncia agora a todos os homens, em todo lugar, que se arrependam, porquanto tem determinado um dia em que com justiça há de julgar o mundo por meio do varão que destinou".
Podemos obter o benefício da lei da gravitação sem entender muito a respeito da sua natureza e os patriarcas e pagãos sem dúvida foram salvos através da expiação, embora eles nunca tinham ouvido falar do seu nome, mas, como desesperançados pecadores, lançaram-se na misericórdia de Deus. Cristo é a misericórdia de Deus e eles não o sabiam. Nossos piedosos judeus modernos experimentarão uma estranha surpresa quando souberem que não só o perdão dos pecados, mas cada uma das outras bênçãos da vida lhes vieram através do Jesus crucificado. Mt. 8.11 - "Mas eu vos digo que muitos virão do Oriente e do Ocidente e assentar-se-ão com Abraão, e Isaque e Jacó, no Reino dos céus".
O Dr. G. W. Northrup sustenta que a obra de Cristo é universal em três pontos: 1. reconcilia Deus com a raça toda, independentemente da transgressão pessoal; 2. garante a doação em toda a graça còrftum e os recursos desta; 3. torna certa a doação da vida eterna a todo aqueje que se vale da graça comum e dos seus meios para possibilitar a Deus como sábio e santo Governador a dar sua graça especial e renovadora.
Que a expiação de Cristo tornou objetiva a provisão da salvação de todos, removendo da mente divina todo o obstáculo ao perdão e à restauração dos pecadores exceto a sua voluntária oposição a Deus e a recusa de voltar-se para ele.
Van Oosterzee, Dogmatics, 604 - "Da parte de Deus, foi removido tudo o que causava separação; a não ser que prefiram continuar separados dele".

Teologia Sistemática
A mensagem do evangelho não é: Deus perdoará se retornardes; mas, ao invés disso: Deus tem mostrado misericórdia; basta crerdes e tereis a vossa porção em Cristo.
Ashmore, The New Trial of the Sinner em Revista Cristã, 26.245-264 - "A expiação veio a todos os homens e sobre todos os homens. Vê-se a sua coexistência com os efeitos do pecado de Adão em todas as criaturas de modo que os infantes e os débeis mentais, incapazes de recusá-la, são salvos sem o seu consentimento, mesmo porque estão envolvidos no pecado de Adão sem o seu consentimento. A razão por que os outros não são salvos é que, quando a expiação vem a eles e sobre eles, ao invés de consentirem em ser incluídos nela, rejeitam-na. Se eles nasceram sob a maldição do mesmo modo nasceram sob a expiação, cuja finalidade é remover a maldição; permanecem sob o seu escudo até que tenham a idade suficiente para repudiá- la; eles desprezam as suas influências como o homem fecha a janela para os raios do sol; eles desviam-na em direção oposta do mesmo modo que o homem constrói diques em volta do seu campo para impedir que a água corra e não fertilize o solo".
Que a expiação de Cristo procurou para todos homens os poderosos incentivos para o arrependimento apresentados na cruz e a atuação combinada da igreja cristã e do Espírito Santo pelos quais estes incentivos foram levados à eficácia sobre eles.
Do mesmo modo o sol e a chuva são necessários para que o agricultor seja beneficiado com a terra. Não mais seria preciso que Cristo sofresse, se todos fossem salvos. Como já vimos, os seus sofrimentos não são o pagamento de uma dívida pecuniária. Tendo suportado a pena do pecado, a justiça permite a sua absolvição, mas não a requer, a não ser como cumprimento de uma promessa ao seu substituto, e a única condição exigida é o conjunto arrependimento e fé. A expiação é ilimitada; toda a raça humana pode ser salva através dela; a aplicação da expiação é limitada; só os que se arrependem e crêem são verdadeiramente salvos por ela.
Robert G. Farley: "A futura mãe prepara o enxoval completo e bonito para o filho que ela espera. O filho, porém, ainda não é nascido. Entretanto, o enxoval está preparado como se o nascimento já fosse uma realidade. A obra de Cristo está completa tanto para um homem como para o outro; tanto para o incrédulo como para o crente".
Cristo é especialmente o salvador dos que crêem naquele que exerce um poder do seu Espírito para que seja o procurador da aceitação da sua salvação. Entretanto, isto não é parte da sua obra expiatória; é a aplicação desta e, como tal, será considerada a partir de agora.
Entre os que sustentam uma expiação limitada temos Owen. Campbell cita-
o dizendo: "Cristo não morreu por todos os pecados de todos os homens; se

464
Augustus Hopkins Strong
assim fosse, por que não estão livres da punição de todos os seus pecados? Você pode responder: 'Por causa da sua incredulidade'. Mas esta incredulidade é um pecado e por ela Cristo foi punido. Por que, mais do que os outros pecados, este os impede de participar dos frutos da sua morte"?
2. A Obra Intercessora de Cristo
O sacerdócio de Cristo não cessa com a sua obra de expiação, mas continua para sempre. Na presença de Deus ele cumpre o segundo ofício de sacerdote, o da intercessão.
Hb. 7.23-25 - "sacerdotes em grande número, porque, pela morte, foram impedidos de permanecer; mas este, porque permanece eternamente, tem um sacerdócio perpétuo. Portanto, ele pode salvar perfeitamente os que por ele se chegam a Deus, vivendo sempre a interceder por eles". C. H. M. sobre Ex. 17.12-"As mãos do nosso grande intercessor nunca arreiam, como acontecia com Moisés, nem ele necessita de alguém que as sustente. A vara do poder de Deus que foi usada por Moisés para bater na rocha (expiação) estava nas mãos de Moisés enquanto se achava no monte (intercessão)".
Denney, Studies in Theology, 166 - "Se não vemos nada de sobrenatural no fato de que Cristo orou por Pedro aqui na terra, não vemos dificuldade alguma no fato de que ele ore por nós no céu. A relação é a mesma; a única diferença é que agora ele está exaltado e ora, não com clamores e lágrimas, mas com o poder soberano e prevalecente de alguém que alcançou a redenção eterna para o seu povo".
Natureza da Intercessão de Cristo. - Esta não deve ser concebida como um requisito exterior e vocal, nem como mera figura de linguagem da influência natural e contínua do sacrifício; porém, mais como uma atividade de Cristo, garantindo, com base em tal sacrifício, qualquer que seja a bênção que venha ao homem, quer temporal quer espiritual.
Jo. 2.1 - "se alguém pecar, temos um Advogado para com o Pai, Jesus Cristo, o Justo"; Rm. 8.34 - "É Cristo quem morreu ou, antes, quem ressuscitou dentre os mortos, o qual está à direita de Deus, e também intercede por nós" - neste texto parece que Meyer favorece o sentido de uma petição exterior e oral como a do Deus-homem glorificado; Hb. 7.25 - "vivendo sempre para interceder por eles". Apoiado nessa intercessão eficaz, ele pode proferir a verdadeira bênção sacerdotal; e todas as bênçãos dos seus ministros e apóstolos são apenas frutos e emblemas desta (ver a bênção araônica em Nm. 6.24-46 e as apostólicas em 1 Co. 1.3 e 2 Co. 13.13).
Objetivos da Intercessão de Cristo. - Podemos distinguir a) a intercessão geral que garante a todos homens alguns benefícios temporais da obra

Teologia Sistemática
465
expiatória e b) a intercessão especial que assegura a aceitação divina das pessoas dos que crêem e a concessão divina de todas dádivas necessárias à sua salvação.
Intercessão geral em favor dos homens: Is. 53.12 - "mas ele levou sobre si o pecado de muitos e pelos transgressores intercedeu"; Lc. 23.34 - "Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem" - o começo da sua intercessão sacerdotal, mesmo enquanto estava sendo pregado na cruz.
Intercessão especial pelos seus santos: Mt. 18.19,20 - "se dois de vós concordarem na terra acerca de qualquer coisa que pedirem, isso lhes será feito por meu Pai, que está nos céus. Porque onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome aí estou eu no meio deles"; Lc. 22.31,32 - "Simão, Simão, eis que Satanás vos pediu para vos cirandar como o trigo. Mas eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça"; Jo. 14.16 - "E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Controlador"; 17.9- "Eu rogo por eles; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste"; At. 2.33 - "De sorte que, exaltado pela destra de Deus e, tendo recebido do Pai a promessa do Espírito Santo, derramou isto que agora vedes e ouvis"; Ef. 1.6 - 'a glória da sua graça, pela qual vos fez agradáveis a si no Amado"; 2.18- "por ele, ambos temos acesso ao Pai em um mesmo Espírito"; 3.12 - "no qual temos ousadia e acesso com confiança, pela nossa fé nele"; Hb. 2.17,18 - "Pelo que convinha que, em tudo, fosse semelhante aos irmãos, para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote naquilo que é de Deus, para expiar os pecados do povo. Porque, naquilo que ele mesmo, sendo tentado, padeceu, pode socorrer aos que são tentados. 4.15,16 - "Porque não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; porém um que, como nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado. Cheguemos, pois, com confiança ao trono da graça, para que possamos alcançar misericórdia e achar graça, a fim de sermos ajudados em tempo oportuno"; 1 Pe. 2.5 - "sacerdócio santo, para oferecer- des sacrifícios espirituais, agradáveis a Deus, por Jesus Cristo"; Ap. 5.6 - "E olhei, e eis que estava no meio do trono ... um Cordeiro, como havendo sido morto, e tinha sete pontas, e sete olhos, que são os sete Espíritos de Deus enviados a toda a terra"j 7.16,17 - "Nunca mais terão fome, nunca mais terão sede; nem sol nem caljjia cairá sobre eles, porque o Cordeiro que está no meio do trono os apascentará e lhes servirá de guia para as fontes das águas da vida; e Deus limpará de seus olhos toda lágrima".
Relação da Intercessão de Cristo com a do Espírito Santo. - O Espírito Santo é um advogado em nós, ensinando-nos como devemos orar; Cristo é um advogado no céu, assegurando uma resposta da parte do Pai para as nossas orações. Assim a obra de Cristo e a do Espírito Santo são complementos uma da outra e partes de um todo.
Jo. 14.26 - "Mas aquele Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, ele vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo

466
Augustus Hopkins Strong
quanto vos tenho dito"; Rm. 8.26 - "E da mesma maneira o Espírito ajuda as nossas fraquezas porque não sabemos o que havemos de pedir como convém, mas o mesmo Espírito intercede por nós com gemidos inexprimíveis";
27 - "E aquele que examina os corações sabe qual é a intenção do Espírito; e é ele que segundo Deus intercede pelos santos".
A intercessão do Espírito Santo pode ser ilustrada pela palavra da mãe, que ensina o seu filho a orar pondo as palavras na sua boca ou sugerindo os assuntos da oração. "A Trindade toda está presente no compartimento do cristão; o Pai ouve; o Filho advoga a sua causa à destra do Pai; o Espírito Santo intercede no coração do crente". Por isso "Quando Deus inclina o coração para a oração, ele tem ouvidos para ouvir". O impulso para orar, dentro dos nossos corações, é evidência de que Cristo está estimulando as nossas reivindicações no céu.
Relação da Intercessão de Cristo com a dos santos. - Toda a verdadeira intercessão é direta ou indiretamente a intercessão de Cristo. Os crentes são órgãos do Espírito de Cristo. Supor Cristo em nós para oferecer oração a um dos seus santos ao invés de diretamente ao Pai é blasfemar de Cristo e conceber erroneamente a natureza da oração.
Na terra, os santos, através da sua união com Cristo, o sumo sacerdote, constituem-se intercessores; e como o sumo sacerdote no passado levava em seu seio o peitoral gravado com os nomes das tribos de Israel (Ex. 28.9-12; 39.8), do mesmo modo o cristão deve levar no seu coração os interesses da sua família, da igreja e do mundo, em oração na presença de Deus (1 Tm. 2.1
"Admoesto-vos, pois, antes de tudo, que se façam deprecações, orações, intercessões e ações de graças por todos os homens").
Luckock, After Death, encontra evidência da fé na intercessão dos santos no céu logo no segundo século. Ele considera que invocação dos santos não é anterior ao século quarto. Aprova a doutrina de que os santos oram em nosso favor, mas rejeita a doutrina de que devemos dirigir nossas orações a eles. Ele defende firmemente as orações em favor dos mortos. Bramhall, Works, 1.57 - A invocação dos santos "não é necessária, por duas razões: primeira: nenhum santo nos ama tanto como Cristo; nenhiiim santo nos deu a garantia do seu amor, fez tanto por nós como Cristo; nenhum santo quer aju- dar-nos tanto como Cristo; e segunda: não temos nenhum mandamento de Deus para invocá-los". A.B. Cave: "O sistema de mediação humana desaparece com o advento do Cristo vivo nas nossas almas. Quem quer as estrela, ou mesmo a lua, depois que o soi vai alto"?
III. OFÍCIO REAL DE CRISTO
Este deve ser distinto da soberania que Cristo possuía em virtude da sua natureza divina. O reinado de Cristo é soberania do Redentor divino-humano que lhe pertencia por direito desde o momento do seu nascimento, mas que foi

Teologia Sistemática
467
exercido plenamente a partir da sua entrada para o estado de exaltação. Em virtude deste ofício real, Cristo dirige todas coisas no céu e na terra para a glória e execução do propósito salvador de Deus.
Com relação ao universo em toda sua extensão, o reino de Cristo é um reino de poder; ele sustenta, governa e julga o mundo.
SI. 2.6-8 - "Ungi o meu Rei... tu és meu Filho ... os confins da terra por tua possessão"; 8.6 - "Fazes com que ele tenha domínio sobre as obras das tuas mãos; tudo puseste debaixo dos teus pés"; cf. Hb. 2.8,9 "ainda não vemos que todas as coisas lhe estão sujeitas; vemos, porém ... Jesus ... coroado de glória e de honra"; Mt. 25.31,32 - "quando o Filho do Homem vier na sua glória ... então, se assentará no trono da sua glória; e todas as nações serão reunidas diante dele"; 28.18 - "Toda a autoridade me é dada no céu e na terra"; Hb. 1.3 - "sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder";
Ap. 19.15,16 - "ferir todas as nações ... regerá com vara de ferro ... Rei dos Reis e Senhor dos Senhores".
Julius Müller, Proof-Texts, 34, diz incorretamente, segundo o nosso pensamento, que o regnum naturae da teologia antiga é indefensável; há apenas o regnum gratiae e o regnum gloriae". A. J. Gordon: "Cristo agora mantém o cetro como uma vez suportou o fardo da criação".
Com relação à sua igreja militante, é o reino da graça; ele funda, legisla, administra, defende e amplia sua igreja na terra.
Lc. 2.11 - "... vos nasceu um Salvador, que é Cristo, o Senhor"; 19.38 - "Bendito o Rei que vem em nome do Senhor"; Jo. 18.36,37 - "O meu Reino não é deste mundo ... Tu dizes que eu sou rei... Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz"; Ef. 1.22,23 - "sujeitou todas as coisas a seus pés e, sobre todas as coisas, o constituiu como cabeça da igreja, que é o seu corpo, a plenitude daquele que cumpre tudo em todos"; Hb. 1.8 - "do Filho, diz:
Ó Deus, o teu trono subsiste pelos séculos dos séculos".
Dorner, Glaubenslehre, 2.677 (Doutrina Sistemática 4.142,143) - "Pode- se dizer que todos os grandes homens têm uma pós-influência (Nachwirkunçj) após a morte, mas só se pótte-dizer que Cristo tem uma pós-atividade (Fortwikung). O envio do Espírito é parte da obra de Cristo como Rei". P. S. Moxom, Bap. Quart. Review, janeiro, 1886.25-36 - "A proeminência de Crsto como a fonte do ser da igreja; a base da unidade desta; a fonte da sua lei: d modelo da sua vida". A. J. Gordon: "Como a igreja suporta a dureza e a hur-i- lhação unida àquele que estava na cruz, assim ela deve mostrar algo da energia sobrenatural em união àquele que está no trono". Lutero: 'Dizemos ao Senhor Deus que, se ele quer ter a sua igreja, ele mesmo deve cuidar dela.
Nós não podemos sustentá-la e, se pudéssemos, nós nos tomaríamos os mais orgulhosos asnos sob o céu ... Se o papa, o sacerdote ou o rr nistro pudessem destruir a igreja de Jesus Cristo, tê-lo-iam há muito tempo".
Ao observar os processos da Dieta de Augsburgo, Lutero fez uma notável descoberta. Viu que as estrelas formavam o pálio do céu e, embora não

468
Augustus Hopkins Strong
houvesse colunas para sustentá-las, continuavam nos seus respectivos lugares e o céu não caía. A questão de sustentar o céu e as suas estrelas tem estado nas mentes dos homens em todos os tempos. Porém não precisamos providenciar esteios para sustentar o céu. Deus cuida da igreja e da doutrina cristã. Porque a respeito de Cristo está registrado em 1 Co. 15.25 - "Porque convém que ele reine até que haja posto todos os inimigos debaixo de seus pés".
"Três vezes abençoado seja aquele a quem é dado o instinto de contar que Deus está no campo conquanto ele seja absolutamente invisível". Porque Cristo é o Rei, convém nunca perder a esperança na igreja e no mundo.
Dr. E. G. Robinson declara que o caráter cristão nunca esteve mais completo do que agora, nem mais próximo do homem ideal. Podemos acrescentar que a educação, o comércio a invenção, a civilização modernos devem ser considerados como revelações de Cristo, a Luz do mundo e o Governante das nações. Todo o progresso do conhecimento, do governo, da sociedade, é o progresso da sua verdade e uma profecia do estabelecimento do seu reino.
Com relação à igreja triunfante, é um reino de glória; ele recompensa o seu povo redimido com a sua plena revelação da complementação do seu reino na ressurreição e no juízo.
Jo. 17.24 - "Pai, aqueles que me deste quero que, onde eu estiver, também eles estejam comigo, para que vejam a minha glória"; 1 Pe. 3.21,22 - "Jesus Cristo; o qual está à destra de Deus, tendo subido ao céu, havendo- se-lhes sujeitado os anjos, e as autoridades e as potências"; 2 Pe. 1.11 - "Porque assim vos será amplamente concedida a entrada no Reino eterno de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo". VerANDREW Murrey, With Christin the School of Prayer, prefácio, vi - "Ap. 1.6 — 'E nos fez reis e sacerdotes para Deus e seu Pai'. Tanto no rei como no sacerdote os principais elementos são: poder, influência, bênção. No rei está o poder de descer; no sacerdote o poder de subir, prevalecendo com Deus. Como em Cristo, assim também em nós, o poder real encontra-se no sacerdotal; Hb. 7.25 - "pode também salvar os que se chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles'. "
Watts, NewApologetics, prefácio, ix- "Não podemos ter Cristo como Rei sem tê-lo como sacerdote. É como Cordeiro que ele se senta sobre o trono no Apocalipse; é como Cordeiro que ele conduz o seu conflito com os reis da terra; e é do trono de Deus em que o Cordeiro aparece que flui a água da vida, que refresca através de todo o Paraíso de Deus".
Lutero: "Agora Cristo reina, não de uma forma visível, pública, mas através da palavra do mesmo modo em que vemos o sol através de uma nuvem. Vemos a luz, mas não o sol. Porém, quando as nuvens se vão, vemos tanto a luz como o sol". Podemos encerrar as nossas considerações sobre o Reinado de Cristo com duas notas práticas: 1. Nunca será demais pensarmos na cruz, mas podemos pensar muito pouco no trono. 2. Não temos Cristo como Profeta ou Sacerdote se não o aceitarmos como Rei.

Capítulo II
RECONCILIAÇÃO DO HOMEM COM DEUS, OU APLICAÇÃO DA REDENÇÃO ATRAVÉS DA OBRA DO ESPÍRITO SANTO
SEÇÃO I - APLICAÇÃO DA REDENÇÃO DE CRISTO NA SUA PREPARAÇÃO
Nesta seção trataremos da Eleição e da Vocação; a Seção II será dedicada à Aplicação da Redenção de Cristo logo no Início, a saber, na União com Cristo, na Regeneração, na Conversão e na Justificação; enquanto a Seção III tem como assunto a Aplicação da Redenção de Cristo na sua Continuação, a saber, na Santificação e Perseverança.
O arranjo dos tópicos, ao tratar da reconciliação do homem com Deus, é tirado de Juuus Müller, Proof-Texts, 35. "A revelação para nós tem como finalidade efetuar a revelação em nós. Em qualquer ser absolutamente perfeito o intercâmbio de Deus para conosco através da faculdade, e do ensino direto, fundir-se-ia e aquela seria a voz de Deus tanto quanto este" (Hutton, Essays).
Ao tratar da Eleição e Vocação como aplicações da redenção de Cristo, implicamos que, no decreto de Deus, são ambas logicamente subseqüentes à redenção. Nisto sustentamos o sublapsarianismo distinto do supralapsarianis- mo de Beza e outros hipercalvinistas que consideram, na ordem do pensamento, que o decreto da salvação individual precede o decreto que permite a queda. Neste último esquema, a sua ordem é: 1. o decreto de salvar alguns, e recusar outros; 2. o decreto de criar tanto os que devem ser salvos como os que devem ser recusados; 3. o decreto de permitir que tanto aqueles como estes caiam; 4. o decreto de providenciar salvação só àqueles, i.e., os eleitos.
Richards, Theology, 302-307, mostra que Calvino, conquanto na primeira obra, Instituição Cristã, evita informações definidas sobre a sua posição a

470
Augustus Hopkins Strong
respeito da extensão da obra expiatória, contudo nas suas últimas, os Comentários, admite a teoria da expiação universal. Por isso o supralapsa- rianismo não é calvinista, nas hipercalvinista. O sublapsarianismo foi adotado pelo Sínodo de Dort (1618, 1619). Supralapsarianismo é a forma de doutrina que sustenta o decreto da salvação individual antes do decreto de permitir a Queda; o sublapsário designa a forma de doutrina que sustenta que o decreto da salvação individual é subseqüente ao de permitir a Queda.
Pode-se ver o progresso no pensamento de Calvino comparando alguns dos seus antigos pronunciamentos com os seus últimos. Institutes, 2.23.5 - "Com Agostinho, digo que o Senhor criou aqueles que, como, sem dúvida, conhecia antecipadamente, deviam ir para a destruição e isto fez porque assim quis". Mas ainda na Instituição, 3.23.8, ele afirma que "a perdição dos ímpios depende da predestinação divina de tal modo que a sua causa e matéria encontram-se neles mesmos. O homem cai pela indicação da providência divina, mas por sua própria culpa". Ele descreve o ato de cegar, o endurecimento, a volta do pecador provocados por Deus, como conseqüência do abandono divino, não da causa divina. A relação de Deus com a origem do pecado não é eficiente, mas permissiva. No fim da vida, Calvino escreveu em seu Comentário sobre 1 Jo. 2.2 - "ele é a propiciação pelos nossos pecados; e não somente pelos nossos, mas também pelos do mundo todo" - o seguinte: "Cristo sofreu pelos pecados do mundo todo; não apenas por uma parte do mundo, mas por toda a raça humana; porque, embora no mundo todo não se ache nada merecedor do favor de Deus, contudo, ele sustenta a propiciação para o mundo todo porque, sem exceção, ele convoca todos à fé em Cristo que nada mais é do que a porta da esperança".
Apesar de outras passagens, tais como Instituição 3.21.5 e 3.23.1, afirmarem um ponto de vista mais duro, devemos dar a Calvino o crédito de modificar a sua doutrina com uma reflexão mais amadurecida na idade mais avançada. Muito do que é chamado de calvinismo teria sido repudiado pelo próprio Calvino até mesmo no começo da sua carreira e é, na verdade um exagero do seu ensino pelos seus sucessores mais escolásticos e menos religiosos. Renan chama Calvino de "o mais cristão da sua geração". Dorner o descreve como "igualmente grande no intelecto e no caráter, amável na vida social, cheio de terna simpatia e fidelidade aos seus amigos, cedendo e perdoando as ofensas pessoais". O artifício do seu selo é o flamejant^co^ração que estende a mão auxiliadora.
A participação de Calvino na queima de Serveto deve ser explicada pelo seu equivocado zelo para com a verdade de Deus e pela crença universal daquela época de que tal verdade deve ser defendida pelo poder civil. Segue- se a inscrição sobre o monumento expiatório que os calvinistas ergueram a Serveto: "Aos 27 de outubro de 1553, morreu num poste em Campbell, Miguel Serveto, de Villeneuve d'Aragon, nascido em 29 de setembro 1511. Reverentes e gratos filhos de Calvino, nosso grande Reformador, mas condenando um erro daquela época, e aderindo firmemente à liberdade de consciência segundo os verdadeiros princípios da Reforma e do evangelho, erigimos este monumento expiatório, aos 27 de outubro de 1903".
JohnDeWitt, Princeton Theol. fíeview, janeiro, 1904.95-"Tomemos João Calvino. Essa frutífera concepção - mais frutífera na igreja e no estado do

Teologia Sistemática
que qualquer outra concepção que o mundo de fala inglesa sustentou - sobre a soberania absoluta e universal do Deus santo, como a revolução da concepção prevalecente na época sobre a soberania do homem numa igreja terrena, foi historicamente a mediação e instauração da sua carreira espiritual".
Mas as Escrituras ensinam que os homens, como pecadores, independentemente dos seus pecados, são objeto da graça salvadora de Deus em Cristo (João 15.19; Rm. 11.5,7; Ef. 1.4-6; 1 Pe. 1.2). Contudo, a condenação é um ato, não de soberania, mas de justiça e baseia-se na culpa do condenado (Rm. 2.6-11; 2 Ts. 1.5-10). A verdadeira ordem dos decretos é, portanto, a seguinte: 1. o decreto de criar; 2. o decreto de permitir a queda; 3. o decreto de prover em Cristo uma salvação suficiente para as necessidades de todos; 4. o decreto de assegurar a verdadeira aceitação de tal salvação para alguns, ou, em outras palavras, o decreto da Eleição.
Que a graça salvadora pressupõe a queda e que os homens como pecadores são seus objetos é evidente em Jo. 15.19 - "Se vós fosseis do mundo,
mundo amaria o que era seu; mas, porque vós não sois do mundo, antes eu vos escolhi do mundo, por isso é que o mundo vos aborrece"; Rm. 11.5-7 - "Assim, pois, também agora neste tempo ficou um resto, segundo a eleição da graça. Mas, se é por graça, já não é pelas obras; de outra maneira, a graça já não é graça. Pois que? O que Israel buscava não o alcançou; mas os eleitos o alcançaram e os outros foram endurecidos". Ef. 1.4-6 - "como também nos elegeu desde a fundação do mundo, para que fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele em amor, e nos predestinou para filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito de sua vontade, para o louvor e glória da sua graça, pela qual nos fez agradáveis a si no Amado";
Pe. 1.2 — "eleitos segundo a presciência deJDeus Pai, em santificação do Espírito, para a obediência e aspersão do sangue de Jesus Cristo: graça e paz vos sejam multiplicadas".
Que a condenação não é um ato da soberania, mas da justiça é evidente em Rm. 2.6-9 - "o qual recompensará cada um segundo as suas obras, ... indignação e ira ... sobre toda alma do homem que faz o mal"; 2 Ts. 1.6-9 - "que dê em paga a tribulação aos que vos atribulam ... tomando vingança dos que não conhecem a Deus e dos que não obedecem ao evangelho do nosso Senhor Jesus, os quais por castigo sofrerão punição". Pessoas em particular são eleitas, não porque Cristo morreu por elas, mas porque têm influências especiais do Espírito, que lhes foi dado.
Os sublapsários que sustentam o ponto de vista ansélmico de uma expiação limitada, fazem os decretos 3 e 4, já mencionados, mudarem de posição: por isso o decreto da eleição precede o de prover a redenção. Já foram apresentadas as razões bíblicas para preferir a ordem aqui apresentada ao tratarmos da Expiação.

472
Augustus Hopkins Strong
Quando '3' e '4' mudam de lugar, o '3' deve ser lido: "O decreto de prover em Cristo uma salvação suficiente para os eleitos"; e '4' deve ser lido:
"O decreto de que um certo número de pessoas deve ser salvo; ou, em outras palavras, o decreto da Eleição". O sublapsarianismo do primeiro tipo pode ser encontrado em Turrettin, loc. 4, quaes. 9; Cunning, Hist. of Theology, 416- 439. A. F. J. Behrends: "O decreto divino é a nossa última palavra em teologia, não a primeira. Representa o terminus ad quem não o terminus a quo. O que quer que aconteça no exercício da liberdade humana e da graça divina - isso Deus decretou". Contudo, devemos admitir que o calvinismo necessita de ser suplementado por uma afirmação mais expressa do amor de Deus para com
o mundo. Herrick Johnson: "Através da Confissão de Westminster pode-se com justiça escrever: 'O evangelho só para os eleitos'. Essa confissão foi escrita sob o domínio absoluto de uma idéia: a doutrina da predestinação. Ela não contém uma das três verdades: O amor de Deus em favor de um mundo perdido; a compaixão de Cristo em favor de um mundo perdido, e o evangelho universal para um mundo perdido".
I. ELEIÇÃO
Eleição é o ato etemo de Deus pelo qual, em seu soberano agrado e não por mérito algum previsto nos homens ele escolhe alguns dos numerosos pecadores para serem os receptores da graça especial do seu Espírito e assim serem participantes voluntários da salvação de Cristo.
Prova da Doutrina da Eleição
A Partir da Escritura.
Aqui adotamos as palavras do Dr. Hovey: "As Escrituras proíbem-nos de achar as razões para a eleição na ação moral do homem antes do novo nascimento e fazem referência meramente à soberana vontade e misericórdia de Deus; isto é, elas ensinam a doutrina da eleição pessoal". Antes de avançar para a prova da doutrina em si podemos reivindicar a garantia bíblica para as três afirmativas preliminares (que citamos do Dr. Hovey), a saber:
Primeira: "Deus tem o direito soberano de conceder mais graça a um do que a outro; graça é favor não merecido dado aos pecadores".
Mt. 20.12-15 - "Estes derradeiros trabalharam só uma hora e tu os igua- laste conosco ... Amigo, não te faço injustiça ... Não me é lícito fazer o que quiser com o que é meu"? Rm. 9.20,21 - "A coisa formada dirá ao que a formou: Por que me fizeste assim? Ou não tem o oleiro poder sobre o barro, para, da mesma massa fazer um vaso para honra e outro para desonra"?
Segunda: "Aprouve a Deus exercer este direito ao tratar os homens".

Teologia Sistemática
SI. 147.20 - "Não fez assim a nenhuma outra nação; e, quanto aos seus juízos, nenhuma os conhece". Rm. 3.1,2 - "Qual é, logo, a vantagem do judeu? ou a utilidade da circuncisão? Muita, em toda maneira, porque primeiramente as palavras de Deus lhe foram confiadas"; Jo. 15.16 - "Não me esco- Ihestes vós a mim, mas eu vos escolhi a vós, para que vades e deis fruto";
At. 9.15 - "este é para mim um vaso escolhido para levar o meu nome diante dos gentios, e dos reis, e dos filhos de Israel".
Terceira: "Deus tem alguma outra razão além da de salvar tantos quantos possíveis da maneira em que ele distribui a sua graça".
Mt. 21.21 - Tiro e Sidom "ter-se-iam arrependido" se tivessem tido a graça que foi dada a Corazim e a Betsaida; Rm. 9.22,23 - "Que direis se Deus, querendo mostrar a sua ira e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita paciência os vasos da ira, preparados para a perdição, para que também desse a conhecer as riquezas da sua glória nos vasos de misericórdia que, para a glória, já dantes preparou"?
As passagens da Escritura que direta ou indiretamente apóiam a doutrina de uma eleição particular do homem para a salvação podem ser arranjadas da seguinte maneira:
Afirmativas diretas do propósito de Deus de salvar alguns indivíduos.
Jesus fala dos eleitos de Deus, como por exemplo em Mc. 13.27 - "E ele enviará os seus anjos e reuijirá os seus escolhidos (eleitos)"; Lc. 18.7 - "E Deus não fará justiça aos seus escolhidos (eleitos), que clamam a ele de dia e de noite"?
At. 13.48 - "e creram todos quantos estavam ordenados (Te-cayjiévoi) para a vida eterna" - aqui Whedon traduz: "dispostos para a vida eterna" referindo- se a KaxapTia(j.éva em Rm. 9.22, onde "preparados" = "preparados eles mesmos". Contudo, o único exemplo onde xáaaco é empregado no sentido médio está em 1 Co. 16.15 "a si mesmos se dedicaram"; mas o objeto, èavroúç acha-se expresso. Devemos aqui comparar Rm. 13.1 "as autoridades que há foram ordenadas (teTcr/nevou) por Deus; ver também At. 10.42 - "ele é o que por Deus foi constituído (rapianévoç) por Deus juiz dos vivos e dos mortosü
Rm. 9.11-16 - "porque eles (os filhos), não tendo ainda nascido, nem tendo feito bem ou mal (para que o propósito de Deus, segundo a eleição ficasse firme, não por causa das obras, mas por aquele que chama)... Compadecer- me-ei de quem me compadecer e terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia ... Assim, pois, isto não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus, que se compadece"; Ef. 1.4,5,9,11 - "como nos elegeu desde a fundação do mundo, [não porque fôssemos, ou devêssemos ser, santos, mas] para que fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele em amor, e nos predestinou para filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito da sua vontade ... o mistério da sua vontade, segundo o seu beneplácito ... em quem também fomos feitos herança havendo sido predestinados

474
Augustus Hopkins Strong
conforme o propósito daquele que faz todas as coisas segundo o conselho da sua vontade"; Cl. 3.12 - "eleitos de Deus" 2 Ts. 2.13 - "por ter Deus elegido desde o princípio para a salvação do Espírito e fé da verdade".
Em conexão com a declaração da presciência de Deus relativa a estas pessoas, ou escolha para torná-las objeto de sua atenção e cuidado.
Rm. 8.27-30 - "chamados por seu decreto. Porque os que dantes conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho";
Pe. 1.1,2 - "eleitos segundo a presciência de Deus Pai, em santificação do Espírito para obediência e aspersão do sangue de Jesus Cristo". Sobre a passagem em Romanos, Shedd, em seu Comentário, assinala que "dantes conheceu", no emprego hebraico é mais do que uma simples presciência e algo mais que o simples 'fixar os olhos sobre', ou 'selecionar'. É este último, mas com a noção adicional de um sentimento benigno e generoso para com o objeto". Em Rm. 8.27-30, Paulo está dando ênfase à soberania divina.
A vida cristã é considerada a partir do lado do cuidado e ordenação divinos e não da escolha e volição humanas. Alexander, Theories of the WiH, 87,88 - "Se Paulo aqui está defendendo o indeterminismo, é estranho que no capítulo 9 ele se sinta em dificuldade para responder as objeções do determinismo.
O protesto do apóstolo no cap. 9 não é contra a predestinação, mas contra o homem que considera tal teoria como impugnadora da justiça de Deus".
Que, na Escritura, a palavra "conhecer", com freqüência, não significa simplesmente "apreender intelectualmente", mas "considerar com favor", para que seja "um objeto de cuidado", é evidente no texto de Gn. 18.19 - "Porque eu o tenho conhecido que ele há de ordenar a seus filhos e à sua casa depois dele, para que eles guardem o caminho do Senhor para agirem com justiça e juízo"; Ex. 2.25 - "e atentou Deus para os filhos de Israel e conheceu-os Deus"; cf. v. 24 - "E ouviu Deus o seu gemido-^ lembrou-se Deus do seu concerto com Abraão, com Isaque e com Jacó"; Sl. 1.6 - "Porque o Senhor conhece o caminho dos justos; mas o caminho dos ímpios perecerá"; 101.4 - "não conhecerei o homem mau"; Os. 13.5,6 - "Eu te conheci no deserto, em terra muito seca. Depois eles se fartaram em proporção do seu pasto"; Na 1.7 - "conhece os que confiam nele"; Am. 3.2 - "De todas famílias da terra a vós somente conheci"; Mt. 7.23 - "Então lhes direi abertamente: Nunca vos conheci"; Rm. 7.15 - "Porque nem mesmo compreendo o meu modo de agir" (Rev. e Atual, do Br.); 1 Co. 8.3 - "Se alguém ama a Deus, esse é conhecido dele"; Gl. 4.9 - "agora, conhecendo a Deus ou, antes, sendo conhecidos de Deus"; 1 Ts. 5.12,13 - "rogamo-vos, irmãos, que reconheçais os que trabalham entre vós, e que presidem sobre vós no Senhor, e vos admoestam; e que os tenhais em grande estima e amor, por causa da sua obra". Do mesmo modo a expressão "conhecer dantes"; Rm. 11.2 - "Deus não rejeitou o seu povo que antes conheceu"; 1 Pe. 1.20 - Cristo, "o qual foi conhecido, ainda antes da fundação do mundo".
Broadus sobre Mt. 7.23 - "Nunca vos conheci" - diz: "E, nas passagens mencionadas acima, como em nenhuma outra, há base para a arbitrária idéia dos Pais, aceita por muitos, de que a palavra "conhecer" envolve também a

Teologia Sistemática
de aprovar ou considerar. A Bíblia está simplesmente falando de Deus na linguagem dos homens, e usando o termo que significa conhecimento, com todas as suas vantagens e regalias; 'conheci', /'.e., como meus, como meu povo" (Citado da edição em Português; Casa Publicadora Batista, 1949). Mas a aceitação desta última parte parece admitir o que Broadus anteriormente negara. 1/erTHAYER, Lex. ofN.T., sobre yivráaKco: "Com o acusativo de pessoa, reconhecer como digno de intimidade e amor; assim se diz dos que Deus julgou dignos das bênçãos do evangelho: mò toC Geoú yiváoKeaeai (1 Co. 8.3;
Gl. 4.9); negativamente, na sentença de Cristo: còSÉttore eyvcov tyiSç, "nunca vos conheci", "nunca tive qualquer conhecimento de vós". Sobre rcpoyiváaKco, Rm. 8.29 - oüç 7tpoéyvco "os que dantes conheceu", ver Denney, em Expositor's Greek Testament, irt loco: "Aqueles que ele dantes conheceu - em que sentido? como pessoas que responderam o seu amor com amor? No mínimo isto é irrelevante e estranho ao método geral do pensamento de Paulo. Que a salvação começa com Deus, e ocorre na eternidade são suas idéias fundamentais, que ele aplica aos cristãos sem levantar quaisquer dos problemas na relação da vontade humana com a divina. Contudo, podemos estar certos de que 7ipoéyvco tem o gestante sentido que yivróaKco freqüentemente apresenta na Escritura, p. ex., em SI. 1.6; Am. 3.2; por isso podemos ler: 'aqueles de quem Deus tomou conhecimento desde a eternidade' (Ef. 1.4)".
Em Rm. 8.28-30, citado acima, "dantes conheceu" = eleitos - isto é, fez certos indivíduos, no futuro, o objeto do seu amor e cuidado; "predestinou" descreve a designação divina destes mesmos indivíduos para receberem o dom especial da salvação. Em outras palavras, a "presciência" é de pessoas: a "predestinação" é das bênçãos a serem concedidas a eles. Hooker, Eccl. Polity, apêndice ao livro v, (vol. 2.751) - " 'os que dantes conheceu' (conheceu antes como dele mesmo, com a determinação de ser para sempre misericordioso para com eles) 'também predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho' - predestinou não para a oportunidade da conformação, mas para a própria conformação". A interpretação arminiana de "os que dantes conheceu" (Rm. 8.29) requereria que a expressão "conformes à imagem de seu Filho" fosse conjugada com ela. Contudo, Paulo faz da conformidade de Cristo o resultado, não a condição prevista, da predestinação de Deus.
Em declarações de que esta escolha é matéria da graça, ou favor imerecido, concedido na eternidade passada.
Ef. 1.5-8 - "predestinou ... segundo o beneplácito de sua vontade, para o louvor e glória da sua graça, pela qual nos fez agradáveis a si no Amado, segundo as riquezas da sua graça"; 2.8 - "Pela graça sois salvos por neio da fé; e isso não vem de vós; é dom de Deus" - aqui a expressão "e isso' i neutro touto, v. 8) refere-se não à "fé", mas à "salvação". Mas a fé em outro contexto é representada como tendo a sua fonte em Deus; ver p. 782, (k). 2 Tm. 1.9- "seu próprio propósito e graça que nos foi dada em Cristo Jesus antes dos tempos dos séculos". A eleição não é devida ao nosso merecimento. McLaren: "A misericórdia própria de Deus, espontânea, imerecida, condescendente, moveu-o. Deus é o seu próprio motivo. O seu amor não vem através

476
Augustus Hopkins Strong
da nossa amabilidade, mas brota, como uma fonte artesiana das profundezas da sua natureza".
Que o Pai deu algumas pessoas ao Filho, para ser sua possessão peculiar.
Jo. 6.37 - "Tudo o que meu Pai me dá virá a mim"; 17.2 - "que dê a vida eterna a todos quantos lhe deste"; 6 - "Manifestei o teu nome aos homens que do mundo me deste; eram teus, e tu mos deste"; 9 - "não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste"; Ef. 1.14 - "para a redenção da possessão de Deus"; 1 Pe. 2.9 - "povo adquirido (por Deus)".
Que o fato de os que crêem estarem unidos assim a Cristo se deve totalmente a Deus.
Jo. 6.44 - "Ninguém pode vir a mim, se o Pai, que me enviou, o não trouxer"; 1 Co. 1.30 - "Mas vós sois dele (Deus) em Jesus Cristo" = a vossa existência, como cristãos, em união com Cristo, se deve inteiramente a Deus.
Que aqueles cujos nomes estão escritos no livro da vida e só eles serão salvos.
Fp. 4.3 - "os outros cooperadores, cujos nomes estão no livro da vida";
Ap. 20.15 - "Aquele que não foi achado no livro da vida foi lançado no lago do fogo"; 21.27 - "não entrará nela coisa alguma que contamine ... mas só os que estão inscritos no livro da vida do Cordeiro" = decreto^xfe Deus sobre a graça da eleição em Cristo. /
Que estes são destinados como discípulos para alguns servos de Deus.
At. 17.4 - (literalmente) "Alguns deles foram persuadidos e unidos [por Deus] a Paulo e Silas" - como discípulos (Meyer e Grimm); 18.9,10 - "Não temas, mas fala e não te cales; porque eu sou contigo, e ninguém lançará mão de ti para te fazer mal, pois tenho muito povo nesta cidade".
São portadores de uma vocação especial de Deus.
Rm. 8.28,30 - "chamados por seu decreto. ... e aos que predestinou, a esses também chamou"; 9.23,24 - "vasos de misericórdia, que, para glória, já dantes preparou, os quais somos nós, a quem também chamou, não só dentre os judeus, mas também dentre os gentios"; 11.29 - "Porque os dons e a vocação de Deus são sem arrependimento"; 1 Co. 1.24-29 - "para os que são chamados ... Cristo poder de Deus e sabedoria de Deus ... porque vede, irmãos, a vossa vocação ... Deus escolheu as coisas desprezíveis e as que não são para aniquilar as que são, para que nenhuma carne se glorie perante

Teologia Sistemática
ele"; Gl. 1.15,16 - "quando aprouve a Deus, que desde o ventre de minha mãe me separou e me chamou pela sua graça, revelar seu Filho em mim"; cf. Tg. 2.23 - "e [Abraão] chamado filho de Deus".
Nasceram para o reino de Deus, não em virtude da vontade do homem, ~zs da de Deus.
Jo. 1.13 - "não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do varão, mas de Deus"; Tg. 1.18- "Segundo a sua vontade ele nos gerou pela palavra da verdade"; 1 Jo. 4.10 - "Nisto está o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou"; S.S. Times, 14 de out. de 1899 - "A lei do amor é a expressão da natureza amorosa de Deus e não é só pela participação da natureza divina que somos levados a prestar- lhe obediência. 'Deus amoroso', diz Bushnell, 'é apenas um Deus que nos ama'. Deste modo, as grandes palavras de João podem ser traduzidas no tempo verbal presente: 'não que nós amamos a Deus, mas que ele nos ama'.
Ou como Madame Guyon canta: "Amo a meu Deus, mas sem que haja amor algum em mim, porque não tenho nada para dar; Amo-te, Senhor, mas todo o amor é teu, porque por tua vida é que eu vivo'."
j) Recebem o arrependimento como dom de Deus.
At. 5.31 - "Deus, com sua destr\ o elevou a Príncipe e Salvador, para dar a Israel o arrependimento e remissão dos pecados"; 11.18 - "Na verdade até aos gentios deu Deus o arrependimento para a vida"; 2Tm. 2.25-"Instruindo com mansidão os que resistem; para ver se, porventura, Deus lhes dará arrependimento para conhecerem a verdade". Sem dúvida é verdade que Deus dá arrependimento induzindo o homem a arrepender-se pela atuação da sua palavra, da sua providência e do seu Espírito. Porém, parece mais do que isto, significar o salmista quando diz: "Cria em mim um coração puro e renova em mim um espírito reto" (SI. 51.10).
k) A fé, um dom de Deus.
Jo. 6.65 - "ninguém pode vir a mim, se por meu Pai não for concedido":
At. 15.8,9 - "Deus ... dando-lhes o Espírito ... purificando o seu coração pela fé"; 1 Co. 12.9 - "a outro, pelo mesmo Espírito a fé"; Gl. 5.22 - "O fruto do Espírito é ... fé"; Fp. 2.13 - Em toda a fé "é Deus quem opera em vós tanto o querer como o efetuar segundo a sua boa vontade"; Ef. 6.23 - "Paz seja com os irmãos e amor com fé, da parte de Deus Pai e da do Senhor Jesus Cristo': João 3.8 - "O vento [Espírito] sopra onde quer e (conseqüentemente] ouves a sua voz"; 1 Co. 12.3 - "Ninguém pode dizer que Jesus é o Senhor, senão pe:o Espírito Santo" - mas chamar Jesus de "Senhor" faz parte essencial da fé: por isso a fé é obra do Espírito Santo; Tt. 1.1 - "fé dos eleitos de Deus" = a eleição não vem em conseqüência da fé, mas esta em conseqüência da

478
Augustus Hopkins Strong
eleição (Ellicott). Se eles recebem a fé de si mesmos, então a salvação não se deve à graça. Se Deus deu a fé, ela estava no seu propósito, e isto é eleição.
/) Santidade e boas obras são dom de Deus.
Ef. 1.4 - "nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para que fôssemos santos"; 2.9,10 - "Não das obras para que ninguém se glorie. Porque nós somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas"; 1 Pe. 1.2 - "eleitos ... para a obediência".
Estas passagens fornecem abundante e conclusiva refutação, por um lado. do ponto de vista luterano de que a eleição é simplesmente determinação de Deus desde a eternidade para prover uma salvação objetiva para a humanidade universal; e, por outro lado, do ponto de vista arminiano de que a eleição é determinação de Deus desde a eternidade de salvar alguns indivíduos com base na fé prevista.
A grosso modo se afirma podermos dizer que Schleiermacher elege todos os homens subjetivamente; para os arminianos os crentes; os agostinianos defendem toda a presciência do próprio Deus. Schleiermacher sustenta que logicamente o decreto precede a presciência e a eleição é individual, não nacional. Mas ele faz a eleição incluir todos os homens; a única diferença está entre a conversão dos mais antigos e a dos mais tardios. Por isso, em seu sistema, o Calvinismo e o restauracionismo caminham lado a lado.
O luteranismo afirma que a graça original precede o pecado original e que o Quia Voluit de Tertuliano e de Calvino baseia-se na sabedoria, em Cristo.
O luterano sustenta que o crente é apenas um indivíduo não resistente à graça comum; enquanto o arminiano sustenta que o crente é um indivíduo cooperante com a graça comum. O luteranismo entra mais plenamente que o calvinismo na natureza da fé. O seu pensamento se volta mais para a atuação humana, enquanto o calvinismo mais para o propósito divino. O luteranismo pensa mais na igreja, enquanto o calvinismo mais na Escritura. A concepção arminiana é que Deus indicou os homens para a salvação do mesmo modo que para a condenação, tendo em vista as suas disposições e atos. Como a justificação tem em vista a presente fé, o arminiano considera que a eleição ocorre em vista da fé futura. O arminianismo deve rejeitar a doutrina da regeneração do mesmo modo que a da eleição e, em ambos os casos, faz o ato do homem preceder o ato de Deus.
Todas as variedades de pontos de vista sobre este assunto podem ser encontradas entre os teólogos. John Milton, em sua Christian Doctrine, sustenta que não existe a predestinação particular ou a eleição, mas só a geral. ... Não pode haver nenhuma reprovação de indivíduos desde toda a eternidade". Arcebispo Sumner: "Eleição é predestinação de comunidades e

Teologia Sistemática
nações para o conhecimento exterior e os privilégios do evangelho". Arcebispo Whately: "Eleição é a escolha de indivíduos para a membresia na igreja exterior e os meios da graça". Gore, Lux Mundi, 320 - "Os eleitos representam não o propósito especial de Deus dirigido a uns poucos, mas o propósito universal que, sob as circunstâncias pode ser realizado apenas nuns poucos". R. V. Foster, presbiteriano de Cumberland, opõe-se à predestinação absoluta e diz em sua Teologia Sistemática que o decreto divino é incondicional em sua origem e condicional em sua aplicação".
Da Razão.
Eternamente Deus propôs-se a fazer o que ele faz. Visto que ele concede graça regeneradora especial a alguns, deve eternamente ter proposto concedê- la; em outras palavras, deve tê-los escolhido para a vida eterna. Assim a doutrina da eleição é só uma aplicação especial da doutrina dos decretos.
Os pontos de vista de New Haven são essencialmente arminianos. Ver Fitch, sobre Predestinação e Eleição, em Christian Spectator, 3.622-"Apresciência de Deus de quais seriam os resultados das suas atuais obras da graça precedem, na ordem da natureza, o propósito de persegui-las e apresentar as bases de tal propósito. Os que ele antes conheceu - como povo a ser guiado para o seu reino através das atuais obras da graça, em cujo resultado está todo o motivo objetivo para d seu empreendimento - ele o fez também, resolvendo, nestas obras, predestinar". Aqui se diz erroneamente que Deus conhecia antecipadamente o que ainda está incluído num plano simplesmente possível. Como já vimos ao tratar dos decretos, não existe presciência, a não ser que haja alguma coisa fixada, no futuro, a ser conhecida antecipadamente; esta fixidez só pode dever-se à predestinação de Deus. Deste modo, no caso em foco, a eleição deve preceder a presciência.
Se Deus desejasse a salvação de Judas, tanto como a de Pedro, como foi Pedro eleito diferentemente de Judas? Para a pergunta "Quem te fez diferente"? a resposta deve ser: "Não Deus, mas a minha própria vontade". Ver Finney, em Biblia Sacra, 1877.711 - "Deus deve ter conhecido antecipadamente quem ele podia sabiamente salvar, na ordem da natureza antes a fim de determinar salvá-los. Mas o conhecimento de quais /riam ser salvos, deve ter sido, na ordem da natureza, subseqüente à sua eleição ou determinação de salvá-los e depender dessa determinação". Foster, Christian Life and Theology, 70 - "A doutrina da eleição é a formulação consistente, sub specie eternitatis, da graça preventiva. ... 86 - Com a doutrina da graça preventiva, concorda ou coincide a doutrina evangélica".
Este propósito não pode condicionar-se a qualquer mérito ou fé nos escolhidos, visto que de modo nenhum existe tal mérito, - a própria fé é dom de Deus e é predestinada por ele. Porque se prevê que a fé no homem resulta apenas da obra da graça de Deus, a eleição procede mais precisamente da descrença prevista. A fé, como o efeito da eleição, não pode ao mesmo tempo ser a sua causa.

480
Augustus Hopkins Strong
Por um lado há uma analogia entre a oração e a sua resposta e, por outro, entre a fé e a salvação. Deus decretou a resposta em conexão com a oração, e a salvação em conexão com a fé. Mas ele não muda a sua mente quando os homens oram, ou quando eles crêem. Como ele cumpre o seu propósito inspirando a verdadeira oração, do mesmo modo cumpre-o dando fé. Agostinho: "Ele nos escolhe, não porque nós cremos, mas para que creiamos; para que não digamos que nós o escolhemos primeiro". (Jo. 15.16 - "Não me esco- Ihestes vós a mim, mas eu vos escolhi a vós"; Rm. 9.21 - "da mesma massa";
16 - "não depende de quem quer").
Veja aqui a valiosa discussão de Wardlaw, Syst. Theology, 2.485-549 - "Eleição e salvação baseadas nas obras previstas não diferem em princfpio da eleição e salvação baseadas nas obras executadas", cf. Pv. 21.1 - "Como ribeiros de águas, o coração do rei está na mão do Senhor; a tudo quanto ele quer o inclina" - tão fácil como os riachos dos campos orientais movem-se ao mais leve movimento da mão ou do pé do roceiro; SI. 110.3 - "O teu povo se apresentará voluntariamente no dia do teu poder".
A depravação da vontade humana é tal que, sem este decreto de conceder influências divinas especiais a alguns, todos, sem exceção, teriam rejeitado a salvação de Cristo depois de ter-lhes sido oferecida? e assim todos, sem exceção, deviam ter perecido. A eleição, portanto, pode ser vista como uma conseqüência necessária do decreto de Deus para prover uma redenção objetiva, se tal redenção tiver qualquer resultado objetivo na salvação humana.
Antes que o filho pródigo buscasse o pai, este deveria buscá-lo; uma verdade revela nas parábolas apresentadas anteriormente sobre a dracma e a ovelha perdidas (Lc. 15). Sem a eleição todos estão perdidos. Newman Smyth, Ortodox Theology of Today, 56 - "Hoje, a pior doutrina da eleição é ensinada pela ciência natural. A doutrina científica da seleção natural é a da eleição despojada da esperança e sem ter em si um único toque de piedade".
Hodge, Syst. Theology, 2.335 - "Suponhamos que o ponto de vista deísta fosse verdadeiro: Deus criou o homem e o deixou; seguramente ninguém poderia queixar-se dos resultados. Mas, suponhamos agora Deus, prevendo estes mesmos resultados que a criação causaria. Faria isto alguma diferença, se o propósito de Deus quanto ao futuro desse mundo, o precedesse? Agostinho supõe que Deus propôs tal mundo como supõe o deísta, com duas exceções: 1) ele interfere para limitar o mal; 2) ele intervém, através da providência, através de Cristo e através do Espírito Santo para salvar alguém da destruição". A eleição é apenas a determinação de Deus para que os sofrimentos de Cristo não sejam baldados; que todos os homens não se percam; que alguns sejam levados a aceitar a Cristo; que para este fim especial ocorram influências do Espírito Santo.
À primeira vista pode parecer que a indicação de homens para a salvação da parte de Deus é simplesmente permissiva, do mesmo modo que a sua indicação para a condenação (1 Pe. 2.8), e que esta indicação é simplesmente indireta, criando-os na previsão da sua fé ou desobediência. Porém o

Teologia Sistemática
481
~'ecreto da salvação não é simplesmente permissivo; é também eficiente.
E o decreto de empregar os meios especiais para a salvação de alguns.
A. A. Hodge, Popular Lectures, 143 - "O morto não pode espontaneamente originar o seu próprio despertar, nem a criatura a sua criação, nem o infante a sua própria geração. Faça o homem o que fizer após a sua regeneração, em primeiro lugar, o despertar da morte deve ter sua origem em Deus".
Hovey, Manual of Theology, 287 - "Reduzido a seus mais simples termos, o calvinismo é a eleição dos crentes não por qualquer que fosse a sua conduta prevista, quer antes, quer durante o ato da conversão, que espiritualmente seria melhor do que a dos outros influenciados pela mesma graça, mas por causa da sua maior utilidade prevista na manutenção da glória de Deus para com os seres morais e por estar prevista que não cometeria o pecado contra o Espírito Santo". Porém mesmo aqui devemos atribuir a maior utilidade e a abstenção do pecado fatal, não às forças desauxiliadas do homem, mas ao decreto divino: ver Ef. 2.10 - "Porque nós somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas".
A doutrina da eleição toma-se mais aceitável à razão quando lembramos: primeiro, que o decreto de Deus é eterno e, em certo sentido, contemporâneo à crença do homem em Cristo; segundo, que o decreto de Deus envolve o de tudo o que se seguirá no exercício da liberdade do homem; terceiro, que o decreto de Deus é o daquele que está em tudo de modo que o nosso querer e o nosso agir é ao mesmo tempo a obra daquele que decreta o nosso querer e o nosso agir. Toda a questão gira em tomo da iniciativa da salvação humana: se esta pertence a Deus, então, a despeito das dificuldades, devemos aceitar a doutrina da eleição.
A ilimitada existência de Deus pode ser a fonte de muitas das nossas dificuldades relativas à eleição e, com apoio no ponto de vista apropriado da eternidade de Deus, tais dificuldades podem ser removidas. Mason, Faith of the Gospel, 249-351 - "Em geral pensa-se na eternidade como se fosse um estado ou série anterior de tempo e desta forma resume-se quando o tempo chega ao fim. Contudo, isto só reduz a eternidade a um tempo e põe a lida de Deus no mesmo plano da nossa, apenas com a idéia de anterioridade. ... Atualmente não vemos como tempo e eternidade se encontram.
Royce, World and Individual, 2.374 - "Em termos de tempo, Deus não conhece anteriormente coisa alguma a não ser o que ele expressa em nós. seres finitos. O conhecimento que existe no tempo é o que os seres fritos possuem, porque eles são finitos. Tal conhecimento não pode predizer as características especiais dos atos individuais exatamente por serem únicos A presciência no tempo só é possível no geral e na causalidade predeterminada; não na única e livre. Por isso nem Deus, nem o homem podem conhecer antecipadamente de um modo perfeito, em qualquer momento temporal, o que um agente de vontade livre ainda fará. Por outro lado, o Absoluto pos

482
Aiigiistus Hopkins Strong
sui, de relance, um conhecimento perfeito de toda a ordem temporal: passada, presente e futura. Tal conhecimento é inadequadamente chamado de presciência. É conhecimento eterno. E, como há conhecimento eterno de toda a individualidade e de toda a liberdade, os atos livres são conhecidos como ocorrendo, como as cordas numa sucessão musical, precisamente quando e como na verdade eles ocorrem". Conquanto vemos muita verdade na afirmação anterior, não encontramos nela nenhuma barreira para crermos que Deus pode trasladar o seu conhecimento eterno em conhecimento finito e deste modo colocá-lo em propósitos especiais em posse das suas criaturas.
E. H. Johnson, Theology, 2- ed., 230 - "Antevendo o que as suas criaturas fariam, Deus decretou o destino delas quando decretou a sua criação; e ainda este seria o caso, apesar de que cada homem tinha o controle parcial sobre o seu destino, que os arminianos afirmam, ou mesmo o controle completo que os pelagianos defendem. O decreto é tão absoluto como se não houvesse liberdade, mas deixa tão livres como se não houvesse decreto".
A. H. Strong, Christ in Creation, 40,42 - "Como o Logqs ou a razão divina, Cristo habita na humanidade em toda a parte e constitui-se o princípio do seu ser. A humanidade compartilha com Cristo na imagem de Deus. Tal imagem nunca está totalmente perdida. Está completamente restaurada nos pecadores quando o Espírito de Cristo assegura-lhes o controle da vontade e os leva a incorporar sua vida à dele. ... Se Cristo é o princípio e a vida de todas as coisas, então a soberania divina e a liberdade humana, se não reconciliadas de modo absoluto, ao menos perdem o seu velho antagonismo, e racionalmente podemos 'operar a nossa salvação', pela mesma razão que 'é Deus quem opera em nós, tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade' (Fp. 2.12,13).
2. Objeções à Doutrina da Eleição
É injusta para com aqueles que não estão incluídos neste propósito da salvação. - Resposta: A eleição trata, não somente de criaturas, mas de pecadores culpados e condenados. Que qualquer um deve ser salvo é matéria de pura graça e aqueles que não estão incluídos neste propósito da salvação sofrem apenas a recompensa devida aos seus atos. Não há, portanto, nenhuma injustiça na eleição de Deus. Podemos melhor louvar o Deus que salva alguns do que acusá-lo de injustiça porque ele salva tão poucos.
A todos os homens, salvos ou não, Deus pode dizer: "Amigo, não te faço injustiça ... ou não me é lícito fazer o que eu quero com o que é meu"?
(Mt. 20.13,15). A pergunta não é se um pai trata os seus filhos igualmente, mas se um soberano deve tratar os condenados rebeldes da mesma forma. Não é verdade que, porque o governador perdoa da penitenciária a um convicto, ele deve perdoar a todos. Quando ele perdoa um, não se faz injustiça aos que são deixados. Mas, no governo de Deus, há ainda menos razão para objeção; porque Deus oferece perdão a todos. Nada impede os homens de serem perdoados a não ser a falta de vontade de aceitar o perdão. A eleição

Teologia Sistemática
é somente a determinação que Deus tem de levar algumas pessoas a aceitá- lo. Porque a justiça não pode salvar todos, não deve salvar ninguém?
Agostinho, De Predestinatione Sanctorum., 8 - "Por que Deus não ensina todos? Porque é em misericórdia que ele ensina todos quantos na verdade ele ensina, enquanto é em juízo que ele não ensina os que na verdade não ensina". Em seu Manual of Theology and Ethics, 260, Hovey assinala que Rm.
- "ó homem, quem és tu, que a Deus réplicas"? - ensina, não que o poder faz o certo, mas que Deus moralmente tem direito à glorificação tanto da sua justiça como da sua misericórdia no trato de uma raça culpada. Não é que ele escolhe salvar uns poucos náufragos e que estão se afogando, mas escolhe só uma parte de um grande grupo que se inclina ao suicídio. Pv. 8.36
"Mas aquele que pecar contra mim violentará a sua própria alma; todos os
que me aborrecem amam a morte". Em geral é melhor para o universo que se permita a alguns ter o seu próprio caminho e mostrar quão terrível é a oposição a Deus. (
Representa Deus como parcial no trato e respeitador das pessoas. - Resposta: Visto que nada há nos homens que determine que Deus escolha um ao invés de outro, a objeção é inválida. Aplicar-se-ia igualmente à seleção que Deus faz de certas nações, como Israel, e certos indivíduos, como Ciro, para serem os receptores dos dons temporais especiais. Se Deus não deve ser considerado como parcial em não prover salvação aos anjos decaídos, não pode ser considerado como parcial por não prover as influências regeneradoras do seu Espírito para toda a raça dos homens caídos.
SI. 44.3 - "Pois não conquistaram a terra pela espada, nem o seu braço os salvou, e sim a tua destra, e o teu braço, e a luz da tua face, porquanto te agradaste deles"; Is. 45.1,4,5 - "Assim diz o Senhor ao seu ungido, a Ciro, a quem tomo pela sua mão direita, para abater as nações diante da tua face....
Por amor de meu servo Jacó, e de Israel, meu eleito, eu a ti te chamarei pelo teu nome; pus-te o teu sobrenome, ainda que não me conheces"; Lc. 4.25-27
"muitas viúvas existiam em Israel ... e a nenhuma delas foi enviado Elias, senão à de Sarepta de Sidom, a uma mulher viúva. E muitos leprosos havia em Israel... e nenhum deles foi purificado, senão Naamã, o siro"; 1 Co. 4.7 - "Porque quem te diferença? e que tens tu que não tenhas recebido? e, se tu o recebeste, por que te glorias como se não o houveras recebido"? 2 Pe. 2.4
"Porque, se Deus não perdoou aos anjos que pecaram, mas, havendo-os lançado no inferno..."; Hb. 2.16 - "Porque, na verdade, ele não tomou os anjos, mas a descendência de Abraão".
É Deus parcial ao escolher Israel, Ciro, Naamã? É Deus parcial, ao dotar alguns de seus servos de dons ministeriais especiais? É Deus parcia. ao deixar de prover salvação aos anjos decaídos? Na providência de Deus. um homem nasce numa terra cristã, o filho de uma família nobre, é bem apessoa- do, talentoso, tem grandes oportunidades, e riqueza farta. Outro nasce em Cinco Pontas, ou no meio dos hotentotes, em meio à degradação e deprava- ção do paganismo real ou prático. Sentimos que é falta de reverência queixar-se

484
Augustus Hopkins Strong
do trato da providência de Deus. Que direito têm os pecadores de queixar-se da forma como Deus trata a distribuição da sua graça? Hovey: "Não temos o direito de pensar que Deus trata todos os seres morais da mesma forma. Devemos nos sentir felizes por ouvir dizer que outras raças são "melhor tratadas do que nós".
A eleição divina é apenas o lado ético e a interpretação da seleção natural. Nesta última Deus escolhe algumas formas do reino vegetal e do animal sem qualquer mérito da parte deles. Uns são preservados enquanto outros morrem. Em matéria de saúde individual, talento, propriedade, um é tomado, outro é deixado. Se chamarmos a isso de resultado do sistema, a resposta é que Deus escolhe o sistema, sabendo precisamente o que dele advirá. Bruce, Apologetics, 201 - "A eleição não é incompreensível na distinção entre filosofia e arte, pois isto não é matéria de preocupação vital; mas a eleição para a santidade da parte de uns e a falta de santidade da parte de outros, seria inconsistente com a própria santidade de Deus". Porém não existe uma eleição para a falta de santidade a não ser da parte do próprio homem.
A eleição garante só o bem. Ver c) abaixo.
J. J. Murphy, Natural Selection and Spiritual Freedom, 73 - "O mundo está ordenado numa base de desigualdade; o mundo orgânico, como o apresentado por Darwin, baseia-se na desigualdade - de raças favorecidas - da qual vem todo o progresso; a história mostra que o mesmo é verdade a respeito do mundo humano e do espiritual. Todo o progresso humano se deve a indivíduos humanos eleitos, não só com vistas a serem uma bênção para si mesmos, porém, ainda mais para serem-na a multidões de outras pessoas. Qualquer superioridade, quer no mundo natural, quer no mental ou espiritual, torna-se a vantagem básica para a obtenção de uma superioridade maior.... Este é o método do governo divino, que age tanto na província da natureza como na da graça, para que o benefício todo advenha a muitos através dos eleitos".
Representa Deus como arbitrário. - Resposta: Representa Deus não como arbitrário, mas exercendo a livre escolha de uma sábia e soberana vontade por meio e por razões que nos são inescrutáveis. Negar a possibilidade de tal escolha é negar a personalidade de Deus. Negar que Deus tem razões para a sua escolha é negar a sua sabedoria. A doutrina da eleição não encontra tais razões no homem, mas em Deus.
Quando um regimento é dizimado por insubordinação, o fato de que cada décimo homem é escolhido para a morte obedece a critérios; mas tais critérios não estão nos homens. Em um caso, o critério para a escolha de Deus para revelar-se: 1 Tm. 1.16 - "por isso alcancei misericórdia, para que em mim, que sou o principal, Jesus Cristo mostrasse a sua longanimidade para exemplo dos que haviam de crer nele para a vida eterna" - aqui Paulo indica que a razão pela qual Deus o escolheu é que ele (Paulo) é um grande pecador: v. 15 - "Cristo veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal". Hovey assinala que "o emprego para o qual Deus pode pôr os

Teologia Sistemática
485
homens como vasos de honra pode determinar a sua seleção". Mas visto que os fracos por natureza são salvos, assim como os fortes por natureza, não podemos tirar qualquer conclusão geral, ou discernir qualquer regra, no trato de Deus, a não ser este, que, na eleição, Deus procura ilustrar a grandeza e a variedade da sua graça; por isso, os critérios não estão no homem, mas em Deus. É bom lembrar que a soberania divina é a de Deus - o infinitamente sábio, santo e amável Deus em cujas mãos os destinos dos homens podem tornar-se mais seguros do que nas mãos das mais sábias, das mais justas, das mais bondosas de todas as criaturas.
Devemos crer na graça da soberania assim como na soberania da graça. A eleição e a reprovação não são matéria de vontade arbitrária. Deus salva todos os que sabiamente pode salvar. Ele mostrará benevolência na salvação da humanidade do mesmo modo em que o pode sem prejuízo da santidade. Ninguém pode ser salvo sem Deus, mas também é verdade que não há homem que Deus não queira salvar. H. B. Smith, System, 511 - "Pode ser que no fim muitos impenitentes ofereçam menos resistência dos que muitos dos salvos". Harris, Moral Evolution, 401 (substancialmente) - "Não se perde a soberania na Paternidade, mas recupera-se como a lei divina do amor justo. Sem dúvida tu és nosso Pai, apesar de que Agostinho nos ignore, e Calvino não nos reconheça". Hooker, Eccl. Polity, 1.2 - "Erram os que pensam que na vontade de Deus não há razão, mas apenas a sua vontade". T. Erskine, The Brazen Serpent, 259 - Soberania é "apenas um nome para o elemento não revelado de Deus".
Não conhecemos todas razões que Deus tem para salvar os homens em particular, mas algumas delas nos foram reveladas. Já mencionamos a primeira delas: 1) O maior pecado e a maior necessidade do homem; 1 Tm. 1.16
"que eu sou o principal, Jesus Cristo mostrasse toda a sua longanimidade". A esta acrescentamos: 2) O fato de que os homens não pecaram contra o Espírito Santo e não foram receptivos à salvação que vem de Cristo; 1 Tm. 1.13 - "alcancei misericórdia, porque o fiz ignorantemente, na incredulidade" = o fato de que Paulo não pecou com pleno conhecimento do que ele fez é a razão por que Deus o escolheu. 3) A capacidade do homem através do auxílio de Cristo para ser testemunha e mártir do seu Senhor; At. 9.15,16 - "Vai, porque este é para mim um vaso escolhido para levar o meu nome diante dos gentios, e dos reis, e dos filhos de Israel. E eu lhe mostrarei quanto deve padecer pelo meu nome". Como a missão de Paulo aos gentios pode ter determinado a escolha de Deus, assim a missão de Agostinho para com os sensuais e abandonados pode ter tido a mesma influência. Mas, se os previstos pecados de Paulo constituíram uma razão por que Deus escolheu salvá- lo, por que a sua capacidade de servir ao reino não podia ter-se constituído outra razão? Por isso acrescentamos: 4) A prevista capacidade de os homens servirem ao reino de Cristo trazendo outros ao conhecimento da verdade; Jo. 15.16 - "eu vos escolhi a vós, e vos nomeei, para que vades e deis fruto". Contudo, note que esta é uma escolha para servir, e não simplesmente uma escolha por causa do serviço. Em todos estes casos as razões não se assentam nos próprios homens, pois aquilo que eles são e o que eles possuem se deve à providência e graça de Deus.

486
Augustus Hopkins Strong
Tende para a imoralidade, representando a salvação do homem como independente da nossa obediência. - Resposta: A objeção ignora o fato de que a salvação dos que crêem é ordenada só em conexão com a regeneração e santificação deles como meios; e que a certeza do triunfo final é o mais forte incentivo para o árduo conflito com o pecado.
Plutarco: "Deus é a brava esperança do homem e não a escusa do covarde". Os propósitos de Deus são uma âncora para o espírito abalado pela tempestade. Mas o navio necessita de uma máquina, assim como de uma âncora. Deus não elege ninguém para salvar sem arrependimento e fé.
Há quem sustente a doutrina da eleição, mas esta não os sustenta. Tais pessoas deveriam ponderar 1 Pe. 1.2 em que se diz que os cristãos são eleitos "em santificação do Espírito para a obediência e aspersão do sangue de Jesus Cristo". \
Agostinho: "Ele a amou [a igreja] hedionda, para que ela se tornasse bela".
Dr. John Watson (Ian McLaren): "O Maior reforço que a religião poderia ter nos nossos dias seria a volta à crença antiga na soberania de Deus". Isto porque há falta de uma forte convicção do pecado, da culpa, e da desesperança e ainda permanecem o orgulho e a falta de vontade de submeter-se a Deus, uma fé imperfeita na fidedignidade e bondade dele. Não devemos excluir os arminianos da nossa comunhão - porque há muitos bons metodistas. Porém podemos sustentar que eles defendem apenas metade da verdade e a ausência da doutrina da eleição do seu credo torna menos séria a pregação e o caráter menos seguro.
Inspira orgulho naqueles que pensam que são eleitos. - Resposta: Isto é possível só no caso daqueles que pervertem a doutrina. Ao contrário, sua influência apropriada é tornar humildes os homens. Aqueles que se exaltam acima dos outros, supondo que são os favoritos especiais de Deus, têm razão para questionar sua eleição.
No romance, havia uma grande eficácia na demanda do amor para com o objeto do seu afeto, porque ele tinha amado desde que pôs nela os seus olhos quando ela ainda era criança. Porém o amor de Deus por nós é de muito mais tempo que aquele. Data do tempo anterior ao nosso nascimento; na eternidade passada. É um amor que se prendeu a nós embora Deus conhecesse o pior de nós. É um amor imutável, porque se fundamenta no infinito amor de Deus a Cristo. Jr. 31.3 - "Há muito que o Senhor me apareceu, dizendo: Com amor eterno te amei, também com amável benignidade te atraí"; Rm. 8.31-39 - "Se Deus é por nós, quem será contra nós ... Quem nos separará do amor de Cristo"? A resposta é que nada "nos separará do amor de Deus que está em Cristo Jesus, nosso Senhor". Este amor se submete e se humilha: SI. 115.1 - "Não a nós, Senhor, não a nós, mas ao teu nome dá glória por amor da tua benignidade e da tua verdade".

Teologia Sistemática
487
Do efeito da doutrina da eleição, Calvino, na sua Institutes, 3.22.1, assinala que "quando a mente humana ouve falar nela, sua irritação quebra todo o constrangimento e ela descobre tanto a séria e violenta agitação como se estivesse alarmada pelo som de uma trombeta marcial". A causa de tal agitação mora na apreensão do fato de que se trata de inimigo de Deus e ainda absolutamente dependente da sua misericórdia. Este tipo de apreensão leva normalmente à submissão. Mas o rebelde conquistado não pode dar graças a si mesmo; toda a gratidão é devida a Deus, que o escolheu e o renovou.
Os sentimentos obtidos não são de orgulho ou complacência de si mesmo, mas de gratidão e amor.
Ahinologia cristã dá testemunho destes efeitos. Isaac Watts (+1748): "Por que fui feito a fim de ouvir a tua voz e entrar embora não haja lugar, quando milhares fizeram uma escolha miserável e passar fome ao invés de vir.
O mesmo amor que ampliou a festa à qual me forçou a entrar; eu mesmo recusei prová-la e perecia no me\j pecado. Tem compaixão das nações, ó Deus! Envia o teu Verbo vitorioso por todo o mundo e traze de volta os peregrinos". Josiah Conder (+1855): "Não fui eu que te escolhi, pois, Senhor, não tenho condições de fazê-lo; este coração ainda te recusaria; mas tu me esco- Iheste a mim; Lavaste-me do pecado que me manchou e tornaste-me livre e para isto me ordenaste que eu viva para ti. Foi a tua soberana misericórdia que me chamou e me ensinou a abrir a mente; eu tinha sido um cativo de um outro mundo; cego a respeito das glórias celestes. Nada há no meu coração que esteja acima de ti; da tua graça sinto sede; Sabendo isto: se eu te amo, tu me amaste primeiro"
Dissuade o esforço para a salvação do impenitente quer da parte dele mesmo, quer da parte dos outros. - Resposta: Visto que é um decreto contido nos seus arcanos, não pode embaraçar ou dissuadir tal esforço. Por outro lado, é base de encorajamento e assim um estímulo para o esforço; pois, sem a eleição, é certo que todos estariam perdidos (At. 18.10). Enquanto torna humilde o pecador, de modo que ele queira clamar por misericórdia, estimula- o também a mostrar-lhe que alguns serão salvos e (visto que a eleição e a fé estão em inseparável conexão) que ele estará salvo, só se crer. Enquanto faz o crente sentir-se dependente do poder de Deus, em seus esforços pelo impenitente, leva-o a dizer com Paulo que ele "sofre por amor dos escolhidos para que também alcancem a salvação que está em Cristo Jesus com glória etema" (2 Tm. 2.10).
O decreto da parte de Deus de que o grupo que estava no mesmo navio em que Paulo se encontrava seria salvo (At. 27.24) não torna óbvia a necessidade de que eles continuariam no navio (v. 31). No casamento, a eleição do homem não exclui a da mulher; do mesmo modo a eleição da parte de Deus não exclui a do homem. Há necessidade tanto do esforço como se a eleição não existisse. Por isso a pergunta para o pecador não é: "Sou eu um dos eleitos"?, mas, ao invés disso: "O que farei para ser salvo"? Milton representa

488
Augustus Hopkins Strong
os espíritos do inferno como que debatendo a presciência e a livre vontade, peregrinando perdidos nos labirintos.
Ninguém é salvo enquanto não pára de se debater e começa a agir. E, ainda ninguém começará a agir, se o Espírito de Deus não o mover. O Senhor estimulou Paulo, dizendo-lhe: "Tenho muito povo nesta cidade" (At. 18.10) - povo que eu trarei pela tua palavra. "O velho Adão é muito forte para o jovem Melanchton". Se Deus não regenerar, não haverá nenhuma esperança de sucesso na pregação: "Deus permanece impotente diante da majestade da vontade senhoril do homem. Os pecadores têm a glória da sua própria salvação. Orar para que Deus converta o homem é um absurdo. Deus elege o homem porque prevê que o homem se elegerá a si mesmo" (ver S. R. Mason, Truth Unfolded, 298-307). Na verdade, a doutrina da eleição não prescinde das esperanças daqueles que põem a sua confiança em si mesmos; mas seria melhor que tais esperanças fossem destruídas e que, em seu lugar, a puséssemos na graça soberana de Deus. A doutrina da eleição, na verdade, ensina a dependência total que o homem tem de Deus e a impossibilidade de qualquer frustração e desordem nos planos divinos por causa da desobediência do pecador e abate o orgulho humano até que ele decida tomar o lugar de alguém que suplica misericórdia.
Criticaram Roland Hill por pregar a eleição e ainda exortar os pecadores ao arrependimento; disseram-lhe que ele só deveria pregar aos eleitos. Ele respondeu que, se o crítico pusesse uma marca de giz em todos os eleitos, ele só pregaria a estes. Mas esta não é a verdade toda. Não só nós desconhecemos quem são os eleitos de Deus, mas precisamos pregar tanto aos eleitos como aos que não o são (Ez. 2.7 - "tu lhes dirás as minhas palavras, quer ouçam quer deixem de ouvir"), na certeza de que a nossa pregação tornará o céu mais elevado para aqueles e o inferno mais profundo para estes (2 Co. 2.15,16 - "Porque para Deus somos o bom cheiro de Cristo nos que se salvam e nos que se perdem. Para estes, certamente, cheiro de morte para morte; mas para aqueles, cheiro de vida para vida"; cf. Lc. 2.34 - "Eis que este é posto para queda e elevação de muitos em Israel" = para queda de alguns e para levantamento de outros).
A própria ação de graças de Jesus em Mt. 11.25,26 - "Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, que ocultaste estas coisas aos sábios e instruídos e as revelaste aos pequeninos. Sim, ó Pai, porque assim te aprouve". - é imediatamente seguido pelo convite contido no v. 28 - "Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei". Na sua mente não há contradição alguma entre a graça soberana e os livres convites do evangelho.
W. Northrup, em The Standard, 19 de setembro de 1889 - " 1. Deus quer salvar cada um da raça humana que ele pode salvar e continua sendo Deus; 2. Cada membro da raça tem uma provação completa e justa, de sorte que todos possam ser salvos e o sejam e valerem-se corretamente da luz que já têm". ... (Carta particular: "As limitações de Deus na concessão da salvação: 1. No poder de Deus relativo à livre vontade; 2. Na benevolência de Deus, que requer o maior bem da criação ou o maior bem agregado do maior número; 3. No propósito que Deus tem de fazer a mais perfeita limitação de si mesmo; 4. Na soberania de Deus como prerrogativa absolutamente opcional

Teologia Sistemática
489
no seu exercício; 5. Na santidade de Deus que envolve limitações da parte dele ao tratar dos agentes morais. Nada a não ser uma impossibilidade absoluta, metafísica ou moral, poderia ter impedido a ele, 'cuja natureza e cujo nome é amor' de decretar e garantir a confirmação de todos os agentes morais na santidade e bem-aventurança para sempre".
O decreto da eleição implica um decreto de reprovação. - Resposta: O decreto de reprovação não é um decreto positivo como o da eleição, mas permissivo que permite ao pecador a rebelião por livre escolha e as conseqüências naturais da punição.
A eleição e a soberania são apenas fontes do bem. A eleição não é um decreto destrutivo; é um decreto apenas para salvar. Quando elegemos um presidente não precisamos de uma segunda eleição para determinar que os outros milhões restantes não serão presidentes. Não é necessário aplicar qualquer artifício ou força. Como a água, os pecadores, se simplesmente forem deixados, correrão morro abaixo para a ruína. O decreto da reprovação é simplesmente um decreto de não agir - deixar o pecador por sua própria conta. O resultado natural deste abandono judicial, da parte de Deus. é o endurecimento e destruição do pecador. Porém convém não esquecer que ta] endurecimento e destruição não se devem a qualquer causa eficiente da parte de Deus; são o endurecimento e destruição próprios; o abandono judicial de Deus é tão somente a justa punição da culposa rejeição da parte do pecador relativa à misericórdia oferecida.
Ver Os. 11.8 - "Como te deixaria, ó Efraim? ... Está mudado em mim o meu coração, todos os meus pesares juntamente estão acesos"; 4.17 - *Efra- im está entregue aos ídolos; deixa-o"; Rm. 9.22,23 - "E que direis se Deus. querendo mostrar a sua ira e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita paciência os vasos da ira, preparados para a perdição, para que também desse a conhecer as riquezas da sua glória nos vasos de misericórdia que para glória já dantes preparou" - note que a expressão "dantes preparou' declara uma causa eficiente divina positiva, no caso dos vasos de misericórdia, enquanto "preparados para a perdição" não sugere tal atuação positiva de Deus; os vasos da ira preparados eles mesmos para a perdição; 2 Tm.
- "vasos ... uns para honra, outros, porém, para desonra"; Jd. 4 - "antes estavam escritos para este mesmo juízo"; Mt. 25.34,41 - "o reino que vos está preparado ... preparado [não para vós, não para os homens, mas] para o diabo e seus anjos" = há uma eleição para a vida, mas não uma reprovação para a morte; um livro da vida (Ap. 21.27), mas não um livro da morte.
E. G. Robinson, Christian Theology, 313 - "Reprovação, no sentido de predestinação absoluta para o pecado e perdição eterna nem é uma seqüência da doutrina da eleição, nem do ensino das Escrituras". Os homens não são "indicados" para a desobediência e engano do mesmo modo que não são "indicados" para a salvação. Deus emprega os meios positivos para salvar, não para destruir. Henry Ward Beecher: "Os eleitos são quaisquer que

490
Augustus Hopkins Strong
querem; os não eleitos são quaisquer que não querem". George A. Gordon, New Epoch for Faith, 44 - "A eleição bem entendida teria sido a força salvadora de Israel; mal entendida, a sua ruína. A nação entendia que a sua eleição significava a rejeição das outras nações. ... A igreja cristã repetiu o erro de Israel".
A Confissão de Westminster reza: "Pelo decreto de Deus, para a manifestação da sua glória, alguns homens e anjos são predestinados para a vida eterna e outros para a morte eterna. Anjos e hojnens, assim predestinados e preordenados, são particular e imutavelmente designados; e o seu número é tão certo e definido que nem pode ser aumentado nem diminuído. Deus se agradou do resto da humanidade conforme o insondável conselho da sua própria vontade pelo qual ele estende ou restringe a misericórdia como lhe apraz para a glória do seu poder soberano sobre as suas criaturas a fim de perdoar e ordená-los para a desonra e ira por causa do seu pecado para o louvor da sua gloriosa justiça". Isto reza como se tanto os salvos como os perdidos fossem originariamente feitos com vistas aos seus estados finais independentemente do seu caráter. Isto é um supralapsarismo. É certo que os supralapsários estavam em maioria na Assembléia de Westminster e determinaram a forma da declaração apesar de haver também sublapsários, que objetaram ser apenas por causa da sua iniqüidade prevista que eles foram reprovados. Mais tarde, em sua declaração da doutrina, os presbiterianos na América esclareceram que o decreto de reprovação da parte de Deus é permissivo, e que não coloca nenhuma barreira no caminho da salvação de qualquer ser humano.
VOCAÇÃO
Vocação é o ato de Deus pelo qual os homens são convidados a aceitar,
pela fé, a salvação providenciada por Cristo. - As Escrituras distinguem entre:
A vocação geral, ou exterior, a todos homens através da providência de
Deus, da palavra e do Espírito.
Is. 45.22 - "Olhai para mim e sereis salvos, vós, todos os termos da terra; porque eu sou Deus e não há outro"; 55.6 - "Buscai ao Senhor enquanto se pode achar, invocai-o enquanto está perto"; 65.12 - "chamei, e não respon- destes; falei, e não ouvistes, mas vós fizestes o que é mal aos meus olhos e escolhestes aquilo em que eu não tinha prazer"; Ez. 33.11 - "Vivo eu, diz o Senhor Jeová, que não tenho prazer na morte do ímpio, mas em que o ímpio se converta do seu caminho e viva; convertei-vos, convertei-vos dos vossos maus caminhos; pois por que razão morrereis, ó casa de Israel"? Mt. 11.28 - "Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei"; 22.3 - "Enviou os seus servos a chamar os convidados para as bodas; e estes não quiseram vir"; Mc. 16.15 - "Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda a criatura"; Jo. 12.32 - "E eu, quando for levantado da terra, todos atrairei a mim" - atrair, não arrastar; Ap. 3.20 - "Eis que estou à porta e bato;

Teologia Sistemática
491
se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e com ele cearei e ele comigo".
Vocação especial, eficaz, do Espírito Santo aos eleitos.
Lc. 14.23 - "Saí pelos caminhos^ atalhos e forçai-os a entrar, para que a minha casa se encha"; Rm. 1.7-"Atodos os que estais em Roma, amados de Deus, chamados santos: Graça e paz de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo"; 8.30 - "E aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a esses também justificou"; 11.29 - "Porque os dons e a vocação de Deus são sem arrependimento"; 1 Co. 1.23,24 - "mas nós pregamos a Cristo crucificado, que é escândalo para os judeus e loucura para os gregos. Mas, para os que são chamados, tanto judeus como gregos, lhes pregamos a Cristo, poder de Deus e sabedoria de Deus"; 26 - "Porque vede, irmãos, a vossa vocação, que não são muitos os sábios segundo a carne, nem muitos os poderosos, nem muitos os nobres que são chamados"; Fp. 3.14 - "prossigo para o alvo, pelo prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus";
Ef. 1.18- "para que saibais qual seja a esperança da sua vocação e quais as riquezas da glória da sua herança nos santos"; 1 Ts. 2.12 - "para que vos conduzísseis dignamente para com Deus que vos chama para o seu reino e glória"; 2 Ts. 2.14 - "para o que, pelo nosso evangelho, vos chamou, para alcançardes a glória de nosso Senhor Jesus Cristo"; 2 Tm. 1.9 - "que nos salvou e nos chamou com uma santa vocação; não segundo as nossas obras, mas segundo o seu próprio propósito e graça que nos foi dada em Cristo Jesus, antes dos tempos dos séculos"; Hb. 3.1 - "irmãos santos, participantes da vocação celestial"; 2 Pe. 1.10- "Portanto, irmãos, procurai fazer cada vez mais firme a vossa vocação e eleição".
Só duas perguntas necessitam de especial consideração:
É sincera a vocação geral de Deus?
Nega-se isto com base em que tal sinceridade é incompatível, primeiro, com a incapacidade de o pecador obedecer; e segundo, com o desígnio de Deus conceder só aos eleitos a graça especial se eles não vão obedecer.
A primeira objeção respondemos que, porque esta incapacidade não é física, mas moral, consistindo na perversidade de uma estabelecida vontade má, não pode haver nada de insinceridade em oferecer salvação a todos, especialmente quando a oferta é em si um apropriado motivo para a obediência.
A chamada de Deus para o arrependimento e para fé no evangelho não é mais desprovida de sinceridade do que o imperativo a todos os homens para que o amem de todo o coração. Não há nenhum obstáculo no caminho da obediência do homem à lei. Se é natural publicar os mandamentos da lei, também o é sobre os convites do evangelho. O homem pode ser perfeitamente sincero fazendo um convite que ele sabe que será rejeitado. Ele pode

492
Augustus Hopkins Strong
desejar que o seu convite seja aceito, conquanto ele ainda possa, por certas razões de justiça ou por dignidade pessoal, não desejar fazer esforços especiais, além do próprio convite, para garantir a sua aceitação da parte daquele a quem o convite é feito. O desejo de Deus de que alguns homens sejam salvos pode não ser acompanhado da sua vontade de exercer influências especiais para salvá-los.
Tais desejos estão representados pelos antigos teólogos na expressão "vontade revelada"; o seu propósito é conceder uma ^raça especial através da expressão "vontade secreta". É daquela que Paulo, fala em 1 Tm. 2.4 - "que quer que todos os homens sejam salvos". Não temos aqui a voz ativa ocoacu, mas a passiva acoGfjvou. O sentido não é o dos propósitos de Deus de salvar todos os homens, mas de que ele deseja que todos os homens sejam salvos através do arrependimento e fé no evangelho. Por isso, a vontade revelada ou o desejo de Deus no sentido de que todos sejam salvos é perfeitamente consistente com a sua vontade e propósito de conceder graça especial só a um certo número de pessoas.
A sinceridade da vocação de Deus é apresentada não só no fato de que o único obstáculo à concordância, da parte do pecador, é a própria má vontade deste, mas também o fato de que Deus, a custo infinito, fez uma provisão externa apoiada no fato de que "quem quiser venha e beba de graça da água da vida" (Ap. 22.17); de sorte que Deus pode dizer com verdade: "que mais se podia fazer à minha vinha, que eu lhe não tenha feito"? (Is. 5.4). Broadus, Com. on Mt. 6.10 - "Seja feita a tua vontade" - distingue entre a vontade do propósito de Deus, do desejo e do mandamento. H. B. Smith, Syst. Theology 521 - "A graça comum passa por uma outra que é eficaz na medida em que o pecador se entrega à influência divina. A graça eficaz é aquela que efetua o que a graça comum tende a fazer".
Quanto à segunda, respondemos que a objeção, se verdadeira, igualmente manter-se-ia contra a presciência de Deus. A sinceridade da vocação geral de Deus não é mais inconsistente com a sua determinação que permite a alguns recusá-la do que com a presciência de que alguns a rejeitarão.
Hodge, Syst. Theology, 2.643 - "A predestinação trata apenas do propósito de Deus de tornar eficaz, em casos particulares, uma vocação dirigida a todos. Uma anistia geral, em certas condições, pode ser oferecida por um soberano a um rebelde, embora ele saiba que, por causa do orgulho e da maldade, muitos se recusarão a aceitá-la; mesmo assim, por sábias razões, ele deve determinar não constranger o seu assentimento, supondo que tal influência sobre as mentes deles estariam dentro das suas forças. É evidente, pela natureza da vocação, que nada tem a ver com o propósito secreto de Deus de admitir a sua graça eficaz a uns e não a outros. ... Conforme o esquema agostiniano, os não eleitos têm todas as vantagens e oportunidade de garantir a sua salvação, que, de acordo com qualquer outro esquema, são admitidos à humanidade indistintamente. ... Deus designou em sua adoção, salvar o seu próprio povo, mas oferece consistentemente os seus benefícios a todos os que querem recebê-los".

Teologia Sistemática
493
É a vocação especial de Deus irresistível?
Preferimos dizer que esta vocação especial é eficaz; isto é, que infalivelmente cumpre seu propósito de levar o pecador à aceitação da salvação. Isto implica em duas coisas:
Que a operação de Deus não é um constrangimento externo sobre a vontade humana, mas que concorda com as leis da nossa constituição mental. Rejeitamos o termo 'irresistível', como implicando uma coerção ou compulsão estranha à natureza da obra de Deus na alma.
SI. 110.3 - "O teu povo se apresentará voluntariamente no dia do teu poder, com santos ornamentos; como vindo do próprio seio da alva, será o orvalho da tua mocidade" - /.e., o recrutamento dos jovens para o teu padrão, tão inumerável e brilhante como o orvalho da manhã; Fp. 2.12,13 - "operai a vossa salvação com temor e tremor; por que é Deus quem opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade" /'.e., o resultado da obra de Deus é a nossa própria obra. A Fórmula Luterana da Concórdia com propriedade condena o ponto de vista de que, antes, durante e depois da conversão, a vontade só resiste ao Espírito Santo; por isso, ela declara que é a própria natureza da conversão, que, na falta de vontade, Deus faz com que as pessoas a tenham.
Os. 4.16 - "como uma vaca rebelde se rebelou Israel", ou "como uma vaca esgueirou-se para trás" = quando se apresenta a oferta sacrificial para ser morta, ela recua, desvia as ancas de modo a ser impelida e forçada antes de ser trazida ao altar. Estes não são "os sacrifícios de Deus" os quais são "um espírito quebrantado e um coração contrito" (SI. 51.17). E. H. Johnson, Theology, 2- ed., 250 - "Em lugar algum o N.T. declara, ou mesmo sugere, que a chamada geral do Espírito Santo é insuficiente. E além disso, nunca afirma que a chamada eficiente é irresistível. Psicologicamente, falar da influência irresistível sobre a faculdade da autodeterminação no homem é uma contradição expressa em termos. Nenhum dano pode advir do reconhecimento de que nós não conhecemos as razões não reveladas por que um indivíduo é eleito para a vida eterna ao invés de outro". Dr. Johnson vai além, argumentando que, caso não haja o desprezo da graça, a fé pode ser uma condição da justificação; ela pode ser uma condição para a eleição e, visto que a salvação é recebida como um dom apenas sob a condição do exercício da fé, ela tem como propósito um dom, mesmo que apenas sob a condição da fé prevista. Isto nos parece ignorar o farto testemunho da Escritura de que até mesmo a fé é um dom de Deus e, por isso, a iniciativa deve estar totalmente com Deus.
Que a operação de Deus é a causa originadora da nova disposição dos sentimentos e da nova atividade da vontade pela qual o pecador aceita a Cristo. A causa não está na resposta da vontade à apresentação dos motivos da parte de Deus, nem na mera cooperação da vontade do homem com a vontade de Deus, mas é um ato onipotente de Deus na vontade do homem, pelo qual

494
Augustus Hopkins Strong
sua liberdade de escolher Deus como seu fim é restaurada e corretamente exercida (Jo. 1.12,13). Para maior discussão do assunto, ver, na seção seguinte, as notas sobre a Regeneração com as quais esta chamada eficaz se identifica.
Jo. 1.12,13 - "Mas a todos quantos o receberam deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus: aos que crêem em seu nome, os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do varão, mas de Deus". A graça salvadora de Deus e a vocação eficaz são irresistíveis, não no sentido de que não haverá resistência, mas no sentido de que esta não será bem sucedida.
Matheson, Moments on the Mount, 128,129 - "O teu amor por ele é para o seu amor por ti o que a luz do sol sobre o mar é para a luz do sol no firmamento: um reflexo, um espelho, uma difusão; tu devolves a glória que foi lançada sobre as águas. Na atração da tua vida para com ele, no apego do teu coração ao dele, se diz que ele está perto de ti, tu ouves a pulsação dele por ti".
Upton, Hibbert Lectures, 302 - "A respeito da nossa razão e da essência dos nossos ideais, não há nenhum dualismo real entre o homem e Deus; mas no caso da vontade que constitui a essência de cada individualidade do homem, há um dualismo real e, conseqüentemente um possível antagonismo entre a vontade e o espírito dependente, o homem, a vontade do espírito absoluto e universal que é Deus. Essa dualidade real da vontade, e não a aparência da dualidade, como F. H. Bradley propõe, é condição essencial da ética e da religião".
SEÇÃO II - A APLICAÇÃO DA REDENÇÃO DE CRISTO PRECISAMENTE NO COMEÇO
Sob este tópico tratamos da União com Cristo, Regeneração, Conversão (abrangendo Arrependimento e Fé) e Justificação. Tem surgido muita confusão e erro ao concebê-las como ocorrendo em ordem cronológica. Sua ordem não é cronológica, mas lógica. Como é só "em Cristo" que o homem é uma "nova criatura" (2 Co. 5.17) ou é justificado (At. 13.39), a união com Cristo logicamente precede tanto a regeneração como a justificação; contudo, cronologicamente, o momento da nossa união com Cristo é também o momento quando somos regenerados e justificados. Assim, também, a regeneração e a conversão são apenas os lados divino e humano ou aspectos do mesmo fato, apesar de que a regeneração tem precedência lógica e o homem se volta para Deus só quando Deus se volta para ele.
Dorner, Glaubenslehre, 3.694, neste ponto apresenta um relato da obra do Espírito Santo em geral. A obra do Espírito Santo, diz ele, pressupõe a de Cristo e prepara o caminho para a volta deste. "Como o Espírito Santo é o princípio da união entre o Pai e o Filho, do mesmo modo ele é o princípio da

Teologia Sistemática
495
união entre Deus e o homem. Só através do Espírito Santo Cristo garante para si aqueles que hão de amá-lo como pessoas distintas e livres". A regeneração e a conversão não são cronologicamente separadas. Quem de uma roda começa a falar primeiro? O raio de luz e o raio de calor entram no mesmo momento. A sensação e a percepção não estão separadas no tempo, embora aquela seja a causa desta.
Suponha um tubo não elástico estendido através do Atlântico. E que este tubo esteja completamente cheio de um fluido incompressível. Neste caso não há nenhum intervalo de tempo entre o impulso dado ao fluido nesta extremidade do tubo e o seu efeito na outra extremidade". \/erHAZARD, Causation and Freedom in Willing, 33-38, que argumenta que a causa e o efeito são sempre simultâneos; também no tempo que medeia, há uma causa sem efeito; isto é, uma causa que não efetua nada; isto é, uma causa que não é causa. "Pode existir uma causa potencial de um período ilimitado sem que produza qualquer efeito e, naturalmente, pode preceder o seu efeito a qualquer distância relativa ao tempo. Mas se a causa verdadeira, eficaz, fosse o exercício de uma força suficiente, o seu efeito não pode ser adiado; pois, nesse caso, haveria o exercício de uma força suficiente para produzir o efeito, sem produzi-lo; envolveria o absurdo de ser, ao mesmo tempo, tanto suficiente como insuficiente.
"Pode-se sugerir aqui uma dificuldade com relação ao fluxo ou ao progresso dos eventos no tempo, se eles são simultâneos às suas causas. Esta dificuldade não pode aparecer quanto ao esforço inteligente; porque, a respeito dele, períodos de inação podem interferir continuamente; mas se há série de eventos e de fenômenos materiais cada um dos quais é por sua vez efeito e causa, pode ser difícil ver como em qualquer tempo poderia decorrer entre o primeiro e o último da série. Se, contudo, como suponho, a série de eventos ou alterações materiais, sempre se efetuam por meio do movimento, não é preciso perturbar-nos, pois há exatamente a mesma dificuldade a respeito do nosso conceito do movimento da matéria de um ponto ao outro; não há espaço ou distância entre dois pontos consecutivos e o corpo em movimento vai de um terminal de uma longa linha ao outro e, neste caso, esta dificuldade neutraliza a outra.... Deste modo, mesmo que não possamos conceber como o movimento envolve a idéia de tempo, podemos perceber que, se isto ocorre deste modo, pode ser um meio de transferir os eventos, que dependem dela, também através do tempo".
Martineau, Study, 1.148-150 - "Simultaneidade não exclui duração" visto que cada causa tem duração e cada efeito também a tem. Bowne, Metaphy- sics, 106 - "No sistema, a base completa de um evento nunca se encontra numa coisa qualquer, mas num complexo de coisas. Se uma só coisa fosse a base suficiente de um efeito, este coexistiria com a coisa, e todos efeitos ocorreriam instantaneamente. Por isso todos eventos do sistema devem ser vistos como o resultado da interação de duas ou mais coisas".
A primeira manifestação de vida de um infante pode ocorrer nos pulmões, ou no coração ou no cérebro, mas o que toma qualquer e todas essas manifestações possíveis é a vida antecedente. Podemos não ser capazes de dizer o que vem em primeiro lugar, mas ter a vida que temos em todo o seu restante. Quando a roda gira, todos os raios também giram. A alma que renasce

496
Augustus Hopkins Strong
mostrará isso na fé, e na esperança, e no amor, e no espírito vivo. A regeneração envolverá arrependimento, e fé, e justificação e santificação. Mas a única vida que torna possível a regeneraçã
Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.